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Juridificação: Expansão do Direito no Brasil

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FUNDAÇÃO EDSON QUEIROZ 
UNIVERSIDADE DE FORTALEZA – UNIFOR 
 CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS – CCJ 
 Curso de Direito 
 
 
PROJETO DE PESQUISA 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
JURIDIFICAÇÃO: UMA BREVE ANÁLISE SOBRE A 
EXPANSÃO DA ATIVIDADE JURÍDICA NO BRASIL 
O ALUNO DE ENSINO MÉDIO NO PROFISSIONALIZANTE 
E A PSSIBILIDADE DE ESTÁGIO 
EM ÓRGÃOS PÚBLICOS OU PRIVADOS 
 
Paulo Victor Rodrigues Damasceno 
Matrícula.: 1111917/4 
 
 
 
 
Ori 
 
 
 
 Machado Novais 
Matrícula 0021100-1 
 
 
 
 
 
 
Fortaleza – CE 
Dezembro, 2017 
2 
 
PAULO VICTOR RODRIGUES DAMASCENO 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
JURIDIFICAÇÃO: UMA BREVE ANÁLISE SOBRE A 
EXPANSÃO DA ATIVIDADE JURÍDICA NO BRASIL 
 
 
 
 
 
 
 
Monografia apresentada como 
exigência parcial para a obtenção do 
grau de bacharel em Direito, sob a 
orientação de conteúdo do 
professor Flávio José Moreira 
Gonçalves e orientação 
metodológica da professora Tereza 
Monnica Xavier Bacelar de 
Carvalho. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Fortaleza – Ceará 
2017 
 
3 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
4 
 
PAULO VICTOR RODRIGUES DAMASCNEO 
 
 
 
 
 
JURIDIFICAÇÃO: UMA BREVE ANÁLISE SOBRE A 
EXPANSÃO DA ATIVIDADE JURÍDICA NO BRASIL 
 
 
 
 
 
 
Monografia apresentada à banca 
examinadora e à Coordenação do 
Curso de Direito do Centro de 
Ciências Jurídicas da Universidade 
de Fortaleza, adequada e aprovada 
para suprir exigência parcial 
inerente à obtenção do grau de 
bacharel em Direito, em 
conformidade com os normativos 
do MEC, regulamentada pela Res. 
Nº R028/99 da Universidade de 
Fortaleza. 
 
 
 
Fortaleza (CE), 13 de dezembro de 2017. 
 
Flávio José Moreira Gonçalves, Dr. 
Prof. Orientador da Universidade de Fortaleza 
 
Martonio Mont'Alverne Barreto Lima, Dr. 
Prof. Examinador da Universidade de Fortaleza 
 
Francisco Moreira Ribeiro, Ms. 
Prof. Examinador da Universidade de Fortaleza 
 
Tereza Monnica Xavier Bacelar de Carvalho, Ms. 
Profa. Orientadora de Metodologia 
 
Núbia Maria Garcia Bastos, Ms. 
Profa. Supervisora de Monografia 
 
 
Coordenação do Curso de Direito 
5 
 
 
AGRADECIMENTOS 
Aos professores e orientadores, Flávio José Moreira Gonçalves e Tereza Monnica Xavier 
Bacelar de Carvalho, pelo apoio, atenção, paciência e encorajamento contínuos na pesquisa, à 
Banca examinadora e aos demais mestres da casa, pelos conhecimentos transmitidos, ao Centro 
de Ciências Jurídicas e à Diretoria do curso de graduação da Universidade de Fortaleza, pelo 
apoio institucional e pelas facilidades oferecidas. 
A Maria Rodrigues de Oliveira, Francisco Carlos Damasceno e Vicente de Paulo dos 
Santos Queiroz, pelo apoio que me deram, em meio tantas dificuldades. 
A Saulo Ferreira Damasceno, Savio Ferreira Damasceno e Gilberto Oliveira da Silva. 
A Leandro Rodrigues, por sua solidariedade durante esses quase sete anos. 
Aos companheiros de viajem, Allison Duarte Barbosa e Faber Rodrigues da Silva Junior, 
que de alguma forma atravessam esse trabalho. “Amigos cujos corações eu vi baterem nus 
quando lhes rasguei as camisas”. 
Ao Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), programa do Ministério da Educação, sem 
o qual jamais teria sido possível meu ingresso no Curso de Direito da Universidade de Fortaleza. 
A Meire, por salvar minha vida. 
Ao Deus desconhecido. 
 
 
 
 
 
 
 
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"Nenhum aspecto de nossos sistemas jurídicos 
modernos é imune à crítica. Cada vez mais 
pergunta-se como, a que preço e em benefício 
de quem estes sistemas de fato funcionam" 
Mauro Cappelletti 
7 
 
 
RESUMO 
O direito, compreendido em toda sua dimensão de instituições, leis, princípios, regras e 
operadores, vem expandindo-se de forma acelerada sobre toda sociedade em diversas partes do 
mundo, inclusive no Brasil, transpassando a existência humana e tudo aquilo que a cerca, 
regulando cada vez mais objetos e sujeitos que compõem nosso espaço social. Tal fenômeno 
vem recebendo atenção de estudiosos de diversas áreas do conhecimento desde o início do 
século XX, quando a Alemanha introduziu o tema em sua pauta de discussões jurídicas e 
sociológicas. Essa expansão do direito sobre a sociedade tem sido denominada de juridificação, 
cuja conceituação é de difícil delimitação, podendo ser analisada sob diversas acepções 
multidisciplinares. Esse estudo propõe-se inicialmente investigar a origem e os vários conceitos 
elaborados sobre o fenômeno da juridificação, tentando encontrar um núcleo conceitual comum 
entre eles; em seguida, se buscará investigar através de perspectivas distintas, como os 
processos de interdependência sociais, o surgimento de novos direitos do homem e o Estado 
Social (Welfare State) podem contribuir como causa geral para o fenômeno da juridificação. 
No momento seguinte serão analisadas as causas específicas da juridificação brasileira, 
demonstrando como a expansão do direito no Brasil teve como causas fundamentais o processo 
de redemocratização e a promulgação da Constituição Federal de 1988. Por fim, será apontado 
através de dados quantitativos como o mundo jurídico brasileiro vem expandindo-se em 
diversas direções, quer seja através de uma inflação legislativa ou hipertrofia da lei, quer seja 
mediante a ampliação de outros elementos que compõem o mundo do direito, tais como os 
litígios, juízes, advogados, escritórios de advocacia, estudantes de direito e instituições de 
ensino jurídico, confirmando que o fenômeno da juridificação está presente na sociedade 
brasileira. 
Palavras-chave: Expansão do Direito. Juridificação. Inflação legislativa. Hipertrofia da lei. 
 
 
 
 
8 
 
 
SUMÁRIO 
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 09 
1 JURIDIFICAÇÃO: ORIGEM E CONCEITOS .................................................................... 11 
1.1 Habermas e os impuslsos de juridificação ....................................................................... 13 
1.2 Dimenssões da juridificação em Blichner e Molander .................................................... 15 
1.3 Conceitos de juridificação em Gunther Teubner ............................................................. 18 
2 JURIDIFICAÇÃO: POSSÍVEIS CAUSAS .......................................................................... 21 
2.1 Interdepedência como causa da juridificação ................................................................. 22 
2.2 Juridificação: era dos direitos e o Estado Social intervencionista ................................... 24 
2.3 Causas da juridificação brasileira .................................................................................... 27 
3 OS NÚMEROS DA JURIDIFICAÇÃO BRASILEIRA ....................................................... 30 
3.1 Hipertrofia do judiciário brasileiro: a justiça em números...............................................31 
3.2 Inflação legislativa: definição e alguns números.............................................................33 
 3.3 Direito em expansão: ensino jurídico e advocacia .......................................................... 36 
CONCLUSÃO .......................................................................................................................... 39 
REFERÊNCIAS ....................................................................................................................... 41 
 
 
 
 
 
9 
 
 
INTRODUÇÃO 
O direito, compreendido em toda sua extensão, vem ampliando-se sobre sociedade numa 
tendência universal, a atividade jurídica cada vez mais ganha espaço dentro das relações sociais 
através de formas distintas, o número de leis aumenta, surgem inúmeros direitos, novos sujeitos 
de direito são incorporados aos ordenamentos jurídicos, surgem novos objetosde direito, 
aparecem novas especialidades como o direito digital, consequência no avanço técnico-
cientifico, que faz emergir novas formas de relações que também passam a ser reguladas. Surge, 
portanto, todo um mundo jurídico cada vez mais ativo e crescente na sociedade. 
De outro lado surge uma sociedade mais complexa, dentro de um mundo globalizado e 
interdependente, que por consequência passa a exigir do direito um retorno que vise proteção, 
proibição ou regulação de atividades antes postas a revelia do sistema jurídico. Tudo passa a 
ser normatizado, até mesmo relações que antes eram alheias ao direito passam a ser reguladas 
por ele, como as relações homoafetivas, certas relações familiares entre pais e filhos e a união 
de pessoas não casadas. Surge toda uma plataforma de atividades jurídicas penetrando cada vez 
mais nas relações sociais em um nível global. Diante desses acontecimentos emergem inúmeros 
estudos na área sociológica e jurídica para explicar esse fenômeno de crescimento do direito, 
que para muitos estudiosos é denominado através do termo “juridificação”. 
No Brasil não é diferente, a expansão do direito, ou a juridificação, encontra-se 
consubstanciada na inflação legislativa, no crescimento sem precedentes em diferentes níveis 
do Poder Judiciário, no aumento da oferta em educação jurídica, no crescimento do número de 
bacharéis, operadores do direito e escritórios de advocacia. 
A partir desses fatos, o presente estudo será desenvolvido com a finalidade de propiciar 
um maior esclarecimento sobre o fenômeno da juridificação na sociedade brasileira, 
respondendo aos seguintes problemas de pesquisa: qual a origem conceitual da juridificação? 
Quais são as acepções existentes e se há alguma identificação comum entre elas? Quais são as 
causas desse fenômeno em uma perspectiva global e nacional? Quais dados podem comprovar 
a existência da juridificação na sociedade brasileira? 
10 
 
Os aspectos metodológicos utilizados na presente pesquisa são os seguintes: em relação 
à natureza ou abordagem do problema, o presente estudo é quali-quantitativo, uma vez que 
utiliza fatos e dados objetivos, bem como analisa fenômenos sociais vinculados ao objeto de 
estudo. O tipo ou procedimento técnico utilizado é bibliográfico, baseado em um estudo 
descritivo-analítico através de explicações pautadas em trabalhos publicados sob a forma de 
livros, artigos, seminários, relatórios, publicações especializadas, legislação e dados oficiais 
que abordem o tema em questão, direta ou indiretamente. Quanto a utilização dos resultados, a 
presente pesquisa é pura e/ou teórica, posto que terá como único objetivo a ampliação dos 
conhecimentos. Em relação aos objetivos, a pesquisa é descritiva, tendo em vista que buscará 
descrever, classificar e esclarecer o problema apresentado. Exploratória, com a finalidade de 
aprimorar o assunto através de informações sobre o tema em discussão. 
No primeiro capítulo é discutido através de várias acepções e perspectivas distintas, a 
origem e o conceito de juridificação, tentando localizar entre eles um ponto nuclear comum. O 
segundo capítulo, por sua vez, é dedicado a investigar através do olhar de diferentes autores, 
quais são as causas da juridificação em uma perspectiva geral ou universal e quais são as causas 
desse fenômeno dentro da realidade brasileira. O terceiro e último capítulo propõe demonstrar 
de forma concreta e objetiva, através de uma série de dados e informações, a existência da 
expansão da atividade jurídica no Brasil, ou, em outras palavras, tenta-se confirmar o fenômeno 
da juridificação brasileira como acontecimento real e ativo. Em suma, o presente trabalho tem 
como foco principal conceituar, determinar as causas e demonstrar a existência da juridificação 
dentro da realidade nacional. 
 
 
 
 
 
 
 
 
11 
 
1 JURIDIFICAÇÃO: ORIGEM E CONCEITOS 
Insta esclarecer inicialmente que este primeiro capítulo não pretende discorrer sobre uma 
teoria social do fenômeno da juridificação1, mas antes, estudar suas bases conceituais, sua 
formação, seu surgimento e seus sentidos. O termo é de difícil conceituação, seja no âmbito 
normativo ou descritivo, e a depender do contexto teórico onde esteja inserido, seu significado 
pode ganhar conotações distintas, não apresentando, portanto, uma linearidade conceitual 
definitiva. Sánchez (2007, p. 17), afirma que “juridification ou juridificação não são termos que 
designem um fenômeno claro e uniforme. Pelo contrário, pode-se falar em juridificação em 
contextos muito distintos e com finalidades, assim mesmo, diversas”. Assim, para uma 
compreensão adequada da expressão e do fenômeno que ela designa, é necessária uma análise 
contextualizada de seus âmbitos de aplicação, bem como uma revisão do tema através de 
autores que se detêm sobre o assunto. Nesse sentido, faz-se necessário retomar a gênese da 
expressão, que advém originalmente do vocábulo alemão Verrechtlichung, surgido na 
República de Weimar, Alemanha, por ocasião dos trabalhos de Fränkel e Kirchheimer; este 
último expressava uma profunda preocupação com a crescente formalização jurídica, 
advertindo que esse crescimento neutralizava o movimento das decisões estritamente políticas, 
bem como paralisava os conflitos de algumas dimensões sociais, como é o caso dos conflitos 
da classe trabalhadora. 
Caminha-se para a juridificação de todas às áreas, e procura-se evitar toda decisão 
estritamente política, seja no âmbito do poder ditatorial do Presidente do Reich, seja 
no da solução de conflitos trabalhistas; tudo está sendo neutralizado por meio da 
formalização jurídica. (RIZZI, p. 59, online, citando KIRCHHEIMER, 1928). 
Como se observa, o conceito de juridificação nasce dentro de uma conjuntura alemã 
específica, não podendo, contudo, ser generalizado ou universalizado como única conceituação 
possível, mas apenas utilizado como referência inicial que marca a gênese da discussão. 
Posteriormente alguns autores se deterão sobre o tema, como Habermas (2016, p. 641-642), 
para quem o conceito de Verrechtlichun, expressado por Kirchheimer (1928) significa “[...] em 
primeira linha, à institucionalização do conflito de classes em termos de um direito do trabalho 
e do salário; em segundo lugar, [...] o engessamento jurídico de controvérsias sociais e de lutas 
políticas.”. Nessa mesma esteira de pensamento, Sánchez (2007, p. 16) aduz que, com a 
expressão Verrechtlichung, Kirchheimer (1928) queria sinalizar o “fato de que determinadas 
 
1 Em inglês: juridification; em alemão: verrechtlichung; em francês: juridification e em italiano: giuridificazione. 
12 
 
questões foram subtraídas à distribuição social de forças e inseridas na esfera do Direito”, o 
autor acrescenta ainda que o termo alemão denota a ideia de um excesso desnatualizador que 
se definiria melhor com a expressão hiper-regulação. Já para Teubner (1988), embora reconheça 
a utilização do termo por Kirchheimer (1928), não admite que este seja o percussor da 
expressão, pois assevera que Fränkel já se utilizava do termo para criticar a institucionalização 
jurídica das relações de trabalho, fenômeno que paralisava a dinâmica política do movimento 
da classe trabalhadora. 
[...] foi pela primeira vez empregado durante a República de Weimar, com uma 
acentuação polêmica, no âmbito do Direito do Trabalho: Kirchheimer usou-a para 
criticar a formalização jurídica das relações de trabalho, neutralizadora dos genuínos 
conflitos políticos de classe e, já antes disso, Fränkel a utilizara, para imputar à 
juridificação das relações trabalhistas a ‘petrificação’ da dinâmica política do 
movimento da classe trabalhadora. (TEUBNER, 1988, p. 29). 
Embora Kirchheimer e Fränkel entendam, em certa medida, a juridificação como a 
expansão do Direito sobre os conflitos políticos de classe, ambos os autores estão preocupadosnão com a expansão em si, mas com os efeitos desta, aduzindo que o fenômeno engessa e 
petrifica a dinâmica de lutas políticas e controvérsias sociais, bem como institucionaliza a luta 
de classes através de regulações jurídicas sobre o trabalho e salário. Observa-se, portanto, que 
o conceito de juridificação de ambos os autores possui uma delimitação teórica que se restringe 
a uma análise crítica dos efeitos da juridificação sobre lutas políticas, controvérsias sociais e 
regulações jurídicas sobre o trabalho, que são avaliadas dentro do contexto histórico alemão. 
Na verdade, a Verrechtlichung analisada enquanto fenômeno, transcende o espaço de domínio 
da ciência jurídica e sua conceituação ultrapassa a delimitação fechada de uma ordem jurídica 
nacional. Assim, o uso do conceito, bem como a observação do fenômeno, não estão vinculados 
única e exclusivamente ao sentido germânico inicial, que deu origem, por exemplo, as noções 
de “hiper-regulação” ou de “elemento paralisante das lutas sociais” desenvolvidas por 
Kirchheimer e Fränkel, nem tão pouco trata-se de um problema próprio das ciências jurídicas, 
sociológicas e políticas da Alemanha, embora tenha se desenvolvido a partir delas. Assim, 
compreendida essa etapa, o fenômeno da juridificação deve ser observado como acontecimento 
universal, que apresenta semelhanças e particularidades distintas de nação para nação, sendo 
sua discussão um debate complexo e interdisciplinar que envolve não só juristas, mas 
economistas, sociólogos, filósofos e até mesmo políticos. 
1.1 Habermas e os impulsos de Juridificação 
13 
 
Em Habermas (2016), os conceitos de juridificação utilizados por Kirchheimer e Fränkel, 
mencionados anteriormente, sofrem uma ampliação de seu horizonte teórico, não se 
restringindo a determinadas lutas sociais e políticas, entendendo o autor que a juridificação 
relaciona-se com o fenômeno da multiplicação do Direito escrito nas sociedades modernas, 
definindo-a, de modo geral, como processo no qual o sistema jurídico se hipertrofia, regulando 
cada vez mais objetos ou fatos já assimilados pelo mundo do Direito, bem como amplia seu 
horizonte de atuação, seus campos de domínio, conduzindo a uma incorporação cada vez maior 
de elementos que até então encontravam-se externos ao sistema. Segundo o autor, o fenômeno 
da juridificação pode assumir duas formas distintas, as quais intitulou de extensão e 
condensação. 
[...] podemos fazer uma distinção entre a extensão do direito, ou seja, a normatização 
jurídica de novos fatos sociais, até então regulados de modo informal, e a condensação 
do direito, isto é, a especialização de matérias jurídicas globais que se solidificam em 
matérias particulares. (HABERMAS, 2012, p. 641). 
Em outras palavras, pode-se dizer que o alcance de um objeto ainda não regulado pelo 
direito se localiza no âmbito de extensão da juridificação e a regulação ou especialização cada 
vez maior de um objeto já assimilado pela normatização jurídica, estaria no âmbito de 
condensação. Habermas utiliza o conceito de juridificação para testar sua tese sobre a 
“colonização do mundo da vida”, conceito complementar ligado a sua “teoria do agir 
comunicativo”, que por questões de delimitação teórica não serão tratados aqui. Em termos 
gerais, Habermas descreve e distingue quatro impulsos globais de juridificação que marcaram 
época e que são analisados a partir de uma perspectiva histórico-sociológica. O primeiro 
impulso ou processo de juridificação deve ser compreendido a partir do desenvolvimento do 
direito europeu, durante o período absolutista, onde ocorre a institucionalização, ou 
normatização de dois âmbitos que permitirão a economia e o Estado se diferenciarem em 
subsistemas. Um dos âmbitos que passa a ser normatizado através de um direito privado é o 
comércio individual. 
[...] o comércio entre proprietários individuais de mercadorias é normatizado no 
sentido de uma ordem do direito privado, talhada conforme pessoas de direitos que 
agem estrategicamente e celebram contratos. [...] tal ordem jurídica apresenta 
características da positividade, da generalidade e da formalidade, tendo sido 
construída com o auxílio do moderno conceito de lei e de pessoas de direitos que 
podem celebrar contratos, adquirir, alienar ou herdar posses. Ela tem por objetivo 
garantir a liberdade e a propriedade da pessoa privada, a segurança jurídica e a 
igualdade formal de todas as pessoas de direito perante a lei e, com isso, a 
calculabilidade de todas as ações reguladas pelo direito. (HABERMAS, 2012, p. 643). 
14 
 
No outro âmbito, o direito público outorga ao poder estatal soberano o monopólio do 
poder legal, conferindo-lhe a exclusividade na produção de jurisdição, e por assim dizer, de 
dominação. A esses dois acontecimentos que se desenrolam com intervenções de direito público 
e privado é que Habermas denomina de primeiro impulso de juridificação, cujo acontecimento 
permite a constituição da sociedade burguesa. Para o autor, a autocompreensão dessa fase pode 
ser encontrada de forma mais coerente no Leviatã de Thomas Hobbes. 
O segundo impulso de juridificação pode ser percebido no Estado de direito burguês, que 
encontrou um modelo protótipo no constitucionalismo alemão do século XIX, sendo 
caracterizado por uma normatização jurídico-constitucional do poder público, que no período 
antecedente, ou seja, absolutista, era contido e limitado pelo legalismo formal e pelas vias 
burocratizadas do exercício do poder. Nesse momento, a sociedade burguesa entendida 
enquanto pessoas privadas, passa a adquirir direitos subjetivos públicos derivados de normas 
constitucionais que vinculam diretamente o soberano e toda sociedade burguesa, que nesse 
estágio ainda não possui uma formação democrática no sentido de uma participação. Tais 
direitos podem ser reivindicados pelos cidadãos, constituindo um princípio da legalidade num 
sentido de um “império da lei”. 
Apartir de agora, a administração já não pode interferir contra, praeter ou ultra legem 
na esfera da liberdade privada dos burgueses. As garantias da vida, da liberdade e da 
propriedade de pessoas privadas já não constituem efeitos colaterais funcionais de um 
intercâmbio econômico institucionalizado juridicamente em termos de um direito 
privado; mediante a ideia do Estado de direito, elas adquirem o status de normas 
constitucionais justificadas moralmente, imprimindo sua marca na estrutura do poder 
com um todo. (HABERMAS, 2012, p. 646). 
O terceiro impulso de juridificação nasce sob influência da Revolução francesa, que trazia 
como lema as expressões Liberté, Egalité, Fraternité. Nesse momento, o Estado de direito 
democrático recebe seus primeiros contornos. Dentro dessa conjuntura, é retomada, no âmbito 
do direito constitucional, a concepção de liberdade, que o direito natural já tinha inserido no 
conceito de lei. Assim, o poder do Estado, já constitucionalizado pelo impulso de juridificação 
anterior, passa a ser democratizado, os sujeitos adquirem status de cidadãos e conquistam 
direitos à participação política; as leis entram em vigor somente quando legitimadas por um 
interesse geral democraticamente assegurado que deve passar por um procedimento que vincule 
a produção de normas ao debate público, bem como a formação parlamentar da vontade. Nesse 
contexto, pode-se dizer que a universalidade e isonomia do voto, bem como a liberdade de 
organização, filiação e participação em partidos políticos são direitos que se constituem 
necessários para a legitimação do processo de produção de normas. Como consequência da 
15 
 
dinâmica desses acontecimentos, a problemática da divisão dos poderes institucionais estatais, 
compreendidos em executivo, legislativo e judiciário, se acentua na discussão de suas 
diferenciações funcionais. 
O quarto e último impulso de juridificação tratado por Habermas deve ser compreendido 
a partir do Estado social, que sedesenvolve no contexto do Estado de direito democrático e 
objetiva garantir ainda mais liberdades e direitos que o impulso de juridificação anterior. O 
desenvolvimento que conduz ao Estado Social deve ser interpretado como a 
constitucionalização de uma relação de poder social que se encontra ligada a estruturas de 
classe. Nessa fase surgem normas que amenizam os conflitos sociais, como por exemplo, a 
limitação da jornada de trabalho, a proteção contra demissão, o seguro social e a liberdade 
sindical. Essas normas acabam por equilibrar relações que antes estavam sujeitas “ao poder de 
disposição ilimitado e ao poder de organização dos meios de produção dos proprietários 
privados”, Habermas (2016, p. 649). Ou seja, tal processo de normatização acaba por balancear 
o poder no interior de uma relação já constituída juridicamente. Em suma, pode-se resumir os 
quatro processos de juridificação citados por Habermas da seguinte forma: o primeiro impulso 
teria ocorrido na Europa Ocidental, culminando no Estado Burguês formado em pleno 
absolutismo; o segundo impulso teria sua expressão no Estado de direito democrático, 
exemplificado no século XIX com a monarquia alemã; o terceiro impulso teria dado origem ao 
Estado de direito, difundido na Europa e América do Norte por influência da Revolução 
Francesa; o quarto e último impulso de juridificação teria culminado no Estado de direito 
democrático e social, forjado através das conquistas alcançadas durante o século XX pelo 
movimento dos trabalhadores europeus. 
1.2 Dimensões da juridificação em Blichner e Molander 
Blichner e Molander (2005) entendem a juridificação como um processo no qual algo se 
multiplica no decorrer do tempo. É a partir desse conceito genérico que os autores analisam, de 
forma descritiva, cinco dimensões da juridificação: a) juridificação constitutiva; b) juridificação 
como expansão e diferenciação do direito; c) juridificação como aumento da resolução de 
conflitos, tendo a lei como referencial; d) juridificação como aumento do poder judicial e; e) 
juridificação como enquadramento jurídico. 
[...] Short of a workable generic definition we will proceed by delineating five 
dimensions of juridification. First, constitutive juridification is a process where norms 
constitutive for a political order are established or changed to the effect of adding to 
16 
 
the competencies of the legal system. Second, juridification is a process through 
which law comes to regulate an increasing number of different activities. Third, 
juridification is a process whereby conflicts increasingly are being solved by or with 
reference to law. Fourth, juridification is a process by which the legal system and the 
legal profession get more power as contrasted with formal authority. Finally, 
juridification as legal framing is the process by which people increasingly tend to 
think of themselves and others as legal subjects. (BLICHNER; MOLANDER, 2005, 
p.5, online).
 2 
Para uma melhor compreensão, todas essas dimensões de juridification serão tratadas 
detalhadamente. O primeiro conceito, ou dimensão, tratado pelos autores, é o de “juridificação 
constitutiva”, que seria o processo no qual a produção normativa é criada ou alterada para 
incorporar competências do sistema jurídico a uma ordem política. As normas constitutivas 
podem ser dividas em três espécies: a) normas procedimentais; b) normas de limitações do 
poder do Estado e; c) normas de separação dos poderes. O Estado constitucional, por exemplo, 
é caracterizado por normas processuais que definem como realizar atos políticos; normas de 
conteúdo que limitam o poder político do Estado e protegem os direitos individuais; e normas 
institucionais que dão ao sistema político competências exclusivas em relação aos outros 
poderes. O estabelecimento de uma constituição formal, por assim dizer, pode ser o caso mais 
evidente do desenvolvimento de uma juridificação constitutiva. Contudo, as normas 
constitutivas podem surgir dentro e fora de uma constituição formal sob o aspecto de doutrinas 
jurídicas, jurisprudência ou paradigmas legais. 
Uma segunda dimensão do conceito é a “juridificação como expansão e diferenciação do 
direito”, que pode ser definida como o processo pelo qual um fato ou objeto social é submetido 
a uma normatização legal, podendo ser geral ou detalhada. Esse sentido de juridificação possui 
dois aspectos distintos, quais sejam: a) a expansão do direito enquanto norma positiva e; b) a 
diferenciação horizontal e vertical da lei. A expansão do direito enquanto norma positiva é o 
elemento central dessa modalidade de juridificação, que ocorre quando a lei se multiplica, se 
expande. Já a diferenciação horizontal da lei, significa que uma lei é dividida em duas ou mais 
leis de uma mesma dimensão hierárquica. De outro lado, a diferenciação vertical significa dizer 
que uma lei é cada vez mais detalhada, particularista, diferenciando um número crescente de 
fatos ou objetos normatizados. 
 
2 [...] Na falta de uma definição genérica viável, procederemos por esboçar cinco dimensões da juridificação. Em primeiro lugar, a juridificação 
constitutiva é um processo em que as normas constitutivas de uma ordem política são estabelecidas ou alteradas com a finalidade de acrescentar 
competências do sistema jurídico. Em segundo lugar, a juridificação é um processo pelo qual a lei vem regulamentar um número cada vez 
maior de atividades diferentes. Em terceiro lugar, a juridificação é um processo pelo qual os conflitos cada vez mais estão sendo resolvidos 
por, ou com, referência à lei. Em quarto lugar, a juridificação é um processo pelo qual o sistema jurídico e a profissão jurídica obtêm mais 
poder em contraste com a autoridade formal. Finalmente, a juridificação como enquadramento jurídico é o processo pelo qual as pessoas 
tendem cada vez mais a pensar em si mesmas e nas outras como sujeitos jurídicos. (tradução nossa) 
17 
 
A terceira dimensão de juridificação diz respeito ao “aumento da resolução de conflitos 
tendo a lei como referência”. Em outras palavras, significa dizer que em uma determinada 
sociedade os conflitos são resolvidos, cada vez mais, baseados em referencias normativos, ou 
seja, tendo a lei como referência. Os autores acreditam que esse tipo de juridificação pode se 
distinguir em: a) resolução de conflitos judicias, que envolveria um procedimento padronizado 
e especializado de raciocínio jurídico vinculado ao poder judiciário; b) resolução legal de 
conflitos, que envolveria um raciocínio jurídico fora do judiciário e; c) resolução de conflitos 
leigos tendo a lei como referência, que poderia envolver, com menos rigor, o raciocínio jurídico. 
Inclusive com a possibilidade das referencias legais serem interpretadas de forma equivocada, 
dando margem a erros e mal entendidos. Já a quarta dimensão de juridificação está ligada ao 
“aumento do poder judicial” e as principais razões para esse aumento, de acordo com essa 
concepção de juridificação, estão relacionadas à indeterminação do direito ou a sua falta de 
transparência. A indeterminação pode ser compreendida quando não está claro para 
jurisprudência quais regras de direito devem ser aplicadas ou como tais regras devem ser 
interpretadas ao caso concreto. Partindo dessa avaliação chega-se a conclusão de que, quanto 
maior for a indeterminação, maior será o poder discricionário do judiciário. O aumento desse 
poder ocorre também através da falta de transparência, que refere-se ao grau de abertura e 
inteligibilidade da lei a partir da ótica do cidadão. Assim, quando a transparência é diminuída, 
automaticamente aumenta-se o poder daqueles que “dominam” as normas em relação àqueles 
que não. Tanto a indeterminação como falta de transparência causam o aumento do poder 
judicial, contudo, para que tal aumento ocorra, é necessário que o sistema normativo permitauma abertura à discricionariedade do judiciário quando tais regras estejam indetermináveis ou 
com falta de transparência. 
A última dimensão da juridificação é tratada através do conceito de “juridificação como 
enquadramento jurídico”, que é a tendência cada vez maior dos indivíduos compreenderem a si 
mesmos e aos outros como sujeitos jurídicos, ou em outras palavras, como sujeitos de direito, 
a partir de um ordenamento jurídico comum. Essa dimensão de juridificação é fortemente 
observada em sociedades baseadas no Estado de Direito, onde as pessoas atribuem grande valor 
ou significado as leis como constitutivas de suas práticas sociais. Nesse contexto, os indivíduos 
tendem a si considerarem cada vez mais pertencentes a uma sociedade de sujeitos legais que 
possuem direitos e deveres de forma igualitária. Blichner e Molander (2005) distinguem quatro 
aspectos dessa dimensão de juridificação, o primeiro aspecto ocorre quando a sujeição sob um 
Estado e a aceitação de deveres jurídicos substituem outras formas de submissão e lealdade. 
18 
 
Um segundo aspecto está ligado ao fato de que os indivíduos se vêm cada vez mais autorizados, 
ou livres, para realizar práticas sociais que não são proibidas sob o ponto de vista jurídico, bem 
como confiam a proteção dessa liberdade individual ao sistema normativo. O terceiro aspecto 
ocorre quando o bem estar individual e social é pensado em termos de direitos constituídos 
legalmente e não como decorrentes de obrigações privadas, moral, caridade ou decisões 
políticas. Já o último e quarto aspecto dessa dimensão de juridificação, ocorre quando a 
participação democrática é cada vez mais pensada em termos legais e não meramente como 
virtude cívica. 
1.3 Conceitos de Juridificação em Gunther Teubner 
Em sua obra denominada “Juridificação: noções, limites, soluções”, Teubner (1988), faz 
uma revisão interdisciplinar de três conceitos de juridificação distintos, existentes no debate 
sociológico, jurídico e político. Na discussão jurídica, por exemplo, o autor identifica que o 
conceito de juridificação surge ligado a uma concepção de expansão do Direito, expressões 
como “inundação de normas” e “explosão legal” passam a ser invocadas para demonstrar a 
preocupação da comunidade jurídica com a exorbitante multiplicação do direito positivo da 
sociedade em geral. Para autor, essa concepção que faz referência a juridificação como 
expansão do direito, é limitada e ortodoxa, posto que concentra-se na mera observação do 
crescimento do direito, e, dessa forma, não passa de uma mera ferramenta de inventário que 
apresenta pouca utilidade, tornando impossível construir um ponto de partida sólido para uma 
compreensão adequada da juridificação enquanto fenômeno. O autor ainda adverte que o 
problema da juridificação, entendido como simples expansão da normatização e do crescimento 
de material legislativo poderia ser resolvido através de um processo de racionalização da 
produção de normas que possibilitasse uma diminuição do número de leis, contudo, sinaliza, a 
experiência histórica demonstra que esse tipo de projeto possui grandes limitações, posto que 
não enfrenta o problema de forma satisfatória, pois o analisa em uma perspectiva numérica de 
crescimento, sem atentar para os efeitos qualitativos acarretados ao sistema jurídico, político e 
social. 
Parece demasiadamente estreita, contudo, uma impostação da problemática em 
análise que se limite à mera observação do crescimento do material legislativo e da 
expansão quantitativa do Direito. Por um lado, a análise crítica do fenômeno de 
juridificação sob a perspectiva geral de <<inundação de leis>> acaba efetivamente 
por limitar a discussão em vários aspectos, muito dificilmente podendo assim 
constituir um ponto de partida adequado para a compreensão adequada daquele 
fenômeno. Ao puro problema quantitativo do crescimento do direito, ao qual a 
expressão <<inundação de leis>> limita sua ênfase, poderão sempre provavelmente 
19 
 
acudir ou remediar certos progressos na técnica legislativa – sem que com isso, 
todavia, se tenham respondido aos aspectos qualitativos do problema, 
indubitavelmente aqueles que mais decisivas implicações acarretam e maiores 
interrogações colocam (máxime, o de determinar quais as alterações que a crise da 
juridificação trouxe a própria natureza do sistema jurídico). [...]. (TEUBNER, 1988, 
p. 25). 
Uma segunda acepção analisada advém da sociologia-jurídica, que interpreta a 
juridificação como sendo uma “expropriação de conflito”, ou seja, nessa perspectiva os litígios 
humanos são transportados de sua esfera social própria e natural, para logo em seguida serem 
inseridos dentro de um formalismo jurídico que submete sua existência a processos de resolução 
estritamente jurídicos. Esse conceito faz parte da tradição de estudos ligada ao movimento das 
politics of informal justice desenvolvido nos Estados Unidos, tendo na Europa o congênere das 
“alternativas de direito”. Os adeptos desse conceito de juridificação questionam a validade de 
uma das principais funções do Direito, qual seja, “a resolução dos conflitos”, isso porque, 
segundo adeptos, existem inúmeros fatores burocráticos dentro processamento jurídico 
impedindo que os conflitos sociais sejam adequadamente solucionados, dentre os quais citam-
se: a lentidão processual, o receio de litigação, dificuldade de acesso a justiça e a incerteza de 
sucesso no litígio. Assim, desse ponto de vista, “[...] a juridificação não resolve conflitos, mas 
simplesmente aliena-os: ou seja, mutila os conflitos sociais, reduzindo-se a um mero caso 
judicial, e desse modo exclui qualquer possibilidade de uma resolução socialmente adequada 
[...]”, Teubner (1998, p. 26). Nessa perspectiva, os militantes dessa concepção sugerem que os 
conflitos sociais devem ser despidos da dimensão burocrática do formalismo jurídico e 
devolvidos a dimensão social mediante a criação de métodos informais ou extrajudiciais de 
resolução de conflitos. Essa concepção também é criticada pelo autor, alegando que: 
[...] tais propostas revelam-se problemáticas sob vários aspectos: por um lado, um 
retorno à justiça informal (<<informal justice>>) implica, nas condições actuais, um 
abandono da sorte dos conflitos às existentes constelações de poder social; por outro 
lado, as referidas propostas parecem menosprezar certos aspectos cruciais de uma 
resolução dos conflitos operada num cenário de separação funcional dos papeis 
sociais, que caracteriza a sociedade moderna; finalmente, tais propostas parecem 
ainda subestimar uma outra importante função do Direito no contexto de um universo 
social funcionalmente diferenciado, consistente na utilização prospectiva dos 
conflitos como veículo de generalização e sedimentação de expectativas sociais 
congruentes. [...] (TEUBNER, 1988, p. 28). 
Por fim, o terceiro e último conceito de juridificação analisado pelo autor está ligado ao 
sentido de “despolitização”, desenvolvido por cultores da ciência política. Nessa acepção, a 
juridificação seria um processo de neutralização dos conflitos políticos de classe, que 
acarretaria por consequência uma certa conformação política de determinados grupos sociais. 
20 
 
Em outras palavras, o Direito surgiria como uma espécie de elemento conciliador, apaziguador 
dos conflitos sociais, mantendo cada lado da relação, antes conflituosa, em um estado de 
imobilidade ou de limitação de seu potencial político, ocorrendo, assim, uma despolitização. 
Nessa perspectiva, a juridificação seria algo ambivalente, que se traduziria a um só tempo em 
privação e garantia de liberdade. Isso porque, ao garantir direitos, o processo de juridificação 
impõe formalmente limites à atuação política dos grupos em conflito. O exemplo clássico dessa 
ideia encontra-se nas relações de trabalho, tendo como atores: o Estado, o trabalhador, a 
empresa e as respectivas associações sindicais destes doisúltimos. 
[...] por um lado, o Direito do Trabalho protege certos interesses dos trabalhadores e 
assegura uma margem de manobra às associações sindicais representativas desses 
interesses; contudo, e por outro lado, o caráter <<repressivo>> da juridificação tende 
a despolitizar os conflitos laborais e sociais, em virtude de originar uma drástica 
limitação das possibilidades de uma acção militante daquelas associações. 
(TEUBNER, 1988, p. 29). 
Para os defensores dessa acepção de juridificação, os efeitos despontencializadores do 
caráter político das lutas laborais só poderão ser debelados mediante políticas sindicais que 
reorientem sua perspectiva em direção a estratégias conflituosas que representem o interesse 
dos trabalhadores de forma genuína e autônoma. Embora a “juridificação” seja de difícil 
conceituação, conforme se pôde constatar através dos vários sentidos interdisciplinares 
expostos neste capítulo, todos eles encontram uma certa similaridade que está vinculada a uma 
acepção de “crescimento ou expansão do mundo jurídico” através da sociedade, e é nesta 
acepção, existente de forma direta ou indiretamente nos vários sentidos de juridificação 
apresentados, que assenta-se o ponto nuclear desse conceito, dai porque a análise da expansão 
da atividade jurídica no Brasil portar inicialmente uma definição conceitual de “juridificação”. 
 
 
 
 
 
 
2 JURIDIFICAÇÃO: POSSÍVEIS CAUSAS 
21 
 
O Direito cresce em todas as direções em uma velocidade fascinante, atravessando todas 
as dimensões da vida social. Dentro dessa conjuntura, talvez seja possível afirmar que não há 
lugar em que a intervenção direta ou indireta do mundo jurídico esteja a acontecer. Mas quais 
fatores contribuem para a existência do fenômeno da juridificação? Porque todo corpo social 
encontra-se sedimentado, cada vez mais, por camadas de interversão do mundo jurídico? 
 
Após discorrer no capítulo anterior sobre a origem dos vários conceitos de “juridificação”, 
identificando entre eles o elo comum de uma base teórica conceitual, que em termos gerais 
caracterizou-se por uma acepção de “crescimento ou expansão do Direito”, este capítulo será 
dedicado a investigar as possíveis causas da juridificação. Importa esclarecer que essas causas 
sofrem mutações no tempo e espaço, sendo possível visualizá-las por diversas perspectivas, 
inclusive interdisciplinares. 
Definir as causas da juridificação não é tarefa simples, a complexidade e magnitude do 
fenômeno possibilitam recortes e delimitações específicas que proporcionam olhares distintos, 
tornando impossível estabelecer uma causa única para o fenômeno. Em outras palavras, pode-
se afirmar que haverá causas diferentes a depender da disciplina que analisa, bem como do 
contexto temporal e regional onde se desenvolve o estudo. 
Compreendida essas ressalvas iniciais, esse capítulo dissertará em seu primeiro momento 
sobre os processos de interdependência, característicos da sociedade contemporânea, que 
contribuíram para a expansão do mundo jurídico. Em um segundo será demonstrado como a 
multiplicação do direito dos homens e o surgimento do Estado Social e intervencionista também 
contribuíram para a ampliação do Direito. 
Por fim, serão analisadas causas específicas que impulsionaram o fenômeno da 
juridificação no Brasil a partir reabertura democrática, que trás seu bojo a promulgação da 
Constituição Federal no final dos anos 80, passando a estabelecer uma série de novos direitos 
e transformando o Judiciário nacional em uma verdadeira instituição autônoma aos demais 
poderes. 
2.1 Interdependência como causa da juridificação 
Para Lopes (2005), a expansão do Direito está estritamente ligada à ampliação dos 
processos de interdependência existentes na sociedade contemporânea, sendo, portanto, o 
22 
 
veículo pelo qual o mundo jurídico se propagaria no tempo e espaço. Segundo o autor, a 
interdependência caracteriza-se “[...] pela reciprocidade das dependências (mesmo quando 
assimétricas) entre os participantes de uma relação social [...]”, Lopes (2005, p. 17). Essa 
interdependência, conceito já incorporado às ciências sociais, possui características distintas e 
variáveis que o autor divide em três modalidades históricas. 
Numa primeira modalidade, há uma interdependência que se manifesta como base das 
relações sociais. Essa interdependência nuclear de qualquer convivência adviria da 
impossibilidade do homo sapiens de sobreviver isoladamente à natureza, o que o 
impele a estabelecer relações entre si para lidar com ela. Nesse sentido, é uma 
interdependência que precederia a própria sociedade, apresentando-se como 
necessidade comum e básica para contrair relações sociais de produção. A sexualidade 
também integra esta modalidade de interdependência pré-social, como impulso que 
revela a dependência da proximidade de outros, como a constatação da precariedade 
biológica do humano, particularmente evidenciada na “longa infância” de cuidados 
necessários ao nosso desenvolvimento [...]. (LOPES, 2005, p. 18). 
Essa primeira modalidade, denominada “interdependência biológica”, possui um caráter 
de sobrevivência, está presente como base nuclear das relações entre os indivíduos, contudo, 
não é responsável por definir as formas de organização social que são adotadas historicamente, 
existindo outros fatores que contribuem para essa definição. A segunda modalidade, 
classificada pelo autor como “interdependência relativa”, pode ser encontrada na modernidade, 
consequência das relações sociais existentes nesse período. Nesse contexto histórico, os sujeitos 
gozam de certa liberdade e autonomia, adotam o contrato como paradigma de suas relações, 
possuem interesses distintos e são necessariamente mediados por coisas, como o dinheiro, por 
pessoas ou instituições. A mediação, portanto, funcionaria como condição indispensável para o 
estabelecimento dessas relações e o contrato seria a referência ou paradigma principal dos 
atores envolvidos. Como consequência desse quadro, surgem as “externalidades negativas”, ou 
seja, acontecimentos nocivos que ultrapassam a esfera dos participantes envolvidos em dada 
relação, atingindo terceiros alheios aos agentes que às deflagraram. 
[...] Afinal, as relações sociais modernas envolvem sujeitos livres para contraí-las, eles 
tendem a deslocar o ônus produzido no relacionamento para fora do mesmo, atingindo 
pessoas alheias, ao invés de assumi-lo. Como não há submissão entre 
interdependentes, não é razoável que algum ou todos os sujeitos da relação arquem 
com suas consequências negativas, preferindo exteriorizá-las. (LOPES, 2005, p. 19). 
Diante dessa conjuntura, a modernidade é marcada por uma larga escala de externalidades 
negativas que podem ser observadas em meio aos processos de industrialização, urbanização e 
internacionalização, muito visíveis no mundo moderno. Como exemplos de externalidades 
negativas podem ser citadas a inflação no campo econômico ou a poluição no campo ambiental. 
23 
 
Essas externalidades ocorrem porque a sociedade moderna, compreendida com um todo, não é 
interdependente de fato, mas um conjunto de pequenas interdependências espalhadas pelo 
corpo social que vinculam somente os participantes específicos de uma dada relação 
(independente da extensão de seus efeitos), sendo o restante da sociedade descartada, não 
“existindo” ativamente. 
Assim, como a interdependência entre sujeitos livres e autônomos não é propicia à 
absorção – por todos ou alguns deles – dos custos da relação social, também favorece 
sua externalização para os estranhos a ela, pertencentes a outras relações sociais ou a 
nenhuma. Descarrega sua nocividade para além deles, porque a relação de 
interdependência que praticam visa, exatamente, à sua independência (ainda que 
provisória) da sociedade. Em suma, interdependência entre os envolvidos e 
independência em face dos demais: o público-alvo de suas externalidadesnegativas. 
(LOPES, 2005, p. 20). 
Na contemporaneidade as relações sociais intensificam-se, emergindo através de uma 
“interdependência mais abrangente e profunda”. Nessa modalidade, as interdependências não 
estão restritas aos agentes de uma dada relação, mas estendem-se por todo conjunto do tecido 
social, decorrendo daí sua abrangência. Sua profundidade, por outro lado, decorre das 
dependências reciprocas emergentes, que nesse momento tornam-se ampliadas e diretas, cujo 
impacto das ações é imediato, repercutindo não apenas entre os participantes envolvidos em 
uma dada relação, mas sobre toda a sociedade. Para Lopes (2005), enquanto a modernidade 
apresenta interesses individuais e coletivos, a contemporaneidade apresenta os interesses 
difusos. É nesse contexto que nasce a sociedade da interdependência, preocupada com a paz, o 
equilíbrio ambiental, a qualidade de vida, a higiene social, a moralidade pública, as guerras, a 
insustentabilidade ecológica, as doenças, o desemprego em larga escala, a violência etc. Trata-
se de uma sociedade globalizada e cada vez mais complexa, cuja interdependência envolve 
tudo, inclusive futuras gerações, exigindo uma ampliação das responsabilidades e das 
exigências éticas em um plano cada vez mais amplo e geral. 
E o que tem o direito com isto? Ora, como aduzem as várias teorias do direito, 
relações jurídicas são relações sociais de interdependência. São vínculos sociais 
constituídos por uma polaridade que apresenta uma correspondência entre, de um 
lado, um dever jurídico cujo cumprimento se exige e, de outro lado, um direito 
subjetivo cujo exercício lhe é pertinente. Implicam um ao outro e vice-versa, 
caracterizando dependências recíprocas (interdependência). Jurídico é, assim, o 
comportamento que exige um comportamento correspondente de outrem. (LOPES, 
2005, p. 22, grifo original). 
Ainda segundo Lopes (2005), a interdependência contemporânea é o habitat do direito, 
sendo a ferramenta jurídica o instrumento mais adequado para atender as inúmeras demandas 
que emergem das novas relações sociais existentes nesse período. O direito, portanto, expande-
24 
 
se na medida em que passa a regular, cada vez mais, as inúmeras formas de relações 
contemporâneas, que são interdependentes, instantâneas e causam efeitos imediatos decorrente 
do auto nível de dependência e conectividade existente nessas relações, exigindo uma conduta 
deontológica de seus participantes em relação a toda sociedade. Uma vez que as relações sociais 
multiplicam-se e tornam-se mais complexas e dependentes umas das outras, surge a necessidade 
de regular não só essas relações, mas os efeitos que advém delas. Nesse contexto, a 
juridificação, ou a expansão do direito, surge como consequência e solução para manter em 
harmonia das relações sociais. 
2.2 Juridificação: era dos direitos e o Estado Social intervencionista 
A multiplicação e a universalização dos direitos do homem é parte constitutiva do 
fenômeno da juridificação, sendo importante uma pequena passagem pelo assunto. Nesse 
caminho, faz-se necessário dar atenção aos estudos de Bobbio (2004, p. 33), para quem “o 
desenvolvimento da teoria e da prática (mais da teoria do que da prática) dos direitos do homem 
ocorreu, a partir do final da guerra, essencialmente em duas direções: na direção de sua 
universalização e naquela de sua multiplicação.”. Embora o autor cite a universalização e a 
multiplicação dos direitos do homem, apenas a multiplicação será analisada especificamente 
em seu estudo. 
Essa multiplicação dos direitos ocorreu, segundo o autor, de três modos distintos: em 
primeiro lugar, porque houve um aumento de bens tutelados juridicamente; em segundo lugar, 
porque foi ampliada a titularidade de direitos típicos do homem a sujeitos diversos; em terceiro 
e último lugar, porque a figura do homem deixou de ser considerada ente genérico (abstrato) e 
passou a ser identificada através de suas diversas formas de manifestação em sociedade, com o 
velho, o doente, a criança etc. Em resumo, a multiplicação dos direitos ocorreu porque há mais 
bens, mais sujeitos e mais identidades de indivíduos que passam a ser tutelados pelo direito. O 
autor aduz que o primeiro processo surge com a passagem das liberdades denominadas 
negativas, para os direitos sociais e políticos, que exigem uma intervenção do Estado. O 
segundo processo, por sua vez, ocorre através da passagem do indivíduo humano, considerado 
como único detentor de direitos, para a aquisição de direitos através de sujeitos distintos, como 
as coletividades de minorias étnicas, os animais e a natureza. 
Com relação ao segundo, ocorreu a passagem da consideração do indivíduo humano 
uti singulus, que foi o primeiro sujeito ao qual se atribuíram direitos naturais (ou 
morais) — em outras palavras, da “pessoa” —, para sujeitos diferentes do indivíduo, 
25 
 
como a família, as minorias étnicas e religiosas, toda a humanidade em seu conjunto 
(como no atual debate, entre filósofos da moral, sobre o direito dos pósteros à 
sobrevivência); e, além dos indivíduos humanos considerados singularmente ou nas 
diversas comunidades reais ou ideais que os representam, até mesmo para sujeitos 
diferentes dos homens, corno os animais. Nos movimentos ecológicos, está emergindo 
quase que um direito da natureza a ser res peitada ou não explorada, onde as palavras 
“respeito” e “exploração” são exatamente as mesmas usadas tradicionalmente na 
definição e justificação dos direitos do homem. (BOBBIO, 2004, p. 33, grifo original). 
Por seu turno, o terceiro processo advém da passagem do homem genérico para um 
homem mais específico, compreendido em sua multiplicidade de manifestações sociais que 
passam a ser visualizadas através de critérios distintos de diferenciação, tais como a idade, as 
condições físicas e o sexo. Cada um desses critérios revela condições e diferenças específicas 
que impedem igual proteção e tratamento, isso porque o velho é diferente da criança, o homem 
da mulher, o sadio do enfermo etc. Em suma pode-se dizer que essa proliferação dos direitos 
do homem aconteceu por meio de três causas distintas, a dizer: 
[...] a) porque aumentou a quantidade de bens considerados merecedores de tutela; b) 
porque foi estendida a titularidade de alguns direitos típicos a sujeitos diversos do 
homem; c) porque o próprio homem não é mais considerado como ente genérico, ou 
homem em abstrato, mas é visto na especificidade ou na concreticidade de suas 
diversas maneiras de ser em sociedade, como criança, velho, doente, etc. Em 
substância: mais bens, mais sujeitos, mais status do indivíduo.[...] (BOBBIO, 2004, 
p. 33). 
Taubner (1988), por sua vez, analisa as causas da juridificação através de um prisma 
bastante distinto. Segundo autor, para uma compreensão adequada das causas da juridificação 
é necessário estabelecer uma delimitação histórica que concentre-se no Estado do Bem-estar 
Social (ou intervencionista) encontrado no quarto impulso de juridificação analisado por 
Habermas (2016), tema já discutido no primeiro capítulo deste trabalho. Por Welfare State, ou 
Estado do Bem-estar Social, entende-se a forma de organização política e econômica que 
estabelece o Estado como agente central na organização econômica e na promoção social, ou 
seja, nesse modelo, o Estado é o ator que regulamenta toda a vida social, política e econômica 
de uma nação através de suas leis e políticas de intervenção que visam o máximo de qualidade 
de vida para todos os cidadãos, proporcionando direito a condições mínimas de educação, 
saúde, moradia e assistência social. Em suma, passa a estabelecer mais direitos. Em sua análise, 
Taubner (1988) lança mão aos estudos desenvolvidos por Max Weber. O autor explica que na 
visão de Weber, há uma crescente particularização do direito, decorrente, dentre outros fatores, 
dos “imperativos sociais da democracia”, que conduzem a um intervencionismo estatalonde é 
possível visualizar a manifestação da juridificação. 
26 
 
As causas a que Weber atribui esta recente particularização do Direito são várias. Uma 
delas deriva dos <<imperativos sociais da Democracia>>, conducentes ao típico 
intervencionismo do Estado Social – exigências de materialização do direito formal 
são endereçadas ao Direito por certos grupos de interesses tais como as organizações 
sindicais, o mesmo acontecendo com outros grupos representativos de diversos 
interesses desenvolvidos no mundo da indústria. Outra causa para a um tal 
particularização é-nos dada afinal pelos próprios juristas – que Weber apelida de 
<<ideólogos do direito>> –, em particular, pela insistência reivindicativa no sentido 
do desenvolvimento de um <<direito social baseado em postulados éticos de forte 
carga emocional tais como justiça ou dignidade humana>> (TEUBNER, 1988, p. 38, 
grifo original). 
Essa particularização do direito se expressa através da materialização do direito formal 
mediante o intervencionismo estatal que passa a utilizar o Direito para regular áreas que antes 
eram consideradas autônomas ou autorreguladas, como o direito do trabalho e industrial. Essa 
necessidade de regulação decorre das emergentes necessidades de proteção social 
características dos enunciados democráticos, bem como da insurgência de blocos de poder 
econômicos que passam a exigir mais direitos. Ainda segundo o autor, há uma 
instrumentalização do Direito pelo sistema político cuja regulação jurídica é implementada pelo 
Estado intervencionista. Em suma, Teubner (1988) aduz que a juridificação é típica do Estado 
Social e intervencionista, expressando-se através da crescente materialização do direito formal. 
Em análise mais ampla e diferente, Habermas (2016) aduz que existem quatro grandes causas 
da juridificação (já mencionadas aqui em termos históricos), a primeira delas seria o surgimento 
do Estado Burguês formado em pleno absolutismo; a segunda causa seria o Estado de direito 
democrático, exemplificado no século XIX com a monarquia alemã; a terceira teria surgido 
origem ao Estado de direito, difundido na Europa e América do Norte por influência da 
Revolução Francesa e a quarta causa da juridificação decorreria do Estado de direito 
democrático e social do século XX. Vianna (1999), por sua vez, dentro de uma perspectiva mais 
especifica, leciona que a democratização do acesso à Justiça figura como uma das principais 
causas que impulsionaram o crescimento do mundo jurídico contemporâneo. 
2.3 Causas da juridificação brasileira 
Saindo um pouco das perspectivas e causas gerais (analisadas numa espécie de âmbito 
global), visitadas até agora através dos olhares de Teubner (1988), Vianna (1999), Lopes 
(2005), Habermas (2016) e Bobbio (2004), mas sem esquecê-las, pretende-se nessa sessão 
discutir brevemente algumas das causas da juridificação brasileira. Para tanto, faz-se necessário 
de início confinar o objeto de estudo em uma determinada conjuntura espacial ou territorial, 
que é o Brasil, bem como demarcar o limite histórico cujo marco inicial assenta-se a partir da 
27 
 
Constituição de 1988. Importa frisar ainda que, embora haja um crescimento de determinadas 
áreas do mundo jurídico brasileiro antes mesmo da redemocratização, conforme restará 
demonstrado no capítulo seguinte, é a partir dela que haverá uma aceleração mais densa e 
explícita do fenômeno nos vários níveis sociais e institucionais do Brasil a partir do final dos 
anos 80. 
[...] A constituição de 1988 ampliou o campo dos direitos, por vezes com uma hiper-
regulamentação dos mais diversos aspectos da vida econômica e social, aumentando 
enormemente a quantidade de áreas sobre as quais o Judiciário tem o poder último de 
decisão. A justiça tornou-se assim o recurso normal dos grupos derrotados na esfera 
política. [...]. (SORJ, 2006, p. 117-118). 
Nessa mesma esteira de pensamento, o agora Ministro do Supremo Tribunal Federal, 
Barroso (2008), leciona que a redemocratização do país, que teve como fator histórico 
preponderante a Carta Magna de 1988, recuperando garantias à magistratura, transformando o 
Judiciário em um verdadeiro poder político, reavivando a cidadania, além possibilitar uma larga 
plataforma democrática de direitos que passaram a ser requeridos pelos mais diferentes grupos 
sociais. Dentro desse contexto, não restam dúvidas que a redemocratização fundada na 
Constituição de 88 possibilitou a ampliação do sistema jurídico, propiciando um terreno 
favorável aos processos de juridificação na sociedade brasileira. 
Nas últimas décadas, com a recuperação das garantias da magistratura, o Judiciário 
deixou de ser um departamento técnico-especializado e se transformou em um 
verdadeiro poder político, capaz de fazer valer a Constituição e as leis, inclusive em 
confronto com os outros Poderes. No Supremo Tribunal Federal, uma geração de 
novos ministros já não deve seu título de investidura ao regime militar. Por outro lado, 
o ambiente democrático reavivou a cidadania, dando maior nível de informação e de 
consciência de direitos a amplos segmentos da população, que passaram a buscar a 
proteção de seus interesses perante juízes e tribunais. Nesse mesmo contexto, deu-se 
a expansão institucional do Ministério Público, com aumento da relevância de sua 
atuação fora da área estritamente penal, bem como a presença crescente da Defensoria 
Pública em diferentes partes do Brasil. Em suma: a redemocratização fortaleceu e 
expandiu o Poder Judiciário, bem como aumentou a demanda por justiça na sociedade 
brasileira. (BARROSO, 2008, online). 
A reabertura democrática de agenda igualitária acoplada ao modelo constitucional 
adotado no Brasil reacendeu o espírito cívico e pôs fim aos longos anos de restrição a certos 
direitos e garantias fundamentais, que por um bom tempo sofreram certa limitação ou falta de 
previsão no ordenamento jurídico, consequência dos anos negros da ditadura militar, que 
restringiu em certa medida a participação popular, bem como intimidou o exercício cívico. 
Vianna (1999, p.150) entende que a “presença expansiva do direito e de suas instituições [...] é 
a expressão do avanço da agenda igualitária em um contexto que, tradicionalmente, não 
conheceu as instituições da liberdade.”. O autor refere-se às décadas de autoritarismo que 
28 
 
desorganizaram a vida social e desestimularam a participação do povo. Com a 
redemocratização do país, surge agora um Poder Judiciário robusto e independente, que passa 
a ser provocado cada vez mais pelos anseios de uma sociedade ancorada em uma série de novos 
direitos consubstanciados e garantidos na Constituição emergente. Nessa perspectiva de busca 
de direitos, decorrente da nova paisagem de garantias legais, o Judiciário passa a ser encarado 
como aquele que irá promover a efetivação dessas garantias caso elas não sejam cumpridas. 
Sorj (2006) explica que a juridificação da sociedade brasileira, em sua forma mais radical, 
expressasse numa espécie de substituicionismo que espera do Judiciário, e não de outros 
setores, a efetivação dos direitos e de certas lutas contra as desigualdades sociais. 
A juridificação da sociedade, no caso brasileiro, apresenta-se fundamentalmente como 
um caso de substituicionismo, isto é, na sua versão mais radical, espera-se que o 
Judiciário seja o ponto de partida da regeneração do sistema social, de luta contra a 
desigualdade social [...] (SORJ, 2016, p. 115, grifo original) 
Consoante observa-se, a sociedade passa a enxergar o Judiciário como força redentora 
que irá dissipar suas mazelas sociais e confirmar seus direitos. A consequência disso é que 
passam a surgir inúmeras demandas judiciais, decorrente do novo quadro social de direitos 
estabelecidos através de uma agenda programática social com vertente igualitária. A nova 
Constituição, além de estabelecer uma série de direitos, possibilitou o fortalecimento e a 
expansãodas varias instituições que compõem o Poder Judiciário, como a Defensoria Pública, 
o Ministério Público, as justiças especializadas (Trabalho, Eleitoral e Militar), os Juizados 
especiais etc. Na verdade, com o advento da Constituição houve uma verdadeira reforma no 
Poder Judiciário brasileiro, impelindo-o a tornar-se mais ativo na vida nacional. Inúmeras leis 
ordinárias passaram a ser editadas para acompanhar a Norma Maior, causando uma verdadeira 
inflação legislativa; cresceu o número de magistrados, de operadores do direito, de fóruns, 
varas, litígio, tudo decorrente da nova condição histórica imposta pela democracia emergente. 
Em suma, o processo de redemocratização do país com alicerces fincados na Constituição 
Cidadã de 1988, que passou a estabelecer uma nova plataforma de direitos e garantias, 
constituem, dentre outras causas, os fundamentos principais da juridificação brasileira. 
 
 
 
 
 
 
29 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
3 OS NÚMEROS DA JURIDIFICAÇÃO BRASILEIRA 
Após discorrer no capítulo anterior sobre as possíveis causas da “juridificação”, esse 
capítulo será dedicado especificamente aos números da juridificação brasileira, ou seja, a 
expansão da atividade jurídica no Brasil. Para tanto, será analisado o crescimento do mundo 
30 
 
jurídico brasileiro através de dados concretos e objetivos, como o aumento da litigiosidade, de 
magistrados, leis, advogados, instituições de ensino jurídico, além de outros atores. Nesse 
momento da pesquisa foram selecionados dados públicos consubstanciados nos Relatórios do 
Conselho Nacional de Justiça – CNJ, referentes aos anos de 2003, 2009, 2015 e 2016, pesquisa 
do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação – IBPT (2016), pesquisa realizada pela 
Fundação Getúlio Vargas – FVG (2016) além de outras fontes que serão mencionadas no 
decorrer desta sessão. Considera-se que a analise em termos de crescimento quantitativo seja 
de fundamental importância para que em um momento futuro possibilite uma avaliação dos 
efeitos qualitativos da juridificação brasileira. 
Embora o crescimento do mundo jurídico seja naturalmente constante desde o Império, a 
contemporaneidade brasileira apresenta um aumento expressivo do direito, isso se deve, além 
de outros fatores, a redemocratização, como visto no capítulo anterior, que impulsionou o 
desenvolvimento do judiciário como instituição de poder independente, ampliando sua estrutura 
em vários aspectos, como o número de juízes, funcionários, estrutura, gastos, litígios etc. Os 
dados levantados pelo CNJ demonstram que o Direito transformou-se em uma máquina em 
constante expansão. O diagnóstico deixa claro que a expansão de todos esses agentes, elementos 
e mecanismos que efetuam a operação do Direito, acabam por produzir uma sociedade cada vez 
mais juridificada, cada vez mais invadida pelo mundo do Direito. 
Contudo, importa ressaltar que não é possível desenhar um quadro perfeito e acabado do 
processo de expansão do mundo jurídico brasileiro. Ademais, esta pesquisa possui natureza 
transitória, posto que os dados relacionados ao crescimento do mundo do jurídico sofrem 
constantes e intermináveis alterações, assim, pode-se dizer que o presente capítulo é apenas um 
diagnóstico determinado por certa delimitação temporal e espacial dos dados relacionados ao 
seu objeto de análise, qual seja: a expansão da atividade jurídica no Brasil. Seu 
aperfeiçoamento, portanto, depende de uma atualização constante e interminável de seu objeto. 
Ademais, seria impossível no quadro de apenas um ano, tempo de uma monografia, inventariar 
as inúmeras zonas de expansão da atividade jurídica, isso demandaria um enorme tempo e 
esforço de pesquisa, o que não é possível em tão exíguo tempo. 
3.1 Hipertrofia do judiciário brasileiro: a justiça em números 
No Brasil, os dados relacionados ao crescimento do Poder Judiciário passaram a ser 
sistematicamente inventariados a partir do ano de 2005, após a criação, em 31 de dezembro de 
31 
 
2004, do Conselho Nacional de Justiça - CNJ, órgão que passou a compor o poder judiciário 
brasileiro por força da emenda constitucional nº 45, de 30 de dezembro de 2004, tendo papel 
precípuo de gestor administrativo e financeiro do Poder Judiciário. Os números levantados pelo 
CNJ, consignados no relatório “Justiça em Números3” (online), demostram que durante um 
período de treze anos, 2003 a 2015, houve um crescimento significativo do Judiciário brasileiro 
sob vários aspectos. Os cargos de magistratura na Justiça Estadual, por exemplo, passaram de 
9.745 em 2003, para 15.891 em 2015, representando um aumento de 6.146 novos cargos; na 
Justiça do Trabalho o número saltou de 2.456 em 2003 para 3.928 em 2015, significando um 
aumento de 1.472 cargos; já na Justiça Federal, o número evoluiu de 1.162 em 2003 para 2.442 
em 2015, expressando um aumento de 1.280 cargos. Em termos percentuais, a Justiça Federal 
obteve um aumento de 110,15%, Justiça Estadual 63,07% e Justiça do Trabalho 59,93%. Em 
síntese, o número de cargos criados por lei na Justiça Estadual, Federal e do Trabalho, passou 
de 13.363 em 2003 para 22.261 em 2015, representando um acréscimo de 66,59%, ou seja, em 
relação aos dados iniciais houve um aumento de 8.898 cargos, significando dizer que entre o 
período de 2003 a 2015, esses três ramos do Poder Judiciário, juntos, criaram em média um 
cargo para magistratura a cada 45h (1 dia e 21 horas). 
Em confronto com as estimativas populacionais, em 2003 tínhamos um juiz4 para cada 
13.516,36 brasileiros, enquanto que, em 2015, esse número diminuiu para 9.184,25, isso ocorre 
porque a tendência do crescimento populacional, em termos percentuais, é menor que o 
crescimento da magistratura. Enquanto a magistratura cresceu 66,59%, a estimativa 
populacional ascendeu 13,19% entre os anos de 2003 a 2015, demonstrando que o crescimento 
da magistratura brasileira não está subordinado ao aumento populacional, existindo outros 
fatores que contribuem para justificar esse crescimento. 
A força de trabalho também cresceu de forma significativa na Justiça Estadual, Federal e 
do Trabalho entre os anos de 2003 a 2015. A Justiça Estadual contava em 2003 com cerca de 
178.750 pessoas em seu quadro funcional, já em 2015 esse número saltou para 299.786, um 
acréscimo de 121.036 pessoas. A Justiça do Trabalho, por seu turno, contava com 34.411 
pessoas em 2003, passando em 2015 a comportar um total de 60.293, o que representa um 
 
3 Justiça em Números é um relatório regido pela Resolução nº 76/2009 do CNJ, faz parte do Sistema de Estatísticas do Poder Judiciário 
(SIESPJ), sua publicação é realizada anualmente desde 2003, de forma online. 
4 Para essa análise específica, levou-se em consideração apenas a Justiça Estadual, Federal e do Trabalho. Contudo, ao final desta sessão, se 
demonstrar um panorama de todo o judiciário. 
32 
 
aumento de 25.882 funcionários em sua estrutura. Já a Justiça Federal, passou de 32.038 pessoas 
em 2003 para um contingente de 48.309 em 2015, significando um crescimento de 16.271 
funcionários. Em termos percentuais a Justiça do Trabalho foi o ramo que mais ampliou seu 
quadro de pessoal entre os anos de 2003 a 2015, com um aumento de 75,21%, seguido de Justiça 
Estadual com 67,71% e Justiça Federal com 50,79%. No total, estes três ramos obtiveram um 
crescimento 66,55%, que em termos numéricos representa um aumento de 163.189 pessoas que 
passaram a compor o judiciário brasileiro, implicando um crescimento médio de 12.553 pessoas 
ao ano. 
O número de defensores públicos também tem crescido no Brasil. De acordo com o 
Ministério da Justiça (2016), as Defensorias Públicas Estaduais possuíam em média 190 
defensores por Estado em 2008, número inferior ao ano de 2014, quando os dados apontaram 
uma média de 227 defensores ativos em cada UnidadeFederativa. Em 2008 o Brasil possuía 
5.986 defensores públicos estaduais ativos, passando em 2014 a comportar o número de 7.526, 
ou seja, em relação a 2008 houve um aumento de 1.540 defensores. A Defensoria Pública da 
União - DPU, por sua vez, detinha o número de 112 cargos efetivos em 2005, passando para 
481 em 2008 e 577 em 2014, dos quais 550 estavam ativos e 27 afastados ou inativos. Ao 
analisar esses dados é possível verificar que a DPU obteve um aumento de 465 cargos entre os 
anos de 2008 e 2014. 
 
Os gastos financeiros também ampliaram-se, em 2003 a Justiça Estadual comportou 
gastos na ordem de R$ 10,7 bilhões, enquanto em 2015 os gastos elevaram-se para a cifra de 
44,7 bilhões, portanto, um aumento de R$ 34 bilhões. O mesmo ocorreu com a Justiça Federal, 
que em 2003 gastou R$ 3,1 bilhões, passando em 2015 para o montante de R$ 10 bilhões, 
representando uma elevação de gastos na ordem de R$ 6,9 bilhões. Na Justiça do Trabalho as 
despesas financeiras também foram ampliadas, em 2003 foram gastos R$ 5,2 bilhões e em 2015 
R$ 16,5 bilhões, revelando um aumento de R$ 11,3 bilhões. Somados, os três ramos do 
judiciário ampliaram seus gastos financeiros em aproximadamente R$ 52,3 bilhões entre os 
anos de 2003 e 2015. Considerando todos os ramos da máquina judiciária brasileira, o custo 
aos cofres públicos verteu ao valor de R$ 84,8 bilhões, que corresponde a 1,4% do Produto 
interno Bruto (PIB). 
No ano de 2016, as despesas totais do Poder Judiciário somaram R$ 84,8 bilhões, o 
que representou crescimento de 0,4% em relação ao último ano e uma média de 3,9% 
ao ano desde 2011. O ano de 2016 foi o de menor variação em toda a série histórica. 
As despesas totais do Poder Judiciário correspondem a 1,4% do Produto Interno Bruto 
33 
 
(PIB) nacional, ou a 2,5% dos gastos totais da União, dos estados, do Distrito Federal 
e dos municípios. [...]. (CNJ, 2016, online). 
Dentro desse panorama, possivelmente o Brasil é detentor de um dos judiciários mais 
dispendiosos do mundo, como apontou Ros (2015), em pesquisa denominada “O custo da 
Justiça no Brasil: uma análise comparativa exploratória”. 
 
A litigiosidade é outro componente do Poder Judiciário que merece atenção, em 2009 a 
Justiça Estadual contava com aproximadamente 49,4 milhões de processos em tramitação, 
passando em 2015 a comportar 59 milhões de ações, o que representa um aumento de 9,6 
milhões de demandas judiciais. Em 2009 a Justiça do Trabalho detinha um acervo de 3,3 
milhões de processos, ampliando-se, ao final de 2015, para 5 milhões de ações trabalhistas, 
significando um crescimento de 1,7 milhões ações. A Justiça Federal, por sua vez, detinha 7,8 
milhões de ações em 2009 e 9,1 milhões ao final de 2015, expressando um aumento de 1,3 
milhões de processos em andamento. Esse crescimento constante na quantidade de demandas 
judiciais acarreta um acumulo de processos que contribuem para a morosidade do nosso sistema 
judiciário. De acordo com o relatório do CNJ (2015, p.97), ainda que o ingresso de novas 
demandas fosse paralisado nesses três ramos do judiciário, seria necessário cerca de 3 anos para 
Justiça Estadual zerar seu estoque de ações, 14 meses para Justiça do trabalho e 2 anos e meio 
para Justiça Federal. 
3.2 Inflação legislativa: definição e alguns números 
A ampliação desenfreada do número de leis tem recebido atenção por parte de alguns 
estudiosos em várias partes do mundo, Galanter (1993) ao analisar o crescimento do Direito 
nos Estados Unidos, Canadá e Reino Unido, utilizou as expressões “explosão legal” e “império 
da lei” para designar o fenômeno. Taubner (1988) utilizou a expressão “inundação de normas”, 
palavra empregada por Vogel (1979) na discussão alemã sobre o aumento da quantidade de 
leis. Na literatura jurídica nacional destacam-se os termos “Inflação legislativa”, “hipertrofia 
da lei” e “elefantíase legislativa”, expressões importadas da literatura estrangeria e que vêm 
sendo empregadas para designar o fenômeno que caracteriza o crescimento rápido, desordenado 
e massivo do número de leis. Silva (1968) sinaliza que Carnelutti foi o primeiro a empregar as 
expressões “inflação legislativa” e “hipertrofia da lei” e que Biondi, por seu turno, empregou a 
expressão “elefantíase legislativa”, todos eles referindo-se à produção crescente do número de 
normas. 
34 
 
 
No Brasil, esse fenômeno tem sido objeto de análise por parte de alguns pesquisadores há 
algum tempo, havendo inclusive registros de estudos datados de meados do século passado. 
A multiplicação das leis é fenômeno universal e inegável. Com segurança pode-se 
dizer que nunca se fizeram tantas leis em tão pouco tempo. No Brasil, por exemplo, 
durante o império, foram promulgadas cerca de 3.400 leis. Durante a primeira 
República, de 1981 a 1930, cerca de 2500 leis. E de 18 de setembro de 1946 a 9 de 
abril de 1964, nada menos que 4.300 [...]. (NOGUEIRA, 1971, p. 149, citando 
FERREIRA FILHO, 1963, p. 11). 
Souza (2012), em um estudo denominado “A inflação legislativa no Contexto Brasileiro”, 
afirma que em 1960, Victor Nunes Leal, um dos Ministros do Supremo Tribunal Federal àquela 
época, já mencionava que o Brasil ocupava um lugar de destaque entre as nações que mais 
produziam leis no mundo. No mesmo estudo, o autor menciona uma análise estatística realizada 
em 1961 por Alcino Salazar, então membro do Conselho Federal da OAB, onde se fez um 
levantamento do número de normas existentes no Brasil até o final do ano de 1960, cujo 
resultado demonstrou, na época, a existência aproximada de 100.00 (cem mil) leis, decretos e 
decretos-leis, que foram catalogados da seguinte forma: a) decretos de 1931 a 1934 - 5.000; b) 
leis de 1935 a 1937 - 583; c) decretos-leis de 1937 a 1946 - 10.000; d) leis de 1946 a 1960 - 
3.865; e) decretos de 1935 a 1960 - 50.000; f) leis anteriores a 1930 - 6.000 e g) decretos 
anteriores a 1930 - 2.000. O estudo não levou em consideração os decretos legislativos e a 
legislação do império, mas já revelava a tendência brasileira ao exagerado processo legiferante. 
Um pouco mais de meio século depois, a crise legislativa permanece ampliando-se sem que a 
técnica dos atuais legisladores tenha avançado no sentido de um controle ou eficácia maior no 
processo legislativo de produção de normas. Em pesquisa recente, realizada pelo Instituto 
Brasileiro de Planejamento e Tributação – IBPT (2016), verificou-se que desde o advento da 
Constituição Cidadã, em 05 de outubro de 1988, até o dia 30 de setembro de 2016, a União, os 
Estados e os Municípios editaram cerca de 5,4 milhões de normas em todo Brasil, o que 
representa, em média, 535 normas editadas diariamente ou 769 normas por dia útil. 
Foram editadas mais de 5,4 milhões de normas, em média são editadas 769 normas 
por dia útil, em matéria tributária, foram editadas 363.779 normas. São mais de 1,88 
normas tributárias por hora (dia útil). Em 28 anos, houve 16 emendas constitucionais, 
foram criados inúmeros tributos, como CPMF, COFINS, CIDES, CIP, CSLL, PIS 
IMPORTAÇÃO, COFINS IMPORTAÇÃO, ISS IMPORTAÇÃO, foram majorados 
praticamente todos os tributos, em média cada norma tem 3 mil palavras, o termo 
“direito” aparece em 22% das normas editadas Saúde, Educação, Segurança, 
Trabalho, Salário e Tributação são temas que aparecem em 45% de toda a legislação. 
Somente 4,13% das normas editadas no período não sofreram nenhuma alteração. 
(AMARAL et al, 2016, online). 
35 
 
Confrontando o número total de normas existentes no Brasil (5.471.980) com a população 
(206.081.432), considerando o ano de 2016, chega-se a conclusão que o país possui 1(uma) 
norma para cada grupo de 38 habitantes. A quantidade de normas editadas a nível Federal, 
durante o período de 1988 a 2016, chegou ao número de 163.129, o que representa em média 
15,96 normas editadas diariamente. No mesmo período, o âmbito Estadual editou 1.460.985 
leis, significando dizer que, em média,

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