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Anthony Giddens Sociologia 6.a Edição Tradução de Alexandra Figueiredo Ana Patrícia Duarte Baltazar Catarina Lorga da Silva Patrícia Matos Vasco Gil Coordenação e revisão científica de José Manuel Sobral F U N D A Ç Ã O CALOUSTE GULBENKIAN Serviço de Educação e Bolsas Tradução do original inglês intitulado SOCJOLOGY 4'h Edition Copyright O Anthony Giddens 2001 publicado por Polity Press em associação com Blackwell Publishers Ltd. Reservado todos os direitos de harmonia com a lei Edição da FUNDAÇÃO CALOUSTE GULBENKIAN Av.de Bema I Lisboa 2008 Depósito Legal 273409/08 ISBN 978-972-31-1075-3 O que é a Sociologia? I S K. * ii- 'X . • U- V- Desenvolvendo uma perspectiva sociológica Estudar Sociologia Como pode a Sociologia ajudar-nos na nossa vida? Consciência de diferenças culturais Avaliação dos efeitos políticos Auto-consciencialização O desenvolvimento do pensamento sociológico Os primeiros teóricos Auguste Comte Émile Durkheim Karl Marx Max Weber Olhares sociológicos mais recentes Funcionalismo Perspectiva do conflito Perspectivas da acção social Conclusão Sumário 2 4 5 5 5 6 6 7 8 11 13 15 16 17 17 18 18 Capítulo 1: O que é a Sociologia? Vivemos hoje - no começo do século vinte e um - num mundo intensamente inquietante e, ao mesmo tempo, repleto das maiores promessas para o futuro. É um mundo inundado pela mudança, marcado por graves conflitos, tensões e divisões sociais, bem como pelo assalto destrutivo ao meio ambiente natural pro- movido pela tecnologia moderna. Não obstante, temos mais possibilidades de controlar melhor os nos- sos destinos e de dar um outro rumo às nossas vidas do que era imaginável pelas gerações anteriores. Como se desenvolveu este mundo? Porque são as nossas condições de vida tão diferentes das dos nos- sos pais e avós? Que rumo tomarão no futuro os pro- cessos de mudança? Estas questões são as principais interrogações da Sociologia, um campo de estudos que tem um papel fundamental a desempenhar na cultura intelectual moderna. A Sociologia é o estudo da vida social humana, grupos e sociedades. É uma tarefa fascinante e cons- trangedora, na medida em que o tema de estudo é o nosso próprio comportamento enquanto seres sociais. A esfera de acção do estudo sociológico é extrema- mente abrangente, podendo ir da análise de encontros casuais entre indivíduos que se cruzam na rua até à investigação de processos sociais globais. A maior parte de nós vê o mundo em termos das características das nossas próprias vidas, com as quais estamos familiarizados. A Sociologia mostra que é necessário adoptar uma perspectiva mais abran- gente do modo como somos e das razões pelas quais agimos. Ensina-nos que o que consideramos natural, inevitável, bom ou verdadeiro pode não o ser, e que o que tomamos como «dado» nas nossas vidas é forte* mente influenciado por forças históricas e sociais. Compreender as maneiras ao mesmo tempo subtis, complexas e profundas, pelas quais as nossas vidas individuais reflectem os contextos da nossa experiên- cia social é essencial à perspectiva sociológica. Desenvolvendo uma perspectiva sociológica Aprender a pensar sociologicamente - por outras palavras, olhar mais além - significa cultivar a ima- ginação. Estudar Sociologia não pode ser simples- mente um processo rotineiro de acumulação de conhecimentos. Um sociólogo é alguém capaz de se libertar do quadro das suas circunstâncias pessoais e pensar as coisas num contexto mais abrangente. O trabalho sociológico depende do que o autor ame- ricano C. Wright Mills, numa frase famosa, denomi- nou de imaginação sociológica (Mills, I970). A imaginação sociológica implica, acima de tudo. abstrairmo-nos das rotinas familiares da vida quoti- diana de maneira a poder olhá-las de forma diferente. Tenha-se em consideração o simples acto de beber uma chávena de café. O que há a dizer, do ponto de vista sociológico, acerca de um comportamento apa- rentemente tão desinteressante? Imenso. Podemos começar por notar que o café não é meramente uma bebida. Enquanto parte das nossas actividades sociais quotidianas possui um valor sim- bólico. O ritual associado ao acto de tomar café é fre- quentemente muito mais importante do que o consu- mo de café propriamente dito. Duas pessoas que combinam encontrar-se para tomar café estarão pro- vavelmente mais interessadas em estarem juntas e conversarem do que em beber, de facto, café. Em todas as sociedades, na realidade, beber e comer pro- porcionam ocasiões para a interacção social e o desempenho de rituais - e tal fornece temáticas ricas para o estudo sociológico. Em segundo lugar, o café é uma droga, pois con- tém cafeína, que exerce no cérebro um efeito estimu- lante. Os adictos em café não são vistos pela maioria das pessoas no Ocidente como consumidores de droga. O café, tal como o álcool, é uma droga social- mente aceitável, enquanto a marijuana, por exemplo, não o é. No entanto, há sociedades que permitem o consumo de marijuana e mesmo de cocaína, mas desaprovam tanto o café como o álcool. Os sociólo- gos estão interessados nas razões pelas quais estes contrastes existem. Em terceiro lugar, um indivíduo que bebe uma chávena de café está envolvido numa complicada rede de relações sociais e económicas de dimensão internacional. O café é um produto que liga as pes- O Q U E E A S O C I O L O G I A ? 3 Tomar uma simples chávena de café é uma experiência social bastante familiar, mas o sociólogo pode analisá-la de forma surpreendente. soas de algumas das partes mais ricas e mais pobres do planeta: é consumido em grande quantidade nos países ricos, mas cultivado fundamentalmente nos pobres. Depois do petróleo, o café é a mercadoria mais valiosa do comércio internacional, representan- do a principal exportação de muitos países. A produ- ção, transporte e distribuição do café implicam tran- sacções constantes que envolvem pessoas a milhares de quilómetros dos consumidores. Estudar estas tran- sacções globais é uma tarefa importante da Sociolo- gia, na medida em que muitos aspectos das nossas vidas são hoje afectados por influências sociais e comunicações a nível mundial. Em quarto lugar, o acto de beber uma chávena de café pressupõe todo um processo de desenvolvimento social e económico passado. Com outros artigos hoje familiares nas dietas ocidentais - como o chá, as bananas, as batatas e o açúcar - o café tornou-se um produto de consumo generalizado somente nos finais do século XIX. Embora seja uma bebida originária do Médio Oriente, o seu consumo maciço data do perío» do da expansão colonial ocidental, há cerca de um século e meio atrás. Praticamente todo o café que se bebe nos países ocidentais provém de áreas (América do Sul e Africa) colonizadas pelos europeus; não é, de maneira nenhuma, um elemento «natural» da dieta ocidental. A herança colonial teve um impacto enorme sobre o desenvolvimento do comércio mundial de café. Em quinto lugar, o café é um produto que está no centro do debate actual em torno da globalização, do comércio mundial, dos direitos humanos e da des- truição ambiental. À medida que o café aumentou a sua popularidade, tomou-se um produto politizado e um assunto de marketing: as escolhas dos consumi- dores sobre que tipo de café beber e onde comprar tomaram-se opções de estilo de vida. As pessoas podem escolher beber apenas café orgânico, café des* cafeinado naturalmente ou café comerciado a preços «justos» (através de esquemas que pagam o total do preço de mercado a pequenos produtores de café em países em vias de desenvolvimento). Podem optar O Q U E E A S O C I O L O G I A ? 4 O café significa o sustento destes trabalhadores de uma cooperativa de comércio justo na América do Sul. por apoiar cafetarias «independentes», em vez das cadeias internacionais de cafetarias como a «Star- bucks». Os consumidores de café podem decidir boi- cotar café proveniente de determinados países onde haja pouco respeito pelos direitos humanos e o ambiente natural. Para os sociólogos, é interessanteperceber de que forma a globalização aumenta a consciência das pessoas acerca de questões que se passam em pontos remotos do planeta, incentivando- -as a actuar no dia-a-dia em função desse novo conhecimento. Estudar Sociologia A imaginação sociológica permite*nos ver que mui- tos dos fenómenos, que parecem dizer respeito ape- nas ao indivíduo, na verdade, reflectem questões mais amplas. O divórcio, por exemplo, pode ser um processo muito complicado para quem o atravessa - aquilo a que Mills chama «problema pessoal». Mas, como ele refere, o divórcio é também uma questão pública e na ordem do dia numa sociedade como a britânica nos dias de hoje, onde mais de um terço dos casamentos acaba ao fim de dez anos. O desemprego, para dar outro exemplo, pode ser uma tragédia pes- soal para quem foi despedido de um emprego e não consegue arranjar outro. Contudo, é uma questão que vai além do desespero privado, quando dez milhões de pessoas de uma sociedade estão nessa mesma situação: é uma questão pública que expressa grandes tendências sociais. Tente aplicar esta maneira de ver as coisas à sua própria vida. Não é necessário pensar unicamente em fenómenos inquietantes. Considere, por um momen* to, as razões pelas quais folheia as páginas deste livro - porque é que está a estudar Sociologia. Pode ser um estudante relutante de Sociologia, que tenta fazer o curso apenas por ter de obter uma licenciatura. Ou pode ser um entusiasta que procura saber mais acerca da matéria. Sejam quais forem as suas motivações, é provável que, sem que o saiba necessariamente, tenha muito em comum com outros que estudam Sociolo- O Q U E E A S O C I O L O G I A ? 5 gia. A sua decisão privada reflecte a sua posição na sociedade. As seguintes características aplicam*se a si? É novo? É branco? De um estrato social de profissio- nais qualificados ou colarinhos-brancos? Teve ou tem algum «part-time» que lhe permita ganhar mais algum dinheiro? Deseja encontrar um bom emprego quando acabar a escola, embora não esteja especial- mente interessado nos estudos? Não tem a certeza do que é a Sociologia, embora pense que tem algo a ver com o comportamento das pessoas em grupos? Mais de três quartos de vocês responderá afirmativamente a estas perguntas. Os estudantes universitários não são uma amostra típica da população no seu todo, pois tendem a ser oriundos de meios sociais mais pri* vilegiados. E as suas atitudes, por norma, reflectem as dos seus amigos e conhecidos. Os meios sociais de onde provimos têm muito a ver com o tipo de deci- soes que consideramos adequadas. Mas suponha que respondeu negativamente a uma ou mais destas questões. Poderá ser oriundo de um grupo minoritário ou pobre. Poderá andar pela meia- -idade ou ser ainda mais velho. É provável que tenha tido que lutar para chegar onde chegou; pode ter sido obrigado a ultrapassar reacções hostis por parte de amigos e de outros quando anunciou que pretendia ir para a faculdade; ou pode ser ao mesmo tempo aluno do ensino superior e pai ou mãe. Embora todos sejamos influenciados pelo contex- to social em que nos inserimos, nenhum de nós tem o seu comportamento determinado unicamente por esses contextos. Nós possuímos, e criamos, a nossa própria individualidade. É tarefa da Sociologia inves- tigar as relações entre o que a sociedade faz de nós e o que nós fazemos de nós próprios. O que nós faze- mos tanto estrutura - dá forma a - o mundo social que nos rodeia como, simultaneamente, é estruturado por esse mesmo mundo social. O conceito de es t ru tura social é um conceito importante para a Sociologia. Refere-se ao facto de os contextos sociais das nossas vidas não consistirem apenas em acontecimentos e acções ordenados alea- toriamente; eles estão estruturados, ou padronizados, de diferentes maneiras. Há regularidades no modo como nos comportamos ou nas relações que temos com outras pessoas. Mas a estrutura social não é como uma estrutura física, como um edifício, que existe de forma independente das acções humanas. As sociedades humanas nunca deixam de estar em processo de es t ru turação. Elas são reconstruídas a todo o momento pelos vários «blocos» que as com- põem - seres humanos como nós. Como exemplo, pense novamente no caso do café. Uma chávena de café não aparece automaticamente nas nossas mãos. Tem de decidir, por exemplo, ir a um determinado café, optar entre uma bica ou um garoto, e por aí adiante. À medida que vai tomando essas decisões, juntamente com outros milhões de pessoas, está a configurar o mercado do café e a afec- tar a vida dos produtores de café que vivem possivel- mente do outro lado do mundo, a milhares de quiló- metros de distância. Como pode a Sociologia ajudar-nos na nossa vida? A Sociologia tem muitas implicações práticas para as nossas vidas, tal como Mills sublinhou quando de- senvolveu o seu conceito de imaginação sociológica. Consciência de diferenças culturais Em primeiro lugar, a Sociologia permite que olhemos para o mundo social a partir de muitos pontos de vista. Muito frequentemente, se compreendermos correctamente o modo como os outros vivem, adqui- rimos igualmente uma melhor compreensão dos seus problemas. As medidas políticas que não se baseiam numa consciência informada dos modos de vida das pessoas que afectam têm poucas hipóteses de suces- so. Deste modo, um assistente social branco que tra- balhe numa comunidade predominantemente negra não irá ganhar a confiança dos seus membros, a não ser que desenvolva uma sensibilidade face às dife- renças de experiência social que frequentemente separam brancos e negros. Avaliação dos efeitos das políticas Em segundo lugar, a pesquisa sociológica fornece uma ajuda prática na avaliação dos resultados de ini- ciativas políticas. Um programa de reformas práticas pode simplesmente falhar a consecução dos objecti- vos que os seus autores pretendiam, ou produzir con- sequências não intencionais de cariz prejudicial. A título de exemplo, refira-se que nos anos que se O Q U E E A S O C I O L O G I A ? 6 seguiram à Segunda Guerra Mundial construíram-se grandes blocos habitacionais de iniciativa pública no centro das cidades de muitos países. A intenção era providenciar um bom nível de habitação, com zonas comerciais e outros serviços públicos à mão, para os moradores dos bairros degradados e com baixos ren- dimentos. Contudo, a investigação mostrou que mui- tos dos que se mudaram para esses blocos habitacio- nais se sentiam isolados e infelizes. Em muitos casos os grandes blocos habitacionais e as áreas comerciais em zonas pobres depressa se degradaram, tendo-se transformado em viveiros para a ladroagem e outros crimes violentos. A u t o - consc ien cia lizaça o Em terceiro lugar, e em alguns aspectos o mais importante, a Sociologia pode permitir-nos uma auto-consciencializaçâo - uma auto-compreensão cada vez maior. Quanto mais sabemos acerca das razões pelas quais agimos como agimos e como fun- ciona, de uma forma global, a nossa sociedade, tanto mais provável é que sejamos capazes de influenciar o nosso futuro. Não devemos conceber a Sociologia como algo que apenas ajuda os decisores políticos - ou seja, os poderosos - a tomar as melhores medidas. Não se pode presumir que aqueles que estão no poder, ao tomarem decisões, tenham sempre em con- sideração os interesses dos grupos menos poderosos ou desfavorecidos. Os grupos com autoconsciência podem, com frequência, beneficiar da investigação sociológica, para assim poder responder de uma forma eficaz às medidas políticas governamentais ou para promover as suas próprias iniciativas políticas. Grupos de auto-ajuda, como os Alcoólicos Anóni- mos, e movimentos sociais, como os ecologistas, são exemplos de grupos sociais que lograram introduzir reformas práticas com um sucesso considerável. O desenvolvimento do pensamento sociológico Quando começam a estudar Sociologia, muitos alu- nos ficam perplexos com a diversidade de aborda- gens existentes. A Sociologia nunca foi uma daquelas disciplinas com um corpo de ideias unanimementeaceites como válidas. Os sociólogos discutem entre si frequentemente acerca da melhor maneira de estudar o comportamento humano e da forma como os resul- tados das pesquisas devem ser interpretados. Porque é que isto se passa assim? A resposta está relaciona- da com a própria natureza do campo de estudos. A Sociologia debruça-se sobre as nossas vidas e o nosso próprio comportamento, e estudar-nos a nós próprios é a mais difícil e complexa tarefa que pode- mos empreender. Os primeiros teóricos Nós, os seres humanos, sempre sentimos curiosidade pelas razões do nosso próprio comportamento, mas durante milhares de anos as tentativas de nos enten- dermos dependeram de formas de pensar transmiti- das de geração em geração. Estas ideias eram expres- sas frequentemente em termos religiosos, ou em mitos bem conhecidos, superstições ou crenças tradi- cionais. O estudo objectivo e sistemático da socieda- de e do comportamento humano é uma coisa relati- vamente recente, cujos inícios remontam aos finais do século XVIII. Um desenvolvimento-chave foi o uso da ciência para se compreender o mundo - a emergência de uma abordagem científica teve como consequência uma mudança radical nas formas de ver e entender as coisas. As explicações tradicionais baseadas na religião foram suplantadas, em sucessi* vas esferas, por tentativas de conhecimento racional e crítico. Tal como a Física, a Química, a Biologia e outras disciplinas, a Sociologia surgiu como parte deste importante processo intelectual. As origens da disci- plina inserem-se no contexto de uma série de mudan- ças radicais introduzidas pelas «duas grandes revolu- ções» da Europa dos séculos XVIII e XIX. Estes acontecimentos profundos transformaram irreversi- velmente o modo de vida que os seres humanos leva- vam há milhares de anos. A Revolução Francesa de 1789 representou o triunfo das ideias e valores secu- lares, como a liberdade e a igualdade, sobre a ordem social tradicional. Foi o início de um movimento dinâmico e intenso que a partir de então se espalhou pelo globo, tornando-se algo inerente ao mundo moderno. A segunda grande revolução teve início na Grã-Bretanha em finais do século XVIII, antes de se verificar noutros locais da Europa, na América do Norte e noutros continentes. Ficou conhecida como O O U E E A S O C I O L O G I A ? 7 Revolução Industrial - o conjunto amplo de trans- formações económicas e sociais que acompanharam o surgimento de novos avanços tecnológicos como a máquina a vapor e a mecanização. O surgimento da indústria conduziu a uma migração em grande escala de camponeses, que deixaram as suas terras e se transformaram em trabalhadores industriais em fábri- cas, o que causou uma rápida expansão das áreas urbanas e introduziu novas formas de relacionamento social. A Revolução Industrial mudou de forma dra- mática a face do mundo social, incluindo muitos dos nossos hábitos pessoais. A maior parte da comida que ingerimos e das bebidas que tomamos - o café, por exemplo - são hoje em dia produzidos através de meios industriais. A destruição dos modos de vida tradicionais levou os pensadores a desenvolver uma nova concepção dos mundos natural e social. Os pioneiros da Socio- logia confrontaram-se com os eventos que acompa- nharam essas revoluções, tentando compreender tanto as razões da sua emergência como as suas con- sequências potenciais. O tipo de questões a que estes pensadores do século XIX procuraram responder - O que é a natureza humana? Porque é que a sociedade está estruturada assim? Como mudam as sociedades e por que razão o fazem? - são as mesmas a que os sociólogos procuram responder actualmente. Auguste Comte Ninguém pode, por si só, como é óbvio, fundar sozi- nho todo um novo campo de estudos, e foram muitos aqueles que contribuíram para os começos do pensa- mento sociológico. Contudo, é frequentemente atri- buído um lugar de destaque ao autor francês Auguste Comte (1798-1857), nem que seja porque foi ele quem de facto inventou o termo «Sociologia». Origi- nalmente, Comte usou a expressão «física social», mas alguns dos seus rivais intelectuais da altura tam- bém a usavam. Comte queria distinguir o seu ponto de vista da visão dos seus rivais, de modo que criou o termo «Sociologia» para descrever a disciplina que pretendia estabelecer. O pensamento de Comte reflectia os acontecimen- tos turbulentos do seu tempo. A Revolução Francesa havia introduzido uma série de mudanças importantes na sociedade e o crescimento da industrialização tinha alterado o modo tradicional de vida da popula- ção francesa. Comte procurou criar uma ciência da sociedade que pudesse explicar as leis do mundo social, à imagem das ciências naturais que explica» vam como funcionava o mundo físico. Embora reco- nhecesse que cada disciplina científica tem o seu próprio objecto de análise, Comte acreditava que todas partilham uma lógica comum e um método científico, o que visa revelar leis universais. Tal como a descoberta das leis do mundo natural nos permite controlar e prever os acontecimentos à nossa volta, também desvendar as leis que governam a sociedade humana nos pode ajudar a configurar o nosso destino e a melhorar o bem-estar da humanidade. Comte acreditava que a sociedade se submete a leis invariá- veis, de um modo muito semelhante ao que sucede no mundo físico. Comte via a Sociologia como uma ciência positi- va. Acreditava que a disciplina devia aplicar ao estu- do da sociedade os mesmos métodos científicos e rigorosos que a Física ou a Química usam para estu- dar o mundo físico. O positivismo defende que a ciência deve preocupar-se apenas com factos obser- O Q U E E A S O C I O L O G I A ? 25 váveis que ressaltam directamente da experiência. Com base em cuidadosas observações sensoriais, podemos inferir as leis que explicam a relação exis- tente entre os fenómenos observados. Compreenden- do o relacionamento causal entre acontecimentos, os cientistas podem então prever o modo como futuros acontecimentos poderão ocorrer. A abordagem positi- vista da Sociologia acredita na produção de conheci- mento acerca da sociedade com base em provas empíricas retiradas da observação, da comparação e da experimentação. A lei dos três estádios de Comte postula que as tentativas humanas para compreender o mundo pas- saram pelos estádios teológico, metafísico e positivo. No estádio teológico, as ideias religiosas e a crença que a sociedade era uma expressão da vontade de Deus eram o guia do pensamento. No estádio metafí- sico, que se afirmou pela época do Renascimento, a sociedade começou a ser vista em termos naturais, e não sobrenaturais. O estádio positivo, desencadeado pelas descobertas e feitos de Copérnico, Galileu e Newton, encorajou a aplicação de técnicas científicas ao mundo social. Comte, ao adoptar esta última pers- pectiva, considerava a Sociologia como a última das ciências a desenvolver-se - depois da Física, da Quí- mica e da Biologia embora também a mais impor- tante e complexa das ciências. Já na fase final da sua carreira, Comte concebeu planos ambiciosos para a reconstrução da sociedade francesa em particular e das sociedades humanas em geral, com base nos seus pontos de vista sociológi- cos. Reclamou a fundação de uma «religião da huma- nidade», que deveria abandonar a fé e o dogma em favor de um fundamento científico. A Sociologia estaria no centro desta nova religião. Comte estava perfeitamente consciente do estado da sociedade em que vivia: estava preocupado com as desigualdades que a industrialização produzia e a ameaça que elas constituíam para a coesão social. A solução a longo prazo, de acordo com a sua perspectiva, consistia na produção de um consenso moral que ajudaria a regu- lar, ou unir, a sociedade, apesar dos novos padrões de desigualdade. Embora o caminho de Comte para a reconstrução da sociedade nunca se tivesse concreti- zado, a sua contribuição para a sistematização e uni- ficação da ciência da sociedade foi importante para a posterior profissionalização da Sociologia enquanto disciplinaacadémica. E m i l e D u r k h e i m A obra de outro autor francês, Émile Durkheim (1858-1917), teve um impacto mais duradouro na Sociologia moderna do que a obra de Comte. Embo- ra se apoiasse em determinados aspectos da obra de Comte, Durkheim pensava que muitas das ideias do seu predecessor eram demasiado especulativas e vagas, e que Comte não realizara com sucesso o seu programa - dar à Sociologia um carácter científico. Durkheim via a Sociologia como uma nova ciência que podia ser usada para elucidar questões filosóficas tradicionais, examinando-as de modo empírico. Dur- kheim, como anteriormente Comte, acreditava que devemos estudar a vida social com a mesma objecti- vidade com que cientistas estudam o mundo natural. O seu famoso princípio básico da Sociologia era «estudar os factos sociais como coisas». Queria com isso dizer que a vida social podia ser analisada com o mesmo rigor com que se analisam objectos ou fenó- menos da natureza. A obra de Durkheim abrange um vasto espectro de tópicos. Três dos principais temas que abordou foram: a importância da Sociologia enquanto ciência Émile Durkheim (1958-1917) O QUE E A S O C I O L O G I A ? 9 empírica; a emergência do indivíduo e a formação de uma ordem social; e as origens e carácter da autori- dade moral na sociedade. Encontraremos as ideias de Durkheim repetidas vezes nas nossas discussões teó* ricas acerca da religião, do desvio e do crime, do tra- balho e da vida económica. Para o autor, a principal preocupação intelectual da Sociologia reside no estudo dos factos sociais. Em vez de aplicar métodos sociológicos ao estudo de indivíduos, os sociólogos deviam antes analisar fac* tos sociais - aspectos da vida social que determinam a nossa acção enquanto indivíduos, tais como o esta- do da economia ou a influência da religião. Dur- kheim acreditava que as sociedades tinham uma rea- lidade própria - ou seja, a sociedade não se resume às simples acções e interesses dos seus membros indivi- duais. De acordo com o autor, factos sociais são for- mas de agir, pensar ou sentir que são externas aos indivíduos, tendo uma realidade própria exterior à vida e percepções das pessoas individualmente. Outra característica dos factos sociais é exercerem um poder coercivo sobre os indivíduos. No entanto, a natureza constrangedora dos factos sociais raramente é reconhecida pelas pessoas como algo coercivo, pois de uma forma geral actuam de livre vontade de acor- do com os factos sociais, acreditando que estão a agir segundo aç suas opções. Na verdade, afirma Dur- kheim, frequentemente as pessoas seguem simples* mente padrões que são comuns na sociedade onde se inserem. Os factos sociais podem condicionar a acção humana de variadas formas, que vão do casti- go puro e simples (no caso de um crime, por exem- plo) a um simples mal-entendido (no caso do uso incorrecto da linguagem). Durkheim reconhecia que os factos sociais são difíceis de estudar. Os factos sociais não podem ser observados de forma directa, dado serem invisíveis e intangíveis. Pelo contrário, as suas propriedades só podem ser reveladas indirectamente, através da aná- lise dos seus efeitos ou tendo em consideração tenta- tivas feitas para as expressar, como leis, textos reli- giosos ou regras de conduta estabelecidas. Durkheim sublinhava a importância de pôr de lado os precon- ceitos e a ideologia ao estudar factos sociais. Uma atitude científica exige uma mente aberta à evidência dos sentidos e liberta de ideias preconcebidas prove- nientes do exterior. O autor defendia que os conceitos científicos apenas podiam ser gerados pela prática científica. Desafiou os sociólogos a estudar as coisas tal como elas são e a construir novos conceitos que reflectissem a verdadeira natureza das coisas sociais. Tal como os outros fundadores da Sociologia, Durkheim estava preocupado com as mudanças que transformavam a sociedade do seu tempo. Estava particularmente interessado na solidariedade social e moral - por outras palavras, naquilo que mantém a sociedade unida e impede a sua queda no caos. A soli- dariedade é mantida quando os indivíduos se inte- gram com sucesso em grupos sociais e se regem por um conjunto de valores e costumes partilhados. Na sua primeira grande obra, A Divisão Social do Traba- lho (1893), Durkheim expôs uma análise da mudan- ça social, defendendo que o advento da era industrial representava a emergência de um novo tipo de soli* dariedade. Ao desenvolver este argumento, o autor contrastou dois tipos de solidariedade - mecânica e orgânica relacionando-os com a divisão do traba- lho e o aumento de distinções entre ocupações dife- rentes. Segundo Durkheim, as culturas tradicionais com um nível reduzido de divisão do trabalho caracteri- zam-se pela solidariedade mecânica. Em virtude da maior parte dos membros da sociedade estar envolvi- da em ocupações similares, eles estão unidos em tomo de uma experiência comum e de crenças parti- lhadas. A força destas últimas é de natureza repressi- va - a comunidade castiga prontamente quem quer que ponha em causa os modos de vida convencionais. Desta forma resta pouco espaço para dissidências individuais. A solidariedade mecânica baseia-se, por conseguinte, no consenso e na similaridade das cren- ças. No entanto, as forças da industrialização e da urbanização conduziram a uma maior divisão do tra* balho, o que contribuiu para o colapso desta forma de solidariedade. A especialização de tarefas e a cada vez maior diferenciação social nas sociedades desen- volvidas haveria de conduzir a uma nova ordem caracterizada pela solidariedade orgânica, defendia Durkheim. Este tipo de sociedades estão unidas pelos laços da interdependência económica entre as pes* soas e pelo reconhecimento da importância da contri- buição dos outros. À medida que a divisão do traba- lho aumenta, as pessoas tornam-se cada vez mais dependentes umas das outras, dado que cada uma necessita dos bens e serviços que só outras pessoas com ocupações diferentes podem fornecer. Relações •10 O O U E É A S O C I O L O G I A ? O estudo de Durkheim sobre o suicídio Um dos estudos clássicos da Sociologia que expio* ra a relação entre o individuo e a sociedade é a análise de Durkheim sobre o suicídio (Durkheim, 1952; originalmente publicado em 1897). Embora o s seres humanos se vejam a si próprios como Indiví- duos livres na sua vontade e opções, o s s e u s com- portamentos s á o muitas vezes padronizados e determinados pelo mundo social. O estudo de Dur- kheim demonstrou que mesmo um acto tão pessoal como o suicídio é influenciado pelo mundo social. Tinha havido anteriormente pesquisas sobre o suicídio, mas Durkheim foi o primeiro autor a insistir numa explicação sociológica para o fenómeno As obras anteriores tinham reconhecido a influência de factores sociais no suicídio, embora destacando factores como a raça, o clima ou perturbações merv tais, para explicar a probabilidade de alguém come* ter suicídio. Contudo, segundo Durkheim, o suicídio era um facto social que apenas podia ser explicado por outros factos sociais. O suicídio era algo mais do que um simples conjunto de actos individuais - era um fenómeno com características padroniza- das. Ao examinar registos oficiais sobre o suicídio em França, Durkheim descobriu que determinadas categorias de p e s s o a s eram mais propensas a cometer suicídio do que outras. Descobriu, por exemplo, que se verificavam mais suicídios entre os homens do que entre a s mulheres, mais entre os protestantes do que entre os católicos, mais entre o s ricos do que entre o s pobres, e mais entre os solteiros do que entre o s casados. Durkheim percebeu também que a s taxas de suicídio tendiam a ser menores durante épocas de guerra e mais elevadas em alturas de mudança económica ou de instabilidade. Estes a d i a d o s levaram Durkheim a concluir que existem forças sociais externas ao indivíduo que influenciam as taxas de suicídio. O autor relacionou a sua explicação com a ideia de solidariedade social e com dois tipos de laços nasociedade - a integração social e a regulação social. Durkheim acreditava que a s pessoas que estavam solidamen- te integradas em grupos sociais, e cujos desejos e aspirações se regiam pelas normas sociais, tinham uma menor probabilidade de s e suicidar. Identificou quatro tipos de suicídio, em função da presença ou ausência da integração e da regulação Os suicídios egoístas caracterizam-se por uma fraca integração na sociedade e ocorrem quando o indivíduo es tá sozinhor ou quando os laços que o prendem a um grupo estão enfraquecidos ou que- brados. As baixas taxas de suicídio entre o s católi- cos, por exemplo, podem explicar-se pela sua forte de reciprocidade económica e de mútua dependência gião, são destruídos em larga medida pelo desenvoU vêm substituir as crenças partilhadas na função de vimento social moderno, o que deixa em muitos indi- criar um consenso social. víduos das sociedades modernas um sentimento de No entanto, os processos de mudança no mundo ausência de sentido na sua vida quotidiana, moderno são de tal maneira rápidos e intensos que Um dos estudos mais famosos de Durkheim (ver dão origem a problemas sociais importantes. Podem caixa de texto) dizia respeito à análise do suicídio, ter efeitos dissolventes sobre os estilos de vida tradi- O suicídio parece ser uma acção puramente pessoa], cionais, a moral, as crenças religiosas e os padrões do o resultado de uma infelicidade pessoal extrema, quotidiano, sem no entanto fornecerem novos valores O autor mostrou, contudo, que factores sociais exer- de forma evidente. Durkheim relacionou este contex- cem uma influência fundamental no comportamento to conturbado com a anomia , um sentimento de suicidário - sendo a anomia uma dessas influências, ausência de objectivos ou de desespero provocado As taxas de suicídio mostram padrões regulares de pela vida social moderna. Os padrões e meios de con- ano para ano, e esses padrões devem ser explicados trolo tradicionais, fornecidos anteriormente pela reli- sociologicamente. O Q U E E A S O C I O L O G I A ? 11 noção de comunidade social, enquanto que a líber* dade moral e pessoal dos protestantes significa que «estão sozinhos» perante Deus. O casamento iun- ciona como uma protecção em relação ao suicídio, ao integrar o indivíduo num relacionamento social estável, ao contrário das pessoas solteiras, que per- manecem mais isoladas no seio da sociedade. A menor taxa de suicídios em tempo de guerra, segundo Durkheim, pode ser vista como um sinal de uma maior integração social. O suicídio anómico é causado por uma ausência de regulação social. Para Durkheim, tal reportava* -se à s condições sociais de anomia, quando a s p e s s o a s se vêem «sem normas» em contextos de mudança súbita ou de Instabilidade na sociedade. A perda de um ponto de referência fixo no que diz respeito à s normas e desejos - como sucede em tempos de convulsões económicas ou de conflitos pessoais como o divórcio - pode perturbar o equilí- brio entre a realidade da vida das pessoas e o s s e u s desejos. O suicídio altruísta tem lugar quando um indiví- duo se encontra «excessivamente integrado» - os vínculos sociais são demasiado fortes - e valoriza mais a sociedade do que a si próprio. Neste caso, o suicídio trànsforrna-se numa espécie de sacrifício por um «bem maior». Os pilotos kamikase japone- s e s ou o s «bombistas suicidas» islâmicos são exem- plos de suicidas altruístas. Para Durkheim, este tipo de suicídio é característico das sociedades tradicio- nais, onde prevalece a solidariedade mecânica. O último tipo de suicídio é o suicídio fatalista. Embora para Durkheim este tipo de suicídio fosse pouco relevante na sociedade contemporânea, o autor acreditava que este s e verificava quando um indivíduo e m excessivamente regulado peta socie- dade. A opressão do indivíduo traduz-se num senti- mento de impotência perante o destino ou a socie- dade. Embora variem de sociedade para sociedade, a s taxas de suicídio apresentam padrões reguladores em cada sociedade ao longo dos anos. Para Dur- kheim, tal provava que existem forças sociais con- sistentes que influenciam o comportamento suícidá» rio. Uma análise das taxas de suicídio revela até que ponto podem ser identificados padrões sociais gerais em acções individuais. Desde a publicação de O Suicídio* foram levan- tadas muitas objecções a es te estudo de Dur- kheim, especialmente acerca da sua utilização nas estatísticas oficiais, da sua rejeição de influências de carácter não-social sobre o suicídio, e da sua insistência em classificar em conjunto todos o s tipos de suicídio. De qualquer maneira, esta obra continua a ser um estudo clássico e a sua asserção fundamental permanece válida: mesmo um acto tão pessoal como o suicídio exige uma explicação sociológica. K a r l M a r x As ideias de Karl Marx (1881-83) contrastam radi- calmente com as de Comte e Durkheim, embora, tal como eles, também Marx tenha tentado explicar as mudanças que ocorriam na época da Revolução Industrial. As actividades políticas de Marx, quando jovem, tiveram como consequência um conflito com as autoridades alemãs; após uma breve estadia em França, fixou-se, para sempre, no exílio na Grã-Bre- tanha. Marx assistiu ao aumento do número de fábri- cas e da produção industrial, bem como às desigual- dade daí resultantes. O seu interesse pelo movimento operário europeu e pelas ideias socialistas reflectiu- -se na sua obra, que abrange uma grande diversidade de assuntos. A maior parte dos seus escritos centra-se em questões económicas, mas, como sempre teve como preocupação relacionar os problemas económi- cos com as instituições sociais, a sua obra era, e é, rica em reflexões sociológicas. Mesmo os seus críti- cos mais implacáveis consideram a sua obra de importância para o desenvolvimento da Sociologia. Capitalismo e luta de classes Embora escrevesse acerca de várias fases da história, Marx concentrou-se na mudança nos tempos moder- nos. Para ele, as mudanças mais importantes estavam 12 O Q U E E A S O C I O L O G I A ? ligadas ao desenvolvimento do capitalismo - um sis- tema de produção que contrasta de forma radical com sistemas económicos historicamente anteriores, implicando a produção de bens e serviços para serem vendidos a uma grande massa de consumidores. O autor identificou dois elementos cruciais nas empresas capitalistas. O primeiro é o capital - qual- quer activo, incluindo dinheiro, máquinas, ou mesmo fábricas, que possa ser usado ou investido para reali- zar futuros bens. A acumulação do capital está inti- mamente ligada ao segundo elemento, o trabalho assalariado - por tal entende-se o conjunto de traba- lhadores que não detém a propriedade dos meios de produção, mas que tem de procurar emprego, forne- cido pelos que detêm o capital. Marx acreditava que aqueles que detêm o capital, ou capitalistas, consti- tuem uma classe dominante, enquanto a grande massa da população constitui uma classe de trabalha- dores assalariados, ou classe operária. A medida que a industrialização se propagou, um grande número de camponeses, que anteriormente subsistiam do traba- lho agrícola, mudou-se para as cidades em expansão, ajudando a formar uma classe operária industrial urbana. Esta classe de trabalhadores é também apeli- dada de proletariado. Segundo Marx, o capitalismo é inerentemente um sistema de classes, sendo as relações entre as classes caracterizadas pelo conflito. Embora os proprietários do capital e os trabalhadores dependam uns dos outros - os capitalistas necessitam da mão-de-obra e os trabalhadores necessitam dos salários - a depen- dência é extremamente desequilibrada. O relaciona- mento entre as classes assenta na exploração, na medida em que os trabalhadores têm pouco ou nenhum controlo sobre o seu trabalho e os patrões têm a possibilidade de gerar lucro apropriando-se do produto do esforço dos trabalhadores. Marx acredita- va que o conflito de classes em torno dos recursos económicos se iria acentuar com a passagem do tempo. Mudança social: a concepçãomaterialista da história A perspectiva de Marx assentava no que denominava concepção materialista da história. De acordo com esta perspectiva, não se encontram nas ideias ou nos valores humanos as principais fontes de mudança social. Pelo contrário, a mudança social é promovida acima de tudo por factores económicos. Os conflitos entre classes fornecem a motivação para os desenvol- vimentos históricos - eles são o «motor da história». Nas palavras de Marx, «toda a história humana é, até à data, a história da luta de classes». Embora o autor centrasse a maior parte da sua atenção no capitalismo e na sociedade moderna, analisou igualmente a forma como as sociedades se desenvolveram ao longo da história. Segundo Marx, os sistemas sociais transitam de um modo de produção para outro - às vezes de forma gradual, outras vezes por via de uma revolução - em resultado das contradições dos seus sistemas económicos. O autor delineou uma progressão por etapas históricas, com início nas sociedades comu- nistas dos caçadores-recolectores > passando pelos sis- temas esclavagistas antigos e pelos sistemas feudais baseados na distinção entre senhores das terras e ser- vos. A emergência de comerciantes e artesãos marcou o início de uma classe comercial ou capitalista que acabou por substituir a nobreza fundiária. De acordo com esta perspectiva da história, Marx defendeu que tal como os capitalistas se haviam unido para derru- O Q U E E A S O C I O L O G I A ? 13 bar a ordem feudal, também os capitalistas seriam suplantados e uma nova ordem instalada. Marx acreditava na inevitabilidade de uma revolu- ção da classe trabalhadora que derrubaria o sistema capitalista e abriria portas a uma nova sociedade onde não existissem classes - sem grandes divisões entre ricos e pobres. Marx não queria dizer que todas as desigualdades entre os indivíduos iriam desaparecer, mas que as sociedades não mais iriam ser divididas entre uma pequena classe que monopoliza o poder político e económico, por um lado, e, do outro, uma grande massa de indivíduos que pouco benefício reti* ram da riqueza gerada pelo seu trabalho. O sistema económico assentaria na posse comum, sendo estabe- lecida uma forma de sociedade mais justa do que a que conhecemos hoje. Marx acreditava que na socie- dade do futuro a produção seria mais evoluída e efi- caz do que na sociedade capitalista. A obra de Marx teve um efeito de enorme relance no mundo do século XX. Até muito recentemente, mais de um terço da população humana vivia em paí- ses cujos governos reivindicavam ser inspirados pelas ideias de Marx, como a União Soviética e os países da Europa de Leste. Max Weber (1864-192C) M a x W e b e r Tal como Marx, Max Weber (1864-1920) não pode ser simplesmente rotulado como sociólogo; os seus interesses e preocupações abrangem muitas áreas. Nascido na Alemanha, onde passou a maior parte da sua carreira académica, Weber era um indivíduo de grande erudição. As suas obras cobrem os campos da Economia, do Direito, da Filosofia e da História Comparada, bem como da Sociologia. Grande parte da sua obra dava também particular atenção ao desenvolvimento do capitalismo moderno e à forma como a sociedade moderna era diferente de outros tipos anteriores de organização social. Através de um conjunto de estudos empíricos, Weber explicitou algumas das características básicas das sociedades industriais modernas e identificou debates sociológi» cos fundamentais, que ainda hoje permanecem cen- trais para os sociólogos. Tal como outros pensadores do seu tempo, Weber tentou compreender a natureza e as causas da mudan- ça social. Foi influenciado por Marx, mas mostrou-se também muito crítico em relação a alguns dos princi- pais pontos de vista de Marx. Weber rejeitou a con- cepção materialista da história e deu ao conflito de classes um significado menor do que Marx. Na pers- pectiva de Weber, os factores económicos eram importantes, mas as ideias e os valores tinham o mesmo impacto sobre a mudança social. Ao contrário dos primeiros pensadores sociológicos, Weber defen- deu que a Sociologia devia centrar-se na acção social, e não nas estruturas. Argumentava que as ideias e as motivações humanas eram as forças que estavam por detrás da mudança - as ideias, valores e crenças tinham o poder de originar transformações. Segundo o autor, os indivíduos têm a capacidade de agir livremente e configurar o futuro. Ao contrário de Durkheim ou Marx, Weber não acreditava que as estruturas existiam externamente aos indivíduos ou que eram independentes destes. Pelo contrário, as estruturas da sociedade eram formadas por uma com- plexa rede de acções recíprocas. A tarefa da Sociolo* gia era procurar entender o sentido por detrás destas acções. Algumas das obras mais importantes de Weber preocuparam-se com a análise das características 14 O Q U E É A S O C I O L O G I A ? Uma fundadora esquecida Embora Comte, Durkheim, Marx e Weber sejam, sem dúvida alguma, as figuras fundadoras da Sociologia, existem outros pensadores importantes do mesmo período histórico cuja contribuição deve também ser tomada em conta. A Sociologia, como muitas outras áreas académicas, nem sempre teve a postura ideal de reconhecer a importância de cada um dos autores cu|a obra tenha um mérito intrínseco. No período «clássico» do fim do século XIX e princípios do século XX, muito poucas mulheres ou membros de minorias étnicas tiveram a possibilidade d e s e tornarem sociólogos profis- sionais á tempo inteiro. Além disso, os poucos que tiveram a possibilidade de conduzir pesquisas sociológicas d e importância maior foram muitas vezes esquecidos pelo meia Gente como Harriet Martâneau merece a atenção dos sociólogos con- temporâneos. Harriet Martineau (1802-1876) próprias da sociedade Ocidental, em comparação com as outras grandes civilizações. Estudou as reli- giões da China, índia e Próximo Oriente, e no decor- rer dessas pesquisas fez grandes contribuições para a Sociologia da religião. Comparando os principais sis- temas religiosos da China e índia com os do Ociden- te, Weber concluiu que alguns aspectos das crenças cristãs influenciaram grandemente o aparecimento do capitalismo. Este não emergira, como Marx acredita- va, apenas graças às mudanças económicas. Segundo Weber, os valores e as ideias culturais contribuem para moldar a sociedade e as nossas acções indivi- duais. Um elemento importante da perspectiva sociológi- ca de Weber era a ideia de tipo ideal - modelos con- ceptuais ou analíticos que podem ser usados para compreender o mundo. Na vida real, é raro existirem, se é que existem, tipos ideais - muitas vezes existem apenas algumas das suas características. Estas cons- truções hipotéticas podem, no entanto, revelar-se muito úteis, na medida em que se pode compreender qualquer situação do mundo real através da sua com- paração com um tipo ideal. Desta forma, os tipos ideais servem como pontos de referência fixos. É importante sublinhar que por tipo «ideal» Weber não entendia que essa concepção fosse algo de per- feito ou desejável, sendo antes uma forma «pura» de determinado fenómeno. Weber utilizou os tipos ideais nas suas obras sobre a burocracia e o mercado. Racionalização Segundo Weber, a emergência da sociedade moderna foi acompanhada por importantes mudanças ao nível dos padrões de acção social. O autor acreditava que as pessoas estavam a afastar-se das crenças tradicio- nais baseadas na superstição, na religião, no costume e em hábitos enraizados. Em vez disso, os indivíduos envolviam-se cada vez mais em cálculos racionais e instrumentais que tinham em consideração a eficiên- cia e as consequências futuras. Na sociedade indus- trial, havia pouco espaço para os sentimentos e para fazer certas coisas só porque sempre tinham sido fei- tas assim desde há muitas gerações. O desenvolvi- O O U E E A S O C I O L O G I A ? 15 Harriet Martineau Harriet Martineau (1802-1876) foi já chamada a «primeira mulher socióloga», mas, tal como Marx ou Weber, não pode ser vista apenas como uma socióloga.Ela nasceu e cresceu em Inglaterra, tendo escrito mais de cinquenta livros, bem como numerosos ensaios. Martineau é hoje considerada como tendo introduzido a Sociologia na Grã-Breta- nha, por via da sua tradução da Filosofia Positiva de Comte, tratado fundador da disciplina (Rossi, 1973). Além disso, Martineau conduziu um estudo siste- mático em primeira mão sobre a sociedade ameri- cana no decurso das suas extensas viagens pelo interior dos Estados Unidos da América, na década de 30 do século XIX, das quais resultou o seu livro A Sociedade na América. A autora tem importância para os sociólogos de hoje em dia por diversas razões. Em primeiro lugar, defendia que quando alguém estuda uma sociedade deve centrar-se em todos o s s e u s aspectos, incluindo a s principais ins- tituições politicas, religiosas ou sociais. Em segun- do lugar, insistia em que a análise de uma socieda- de deve incluir a vida das mulheres. Em terceiro, foi a primeira a olhar de uma forma sociológica para assuntos anteriormente ignorados, como o casa- mento, a s crianças, a vida pessoal e religiosa, e a s relações raciais. Como escreveu a autora, «o quar- to das crianças, o s aposentos femininos, e a cozi- nha são escolas excelentes, onde podemos ficar a conhecer a moral e o s modos de uma povo» (Mar* tineau, 1962, p. 53). Por último, a autora defendia que os sociólogos não devem limitar-se apenas a observar, mas devem igualmente agir em prol de uma sociedade. Consequentemente, Martineau foi uma figura activa tanto na defesa dos direitos das mulheres como na luta pela emancipação dos escravos. mento da ciência, da tecnologia moderna e da buro- cracia foi colectivamente descrito por Weber como racionalização - a organização da vida económica e social segundo princípios de eficiência e tendo por base o conhecimento técnico. Se nas sociedades tra- dicionais a religião e os hábitos enraizados definiam os valores e as atitudes das pessoas, a sociedade moderna caracterizava-se pela racionalização de cada vez mais campos, da política à religião, passando pela actividade económica. De acordo com o autor, a Revolução Industrial e a emergência do capitalismo eram provas de uma ten- dência maior no sentido da racionalização. O capita- lismo não era dominado pelo conflito de classes, como Marx defendia, mas pelo avanço da ciência e da burocracia - organizações de grande dimensão. Para Weber, o carácter científico era um dos traços mais característicos do Ocidente. A burocracia, o único modo de organizar eficientemente um grande número de pessoas, expandiu-se com o crescimento económico e político. O autor utilizou o termo desen» caruamento para descrever a forma pela qual o pen- samento científico no mundo moderno fez desapare- cer as forças sentimentais do passado. Weber não era, no entanto, totalmente optimista em relação às consequências da racionalização. Temia uma sociedade moderna que fosse um sistema que, ao tentar regular todas as esferas da vida social, destruísse o espírito humano. Receava, em particular, os efeitos potencialmente sufocantes e desumanizan- tes da burocracia e as suas implicações no destino da democracia. A agenda do Iluminismo do século XVIII, da promoção do progresso, da riqueza e da felicidade através da rejeição da tradição e da supers- tição em favor da ciência e da tecnologia, produz os seus próprios perigos. Olhares sociológicos mais recentes Os primeiros sociólogos partilhavam o desejo de con- ferir sentido à sociedade em mudança em que viviam. Todavia, queriam fazer algo mais do que limitar-se a descrever e interpretar os acontecimentos momentâ- neos do seu tempo. Mais importante do que isso, pro- 16 O Q U E É A S O C I O L O G I A ? curavam desenvolver formas de estudar o mundo social que pudessem explicar o funcionamento das sociedades em geral e a natureza da mudança social. No entanto, como já pudemos observar, Durkheim, Marx e Weber utilizaram abordagens muito diferen- tes entre si nos estudos do mundo social. Por exem- plo, enquanto Durkheim e Marx se centraram no poder de forças externas aos indivíduos, Weber adop* tou como ponto de partida a capacidade que os indi- víduos têm de agir de forma criativa sobre o mundo exterior. Enquanto Marx apontava a predominância das questões económicas, Weber tomou em conside* ração um leque muito mais vasto de factores que con- siderou significantes. Tais diferenças de abordagem têm continuado a veríficar-se ao longo da história da Sociologia. Mesmo quando os sociólogos estão de acordo em relação ao objecto da análise, esta é con- duzida muitas vezes a partir de perspectivas teóricas diferentes. Três de entre as mais importantes correntes teóricas recentes: o funcionalismo, a perspectiva do conflito, e o interaccionismo simbólico, estão directamente rela- cionadas com Durkheim, Marx e Weber, respectiva- mente (ver figura 1.1). Ao longo da presente (Ara irão encontrar-se discussões e ideias que derivam destas abordagens teóricas e lhes servem de ilustração. Auguste Comíe (1798-1857) Kart Marx {1816-1803) t Êmfte Duricheim (1858*1917) Max Weber (1884-1920) George Herbert Mead (1863-1931) t T Funcionalismo Marxismo Interaccionismo dmbóBco As linhas contínuas indicam uma influência directa» as s linhas a tracejado uma relação indirecta. Mead não é discí- « pulo de Weber, ainda que as posições deste último autor - ? sublinhando a natureza intencional e significativa da acção ti humana - tenham afinidades com os temas estudados peto f Interaccionismo Simbólico. í Figura 1.1 Abordagens teóricas da Sociologia F u n c i o n a l i s m o O funcionalismo defende que a sociedade é um sis- tema complexo cujas partes se conjugam para garan- tir estabilidade e solidariedade. Segundo esta pers- pectiva, a Sociologia, enquanto disciplina, deve investigar o relacionamento das partes da sociedade entre si e para com a sociedade enquanto um todo. Podemos analisar as crenças religiosas e costumes de uma sociedade, por exemplo, ilustrando a forma como se relacionam com outras instituições, pois as diferentes partes de uma sociedade estão intimamen- te relacionadas entre si. Estudar a função de uma instituição ou prática social é analisar a contribuição dessa instituição ou prática para a continuidade da sociedade. Os funcio- nalistas, incluindo Comte ou Duricheim, usaram mui- tas vezes uma analogia orgânica para comparar a actividade da sociedade com a de um organismo vivo. Defendem que, à imagem dos vários compo- nentes do corpo humano, as partes da sociedade con- jogam-se em benefício da sociedade enquanto um todo. Para estudar um órgão humano como o coração é necessário demonstrar a forma como se relaciona com outras partes do corpo. Ao bombear sangue pelo corpo inteiro, o coração desempenha um papel vital na perpetuação da vida no organismo. Da mesma forma, analisar a função de um item social significa demonstrar o papel que desempenha na perpetuação da existência e prosperidade de uma sociedade. O funcionalismo enfatiza a importância do con- senso moral na manutenção da ordem e da estabili- dade na sociedade. O consenso moral verifica-se quando a maior parte das pessoas de uma sociedade partilham os mesmos valores. Os funcionalistas con- cebem a ordem e o equilíbrio como o estado normal da sociedade * este equilíbrio social assenta na exis* tência de um consenso moral entre os membros da sociedade. Por exemplo, Durkheim acreditava que a religião reitera a adesão das pessoas a valores sociais nucleares, pelo que contribui para a solidez da coesão social. Durante um longo período, o pensamento funcio- nalista foi provavelmente a principal corrente teórica da Sociologia, em particular nos Estados Unidos da América. Tanto Talcott Parsons como Robert Merton, considerados dois dos seus aderentes mais proemi- nentes, inspiraram-se muito na obra de Durkheim. O Q U E E A S O C I O L O G I A ? 17 Nos últimos anos a sua popularidade começou a decrescer, à medida que as suas limitações vieram ao de cima. Uma crítica feita recorrentementeao fun- cionalismo é a de que este realça excessivamente o papel de factores que conduzem à coesão social, em detrimento de factores que produzem conflito e divi- são. Aênfase na estabilidade e na ordem significa que as divisões ou as desigualdades - com base em facto- res como a classe social, a raça ou o género - são minimizadas. O funcionalismo confere também uma ênfase menor ao papel da acção social criativa na sociedade. Para muitos críticos, este tipo de análise atribui às sociedades atributos que estas não pos- suem. Os funcionalistas faiaram muitas vezes das sociedades como se estas tivessem «necessidades» e «objectivos», apesar de estes conceitos só fazerem sentido quando aplicados aos seres humanos. P e r s p e c t i v a d o C o n f l i t o Ta) como os funcionalistas, os sociólogos que adop- taram as teorias de conflito sublinham a importância das estruturas na sociedade. Defendem também um «modelo» abrangente para explicar a forma como a sociedade funciona. Os teóricos do conflito rejeitam, no entanto, a ênfase que os funcionalistas dão ao con- senso. Pelo contrário, preferem sublinhar a importân- cia das divisões na sociedade. Ao fazê-lo, centram a análise em questões de poder, na desigualdade e na luta. Tendem a ver a sociedade como algo que é com- posto por diferentes grupos que lutam pelos seus pró- prios interesses. A existência desta diferença de inte- resses significa que o potencial para o conflito está sempre presente e que determinados grupos irão tirar mais benefício do que outros. Os teóricos do conflito analisam as tensões existentes entre grupos dominan- tes e desfavorecidos da sociedade, procurando com- preender como se estabelecem e perpetuam as rela- ções de controlo. Os pontos de vista de muitos teóricos do conflito remontam aos escritos de Marx, cuja obra enfatizava o conflito de classes, muito embora outros sejam igualmente influenciados por Weber. Um bom exem- plo disto é o sociólogo alemão contemporâneo Raif Dahrendorf (1929 - ). No clássico Class and Class Conflict in Industrial Society (1959), Dahrendorf defende que os pensadores funcionalistas só tomam em consideração uma parte da sociedade - aqueles aspectos da vida social onde existe harmonia e con- cordância. Mas tão ou mais importantes são os cam- pos que se caracterizam pelo conflito e pela divisão. De acordo com Dahrendorf, o conflito surge princi- palmente do facto de os indivíduos e grupos terem diferentes interesses. Marx concebia as diferenças de interesses sobretudo em função das classes, mas Dah- rendorf relaciona-as de uma forma mais vasta com a autoridade e o poder. Em todas as sociedades há uma separação de interesses entre aqueles que detêm auto- ridade e aqueles que estão em grande medida excluí- dos dela, uma separação entre governantes e gover- nados, portanto. P e r s p e c t i v a s d a a c ç ã o social Se o funcionalismo e a perspectiva do conflito colo- cam a tónica nas estruturas que sustentam a socieda- de e influenciam o comportamento humano, as teo- rias da acção social dão uma atenção muito maior ao papel desempenhado pela acção e pela interacção dos membros da sociedade na formação dessas estrutu- ras. Aqui, o papel da Sociologia é visto como sendo mais o da procura do significado da acção e da inte- racção social, do que o da explicação das forças externas aos indivíduos que os compelem a agir da forma que agem. Se o funcionalismo e as perspecti- vas do conflito desenvolvem modelos relativos ao modo de funcionamento global da sociedade, as teo- rias da acção social centram-se na análise da maneira como os actores sociais se comportam uns com os outros e para com a sociedade. Weber é frequentemente apontado como um dos primeiros defensores das perspectivas da acção social. Embora reconhecendo a existência de estrutu- ras sociais - como as classes, os partidos, os grupos de prestígio, entre outras Weber afirmava que essas estruturas eram criadas pelas acções sociais dos indi- víduos. Esta posição foi desenvolvida de uma forma mais sistemática pelo interaccionismo simbólico, uma corrente de pensamento que se tomou particu- larmente importante nos Estados Unidos da América. O interaccionismo simbólico foi apenas influenciado de forma indirecta por Weber. As suas origens mais directas residem na obra do filósofo americano G. H. Mead (1863-1931). 18 O Q U E É A S O C I O L O G I A ? hUcraccionism o simbólico O interaccionismo simbólico nasce de uma preocu- pação com a linguagem e o sentido. Mead defendia que a linguagem permite tornarmo-nos seres auto- conscientes - cientes da nossa própria individualida- de e capazes de nos vermos a partir de fora, como os outros nos vêem. Neste processo o elemento-chave reside no símbolo. Um símbolo é algo que represen- ta algo. Por exemplo, as palavras que usamos para aludir a determinados objectos são, na verdade, sím- bolos que representam o que queremos transmitir. A palavra «colher» é o símbolo que usamos para des- crever o utensílio a que recorremos para comer sopa. Gestos não-verbais ou outras formas de comunicação são também exemplos de símbolos. Acenar a alguém ou fazer um gesto grosseiro tem um valor simbólico. Mead defendia que os seres humanos dependem de símbolos partilhados e entendimentos comuns nas suas interacções uns com os outros. Dado os seres humanos viverem num universo altamente simbólico, praticamente todas as interacções entre os indivíduos implicam um fluxo de símbolos. O interaccionismo simbólico dirige a nossa aten- ção para os detalhes da interacção interpessoal, e para a forma como esses detalhes são usados para conferir sentido ao que os outros dizem e fazem. Os sociólo- gos influenciados por esta corrente teórica centram muitas vezes a sua atenção na interacção face-a-face e nos contextos da vida quotidiana, realçando a importância do papel dessas interacções na criação da sociedade e das suas instituições. Muito embora a perspectiva interaccionista simbó- lica possa incluir muitas reflexões em torno da natu- reza das nossas acções na vida social quotidiana, já foi criticada por ignorar questões mais amplas rela- cionadas com o poder e a estrutura na sociedade e a forma como ambos servem para constranger a acção individual. Conclusão Como já vimos, a Sociologia engloba uma variedade de perspectivas teóricas. Por vezes a discordância entre as diferentes posições teóricas é bastante exten- sa, mas esta diversidade é um sinal da força e vitali- dade da disciplina, e não uma fraqueza. Todos os sociólogos concordam que a Sociologia é uma disciplina em que nós pomos de lado os nossos próprios modos de ver o mundo, para observarmos cuidadosamente as influências que dão forma às nos- sas vidas e às dos outros. A Sociologia emergiu, como um esforço intelectual distinto, com o desenvolvi- mento das sociedades modernas, e o estudo desse tipo de sociedades permanece a sua principal preocupação. Mas os sociólogos estão igualmente interessados num leque mais vasto de assuntos acerca da natureza da interacção social e das sociedades humanas em geral. A Sociologia não é apenas um campo intelectual abstracto, mas algo que pode ter implicações práticas importantes na vida das pessoas. Aprender a tornar- mo-nos sociólogos não devia ser um esforço acadé- mico aborrecido. A melhor maneira de nos assegurar- mos que tal não acontece é abordar a disciplina de uma forma imaginativa e relacionar ideias e conclu- sões com situações da nossa própria vida. Uma maneira de fazermos isso é tornarmo-nos conscientes das diferenças entre os modos de vida que nós nas sociedades modernas consideramos como normais e os dos outros grupos humanos. Embora os seres humanos tenham muito em comum, existem muitas variações entre diferentes sociedades e cultu- ras. Veremos algumas dessas semelhanças e diferen- ças no capítulo seguinte, «Cultura e Sociedade». 1 Pode definir-se a Sociologia como sendo o estudo sistemático das sociedades humanas, dando ênfase especial aos sistemas modernos, industrializados. 2 A prática da Sociologiaimplica a capacidade para pensar de forma imaginativa e nos distanciarmos de ideias preconcebidas acerca da vida social. 3 A Sociologia é uma disciplina com grandes implicações práticas. Pode contribuir de várias formas para a critica social e para a aplicação de reformas sociais. Para começar, uma melhor compreensão de um determinado conjunto de circunstân- cias sociais oferece-nos muitas vezes a possibilidade de o controlar. Ao mesmo O QUE E A S O C I O L O G I A ? 19 tempo, a Sociologia fornece os meios para melhorarmos a nossa sensibilidade cultural, criando condições para que as políticas se baseiem numa consciência de valores culturais diferentes. Em termos práticos, podemos investigar as conse- quências da adopção de determinadas linhas de orientação política. Por último, e talvez o mais importante, a Sociologia permite auto-conhecimento, oferecendo aos grupos e aos indivíduos mais oportunidades para alterar as condições em que decorrem as suas próprias vidas. 4 A Sociologia surgiu como uma tentativa para compreender as mudanças radicais que ocorreram nas sociedades humanas durante os últimos dois ou três séculos. As mudanças em causa não foram apenas mudanças em grande escala, mas tam- bém transformações nas características mais pessoais e íntimas da vida das pes- soas. 5 Entre os fundadores clássicos da Sociologia, quatro figuras são particularmente importantes: Auguste Comte, Karl Marx, Émile Durkheim e Max Weber. Comte e Marx, que trabalharam em meados do século XIX, estabeleceram algumas das questões essenciais da Sociologia, mais tarde desenvolvidas por Durkheim e Weber. Estas questões dizem respeito à natureza da Sociologia e ao impacto das mudanças resultantes da modernização no mundo social. 6 Há diversas abordagens teóricas em Sociologia. Se as discussões teóricas são difí- ceis de solucionar mesmo no caso das ciências naturais, em Sociologia estamos perante dificuldades acrescidas, dados os problemas complexos que envolvidos quando se trata de estudar o nosso próprio comportamento. 7 O funcionalismo, a perspectiva do conflito e o interaccionismo simbólico consti- tuem as principais abordagens teóricas na Sociologia. Existem algumas diferen- ças básicas entre elas, diferenças que muito influenciaram o desenvolvimento da disciplina durante o período que se seguiu ao pós-guerra.
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