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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ECONOMIA, ADMINISTRAÇÃO E CONTABILIDADE O NASCER DO AUDITOR PROFISSIONAL UMA ANÁLISE DA HISTÓRIA DA AUDITORIA E A IMPORTÂNCIA DA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL DAVI MELAMED GEMIO N° USP: 9813563 SÃO PAULO 2019 2 DAVI MELAMED GEMIO O NASCER DO AUDITOR PROFISSIONAL: UMA ANÁLISE DA HISTÓRIA DA AUDITORIA E A IMPORTÂNCIA DA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL Monografia entregue ao Curso de Ciências Contábeis da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo. Área de concentração: Auditoria Orientador: Prof. Edgard Bruno Cornacchione Junior 3 Dedico este trabalho: - a minha família, que sempre me apoiou em todos os momentos da minha vida; - a meus colegas na universidade com quem dividi ótimos momentos. 4 5 “The study of the history of a subject will often illuminate its present condition” - A. H. Millichamp 6 O NASCER DO AUDITOR PROFISSIONAL: UMA ANÁLISE DA HISTÓRIA DA AUDITORIA E A IMPORTÂNCIA DA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL Resumo: A auditoria sofreu um desenvolvimento vertiginoso entre os séculos XVIII e XX na Inglaterra, resultando em sua transformação no que conhecemos hoje quando ouve-se da atividade. O seguinte trabalho objetiva detalhar a história da profissão através de análise bibliográfica e, posteriormente, descrever e justificar a importância da Primeira Revolução Industrial para o desenvolvimento da atividade auditorial. Pretende-se elaborar uma conclusão que relacione as mudanças econômicas durante esse período histórico e a legislação tributária característica inglesa, que, vagarosamente, com o passar do tempo, desencadearam mudanças técnicas no processo auditorial realizado pelos profissionais das empresas, após uma análise das práticas de auditoria durante o período entre os séculos XVIII e XX e relacionando-as com uma análise do período da Revolução Industrial. Palavras-chave: história da auditoria, Revolução Industrial, contabilidade 7 Abstract: The auditing process has suffered a great development between The XVIII and XXI centuries in England, resulting in its transformation in what we know today when heard about the activity. The following work has the objective to detail the history of the profession through bibliographical analysis and, posteriorly, describe the importance of the First Industrial Revolution to the auditing activity’s development. It is intended to elaborate a conclusion that relate the economic changes during this historical period and the peculiar tax legislation, which slowly, as time passed, unleashed technical changes in the auditing process done by the professionals, after an analysis of the audit practices during the XVIII and XX centuries and relating them with an analysis of the industrial Revolution period. Key Words: history of auditing, Industrial revolution, Accounting 8 SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO………………………………………………………………………....…..…10 a. Objetivos…………………………………………………………………………………….…11 1. Objetivos Gerais…………………………………………………………………....….….11 2. Objetivos Específicos……………………………………………………………………..11 b. Justificativa…………………………………………………………………………………….12 2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA……………………………………………………………..12 3. PROCESSOS METODOLÓGICOS………………………………………………………...…12 a. Leitura de bibliografia e coleta de dados………………………………….………………...…12 b. Análise das Mudanças nos Métodos Auditoriais……………………...……………………….13 c. Análise da Importância da Revolução Industrial...…………………………………………….13 d. Redação...……………………………………………………………………………………....13 e. Revisão...…………………………………………………………………………………….....13 4. A HISTÓRIA DA CONTABILIDADE……………………………….....………………….....14 a. A Contabilidade na Antiguidade………………………………………....………………….....14 b. A Contabilidade na Idade Média e Moderna, até a Revolução Industrial…………………......15 5. A HISTÓRIA DA AUDITORIA, ATÉ A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL…............................17 6. O TRABALHO DO AUDITOR DA INGLATERRA NO SÉC. XIX........................................19 7. O IMPACTO DA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL NA ECONOMIA BRITÂNICA E NA AUDITORIA…………………………………………………………………………..................22 8. CONCLUSÃO………………………………………………………………………................23 9. BIBLIOGRAFIA…………………………………………………………………....................24 9 1. INTRODUÇÃO A partir do momento em que surgiu a noção de propriedade privada, nos primórdios da civilização, existe a contabilidade para registrar o direito da posse. Acredita-se até que a contabilidade seja tão antiga quanto o próprio homo sapiens, tendo sua origem datada por historiadores de ter ocorrido em 20000 a.C., período cujo sistema econômico baseado na subsistência dependia da contagem e do controle de recursos para a distribuição entre os indivíduos das comunidades. Com o passar do tempo, a complexidade das relações intersociais e da organização humana, assim como as transações econômicas foi aumentando, exigindo um certo controle e verificação dos registros contábeis, dando início à atividade da auditoria. No entanto, a profissão não é tão recente quanto acredita-se. Há registros de sua prática por subordinados do imperador persa, datados por volta de 500 a.C., que tinham a função de fiscalizar as ações dos governantes das províncias do antigo Império Persa, além da coleta de impostos. Durante o curso da História, a atividade auditorial desempenhou papel importante não só no Império Persa, mas também no Romano, onde os imperadores nomeavam funcionários para desempenhar função semelhante à desempenhada pelos persas, assim como na França, por volta do século XII. Porém, o termo “auditor”, proveniente do latim audire, que significa ouvir, foi somente utilizado pelo rei inglês Eduardo I, durante o século XIII. Foi em território inglês, entretanto seis séculos depois, em meio a Primeira Revolução Industrial, que a profissão do auditor mais desenvolveu-se. Em meio ao fervoroso cenário econômico da Inglaterra mercantilista, com o crescimento das companhias e da circulação de capital, além de uma legislação tributária infrequente na época para as empresas, a auditoria passou por um processo de ampliação e aprimoração jamais visto anteriormente. Cardoso e Rodante (2007), destaca que, a partir do momento da Revolução Industrial, a existência de um mercado de capitais e a expansão dos mercados, de modo que os interesses de outros agentes econômicos além do empresário passaram a adquirir importância, exigiam a apresentação de demonstrações contábeis relevantes e fidedignas com a realidade da companhia, e com isso a inerente necessidade de verificação de tais demonstrações. Deste modo, a auditoria foi sendo moldada na atividade que atualmente conhecemos, as mudanças provenientes das novas exigências provenientes da expansão econômica inglesa surtiram efeito na profissão de modo que seu uso propagou-se e a qualidade e abrangência de sua aplicação evoluíram consideravelmente. Desde então, a atividade disseminou-se ao redor do globo, primeiramente pela Europa, acompanhando o crescimento econômico e industrial das empresas dos países desse continente, além da expansão do mercado de ações, seguido pelos Estados Unidos da América, local cujo a profissão também desenvolveu-se consideravelmente,principalmente após a crise de 1929. Os eventos ocorridos no ano de 1929 que resultaram na quebra da bolsa de valores de Nova Iorque, impactaram profundamente no modo que praticava-se tanto a contabilidade quanto a auditoria. A partir de 1930, foram criadas normas para as empresas de capital aberto, entre elas 10 uma que tornava obrigatória a verificação de suas demonstrações por uma auditoria independente, expandindo a atuação do profissional. Embora a atividade auditorial em território brasileiro esteja datada desde antes da Revolução Industrial, a partir da colonização do país pelos portugueses, com profissionais que registravam e verificavam a produção e exportação de bens para a metrópole, é incorreto afirmar que o impacto do desenvolvimento da profissão na Inglaterra não afetou diretamente sua atividade no Brasil. A administração de empresas, principalmente das ferroviárias de origem inglesa, passaram a seguir o padrão de administração predominante na Inglaterra, acarretando na modelação da atividade como ela é praticada hoje em dia e em uma maior popularização dos métodos auditoriais em território brasileiro. Para atingir um entendimento maior sobre o tópico proposto, precisamos não só entender a origem da atividade auditorial, mas também temos que passar brevemente sobre a história da contabilidade em si, que será abordada inicialmente neste trabalho, de modo a ilustrar a evolução das civilizações humanas e como a necessidade por contabilidade sempre existiu, assim como a mesma evoluiu, permitindo o surgimento da auditoria e sua transformação no que conhecemos hoje da atividade. a. Objetivos: Este trabalho possui objetivos gerais e específicos, sendo eles: 1. Objetivos gerais: Delinear a história da auditoria, passando pela história da contabilidade, uma vez que ambas as atividades estão diretamente conectadas uma a outra, explicando a origem de ambas as profissões, e também explicando a importância das transformações econômicas ocorridas durante o período da Revolução Industrial para a Auditoria na inglaterra. 2. Objetivos específicos: Os objetivos específicos do trabalho de pesquisa podem ser resumidos em duas questões: i - Como surgiu a auditoria como a conhecemos atualmente? ii - Como as transformações econômicas ocorridas na Revolução Industrial impactaram a atividade da auditoria? 11 b. Justificativa: Como o tema, mais especificamente, o aprofundamento da questão da evolução técnica da auditoria durante o período da Primeira Revolução Industrial, possui poucas referências, é válido que esse trabalho seja realizado, adicionando à literatura existente. Ademais, sendo um ofício essencial para o funcionamento das empresas, até da própria economia como um todo, é útil a retomada da história da profissão, apontando seu objetivo primeiro ao surgir e as mudanças sofridas com o passar do tempo. Matthews (2006) afirma que pouco estuda-se no campo da auditoria sobre as transformações técnicas propriamente ditas que a profissão sofreu durante sua existência, especialmente o período da Revolução Industrial na Grã-Bretanha, entre os séculos XIX e XX. Tendo os pontos supracitados acima em vista, a monografia desenvolvida torna-se um instrumento para compreendermos melhor as origens da profissão e talvez conjecturar seu futuro. 2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA O referencial teórico utilizado para a realização dessa pesquisa baseia-se principalmente na publicação de Matthews (2006) e uma pesquisa publicada também pelo autor em parceria com o ICAEW (Instituto de Contadores Públicos da Inglaterra e do País de Gales), em , que descreve as mudanças técnicas no processo auditorial entre os séculos XVIII e XIX. As informações sobre as transformações quanto a auditoria durante a época descrita pela publicação tornará possível uma análise do impacto causado pela Primeira Revolução Industrial na atividade da profissão. É realizada, em Matthews (2006), uma análise de demonstrações econômicas de empresas inglesas divulgadas durante os séculos XVIII e XX, assim como entrevistas com profissionais atuantes na área no período estudado, manifestando seu parecer sobre as mudanças socioeconômicas e de sua área de atuação, evidenciando as modificações ocorridas no método auditorial. Com a utilização dessa bibliografia, seguida de uma leitura da Revolução Industrial, será possível compreender exatamente como que esse momento histórico e as mudanças econômicas vindas com ele impactaram o desenvolvimento da atividade auditorial. 3. PROCESSOS METODOLÓGICOS A abordagem adotada no trabalho é a qualitativa, e os passos seguidos para a realização da pesquisa serão os descritos abaixo: a. Leitura de bibliografia e coleta de dados O procedimento de coleta de dados principal do trabalho é bibliográfico, que são tanto livros teóricos sobre a história da contabilidade e da auditoria propriamente ditas, assim como a 12 história da própria humanidade, projetos da ICAEW e um livro publicado por Derek Matthews, em 2006, referente a tal pesquisa do instituto britânico, retratando as diferenças nos métodos auditoriais durante os séculos XVIII e XX na Grã-Bretanha. b. Análise das Mudanças nos Métodos Auditoriais Para esta etapa, será utilizada principalmente Matthews (2006), que descreve o objeto de análise, assim como a pesquisa da ICAEW em conjunto com Matthews (2006) também, citada anteriormente. c. Análise da Importância da Revolução Industrial Nesta etapa, serão utilizadas principalmente Crafts (1985) e Crump (2010), como referenciais teóricos, por tratarem-se de pesquisadores renomados sobre tal período histórico. d. Redação A redação da pesquisa levará não só em conta as análises realizadas descritas acima, mas também uma descrição breve da origem da contabilidade e, em seguida, da história da auditoria, até o período da Revolução Industrial, para que possamos ter um embasamento sobre como exatamente que as áreas de conhecimento descritas acima tomaram a forma que tinham na época citada, de modo a ficar mais claro seu desenvolvimento durante tal período. Na conclusão é esperado que fique clara a inter relação entre entre as mudanças econômicas ocorridas durante a Revolução Industrial e seu impacto nas empresas da época na Inglaterra durante os séculos XVIII e XX e o desenvolvimento impetuoso da auditoria durante tal período histórico. e. Revisão 13 CRONOGRAMA JAN FEV MAR ABR MAI JUN JUL AGO SET OUT NOV DEZ a. b. c. d. e. 4. A HISTÓRIA DA CONTABILIDADE a. A Contabilidade na Antiguidade A Contabilidade é tão antiga quanto a existência humana, segundo Cardoso e Rodante (2007). Na gruta de D’Aurignac, na França, foram encontrados registros pré-históricos de pinturas rupestres que mostram a capacidade do hominídeo primitivo de registrar os fatos relacionados a sua própria atividade de busca de provisão, resquícios do que hoje chamamos de registros contábeis. Campos (1998) cita as diferentes atividades praticadas pelos humanos pré-históricos como a caça, a pesca e a coleta de frutos, ovos,moluscos e mel, com a necessidade frequente de armazenamento das matérias coletadas para utilização posterior. Em conjunto, havia a necessidade de manter o controle das quantidades de alimento estocadas, para medir a necessidade de busca de tais bens, nas sociedades que viviam sob o sistema de economia de subsistência. Com o advento da agricultura e a sedentarização das comunidades a acumulação de insumo tornou-se cada vez mais frequente e imperativa para o sucesso e continuidade das mesmas. Engels (1884) explica que o cultivo de plantas e a criação de animais fez com que o humano adotasse novas estruturas socioeconômicas, assim como, consequentemente, novas formas de governo também. Lentamente, os conjuntos de poucas casas metamorfosearam-se em cidades muito mais populosas do que as que havia anteriormente. Lopes de Sá (1999) explica que da mesma maneira que as sociedades evoluíram e tornaram-se mais complexas, em conjunto com a o aumento da quantidade e da variedade de insumos produzidos e armazenados, os próprios registros contábeis inevitavelmente adaptaram-se à sua nova realidade com cada transformação, com o surgimento da necessidade de alguma forma de registro, representada pela escrita, assim como novos recursos para a mensuração contábil e novas técnicas de contagem. 14 A partir do momento em que formaram-se civilizações, segundo Cardoso e Rodante (2007), surgiram meios de assegurar e proteger “os direitos do homem, tanto de natureza jurídica quanto econômica”. Na região da Mesopotâmia, já havia leis para tal, assim como evidências de registros contábeis baseada na escrita. Os povos mesopotâmicos utilizavam-se de escrita cuneiforme em placas de argila para registrar eventos contábeis, como entregas, inventário ou transações econômicas. Rede (2007) explica como o sistema teocêntrico favoreceu o acúmulo de territórios, insumos e riquezas por parte dos templos, acarretando em uma grande concentração de poder pelo mesmo, favorecendo também o desenvolvimento de técnicas avançadas de contabilidade, uma vez que o trabalho de registrar contabilmente esses bens era função dos sacerdotes e escribas dos santuários, treinados desde seu início em técnicas baseadas na aritmética e sua aplicação em situações rotineiras. Assim como na antiga Mesopotâmia, o dever de registrar contabilmente as movimentações de insumos produzidos no antigo Egito era dever dos escribas, subordinados ao faraó em um governo teocrático, de acordo com Klein (1954). Os egípcios utilizavam-se, além da escrita hieroglífica (e posteriormente a hierática), de papiro, uma espécie de papel, e cálamo, que era o instrumento de escrita, facilitando o registro e o controle das operações financeiras ocorridas. Segundo Cardoso e Rodante (2007), na Índia, 2300 anos atrás, já utilizavam-se normas e registros contábeis avançados, por conta de um elevado nível de produtividade agrícola, assim como uma organização social elevada frente o restante das civilizações da época. Por volta dessa época que surgiu a obra Artaxastra, do sábio Kautilya, onde há estudos ligados a tópicos contábeis, como a separação do lucro operacional e não operacional e elaboração de impostos por parte do governo, relata Olivelle (2013). Além disso, a comercialização com civilizações do Ocidente e o grande volume de transações financeiras geradas por tal forneceu ambiente propício para o desenvolvimento da contabilidade na região. Nas sociedades da Antiguidade Ocidental, discutia-se questões contábeis, evidenciado na obra “A República”, de Aristóteles, que refletia sobre o valor monetário das mercadorias, e também havia noção da diferenciação entre os patrimônios público e privado, com a utilização de métodos contábeis inspirados nos utilizados pelos egípcios, segundo Cardoso e Rodante (2007). A contabilidade era essencial para a administração da pólis grega, com a confrontação entre despesas e receitas estatais, com apuração de saldo final, posteriormente divulgadas em pedras de mármore para visualização da população em geral, explica Lopes de Sá (1999), pertinentes e simbólicas para a democracia grega da antiguidade. Os contadores públicos eram formados em colégios especializados em contabilidade, e realizavam tais funções a serviço do Estado, entre elas o pagamento de salário a funcionários públicos e a elaboração de demonstrativos contábeis e administrativos. b. A Contabilidade na Idade Média e Moderna, até a Revolução Industrial Após o período que marcou a crise da capital romana, as sociedades passaram por um processo de ruralização, segundo Cardoso e Rodante (2007), onde grandes latifúndios foram 15 formados, junto a reinados, iniciando o período conhecido como medieval. Huberman (2010) afirma que nessa época, quem era detentor de grandes quantidades de dinheiro o mantia parado, pois não havia como gerar a movimentação da moeda, meios de investimento, e todos os bens para a subsistência dos feudos era neles mesmos produzida, tornando o capital da época estático e a existência de moeda irrelevante. Com o fim da chamada Alta Era Medieval, em torno do século X, Klein (1954) descreve como o corpo social vigente sofreu bruscas transformações, de modo a acomodar uma nova classe que despontava: a burguesia. A grande intensificação da quantidade de transações financeiras e monetárias geradas pelo advento do comércio na Europa causaram um ressurgimento da importância da Contabilidade, com, como afirma Cardoso e Rodante (2007), “o reaparecimento da moeda, a atividade creditícia e a entrada em circulação de letras de câmbio, realçando as atividades bancárias”. Durante esse período de grande prosperidade econômica, conhecido como a Baixa Idade Média (entre os séculos XI e XV) que a Contabilidade passou de um instrumento isolado de informações simples que os comerciantes utilizavam, para um instrumento de gerenciamento de negócios, segundo Hansen (2001). O autor também afirma que durante o século XIII surgiram os primeiros registros da utilização do método de partidas dobradas, na Itália, método qual Luca Pacioli é creditado como propagador, por conta de sua obra Tractatus de Computis et Scripturis. Hansen (2001) descreve o período entre 1494 e 1800, que encerra-se com o início da Revolução Industrial, como “A Era da Falsa Estagnação da Contabilidade”, em seu artigo para a revista Pensar Contábil, por conta de uma crença no fato de que a contabilidade não desenvolveu-se durante esse período como anteriormente visto, no entanto, foi um período, descrito por ele, como de consolidação de muitas descobertas e técnicas desenvolvidas anteriormente, como o Método das Partidas Dobradas. Um grande advento do período, que surgiu após a criação da Companhia das Índias Orientais, em 1602, foi um mecanismo que antecede o que conhecemos atualmente como dividendos de ações e a divulgação dos resultados, utilizados pela companhia para conseguir arrecadar recursos para a realização de novos empreendimentos marítimos. A companhia divulgava os resultados obtidos após cada empreendimento e, com o auxílio de umsistema de contabilidade complexo para o apuramento dos resultados sobre participações de seus diversos investidores. No entanto, se para a Contabilidade o período foi de consolidação, Hansen (2001) argumenta que o avanço nas artes e nas ciências contemporizaram a Revolução Industrial que vinha em seguida, com diversas inovações tecnológicas que eventualmente foram aplicadas na produção de bens, assim como de alimentos. Não se sabe ao certo a data que deu início ao período, mas Crafts (1985) explica que um aumento da produtividade de alimentos na Inglaterra, em conjunto com um período de prosperidade econômica, favoreceram o crescimento populacional e consequentemente o aumento da demanda por alimentos e bens de consumos. Como resultado também, as fazendas e fábricas aumentaram de tamanho, necessitando de mais recursos financeiros, logo houve o surgimento dos bancos para suprir a demanda por capital. A partir de então, a Contabilidade passou a ser reconhecida como ciência (a Ciência Contábil). Cardoso e Rodante (2007) afirma que desde a primeira metade do século XIX, após a publicação da obra La Contabilitá Applicatta alle Amministrazioni Private e Publiche, por Fabio 16 Besta, grande teórico espanhol, estudiosos passaram a formular doutrinas que regessem as transações contábeis e desde então, a Contabilidade têm evoluído até o como a conhecemos hoje, ainda em constante transformação. 5. A HISTÓRIA DA AUDITORIA, ATÉ A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL A palavra Auditoria tem sua origem do latim audire, que significa escutar, ouvir, enquanto em inglês o verbo to audit exprime o significado de examinar, ajustar. Crepaldi (2002), define auditoria como: De forma bastante simples, pode-se definir auditoria como o levantamento, estudo e avaliação sistemática das transações, procedimentos, operações, rotinas e das demonstrações financeiras de uma entidade. (CREPALDI, 2002). Desde a existência da contabilidade a atividade da auditoria existe, e suas competências e atribuições foram evoluindo conforme a atividade contábil evoluiu, embora formalmente a profissão tenha surgido na Inglaterra, no século XIX. Sá (1999) evidencia que há registros arqueológicos da prática sendo feita 4500 anos antes de Cristo, entre a família real Urukagina e o templo sacerdotal sumeriano. Cardoso e Rodante (2007), afirmam que Dario I, imperador persa que governou entre os anos 521 e 486 a.C., idealizador e responsável por uma grande reorganização e reforma estrutural e legislativa do Império Persa, criou a função de “olhos e ouvidos do rei”, que eram funcionários responsáveis por vigiar a ação dos governadores das províncias persas, além de, segundo os autores, “garantir o cumprimento das ordens imperiais, fiscalizar a cobrança de impostos e o uso do tesouro real”. Sá (1998) também destaca o uso da atividade durante o Império Romano, onde os imperadores nomeavam funcionários para exercer funções similares às encontradas sob o governo de Dario I na Pérsia antiga, os quais supervisionavam os administradores das províncias romanas e suas operações financeiras, posteriormente reportando verbalmente seus achados ao imperador. Não é surpreendente a origem latina da palavra, considerando a natureza da atividade praticada em território romano. A Idade Média também foi marcada pela presença da auditoria, como um grande exemplo sendo os mici dominici, funcionários a comando do rei Carlos Magno, que reinou durante os anos 768 e 814. Os mici dominici (ou enviados do senhor), eram inspetores das atividades dos condes e marqueses em relação a aplicação da legislação real e a cobrança dos impostos reais, assim como a imposição do juramento de fidelidade e lealdade ao rei, segundo Cardoso e Rodante (2007). Vale ressaltar a similaridade entre as atividades exercidas pelos profissionais da Antiguidade e Idade Média em relação a auditoria: a fiscalização do cunprimento das medidas adotadas pelos legisladores vigentes por seus subordinados responsáveis por territórios do 17 governo. Uma outra similaridade encontrada, que remete ao estado atual da profissão, é a fiscalização específica sobre aspectos financeiros e tributários das atividades dos subordinados dos governantes, como a taxação de impostos e o equilíbrio das contas públicas, além da aplicação correta das diretrizes dos governantes. Sá (1999) relata a utilização do termo “auditor” pelo rei Eduardo I, na Inglaterra, em torno do século XIII. Os profissionais de auditoria do rei eram responsáveis pela verificação das contas públicas, e até mesmo, após o falecimento de sua esposa, a conferência das contas de seu testamento. Os documentos denominados Probatur sobre as Contas, são considerados por muitos historiadores os primeiros relatórios de Auditoria, que para sua realização, era imperativa a contribuição e aprovação pelos auditores nomeados pelo rei. Durante a Idade Média, há diversos registros da atividade auditorial, como relata Cardoso e Rodante (2007): Por toda a Idade Média e após o Renascimento, nas diversas regiões da Europa, surgiram associações profissionais com a missão de executar as funções de Auditoria, como os conselhos londrinos, em 1310; o Tribunal de Contas, em 1640, em Paris; o Collegio dei Raxonati, em 1581, na cidade de Veneza; e a Academia dei Ragionieri, em 1658, nas cidades de Milão e Bolonha (CARDOSO E RODANTE, 2007). Embora os marcos comentados anteriormente, que retratam as origens da profissão da auditoria, segundo Santi (1988), o primeiro auditor propriamente dito possivelmente tratava-se de um guarda-livros, “a serviço de algum mercador italiano” entre os séculos XV e XVI, supõe o autor, que por seu grande conhecimento sobre as regras de escrituração e a mecânica das transações, deixou eventualmente de exercer a função contábil e passou a atuar como um assessor ou consultor para especialistas na área contábil ou até mesmo outros mercadores. Todavia, o cenário de grande prosperidade econômica britânico, citado no capítulo anterior, foi primordial para o desenvolvimento da Auditoria. A Inglaterra, como grande força econômica e marítima, dominadora das rotas comerciais sob o mar e terra de origem da Primeira Revolução Industrial no final do século XVII, onde surgia e prosperavam grandes indústrias de diferentes ramos de produção de bens, além de detentora de uma legislação de tributação sobre o lucro das empresas, foi onde a atividade do auditor mais se desenvolveu. Dentro do contexto da Revolução Industrial, em torno dos séculos XVIII e XIX a necessidade por crédito por parte das empresas assim como a formação do mercado de capitais fez com que surgissem outros agentes econômicos, além dos próprios donos das indústrias. Desse modo, as demonstrações de resultado ganharam relevância para um novo público: os investidores (e futuros investidores), e tendo em vista a valia de tais documentos, para garantir a maior acuracidade o possível, equipes de profissionais com a capacidade técnica e conhecimento 18 contábil passaram a analisar e conferir as demonstraçõesdas empresas, dando origem ao trabalho auditorial moderno como o conhecemos hoje. 6. O TRABALHO DO AUDITOR DA INGLATERRA NO SÉC. XIX Embora a responsabilidade e as incumbências do auditor estivessem muito bem delineadas na época, pouco estuda-se sobre o trabalho efetivamente realizado pelo auditor inglês durante a época da Revolução Industrial, onde surgiu a profissão como a conhecemos atualmente, e as décadas seguintes a seu surgimento, segundo Matthews (2006), em contraste com a grande quantidade de estudos sobre as inovações técnicas em relação a indútria e as grandes transformações socioeconômicas ocorridas em território britânico durante o período. Vale ressaltar também a grande quantidade de processos jurídicos em casos de erros por parte da auditoria ou corrupção dentro das próprias empresas, que são tão antigos quanto a própria profissão, segundo Mitchell (1993), com registros datando desde o século XIX na Inglaterra, que curiosamente não chamaram a atenção dos historiadores da Contabilidade para o tema do trabalho auditor anteriormente ao século XX. Isso pois, insolitamente, o trabalho do auditor inglês exercido no século XIX era o mesmo que o do contador da empresa. A Bookkeeping Audit (ou Auditoria de Escrituração Contábil), descrita por Matthews (2006) em seu artigo publicado em parceria com a ICAEW, é a metodologia com que grande parte dos auditores ingleses operava durante o século XIX, que basicamente se resume em realizar o trabalho de contabilidade das empresas, negligenciando em parte a função central do auditor, de conferir os lançamentos e os saldos finais das contas empresariais, confirmado também pelos livros didáticos de Auditoria da época. Abaixo temos um trecho do livro didático de Auditoria de Pixley (edição de 1881): “In many companies, the duties of the Book-keeper terminate with the preparation of the “Trial Balance”, the manipulation of this document, represented by the drawing up of the Revenue Account and the Balance Sheet, being frequently entrusted to the Auditor, when that official is a Chartered Accountant” (PIXLEY, 1881) Do trecho acima, destaca-se a porção onde o autor confirma serem geralmente confiados ao auditor o trabalho não só de elaborar o Balanço Patrimonial, mas também de fechar as contas de Receitas e Despesas da empresa, mesmo afirmando anteriormente ser dever do “Book-keeper”, o contador. Em outro livro didático, há reportes de casos jurídicos que evidenciam a natureza contábil do trabalho do auditor inglês da época. Dentre os 26 casos de tribunal relacionados a auditoria reportados pelo livro de Dicksee (2010) entre 1897 e 1936, em 19 deles o auditor era o responsável por elaborar as contas finais das empresas. Matthews (2006) cita em seu artigo o caso 19 ocorrido com o London General Bank em 1895, cujo registro do jornal London Times datado do ano contém o parecer do jurado sobre a função do auditor responsável: “Mr Theobold’s duty as auditor was confined to framing the balance sheets” (LONDON TIMES, 7 de Agosto de 1895) Além dos registros no livro didático Dicksee e Pixley, Matthews (2006) cita que diversos artigos da revista the Accountant (revista britânica fundada em 1874), entre os anos 1880 e 1890, indicam o papel do auditor como contador. Chandler e Edwards (1994), em entrevista com um dos associados de uma das maiores companhias de Auditoria de Birmingham do século XIX, comentam que era de dever do auditor elaborar o livro de balanço ele mesmo, e, em algumas instâncias, também escrever o Private Ledger, que corresponde ao livro fiscal oficial da empresa, ilustrando a atuação não condizente com sua função dos auditores da época. Outra evidência da pesquisa conduzida por Matthews (2006), referente a função de contador do auditor inglês, é um questionário aplicado em membros da ICAEW (Instituto de Contadores Públicos da Inglaterra e do País de Gales), é que em torno de dois terços dos respondentes que atuaram na área entre os anos 1920 e 1950 afirmaram realizar o trabalho contábil frequentemente. Nota-se a época de atuação dos entrevistados sendo no século XX, no entanto, segundo o autor, evidências mostram uma estagnação no desenvolvimento das técnicas de Auditoria desde os anos 1860, assim como a função do próprio auditor, até os anos 1960. Além disso, na época de elaboração do estudo, não foram encontrados membros que tivessem atuado em atividades auditoriais no século XIX. Além disso, o autor afirma que grande parte dos entrevistados em seu projeto em conjunto com a ICAEW afirmaram a existência de uma “simbiose entre a Contabilidade e a Auditoria” na época, além de afirmarem que seus clientes enxergavam o papel do auditor como contador conjuntamente. Chandler e Edwards (1994) retomam um outro artigo publicado na revista the Accountant, de 1876, onde seu autor argumenta que era positivo que o auditor realizasse o trabalho contábil de seu cliente desde o início, e em seguida, superintender o restante das contas do balanço, sob a visão da Auditoria. Além dos artigos publicados pela revista the Accountant e os registros em livros didáticos de Auditoria, há também evidências da natureza do trabalho realizado pelos auditores ingleses nas próprias notas dos auditores após o trabalho realizado para as companhias da época. No estudo publicado por Matthews (2006), há um trecho de um relatório de auditoria feito pela companhia Brewis & Rainie’s sobre as demonstrações de uma pequena empresa de papelaria, Andrew Whyte & Son, Limited, referente ao ano de 1901, que segue abaixo: “We have examined the Books of Andrew Whyte & Son, Limited, for the Year ended 30th June, 1901, in connection with the Stock Sheets as certified by the Managing 20 Directors, vouchers, and other instructions, and have prepared the foregoing Balance Sheet and Profit and Loss Account, which exhibit respectively a correct state of the Company’s affairs as at 30th June 1901, and the result of the trading for the period mentioned, as shown by the Books.” (BREWIS & RAINIE’S, 1901) É importante destacar no trecho acima a expressão em negrito, onde é confirmada a atuação dos auditores da Brewis & Rainie’s como realizadores tanto do Balanço Patrimonial da empresa, assim como da demonstração de Receitas e Despesas. Observando as evidências apresentadas pelos autores acima, fica claro que a função do auditor na Inglaterra, principalmente no século XIX, não era somente exercer o desígnio da atividade da Auditoria, mas sim realizar o trabalho de contador da empresa, além de também garantir a acuracidade nas demonstrações financeiras das empresas sob a perspectiva auditorial. Em sua pesquisa, Matthews (2006), mostra diversos outros trechos de entrevistas com ex profissionais de Auditoria que confirma a existência deste chamado “duplo trabalho” realizado pelos auditores da época, sendo tanto advindo de pequenas como grandes empresas. Há perigos perceptíveis quanto a qualidade da verificação financeira quando é realizado esse tipo de trabalhomencionado acima, especialmente quando analisamos sob a ótica do princípio da independência do auditor, base para a imparcialidade e objetividade das conclusões de Auditoria. Como um auditor encontrará erros nos balanços que ele mesmo elaborou, sendo que os fez com a convicção de representar fidedignamente a realidade? Há um trecho da revista the Accountant, do ano de 1921, sobre o caso de fraude do Farrow’s Bank, onde o auditor/contador responsável pela conferência das contas do banco, Gilbert Gansley, é questionado se há alguma objeção sobre o mesmo contador que registrou as transações durante o ano realizar a auditoria da empresa no final do ano, ao qual ele responde: “Yes, there is really. I am perfectly open to admit there are a number of cases where it is done, but it is really objectionable because you cannot audit the same books that you keep yourself” (THE ACCOUNTANT, 9 de Julho de 1921) Embora seja um registro de um período posterior à Primeira Revolução Industrial, como denotado anteriormente, algumas práticas da atividade da Auditoria se mantiveram desde os anos 1860 até os anos 1960, em algumas firmas, segundo Matthews (2006). O caso acima é ilustrativo de muitos outros que aconteceram durante o período abordado por esse trabalho, e elucida os pontos supracitados durante o capítulo: não só que o trabalho de Auditoria era feito em conjunto com o de Contabilidade, mas também as consequências negativas disso. 21 O motivo pelo qual esse “duplo trabalho” ocorria é simples: muitas das empresas formadas durante o século XIX não tinham a mão de obra necessária para realizar tais atividades sozinhos, tanto em relação a especialização, o conhecimento da Contabilidade propriamente dito, como em quantidade, não havia funcionários o suficiente designados para tais tarefas, ou, em alguns casos, havia funcionário nenhum desempenhando tal função, o que levava às firmas de Auditoria realizarem tal serviço para seus clientes. Embora fosse numerosa a quantidade de casos em que isso ocorria, não era por via de regra, como aponta as entrevistas conduzidas por Matthews (2006). Em alguns casos, especialmente envolvendo empresas de maior porte, o trabalho do auditor era “puro”, como o denominavam e em outros casos era contratada uma empresa de auditoria para realizar a apuração das transações e elaborar o Balanço Patrimonial, enquanto outra era contratada posteriormente para realizar a verificação das demonstrações anuais publicadas pela empresa. No entanto, estes casos onde a empresa era estruturada suficientemente para comportar equipes de contadores exclusivamente designadas para o trabalho contábil era raro. O que ocasionou uma grande mudança na estrutura das empresas na época, e consequentemente no trabalho do auditor inglês durante os séculos XIX e XX foi o crescimento intenso crescimento do país durante a Revolução Industrial. 7. O IMPACTO DA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL NA ECONOMIA BRITÂNICA E NA AUDITORIA O crescimento econômico durante a Revolução Industrial, como supracitado anteriormente, foi essencial para o desenvolvimento da atividade auditorial na Inglaterra do século XIX. Com o crescimento das empresas, considerando seu aumento de produtividade e de porte físico, assim como o aumento de receita, que possibilitou todo seu crescimento estrutural, assim como o crescimento da profissão de auditor. Durante o período, houve um crescimento vertiginoso da quantidade de companhias e de seu tamanho, como evidenciado por Crafts (1995). Em seu artigo, o autor pontua que entre 1809 e 1839, havia em território inglês aproximadamente 31 imóveis de companhias dos setores de manufatura, extração de minerais, comércio, finanças ou administração pública não-desembarcados de valor superior a £500.000, enquanto entre os anos de 1840 e 1879, a quantidade desses imóveis aumentou para 157, e posteriormente entre os anos de 1880 e 1919, este número teve um crescimento considerável para 574 imóveis. Crafts (1985) ilustra o crescimento das indústrias em detrimento da economia predominantemente rural britânica do século XVIII, mostrando que em 1800, 40,8% da população masculina inglesa estava empregada em ambiente rural, enquanto 29,5% estava empregada na indústria. Já em 1840, o cenário se inverte: 47,3% está empregada na indústria, enquanto apenas 28,6% estavam empregados no trabalho rural. Matthews (1997) aponta o desenvolvimento das companhias ferroviárias como essencial para o desenvolvimento da economia industrial britânica no século XIX, assim como o desenvolvimento da Auditoria na Inglaterra. Segundo o autor, a demanda pela presença no mercado de ações cresceu intensamente em torno das década de 1850 e 1860, intensificando 22 também a demanda por auditoria. O pesquisador afirma que antes dos anos 1880, cerca de 85% das empresas de capital aberto tinham suas demonstrações auditadas por um contador certificado. Dentro desse contexto vale ressaltar a importância da Lei das Sociedades Anônimas de 1856, ou Joint Stock Companies Bill, em conjunto com a de 1862, que facilitaram a abertura de capital pelas empresas, que na época, aponta Matthews (2006), era majoritariamente composta por ferroviárias, gerando uma grande demanda pelo trabalho de Auditoria e resultando em um boom do mercado de ações da época. Durante esse período, as companhias usualmente contratavam auditores externos para a não só a verificação de seus balanços, mas também para a elaboração de seus demonstrativos financeiros como um todo, como demonstrado anteriormente. O próximo passo para tais companhias, como afirma Jones (1981), foi que, em conjunto com os crescentes lucros das empresas no geral na época, empresários passaram a reduzir custos contratando terceiros para a realização do trabalho contábil e passaram a contratar profissionais certificados em Contabilidade como funcionários das empresas, constituindo áreas ocupadas por contadores, com tal função em mente, permitindo que auditores externos realizassem o trabalho de verificação que é intitulado à profissão. A hipótese de Jones (1981) é confirmada pelos registros encontrados por Matthews (2006) sobre as mudanças na estruturação de algumas companhias inglesas datando no final do século XIX e início do século XX, como a empresa elétrica Ferranti, que em 1889 passou a ter um “contador chefe” e um departamento de Contabilidade. A empresa produtora de vidros Pilkingtons tinha uma área dedicada a Auditoria interna perto dos anos 1910. A Lever Bros e a Courtaulds já haviam nomeado contadores certificados como gerentes de Contabilidade por volta da mesma época. Em resumo, o desenvolvimento econômico das empresas permitiu com que elas tornassem mais complexas, com a criação de áreas especializadas para a realização da apuração dos resultados do exercício, delegando a função da Auditoria para o auditor externo, permitindo que as técnicas da profissão se desenvolvessem assim como o papel do profissional para o mercado, uma vez que a demanda por seu trabalho teria aumentado exponencialmente desde ogrande avanço do mercado de ações inglês. 8. CONCLUSÃO A função do auditor é tão antiga quanto a própria existência da Contabilidade, assim como a existência do próprio homo sapiens. Desde os primórdios da humanidade houve a necessidade de se mensurar os recursos acumulados e , desde que esses recursos passaram a ser relativamente numerosos, surgiu também a necessidade de conferir se a mensuração dos recursos foi realizada corretamente. Porém, Matthews (2006) argumenta que a função do auditor durante o decorrer dos séculos XVIII, XIX e XX passou por transformações derivadas das grandes transformações econômicas que a indústria britânica passou durante a Primeira revolução Industrial. Fato é que a função do auditor profissional, como mostram evidências datadas do século XX, não 23 correspondia com o escopo da função do Auditor, mas sim com um trabalho híbrido entre a elaboração dos demonstrativos financeiros das companhias e a auditoria propriamente dita. Vale ressaltar a grande cultura em torno dessa dupla função do auditor que destacava-se durante o período relatado, com a prática sendo disseminada por grande parte dos profissionais da área, sendo inclusive registrada em livros didáticos, referências na Auditoria. Isso se devia muito ao baixo nível de profissionalismo dos cliente das firmas de Auditoria da época, que não tinham recursos humanos e intelectuais o suficiente para manter organizados seus registros contábeis, de modo que o auditor ficava responsável por tal. A grande importância da Revolução Industrial veio por meio do voluptuoso aumento de recursos circulados durante a época, assim como o grande crescimento do ramo industrial na Inglaterra durante o século XIX, de modo que as empresas passaram a tornarem-se cada vez mais complexas, adotando em suas estruturas áreas responsáveis pela escrituração contábil, permitindo que os auditores pudessem exercer a atividade da Auditoria sem a preocupação e o trabalho de apurar os lançamentos de seus clientes, assim ocasionando em uma das principais mudanças técnicas da história da Auditoria moderna. Matthews (2006) exprime em seu artigo científico o sentimento de que a evolução da área de Auditoria é pouco explorada pelos historiadores contábeis, tendo em conta a reputação de controversa da profissão e os inúmeros casos associando-a com grandes fraudes na esfera corporativa. Tendo isso em vista, vale a pena afirmar que a grande mudança de caráter da profissão durante a Revolução Industrial não apenas ajudou a moldar a área do conhecimento e a profissão para como a conhecemos atualmente, graças ao avanço financeiro das empresas inglesas nos séculos XVIII e XIX e da mudança pontual da legislação britânica em 1856, mas também permitiu que ela se perpetuasse até os dias de hoje. 9. BIBLIOGRAFIA CAMPOS, Raymundo. Estudos de HIstória Antiga e Medieval. São Paulo, Atual, 1988. CARDOSO, Ana Paula (coord). RODANTE, Antonio (coord). Instituto dos Auditores Independentes do Brasil - IBRACON.. Auditoria : registros de uma profissão. São Paulo, IBRACON, 2007. 97 p. 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