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TEATRO DE CORDEL

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Teatro de cordel e formação para a cena:
textos reunidos
ARMINDO BIÃO
Teatro de cordel e formação para a cena:
textos reunidos
P&A Gráfica e Editora
Salvador - Bahia
2009
Copyright 2009, Armindo Jorge de Carvalho Bião
Projeto gráfico
Editoração eletrônica
Antonio Raimundo Martins Cardoso
Capas e foto
João Paulo Perez Cappello
Revisão
Heloisa Prata e Prazeres
Normalização bibliográfica
Flávia Catarino Conceição Ferreira
FICHA CATALOGRÁFICA
B473t Bião, Armindo Jorge de Carvalho
Teatro de cordel e foramção para a cena: textos reunidos/
Armindo Jorge de Carvalho Bião, Prefácio Jean-Marie Pradier. –
Salvador: P&A Gráfica e Editora, 2009.
447 p.
ISBN: 978-85-86268-70-0
1. Literatura de cordel. 2. Literatura de cordel – Teatro. 3.
Etnocenologia. I. Pradier, Jean-Marie. II. Título.
CDD 389.5
P & A Gráfica e Editora
Endereço: Av. Iemanjá, 365 – Jardim Armação
CEP 41710-755 – Salvador – Bahia
Tel.: (71) 3371-1665
pagrafica@uol.com.br
Para meus alunos,
que colaboraram com a maior parte dos textos aqui reunidos,
sempre me motivaram a escrever e,
mais recentemente,
me sugeriram publicá-los.
Para meus professores,
Robert Moulton, Elisabeth Nash, Barbara McIntyre, Wesley Balk, Doug
Berry, David W. Thompson, Glen Gadberry e Charles Nolte,
que me ensinaram teatro na universidade.
Para meus mestres de teatro
João Augusto, Luciano Diniz Borges e Álvaro Guimarães (in memoriam),
Deolindo Checcucci, Manoel Lopes Pontes e Vieira Neto,
Harildo Deda e Benvindo Siqueira.
.
E, finalmente, para meu tio-avô, irmão de minha avó paterna,
Armindo Valverde Martins, que,
através de meu pai,
Romeu Martins Bião,
me legou sua caderneta e álbuns de viagem
das Olimpíadas de Berlim de 1936,
além de outros álbuns e referências
sobre poesia, cinema e a criação de estrelas!
Agradeço a meus tios pelo lado paterno
Mariath Martins Bião,
que me levou aos primeiros espetáculos teatrais
e à verdadeira cabeça cortada de Lampião morto ainda não enterrada,
e Eduardo Martins Bião,
que me inspirou com seus folhetos de cordel, a sanfona e seu trio
nordestino,
e, pelo lado materno,
a Tia Iaiá, Maria Nilda de Carvalho Martins,
que armava todo ano o maior e mais misterioso presépio que já
conheci de bem perto,
a Tereza Conceição Araújo dos Santos,
que produziu muitos presépios vivos dos quais participei.
e a Tio Raul Nobre Martins,
que me mostrou os filmes de Carlitos, entre tantos outros.
Agradeço também a minha mãe
Dulce Aleluia de Carvalho Bião,
pelo apoio incondicional,
a João Paulo Perez Cappelo,
pelas capas, fotos e ajuda com os originais
e a Marcos Lopes,
pelo apoio.
SUMÁRIO
Nota do autor sobre a presente edição .......................................................... 11
Prefácio: A vida na obra, A obra na vida ....................................................... 19
Préface: La vie dans l’oeuvre, L’oeuvre la vie .............................................. 27
Do teatro de cordel
A Padilla: história, mito e teatro (2008) .............................................................. 37
Itinerário de Maria Padilha (2008) ........................................................................ 43
Faustos e diabos na encruzilhada dos discursos germânicos e brasileiros
(2007) ........................................................................................................................ 53
“Mulher é o diabo!” (2007) ................................................................................... 77
O oral, o impresso e a cena: pesquisa artística e científica (2006) ..................... 91
Conférence de Tombouctou (2005) ..................................................................... 99
O cordel da vida e o teatro e a palavra bião (2005) ............................................ 121
Sobre quatro entremezes portugueses e a palavra bião (2005) ........................ 135
Sobre o Isto é bom demais! (2005) ..................................................................... 149
Conclusão do livro Teatro de cordel na Bahia e em Lisboa (2005) ................. 157
Isto é bom! um sarau barroco (2002) ................................................................. 161
Da formação para a cena
As artes do espetáculo no Brasil contemporâneo (2008) ................................. 173
ABRACE: avaliação de um percurso e perspectivas (2007) .............................. 207
O teatro do mundo: da importância dos cenários e dos figurinos (2007) .... 221
Fundamentos do discurso sobre as artes cênicas no Brasil (2007) ................. 223
Sobre o teatro e as publicações a seu respeito (2005) ........................................ 239
Indicadores para a avaliação da produção acadêmica da Escola de Teatro da
UFBA 1956/ 1997 (1998) ...................................................................................... 243
A especificidade da pesquisa em artes cênicas no ambiente universitário
brasileiro (1999) ...................................................................................................... 265
Artes cênicas na universidade brasileira comentários sobre parcerias e a
criação de um programa de pós-graduação em artes cênicas na Bahia (1998) 271
A liquidez do mercado e a fúria legislativa: sobre o ensino de artes nos
níveis fundamental, médio, superior e pós-graduação e suas relações com
a formação profissional em artes (1997) ............................................................. 285
A mesa falante (1997) ............................................................................................. 291
Alguns comentários sobre ingresso em curso superior de teatro e pós-
graduação (1993) ..................................................................................................... 303
Dramaturgia Brasileira em Aulas de Interpretação (1984) ............................... 321
Supporting Paper on Spring Romance: a Master of Fine Arts Acting Recital
(1983) ........................................................................................................................ 357
O Ator Nu: Notas Sobre Seu Corpo e Treinamento Nos Anos 80 (1982) .. 371
Miscelânea do mesmo
Sobre o GIPE-CIT para o CNPq em 30 de novembro de 2008 .................... 387
As logomarcas do GIPE-CIT, do PPGAC e da ABRACE ........................... 389
O cordel ainda está muito vivo no Brasil (2008) ............................................... 393
Tentativa de contribuição sobre áreas de conhecimento da Tabela do CNPq
(2007) ........................................................................................................................ 401
Prefácio à edição brasileira de livro francês sobre cordel (2006) ....................... 403
Discurso para os graduados pela Escola de Teatro da UFBA em (2006) ...... 407
Nota histórica sobre a ABRACE (2003) ............................................................. 413
Editorial de Memória ABRACE V: Anais do II Congresso (2002) .............. 415
Editorial de Memória ABRACE IV: Livro de Resumos do II Congresso
(2001) ........................................................................................................................ 417
Editorial de Memória ABRACE III: Como pesquisamos? Os Grupos de
Trabalhos (2001) ..................................................................................................... 419
Editorial de Memória ABRACE II: Anais da I Reunião Científica (2000) ... 421
Editorial de Memória ABRACE I: Anais do I Congresso (2000) ................. 423
Discurso para os graduados pela Escola de Teatro da UFBA em 1999 (1999) 427
O Teatro Mora na Filosofia (1999) ...................................................................... 429
Depoimento sobre Estudo no Exterior (1994) ................................................ 433
Teatro, como arte de comunhão (1984) .............................................................. 439
11
Armindo Bião
Nota do autor sobre a presente edição
A “presente edição” à qual se refere este título é a dedois livros,
nos quais esta mesma “Nota” aparece: Etnocenologia e a cena baiana
e Teatro de cordel e formação para a cena, ambos com a característica
idêntica, de reunirem textos de um só autor, quase todos já publicados
anteriormente em outros livros e periódicos.
Em Etnocenologia e a cena baiana, estão reunidos 40 textos, já
publicados entre 1988 e 2008 no Brasil e na França (dois dos quais ainda
no prelo no momento da presente edição), nas linhas de pesquisa que
passei a desenvolver em função de meu doutoramento. Além do campo
de pesquisa privilegiado que tem sido a Bahia (inclusive seu teatro), foco
de mais de um quarto dos ensaios, artigos e outros textos aí reunidos,
esse livro traz um conjunto de abordagens de caráter epistemológico e
metodológico, no horizonte teórico da sociologia relativista e
compreensiva do atual e do cotidiano e da etnociência das artes do
espetáculo, a etnocenologia.
Em Teatro de cordel e formação para a cena, estão reunidos
52 textos, produzidos entre 1982 e 2008 nos Estados Unidos da América
do Norte, no Brasil e na França (cinco dos quais ainda inéditos no
momento da presente edição), relativos à interpretação teatral, a minha
prática de ator, encenador e professor de artes do espetáculo e às pesquisas
que venho desenvolvendo no âmbito da oralidade e da teatralidade da
literatura de cordel. A palavra bião, que identifica minha família paterna e
que aparece em textos do teatro de cordel lisboeta do século XVIII, é aí
motivo de reflexão pessoal, profissional, antropológica e etnocenológica.
Razões históricas da edição dos dois livros
Ao longo de 30 anos de atuação como docente universitário, na
área das artes do espetáculo, tenho me deparado com o grande problema
do texto didático: sua escassez e dificuldade de acesso. Na Bahia, em
12
Teatro de cordel e formação para a cena: textos reunidos
particular, esse problema só me parece ser menor que o de nossas
bibliotecas públicas, cuja grandeza só me foi revelada, em toda sua
dramática extensão, quando estudei, no início dos anos 1980, nas
Universidades de Pittsburgh e Minnesotta, nos Estados Unidos da América
do Norte. De fato, ali, a abundância de textos disponíveis – e a eficiente
existência de bibliotecas, de grande acervo com acesso fácil e ágil, abertas
ao público de modo quase ininterrupto, com pessoal bem qualificado –
surpreenderam-me.
Talvez, e não por mera coincidência, fosse ali e quando eu
começaria a estudar, de fato, metodologia da pesquisa, passaria a valorizar
a produção de textos didáticos e a boa manutenção de bibliotecas públicas
e, além disso, começaria, também, a produzir textos para uso em salas de
aulas de cursos de teatro. Daí, resultaram meus artigos “O ator nu: notas
sobre seu corpo e treinamento nos anos 80” e “Dramaturgia brasileira
em aulas de interpretação”, publicados, respectivamente, em 1982 e 1984,
na Revista Art, da então Escola de Música e Artes Cênicas da Universidade
Federal da Bahia, nossa UFBA.
A plena compreensão da pesquisa, em suas dimensões de pureza
e aplicabilidade, só me seria revelada um pouco mais tarde, no final dos
anos 1980, durante a realização de meu doutorado, nas velhas instalações
da Sorbonne, que eu escolhera por conta de sua proximidade física (em
Paris) de locais onde se praticavam técnicas teatrais de máscara, que eu
conhecera nos EUA, durante o mestrado, junto à companhia teatral franco-
norteamericana Théâtre de la jeune lune. Pois foi ali, apesar de alguma
dificuldade de acesso ao precioso acervo bibliográfico existente, que
aprendi o real e elevado valor da reflexão filosófica, da crítica e do livre
debate de ideias.
Minha atração pelo teatro, bem arcaica, quase infantil – segundo
amigos adeptos do espiritismo, de minha família, proveniente de outra
reencarnação – como se observa no parágrafo anterior, parece ser o
eixo norteador do acaso e da necessidade de minha vida acadêmica e de
minha produção bibliográfica, como se poderá confirmar no próximo
parágrafo. No entanto, a possibilidade de efetiva articulação de teoria e
prática, teatro e filosofia, artes do espetáculo e ciências do homem, só se
13
Armindo Bião
tornaria realidade para mim a partir de 1995, quando participei do evento
no qual se propôs a etnocenologia, também em Paris. Aí e então, teve
início um terceiro momento de minha produção textual, cujo formato
mais realizado só começaria a aparecer bem recentemente, em artigos
como “Um trajeto, muitos projetos” e “Um léxico para a etnocenologia”,
ambos de 2008.
Voltando ao momento chave de meu doutoramento, foi também
na Sorbonne, no final dos anos 1980, que passei a produzir textos numa
perspectiva mais teórica, como os ensaios “Le jouir du jouer” (1988) e
“Teatralidade e espetacularidade” (1990), religando-me a minha iniciação
universitária no campo da filosofia, curso, aliás, que eu escolhera, em
1967, mais uma vez, graças a minha atração primordial pelo teatro, menos
pelo conteúdo programático do curso e mais pela existência de um atuante
grupo de teatro na Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFBA,
conforme relato no texto “O teatro mora na filosofia”, escrito para as
celebrações dos 50 anos da mais antiga universidade baiana, em 1996.
Na verdade, essa religação filosofia-teatro-pensamento francês estende-
se a minha participação adolescente em dois grupos: um de “teatro de
orientação espírita” e outro de estudos sobre “a filosofia de bases científicas
e consequencias religiosas”, que seria o espiritismo ortodoxo positivista
francês, segundo a tradição oral e escrita local.
Retornando, de modo mais pontual, à presente edição simultânea
de dois livros, reunindo textos (quase todos já publicados), em minha
avaliação, mesmo com o grande avanço tecnológico e telemático, dos
últimos anos, que amplia as possibilidades de acesso a textos didáticos e
a acervos bibliográficos, o que vivemos na área das artes do espetáculo,
na Bahia sobretudo, em termos de bibliotecas públicas (universitárias ou
não), é, ainda, uma situação dramática.
Para mim é muito claro que, atuando, prioritariamente, numa
metrópole regional brasileira de médio porte, como Salvador, de um
lado, nossas dificuldades locais de publicação de livros e de periódicos
são enormes. De outro lado, mesmo havendo, aqui, uma efetiva inserção
no avanço tecnológico e telemático ao qual aludi no parágrafo anterior,
graças à ampliação do acesso às telemáticas, na verdade, nosso acesso à
14
Teatro de cordel e formação para a cena: textos reunidos
informação, que é o centro de minha atenção na presente “Nota”,
permanece problemático. Porque, além de nosso parco hábito de leitura
e de escrita, do pequeno conhecimento das metodologias da pesquisa e
das múltiplas formas escritas das línguas, em geral, talvez, até como
fato correlato, nossa produção bibliográfica pertinente seja muito escassa
e, o que é muito mais grave, continue a haver uma pequeníssima
circulação dos raros textos didáticos e dos resultados de pesquisa
efetivamente publicados, na área das artes do espetáculo.
Mesmo tendo publicado textos de minha autoria fora e dentro
do Brasil, inclusive fora da Bahia, o número pequeno de exemplares
das edições dos periódicos de nossa área de artes e sua precária circulação
internacional (e também até nacional) leva-me a um fato já muito
conhecido também em outras áreas do conhecimento em nosso país.
A questão é que, talvez, esse fato seja ainda mais grave em nossa área:
dos fenômenos efêmeros do espetáculo. Trata-se do crescimento do
uso de reproduções em fotocópias, nem sempre de boa qualidade e
eventualmente com danosas distorções das referências dos originais
copiados, de textos didáticos e de resultados de pesquisa.
Aliás, o hábito de professores deixarem, no serviço de reprodução
de textos de sua unidade acadêmica, cópias dos textos indicados para
os alunos, para serem, por sua vez, também, fotocopiadas, tem se
tornado prática cada vez mais frequente e, até, motivo de pesquisa
acadêmica.
Assim, selecionei quase uma centena de textos, publicados desde
1982, entreartigos, ensaios, palestras transcritas, entrevistas, editoriais,
prefácios, apresentações de livros e similares, por considerá-los de
alguma utilidade para as disciplinas que leciono e para as atividades de
pesquisa e extensão que desenvolvo. Como o volume do material ficou
muito grande para um só livro, fui levado a organizá-lo em dois livros,
e não em dois volumes de um mesmo livro, porque, o esforço teórico,
prático e pragmático, de seleção e preparação dos originais assim me
sugeriu.
É o resultado desse esforço, que só me enriqueceu, e que, graças
ao CNPq, à ajuda profissional de, entre outros, Heloísa Prata e Prazeres,
e ao apoio técnico de João Paulo Perez Cappello, agora vem a público.
15
Armindo Bião
Razões imediatas da edição dos dois livros
Esta edição teve origem aproximadamente em março de 2008,
quando comecei a desenvolver o projeto de pesquisa Mulheres por um
fio: inferno, purgatório e paraíso no Atlântico Negro, com o qual
recebi nova bolsa de Produtividade em Pesquisa do CNPq, agora de
Nível 1A, por três anos.
Acompanhada de um grant mensal em recursos financeiros, que
podem ser investidos em publicações, a concessão dessa bolsa me
possibilitava reunir, com objetivo de promover sua edição, tudo (ou quase
tudo) o que já havia publicado. O que me permitiria, além de promover
doações a bibliotecas especializadas, vender o produto editado aos
interessados praticamente pelo preço dos custos não cobertos pelo grant
(serviços de pessoa física, de revisão, normalização e preparação dos
originais), já que esse cobriria os custos de impressão.
E, para mim, ficava cada vez mais clara a necessidade de um suporte
desse tipo para minhas atividades acadêmicas, de pesquisa, ensino e
extensão. De modo mais pragmático – confesso – eu também queria
facilitar minha vida de professor e a de meus alunos, sobretudo a de
meus orientandos, dando-lhes mais fácil acesso a parte da bibliografia
que eu já lhes indicara e que poderia usar em futuros cursos.
No processo de reunião e seleção dos textos que já publicara,
reuni também poemas diversos (publicados e inéditos) de minha autoria,
o que resultou num terceiro livro, Bloco mágico e lua e outros poemas,
já lançado no final de 2008.
Razões metodológicas
Os textos foram organizados, de acordo com sua temática central,
nos dois livros e, dentro de cada um deles, em blocos temáticos (para os
artigos, ensaios e similares) e num bloco final, denominado “Miscelânea”,
contendo as entrevistas, editoriais e afins. Com a implantação da nova
ortografia da língua portuguesa a partir de 2009, fiz um grande esforço
de adaptação dos textos originais, publicados exclusivamente ou também
em português, às novas regras hoje em vigor, o que, sem dúvida, se altera
o texto de referência já publicado, tirando-lhe algo do sabor de outra
16
Teatro de cordel e formação para a cena: textos reunidos
época, também lhe dá uma atualidade desejável. Do mesmo modo, os
títulos foram revistos, para darem conta ao leitor, do modo mais preciso
possível, de seu conteúdo e, eventualmente, de seu contexto, como nos
casos de “Prefácio a...”, por exemplo. Quanto aos textos escritos e
publicados em francês e em inglês, ainda sem tradução para o português,
optei por republicá-los nas línguas em que estão disponíveis.
Quanto aos raros textos escritos e publicados em francês e em
inglês, ainda sem tradução para o português, optei por publicá-los nas
línguas em que estão disponíveis. Já os prefácios, de Michel Maffesoli,
para Etnocenologia e a cena baiana, e de Jean-Marie Pradier, para
Teatro de Cordel e formação para a cena, aparecem em suas versões
originais em francês e numa tradução para o português, por conta dos
principais leitores alvo: sobretudo lusófonos, mas também francófonos.
Com facilidade, o leitor poderá perceber que ideias recorrentes e,
até, trechos inteiros, reproduzem-se de um texto para outro. O que me
levou a optar por sua organização, dentro da cada bloco de textos, por
ordem cronológica, na esperança de que se possa acompanhar o processo
de transformação dessas ideias e formulações do discurso. Por isso a
ordem de apresentação dos textos em cada um desses blocos é
cronológica, do mais recente para o mais antigo, o que pode ser visualizado
nos Sumários, onde após o título de cada um deles informa-se o ano de
sua mais recente publicação, entre parênteses. O resultado dos dois livros,
assim, acaba por remeter ao universo da arte e da cultura barrocas, que
definiram a identidade de nosso país e, mais particularmente, de nossa
Bahia, de nossa Salvador e minha própria.
O fato de divulgar, para acesso e download gratuito, o conteúdo
de ambos os livros, através de www.gipe-cit.blogspot.com e de
www.teatro.ufba.br/gipe, pode comprovar minha intenção de superar
as dificuldades de acesso a textos didáticos e de resultados de pesquisa,
que classifiquei como dramáticas na área das artes do espetáculo e na
Bahia, em particular. É claro que a edição de apenas quinhentos exemplares
de cada um dos livros (para doação a bibliotecas e venda em raras livrarias,
através de um esforço muito pessoal e artesanal ou por meio daqueles
sítios virtuais acima indicados), por uma pequena editora local,
17
Armindo Bião
soteropolitana, não contribuiria de modo decisivo para o enfrentamento
daqueles problemas. Mas, também, fica claro que só a organização do
material que eu quis publicar no formato de livro me permitiu chegar até
sua divulgação pela rede mundial de computadores.
Finalmente, faz-se necessária uma referência à utilização de palavras
não dicionarizadas. A palavra “espetacularidade”, por exemplo, é definida
em vários dos textos nos quais aparece, em particular em “Um léxico
para a etnocenologia”, como a categoria dos fenômenos sociais
extraordinários. Outras palavras, provindas do vocabulário proposto por
Michel Maffesoli e de franca inspiração da filosofia alemã romântica,
contudo, merecem aqui uma, ainda que também breve, definição.
Assim, “sensorialidade” é a categoria da percepção sensorial que
se distingue de “sensibilidade”, cuja conotação de qualidade, emoção,
faculdade perceptiva e reativa e fragilidade é muito forte e distinta do
que se pretende compreender com essa nova palavra. Sensorialidade é,
mais especificamente, a condição humana de conhecer através dos sentidos.
Do mesmo modo, “afetual” é a condição humana, distinta do sensorial,
do racional e do emocional, que se refere ao conjunto de empatias,
simpatias e antipatias que aproximam e distanciam as pessoas. E
“reencantar” e “reencantamento” referem-se a uma nova forma de se
ver o mundo na cultura ocidental, fortemente marcada pelo
desencantamento da modernidade. Depois de um mundo desencantado,
estaríamos vivendo um novo momento, o do “reencantamento”, da
aceitação do mistério.
Por fim, no âmbito da história do teatro, a palavra “revistógrafo”,
que se refere ao especialista em teatro de revista, uma modalidade teatral
hoje em desuso, que gerou a palavra dicionarizada “revisteiro”, para designar
o autor de peças desse tipo, que aparece em alguns textos sobre esse tipo
de comédia musical, muito popular do final do século XIX a meados do
século XX, pode ser bem compreendida ao se conhecer o perfil de Xisto
Bahia (1841-1894), ator, músico, autor, encenador, produtor. Xisto Bahia
também pode ser considerado um revistógrafo, palavra cujo sufixo remete
mais à teoria e à grafia. Ora, teoria (e escrita) e teatro (e vida breve, na
prática) são faces da mesma moeda, até por sua origem etimológica. A
presente edição é um tributo a Xisto Bahia, ao teatro e à teoria!
19
Armindo Bião
Herdeiros de uma cultura da verdade revelada, temos tendência a
considerar as teorias do mesmo modo que um joalheiro usa para
contemplar seus diamantes, sem ter a menor ideia de quem esteve nas
minas para extraí-los da terra. A nova perspectiva que nosso grupo de
amigos abriu em 1995, denominando-a de “Etnocenologia”, age de
modo inverso. Continuando a alusão aos joalheiros, diria que ao contrário
dos cristalógrafos que recorrem ao métodomatemático e descritivo
para estudar a estrutura dos cristais em detrimento do método de sua
formação, o etnocenólogo se dedica a esclarecer a complexidade das
encarnações do imaginário, sem reduzi-las pela análise a uma mecânica
desvitalizada ou a uma estrutura simbólica sem corpo. Para conseguir
isso, é preciso pertencer a algum grupo que compartilhe ideias comuns e
ter vivenciado pessoalmente algumas experiências.
A obra que Armindo Jorge de Carvalho Bião oferece ao leitor é
um opus significativo desse procedimento ao mesmo tempo científico e
artístico, racional e sensível. Esta obra me conduz, pelo seu propósito, a
me deter num truísmo caro à Antropologia reflexiva contemporânea
que é importante lembrar: –”Toda teoria pressupõe um teórico”.
Evidência que se torna um axioma epistemológico de primeiríssima
importância na área que denominamos “Ciências da Arte”. A palavra
teoria, originada do grego, pertence etimologicamente ao campo semântico
da visão, thea. Outrora, esta palavra significava contemplação, observação
meditada e refletida, conhecimento pelo olhar. Que o substantivo teatro
dela se origine, leva à reflexão… A neurobiologia contemporânea e a
psicobiologia enfatizam que nós só percebemos o que aprendemos a
perceber e o que desejamos perceber. Ator – e que ator!–, poeta,
universitário, pedagogo, amante da vida, amigo fiel, poliglota, viajante,
Armindo Bião não tem o olhar de quem seria o seu oposto. Sua thea lhe
Prefácio:
A Vida na Obra
A Obra na Vida
20
Teatro de cordel e formação para a cena: textos reunidos
pertence de modo intrínseco e participa da elaboração de sua teoria,
entendida não no sentido de doxa imperativa, mas de exposição coerente
de um conjunto de conhecimentos, provas e aprendizagens.
O biografismo da Escola Naturalista Francesa considerava que
uma relação de causa e efeito unia o autor à sua produção, de tal modo
que a explicação de texto passava pelo estudo do escritor em seu meio
biológico, histórico e social. Marcel Proust – Contra Sainte Beuve – foi um
dos primeiros a ter contestado essa visão determinista e intelectualista,
convidando o leitor a apreender o autor pela sensibilidade.
Diante da curiosidade legítima que leva a se interrogar sobre a
origem das ”coisas” – ideias, fenômenos e comportamentos – parece-
me necessário acrescentar o desejo de se apoderar das chaves que
permitem abrir a obra, de dilatá-la para além do que ela pode ter de
elíptico e de claro-escuro. Quanto mais uma obra é rica, elaborada, densa,
mais ela corre o risco de ser empobrecida pelo leitor que a interpreta
segundo seus próprios limites, condicionamentos, hábitos e experiências.
A palavra “monastério” escrita com a pena de um monge não tem os
mesmos ecos semânticos que tem ao ser inserida num livro de arquitetura
ou na narrativa de um ateu. A diversidade do sensível, isto é, a estesia,
continua terra incógnita para quem não reconhece o seu próprio, ou dele é
desprovido por atimia. Bergson em As Duas Fontes (1932) evocava “...
o misticismo não diz nada, absolutamente nada, àquele que dele não
experimentou alguma coisa.”
»Neste sentido, qualquer obra lida é na realidade uma obra traduzida,
ainda que ela não tenha sido passada para outra língua. A tradução é uma
fonte de mal-entendidos, aproximações, distorções, ilusões de
compreensão, simplificações, castração. É sem dúvida por esta razão
que os discípulos são frequentemente acusados de serem mais dogmáticos
que seus mestres. Tradutores da obra, eles esquecem que fomentam uma
verdadeira transliteração da intuição primeira do autor: uma transcrição
signo a signo de um sistema de escrita e de pensamento para outro
sistema, o deles. É dessa forma que nascem os papas e a crença na
infalibilidade deles, tal como um criado investido das insígnias do príncipe
e que se dedicaria a legiferar.
21
Armindo Bião
Armindo Jorge de Carvalho Bião, que em 1995 participa do
colóquio de criação da Etnocenologia em Paris, é um indivíduo singular.
Com isso quero dizer que essa singularidade anima sua adesão e sua
reflexão e dá ânimo e sangue novo à disciplina. Desde o primeiro
momento, sabíamos que a Etnocenologia só poderia ser internacional.
Isto é, livre de qualquer influência teórica imperial mas, pelo contrário,
alimentada pela multiplicidade de visões do mundo propostas pelos
pesquisadores. O sabor cresce em função da diferença, escreve Victor
Segalen em seu magistral ensaio sobre o Exotismo. O conhecimento
também. Propósito duvidoso quando nosso tempo conhece sob o
pretexto de “aldeia global” a erradicação de dessemelhanças sutis. Em
nome do universal – proclamado pelos dominantes, não pelos dominados
– vivemos o tempo das hegemonias culturais servidas pelas potências
econômicas e políticas. O internacionalismo reivindicado é o único meio
de aceder ao forte sabor do diferente. A faculdade de sentir o diferente,
inerente ao artista é o primeiro antídoto contra a intelectualidade produtora
de insípidas sínteses.
O gosto do diferente, o apetite das sensações e a revolta contra o
aprisionamento são as chaves biográficas do Armindo pesquisador que
eu levo em consideração. Nasceu na Bahia, numa cidade musical, colorida,
compósita, sensual que embriaga o visitante. Nela, uma pluralidade de
devoções heterodoxas ocupa os espíritos e os corpos. Recém-nascido,
Armindo foi batizado católico. Primeira ruptura. Pouco tempo após seu
nascimento, seus pais deixam a Igreja de Roma e sua liturgia encantada e
se convertem à doutrina de Hippolyte Léon Denizard Rivail (1804-1869),
mais conhecido pelo nome de Allan Kardec. Persuadido de ser a
reencarnação de um druida, cujo nome adotou, Kardec, seduzido pelas
mesas giratórias e a prática de comunicação com os espíritos, fundou
um movimento positivista invocando a ciência e não a religião. No Brasil,
muitos são seus discípulos reunidos em círculos, cuja atividade principal
é organizar sessões de comunicação com os mortos. O menino Armindo
é assim brutalmente jogado num estranho universo de adeptos reunidos
em torno de um médium preocupado em alcançar as trevas do além.
22
Teatro de cordel e formação para a cena: textos reunidos
Aos domingos, enquanto a praia recebe as anatomias desnudas
em busca do sol, ar e olhares, Armindo engonçado num terno se encontra
numa sala desprovida de ornamentos e de iluminação, na qual ocorre a
reunião dos crentes, silenciosos, atentos à palavra do mestre e dos mortos.
O dirigente professa ensinamentos que soam como lições escolares aos
ouvidos da criança. Seu tédio é grande. Caminhando ao lado de seus
pais, ele cadencia seus passos para afugentar seu tédio, olha sorrateiramente
e com inveja a nudez e a indolência dos banhistas. Ele é envolvido nas
atividades do círculo espírita: visitas a presídios e hospitais, encontros
com a colônia japonesa. Uma tia solteira que mora com a família cuida
dele enquanto o pai e a mãe trabalham. Ela o leva ao teatro, a museus.
Um dia, foram à Faculdade de Medicina onde, nas salas abertas ao público,
é possível contemplar as cabeças cortadas dos famosos bandidos do
Sertão, os Cangaceiros. A volta para casa é animada. Os pais ficam furiosos.
No entanto, a cabeça cortada de Lampião e a de sua companheira Maria
Bonita não impressionou o pequenino Armindo mais do que uma
exposição itinerante de embriões, da qual ele guarda uma terrível
lembrança.
A família possui altas patentes das Forças Armadas, instituição
socialmente muito prestigiada, atraída pelos ideais positivistas. O filho
faz dez anos. Imediatamente, é tomada a decisão de enviá-lo à Escola
Militar, para prosseguir seus estudos. Tempos de violência infligida. É
preciso deixar a tepidez de um meio feminino protetor para entrar na
gaiola dos predadores. Os pequeninos machos arrogantes apertados em
seus uniformes constituem uma sociedade hierarquizada pela arrogância
e pela força. No baixo escalão, estão os mais meigos, emotivos e sensíveis,
dominados sem piedade pelos selvagens seguros de si mesmo. Alguns
romances dão o tom. Ernst von Salomon:
Eis, tal e qual foram desde sempre,os cadetes! Podeis vê-los em
perfeita ordem, corpo a corpo, em total alinhamento com o homem-
base, esses adolescentes com o rosto ainda arredondado, mal lapidados?
…Ei-los com suas cabeças raspadas, esses pequenos boçais espremidos
em seus uniformes de tecido rústico de cores bárbaras, com botões
23
Armindo Bião
dourados abotoados até o rígido colarinho, seus pezinhos nas botas
cravejadas e sobre suas frágeis espáduas as enormes e desproporcionais
dragonas. (Die Kadetten, postface)
Levantar na alvorada. Resultados escolares deploráveis. Armindo,
nos seus pesadelos noturnos, vê-se atravessar a cidade completamente
nu para ir à escola. Restam os sábados, dias de descanso. Um tio
afortunado, proprietário de uma fábrica de velas e círios, amante de
cinema, convida a família para almoçar e depois, para sessões de projeção.
Chaplin, Laurel e Hardy Comédias Musicais da Metro. Mesa animada,
tagarelice, gastronomia, primos, prazer de rirem juntos e de partilhar
momentos de viagem no imaginário. Movimentar-se, dançar, cantar. O
oposto da Companhia de Cadetes. Próximo à casa da família, além disso,
um amplo terreno baldio recebia os ciganos e seu circo. Não há apenas
espetáculos, palhaços, músicos, mas também a vida do clã, os casamentos
festivos que duram dias, as livres cambalhotas das crianças. Espetáculo
vivo, espetáculo na tela. O imaginário desabrocha sob todas as formas e
incita a romper com a secura brutal da Escola Militar e a morbidez do
diálogo com os mortos. Pretender dançar e estudar balé é pedir muito.
A dança é impura! Resta o teatro.
Allan Kardec responsabilizara-se pela contabilidade da Baraque
Lacaze, pequeno teatro pertencente a um prestidigitador que lhe deu o
nome. O movimento espírita não era hostil à arte dramática, na qual ele
via um meio de educação prosélito. Consultado, o médium responsável
pelo Círculo Espírita frequentado pela família aconselha o jovem a
interrogar os mortos por escrito. Estes dão uma resposta positiva.
Armindo teria sido artista dramático numa vida passada. Sua missão
será difundir a boa nova espírita através do teatro. Os prazeres das praias
continuam longínquos. Sábados e domingos são dedicados aos palcos e
às práticas cultuais. Ocorrem encontros com os mais diversos cientistas,
sempre em nome da busca positivista. Contudo, o responsável pelo
Círculo se preocupa: – “Não estou aqui para educar uma serpente que
me morde”, diz ele a Armindo, no qual ele depositava grandes esperanças.
O jovem, não obstante o teatro, não está bem. Ele acumula distúrbios
24
Teatro de cordel e formação para a cena: textos reunidos
psicossomáticos, taquicardia, úlcera do estômago. Finalmente, ele consegue
deixar a Escola Militar, após cinco anos de caserna e acabar seus estudos
num estabelecimento público. O Círculo Espírita é abandonado. Armindo
descobre a cultura alemã ao folhear um álbum de fotografias pertencente
a um parente que assistiu aos Jogos Olímpicos de Berlim. Ele vai para o
Instituo Goethe, frequenta-o, aprende o alemão e começa a cursar
Filosofia na Universidade, iluminado pela fenomenologia e sua concepção
do corpo.
Fim dos anos sessenta. Os militares da linha dura vencem. Eles
impõem ao Marechal Costa e Silva um golpe contra o Congresso de
Brasília. A universidade brasileira, os democratas afrontam a ditadura.
Estudantes e professores ocupam as faculdades. Em 1969, Armindo é
preso e, em seguida, é solto. Um ano mais tarde, após um happening
realizado na rua, nova interpelação. O Chefe da Polícia é um militar
espírita. Ele conhece a família e aconselha Armindo a deixar o país. Com
alguns amigos, ele decide partir para a Europa, via Rio de Janeiro, após
terem vendido tudo o que lhes foi possível para pagar a travessia. Lisboa,
Londres. Viagem iniciática. Sem um tostão. Dormir ao ar livre, nos
estacionamentos, nos bancos públicos. Alimentar-se de pão, leite e açúcar.
Deixar crescer uma longa cabeleira caindo sobre os ombros. Em Londres,
encontram-se Gilberto Gil e Caetano Veloso. O encontro é caloroso.
Pequenos trabalhos. Escrever poemas e, sobretudo, dançar. Dançar em
qualquer lugar, a qualquer momento numa espécie de abandono, de fuga,
de permanente embriaguez. Na Bahia, a família se preocupa. As notícias
recebidas de Londres são ruins. O filho estaria enlouquecendo? Decidiu-
se repatriá-lo e hospitalizá-lo. O retorno apaga as preocupações. Armindo
retoma o caminho da universidade. Prossegue suas aprendizagens em
artes do espetáculo vivo. Em dança, ele é formado por um artista de
origem alemã Rolf Gelewski (1930-1988), discípulo de Mary Wigman,
que chegou ao Brasil em 1960 a fim de ensinar na Escola de Dança da
Universidade Federal da Bahia, na qual ensinou até 1975, dando vida, ao
mesmo tempo, a uma comunidade espiritual, a Casa Sri Aurobindo.
Com um mestre dessa estirpe, Armindo não demorou a atingir uma
25
Armindo Bião
qualidade profissional a ponto de a Universidade lhe confiar, em 1979,
um curso de Filosofia da Dança. Nova encruzilhada. As circunstâncias o
conduzem aos Estados-Unidos. A Fundação Fulbright propõe 10 bolsas
de estudos a brasileiros. Após um concurso nacional, cinco bolsas são
concedidas à Bahia, das quais uma a Armindo que parte para um período
de dois anos e meio em Minneapolis, Estado de Minnesota, a fim de
preparar um Mestrado prático de Teatro. Ou seja, a realização de 7
espetáculos! Lá, no Campus Universitário, ele se une a uma trupe franco-
americana: o Théâtre de la jeune lune. A Companhia foi fundada em 1978
por dois franceses – Dominique Serrand e Vincent Gracieux–, e os
americanos de Minnesota Barbara Berlovitz e Robert Rosen. Todos se
formaram na Escola de Jacques Lecoq, em Paris. Infelizmente, cheio de
dívidas, o teatro foi forçado a fechar suas portas em 2008, após trinta
anos de brilhante criação. A descoberta da máscara neutra inspira
Armindo. Ele decide então ir a Paris a fim de dar continuidade a seus
estudos doutorais. A escolha é tão fácil que ele deseja ter como orientador
de tese um professor da Sorbonne, sociólogo tão flamejante quanto
controverso, extraordinário e familiar ao Brasil, que professa algumas
ideias sobre o mito de Dionísio: Michel Maffesoli. Ele acaba de publicar
em 1982 uma obra significativa: A Sombra de Dionísio. Armindo faz contato.
O professor aceita almoçar. Será: “A Sombra de Dionísio – Contribuição
para uma Sociologia da Orgia”.
Eis brevemente delineada uma das chaves que permitirá ao leitor
descobrir nas tintas desses textos a luxuriante experiência que lhes dá
uma vida plena.
Jean-Marie Pradier
Professor da Universidade de Paris Nord Saint-Denis Villetaneuse
(Paris VIII Vincennes Saint-Denis)
Laboratório de Etnocenologia da Maison des Sciences de l’Homme
Paris Nord
Tradução de Marcia Bértolo Caffé
27
Armindo Bião
Préface:
La vie dans l’oeuvre
L’oeuvre dans la vie
Héritiers d’une culture de la vérité révélée, nous avons tendance à
considérer les théories à la façon d’un diamantaire tout occupé à contempler
ses pierres sans avoir la moindre idée de qui est allé dans les mines les
arracher à la terre. La perspective nouvelle que notre groupe d’amis a
ouverte en 1995 en l’appelant «ethnoscénologie» procède à l’inverse.
Poursuivant l’allusion aux diamantaires, je dirai qu’à la différence des
cristallographes qui recourent à la méthode mathématique et descriptive
pour l’étude de la structure des cristaux en négligant celle de leur formation,
l’ethnoscénologue s’attache à démêler la complexité des incarnations de
l’imaginaire, sans les réduire par l’analyse à une mécanique dévitalisée ou
à une structure symbolique sans chair. Il convient pour y parvenir
d’appartenir à une certaine famille d’esprit et avoir soi-même vécu un
certain nombre d’expériences.
L’ouvrage qu’Armindo Jorge de Carvalho Bião offre au lecteur
est un opus significatif de cette démarche à la fois scientifique et artistique,
rationnelle et sensible. Elle me conduit à m’arrêter, à son propos, sur un
truisme cher à l’anthropologie réflexive contemporaine, utile à rappeler:
- «Toute théorie présuppose un théoricien».Evidence qui devient un
axiome épistémologique de toute première importance dans le domaine
de ce que l’on appelle «les sciences de l’art». Le mot théorie qui nous vient
du grec appartient étymologiquement au champ sémantique de la vue,
thea. Il signifiait jadis contemplation, observation méditée et réfléchie,
connaissance par le regard. Que le susbtantif théâtre en soit né, donne à
réfléchir… La neurobiologie contemporaine, la psychobiologie soulignent
le fait que nous ne percevons que ce que nous avons appris à percevoir et
que nous désirons percevoir. Comédien – et quel comédien! -, poète,
universitaire, pédagogue, amoureux de la vie, ami fidèle, polyglotte,
voyageur, Armindo Bião n’a pas le regard de qui serait son contraire. Sa
28
Teatro de cordel e formação para a cena: textos reunidos
thea lui appartient en propre et participe à l’élaboration de sa théorie,
entendue non pas au sens de doxa impérative mais d’exposition cohérente
d’un ensemble de connaissances, d’épreuves et d’apprentissages.
Le biographisme de l’École Naturaliste Française estimait qu’une
relation de cause à effet unissait l’auteur à sa production, de telle sorte
que l’explication de texte passait par l’étude de l’écrivain dans son milieu
biologique, historique et social. Marcel Proust - Contre Sainte Beuve -, fut
l’un des premiers à avoir contesté cette vision déterministe et intellectualiste,
en invitant le lecteur à appréhender l’auteur par la sensibilité.
A la curiosité causale légitime qui conduit à s’interroger sur l’origine
des « choses » - idées, phénomènes et comportements – il me paraît
nécessaire d’adjoindre le désir de se saisir des clefs qui permettent d’ouvrir
l’œuvre, de la dilater au-delà de ce qu’elle peut avoir d’elliptique et de
clair obscur. Plus une œuvre est riche, fournie, dense et plus elle court le
risque d’être appauvrie par le lecteur qui l’interprète selon ses propres
limites, conditionnements, habitudes et expériences. Le mot « monastère »
sous la plume d’un moine n’a pas les mêmes échos sémantiques que
lorsqu’il figure dans un livre d’architecture ou le récit d’un athée. La
diversité du sensible, c’est-à-dire de l’esthésis, reste terra incognita pour qui
ne reconnaît pas le sien propre, ou en est dépourvu par athymie. Bergson
dans les Deux Sources (1932) le rappelait: « ... le mysticisme ne dit rien,
absolument rien, à celui qui n’en a pas éprouvé quelque chose. »
»En ce sens, toute œuvre lue est en réalité une œuvre traduite sans
pour cela qu’elle n’ait fait le passage vers une autre langue. La traduction
est source de malentendus, d’approximations, de distorsions, d’illusions
de compréhension, de simplifications, de castration. C’est sans doute
pour cette raison que les disciples sont fréquemment accusés d’être plus
dogmatiques que leur maître. Traducteurs de l’œuvre, ils oublient qu’ils
fomentent une véritable translittération de l’intuition première de l’auteur :
une transcription signe par signe d’un système d’écriture et de pensée en
un autre système, le leur. C’est ainsi que naissent les papes et la croyance
en leur infaillibilité, tel un valet revêtu des insignes du prince et qui se
prendrait à légiférer.
29
Armindo Bião
Armindo Jorge de Carvalho Bião qui participe en 1995 au colloque
de fondation de l’ethnoscénologie à Paris, est un individu singulier. Je
veux dire par là que cette singularité anime son adhésion et sa réflexion et
donne du sang et du souffle à la discipline. Dès le premier moment, nous
savions que l’ethnoscénologie ne pouvait qu’être qu’internationale. C’est-
à-dire, détachée de toute emprise théorique impériale mais, tout au
contraire, alimentée par la multiplicité des visions du monde proposées
par les chercheurs. La saveur croît en fonction de la différence, écrit
Victor Segalen dans son magistral essai sur l’Exotisme. La connaissance
également. Propos redoutable quant notre temps connaît sous le couvert
du « village global » l’éradication des subtiles dissemblances. Au nom de
l’universel – proclamé par les dominants, non par les dominés - nous
vivons le temps des hégémonies culturelles servies par les puissances
économiques et politiques. L’internationalisme revendiqué est le seul moyen
d’accéder à la forte saveur du divers. La faculté de sentir le divers, propre
à l’artiste est le premier antidote contre l’intellectualité productrice de
fades synthèses.
Le goût du divers, l’appétit des sensations et la révolte contre
l’enfermement sont les clefs biographiques d’Armindo chercheur que je
retiens. Il est né à Bahia, dans une ville musicale, colorée, composite, sensuelle
qui donne l’ivresse au voyageur. Une pluralité de dévotions hétérodoxes y
occupe les esprits et les corps. Nourrisson, Armindo est baptisé catholique.
Première rupture. Peu de temps après sa naissance, ses parents quittent
l’Eglise de Rome et sa liturgie enchantée pour se convertir à la doctrine
d’Hippolyte Léon Denizard Rivail (1804-1869), plus connu sous le nom
d’Allan Kardec. Persuadé d’être la réincarnation d’un druide, dont il a repris
le nom, Kardec, séduit par les tables tournantes et la pratique de
communication avec les esprits, a fondé un mouvement positiviste qui se
réclame de la science, non de la religion. Au Brésil, nombreux sont ses
disciples réunis en des cercles dont la principale activité est d’organiser des
séances de communication avec les morts. Le petit garçon Armindo est
ainsi brutalement jeté dans un étrange univers d’adeptes assemblés autour
d’un medium affairé à joindre les ténèbres de l’au-delà.
30
Teatro de cordel e formação para a cena: textos reunidos
Le dimanche, tandis que la plage accueille les anatomies dévêtues
en quête de soleil, d’air, et de regards, Armindo engoncé dans un costume
rejoint une salle banale dénuée d’ornements et d’illuminations où se tient
la réunion des convaincus, silencieux, attentifs à la parole du maître et des
morts. Le meneur de jeu professe des exposés qui sonnent comme des
leçons scolaires aux oreilles de l’enfant. Son ennui est grand. Tout en
marchant aux côtés de ses parents, il rythme ses pas pour chasser son
ennui, lorgne avec envie la nudité des baigneurs et leur nonchalance. Il est
entraîné dans les activités du cercle spirite: visites aux prisons et aux
hôpitaux, rencontre avec la colonie japonaise. Une tante célibataire qui vit
avec la famille prend soin de lui tandis que père et mère travaillent. Elle le
conduit au théâtre, aux musées. Les voici partis, un jour, à la faculté de
médecine où dans les locaux ouverts au public on peut contempler de
près la tête coupée des fameux bandits du Sertão, les Cangaceiros. Le
retour à la maison est animé. Les parents sont furieux. Pourtant, le chef
tranché de Lampião et de sa compagne Maria Bonita n’a guère plus
impressionné le petit Armindo qu’une exposition itinérante de fœtus dont
il garde le souvenir horrifié.
La famille compte de hauts gradés de l’armée, institution
socialement très honorable, frappée par l’idéal positiviste. Le fils atteint
ses dix ans. Bientôt, est prise la décision de l’envoyer poursuivre ses études
au lycée militaire. Temps de violence subie. Il faut quitter la tiédeur d’un
milieu féminin protégé pour entrer dans la cage aux prédateurs. Les petits
machos arrogants sanglés dans leurs uniformes constituent une société
hiérarchisée par la morgue et la force. Au bas de l’échelle se tiennent les
plus tendres, émotifs et sensibles, dominés sans peine par les sauvages
sûrs d’eux-mêmes. Quelques romans ont donné le ton. Ernst von
Salomon :
Les voici, tels qu’ils furent depuis toujours, les cadets ! Les voyez-
vous dans leur ordre parfait, au coude à coude, bien alignés sur l’homme
de tête, ces adolescents au visage encore arrondi, mal dégrossi ? …Les
voici, avec leur crâne tondu, ces petits mufles étriqués dans leur uniforme
de tissu rêche aux couleurs barbares, avec des boutons dorés boutonnés
31
Armindo Bião
jusqu’en haut d’un col rigide, leurs petits pieds dans les bottes cloutées et
sur leurs frêles épaules l’épaulette large, disproprotionnée.(Die Kadetten,
postface)
Lever aux aurores. Résultats scolaires déplorables. Armindo dans
ses cauchemars nocturnes se voit traverser la ville tout nu pour aller à
l’école. Restent le samedi, jour de détente. Un oncle fortuné, propriétaire
d’une fabrique de bougies et de cierges, amateur de cinéma, invite la
famille à déjeuner puis à des séances de projection. Chaplin, Laurel et
Hardy Comédies Musicales de la Metro. Table joyeuse, bavarde,
gastronomie, cousins, plaisirs de rire ensemble et de partager des moments
de voyage dans l’imaginaire. Bouger, danser, chanter. L’envers de la
compagnie des Cadets. Près de la maison familiale, de plus, un vaste
terrain vague accueille les gitans et leur cirque. Il y a non seulement les
spectacles, clowns, musiciens, mais aussi la vie clanique, les mariages festifs
qui durent des jours, les libres gambades des enfants. Spectacle vivant,
spectacle sur l’écran. L’imaginaire s’épanouit sous toutes ses formes et
incite à rompre avec la sécheresse brutale de l’école militaire et la morbidité
du dialogue avec les morts. Prétendre danser et s’entraîner au ballet est
trop demander. La danse est impure ! Reste le théâtre.
Allan Kardec avait tenu la comptabilité de la Baraque Lacaze, petit
théâtre qui appartenait à un prestidigitateur dont il tenait le nom. Le
mouvement spirite n’était pas hostile à l’art dramatique en qui il voyait un
moyen d’éducation prosélyte. Consulté, le medium responsable du Cercle
Spirite fréquenté par la famille conseille au jeune homme d’interroger les
morts par écrit. Leur réponse est positive. Armindo aurait été artiste
dramatique dans une vie antérieure. Sa mission sera de diffuser la bonne
nouvelle spirite par le théâtre. Les plaisirs de la plage sont toujours éloignés.
Samedi et dimanche sont pris par les planches et les pratiques cultuelles.
Des rencontres ont lieu avec des scientifiques les plus divers, toujours au
nom de la quête positiviste. Le responsable du Cercle s’inquiète toutefois :
-« Je ne suis pas là pour élever un serpent qui me mord », déclare-t-il à
Armindo en qui il fondait de grands espoirs. Le garçon, en dépit du
théâtre, ne va pas bien. Il accumule les troubles psychosomatiques,
tachycardie, ulcère de l’estomac. Enfin, il parvient à quitter le lycée militaire
après cinq années d’encasernement et à achever ses études secondaires
dans un établissement public. Le Cercle spirite est abandonné. Armindo
découvre la culture allemande au détour d’un album de photos appartenant
à un parent qui avait assisté aux jeux olympiques de Berlin. Il se rend au
Goethe-Institut, le fréquente, apprend l’allemand et entre en philosophie
à l’université, illuminé par la phénoménologie et sa conception du corps.
Fin des années soixante. Les militaires de la linha dura l’emportent.
Ils imposent au maréchal Costa e Silva un coup de force contre le Congrès
de Brasília. L’université brésilienne, les démocrates affrontent la dictature.
Etudiants et enseignants occupent les facultés. 1969, Armindo est arrêté
puis relâché. Un an plus tard, après un happening réalisé dans la rue,
nouvelle interpellation. Le directeur de la police est un militaire spirite. Il
connaît la famille et conseille à Armindo de quitter le pays. Avec quelques
amis celui-ci décide de partir pour l’Europe, via Rio, après avoir vendu
tout ce qu’ils pouvaient afin de payer la traversée. Lisbonne, Londres.
Voyage initiatique. Sans le sou. Dormir à la belle étoile, dans les parkings,
sur les bancs publics. Se nourrir de pain, de lait et de sucre. Laisser pousser
une longue chevelure tombant sur les épaules. A Londres se trouvent
Gilberto Gil et Caetano Veloso. La rencontre est chaleureuse. Petits boulots.
Ecrire des poèmes, et surtout danser. Danser partout, à tout moment en
une sorte d’abandon, de fuite, d’ivresse permanente. A Bahia, la famille
s’inquiète. Les nouvelles reçues de Londres sont mauvaises. Le fils
deviendrait-il fou ? Il est décidé de le rapatrier et de l’hospitaliser. Le
retour efface les inquiétudes. Armindo reprend le chemin de l’université.
Poursuit ses apprentissages en arts du spectacle vivant. En danse, il est
formé par un artiste d’origine allemande Rolf Gelewski (1930-1988),
disciple de Mary Wigman, arrivé au Brésil en 1960 afin d’enseigner à
l’Ecole de Danse de l’Université de Bahia où il a exercé jusqu’en 1975,
tout en animant une communauté spirituelle, la Casa Sri Aurobindo. Avec
un tel maître, Armindo ne tarde pas à atteindre une qualité professionnelle
au point que l’université lui confie en 1979 un cours de philosophie de la
danse. Nouveau carrefour. Les circonstances le conduisent vers les Etats-
Unis. La Fondation Fulbright propose 10 bourses d’étude aux Brésiliens.
Après un concours national, cinq sont attribuées à Bahia, dont une à
Armindo qui part pour deux ans et demi à Minneapolis, dans le Minnesota,
afin d’y préparer un Master pratique de théâtre. Soit la réalisation de 7
spectacles ! Là, sur le campus, il se lie avec une troupe franco-américaine :
le Théâtre de la jeune lune. La Compagnie a été fondée en 1978 par deux
Français – Dominique Serrand et Vincent Gracieux -, et les Minnesotains
Barbara Berlovitz et Robert Rosen. Tous ont été formés à l’Ecole de
Jacques Lecoq, à Paris. Hélas, criblé de dettes, le théâtre a été contraint de
fermer ses portes en 2008, après trente ans de brillante création. La
découverte du masque neutre par Armindo l’inspire. Il décide alors d’aller
à Paris afin de poursuivre ses études en doctorat. Le choix est d’autant
plus facile qu’il envisage comme directeur de thèse un Professeur de la
Sorbonne, sociologue aussi flamboyant que controversé, original et familier
du Brésil qui professe une certaine idée du mythe de Dionysos : Michel
Maffesoli. Celui-ci vient de publier en 1982 un ouvrage significatif :
L’Ombre de Dionysos. Armindo prend contact. Le Professeur accepte un
déjeuner. Ce sera : « L’ombre de Dionysos - contribution pour une
sociologie de l’orgie ».
Voici brièvement esquissée l’une des clefs qui permettra au lecteur
de déceler sous l’encre de ces textes, la luxuriante expérience qui leur
donne une vie pleine.
Jean-Marie Pradier
Professeur à l’Université de Paris Nord Villetaneuse Saint Denis
(Paris 8 Vincennes Saint Denis)
Laboratoire d’Ethnoscénologie
à la Maison des Sciences de l’Homme Paris Nord
DO TEATRO DE CORDEL
37
Armindo Bião
A pesquisa constrói um corpus histórico, antropológico, poético e
dramatúrgico sobre uma personagem histórica espanhola e uma entidade
da umbanda brasileira.
A personagem histórica2
María Díaz nasceu numa importante família de Castela, provavelmente
na região de Palência. Por volta dos 20 anos, em maio de 1352, ficou
conhecida como Doña María de Padilla, ao encontrar o jovem Rei Don
Pedro (com 18 anos incompletos), de quem foi amante até a morte, por
causas naturais, em julho de 1361. Tiveram um filho (falecido criança) e
três filhas (duas das quais se casariam com filhos do Rei Eduardo III, da
Inglaterra), todos legitimados infantes reais posteriormente (ROS, 2003,
p. 163).
D. María foi, segundo todos os que se dedicaram à matéria, a favorita
do rei, que teve várias mulheres e cinco filhos reconhecidos (nenhum dos
quais com a única incontestavelmente tida em vida como Rainha de
Castela, Branca de Bourbon). De fato, D. Pedro só fez de D. María
Rainha de Castela em abril de 1362 (nove meses após sua morte), ao
declarar, com a aquiescência das autoridades eclesiásticas de Sevilha, terem
se casado em segredo, mesmo já tendo se casado duas vezes, formal e
publicamente: com a nobre francesa Branca de Bourbon, em junho de
1353; e com a portuguesa Joana de Castro (meia-irmã da “linda” Inês,
A Padilla: história, mito e teatro1
1 Comunicação In: CONGRESSO DA ABRACE, 5., 2008. Anais... Grupo de Trabalho
Etnocenologia, Belo Horizonte, 2008.
2 Um dos focos do projeto de pesquisa “Mulheres por um fio: inferno, purgatório e
paraíso no Atlântico Negro”, motivo de bolsa de produtividade de pesquisa do CNPq
(março de 2008 a fevereiro de 2011).
38
Teatrode cordel e formação para a cena: textos reunidos
que também, como D. María, fora rainha depois de morta), em 1354
(AYALA, 1991, p.100).
D. Pedro foi o único filho legítimo dos primos-irmãos (primos carnais
pelos lados paterno e materno) o rei Afonso XI, de Castela, e a princesa
portuguesa, Maria (“a fermosíssima Maria” citada em “Os Lusíadas” de
Luís de Camões), irmã do também rei Pedro I, o Cruel (o português
Pedro de Inês de Castro), tio de seu homônimo espanhol. Além de ter
ordenado a morte de sua legítima esposa, a rainha desprezada Branca,
em 1361, D. Pedro foi responsável por outras mortes, dentre as quais a
da amante de seu pai, Leonor de Gusmão. Com dois dos filhos ilegítimos
de D. Leonor com seu pai, D. Pedro se digladiaria até a morte (em
1369), tendo matado um, Don Fadrique, em 1358, e sido morto por
outro, Don Henrique II, de Trastâmara ([1333?]/ 1379), que lhe sucederia
(ROS, 2003, p. 166). Talvez não tão curiosamente assim, dado o
encadeamento de todo tipo de peripécia e dos muitos casamentos
endógenos nesse contexto, o filho deste, o Rei Henrique III, se casaria
com Doña Catalina, neta de D. Pedro e de D. María e filha de Doña
Constanza (filha deles) e do Duque de Lancaster (filho do Rei Eduardo
III, da Inglaterra), selando, assim, a paz familiar, entre os descendentes
dos meio-irmãos Pedro e Henrique, ambos assassinos de meio-irmãos
e ambos também tataravôs de Isabel, a Católica (1451/ 1504), neta de
seus netos Catalina e Henrique III (AUGRAS, 2001, p. 305).
A personagem mítica
O romancero viejo (ROIG, 2007) espanhol, do tipo considerado por Pidal
(1968, p. 301) “romances noticiosos” ou, por Díaz-Mas, “romances históricos”
(2001, p. 97; s. p. 392), contém todo um Ciclo de Don Pedro el Cruel
(AUGRAS, 2001, p. 305), que prosperou em paralelo ao desenvolvimento
do país a partir do reinado de Henrique II, o inaugurador da dinastia
dos Trastâmara. Nesse conjunto de histórias cantadas em redondilha
maior, o rei derrotado, Pedro, é sempre descrito como o Cruel e María
de Padilla como uma adúltera sedutora, dominadora e intrigante,
pactuando com o mal. No romanceiro, o mal é a feitiçaria, que seria
39
Armindo Bião
praticada, sobretudo, pelos judeus, relativamente bem tolerados
anteriormente e que seriam perseguidos por Henrique II e seus
descendentes, até Isabel, a Católica, que os expulsaria da Espanha. Esses
romances apareceram já no século XIV, mas cresceram em número e
imaginação e divulgaram-se durantes os séculos XV, XVI e XVII, inclusive
por Portugal (sob o domínio espanhol de 1580 a 1640).
A Inquisição em Portugal e na Espanha deixou registradas invocações de
“feiticeiras” a “Maria Padilha com toda sua quadrilha” e, também, à
passagem de algumas dessas mulheres “perigosas” pelo Brasil, entres os
séculos XVII e XVIII (SOUZA, 1986, p. 168; AUGRAS, 2001, p. 308 et
seq.; MEYER, 1993). Talvez aí resida a eventual relação histórica entre as
duas personagens – a da tradição histórica e a do imaginário religioso –
que prosperaria em nosso país, no âmbito dos cultos afro-brasileiros.
A literatura romântica francesa e a ópera popular, que a partir dela se
desenvolveu, divulgariam, por todo o mundo, as belas “feiticeiras” ciganas
andaluzas, tendo Prosper Mérimée, autor de Carmem, não apenas
incluído uma nota em sua novela a propósito de Marie Padilla (1965, p.
163; 1990, p. 92), como também se dedicado a escrever uma biografia
de D. Pedro (1961). Aliás, foi a partir daí que Roberto Motta (1990, p.
55; 1995, p. 182; 1998, p.114), pela primeira vez, relacionou a personagem
histórica espanhola à entidade religiosa brasileira.
O teatro espanhol – desde Lope de Vega – e também o francês, sobretudo
o do período romântico, fariam de D. Pedro e D. María protagonista e
a antagonista (e vice-versa), enfatizando sempre a crueldade do homem e
a doçura da mulher. Esse antagonismo deve ter sido inspirado,
principalmente, nas Crónicas de Ayala, de acesso mais restrito, contradizendo
o muito popular romanceiro velho e, também, de modo radical, a
concepção brasileira – também muito popular - das diabólicas “marias
padilhas” – e até mesmo a circunstância em que Carmen a invocava na
novela de Mérimée. Bem revelador do caráter bondoso, atribuído por
Ayala e pelos dramaturgos românticos a D. María de Padilla, é o título de
sua única biografia, escrita pelo especialista na história de Sevilha Carlos
Ros: Doña María de Padilla: el ángel bueno de Pedro el Cruel (2003).
40
Teatro de cordel e formação para a cena: textos reunidos
A personagem teatral
O caráter bondoso, de uma vítima do destino e dos desatinos do Rei D.
Pedro, de D. María, aparece de modo evidente no repertório do teatro,
como, por exemplo, no melodrama em três atos Maria Padilla, impresso
em Lisboa em 1845, pela Tipografia de P. A. Borges, numa edição bilíngue
italiana (em versos, de Caetano Rossi) e portuguesa (em prosa), “para se
representar no R. T. São Carlos”, como libreto da ópera de Caetano Donizetti.
Dividido em três atos, esse melodrama apresenta inicialmente Maria e
uma sua irmã chamada Inês, na casa de seu pai, celebrando o casamento
dessa última e comentando o desejo de Maria de ser rainha, ainda que
amando e sendo correspondida nesse amor por um plebeu, na verdade
o futuro Rei D. Pedro disfarçado. Ainda no primeiro ato, acontece o
rapto de Maria pelo falso plebeu e sua reação indignada, que ameaça
matar-se, mas que enfim se entrega e concorda que fique em segredo
esse “matrimônio”.
O segundo ato se passa no Alcázar de Sevilha durante uma festa oferecida
por D. María ao já então proclamado Rei. O pai de Maria declara seu
desejo de vingança por ter sido desonrado com o rapto de sua filha. Inês
informa a Maria que seu marido matou um amigo do rei e Maria lhe diz
que o rei o perdoou e que ela irá, em seguida, pedir perdão a seu pai,
enquanto este é preso ao atacar o rei. No clímax da festa e da descoberta
do martírio do pai, Maria amaldiçoa-se e ao rei.
No último ato, num quarto, ao lado do pai moribundo, que não a reconhece,
Maria mostra-lhe a declaração escrita de seu casamento com o rei, mas seu
pai a rasga. Fora, louva-se Branca, a jovem rainha, que então se casa
publicamente, por motivos de Estado, com D. Pedro. Maria leva seu pai
até a cena do casamento e interpela o rei, que declara preferi-la à nova
esposa. Maria morre de emoção e o pai enfim a reconhece3.
3 Em outra peça teatral, em versos, de Villaespesa, da qual é também protagonista,
Doña María de Padilla vive um final feliz, ao lado de D. Pedro, de quem não consegue,
contudo, reverter a crueldade.
41
Armindo Bião
Conclusão
O perfil de D. María traçado nesse melodrama é exemplar da
caracterização da personagem teatral que nos interessa e que contraria o
romanceiro velho espanhol. Relativamente fiel às crônicas de Ayala (1991),
esse perfil é também antípoda da caracterização da personagem mítica
da umbanda brasileira, possivelmente herdeira do imaginário ibérico,
enraizado nos romances tradicionais e registrado pelos processos
inquisitoriais.
O fato é que as artes do espetáculo, do romanceiro, do teatro, dos ritos
religiosos e dos autos da fé, têm sido boa cena para a história e o mito
de Doña María de Padilla a Maria Padilha.
Referências
AUGRAS, Monique R. María Padilla, reina de la magia. Revista Española
de Antropología Americana, Madrid, n. 31, p. 293-319, 2001.
AYALA, Pero López. Crónicas. Barcelona: Planeta, 1991.
DÍAZ-MAS, Paloma (Ed.). Romancero. Barcelona: Ed. Crítica, 2001.
MÉRIMÉE, Prosper. Carmen et treize autres nouvelles. Paris:
Gallimard, 1965.
MÉRIMÉE, Prosper. Carmen: texte integral; les clés de l’oeuvre. Paris:
Pocket, 1990 - 1999.
MÉRIMÉE, Prosper. Histoire de Don Pèdre Ier, roi de Castille.
Paris: Didier, 1961.
MEYER, Marlyse. Maria Padilha e toda sua quadrilha: de amante um
rei de Castela a Pomba-Gira de Umbanda. São Paulo: Duas Cidades, 1993.
42
Teatro de cordel e formação para a cena: textos reunidos
MOTTA, Roberto. O Sexo e o Candomblé: Repressão e Simbolização.
In: PITTA, Danielle Perin Rocha; MELLO, Rita Maria Costa(Orgs.).
Vertentes do Imaginário. Recife: EDUFPE, 1995. p. 107-114.
MOTTA, Roberto. Transe du corps et transe de la parole dans les religions
syncrétiques du Nordest du Brésil. Cahiers de l’Imaginaire, Paris, n. 5-
6 , p. 47-62, 1990.
MOTTA, Roberto. Transe, Possessão e Êxtase nos Cultos Afro-brasileiros
do Recife. In: CONSORTE, Josildeth Gomes; COSTA, Márcia Regina
da (Orgs.). Religião, política, identidade. São Paulo: EDUC, 1988. p.
109-120.
PADILLA, Maria. Melodrama em 3 actos para se representar no R.
T. São Carlos. Lisboa: Typographia de P. A. Borges, 1845. 79 p.
PIDAL. Ramón Menéndez. Romancero hispánico (hispano-
portugués, americano y sefardí): teoría y historia. Madrid: Espasa-
Calpe, 1968.
ROIG, Mercedes Díaz (Ed.). El romancero viejo. 23. ed. Madrid:
Cátedra, 2007
ROS, Carlos. Doña María de Padilla: el ángel bueno de Pedro el Cruel.
Sevilla: Castillejo, 2003.
SOUZA, Laura de Mello e. O diabo e a terra de Santa Cruz: Feitiçaria
e religiosidade popular no Brasil colonial. São Paulo: Companhia das
Letras, 1986.
VILLAESPESA, Francisco. Doña Maria de Padilla. Madrid:
Renacimiento, 1913.
43
Armindo Bião
Em 1988, em Paris, à noite, próximo a várias encruzilhadas e em volta
de uma mesa de lugar público de comes e bebes, com Roberto Motta e
Monique Augras, tomo conhecimento de uma possível relação entre
Maria Padilha, a entidade da umbanda brasileira, e Doña María de Padilla,
que viveu na Espanha ([133_?] / 1361). Também então soube da alusão
de Prosper Mérimée, em sua novela Carmem, a esta segunda personagem,
como sendo um ente mágico invocado pelas ciganas andaluzas.
Depois disso, lembrei-me de que, em 1970, ao visitar rapidamente a
Catedral de Burgos, na Espanha, com Luciano Diniz e Vera Lessa, eu
rira muito ao ver uma lápide da família Padilla, por associá-la à personagem
do imaginário brasileiro e por considerar a associação um absoluto nonsense.
Só em 2002, portanto bem mais tarde, ao visitar os Alcáceres de Sevilha,
em companhia de Luciano Diniz, eu percebi a importância de Doña
María de Padilla na história espanhola, ao saber que boa parte daquele
conjunto monumental teria sido construído para ela pelo Rei D. Pedro I,
de Castela (30.08.1334/ 23.03.1369), conhecido inicialmente como O
Cruel e depois reabilitado como O Justiceiro.
A partir de então busquei reunir bibliografia sobre as possíveis relações
entre as duas figuras, para o que contei com a inestimável ajuda,
inicialmente, de Roberto Motta e de Jerusa Pires Ferreira, e,
posteriormente, de Marlyse Meyer, Monique Augras e Vivaldo da Costa
Lima, no Brasil, e de Jesus Cosano Prieto, Jesus Cañete, Carlos Alba e
Carlos Ros, na Espanha. Finalmente, em 2007, elaborei um projeto de
Itinerário de María Padilla*
* Texto escrito em homenagem a Marlyse Meyer e em agradecimento a Jerusa Pires
Ferreira (que me sugeriu o título), por seu convite para participar, em São Paulo, de
evento dedicado à pessoa e à obra dessa grande pesquisadora.
44
Teatro de cordel e formação para a cena: textos reunidos
pesquisa para o CNPq1, que comecei a desenvolver em março de 2008
e que me possibilitou viajar por parte do itinerário de Doña María de
Padilla, na Espanha, durante todo o mês de abril seguinte.
Foi quando, passando pelo Mosteiro de Astudillo, pela Catedral de Burgos,
pela Cripta Real da Catedral de Sevilha e pelo Alcázar moçárabe dessa
cidade, por livrarias e bibliotecas em Paris, Madri, Sevilha e Lisboa, ampliei
meu corpus iconográfico e documental de pesquisa. Nesse corpus
destacam-se, principalmente, as crônicas de Jean Froissart (2004) e de
Pero López Ayala (1991) e as imagens do retábulo e do panteão de
Astudillo, do ataúde e dos Baños de Doña María de Padilla, em Sevilha.
O itinerário da vida e descendência de Doña Maria
Maria Díaz nasceu numa importante família de Castela, em local incerto,
mas, provavelmente, na região de Palência. Talvez, ainda com menos de
20 anos, em maio de 1352, passou a ser conhecida como Doña María
de Padilla, ao encontrar o também então jovem Rei Don Pedro (então
com 18 anos incompletos), de quem foi amante até sua morte, por causas
naturais (mas provavelmente em decorrência da peste), em julho de 1361.
Tiveram um filho (falecido ainda criança) e três filhas (duas das quais se
casariam com filhos do Rei Eduardo III, da Inglaterra), todos legitimados
infantes reais posteriormente.
D. María foi, segundo todos os autores que se dedicaram à matéria, a
favorita do rei, que teve inúmeras mulheres e cinco filhos reconhecidos
(nenhum dos quais com sua única mulher realmente conhecida em vida
como Rainha de Castela, Branca de Bourbon). De fato, D. Pedro só fez
de D. María a Rainha de Castela em abril de 1362 (já passados nove
1 O projeto, intitulado: “Mulheres por um fio: purgatório, inferno e paraíso no
Atlântico Negro”, foi aprovado pelo CNPq, para financiamento de uma Bolsa de
Produtividade em Pesquisa, de nível 1A, para o período de março de 2008 a fevereiro
de 2011 e prevê, além da constituição e análise de um corpus, a produção de formas
de espetáculo relativas a esse corpus.
45
Armindo Bião
meses de sua morte), declarando formalmente, com a aquiescência das
autoridades eclesiásticas de Sevilha, ter se casado em segredo com ela,
mesmo tendo sido formal e publicamente casado duas vezes: com a
nobre francesa Branca de Bourbon, com quem contraiu matrimônio em
junho de 1353, e com a portuguesa Joana de Castro (meia-irmã da “linda”
Inês, que também reinara, como D. María, depois de morta), em 1354.
D. Pedro foi o único filho legítimo dos dois primos irmãos (primos carnais,
tanto pelo lado paterno quanto materno), o rei Afonso XI, de Castela, e a
princesa portuguesa Maria (“a fermosíssima Maria” citada em “Os
Lusíadas” de Luís de Camões), irmã do também rei Pedro I, o Cruel (o
português Pedro de Inês de Castro), que, assim, era tio do seu homônimo
espanhol. Além de ter ordenado a morte de sua legítima esposa, a rainha
desprezada Branca de Bourbon, em 1361, D. Pedro foi responsável por
outras inúmeras mortes, dentre as quais a da amante de seu pai, Leonor de
Gusmão. Com dois dos filhos ilegítimos que D. Leonor teve com seu pai
D. Pedro se digladiaria até a morte, tendo matado um, seu meio irmão
Don Fadrique, em 1358, e sido morto por outro, Don Henrique II, de
Trastâmara ([1333?] / 1379), que lhe sucederia como Rei de Castela.
Talvez não tão curiosamente assim, dado ao encadeamento de todo tipo
de peripécia e dos muitos casamentos endógenos nessa época e nesse
contexto, o filho deste último, o Rei Henrique III, se casaria com Doña
Catalina, neta de D. Pedro e de D. María e filha de Doña Constanza
(filha deles) e do Duque de Lancaster (filho do Rei Eduardo III, da
Inglaterra), selando, assim, a paz familiar, entre os descendentes dos meio-
irmãos Pedro e Henrique, ambos assassinos de meio-irmãos. Pois, ambos
também seriam tataravôs de Isabel, a Católica (1451 / 1504), neta de
seus netos Catalina e Henrique III.
O itinerário do mito de la Padilla
O romancero viejo (ROIG, 2007) espanhol, do tipo considerado por Pidal
(1968, p. 301) “romances noticiosos” ou, por Díaz-Mas, “romances históricos”
(2001, p. 97 et seq.; p. 392), contém todo um Ciclo de Don Pedro el Cruel
46
Teatro de cordel e formação para a cena: textos reunidos
(AUGRAS, 2001, p. 305 et seq.), que prosperou em paralelo ao
desenvolvimento do país a partir do reinado de Henrique III, o
inaugurador da dinastia dos Trastâmara. Nesse conjunto de histórias
cantadas, o rei derrotado, Pedro, é sempre descrito como O Cruel e
María de Padilla como uma adúltera (“adúltera y concubina”, como a
chamou o Papa Inocêncio VI) sedutora, dominadora e intrigante,
pactuando com o mal.
No romanceiro, o mal é identificado com a feitiçaria, que seria praticada,
sobretudo, pelos judeus, relativamente bem tolerados anteriormente (o
principal tesoureiro de D. Pedro fora um judeu, Samuel Leví (AYALA,
1991, p. 85), por exemplo) e que seriam perseguidos por Henrique III e
seus descendentes, até Isabel, a Católica, que os expulsaria da Espanha.
Esses romancescomeçaram a aparecer já no século XIV, mas cresceram
em número e imaginação e divulgaram durante os séculos XV, XVI e
XVII, inclusive por Portugal (sob o domínio espanhol de 1580 a 1640).
A Inquisição em Portugal e na Espanha deixou registradas invocações de
“feiticeiras” a “Maria Padilha com toda sua quadrilha” e, também, à
passagem de algumas dessas mulheres “perigosas” pelo Brasil, entres os
séculos XVII e XVIII (MELLO; SOUZA, 1986, p.168; AUGRAS, 2001,
p. 308 e s.; MEYER, 1993). Talvez aí resida a eventual relação histórica
entre as duas personagens, a da tradição histórica e a do imaginário religioso,
que prosperaria em nosso país, no âmbito dos cultos afro-brasileiros.
A literatura romântica francesa e a ópera popular, que a partir dela se
desenvolveu, divulgariam, por todo o mundo, as belas “feiticeiras” ciganas
andaluzas, tendo Prosper Mérimée, o autor de Carmem, não apenas
incluído uma nota em sua novela a propósito de Marie Padilla (1965, p.
163; 1990, p. 92), como também se dedicado a escrever uma biografia
de D. Pedro (1961). Aliás, foi a partir daí que Roberto Motta (1990, p.
55; 1995, p. 182; 1998, p. 114), pela primeira vez, relacionou a personagem
histórica espanhola à entidade religiosa brasileira.
O teatro espanhol – desde Lope de Vega – e também o francês, sobretudo
o do período romântico, fariam de D. Pedro e D. María os protagonistas
47
Armindo Bião
(ou, talvez melhor, o protagonista e a antagonista, e vice-versa), enfatizando
sempre a crueldade do homem e a doçura da mulher. Esse antagonismo
deve ter sido inspirado, principalmente, nas Crónicas de Ayala, de acesso
mais restrito, contradizendo o muito popular romanceiro velho e,
também, de modo radical, a concepção brasileira – igualmente muito
popular – das diabólicas “marias padilhas” – e até mesmo a circunstância
em que Carmen a invocava na novela de Mérimée. Bem revelador do
caráter bondoso, atribuído por Ayala e pelos dramaturgos românticos a
D. María de Padilla, é o título de sua única biografia, escrita pelo especialista
na história de Sevilha Carlos Ros: Doña María de Padilla: el ángel bueno
de Pedro el Cruel.
No itinerário da Padilla
Com a colaboração do pesquisador espanhol Carlos Alba, programamos
uma visita ao Real Convento de Santa Clara de Astudillo2, hoje conhecido
como Monasterio de Santa Clara, Museo y Palácio de Pedro I, após ampla
restauração realizada ao longo dos últimos 50 anos, e à Catedral de
Burgos, igualmente reformada, em período mais recente. Essa visita foi
de fato realizada nos dias cinco e seis de abril de 2008.
A 30 km da capital provincial de Palência e com cerca de 1200 habitantes,
Astudillo encontra-se na comunidade autônoma de Castela e Leão, no
Noroeste da Espanha, entre campinas e cerrados, pequenas elevações e
o Rio Pisuerga. Declarada Conjunto Histórico-Artístico, Astudillo mantém
boa parte de seu traçado urbano, medieval, e é dominada pelo morro
2 O mosteiro, um inusitado conjunto monumental moçárabe para o lugar em que se
encontra, foi mandado construir em 1353 por D. María (que obteve para isso a bênção
papal já no ano seguinte), na localidade que pertencera a Leonor de Gusmão, por
doação de seu amante o rei Afonso XI, pai de D. Pedro, que mandara matá-la, logo
após a morte de seu pai. D. Pedro, posteriormente, teria doado Astudillo a sua primeira
filha com D. María, Doña Beatriz, que viria a morrer em 1367, com, apenas, 13 a 14
anos (OREJÓN, 1984, p. 60-62; ROS, 2003, p.167), agradando, assim, a sua preferida,
do mesmo modo que fizera seu pai.
48
Teatro de cordel e formação para a cena: textos reunidos
com as ruínas do Castelo da Mota e as bodegas encravadas na rocha, três
igrejas e alguns solares e, sobretudo, o Convento de Santa Clara e o Palácio
de D. Pedro, onde funciona um museu. Aí fomos recebido pela Irmã
María Pilar, que nos acompanhou, entusiasmada, numa visita de mais de
três horas, após outras três horas de caminhada e conversas pela cidade.
Dessa brevíssima visita e neste breve itinerário, vale registrar que, hoje,
além do convento e do museu, há uma Calle e uma Glorieta de María de
Padilla em Astudillo. Também vale registrar que, para nos levar a visitar o
panteão de D. María, hoje vazio, pois seus restos mortais foram
tranferidos para Sevilha por D. Pedro pouco após a morte de sua predileta,
a Irmã María Pilar nos mostrou, por trás de uma parede e de uma porta
envidraçada, suas irmãs de calusura (inclusive as angolanas que ali residem
e que ela nos fez questão de indicar), que rezavam e nos viam do outro
lado. E, ainda, vale assinalar que o retábulo, que representa D. María e D.
Pedro, os caracteriza como mártires da Igreja, portando palmas, e que a
irmã María Pilar sempre se referia a D. María de Padilla como A Rainha,
e que se dispunha a colaborar comigo numa segunda eventual visita,
para consulta aos arquivos do mosteiro, o que demandaria autorização
eclesiástica especial. De fato, Simón y Nieto ([1896?]) detalha a existência
aí de documentos preciosos sobre o itinerário de D. María, suas relações
com as autoridades católicas e com os comerciantes judeus.
Quanto à catedral de Burgos, também amplamente reformada desde os
anos 1980 e com recentíssimas e radicais intervenções dos anos 2000, o
itinerário da visita de cerca de três horas estendeu-se até o Museu de
Burgos, numa busca vã da lápide que minha memória teima em registrar
como tendo sido vista em 1970 – quando também foi motivo de riso.
Buscávamos a referência à família ascendente de D. María e só
encontramos, no Museu, como destaque de escultura funerária, o
Sepulcro de Juan de Padilla, em estilo gótico isabelino de Gil de Siloé.
Esse Padilla foi pagem da tataraneta de D. María, a Rainha Isabel, a
Católica e, além de homônimo do pai de nossa protagonista no presente
itinerário, talvez seja seu descendente. Assim, nossa decepção poderia se
transformar talvez em esperança...
49
Armindo Bião
Finalmente, chegamos a Sevilha, após seminários e pesquisas em Leiria e
Caldas da Rainha, em Portugal, em Madri, na Espanha e em Paris, na
França, antes de voltar a Portugal, para tentar ler, ao menos, um dos
processos em que aparece Maria Padilha e toda sua quadrilha. Entre 25
e 30 de abril, com a preciosa colaboração do biógrafo de D. María,
Don Carlos Ros, que também nos concedeu uma entrevista, comentando
as principais fontes de referência sobre a biografada, tivemos acesso à
cripta real que se encontra na Capela Real, normalmente fechada à visitação
pública, onde se venera a Virgem dos Reis.
Aí, na principal capela da maior de todas as catedrais, sob o valioso
ataúde de prata, onde repousam os restos de Fernando III o Santo,
insepulto e incorrupto, pudemos, ainda que rapidamente, entre uma missa
e a abertura da Catedral aos turistas, fotografar os ataúdes de D. María e
D. Pedro, que se encontram junto a quatro outros, dos quais apenas um
pudemos identificar, por encontrar-se junto ao deles, formando a primeira
das duas filas de três urnas funerárias cada, o do Ynfante Don Fadrique. Os
de nosso itinerário são identificados assim: RESTOS DEL REY DON
PEDRO 1º. DE CASTILLA e RESTOS DE DA. MARÍA DE
PADILLA ESPOSA DE DON PEDRO DE CASTILLA.
Novos giros e giras
Apesar do início deste itinerário ter sido por acaso, em Burgos, na Espanha,
há quase 40 anos, seu percurso nos próximos três anos deverá ser feito,
primordialmente, na Bahia, com leituras, reflexões, exercícios e jogos teatrais,
possivelmente chegando, como previsto, a dramaturgias e a espetáculos.
O que não exclui nova visita a Astudillo, Burgos e Sevilha, por exemplo.
O casal, que viveu itinerante e bastardo pelas encruzilhadas castelhanas e
andaluzas, há mais de sete séculos, e que hoje repousa como legítimo
numa catedral católica, das mais importantes do mundo, deverá ser
seguramente fonte de inspiração para nossas artes do espetáculo. Já nos
fazem sonhar e imaginar soluções técnicas e cênicas (ou cinematográficas)
as referências, por exemplo, aos Baños de Doña María de Padilla, no
50
Teatro de cordel e formação para a cena: textos reunidos

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