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História Moderna dos sécs XVII e XVIII - Unidade 3 - A crise do Antigo Regime e a crítica iluminista. História Moderna dos Sécs. XVII e XVIII Unidade Nº3 - A crise do Antigo Regime e a crítica iluminista História Moderna dos sécs XVII e XVIII - Unidade 3 - A crise do Antigo Regime e a crítica iluminista. Mariana Silva Silveira História Moderna dos sécs XVII e XVIII - Unidade 3 - A crise do Antigo Regime e a crítica iluminista. Introdução No fim da unidade anterior, estudamos as origens e princípios da ideologia iluminista. A decadência dos regimes absolutistas no continente europeu criou a oportunidade perfeita para que autores como Adam Smith, David Hume, Barão de Montesquieu e Voltaire publicassem obras de conteúdo transformador. Estes pensadores disseminaram perspectivas inovadoras a respeito da organização social, política e econômica das sociedades humanas e propuseram alternativas aos dispositivos políticos dos regimes absolutistas. Nesta unidade, estudaremos as obras de um dos pensadores iluministas mais conhecidos e influentes: Jean Jacques Rousseau. Suas duas obras mais famosas - O contrato social e Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens - provocaram uma reflexão no modo de pensar dos cidadãos europeus de então. Posteriormente, estas mesmas obras também influenciaram a organização de movimentos insurrecionais de poder transformador significativo: A Revolução Americana e a Revolução Francesa. Estudaremos também um novo fenômeno político conhecido como Despotismo Esclarecido. No contexto de decadência dos regimes absolutistas, governantes começam a flertar com ideias iluministas e aplicá-las parcialmente em seus governos. Estudaremos, especificamente, o caso do despotismo esclarecido austríaco, protagonizado por Maria Teresa Valburga Amália da Áustria e, seu filho, José II. Em seguida, nos concentraremos em conhecer os principais teóricos do absolutismo monárquico: Nicolau Maquiavel, Thomas Hobbes e Jacques-Bénigne Bousset. Depois, analisaremos de que maneira as ideias iluministas contribuíram para constituição de um corpo crítico compacto contra os regimes absolutistas e de História Moderna dos sécs XVII e XVIII - Unidade 3 - A crise do Antigo Regime e a crítica iluminista. que maneira participaram do quadro de decadência desse sistema político dentro da Europa. Por fim, estudaremos as transformações políticas, econômicas, sociais e culturais que ocorreram nos países europeus no contexto histórico que antecede as grandes revoluções burguesas do século XVIII. Bons estudos! 1. Rousseau e a soberania popular Jean-Jacques Rousseau foi um importante teórico político, filósofo, compositor musical e escritor de origem franco-suíça. Este pensador foi avaliado como um dos principais filósofos iluministas e, devido a sua produção literária, precursor do romantismo europeu. Rousseau apresentou a tese de que o humano era genuinamente bom em sua essência. Porém, acabava corrompido pela sociedade e, por isso, deveria buscar meios de restituir sua verdadeira natureza. Dessa maneira, as sociedades deveriam atentar ao transformar seus direitos naturais em direitos civis, devido ao inerente ambiente corruptível representado pela vida em sociedade. 1.1. O contrato social e a soberania popular Tendo estudado as obras de Thomas Hobbes e John Locke, Rousseau buscou inovar as teorias políticas que investigavam as relações estabelecidas entre o governo e o povo. Em sua obra o Contrato Social teorizou a respeito da instauração de um Estado incorruptível e que representasse verdadeiramente as pretensões populares. Para isso, segundo o autor, era necessário priorizar a vontade coletiva em detrimento da vontade individual. Enquanto os desígnios individualistas fossem priorizados, as preferências dos segmentos mais favorecidos da sociedade se manteriam em vigor. Por outro lado, se a vontade coletiva se destacasse no âmbito político, as sociedades humanas tenderiam a se tornar mais igualitárias. Sendo a soberania o exercício da vontade geral, esta deveria ser exercida diretamente pelo História Moderna dos sécs XVII e XVIII - Unidade 3 - A crise do Antigo Regime e a crítica iluminista. povo ou através de governantes que se apresentassem como seres coletivos e assegurassem às massas suas reivindicações genuínas. Assim, povo e governo deveriam estabelecer um acordo mútuo, um contrato social, que lhes possibilitasse coexistir e prosperar. Figura 1 - Retrato de Jean-Jacques Rousseau por Maurice Quentin de La Tour. 1.2. A desigualdade entre os homens e a concentração de poder Em sua obra, Discurso sobre a Origem e Fundamentos da Desigualdade entre os Homens, Rousseau afirma que a propriedade privada como instituição social tornava o ser humano corruptível e constituía-se na principal fonte de desigualdade comunitária. A propriedade privada possibilitou a existência de dominadores e dominados. Os dominadores, gozando de privilégios, riquezas e poder oprimem os dominados, que acabam inevitavelmente se submetendo a esta ordem política fadada a se perpetuar. Observe um dos principais trechos que exprime essas ideias: História Moderna dos sécs XVII e XVIII - Unidade 3 - A crise do Antigo Regime e a crítica iluminista. “O primeiro homem que cercou um pedaço de terra, que veio com a ideia de dizer ‘isto é meu’ e encontrou gente simples o bastante para acreditar nele, foi o verdadeiro fundador da sociedade civil. Quantos crimes, guerras e assassinatos derivam deste ato! De quanta miséria e horror a raça humana poderia ter sido poupada se alguém simplesmente tivesse arrancado as estacas, enchido os buracos e gritado para os seus companheiros: ‘Não deem ouvidos a este impostor. Estarão perdidos se esquecerem que os frutos da terra pertencem a todos, e que a terra, ela mesma, não pertence a ninguém.’ (ROUSSEAU, J. Discurso sobre a origem e fundamentos da desigualdade entre os homens. Tradução de Paulo Neves. São Paulo: L&PM pocket editora, 2008) Você quer ler? O livro de 1762 chamado “O Contrato Social” do autor iluminista Jean Jacques Rousseau explica sobre a natureza humana e sobre como deveria ser realizada a fundação do Estado incorruptível. 2. O Despotismo Esclarecido: o caso austríaco O avançado quadro de decadência dos regimes absolutistas na Europa durante o século XVIII fez com que alguns estadistas europeus se tornassem mais receptivos aos ideais iluministas disseminados pelos filósofos franceses. Embora tenham preservado sua autoridade monárquica e exercido o poder de forma autocrática, compactuavam com os inovadores ideais iluministas. O progresso através da razão e da ciência e as reformas sociais de caráter filantrópico passaram a ser introduzidos no expediente político dos países que governavam. O empreendimento de uma transformadora reestruturação do aparato estatal em conformidade com a ideologia iluminista, garantiu que tais soberanos absolutistas História Moderna dos sécs XVII e XVIII - Unidade 3 - A crise do Antigo Regime e a crítica iluminista. ficassem conhecidos como déspotas esclarecidos ou, ainda, praticantes do absolutismo ilustrado. O ideal de modernização inerente a essas gestões políticas pode ser compreendido através das tentativas de ampliação e reorganização da economia que passa a ser direcionada ao capitalismo industrial. Além disso, a busca pela execução de reformas de caráter político-religioso, como a delimitação das áreas de influência do Estado e da igreja, ou ainda tributárias, como a cobrança de impostos de segmentos da aristocracia e do próprio clero podem ser notificadas nas gestões exercidas por estes estadistas Analisemos agora como tal fenômeno político se torna evidente através dos governantes austríacos, Maria Tereza da Áustria e José II. 2.1.O governo de Maria Teresa da Áustria Com a derrota sofrida na Guerra de Sucessão Espanhola, a hegemonia da casa real dos Habsburgos conheceu um verdadeiro momento de declínio de sua influência política. As consequências do conflito levaram Carlos VI da Áustria a promulgar, em 1713, a Pragmática Sanção através da qual revogava uma das medidas previstas na Lei Sálica, a sucessão feminina. Tal medida assegurou que a linhagem dos Habsburgo mantivesse seu território intacto, evitando que este acabasse distribuído entre os aspirantes à coroa proveniente outras casas dinásticas. O casamento Carlos VI do Sacro Império Romano-Germânico com Isabel Cristina de Brunsvique não gerou herdeiros masculinos e, assim, a pertinência da Pragmática Sanção se fez evidente através da primeira filha do casal, Maria Teresa da Áustria. Com a morte de seu pai em 1740, Maria Teresa tomou como esposo Francisco Estevão de Lorena, futuro Francisco I do Sacro Império. O início de seu governo foi turbulento. Não reconhecendo a Pragmática Sanção como uma medida legítima, a ambição dos governantes da França, Baviera, Saxônia e Prússia os levou a declarar guerra à Áustria em um conflito que ficou conhecido como Guerra de Sucessão Austríaca. Apesar de ter mobilizado o exército para derrotar a Baviera, Maria Teresa História Moderna dos sécs XVII e XVIII - Unidade 3 - A crise do Antigo Regime e a crítica iluminista. foi obrigada a conceder, em 1742, o território da Silésia à Prússia. A monarca tentaria recuperar, sem sucesso, este território em outro conflito, a Guerra dos 7 anos. Figura 2 - Retrato de Maria Teresa da Áustria por Martin van Meytens. O reinado de Maria Teresa foi caracterizado por um forte influência dos ideais iluministas, constituindo-se em um exemplo notável do despotismo esclarecido . Embora nos anos iniciais de seu governo ela tenha mantido o corpo de conselheiros escolhidos por seu pai, posteriormente, demonstrou autonomia escolhendo ela mesma novos gestores. Encarregou ao conde Frederico Guilherme de Haugwitz das questões relativas ao comércio e à agricultura, assim como a reorganização do exército e a estruturação de um aparato burocrático mais rígido e eficaz. Ao barão Gottfried van Swieten foi delegada a responsabilidade sobre a saúde pública e a realização de reformas legislativas foram realizadas. O conselheiro da rainha fundou História Moderna dos sécs XVII e XVIII - Unidade 3 - A crise do Antigo Regime e a crítica iluminista. o Hospital Geral de Viena e apoiou a promulgação do Codex Theresianus, que assegurava novos direitos civis aos cidadãos austríacos. A Rainha também foi responsável por reformas na educação, na diminuição das cargas tributárias destinadas aos servos e na limitação dos poderes da nobreza feudal. Embora o governo de Maria Teresa tenha sido inovador, preservava ainda uma mentalidade religiosa retrógrada. Excessivamente católica, a rainha se demonstrava intolerante com outras religiões dentro de seu território. Foi responsável pela perseguição de judeus e protestantes durante o seu reinado. Com a morte de seu marido, Maria Teresa procurou o apoio de seu filho José II. Nomeado co-regente, logo surgiram disputas entre os dois. Ambos tinham personalidades fortes, mas de temperamento muito diferente. Plenamente adepto dos ideais iluministas , José II apresentava perspectivas de governo muito mais avançadas do que as de sua mãe.. A excessiva religiosidade de Maria Teresa chocava- se com a mentalidade racional e a alta formação intelectual de seu filho. 2.2 O Governo de José II Com a morte de Maria Teresa em 1780, José II assumiu o trono da Áustria e tornou-se o novo sacro imperador romano germânico. Fortemente influenciado pelos ideais Iluministas, buscou a modernização das capitais imperiais. Suprimiu os órgãos colegiais e decidiu criar uma chancelaria dotada de amplos poderes. Além disso, implementou medidas que melhoraram o andamento de processos civis e criminais e concedeu liberdade de imprensa aos jornais dentro do território imperial. Procurando reduzir a influência da Igreja Católica sobre assuntos seculares, exerceu uma política religiosa que buscava autonomia perante Roma. Dentro do território imperial, limitou o culto às relíquias católicas, a adequação de feriados católicos ao calendário imperial e as peregrinações religiosas. Tal doutrina ficou conhecida como Josefismo. Contrapondo-se à postura intolerante de sua mãe, José História Moderna dos sécs XVII e XVIII - Unidade 3 - A crise do Antigo Regime e a crítica iluminista. II decretou a tolerância religiosa dentro do império ao conceder maiores liberdades e direitos, embora limitados, aos protestantes e judeus. Figura 3 - Retrato de José II, Sacro Imperador romano-germânico por Anton von Maron. Buscando empreender uma centralização administrativa dentro do território imperial, José II promoveu um inventário das terras e de seus respectivos donos com a finalidade de instituir uma gestão fiscal mais eficaz. Impulsionou a implantação de indústrias, especialmente na região da Boêmia, dinamizando a distribuição da produção através de uma ampla rede de estradas. Tais medidas fortaleceram o mercado interno e angariaram fundos para o aparato estatal. Buscando apoio popular, aboliu a servidão de origem feudal e a tortura. Criou História Moderna dos sécs XVII e XVIII - Unidade 3 - A crise do Antigo Regime e a crítica iluminista. novos hospitais, orfanatos e asilos. Instituiu também reformas educacionais e tornou o alemão a língua oficial do império. Na época, suas reformas levantaram uma oposição generalizada. Você quer ver? O filme “Amadeus” de 1984 dirigido por Milos Forman conta a história do famoso compositor Wolfgang Amadeus Mozart, em seus últimos anos de vida. O filme tem como pano de fundo o despotismo esclarecido do Imperador José II da Áustria e os confrontos entre os partidos absolutistas e os adeptos às ideias iluministas. Após a sua morte, a Hungria e a Bélgica estavam em plena revolta e havia descontentamento na Áustria e na Boêmia. O irmão de José II e seu sucessor, Leopoldo II, revogou a maioria das reformas implementadas por ele e a Áustria foi forçada a reconhecer a Hungria como uma unidade separada das possessões dos Habsburgos. Apesar desse revés, o reinado de José II foi uma representou uma reestruturação da monarquia Habsburgo e sua abertura às tendências européias. 3. O surgimento da crítica e a crise do absolutismo Concebido no século XIX pelo historiador Alexis de Tocqueville, o termo Antigo Regime referia-se ao sistema sociopolítico e econômico que se originou na França e que mais tarde se espalhou por outras nações europeias e por seus domínios coloniais. O absolutismo monárquico foi a forma de governo que predominou na História Moderna dos sécs XVII e XVIII - Unidade 3 - A crise do Antigo Regime e a crítica iluminista. Europa entre os séculos XVI e XVIII. Sua principal característica era a concentração de poderes nas mãos de um único agente político: o rei. Apresentando-se como um símbolo das nacionalidades que surgiram na Europa fim do século XV, os monarcas eram dotados de autoridade irrestrita e exerciam controle político e econômico sobre seus reinos. Esta conjuntura criava a oportunidade perfeita para que governassem em benefício próprio e de suas respectivas linhagens dinásticas, em detrimento das classes mais desprivilegiadas. Através de um significativo aumento na arrecadação de tributos, os reis garantiram que toda riqueza acumulada fosse destinada a sustentar os altos gastos da monarquia e de seu aparato estatal. Enquanto a população padecia, a realeza ostentava luxo e poder. Os bens pessoais dos monarcas eram gradualmente incorporados aos da nação e a concepção de permeabilidade entre o aparato estatal e a figura do reise concretizava. A economia se fundamentava no sistema econômico conhecido como mercantilismo. A principal característica deste sistema econômico era a intervenção direta e irrestrita do rei na regulação da economia dentro de seu país. A centralização do poder político se refletia na gestão econômica. O financiamento estatal de escolas navais e companhias de comércio asseguraram aos monarcas a conquista de territórios coloniais. Estes territórios tornaram-se uma fonte de riquezas a partir da descoberta de jazidas de metais preciosos que eram usados para cunhagem de moedas e valorização da economia metropolitana perante outros países. Os monarcas fortaleciam a economia interna através de rígidas medidas protecionistas, como o aumento das tarifas alfandegárias. Como parte integrante do sistema econômico, as colônias eram forçadas por decreto a destinar sua produção e comércio exclusivamente às metrópoles, capitais e centros de governos dos monarcas. Este vasto acúmulo de riquezas garantiam a consolidação do poder real através da manutenção de grandes exércitos profissionais permanentes. Estes História Moderna dos sécs XVII e XVIII - Unidade 3 - A crise do Antigo Regime e a crítica iluminista. contingentes militares asseguravam a demarcação das fronteiras e constituíam-se no principal instrumento de poder e terror das linhagens absolutistas. 3.2 Os principais teóricos do absolutismo. Procurando a manutenção da ordem social, os reis legitimavam o seu excesso de poder em uma forte produção teórica. As obras de pensadores como Nicolau Maquiavel, Thomas Hobbes e Jacques-Bénigne Bousset contribuíram para estruturação ideológica do regime absolutista. Em, O Príncipe, Maquiavel defendia que Estado deveria ser regido por um soberano astuto e ameaçador que zelasse pelo bem estar de seu povo. O príncipe deveria ser dotado de virtú, ou seja, da capacidade de superar a imprevisibilidade da marcha dos eventos históricos e controlar a conjuntura e imprevistos inerentes ao seu reinado. Entretanto, para realizar a manutenção de seu poder, a regulamentação da economia e da segurança pública, estes soberanos não deveriam poupar esforços ou escrúpulos - podendo até mesmo recorrer à violência excessiva. História Moderna dos sécs XVII e XVIII - Unidade 3 - A crise do Antigo Regime e a crítica iluminista. Figura 4 - Retrato de Nicolau Maquiavel por Santi di Tito. Em, O Leviatã, Hobbes consolida a visão de que apenas um Estado forte e centralizado na figura de um monarca seria capaz de controlar o caos primordial das sociedades humanas, a guerra de todos contra todos, e conter a violência inerente às sociedades humanas. Assim, a manutenção da estabilidade e harmonia social repousava na submissão à autoridade do monarca. Os homens deveriam abdicar parcialmente de sua liberdade natural ao estabelecer um contrato social com o Estado que lhes garantiria segurança e prosperidade. História Moderna dos sécs XVII e XVIII - Unidade 3 - A crise do Antigo Regime e a crítica iluminista. Figura 5 - Retrato de Thomas Hobbes por John Michael Wright. Em, A Política segundo a Sagrada Escritura, Bousset lança as margens da teoria do direito divino de governo dos reis. Segundo o autor, o poder essencialmente autocrático dos monarcas lhes foi concedido por Deus. Por isso, qualquer expressão de rebeldia ou insatisfação contra o Estado deveria ser compreendida como um sacrilégio e deveria receber uma punição rígida. O monarca francês Luís XIV, o Rei Sol, é o exemplo mais notório de estadista que adotou as ideias de Bousset. História Moderna dos sécs XVII e XVIII - Unidade 3 - A crise do Antigo Regime e a crítica iluminista. Figura 6 - Retrato de Jacques-Bénigne Bousset por Hyacinthe Rigaud. Você quer ler? O Livro “O ensaio sobre a cegueira” de José Saramago é uma renomada obra literária que demonstra indiretamente os pensamentos de Thomas Hobbes sobre a natureza primordial do homem. Nesta obra, uma epidemia de cegueira no planeta traz os seres humanos ao tempo remoto teorizado por Hobbes no qual sem uma tutela a convivência se torna um caos generalizado. História Moderna dos sécs XVII e XVIII - Unidade 3 - A crise do Antigo Regime e a crítica iluminista. 3.3 A ascensão da burguesia e a ideologia iluminista A gradual ascensão econômica da burguesia durante a baixa idade média consolida-se na idade moderna a partir dos acordos que esta classe social estabeleceu com os monarcas. A concessão de monopólios, incentivos econômicos e cargos importantes por parte da coroa garantia o enriquecimento das famílias burguesas. A paulatina capitalização e industrialização da economia promovidas pelos monarcas dentro de seus reinos aumentavam ainda mais a margem de lucro da burguesia. Entretanto, o rígido controle exercido pelos soberanos no sistema econômico passou a incomodar a burguesia, que buscava cada vez mais autonomia para realizar seus negócios sem intervenção estatal. A proeminência econômica burguesa não encontrava respaldo no âmbito político, onde ainda prevaleciam os interesses da nobreza e do clero. Nesta conjuntura política e social, pensadores oriundos de segmentos sociais variados - embora predominantemente burgueses - passam a professar uma nova perspectiva de desenvolvimento das sociedades europeias. Esta visão pode ser explicitada através da ideologia denominada iluminismo. Nas unidades e tópicos anteriores, estudamos os principais autores que professavam esses ideais. Vimos como David Hume, através do empirismo, criticava a visão religiosa do mundo ao defender a elaboração de um repertório de conhecimento fundamentado na ciência. Adam Smith, criticando a rígida intervenção estatal dos monarcas na economia, pregava o liberalismo econômico. Indo contra a opressão e censura impostos pela realeza, Voltaire pregava a favor da liberdade de expressão. Montesquieu, relacionando a concentração de poderes políticos na figura do rei à regimes despóticos e tirânicos, defendia a separação das funções e atribuições políticas em órgãos políticos diferentes. Rousseau, defendendo a prioridade da vontade geral perante as vontades individuais institucionalizadas pelas História Moderna dos sécs XVII e XVIII - Unidade 3 - A crise do Antigo Regime e a crítica iluminista. classes superiores, reivindicava a soberania popular e a construção de um quadro político capaz de extinguir a desigualdade entre os homens. Sendo o Antigo Regime um sistema político cuja consolidação fundamentava- se em tradições políticas, econômicas e religiosas feudais, o iluminismo propunha uma ruptura radical com o tradicionalismo ignorante da idade média. A visão teológica do mundo, ainda popularizada através das superstições religiosas professadas pela Igreja Católica, deveria ser abandonada em favor do racionalismo científico, do progresso e do desenvolvimento. A inerente irracionalidade que ainda dividia as sociedades europeias em uma hierarquia de acordo com o nascimento deveria ser abolida e ceder espaço a um quadro de igualdade social. As relações de trabalho opressivas, fundamentadas nos direitos feudais, deveriam ser substituídas pelo trabalho assalariado e pela possibilidade de ascensão econômica meritocrata. Libertar o indivíduo das algemas que o aprisionavam era o principal dos pressupostos do iluminismo. Portanto, constituía-se essencialmente em uma ideologia de caráter revolucionário e transformador pois implicava a abolição gradual da ordem política e social consolidada pelo Antigo Regime, ainda vigente na maior parte da Europa. História Moderna dos sécs XVII e XVIII - Unidade 3 - A crise do Antigo Regime e a crítica iluminista. Figura 7 - “O sono da razão produz monstros” por Francisco de Goya explicita o pressuposto iluminista do racionalismo científico e dos perigos inerentes aos regimes absolutistas.4. Abalos à ordem política e social A decadência das cidades provincianas na baixa idade média delegou à idade moderna europeia um quadro econômico essencialmente rural. Como herança da economia feudal, a posse de terras ainda constituía-se na mais lucrativa fonte de renda líquida neste contexto histórico. Dentro da Europa, a servidão feudal e outros regimes de trabalho de origens semelhantes apresentavam-se como a principal História Moderna dos sécs XVII e XVIII - Unidade 3 - A crise do Antigo Regime e a crítica iluminista. atividade econômica do continente. Embora os camponeses fossem tecnicamente livres, ainda permaneciam sujeitos ao regime servil que os atrelava aos senhorios locais. Este quadro econômico também se estendia às posses coloniais dos estados absolutistas europeus. Com o gradual esgotamento das jazidas de metais preciosos, imperava nestas localidades o trabalho rural que se fundamentava na escravidão dos povos nativos e no comércio de escravos de origem africana. Desta maneira, é possível perceber que as relações de trabalho feudal eram muito vívidas politicamente. Porém, no plano econômico, eram notavelmente obsoletas. A disparidade entre os rendimentos com o mercado rural e o aumento dos preços e gastos de uma sociedade que se industrializava levou a exploração com cada vez mais intensidade do bem econômico inalienável: os privilégios de status e de nascimento. A realeza, herdeira da nobreza feudal, e o clero católico gozavam de isenção de impostos em muitos estados europeus. A riqueza era desviada da classe produtora, os camponeses, a partir da venda de suas mercadorias em mercados regionais e internacionais dominados pela aristocracia. As linhagens dinásticas que compunham as monarquias absolutistas eram herdeiras diretas do regime feudal e, dotadas de autoridade praticamente irrestrita, procuravam perpetuar a ordem política gradualmente estabelecida. Para isso, valiam-se de justificativas teológicas e, principalmente, do aumento das cargas tributárias oriundas da posse das terras. Não viam necessidade de abolir a servidão e os laços remanescentes da dependência feudal camponesa, muito menos, a escravidão em suas posses coloniais. Ainda assim, o século XVIII não foi um século de estagnação agrícola. Culturas vegetais importadas das colônias contribuíram para implementação das técnicas agrícolas e do repertório nutricional europeu. Este desenvolvimento das técnicas agrícolas garantiu o abastecimento de contingentes populacionais muito maiores, refletindo-se em um notável aumento populacional em relação aos séculos História Moderna dos sécs XVII e XVIII - Unidade 3 - A crise do Antigo Regime e a crítica iluminista. anteriores. A urbanização crescente demandava um maior desenvolvimento técnico para o abastecimento dos núcleos urbanos. Dentro das cidades, observa-se o desenvolvimento do comércio de manufaturas, atividades intelectuais e tecnológicas construíram um campo de desenvolvimento dinâmico para a burguesia e para as classes mais altas. A principal transformação intelectual se deu pela crescente influência da ideologia iluminista. Professada por membros de segmentos variados dessas sociedades em fase de urbanização e industrialização, o iluminismo captava o quadro geral de indignação contra um regime opressivo que não se esforçava para conquistar apoio político entre as classes baixas. A crença apaixonada no progresso se refletia nos aumentos visíveis no conhecimento técnico orientado pelo racionalismo científico. O enriquecimento população citadina, assim como uma notável melhoria nos padrões de vida e bem-estar social, tornava evidente o valor dessa corrente ideológica perante uma sociedade indignada com o autoritarismo político vigente. A burguesia, representada por famílias que enriqueciam com o comércio de manufaturas e financiamentos, representava o principal foco de oposição. Este segmento social ainda era obrigado a se submeter à uma carga tributária incompatível com sua importância econômica para o regime. Neste contexto histórico de evidentes contradições políticas e econômicas, o conflito latente entre os donos das terras e aqueles que a cultivavam por arrendamento tornava-se inevitável. O Antigo Regime se tornava cada vez mais impopular devido ao constante aumento nas cargas tributárias direcionadas às classes mais baixas. O aumento dos impostos era justificado pelo quadro de crescente rivalidade internacional entre as monarquias absolutistas europeias. O excessivo custo do financiamento dos conflitos, aliados a dificuldades internas enfrentadas por cada soberano, mergulharam os países gradualmente em uma crise História Moderna dos sécs XVII e XVIII - Unidade 3 - A crise do Antigo Regime e a crítica iluminista. política interna que criou a conjuntura perfeita para ascensão de movimentos insurrecionais. A indignação contra os monarcas absolutos também se estendeu às posses coloniais. Aos olhos dos monarcas, as colônias continuavam a representar áreas de exploração econômica cujo suporte comercial deveria se manter estável. Os colonos, descendentes das famílias aristocráticas europeias, ressentiam-se dos privilégios concedidos exclusivamente à economia metropolitana em detrimento da colonial. Os representantes das colônias passam a exercer uma pressão política cada vez mais significativa, passando a reivindicar maior autonomia e privilégios para continuarem a integrar a economia metropolitana. A rivalidade internacional entre as monarquias europeias também atinge as colônias através da deflagração de conflitos e invasões aos territórios inimigos. Com isso, o lucrativo comércio colonial passa a declinar, assim como o fluxo de metais preciosos - nas poucas regiões onde eles ainda podiam ser extraídos - prejudicando ainda mais a já instável economia metropolitana. Síntese Portanto, nesta unidade, estudamos a influência iluminista no quadro de decadência e crise dos regimes absolutistas: ● O Iluminismo era uma doutrina essencialmente revolucionária que pregava a desconstrução da ordem política e econômica consolidada pelos regimes absolutistas. ● Perante a opressão e violência institucional perpetuada pelos soberanos absolutistas, Rousseau defendia a soberania popular e o fim da propriedade privada. ● No quadro de crise dos regimes absolutistas, o fenômeno político do despotismo esclarecido constituí-se em uma alternativa política. Governantes autocráticos adeptos dos ideais iluministas promovem reformas progressistas dentro de seus territórios. História Moderna dos sécs XVII e XVIII - Unidade 3 - A crise do Antigo Regime e a crítica iluminista. ● A herança feudal da posse da terra e os privilégios políticos fundamentados no direito de nascimento criam um ambiente de evidente contradição entre as classes políticas desfavorecidas. ● A proeminência econômica da burguesia europeia não encontra respaldo político dentro dos regimes absolutistas e continua vitimada pela excessiva carga tributária. ● A insatisfação com o absolutismo se estende às colônias, cujos representantes passam a reivindicar direitos políticos e econômicos perante os soberanos europeus. Bibliografia BURKE, Peter. A Fabricação do Rei. A construção da imagem pública de Luís XIV. Rio de Janeiro: Zahar, 2009.versão digital: http://docs12.minhateca.com.br/869137399,BR,0,0,BURKE,-Peter.-A- fabrica%C3%A7%C3%A3o-do-rei.pdf FALCON, Francisco J.Calazans. O iluminismo. São Paulo: Ática, 2009. (biblioteca universitária virtual FMU) HOBSBAWM. Eric. 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Figura 2 - Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Kaiserin_Maria_Theresia_(HRR).jpg. Acesso em: 02 jul. 2019. Figura 3 - Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Anton_von_Maron_006.png. Acesso em: 02 jul. 2019. Figura 4 - Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Portrait_of_Niccol%C3%B2_Machiavelli_by_ Santi_di_Tito.jpg. Acesso em: 03 jul. 2019. Figura 5 - Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Thomas_Hobbes_(portrait).jpg. Acesso em: 03 jul. 2019 Figura 6 - Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Jacques- B%C3%A9nigne_Bossuet_1.PNG. Acesso em: 03 jul. 2019 Figura 7 - Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Goya_- _Caprichos_(43).jpg Acesso em: 04 jul. 2019 https://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Kaiserin_Maria_Theresia_(HRR).jpg https://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Anton_von_Maron_006.png https://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Portrait_of_Niccol%C3%B2_Machiavelli_by_Santi_di_Tito.jpg https://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Portrait_of_Niccol%C3%B2_Machiavelli_by_Santi_di_Tito.jpg https://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Thomas_Hobbes_(portrait).jpg https://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Jacques-B%C3%A9nigne_Bossuet_1.PNG https://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Jacques-B%C3%A9nigne_Bossuet_1.PNG https://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Goya_-_Caprichos_(43).jpg https://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Goya_-_Caprichos_(43).jpg
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