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HISTÓRIA DO BRASIL: IMPÉRIO E REPÚBLICA Professora Me. Luciene Maria Pires Pereira GRADUAÇÃO Unicesumar C397 CENTRO UNIVERSITÁRIO DE MARINGÁ. Núcleo de Educação a Distância; PEREIRA, Luciene Maria Pires. História do Brasil : Império e República. Luciene Maria Pires Pereira. Maringá-Pr.: UniCesumar, 2018. 293 p. “Graduação - EaD”. 1. Brasil. 2. História. 3. Império. 4. República EaD. I.Título. ISBN: 978-85-459-0129-7 CDD - 22 ed. 981 CIP - NBR 12899 - AACR/2 Ficha catalográfica elaborada pelo bibliotecário João Vivaldo de Souza - CRB-8 - 6828 Impresso por: Reitor Wilson de Matos Silva Vice-Reitor Wilson de Matos Silva Filho Pró-Reitor de Administração Wilson de Matos Silva Filho Pró-Reitor de EAD Willian Victor Kendrick de Matos Silva Presidente da Mantenedora Cláudio Ferdinandi NEAD - Núcleo de Educação a Distância Direção Operacional de Ensino Kátia Coelho Direção de Planejamento de Ensino Fabrício Lazilha Direção de Operações Chrystiano Mincoff Direção de Mercado Hilton Pereira Direção de Polos Próprios James Prestes Direção de Desenvolvimento Dayane Almeida Direção de Relacionamento Alessandra Baron Head de Produção de Conteúdos Rodolfo Encinas de Encarnação Pinelli Gerência de Produção de Conteúdos Gabriel Araújo Supervisão do Núcleo de Produção de Materiais Nádila de Almeida Toledo Supervisão de Projetos Especiais Daniel F. Hey Coordenador de Conteúdo Priscilla Campiolo Manesco Paixão Design Educacional Rossana Costa Giani Iconografia Amanda Peçanha dos Santos Ana Carolina Martins Prado Projeto Gráfico Jaime de Marchi Junior José Jhonny Coelho Arte Capa André Morais de Freitas Editoração Robson Yuiti Saito Revisão Textual Simone Limonta Viviane Favaro Notari Ilustração André Luís Onishi Viver e trabalhar em uma sociedade global é um grande desafio para todos os cidadãos. A busca por tecnologia, informação, conhecimento de qualidade, novas habilidades para liderança e so- lução de problemas com eficiência tornou-se uma questão de sobrevivência no mundo do trabalho. Cada um de nós tem uma grande responsabilida- de: as escolhas que fizermos por nós e pelos nos- sos farão grande diferença no futuro. Com essa visão, o Centro Universitário Cesumar assume o compromisso de democratizar o conhe- cimento por meio de alta tecnologia e contribuir para o futuro dos brasileiros. No cumprimento de sua missão – “promover a educação de qualidade nas diferentes áreas do conhecimento, formando profissionais cidadãos que contribuam para o desenvolvimento de uma sociedade justa e solidária” –, o Centro Universi- tário Cesumar busca a integração do ensino-pes- quisa-extensão com as demandas institucionais e sociais; a realização de uma prática acadêmica que contribua para o desenvolvimento da consci- ência social e política e, por fim, a democratização do conhecimento acadêmico com a articulação e a integração com a sociedade. Diante disso, o Centro Universitário Cesumar al- meja ser reconhecido como uma instituição uni- versitária de referência regional e nacional pela qualidade e compromisso do corpo docente; aquisição de competências institucionais para o desenvolvimento de linhas de pesquisa; con- solidação da extensão universitária; qualidade da oferta dos ensinos presencial e a distância; bem-estar e satisfação da comunidade interna; qualidade da gestão acadêmica e administrati- va; compromisso social de inclusão; processos de cooperação e parceria com o mundo do trabalho, como também pelo compromisso e relaciona- mento permanente com os egressos, incentivan- do a educação continuada. Seja bem-vindo(a), caro(a) acadêmico(a)! Você está iniciando um processo de transformação, pois quan- do investimos em nossa formação, seja ela pessoal ou profissional, nos transformamos e, consequente- mente, transformamos também a sociedade na qual estamos inseridos. De que forma o fazemos? Criando oportunidades e/ou estabelecendo mudanças capa- zes de alcançar um nível de desenvolvimento compa- tível com os desafios que surgem no mundo contem- porâneo. O Centro Universitário Cesumar mediante o Núcleo de Educação a Distância, o(a) acompanhará durante todo este processo, pois conforme Freire (1996): “Os homens se educam juntos, na transformação do mundo”. Os materiais produzidos oferecem linguagem dialó- gica e encontram-se integrados à proposta pedagó- gica, contribuindo no processo educacional, comple- mentando sua formação profissional, desenvolvendo competências e habilidades, e aplicando conceitos teóricos em situação de realidade, de maneira a inse- ri-lo no mercado de trabalho. Ou seja, estes materiais têm como principal objetivo “provocar uma aproxi- mação entre você e o conteúdo”, desta forma possi- bilita o desenvolvimento da autonomia em busca dos conhecimentos necessários para a sua formação pes- soal e profissional. Portanto, nossa distância nesse processo de cres- cimento e construção do conhecimento deve ser apenas geográfica. Utilize os diversos recursos peda- gógicos que o Centro Universitário Cesumar lhe possi- bilita. Ou seja, acesse regularmente o AVA – Ambiente Virtual de Aprendizagem, interaja nos fóruns e en- quetes, assista às aulas ao vivo e participe das discus- sões. Além disso, lembre-se que existe uma equipe de professores e tutores que se encontra disponível para sanar suas dúvidas e auxiliá-lo(a) em seu processo de aprendizagem, possibilitando-lhe trilhar com tranqui- lidade e segurança sua trajetória acadêmica. Pró-Reitor de Ensino de EAD Diretoria de Graduação e Pós-graduação Professora Me. Luciene Maria Pires Pereira Graduação em História pela Universidade Estadual de Maringá (2005). Especialização em História Econômica pela Universidade Estadual de Maringá (2008). Mestrado em História pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho/FCL de Assis (2011). Especialização em Educação Especial pelo Instituto Paranaense de Ensino – Maringá/PR (2013). Especialização em Psicopedagogia Institucional pelo Instituto Paranaense de Ensino-Maringá/PR (em andamento). Especialização em Atendimento Educacional Especializado – UniCesumar (em andamento). Membro da Sociedade Internacional de Estudos Jesuíticos. A U TO R A SEJA BEM-VINDO(A)! Caro(a) acadêmico(a) do curso de Licenciatura em História da UniCesumar, o livro que você está prestes a estudar foi elaborado com muito carinho e satisfação e tem por obje- tivo auxiliá-lo(a) no processo de aprendizagem sobre a formação e a evolução do Brasil, do período imperial à contemporaneidade. Antes de iniciarmos nosso estudo, gostaria de fazer uma breve apresentação sobre mi- nha formação. Sou formada em História pela Universidade Estadual de Maringá, no Pa- raná, na qual também realizei uma especialização em História Econômica. Possuo uma especialização em Educação Especial, realizada no Instituto Paranaense de Ensino – Ma- ringá/PR e sou mestre em História, na linha de Políticas: ações e representações, pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – UNESP. Além do Ensino Supe- rior, trabalho na Educação Básica, na rede regular e na educação especial. Feita a apresentação, gostaria de ressaltar que o objetivo deste livro é possibilitar que você adquira o conhecimento necessário sobre o período abordado para que possa atuar como professor(a) de História. Nesse sentido, o livro conta com informações fun- damentadas em autores clássicos, especialistas no período e que você deve conhecer. Além disso, traz sugestões de livros, documentos históricos, filmes, sites e atividades de análise e de reflexão que vão enriquecer a sua aprendizagem. Compreender o processo de formação do Brasil desde a independência de Portugal até a (re)construção da sociedade após o período da ditadura militar (1964-1985) não é ta- refa simples. Por essa razão, é importante que você tenha disciplina e dedicação para vencer os assuntos e as atividades propostas ao longo de todo o livro, além de aprovei- tar ao máximo os recursos eas dicas apresentados aqui e, também, aqueles oferecidos pela UniCesumar. Com o livro que apresento e com o seu esforço e a sua dedicação, tenho certeza de que nossa viagem pela história do Brasil ocorrerá de maneira prazerosa e você apreenderá as nuances que caracterizaram esse rico período da nossa história. Ao longo deste livro, caro(a) acadêmico(a), discorreremos acerca das conjunturas que permearam o processo de emancipação política do Brasil em 1822, evidenciando o pro- cesso de construção da identidade nacional do país recém-emancipado até a segunda metade do século XX. Iniciamos nossa primeira unidade com uma análise do processo de independência do Brasil e buscamos a compreensão de como o novo país se organizou enquanto nação independente. Entender como os projetos e as ideologias presentes nas lutas pela inde- pendência se organizaram e se articularam após 1822 também é uma preocupação so- bre a qual nos debruçaremos nessa primeira unidade, que discute as relações políticas, econômicas e sociais até o período das regências. Na segunda unidade, nosso objetivo é compreender as conjunturas que caracterizaram o reinado de D. Pedro II e que possibilitaram a discussão sobre a mudança do regime imperial para o republicano. Analisar o contexto e as circunstâncias que permitiram que APRESENTAÇÃO HISTÓRIA DO BRASIL: IMPÉRIO E REPÚBLICA os movimentos abolicionista e republicano ganhassem espaço na sociedade brasi- leira é fundamental para que sejamos capazes de apreender as mudanças nas bases sobre as quais o Brasil se sustentava. A terceira unidade é dedicada ao estudo da consolidação da República no Brasil e à análise das rupturas e das continuidades das características das forças políticas, econômicas e sociais no país. Compreender a ideia de democracia que a sociedade do final do século XIX e início do século XX tinha contribui para que possamos en- tender as transformações pelas quais o país passou ao longo do século XX. Na quarta unidade, nosso objeto de estudo é a ascensão dos regimes autoritários no Brasil a partir do governo de Getúlio Vargas e do golpe de 1964 que instaurou a ditadura militar no Brasil. Nesse momento, o objetivo é verificar como o conceito de democracia foi manipulado a partir dos interesses de uma minoria e como a socie- dade reagiu a essa manipulação. Na quinta e última unidade de nosso livro, discutiremos o período da ditadura mili- tar brasileira, com o objetivo de conhecermos e compreendermos a realidade bra- sileira numa época na qual as liberdades, os direitos e a democracia deixaram de existir para a maioria da população. Conhecer essa parte da história do Brasil é vital para que, em tempos de turbulências políticas, econômicas e sociais, não se evoque um passado que deixou marcas indeléveis nos brasileiros. Terminamos nosso estu- do sobre nosso país analisando o processo de redemocratização do Brasil e a sua organização a partir de 1985. Espero, caro(a) acadêmico(a), que você aprecie o livro que recebe e que o aproveite ao máximo para conhecer nossa história, enriquecendo o seu conhecimento, e que você leve o conhecimento aqui adquirido para as salas de aula, contribuindo para a formação de cidadãos críticos e conscientes. Espero, também, que o desejo de se aprofundar nas temáticas aqui apresentadas desperte o interesse pela pesquisa acadêmica, essencial para nossa completa formação. APRESENTAÇÃO SUMÁRIO 09 UNIDADE I O IMPÉRIO DO BRASIL: ESTUDO DO PROCESSO DE INDEPENDÊNCIA DO BRASIL E A CONSTITUIÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO 15 Introdução 16 Análise do Processo de Independência do Brasil 25 Aspectos da Formação do Estado Brasileiro Pós-Independência: O Primeiro Reinado 38 A Crise do Primeiro Reinado e a Abdicação de D. Pedro I 47 O Período Regencial (1831-1840) 58 Considerações Finais UNIDADE II O SEGUNDO REINADO NO BRASIL: ANÁLISE DO PROCESSO DE TRANSIÇÃO DO FIM DA MONARQUIA PARA O INÍCIO DA REPÚBLICA BRASILEIRA 67 Introdução 68 O Segundo Reinado: O Governo de D. Pedro II 79 A Economia no Período Imperial Brasileiro 86 O Movimento Abolicionista no Brasil Imperial 96 O Movimento Republicano e o Fim da Monarquia no Brasil 104 Considerações Finais SUMÁRIO UNIDADE III DA REPÚBLICA DA ESPADA AO GOLPE DE 1930: A CONSOLIDAÇÃO DA REPÚBLICA NO BRASIL E AS TRANSFORMAÇÕES NA SOCIEDADE BRASILEIRA NO INÍCIO DO SÉCULO XX 111 Introdução 112 República Velha ou República da Espada 135 Aspectos da Imigração Europeia e a Consolidação do Trabalho Assalariado: As Transformações Econômico-Sociais na Primeira República 151 Fim da República Oligárquica: O Golpe de 1930 161 Considerações Finais UNIDADE IV A ASCENSÃO DOS REGIMES AUTORITÁRIOS NO BRASIL E A SUPRESSÃO DA “DEMOCRACIA” BRASILEIRA: DA ERA VARGAS À DITADURA MILITAR 169 Introdução 170 Os Primeiros Anos do Governo de Getúlio Vargas (1930-1937) 186 A Ditadura de Vargas: O Estado Novo (1937-1945) 201 Enfim Democracia? As Esperanças Renovadas e o Novo Golpe: Início da Ditadura Militar no Brasil 218 Considerações Finais SUMÁRIO 11 UNIDADE V OS ANOS DE CHUMBO: A DITADURA MILITAR NO BRASIL E O LONGO PROCESSO DE REDEMOCRATIZAÇÃO 225 Introdução 226 A Consolidação do Golpe de 1964 e a Organização do Estado Militar 235 O “Endurecimento” do Regime e a Resistência Popular: Manifestações e Organizações Populares Contra a Repressão 247 As Esperanças Renovadas: O Longo Caminho da Redemocratização do País 268 Considerações Finais 275 Conclusão 277 Referências U N ID A D E I Professora Me. Luciene Maria Pires Pereira O IMPÉRIO DO BRASIL: ESTUDO DO PROCESSO DE INDEPENDÊNCIA DO BRASIL E A CONSTITUIÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO Objetivos de Aprendizagem ■ Analisar o processo de Independência do Brasil. ■ Compreender o processo de formação do Estado brasileiro após a separação de Portugal. ■ Entender as discussões acerca da organização política e econômica do Estado em formação. ■ Verificar a constituição social do Brasil pós-independência e suas relações e participações na construção do Estado brasileiro. Plano de Estudo A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade: ■ Análise do processo de Independência do Brasil ■ Aspectos da formação do Estado brasileiro pós-independência: o Primeiro Reinado ■ A crise do Primeiro Reinado e a abdicação de D. Pedro I ■ O Período Regencial (1831-1840) INTRODUÇÃO Prezado(a) aluno(a), ao longo da disciplina de Brasil Colônia, você se debruçou sobre o início da ocupação e da colonização do território brasileiro por parte de Portugal e sobre a formação de uma sociedade baseada nos princípios do Pacto Colonial. Após conhecer e analisar o desenvolvimento do Brasil durante todo o período em que esse esteve sob domínio de Portugal, você analisará o desenvol- vimento do país enquanto Estado e nação independente. Nesta primeira unidade, discorreremos acerca do contexto no qual se desen- volveu o projeto de emancipação política do Brasil, analisando os fatores políticos, econômicos e sociais que permearam esse processo e compreenderemos a ação dos atores sociais que atuaram e/ou contribuíram para a concretização do pro- jeto de separação entre Brasil e Portugal. Ao abordarmos o pretenso fim da dependência política do Brasil em relação a Portugal, é imprescindível nos atentarmos para a maneira como o recém-in- dependente país buscou constituir suas bases e construir uma identidade que representasse a miscelânea de povos e de culturas que aqui se encontravam, levan- do-se em consideração a influência de ideias largamente difundidas na Europa naquele momento que se contrapunham à realidade política e social do Brasil. Nesse sentido, nossa análise sobre esse primeiro momento do Brasil enquanto país independente irá se fundamentar na discussão sobre as rupturas e/ou as permanências de ideias e de instituições presentes no contexto do processo de emancipação política do Brasil e na fundamentação das bases organizacionais do país, contrapondoo discurso adotado ao longo das lutas de independência à estrutura colocada em prática após a separação de Portugal. Compreendendo essa primeira unidade da evolução histórica do Brasil enquanto Estado, você, caro(a) aluno(a), terá dado o primeiro passo para um melhor entendimento das instituições e dos conceitos vigentes em nosso país na atualidade. Pronto para começarmos? Introdução Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 15 ANÁLISE DO PROCESSO DE INDEPENDÊNCIA DO BRASIL Embora o marco da emancipação política do Brasil tenha sido definido em 7 de setembro de 1822, a ideia ou antes o desejo de uma ruptura com Portugal configurou-se no interior da colônia muito antes dessa data. Analisando a histo- riografia a respeito desse tema, é possível observar a corroboração de inúmeros estudiosos à ideia de que a transferência da família real portuguesa para as ter- ras brasileiras, no início do século XIX, contribuiu para o estabelecimento de uma conjuntura que fez nascer – ou que intensificou – o vislumbre da formação de um país livre do julgo dominador de Portugal. Tais conjunturas dizem respeito à configuração de uma estrutura governa- mental que representou uma modificação do papel da colônia dentro do contexto do antigo sistema colonial, na medida em que o Brasil adquiriu status de sede do governo imperial, este estabelecido em um primeiro momento na Bahia e, posteriormente, na cidade do Rio de Janeiro. Essa nova condição da colônia exigiu uma série de investimentos na criação de uma estrutura condizente com sua nova realidade que suscitou o debate acerca da relevância do país diante do cenário que se desenhava. Monumento à Proclamação da Independência – São Paulo O IMPÉRIO DO BRASIL: Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E16 Análise do Processo de Independência do Brasil Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 17 Conforme aponta Faoro (1976, p. 249), as consequências imediatas da chegada e da instalação da família real portuguesa no Brasil traduziu-se no fechamento dos portos da metrópole, fato que a impossibilitava de exportar produtos e/ou adquirir bens e produtos necessários à sua subsistência, na ruptura do Pacto Colonial a partir da abertura dos portos brasileiros à Inglaterra e às nações amigas e, por fim, na centralização do poder que aglutinava as “dispersas e desarticu- ladas capitanias”. Diante do estabelecimento desse novo cenário que, no entendimento de mui- tos historiadores, representava um prolongamento das instituições existentes em Lisboa – antiga sede do governo colonial português – e que não respeitava as características próprias da colônia, os conflitos entre essas duas partes do império português se acentuaram, levando ao início de uma guerra política e ideológica que teve como consequência as lutas pela emancipação da colônia. As revoltas ocorridas ao longo do período colonial, sobretudo a Inconfidência Mineira (1789) e a Conjuração Baiana (1798), ambas com caráter separatista, já demonstravam a insatisfação de setores da sociedade brasileira com a adminis- tração portuguesa, insatisfação essa que ganhou corpo quando da transferência da família real para esse território e das consequências decorrentes desse evento durante a primeira metade do século XIX. No momento em que o Brasil foi elevado à condição de reino, passando a integrar o Reino Unido de Portugal e Algarves (1815), as divergências ideológi- cas entre os que viviam deste e do outro lado do Atlântico foram acentuadas e a manutenção da ordem vigente até então tornou-se cada vez mais difícil. O IMPÉRIO DO BRASIL: Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E18 Carta de Lei elevando o Brasil a Reino Unido ao de Portugal e do Algarves, RJ, Arquivo Nacional, 1815 Fonte: MultiRio (online). Inseridos nesse quadro de instabilidade e de dificuldades da monarquia portu- guesa em conciliar diferentes interesses em uma sociedade composta por grupos sociais diversificados, aqueles que, entre as décadas finais do século XVII e iní- cio do século XVIII, esboçaram o ideal separatista e tiveram que articular seus interesses a uma discussão e a um movimento que, para além de questões polí- ticas, perpassava o entendimento e – conforme veremos após a declaração de independência – a adaptação das ideologias presentes nos discursos que emba- savam a concepção de uma emancipação política do Brasil. A presença de instituições portuguesas em solo brasileiro e a constante intervenção das Cortes de Lisboa na administração do Brasil, impedindo o seu progresso, deram aos intelectuais do período os motivos para elaborarem um discurso influenciado pelos últimos acontecimentos da Europa e da América, quais sejam: a Revolução Francesa e as independências dos Estados Unidos e das colônias espanholas. Análise do Processo de Independência do Brasil Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 19 A esse fato somou-se uma realidade na qual os portugueses que aqui se ins- talaram a partir de 1808 eram nomeados para cargos na administração joanina ou enriqueciam devido aos privilégios a eles concedidos pela coroa, aumentando a insatisfação dos brasileiros. Além dessa insatisfação, o incremento do comér- cio, ocorrido a partir da abertura dos portos e do fim dos monopólios impostos pelo Pacto Colonial, fez com que brasileiros de diferentes setores sociais passas- sem a apoiar os intelectuais e seus ideais liberais, embora com uma interpretação própria desse conceito, voltada para a defesa de seus próprios interesses. Nesse sentido, de acordo com Faoro (1976, p. 246), o liberalismo que embalava os ideais separatistas no Brasil entre os séculos XVII e XVIII era mais justifica- dor do que doutrinário, visto que aqueles que compunham o estrato mais rico da sociedade brasileira defendiam uma política liberal em prol de seus próprios interesses, combatendo uma possível participação política das classes menos pri- vilegiadas de nossa sociedade. Corroborando com a análise de Faoro sobre a concepção de liberalismo no Brasil, Emília Viotti da Costa destaca que Na Europa, o liberalismo era uma ideia burguesa voltada contra as Ins- tituições do Antigo Regime, os excessos do poder real, os privilégios da nobreza, os entraves do feudalismo ao desenvolvimento da economia. No Brasil, as ideias liberais teriam um significado mais restrito, não se apoiariam nas mesmas bases sociais, nem teriam exatamente a mes- ma função. Os princípios liberais não se forjaram, no Brasil, na luta da burguesia contra os privilégios da aristocracia e da realeza. Foram importados da Europa. Não existia no Brasil da época uma burguesia dinâmica e ativa que pudesse servir de suporte a essas ideias. Os adep- tos das ideias liberais pertenciam às categorias rurais e sua clientela. As camadas senhoriais empenhadas em conquistar e garantir a liberdade de comércio e a autonomia administrativa e judiciária não estavam, no entanto, dispostas a renunciar ao latifúndio ou à propriedade escrava (COSTA, 2010, p. 28). O que esse contexto nos permite observar é que, embora com a instalação da família real no Rio de Janeiro e a elevação do Brasil à condição de Reino Unido de Portugal e Algarves o país tenha recebido investimentos que contribuíram para a melhoria das condições econômicas e sociais – mesmo que estas tenham sido sentidas de maneiras diferentes pelos diferentes setores da sociedade bra- sileira –, a administração joanina precisou lidar com a fragilidade do seu poder O IMPÉRIO DO BRASIL: Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereirode 1998. IU N I D A D E20 real, visto que setores e ideias distintas em relação à situação vigente começa- ram a emergir tanto no interior do Brasil quanto em Portugal. As revoluções de 1817 (Pernambuco) e 1820 (Lisboa) mostram que os rumos adotados por D. João VI na condução da administração de seus domínios não satisfaziam os interesses de muitos. A primeira, representada pela “aliança entre propriedade agrária e as concepções liberais definiu um ideário com o liberalismo forrado de energia republicana” (FAORO, 1976. p.263) e a segunda, era repre- sentada pelo questionamento da elevação do Brasil a Reino Unido de Portugal e Algarves, questionamento esse suscitado pelo desenvolvimento do Brasil em detrimento de Portugal. Em 1817, no Campo das Princesas, em Recife, os revoltosos dominaram o antigo Palácio do Governo Fonte: MultiRio (online). Diante do crescente antagonismo que caracterizava a manutenção da relação dependente entre Portugal e Brasil, já invertida em seu sentido mais profundo no início do século XIX, tornou-se quase impossível evitar o fortalecimento e a defesa das ideias e dos movimentos emancipatórios ao longo desse período. Desse modo, a elite brasileira chegou ao poder em 1822 na figura de D. Pedro com a tarefa de organizar uma nação independente, com bases nos princípios liberais, sem, no entanto, ferir seus interesses. Análise do Processo de Independência do Brasil Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 21 A figura de D. Pedro, regente do Brasil após a volta de D. João VI para Portugal diante da pressão das cortes lisboetas, aglutinou em torno de si as principais mentes do processo de emancipação política do Brasil. A crise que se instalou no Brasil após a partida de D. João VI tem no seu interior o medo de uma pos-sível retomada da exploração e do atraso resultantes da condição de colônia do país e acentuaram o discurso pela independência. Nesse contexto, D. Pedro apro-ximou-se dos brasileiros e, gradativamente, deixou-se influenciar pela ideia do rompimento com seu pai e Portugal. Percebendo as ações em torno de D. Pedro no Brasil, as cortes portugue-sas o pressionavam para que retornasse a Portugal, fato que levou um dos mais expressivos defensores da independência, José Bonifácio, a intervir junto ao regente e convencê-lo a permanecer no Brasil e conduzir a libertação e a reor-ganização do país. O Dia do Fico (09 de janeiro de 1822) desencadeou os movimentos que levaram ao rompimento oficial entre Portugal e Brasil, com a declaração de inde- pendência deste último em 7 de setembro de 1822. O fim das relações coloniais entre Portugal e Brasil foi analisado sob vários ângulos e aspectos, o que significa que o processo de eman- cipação política do Brasil recebeu inúmeras interpretações, que variavam – e ainda variam – de acordo com o momento histórico em que foram elaboradas. “A independência de uma sociedade é o conjunto de condicionamentos his- tóricos e político que não se confundem com um único evento” Fonte: Oliveira (2009 apud GRINBERG; SALLES, 2009). Os intelectuais brasileiros e as abordagens sobre a independência do Brasil D. Pedro I Fonte: Revista de História (online). O IMPÉRIO DO BRASIL: Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E22 Logo após o 7 de setembro de 1822, José da Silva Lisboa, o Visconde de Cairu, procurou legitimar o novo Estado por meio da continuidade da dinastia dos Bragança, colocando a independência do Brasil como o marco fundador do país, realizada sob o singular regime monárquico de um herdeiro dos Bragança (NEVES, 2009, apud GRINBERG; SALLES, 2009, p. 98). Em sua análise sobre a independência do Brasil, Varnhagem demonstrou que essa sig- nificou uma “continuidade entre o passado colonial e o novo projeto nacional, enfatizando a influência civilizadora da colonização portu- guesa sobre o novo país nos trópicos” (NEVES, 2009 apud GRINBERG; SALLES, 2009, p. 99). O liberal e amigo próximo da família imperial Joaquim Manuel de Macedo, ao tratar do assunto, considerou o processo e a independência do Brasil como um período de criação de “uma nação como memória coletiva e idealizada de acontecimentos e personagens excepcionais, organizados em nar- rativa linear” (NEVES, 2009 apud GRINBERG; SALLES, 2009, p. 99). Além de intensa participação na política do período imperial, Joaquim Ma- nuel de Macedo foi também professor, jornalista, poeta e escritor, cujo o ro- mance de maior expressão foi A Moreninha, publicado em 1844. Para conhecer mais sobre a biografia desse intelectual do período imperial, acesse o conteúdo disponível em: <http://www.academia.org.br/abl/cgi/ cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=905&sid=218>. Acesso em: 10 abr. 2015. Fonte: a autora. Análise do Processo de Independência do Brasil Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 23 Como é possível observar, caro(a) aluno(a), até a década de 1850, as análises sobre a independência do Brasil adotaram um viés que destacava a continui- dade das características da colonização portuguesa no Brasil, isto é, apontavam para uma herança colonial que fortalecia a imagem da família real portuguesa e ressaltava a importância de D. Pedro I para a constituição do novo país, numa tentativa de forçar uma união da sociedade em torno dos Bragança. Essa ideia de herança portuguesa vai dominar as análises sobre a indepen- dência até a década de 1860, quando uma nova corrente de intelectuais defendeu a ideia de ruptura com as instituições portuguesas e o nosso passado colonial. Para esses intelectuais, a independência do Brasil ocorreu de fato em 07 de abril de 1831, quando D. Pedro I abdicou do trono e retornou a Portugal. No início do século XX, a ideia de ruptura e da construção de uma nação caracterizada por algo além das influências portuguesas foi reforçada pelo Instituto Histórico e Geográfico do Brasil, visando uma aproximação entre os processos de independência do Brasil e dos demais países da América Latina (NEVES, 2009 apud GRINBERG; SALLES, 2009, p. 100). Nesse mesmo período, as análises de Caio Prado Jr. realçaram a abordagem marxista, evidenciando os aspectos econômicos do processo de emancipação política do Brasil e enquadrando-o no contexto da falência do sistema colonial. A tese de Caio Prado Jr. foi corroborada por muitos intelectuais a partir da década de 1970 e do crescimento dos cursos de pós-graduação no Brasil. Nomes como Fernando Novais e Guilherme Motta também analisaram a independên- cia do Brasil no contexto da crise do antigo sistema colonial. Para esses autores, a independência foi o momento inicial de um longo processo de ruptura, resul- tado da desagregação do sistema colonial e da montagem do Estado Nacional (NEVES, 2009 apud GRIMBERG; SALLES, 2009, p. 101). Os intelectuais do século XX produziram inúmeras análises sobre a inde- pendência do Brasil e a historiografia passou a contar com uma diversidade de ideias e de opiniões sobre esse assunto que contribuíram para o alargamento das discussões acerca não só do período colonial brasileiro, mas também do con- texto que se instalou com a Proclamação da República. O IMPÉRIO DO BRASIL: Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E24 Além da questão da continuidade ou da permanência da herança portuguesa ou, ainda, de uma ruptura com as instituições coloniais, essas análises possibili- taram o conhecimento de outros aspectos do início do Brasil imperial, trazendo para o cerne do debate a participação de outros setores da sociedade que não aqueles que compunham a elite, considerando o papel desses na formação de uma identidade nacional. As discussões acerca das conjunturas que marcaram o processode indepen- dência do Brasil ainda despertam o interesse de historiadores renomados que buscam, por meio da análise de documentos, compreender os interes- ses por trás dos discursos e movimentos emancipatórios. Em 2015, os histo- riadores José Murilo de Carvalho, Lúcia Bastos e Marcello Basile publicaram uma obra na qual apresentam uma documentação inédita que remonta aos anos de 1820 a 1823 e permite novas abordagens sobre esse período de nossa história. Para maiores detalhes, acesse o conteúdo disponível em: <http://oglobo.globo.com/cultura/livros/livro-reune-panfletos-que-permi- tem-novas-interpretacoes-da-independencia-do-brasil-15720391>. Acesso em: 10 abr. 2015. Fonte: a autora. Aspectos da Formação do Estado Brasileiro Pós-Independência: O Primeiro Reinado Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 25 ASPECTOS DA FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO PÓS-INDEPENDÊNCIA: O PRIMEIRO REINADO Caro(a) aluno(a), após a análise apresentada no tópico anterior, você pode se perguntar: qual é o papel do povo brasileiro durante todo o processo de eman- cipação política do Brasil? Para responder a essa questão, recorreremos a Emília Viotti da Costa, a qual afirma que a independência do Brasil foi articulada e levada a cabo por uma elite composta de fazendeiros, comerciantes e membros de sua clientela, ligados à eco- nomia de importação e exportação e interessados na manutenção das estruturas tradicionais de produção cuja base era o sistema de trabalho escravo e a grande propriedade (COSTA, 2010, p. 11). Essa elite, ao longo dos primeiros anos da independência, reivindicou a participa- ção, senão o comando do país, acentuando os conflitos e as divergências políticas e ideológicas que fizeram parte das lutas pela independência até o momento da abdicação de D. Pedro I em 1831. O IMPÉRIO DO BRASIL: Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E26 Os demais indivíduos que compunham a sociedade brasileira, como os escravos e os indígenas, foram deixados à margem do processo e, após a inde- pendência, o entendimento próprio que a elite tinha do conceito de liberalismo não permitiu que esses indivíduos tivessem uma maior participação nos enca- minhamentos do novo período. O 07 de setembro de 1822 entrou para a história do Brasil como o início da organização de uma sociedade não mais presa aos laços do Pacto Colonial ou de fidelidade para com Portugal. Significou, ainda, a ascensão de D. Pedro como o primeiro imperador do Brasil, o qual, em teoria, conduziria o país recém-liberto à reestruturação política, econômica e social, orientado pelos princípios liberais. Para Oliveira, o uso do termo independência tinha por objetivo (...) construir a “independência nacional”, articulando a monarquia a uma Constituição que estabelecesse limites ao poder real e garantisse direitos e liberdades civis e políticas aos cidadãos do império. Preten- dia-se, por essa via, entre outras exigências, contestar o absolutismo representado por D. João VI e o “despotismo” exercido por ministros, por conselheiros e pela corte radicada no Rio de Janeiro desde 1808. (OLIVEIRA, 2009 apud GRIMBERG; SALLES, 2009, p. 18-19). Portanto, 07 de setembro de 1822 deveria representar, ao menos no imaginá- rio de parte daqueles que lutaram pela emancipação, sobretudo os intelectuais brasileiros, um novo período da história do Brasil caracterizado pelo fim das ins- tituições absolutistas que estiveram presentes nesse território desde a chegada da família real portuguesa e sua corte. Não foi o que aconteceu. De acordo com a mesma autora, o período que abrange a chegada da corte portuguesa (1808) até a abdicação de D. Pedro I (1831) “se configurou como uma das balizas definidoras do surgimento e do perfil do Estado monárquico e da nação no Brasil do século XIX” (OLIVEIRA, 2009 apud GRIMBERG; SALLES, 2009, p. 17). D. Pedro I, realizada a independência, enfrentou o conflito oriundo das dife- renças entre os grupos que participaram das discussões e dos desdobramentos do processo de independência e que estavam divididos entre os radicais e os moderados. José Bonifácio, importante articulador da emancipação, mostrou- -se nesse momento novamente ao lado do imperador, buscando garantir a união dos diferentes grupos em torno da lealdade ao império e à figura do imperador. José da Silva Lisboa (Visconde de Cairu) Fonte: Matta (online) Aspectos da Formação do Estado Brasileiro Pós-Independência: O Primeiro Reinado Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 27 A elite que ajudou a colocar D. Pedro I como imperador do Brasil, atingido o seu objetivo de livrar o Brasil das amarras impostas pela submissão a Portugal, buscou consolidar o poder em suas mãos, subjugando o próprio imperador na defesa de seus interesses. Por essa razão, o Brasil pós 1822 se constituiu sob as mesmas bases das instituições tradicionais de ordem econômica dos tempos do período colonial, moldando e manipulando os conceitos de liberalismo e nacio- nalismo à sua própria realidade. O que a historiografia brasileira tem demonstrado é a fidelidade não apenas do príncipe regente D. Pedro, mas da cúpula política “modera- da” que o cercava, ao modelo político da monarquia dual. A evolução da conjuntura política ao longo desses dois anos evidencia que foi a ação das lideranças políticas nas Cortes portuguesas, inclusive neutra- lizando a atuação de D. João VI, que colocou o Brasil diante do impasse da recolonização ou independência (WEHLING, 2004, p. 239). Essa adaptação e manipulação dos conceitos de liberalismo e de nacionalismo à realidade brasileira e sua articulação com os interesses das elites locais nos aju- dam a compreender por que uma nação, que no desenrolar do seu processo de independência baseava seu discurso na construção de uma sociedade constitu- ída sob o liberalismo, manteve viva a escravidão por várias décadas, relutando em abrir mão das “vantagens” da manutenção desse modo de produção. O grupo composto pelos modera- dos, que tinha nomes como José Bonifácio Joaquim Gonçalves Ledo, Januário da Cunha Barbosa e José da Silva Lisboa (Visconde de Cairu), defendia a organização do país sob uma monarquia constitucional e tinha o apoio dos proprietários rurais do país, inte- ressados em manter a salvo seus interesses pessoais. Esse grupo buscou o fortalecimento da imagem da D. Pedro I, tendo nas ideias de José da Silva Lisboa a expressão de seus ideais de união do país, exaltando a figura do imperador. O IMPÉRIO DO BRASIL: Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E28 Contrapondo-se a esse grupo, estavam os defensores da República e da democracia. Os indivíduos que compunham esse grupo desenvolviam ativida- des relacionadas às cidades, estando distantes dos proprietários rurais do Rio de Janeiro e de São Paulo na defesa de interesses como a manutenção da escra- vidão. Conforme analisa Wehling (2004, p. 240), (...) não foi apenas a força do poder central do Imperador Pedro I que os derrotou, mas o apoio a este de vastos setores da propriedade rural nordestina. Faltava a esse grupo, ademais, um projeto de estado e de nação, afora os princípios mais gerais dessa forma de governo. Havia ainda um terceiro grupo na disputa pelo comando do Brasil e com ideias que iam em direção contrária ao ideal de independência. Esse grupo era com- posto por portugueses e defendiam a recolonização do Brasil com a volta das conjunturas que marcaram as relações entre Brasil e Portugal até 1808. A organização do país passava pela articulação das correntes ideológicas diver- gentes em seu interior, numa tentativa de equilibrar os interesses de D. Pedro I e os anseios da população. Para tanto,os deputados que compunham a Assembleia Constituinte – convocada antes da independência, mas quando esta já se deline- ava na cabeça dos brasileiros – começaram a elaborar a primeira Constituição do Brasil, à qual deveria D. Pedro I submeter sua forma de governo. A CONSTITUIÇÃO OUTORGADA DE 1824 A Assembleia Constituinte encarregada de elaborar a primeira Constituição do Brasil era composta por sacerdotes (...), funcionários públicos ou profissionais liberais: advoga- dos, médicos, professores diplomados na Universidade de Coimbra ou em alguma outra instituição europeia, uma vez que não existiam uni- versidades no Brasil. Havia também comerciantes e fazendeiros. Mas, qualquer que fosse sua condição social ou profissional, os deputados à Assembleia Constituinte estavam unidos por laços de família, amizade ou patronagem a grupos ligados à agricultura e ao comércio interno. Não é, pois, de espantar que tenham organizado a nação de acordo com os interesses desses grupos (COSTA, 2010, p. 134). Aspectos da Formação do Estado Brasileiro Pós-Independência: O Primeiro Reinado Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 29 Esse grupo de indivíduos estabeleceu que a forma de governo no Brasil seria a monarquia constitucional, que tinha como objetivo limitar o poder de D. Pedro I e, também, manter o controle sobre a população. A Constituição que resultou dessa Assembleia foi inspirada nos ideais do liberalismo, mas, como já dito ante- riormente, em um liberalismo adaptado à realidade brasileira, ou seja, entendido “a partir das peculiaridades da burguesia local e da ausência das duas classes que na Europa constituíram o seu ponto de referência obrigatório: a aristocracia e o proletariado” (COSTA, 2010, p. 136). As discussões travadas entre os deputados que compunham a Assembleia Constituinte tinham, em primeiro lugar, a tarefa de definir quem eram de fato os brasileiros que aqui viviam, ou seja, quem, diante da inegável miscelânea de povos e culturas que ocupou esse território desde a sua “descoberta” e do início da colo- nização portuguesa, teria seus direitos enquanto brasileiro realmente assegurados. Os deputados Souza França e Araújo Lima defendiam que o termo cidadão não poderia designar todos os indivíduos que se encontravam em terras brasileiras, devendo excluir dessa denominação os crioulos ou filhos de escravos. Nesse sen- tido, a concessão de direitos políticos também deveria ser limitada, haja vista que nem todos estavam aptos a desempenhar as atividades decorrentes da participa- ção política (RIBEIRO; PEREIRA, 2009 apud GRINBERG; SALLES, 2009, p. 151). Rocha Franco defendia que, para ser considerado cidadão brasileiro, era necessário ser residente do Brasil e possuir propriedade, comprovando, dessa maneira, a participação em uma cidade e, consequentemente, na sociedade. Já o deputado Nicolau Campos Vergueiro ia na contramão desses argumentos e defendia que todos aqueles que vivessem em solo brasileiro eram considerados cidadãos brasileiros, sendo que apenas no que dizia respeito aos direitos políti- cos é que deveria se estabelecer uma condição ou diferenciação. Essa condição residiria no valor da renda do indivíduo, isto é, àquele que possuísse determi- nada renda seria garantido as prerrogativas políticas (RIBEIRO; PEREIRA, 2009 apud GRINBERG; SALLES, 2009, p. 152-153). Na tentativa de determinar a quem serviria o título de cidadão no Brasil, o deputado Montezuma discursou dividindo os brasileiros em cidadãos ativos e passivos. Os cidadãos ativos seriam os brancos e os passivos os negros e seus des- cendentes. Seguindo essa linha de raciocínio, os direitos políticos ficariam restritos Membros da Assembleia Constituinte na abertura dos trabalhos Fonte: MultiRio (online) O IMPÉRIO DO BRASIL: Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E30 aos cidadãos ativos, enquanto os cidadãos passivos ficariam à margem dos acon- tecimentos (MARTINS, 2007, p. 45). O que podemos observar das discussões ocorridas na Assembleia Constituinte sobre o tema é que a parcela dos brasileiros que não correspondiam aos europeus ou a seus descendentes foi excluída do processo de constituição do Estado brasi- leiro, em uma negação da cultura dos povos que aqui já se encontravam antes da chegada do branco europeu – como os índios – bem como a negação da hetero- geneidade que caracterizava a sociedade brasileira. Sendo assim, o projeto de Constituição previa a restrição da designação do termo de cidadão e, como resultado, da concessão de direitos civis e políticos a uma parcela significativa da sociedade brasileira, representada pelos estrangei- ros, índios, mestiços, crioulos e escravos, esses últimos entendidos como uma mercadoria, uma “coisa” que, embora necessária para a organização e para a estruturação do trabalho, não eram vistos como pessoas. Ao “coisificar” o negro escravo e ao negar-lhe a prerrogativa de cidadão e a concessão dos direitos civis e políticos, o projeto de Constituição elaborado pela Assembleia Constituinte em 1823 defen- dia a manutenção do regime escravocrata no país, protegendo os interesses dos pro- prietários de terra do Brasil e garantindo as condições sobre as quais se apoiava a economia brasileira do período. Além da polêmica em torno da defi- nição do cidadão brasileiro, os deputados reunidos em 1823 divergiam sobre os limites do poder de D. Pedro I. Divididos entre o Partido Português e o Partido Brasileiro, os deputados tentaram estabe- lecer as bases sobre as quais o imperador deveria conduzir o seu governo. Sede da Assembleia Constituinte no Rio de Janeiro Fonte: MultiRio (online). Aspectos da Formação do Estado Brasileiro Pós-Independência: O Primeiro Reinado Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 31 O Partido Português defendia que a D. Pedro I cabia o poder absoluto, sendo indispensável que o imperador tivesse autonomia para fazer os encaminhamentos necessários para a organização do novo Estado. Indo de encontro a essa ideia, o Partido Brasileiro defendia a divisão do poder – a exemplo das constituições euro- peias – em três níveis, que tinham, por objetivo restringir o poder do imperador. Como resultado desse debate, optou-se pela adoção de um sistema político estruturado e a divisão do poder foi feita em Poder Executivo, Poder Legislativo e Poder Judiciário. De acordo com essa divisão, o Poder Executivo seria exercido pelo imperador D. Pedro I, o Poder Legislativo pelos deputados e senadores e o Poder Executivo pelos juízes. A novidade estava no fato de que o poder Executivo estaria submetido ao Legislativo, ou seja, o poder do imperador D. Pedro I esta- ria limitado pela sanção dos deputados e dos senadores aos seus projetos. A submissão do Poder Executivo ao Poder Legislativo e a consequente limi- tação do poder de ação de D. Pedro I desagradou o imperador, que planejara exercer o comando do Brasil de forma absolutista e centralizadora. Diante do cenário imposto pela Assembleia, D. Pedro I dissolveu a Assembleia Constituinte e convocou o Conselho de Estado para a elaboração de uma Constituição que preservasse seus interesses. A dissolução da Assembleia Constituinte ocorreu na noite de 12 de novembro de 1823, num episódio que ficou conhe- cido como Noite da Agonia, quando o brigadeiro José Manuel de Moraes inva- diu a sede da Assembleia no Rio de Janeiro a mando de D. Pedro I e decretou o fim dos trabalhos dos deputados ali reunidos. O IMPÉRIO DO BRASIL: Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E32 Após a dissolução da Assembleia Constituinte e a nomeação de um Conselho de Estado, D. Pedro I retomou a elaboração da Constituição do Brasil. O Conselhode Estado nomeado por ele manteve alguns dos pontos expostos no projeto ela-borado pelos deputados da Assembleia Constituinte, garantindo a manutenção dos privilégios das classes dominantes e a divisão dos brasileiros em cidadãos ativos e passivos (ROMPATTO, 2001, p. 190). O ponto mais importante desse novo projeto de Constituição que se deli- neava corresponde à aproximação de D. Pedro I ao absolutismo, na medida em que esse articulou para garantir que seus interesses políticos fossem sobrepostos aos dos liberais. Nesse sentido, a Constituição, embora mantivesse os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, adicionou um quarto poder que garantia ao imperador a submissão do corpo político às suas decisões. Tratava-se do Poder Moderador, que seria exercido exclusivamente pelo imperador e garantia-lhes poderes absolutos (ROMPATTO, 2001, p. 191). Os principais jornais do período eram utilizados para divulgar as notícias das discussões que ocorriam na Assembleia, demonstrando o importante papel da imprensa para os desdobramentos dos trabalhos da Assembleia. Fonte: a autora. Aspectos da Formação do Estado Brasileiro Pós-Independência: O Primeiro Reinado Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 33 PODER MODERADOR PODER EXECUTIVO CONSELHO DE ESTADO CÂMARA DOS DEPUTADOS PODER JUDICIÁRIO IMPERADOR CONSELHOS PROVINCIAIS SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA PRESIDENTE DAS PROVÍNCIAS PODER LEGISLATIVO ASSEMBLEIA GERAL SENADO Figura 1: Organograma da Constituição de 1824 Fonte: a autora. A Carta Constitucional foi outorgada à população brasileira em 25 de março de 1824, a qual não viu com bons olhos o documento que não representava os anseios de uma parcela significativa daquela sociedade. Diante disso, algumas províncias do Brasil recusaram-se a jurar a Constituição, iniciando um período de manifestações contrárias à sua imposição. Nesse contexto de revolta contra a outorga de uma Constituição que conce- dia poderes sem limites ao imperador, destaca-se o movimento conhecido como Confederação do Equador, que teve início quando as ideias centrali- zadoras e absolutistas de D. Pedro I começaram a esboçar-se após a inde- pendência. O movimento de caráter separatista iniciou-se em Pernambuco, liderado por Cipriano Barata e Frei Caneca e teve o apoio de várias provín- cias do Nordeste. A historiadora Amy Caldwell de Farias, em seu livro Mergulho no Letes: uma reinterpretação político-histórica da Confederação do Equador, de 2006, faz uma análise do movimento, objetivando questionar a historio- grafia tradicional sobre o movimento e trazer à cena novos fatos e atores, por meio de novas abordagens. Fonte: a autora. A região da Cisplatina Fonte: MultiRio (online). O IMPÉRIO DO BRASIL: Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E34 A GUERRA DA CISPLATINA O governo de D. Pedro I foi marcado por agitações políticas no âmbito interno e externo do Império do Brasil. Do momento de sua coroação como Imperador do Brasil até a sua abdicação em 1831, o Brasil esteve envolvido em confl itos que contribuíram para abalar a confi ança e o poder do imperador. Ainda envolvido nos confl itos decorrentes da outorga da Constituição de 1824, D. Pedro I precisou voltar sua atenção para uma disputa envolvendo o Brasil e as Províncias Unidas do Rio da Prata, que teve início em 1825 e perdu- rou até o ano de 1828. Esse confl ito começou a desenrolar-se muito antes de D. Pedro tornar-se impera- dor do Brasil. Pouco depois da chegada da família real portuguesa ao Brasil, as tropas de Napoleão Bonaparte tomaram a Espanha destituindo a coroa dos Bourbons. Carlota Joaquina era irmã de Fernando VII, o rei espanhol deposto por Napoleão e, portanto, herdeira da coroa espanhola, a qual objeti- vava ocupar e defender, objetivo esse que não foi alcançado, na medida em que a princesa não foi capaz de tecer alianças e conquistar o apoio necessário para ascender ao trono espanhol (PEREIRA, 2012). Aspectos da Formação do Estado Brasileiro Pós-Independência: O Primeiro Reinado Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 35 No período que abordamos, a Espanha possuía o controle das Províncias Unidas do Rio da Prata, atuais territórios da Argentina, Paraguai e Uruguai (na época, denominado de Banda Oriental do Uruguai), regiões importantes para o desenvolvimento comercial devido à proximidade com rios que facilitavam o escoamento de produtos. Por essa razão, D. João VI tinha interesse em domi- nar a região, mas devido às relações pouco amigáveis com a princesa Carlota Joaquina e não acreditando na sua lealdade ao assumir o comando da Espanha, optou por ocupar ele próprio a região e garantir sua submissão ao Reino de Portugal, Brasil e Algarves. A conquista da região deu-se em 1821, quando o general Carlos Frederico Lecor, a serviço de D. João VI, derrotou as tropas de José Gervasio Artigas e os territórios foram anexados ao reino português. Destacamos, caro(a) aluno(a), que manter a região sob o domínio português significou lidar com os conflitos políticos existentes na região, conflitos esses que agravaram-se ainda mais durante o processo de emancipação do Bra- sil, quando houve uma alteração no balanço de poder do local. Lecor apoiou nossa independência e manteve-se fiel à D. Pedro I. Porém, a conjuntura platina alterou-se profundamente “com um movimento militar que prenunciava deflagrar em conflito armado”, quando muitos dos habitantes se mantiveram fiéis a Portugal (PEREIRA, 2012, p. 86). O chefe militar D. Álvaro da Costa defendia que as Províncias Unidas do Rio da Prata deveriam permanecer ao lado de Portugal e a este submeter-se após a independência do Brasil. Contando com o apoio de boa parte da população da região, D. Álvaro da Costa incitava os habitantes das Províncias Unidas do Rio da Prata à rebelar-se contra a dominação brasileira e manter-se fiel a D. João VI e Portugal. Em seus discursos, pregava que O IMPÉRIO DO BRASIL: Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E36 Quando os laços de mútua conveniência não prendem os povos uns aos outros, não desata por si. Não acrediteis a doutrina contrária que vos pregam. Vós só podeis tirar dessa luta as tristes recordações do pai, do irmão, do parente morto e dos míseros filhos desamparados que uma infernal política sacrificou. Abandonai a odiosa pretensão em que vossos chefes se empenharam; eles só defendem seus interesses e não vossos direitos, porque aqui não há ninguém que os pretenda usurpar; [...] Recordai o amor, a obediência, a fidelidade que vossos pais sem- pre tiveram aos nossos reis: voltai aos vossos lares e pregai a doutrina do homem justo e convidai todos os vossos concidadãos a reentrar na obediência e fidelidade que deveis ao benigno de todos os monarcas, ao nosso Augusto Rei, o senhor d. João VI [...] (ARQUIVO NACIONAL apud PEREIRA, 2012, p. 88). Os conflitos na Cisplatina somaram-se ao enfrentamento entre as tropas brasileiras e as portuguesas que se encontravam na Bahia, região que também questionava a separação de Portugal. Desse modo, observamos, caro(a) aluno(a), que garantir a soberania nacional após 1822 representou um trabalho árduo para D. Pedro I e seus aliados. De norte a sul do país, eclodiram manifestações contrárias à inde- pendência e de apoio à Portugal. Desse conflito entre o Brasil e as Províncias do Rio da Prata resultou a incor- poração da Banda Oriental do Uruguai ao território brasileiro e o reconhecimento da independência do Brasil pelas Províncias Unidas do Rio da Prata em 1824. No entanto, já em 1825, desenrolava-se um novo conflito envolvendo essa região. A Banda Oriental do Uruguai, também denominada de Cisplatina,tornou- -se alvo de uma disputa entre o Império do Brasil e a Argentina. A região da Cisplatina pertencia ao Brasil, mas a Argentina reivindicava sua reincorpora- ção às Províncias Unidas do Rio da Prata. O conflito desenrolou-se quando o representante do governo argentino Manoel José Garcia enviou um documento para o governo brasileiro no qual reivindicava a reincorporação da Cisplatina, chamada por ele de Província Oriental (PEREIRA, 2012, p. 90). Em resposta a esse documento, D. Pedro I declarou guerra à Argentina, jus- tificando tal ação no argumento de que a região da Cisplatina fora anexada de maneira legal, não sendo fundamentada a tentativa de sua usurpação por parte da Argentina. Aspectos da Formação do Estado Brasileiro Pós-Independência: O Primeiro Reinado Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 37 O confronto entre as duas regiões foi mais um fator a colaborar com o des- gaste da imagem do imperador. A crise que se estabeleceu nos negócios entre a Bahia e a Cisplatina com o fechamento do porto da Prata, os gastos com a guerra, o recrutamento e o alistamento forçado dos homens para lutarem na guerra e o saldo de mortes abalaram a imagem de D. Pedro I. A situação chegou ao fim em 1828 com a assinatura de acordo de paz entre Brasil e Argentina, em um momento em que ambos os países encontravam-se desgastados e fragilizados economicamente. Por esse acordo, intermediado pela Inglaterra, Brasil e Argentina, reconheciam a criação do Estado Independente do Uruguai. Principais locais de batalha, povoações e fortes durante a Guerra da Cisplatina (1825-1828) Fonte: Universidade Federal do Paraná (online). O IMPÉRIO DO BRASIL: Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E38 A CRISE DO PRIMEIRO REINADO E A ABDICAÇÃO DE D. PEDRO I Manchete sobre a abdicação de D. Pedro I em 1831 Fonte: Arquivo Nacional (online). A Crise do Primeiro Reinado e a Abdicação de D. Pedro I Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 39 Como podemos notar até o momento, caro(a) acadêmico(a), desde que assu- miu a condição de defensor perpétuo do Brasil e, posteriormente, imperador do Brasil, D. Pedro I precisou lutar e coordenar diferentes interesses e situações na busca pela construção do Estado brasileiro. Em seu caminho, deparou-se com ideologias e conflitos cujos desdobra- mentos contribuíram para que o imperador fosse perdendo aliados e apoio da população brasileira. Nesse cenário, sua reputação e capacidade de estar à frente de uma nação que buscava sua afirmação diante de outras e de si mesma foi ques- tionada e colocada à prova. Somadas essas questões às tendências monarquistas e absolutistas de D. Pedro I, seu governo foi marcado por uma intensa agitação no país que refletia os anseios dos “cidadãos” brasileiros e, também, a influência dos acontecimen- tos externos tanto no âmbito político quanto no econômico e no cultural. Internamente, eclodiram manifestações e motins contrários ao governo de D. Pedro I e à repressão sofrida por aqueles que se opunham à administração do imperador. A situação de descaso com a maioria dos brasileiros, os de cama- das inferiores e a concessão de privilégios a portugueses imigrados distanciavam D. Pedro I da população local. Além disso, o seu amplo poder conquistado por meio da criação do Poder Moderador e sua política externa não agradavam a elite da época. Externamente, a influência da Inglaterra ao longo de todo o Primeiro Reinado gerou desconfiança e preocupações por parte das elites brasileiras, que temiam que o imperador cedesse à pressão inglesa pelo fim da escravidão no Brasil, fato que prejudicaria essa camada social, colocando em risco seus interesses e privilégios. Nesse contexto, instalou-se um cenário de insatisfação com o governo e com a figura de D. Pedro I, que foi o ponto de partida para a sua abdicação em 1831. Na defesa pelo afastamento de D. Pedro, indivíduos, embora com ideias, interes- ses e propostas diversas, uniram-se para acabar de vez com o poder de D. Pedro I. O amplo descontentamento que levou à revolução da Abdicação em 1831 foi pouco coeso no que diz respeito aos atores, formas de conce- ber a política e a sociedade, haja vista a profunda diversidade e hierar- quização social, política e étnica que caracterizava a sociedade imperial brasileira nas primeiras décadas do século XIX. Por um lado, havia uma massa populacional pobre formada em sua maioria por libertos e O IMPÉRIO DO BRASIL: Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E40 mestiços que vivia em acentuada pobreza. A esta população livre pobre se somavam os escravos de ganho que circulavam pelas ruas da Corte em seus diversos ofícios e atividades. Tal população trouxe sempre pre- ocupações para as autoridades, que, através da Intendência de Polícia e legislação punitiva e coercitiva – com rondas noturnas e revistas – pro- curava manter, embora com dificuldades, a ordem nas ruas (RAUTER, 2011, p. 98). Chamamos sua atenção, caro(a) aluno(a), para o fato de que, mais uma vez, a sociedade, embora unida no desejo de ver afastado o imperador, dividia-se na defesa de ideologias distintas e que representavam, cada uma ao seu modo, os interesses de apenas alguns indivíduos. De um lado, estavam os chamados liberais moderados, que defendiam a redução do poder de D. Pedro I em benefício do poder da Assembleia. Embora considerados liberais, não defendiam o fim da escravidão, visto que isso iria contra seus interesses econômicos e eram contrários à adoção do sistema repu- blicano. O liberalismo a que se referiam dizia respeito apenas à questão do fim do absolutismo de D. Pedro I. No outro lado, encontravam-se os liberais exaltados, que defendiam a república mesmo que fosse preciso uma revolução. De acordo com Rauter (2011, p. 100), Ao contrário dos moderados, os exaltados eram francamente revolu- cionários. Até a abdicação, eram mais discretos no seu republicanismo e no seu federalismo, mas, no governo regencial, o propalaram aber- tamente. A insurreição era para eles um “direito dos povos” na luta contra a tirania e o despotismo, e a república a melhor forma de go- verno. Porém, a revolução era considerada um recurso extremo, a que se recorrer em situações limite onde imperava o despotismo absoluto, o que, na visão dos exaltados estava acontecendo naquele momento, tanto no final do primeiro reinado, quanto nos primeiros anos da re- gência. Tratava-se de uma revolução de caráter popular que instauraria um governo liberal e diversas outras transformações de caráter social. Gravura anônima, Maria da Glória, filha de D. Pedro I Fonte: MultiRio (online). A Crise do Primeiro Reinado e a Abdicação de D. Pedro I Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 41 A SUCESSÃO DO TRONO PORTUGUÊS Uma questão que acentuou os conflitos nas relações entre D. Pedro I e os bra- sileiros esteve relacionada com a sucessão do trono português, após a morte de D. João VI, em 1826. Com a morte do monarca português, D. Pedro I assumiu o lugar de seu pai no comando de Portugal. Entretanto sua ideia era abdicar do trono português em favor de sua filha D. Maria II e, enquanto esta não pudesse assumir o trono, visto que era ainda uma criança, seria nome- ada uma regência liderada pela irmã de D. Maria II, D. Isabel Maria, que gover- naria Portugal até que a herdeira legítima do trono pudesse se casar com D. Miguel – irmão de D. Pedro I – e este assumisse, então, a coroa portuguesa (VIANNA, 2013, p. 43-44). A solução para essa questão não saiu de acordo com os desejos de D. Pedro I e este foi aclamado ReiAbsoluto de Portugal em 1828. Essa nomeação interferiu diretamente na situação política do Brasil, agravando ainda mais as já complicadas relações entre o imperador e os brasileiros. A situação agravou-se quando D. Miguel usurpou o trono portu- guês e autodeclarou-se rei de Portugal, anulando a Constituição outorgada por Nesse momento de agitação política e social, as elites intelectuais do Brasil e os demais indivíduos da sociedade brasileira uniram-se independentemen- te de suas condições sociais em torno de um objetivo comum, o que não significava que as barreiras e as diferenças sociais haviam sido superadas. Fonte: a autora. O IMPÉRIO DO BRASIL: Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E42 D. Pedro I à Portugal. Diante da atitude de D. Miguel, D. Pedro precisou voltar suas atenções para Portugal, na tentativa de expulsar seu irmão do trono e devol- vê-lo à sua legítima herdeira, D. Maria II. Honoré Daumier, Caricatura, D. Pedro e D. Miguel, “Dois Hipócritas Que Não Se Farão Grande Mal Fonte: MultiRio (online). A elite política brasileira acusava D. Pedro I de dedicar maior atenção às questões que envolviam a sucessão do trono português do que os problemas internos do Brasil. Somaram-se a essa crítica as manifestações contrárias ao fato de que, ao invés de se dedicarem aos assuntos brasileiros, os ministros, deputados e diplo- matas brasileiros precisavam voltar suas atenções para a solução do problema dinástico português, haja vista que esse assunto envolvia a infanta brasileira D. Maria e significava o envolvimento de outros países como Inglaterra e Áustria – ambos visando defender seus próprios interesses – no desenvolvimento da dis- cussão. Além disso, o fantasma da recolonização do Brasil voltou a assombrar a sociedade diante da coroação de D. Pedro I como rei de Portugal. Jornal A Aurora Fluminense Fonte: MultiRio (online). A Crise do Primeiro Reinado e a Abdicação de D. Pedro I Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 43 A ABDICAÇÃO DE D. PEDRO I. A oposição a D. Pedro I ganhava força com a ação da imprensa, representada pelos jornais A Astréia, fundado em 1826 por Antônio José do Amaral e José Joaquim Vieira Souto; Aurora Fluminense, fundado em 1827 e que teve em Evaristo Ferreira da Veiga sua voz mais expressiva; o Malagueta, que voltou à ativa em 1828 com críticas ferozes ao imperador, que levaram à repressão de Luiz Augusto May, redator do jornal (VIANNA, 2013, p. 50). Diante do crescente ataque de seus opo- sitores por meio da imprensa, D. Pedro I reprimiu legalmente as publicações, além de continuar promovendo perseguições e ataques utilizando-se também de periódi- cos escritos por seus aliados. Esse cenário foi se consolidando e, em 1830, a divergência entre os brasileiros e os portugueses que apoiavam D. Pedro I tor- nara-se insustentável, resultando em uma troca de acusações entre representantes das duas nacionalidades por meio da imprensa e no aumento do número de deputados de oposição a D. Pedro I. Após uma viagem a Minas Gerais, rea- lizada no final de 1830, da qual retornou em abril de 1831, D. Pedro I foi recebido por seus aliados, dentre eles, portugueses e alguns brasileiros que ainda enxergavam no imperador a figura do defensor do Brasil, com manifestações de apoio (VIANNA, 2013, p. 53). O IMPÉRIO DO BRASIL: Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E44 No entanto, durante a recepção de D. Pedro I, brasileiros de oposição ao governo e contrários aos portugueses que aqui viviam, chamados de exaltados, promoveram ataques aos portugueses que ovacionavam D. Pedro I. Durante as festividades pela chegada de D. Pedro I, os exaltados atacavam os portugue- ses que usavam de garrafas e outros artifícios para se defender. Os conflitos que marcaram esses eventos ficaram conhecidos como a Noite das Garrafadas (VIANNA, 2013, p. 54). A noite das garrafadas representou o auge das diferenças entre brasileiros e portugueses e a crescente oposição a D. Pedro I. Os eventos que se seguiram àqueles dias levaram ao extremo as relações entre o imperador, os liberais e os demais brasileiros. Não havia mais respeito por aquele que um dia representou o início e a defesa de um novo capítulo na história do Brasil. Suas tentativas de moldar e de manipular a sociedade e a Constituição para restaurar a monarquia absolutista e governar sem a interferência da Assembleia minaram gradativa- mente a confiança nele antes depositada. As críticas e as acusações diárias, nem todas verdadeiras, publicadas na imprensa provocaram uma agitação social a qual os ministros da guerra e da justiça de D. Pedro I não conseguiam conter. A situação era clara: o imperador perdera o apoio, a confiança e a lealdade de seus súditos brasileiros. Quando D. Pedro I nomeou para ministros nomes impopulares, como o marquês de Paranaguá, o visconde Alcântara, o marquês de Baependi, o conde de Lages e o marquês de Aracati, os brasileiros saíram às ruas para manifestarem sua insatisfação e contavam com o apoio dos soldados do quartel de infantaria. O senador Vergueiro, Evaristo da Veiga e Odorico Mendes – organizadores do movimento liberal contra o imperador – endossaram os discursos e os protes- tos contra D. Pedro I (LUSTOSA, s.d., p. 613). Em reposta a essa manifestação, D. Pedro enviou um comunicado à popu- lação, no qual dizia: A Crise do Primeiro Reinado e a Abdicação de D. Pedro I Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 45 Brasileiros! Uma só vontade nos una. Para que tantas desconfianças, que não podem trazer à pátria senão desgraças? Desconfiais de mim? Assentais que poderei ser traidor àquela mesma pátria que adotei para minha? Ao Brasil? Àquele mesmo Brasil por quem tenho feito tantos sacrifícios? Podereis querer atentar contra a Constituição, que vos ofe- reci e que convosco jurei? Ah, brasileiros! Sossegai. Eu vos dou minha imperial palavra de que sou constitucional de coração e sempre sus- tentarei essa Constituição. Confiai em mim e no ministério: ele está animado dos mesmos sentimentos que eu; aliás, [se assim não fosse] eu não o nomearia. União e tranqüilidade, obediência às leis, respeito às autoridades constituídas (LUSTOSA, s. d., p. 614-615). As palavras de D. Pedro I não tiveram efeito sobre os manifestantes, que exi- giam a demissão dos novos ministros, os quais não eram dignos de confiança. D. Pedro I recusou-se a satisfazer o desejo da população e manteve-se firme em sua posição. Porém, o imperador já dava sinais de compreender que sua per- manência como chefe de Estado do Brasil não mais se sustentaria. Diante disso, escreveu ao antigo aliado José Bonifácio pedindo que este aceitasse o cargo de tutor de seu filho D. Pedro de Alcântara. No dia 07 de Abril de 1831, D. Pedro I abdicou do trono brasileiro em favor de seu filho D. Pedro de Alcântara, então com cinco anos de idade. Chegava ao fim o Primeiro Reinado, com uma ruptura dramática entre o Brasil e o impe- rador, que afirmava: “entre mim e o Brasil tudo está acabado e para sempre” (LUSTOSA, s.d., p. 618). O IMPÉRIO DO BRASIL: Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E46 D. Pedro entregando o ato de renúncia Fonte: MultiRio (online). Para os opositores de D. Pedro I, a sua abdicação significou uma ruptura defi- nitiva com Portugal, uma vez que o Brasil não mais seria governado por um representante que possuía também direitos monárquicos sobre aquela nação. A sensação de liberdade tomou conta dos brasileiros naquele momento e essa sen- sação era expressa na imprensa como a felicitar os indivíduos pela conquista. No jornal Nova Luz Brasileira, de EzequielCorrêa dos Santos, era possí- vel encontrar o que a abdicação de D. Pedro I representou para seus opositores: Abdicou o tirano; e nas mãos da liberdade existe hoje o cetro d´ouro que o monstro havia convertido em virga-férrea. Os Brasileiros come- çam finalmente a possuir uma pátria; e o Brasil vai-se querendo situar na América Livre (MATTOS apud GRIMBERG; SALLES, 2009, p. 19). Para alguns historiadores estudiosos do período, 1831 é considerada a data da verdadeira independência do Brasil, data em que o país passa a ser de fato dos brasileiros, governado por brasileiros. O Período Regencial (1831-1840) Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 47 O PERÍODO REGENCIAL (1831-1840) Com a abdicação de D. Pedro I, em 07 de abril de 1831, caro(a) aluno(a), encer- rou-se o primeiro capítulo da história da formação do Brasil enquanto Estado independente. A partir dessa data, o processo de evolução da sociedade brasi- leira entrou em uma fase em que as divergências políticas e ideológicas ganharam novo fôlego e por todo país assistimos a eclosão de movimentos que buscavam a consolidação de projetos distintos para o país. Mais uma vez, cabe ressaltar que as discussões acerca dos encaminhamen- tos políticos do país ganhavam destaque e dividiam a sociedade. As palavras de um contemporâneo do período mostram o clima na sociedade brasileira a par- tir de 1831: Nasci e me criei no tempo das regências; e nesse tempo o Brasil vivia, por assim dizer, muito mais na praça pública do que mesmo no lar doméstico; ou em outros termos, vivia em uma atmosfera tão essen- cialmente política que o menino, que em casa muito depressa aprendia a falar liberdade e pátria, quando ia para a escola, apenas sabia soletrar a doutrina cristã, começava logo a ler a aprender a constituição política do Império (RESENDE, 1944 apud GRIMBERG; SALLES, 2009, p. 28). Tal era o clima nas ruas do Brasil a partir de 1831. As ideologias e os projetos políticos presentes no momento após a abdicação de D. Pedro I eram represen- tados pelos liberais moderados – que eram a maioria na Câmara dos Deputados –, pelos liberais exaltados – que, embora tivessem ajudado no processo que levou à abdicação de D. Pedro I, tiveram seus interesses e ideais colocados de lado após o 07 de abril, quando os moderados assumiram o controle do governo – e pelos restauradores (também chamados de caramurus), que apoiavam a volta de D. Pedro I. O IMPÉRIO DO BRASIL: Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E48 REGÊNCIA TRINA PROVISÓRIA (1831) E REGÊNCIA TRINA PERMANENTE (1831-1835) Nesse momento da história do Brasil, o primeiro ponto a ser resolvido era a questão da sucessão de D. Pedro I no comando do país, uma vez que o príncipe herdeiro D. Pedro de Alcântara tinha apenas cinco anos de idade. Mesmo sendo imediatamente após a renúncia de D. Pedro I, coroado imperador do Brasil com o nome de D. Pedro II, Pedro de Alcântara não tinha como governar o país devido à sua pouca idade. Os moderados assumiram a frente das discussões em busca da solução para a questão que se apresentava. De acordo com a Constituição de 1824, até que o novo imperador atingisse a idade necessária para assumir o comando do país, este deveria ser governado por um membro da família imperial com mais de 25 anos de idade, o que não existia no Brasil, visto que as irmãs de D. Pedro II que aqui viviam também eram menores de idade (VIANNA, 2013, p. 59). “Os moderados seguiam os postulados clássicos do liberalismo, tendo em Locke, Montesquieu, Guizot e Constant suas principais referências; preten- diam, e conseguiram, efetuar reformas político-institucionais que reduziam os poderes do imperador, conferiam maiores prerrogativas à Câmara dos Deputados e autonomia ao Judiciário, e garantiam a observância de direi- tos previstos na Constituição, almejando uma liberdade moderna, que não ameaçasse a ordem imperial. Já os exaltados, adeptos de um liberalismo ra- dical de feições jacobinistas, inspirado sobretudo em Rousseau, buscavam conjugar princípios liberais clássicos com ideais democráticos, pleiteando profundas reformas políticas e sociais, como uma república federativa, a ex- tensão da cidadania política e civil a todos os segmentos sociais livres, o fim gradual da escravidão, uma relativa igualdade social e até um tipo de refor- ma agrária. Por sua vez, os caramurus filiavam-se à vertente conservadora do liberalismo, tributária de Burke; críticos ferozes da Abdicação e avessos a qualquer reforma na Constituição, vistas como quebra arbitrária do pacto social, almejavam uma monarquia constitucional fortemente centralizada, ao estilo do Primeiro Reinado e, excepcionalmente, nutriam anseios restau- radores”. Fonte: Basile (2006, p. 31-57). O Período Regencial (1831-1840) Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 49 Diante desse cenário, ainda de acordo com o que estabelecia a Constituição de 1824, cabia aos senadores e aos deputados que compunham a Assembleia Geral eleger uma Regência composta por três membros que seria presidida pelo membro mais velho. Essa solução também não pôde ser colocada em prática de imediato, na medida em que muitos membros da Assembleia Geral encontra- vam-se ausentes do Rio de Janeiro por conta do período de férias (VIANNA, 2013, p. 59). Levando-se em consideração a urgência de se definir um novo comando para o Brasil, os senadores e deputados que se encontravam no Rio de Janeiro reuni- ram-se e elegeram uma Regência Provisória até que a Assembleia Geral tivesse condições de eleger uma Regência Permanente. Os senadores e deputados que permaneceram no Rio de Janeiro elegeram os senadores José Joaquim Carneiro de Campos (Marquês de Caravelas), Nicolau Pereira de Campos Vergueiro e o brigadeiro Francisco de Lima e Silva para com- por a Regência Trina Provisória. A escolha desses três nomes para a Regência Trina Provisória reafirmou a liderança dos moderados nesse período de transição. Francisco de Lima e Silva representava o Exército no Governo Fonte: MultiRio (online). Nicolau P. de Campos, um senador moderado com ideias liberais Fonte: MultiRio (online). O IMPÉRIO DO BRASIL: Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E50 A Regência Trina Provisória governou por um curto período de tempo, sendo eleita em abril de 1831 e dissolvida em 17 de junho de 1831, quando os mem- bros da Assembleia Geral elegeram os nomes que compunham a Regência Trina Permanente. Para formar a Regência Trina Permanente, foram escolhidos os deputados José da Costa Carvalho e João Bráulio Muniz, além de manter-se o brigadeiro Francisco de Lima e Silva. Mais uma vez, todos os membros repre- sentavam os liberais moderados. O Padre Diogo Antônio Feijó foi nomeado Ministro da Justiça e adotou medidas radicais para conter a agitação social que dominava o país desde os tem- pos de oposição ao imperador D. Pedro I e que não diminuíram após a renúncia dele. Os liberais exaltados e os restauradores (ou caramurus) demonstravam sua insatisfação com o governo, promovendo ataques pela imprensa e instigando a população contra as atitudes da Regência, o que levou ao surgimento de vários motins ao longo do período de governo da Regência Trina Permanente. O ministro da Justiça Padre Diogo Antônio Feijó acusava José Bonifácio, que integrava o grupo dos restauradores, de liderar as manifestações e os protestos contra o governo. Assim, passou a articular para que ele fosse retirado do cargo de tutor do jovem D. Pedro II, desejo que realizou em 1833, após uma acusa- ção de conspiração de Bonifácio contra o governo. Em seu lugar, foi nomeado para tutor do jovem imperador Aureliano Coutinho, marquês de Intanhaém
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