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Verão no aquário

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Prévia do material em texto

Verão no aquário 
(Lygia Fagundes Telles) 
O livro começa com um sonho de Raíza com o pai, até o final do livro ela tenta 
desvendar o que ele queria lhe dizer mas não consegue. 
 A lembrança da vida solitária que levara o pai a persegue tal qual o 
distanciamento entre ela e a mãe. Trata a mãe com ironia, e fere aos outros e a si 
mesma com as palavras que profere. 
 Manteve vários relacionamentos e sustenta um sem bases firmes 
simplesmente porque teme a solidão. Diz estar aapixonada pelo seminarista André, 
quem ela acreditar manter um romance com a mãe. A todo custo ela tenta 
conquistá-lo. 
 O que a distancia da mãe é a presença da máquina de escrever. A 
profissão da mãe (escritora) exige um certo isolamento, com o qual Raíza não 
consegue lidar nem aceitar. O desejo de afastar Patrícia (mãe) de André é uma 
forma de vingar-se pelo pai, pois a mãe oferece ajuda ao seminarista enquanto 
negara ao marido. Raíza tem na memória a imagem do pai perdida no sótão, e o 
olhar de repreensão da mãe cada vez que percebia que o marido (pai de raíza) 
havia bebido. 
 Para fugir dos conflitos internos, a moça busca divertir-se em festas com 
bebidas e às vezes com drogas, sempre acompanhada da prima, que é mais 
sucedida que ela no trabalho, porque Raíza quer voltar a tocar piano e lecionar mas 
não consegue. Quando quer se libertar da vida desregrada que levava 
ela consegue, porque para o vício, segundo a prima, é preciso coragem e coragem 
é o que lhe falta para mudar de vida e fazer o que quer. Essa falta de coragem que 
talvez ela busque eliminar por meio da limpeza física. (tem mania com limpeza) 
 Fernando, seu atual amante, diz-lhe que fere os outros (e a si mesma) 
para defender-se do medo que sente. Mas qual seria? O de viver? O de mudar? Ou 
o de aceitar que mesmo quando não queremos as coisas acontecem e nada 
podemos fazer para impedir? (como a morte do pai, a profissão da mãe e o suicídio 
de André) 
 Raíza está aprendendo a sair do aquário e viver no mar, enfrentando as 
dificuldades e lutando pela sobrevivência. O suícidio de André mostra-lhe que nem 
tudo é tão simples quanto parece e o espelho quebrado lhe diz que o passado ficou 
pra trás e não volta mais, e que portanto ela precisa olhar pra frente e tomar uma 
atitude. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Verão no Aquário 
Narrado em primeira pessoa, Verão no aquário traz como protagonista a 
jovem Raíza, cujo nome sugere o enraizamento profundo que a confina, 
atada ao passado através das lembranças vivazes de seu convívio familiar. 
Gestando o caráter da personagem, consta como uma característica 
inerente de sua personalidade a relação conflituosa que ela mantém com a 
mãe, Patrícia, uma escritora reclusa e irreprovável diante da qual Raíza 
busca de todos os modos contracolocar-se. O título do livro é uma espécie 
de figura que condensa em si toda a base sobre a qual a obra se sustenta, 
especialmente por se tratar ele mesmo de uma alegoria, aberta a variadas 
interpretações producentes. 
Esse segundo romance de Lygia Fagundes Telles é eminentemente 
alicerçado por imagens que o compõem, e sua intitulação é um 
comprovante ideal da primorosa construção imagéticaoperada pela 
autora paulista: o verão a que se refere pode dizer respeito à estação do 
ano durante a qual a história se passa, à erupção explosiva e indomável de 
Raíza rumo à fase adulta ou à sensação de abafamento sufocante que 
impera sobre todos; o aquário, por sua vez, alude explicitamente à 
residência dos peixinhos dourados que enfeitam o lar da família 
protagonista, mas também adequa-se como referência ao ambiente restrito 
em que movimentam-se os personagens, condenados a sobreviver dentro 
do ciclo oferecido pela pequena porção de espaço disponível, ao fatal 
reencontro com o próximo e consigo, refletidos na redoma de vidro. 
— Vou pedir à titia que vista uma roupa de fada e me transforme num peixe. 
Deve ser boa a vida de peixe de aquário — murmurei. 
— Deve ser fácil. Aí ficam eles dia e noite, sem se preocupar com nada, há 
sempre alguém para lhes dar de comer, trocar a água… Uma vida fácil, sem 
dúvida. Mas não boa. Não se esqueça de que eles vivem dentro de um palmo 
de água quando há um mar lá adiante. 
— No mar seriam devorados por um peixe maior, mãezinha. 
— Mas pelo menos lutariam. E nesse aquário não há luta, filha. Nesse aquário 
não há vida. 
A alusão não podia ser mais evidente. Estou me despedindo do meu aquário, 
mamãe, estou me preparando para o mar, não percebe? Mas nem você percebe 
isso? (p. 137) 
A construção dos diferentes personagens e cenários funda-se, de fato, 
sobre as prolixas e potentes imagens, tais quais o crepúsculo formado 
por luz e sombra, a flor que pende como um pescoço guilhotinado, o 
matrimônio como uma bolsa de água quente que esfria com o passar do 
tempo, a fonte que invariavelmente seca, a contraposição entre o espelho 
e a janela como contraste entre a autoanálise e a observação do outro, a 
metamorfose da lagarta que, na sede de ser bela, transforma-se em 
borboleta, uma escada que só se pode descer e, naturalmente, o aquário. 
Em torno deste, pairam questões fundamentais ao desenvolvimento da 
trama: quem está dentro de suas águas, que sombras transitam a seu redor, 
qual é o movimento destes dois grupos em relação a ele? 
As respostas também são dadas por imagens, fornecidas pela perspectiva 
de Raíza, narradora que estrutura uma realidade onírica e contrastiva. 
Cerceados pelos vultos ameaçadores de um período político tenso que se 
aproxima, os peixinhos pequeno-burgueses com quem a protagonista 
convive são coagidos a permanecer no aquário, sob o risco de não 
sobreviverem fora d’água. É o caso de Patrícia, a mãe-esfinge que reflete 
e é refletida pela filha, com quem conserva íntimas ligações, ainda que 
ambas sejam rivais tipicamente edipianas; do pai, sempre estrangeiro e 
regularmente alcoolizado; da prima Marfa, amarfanhada pela própria 
rebeldia; de André, o anjo caído, galã santo e problemático, em constante 
flerte com a morte; de Dionísia, a empregada doméstica responsável pela 
manutenção do aquário e pela alimentação dos peixes. Todos os outros 
seres com quem Raíza nada em seus mergulhos são também descritos de 
modo que atesta uma atração inevitável da protagonista pelas imagens 
e por tudo aquilo que seja intermediário, pela perniciosa indecisão de 
quem deseja ser boa enquanto resiste a todo ato de bondade, de quem nega 
a família sem contudo desatar os laços que lhes unem. 
E eis que com dezesseis anos e oito meses apenas, pressenti que viriam outros 
equívocos: a busca, a conquista, a posse rápida e total na ânsia de enraizar o 
amor que de repente não é mais amor, é luxúria, luxúria que de repente não é 
mais luxúria, é farsa. Farsa que é medo, simplesmente medo da solidão mais 
difícil de suportar do que o peso do corpo a se abater sobre o meu. (p. 52) 
O medo da solidão que assola Raíza alimenta seu apego pelo meio-termo, 
bem como sua incapacidade de lidar com o que for pleno, absoluto. A 
protagonista conserva-se apenas no terreno do medíocre, fazendo morada 
no não-lugar que dispensa posicionamentos radicais, poupando-a de 
assumir qualquer parecer que requeira uma decisão definitiva. Por essa 
razão, a moça vive em constante estado de representação, fugindo dos 
mergulhos profundos e também da superfície, como quem entra no mar 
apenas até o nível em que é possível manter os pés em contato com o chão 
de areia. 
Nesse sentido, o aquário configura um confortável simulacro que Raíza se 
nega a abandonar, mesmo ciente da existência do oceano e suas múltiplas 
possibilidades. Na redoma aquática de seu círculo social, a protagonista 
sente-se à vontade, adaptada aos hábitos de seus predadores e cuidadores. 
A atmosfera de calor opressivo causado pelo verão insistente sobre o 
aquário já lhe éconhecida – e até desejada por ela. Conforme o final do 
romance se aproxima, bem como o fim da estação mais quente do ano, 
parece haver também um relaxamento das tensões dos personagens. No 
entanto, como é próprio de Lygia Fagundes Telles, caberá não à narrativa, 
mas ao leitor decidir se o frescor que alivia os ânimos acalorados da trama 
será suficiente para transformar a expectativa de felicidade em 
consumação; neste caso, quem lê só pode deduzir se a filha de Patrícia 
finalmente tomará coragem para nadar com suas próprias barbatanas em 
mar aberto, ou se permanecerá na mediana efervescência de seu aquário. 
 
 
 
Verão no Aquário, de Lygia 
Fagundes Telles 
Publicado em 1963, este é o segundo romance da autora paulista, 
premiado com o Jabuti 
 
Livros são capazes de depor sobre seu tempo e Verão no aquário (1963), de Lygia 
Fagundes Telles (foto abaixo) é um desses. Da turbulenta e insegura década de 1960, 
época de fomento de novos paradigmas socioculturais e políticos, temos neste 
romance a decadência dos valores da família tradicional, a incerteza dos tempos 
vindouros e o desejo de transcendência de uma mulher insegura que emerge para a 
vida adulta. 
A vida no aquário 
Raíza, a protagonista que detém a voz deste romance, está consciente na espiral 
de dias em que elabora planos abstratos fadados à frustração – quer seja 
aproximar-se de Deus ou voltar a tocar piano. Sua personalidade volúvel 
confronta diretamente com a da mãe, Patrícia, uma prolífica e resoluta escritora, 
disciplinada, mas que aos olhos da filha parece alheia ao seu lar - exatamente 
por isso a figura de André chama a atenção de Raíza: o rapaz é um ex-
seminarista e mantém relação indefinida com Patrícia, o que já é bastante para 
inquietar Raíza: quem é este homem que furta a atenção de sua mãe? Raíza 
apaixona-se por André, comiserada pela rejeição, pela rivalidade e pela posse. 
 
“Revolvi papéis e livros da minha mesa. Abri gavetas. Por onde andariam 
meus retratos? Era preciso mostrá-los a André, ele precisava me ver 
menina, nem o inimigo resiste ao retrato da infância. Ele tinha que me 
conhecer com aquela perplexidade, com aquela inconsistência diante do 
futuro escondido dentro de uma máquina fotográfica. Vi um retrato assim 
do meu pai: um menino débil e louro na sua roupa de marinheiro, a mão 
direita pousada na mesinha com uma toalha de franja e um vaso de flores 
em cima, a mão esquerda na cintura, os dedos graciosamente imobilizados 
pelo fotógrafo, “vamos naquela direção!...”. O olhar ainda limpo do rancor 
pela bem-amada que havia de traí-lo um dia, pela mãe falhando no 
momento em que não podia falhar, pelo amigo que não era amigo, por Deus 
que não apareceria para salvá-lo quando ele próprio se erguesse para ferir 
o próximo assim como foi ferido também. Os ídolos ainda estavam inteiros. 
O menino então sorri e nem o inimigo mais feroz resistirá a esse sorriso de 
quem se oferece tão sem defesa”. 
Na solidão de seu quarto, o intenso calor acompanha a crescente angústia - em 
meios aos seus devaneios e à realidade que a está à espera, decide estabelecer 
metas e desanuviar o que lhe parece obscuro - ela tenta alcançar André, cerca-
o, provoca-o, e quanto mais perto está do rapaz, vai se dando conta de que 
aquela proximidade irá atormentá-los tragicamente. Mas até chegar à 
madrugada que mudará a sua vida, terá de confrontar-se com um turbilhão de 
experiências que a marcam indelevelmente – enfrentar as ressacas de bebida e 
drogas, sentir o abandono de um relacionamento amoroso fracassado, as 
lembranças do pai morto, o relacionamento conturbado que mantém com sua 
mãe e as dúvidas que cercam seu amadurecimento. 
Visto de modo amplo, Verão no Aquário nos delineia a maturação desta jovem e 
da sociedade ao seu redor - tempos incertos, os eufóricos anos de 1960 
refletiam-se na inconsistência da vida do homem, mergulhado m seus anseios e 
em suas responsabilidades. Raíza fora em busca de liberdade, ainda que tivesse 
de enfrentar autoindulgências, agonias e tensões; assumiu os riscos que 
acompanham a justificativa de uma existência independente. 
Lygia Fagundes Telles demonstra as agonias e os dilemas do universo feminino, 
numa época em a mulher passava a estar cada vez mais distante da imanência 
da igreja ou da anuência de uma figura masculina para estabelecer sua própria 
identidade. Pelos monólogos interiores e pelo calor dos ambientes abafados, 
adentramos no íntimo de uma jovem insegura sobre sua própria existência, que 
tenta executar planos sem convicção de si, no emaranhado sentimental e 
turbulento de sua juventude; mas, quando forçada a uma experiência-limite, se 
liberta do aquário e está pronta para enfrentar o mar. 
“Seus passos ressoaram frios na poeira da laje e se perderam novamente. 
Em algum vão da igreja alguém tossiu. Abri o lenço para que secasse ao 
calor das velas. Apoiei as costas na parede. E de repente tudo aquilo me 
pareceu já ter acontecido há muito tempo: era como se em outra tarde igual 
eu tivesse estado naquele mesmo lugar, fazendo os mesmos gestos e à 
espera do mesmo milagre enquanto secava nos joelhos o lenço molhado 
de lágrimas. Tudo estava disposto como já estivera antes. O acontecido ia-
se repetir, por experiência eu sabia que nada podia ser mudado e embora 
me doesse a certeza do inevitável, cheguei a sentir um certo alívio porque 
esse desespero era meu conhecido e por conhecê-lo, podia agora suportá-
lo” 
 
 
 
Os 50 anos de “Verão no Aquário” nos 90 
de Lygia Fagundes Telles 
 
 
(uma versão do texto abaixo foi publicada como resenha em A TRIBUNA de Santos, 
em 23 de abril de 2013) 
“__ Somos capazes de ódio, mas não somos capazes de indignação, o que 
é diferente. Deus vai nos vomitar. 
https://armonte.wordpress.com/2013/04/23/raizes-em-aguas-paradas-os-50-anos-de-verao-no-aquario-nos-90-de-lygia-fagundes-telles/
https://armonte.wordpress.com/2013/04/23/raizes-em-aguas-paradas-os-50-anos-de-verao-no-aquario-nos-90-de-lygia-fagundes-telles/
https://armonte.files.wordpress.com/2013/04/12835_gg.jpg
__ Não seja pretensiosa, estaremos em outros vômitos, não nesse, 
compreende?” 
I 
Em meio às comemorações dos 90 anos da grande Lygia Fagundes Telles (nascida 
em 19 de abril de 1923), outro marco a ela relacionado: o meio-século de Verão 
no Aquário, o qual ocupa uma posição ainda desconfortável e problemática: 
postado entre sua impactante estreia, Ciranda de Pedra (1954) — na qual 
exercitava de forma maravilhosa o discurso indireto livre (quando o narrador está 
tão “colado” ao ponto-de-vista do personagem que os discursos de ambos se 
“contaminam”), — e a obra-prima As Meninas (1973) — mais polifônica e 
caleidoscópica —, até pela utilização da convencional narrativa em primeira pessoa 
esse segundo romance poderia ser tomado, no conjunto da obra, como uma 
realização mais tímida, menor. 
Mas eu acredito que essa opção era essencial, pois a narradora, Raíza, se debate 
realmente no “aquário” em que transcorre sua vida, sintetizada e concentrada (com 
maestria) num único verão, especialmente sufocante. Por conseguinte, Ciranda de 
Pedra, Verão no Aquário e As Meninas, formam, a meu ver, uma belíssima trilogia 
(um quarto romance, bem mais tardio, As Horas Nuas, de 1989, também não faz 
feio junto a eles). 
 
https://armonte.files.wordpress.com/2013/04/1289948199_138418824_1-fotos-de-livro-verao-no-aquario-lygia-fagundes-telles-1289948199.jpg
II 
“Minha mãe apertou um pouco os olhos. Como eu amava aquele sorriso de 
Gioconda a insinuar todo um mundo secreto e que jamais seria revelado! 
Para uma escritora famosa, só mesmo um famoso sorriso, não, mãezinha?” 
Devido aos (sempre) inusitados mecanismos da memória, da minha última leitura 
do livro tinha ficado a imagem um tanto limitada de que ele se concentrava 
maciçamente na disputa entre Raíza e a mãe (Patrícia, famosa escritora—os demais 
personagens se referem com certa ironia aos seus livros porque neles sempre há 
umtom “sublime”) pelo amor de um atormentado ex-seminarista, cuja idade o 
aproximaria mais da filha: Raíza deseja André para afrontar a postura “olímpica” da 
mãe e para averiguar se de fato eles são amantes (nunca há uma confirmação 
cabal). 
Não deixa de ser fascinante que Patrícia seja basicamente a personagem mais difícil 
de acreditar, mais irreal e “literária” de Verão no Aquário e, no entanto, também 
a que fica mais fortemente marcada em nossa cabeça. Como Lygia Fagundes Telles 
conseguiu fazê-la não soar postiça? Gastei o bestunto, caro leitor, para tentar 
descobrir como aconteceu essa façanha (personagem inverossímil num relato de 
tão vívido realismo = personagem que rouba o livro), e só posso arriscar a hipótese 
de que, como a vemos pelos olhos de Raíza, pela ótica da sua rivalidade, da sua má 
fé, do seu amor, da sua admiração ressentida, ela mantém seu mistério e cumpre a 
função de ser tanto obstáculo quanto figura de passagem para a heroína: 
“Fiquei sorrindo e pensando em minha mãe. Tão deusa, tão inacessível, as 
vinte mil léguas submarinas longe daquela vulgaridade que se pintava 
diante de mim. E o mesmo triste lado humano na sede de mocidade: o mais 
velho sempre sugando o mais jovem na ânsia de alguns anos de seiva. E 
como ela soubera manejá-lo, com que finura conseguira atraí-lo criando 
uma atmosfera mística de incesto. A sonsa. Mas a mim não iludia da 
mesma forma que a mulher-gata não iludia o espelho: eu era o espelho da 
minha mãe, em mim ela se refletia de corpo inteiro. Senti um calafrio. 
Levantei-me. O suor corria pelo meu pescoço. E se eu fosse um espelho 
deformador de imagens como o espelho louco do parque de diversões?” 
Pois Patrícia é um obstáculo por ser o superego de uma filha que teima em se 
autodestruir, e também por ser uma guardiã do “decoro”. Como um Thomas 
Buddenbrook de saias, Patrícia tenta salvar a dignidade familiar, mesmo com o 
alcoolismo do marido, a alienação da irmã, a loucura do cunhado, os aprontos da 
filha e da sobrinha, além da opressiva e patética presença de André e a decadência 
galopante do patrimônio familiar; enfim, o “aquário”: “ajudai a ela para que os 
que dependem da sua força sejam ajudados também, eu, Marfa, André, tio 
Samuel, tia Graciana, Dionísia… A frágil família. Tinha ainda o aquário com 
os peixes nadando em círculo, amigos e inimigos condenados à mesma 
água…” 
E é uma figura de passagem porque Raíza percebe que não pode se conformar às 
(escassas) opções das mulheres da geração da sua mãe, mesmo que esta seja uma 
figura tão forte, esteio de uma família pusilânime e combalida. Paradoxalmente, é 
ela quem alerta a filha a respeito do simbolismo explorado no título do romance 
(pois, seguindo as implicações do seu nome, a heroína se enraíza demais no 
fetichismo mortuário familiar, com seus objetos embalsamados e decadentes): 
“Encarei-a. Via agora que assim nos tratávamos há anos, variando apenas 
a graduação da ironia que podia chegar até ao sarcasmo. Uma simples 
conversa de rotina, como tantas outras nas quais as estocadas mais ou 
menos profundas eram iniciadas por mim. E ela se defendia ou não se 
defendia, o que era pior ainda. Apenas não notara que no momento eu 
queria a trégua. 
__ Vou pedir à titia que vista uma roupa de fada e me transforme num 
peixe. Deve ser boa a vida de peixe, murmurei. 
__ (…) Não se esqueça de que eles vivem dentro de um palmo de água 
quando há um mar lá adiante. 
__ No mar, seriam devorados por um peixe maior, mãezinha. 
__ Mas pelo menos lutariam. E nesse aquário não há luta, filha. Nesse 
aquário não há vida.”[1] 
https://armonte.wordpress.com/Documents%20and%20Settings/Administrador/Meus%20documentos/VER%C3%83O%20NO%20AQU%C3%81RIO%20(para%20o%20blog).doc#_ftn1
 
III 
“Marfa entrou no meu quarto sobraçando um pacote. Deixou-o na mesa e 
abriu a bolsa. 
__ Trouxe seu cheque. E mais esses três livros para traduzirmos, normas 
de bem viver, compreende? Precisamos decorá-las com urgência (…). 
 Apertei com o polegar a tacha num dos cantos da gravura das rosas. 
Houve um dia em que elas me pareceram feitas de carne. Mas hoje eram 
apenas um punhado de rosas num pote. Cerrei as venezianas para que o 
quarto ficasse mais fresco. Era longo demais aquele verão. Era longa 
demais a vida. Seria bom morrer jovem, os deuses amam os jovens, André 
poderia citar na ocasião. Voltei-me para Marfa. E animei-me com sua 
tristeza.” 
É interessante analisar a dinâmica da relação entre Raíza e sua prima Marfa (filha 
do tio doido, Samuel), a partir de um depoimento (foi publicado no volume dos 
“Cadernos de Literatura Brasileira”, do Instituto Moreira Salles, dedicado à autora 
https://armonte.files.wordpress.com/2013/04/verao_no_aquario.jpg
https://armonte.files.wordpress.com/2013/04/verao_no_aquario_1260663156p.jpg
de Verão no Aquário, em 1998) ao mesmo tempo muito bonito e muito 
esclarecedor de Hilda Hilst sobre a sua amizade com Lygia Fagundes Telles: 
“Todo mundo fez tudo pra criar uma animosidade entre nós. Os nossos 
universos são parecidos, mas se expressam de modos totalmente 
diferentes (…) Eu falo tudo claro. A Lygia se encobre. Quando ela está 
comigo, por exemplo, ela é ela (…) ela teve também uma vida muito mais 
difícil que a minha. O pai dela era um jogador… Foi uma moça com a vida 
difícil. Eu sempre tive dinheiro e tal. Tudo isso é complicado de dizer (…). 
(…) somos muito tristes, o tempo todo. Telefono pra ela e digo assim: Você 
acha normal a mulher que pariu num avião e teve a criança sugada pela 
turbina? (…) A gente tenta falar coisas agradáveis, mas não consegue. Ou 
então a gente faz humor negro pra não ficar muito mal (…). 
 Mas a gente ri muito. Ela diz coisas incríveis. Um dia ligaram pra ela 
dizendo que um conhecido nosso, meio distante, tinha acabado de morrer. 
Eu estava lá. Ela perguntou assim: Mas, me diga uma coisa, ele estava 
bem? Aí o cara disse: Lygia, ele estava morto! Ela tinha distrações assim. 
Mas como ele estava, no caixão, estava bem? Não, ele estava morto. Aí eu 
tinha ataques de riso, porque não era isso que ela queria dizer. Ela queria 
saber se ele estava com uma parecença arrumada, porque tem aqueles 
bossa Oscar Wilde, caindo aos pedaços. Ela quis saber se a parecença dele 
era normal ou de assustar. Ela era distraída com essas coisas e eu ria 
muito. E outras coisas divertidíssimas.” 
 Nos últimos anos, ao ler as cenas em que Lygia mostra seu gume afiado ao 
enfocar as relações femininas, sempre penso nessas palavras de Hilda. E não teve 
como isso não lançar sua sombra nos meandros dessa amizade que é também um 
pouco disputa, que é também um pouco de impaciência (da moça prática e 
despachada, sem frescura, com a moça contemplativa e passiva), com essa 
cumplicidade que é também um pouco de espera de Godot, ou pelo pior, e que é 
meio desencantada mas também tão afetiva e intensa. E só uma ficcionista do 
quilate de Lygia e com amizades como a que ela manteve com uma pessoa como 
Hilda poderia escrever que sua heroína, para quem até a reprodução do quadro de 
Van Gogh (que sempre lhe fora tão viva), murchara, desvanecera, “sente 
animação” com a tristeza da prima/confidente[2]. 
 
 IV 
“Raíza, você está linda demais, disse Eduardo, limpando o peito nu na tira 
do pulso. O vestido colara-se ao meu corpo e agora já não me repugnavam 
os outros corpos também molhados que se encostavam ao meu: o suor nos 
irmanava, o suor e a aflição. Ele me beijava e eu me enxugava nas suas 
bandagens encharcadas e suas mãos me penetravam e a língua buscando 
mais fundo — o quê? 
 Um homem pintado de preto puxou-me pela cintura, mordeu-me de leve 
o ombro. Segui-o enternecida. Poderia me entregar a todos, se isso lhes 
dava prazer, todos tão afobados, que custava satisfazê-los com aquele 
meu falso corpo: ah, tão longe eu estava!… É indiferente, eu murmurei ao 
homem. Mas Eduardojá me arrastava com violência para a mesa. Antes, 
cravou as unhas no meu braço e beijou-me com a mesma força com que 
me feriu, não banque agora a… 
(…) Pensei em Eduardo e sorri para Marfa que refazia a pintura dos olhos. 
Entendi agora o que me ordenara: em meio do ciúme ela queria, com todas 
https://armonte.wordpress.com/Documents%20and%20Settings/Administrador/Meus%20documentos/VER%C3%83O%20NO%20AQU%C3%81RIO%20(para%20o%20blog).doc#_ftn2
https://armonte.files.wordpress.com/2013/04/fotolygiaehilda-moc3a7as.jpg
as forças queria que eu me entregasse a ele. Precisava de mim, não fique 
negaceando! 
(…) Fui recuando de costas. Se conseguisse sair dali, poderia ser salva mas 
tinha que ser já (…) Fui envolvida num bloco de palhaços. Desvencilhei-me 
e entrei numa ciranda de bêbados em meio dos quais distingui, em pânico, 
o dominó roxo que me conhecia. Fugi agachada como uma barata passando 
por debaixo de uma porta. E caí nos braços de um homem calvo que tentou 
prender-me, a loura de vermelho que eu procurava!… Deixei nas mãos dele 
um punhado de franja do vestido e prosseguindo fugindo até tropeçar em 
dois corpos fundidos junto de uma coluna. Tombei de joelhos em meio de 
um desfalecimento. Onde estaria a saída?! Alguém levantou-me por detrás. 
As mãos eram delicadas, tão delicadas que estremeci. Voltei-me. Um 
homem com cabeça de urso estendia-me os braços, fica comigo! A voz era 
triste como os olhos lá no fundo dos buracos do papelão envernizado. O 
focinho ria numa alegria alvar mas esse era um riso desmentido pelos 
olhos que imploravam, fica comigo!… Recuei. A enorme cabeça oscilava 
como a de um animal decapitado. Lembrei-me da história da fera de olhos 
pungentes, bastava beijá-la e ela se transformaria num príncipe. Sim, seria 
fácil amá-lo com aqueles seus olhos humanos. Mas quem daria o beijo em 
mim, quem?” 
Na citação acima “pesquei” do aquário trechos de uma passagem extraordinária, 
uma festa a fantasia na qual Raíza comparece vestida de “loira de gangster”, 
seduzindo, entre outros, o namorado atual de Marfa, Eduardo (cujas bandagens de 
“múmia” estão impregnadas de éter, de lança-perfume, fazendo com que todo o 
relato em primeira pessoa adquira um tom “fora do ar”). 
Acompanhamos então o mergulho da heroína em sua geração, um retrato que, 50 
anos depois, soa tão moderno e acurado, que imediatamente faz envelhecer num 
átimo vários textos supostamente atualíssimos em seu afã de representar jovens 
enfronhados no sexo desregrado, no uso de drogas (no caso de Verão no 
Aquário, ainda não há o rock´n roll, já que os personagens curtem mais música 
clássica e jazz). 
Ao inventariar as suas relações com vários parceiros, a experiência de Raíza 
esbarra num ponto fundamental: nosso aprisionamento na ciranda de certos 
padrões afetivos que se repetem, se petrificam. Ao saber que o seu mais recente 
caso já está com outra, lemos: “Fernando, Fernando. Tínhamos nos amado. E 
agora ele amava outra e depois amaria outra ainda e os amores e 
desamores iriam se renovando com a mesma naturalidade com que 
Dionísia renovava a água do aquário: assim que o visgo acumulava no 
fundo, ela abria a torneira e o jato d´água limpa subia cobrindo tudo. 
Apoiei-me nos cotovelos e olhei minhas mãos sujas de poeira. Antes 
tinham existido as de Germaine. Agora, cobrindo as minhas, tinham vindo 
as de Josefina. E embora durassem no tempo um minuto, de certo modo 
não mudavam porque a essência era a mesma.” 
 
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V 
“E de repente tudo aquilo me pareceu já ter acontecido há muito tempo: 
era como se em outra tarde igual eu tivesse estado naquele mesmo lugar, 
fazendo os mesmos gestos e à espera do mesmo milagre enquanto secava 
nos joelhos o lenço molhado de lágrimas. Tudo estava disposto como já 
estivera antes. O acontecido ia-se repetir, por experiência eu sabia que 
nada podia ser mudado e embora me doesse a certeza do inevitável, 
cheguei a sentir um certo alívio, porque esse desespero era meu conhecido 
e conhecendo-o, podia agora suportá-lo. 
 Não haveria milagre. Dentro em pouco Marfa aparecia sem pressa, 
naquele andar de quem não precisa mais se apressar. Diria: Acabou-se, 
compreende? Ou nem diria nada, apenas me lançaria um olhar penalizado 
e eu ficaria sabendo: acabou-se. 
 Lembrei-me do nadador tragado pelas ondas e do meu rancor pelo mar 
que não esperou pela corda. Mas lembrei-me também de quando chegou a 
noite e vi as ondas estourando na pedra, esqueci o nadador, ah, eu amava 
o mar, amava-o acima de tudo, podia acontecer o que fosse e eu 
continuaria a amá-lo com um amor que seria uma condenação se nele não 
houvesse alegria. Que importava os nadadores que iam e vinham? Ele 
continuava. Cruzei as mãos. Seja feita Vossa vontade, seja feita Vossa 
vontade….” 
É preciso dizer que esse é um romance, mais do que qualquer outro da obra 
lygiana, marcado explicitamente pelo catolicismo. Tivemos uma plêiade de 
escritores de estridente obsessão com os temas da culpa, pecado, transgressão e 
degradação. De Lúcio Cardoso ao primeiro Vinícius de Moraes, de Octávio de Faria a 
Otto Lara Rezende, não faltaram católicos expiando e gozando seus tormentos em 
nossa ficção. No entanto, sem alarde e muito cruamente, a autora de Verão no 
Aquário vai mais longe e mais fundo do que qualquer um deles, com a agudeza 
adicional de mostrar a formação de uma mulher (e sob a ótica feminina) em meio a 
todo esse contexto moralista (de angústia e penitência) e, ao fim e ao cabo, bem 
machista (quantos Mauriacs tupiniquins não se debruçaram sobre suas Thérèses 
Desqueyroux locais). 
E ainda, como sombra a se esgueirar pelo vidro do aquário, o clima político 
ameaçador: “Tem lido os jornais? Já está engrossando por aí uma revolução 
para derrubar o presidente, coisa de militar, compreende? Me dá depressa 
a fórmula, impedir uma outra ditadura, hem? Posso escrever às chamadas 
cúpulas políticas meus bilhetinhos de protesto, me enfiar numa armadura e 
ir à luta — é isso que você espera de mim?” Alguns personagens que 
frequentam o romance de Lygia conhecerão pouco depois alguns lugares bem mais 
abafados do que o aquário da burguesia enclausurada em seus valores de fachada: 
os porões do DOI-CODI. 
 
ANEXO- TRECHOS SELECIONADOS: 
“Há alguma santa com o nome de Raíza? Perguntei e Dionísia hesitou: Que 
eu saiba, nenhuma. Raíza era o nome de sua tia avó, disse-me ela e eu tive 
um certo desaponto porque me parecia mais fácil atingir a santidade com 
um homônimo no céu. 
 E agora ali estava eu em meio das pedras e das velas que pareciam 
sempre as mesmas. O leve torpor que senti também era igual ao que me 
vinha quando assistia à primeira missa do dia. Quis rezar mas as orações 
estavam rotas, esgarçadas. Advogada nossa, murmurei e prossegui 
repetindo, advogada nossa, advogada nossa… 
 Pensei em minha mãe. Lá devia estar ela na sua sala, tão bem-penteada, 
tão bem-composta que parecia recear algum fotógrafo invisível, pronto 
para o flagrante do descuido, caso se descuidasse. Advogada nossa, 
ajudai-a! pedi colhendo com a unha do polegar duas gotas de cera que 
escorriam da vela mais próxima. E pensei em André com suas unhas roídas 
e batina esfarrapada, pregando na Indonésia, tinha que ser na Indonésia, 
tudo bem difícil para que ele sofresse ainda mais na sua punitiva vida. 
Havia os padres tranquilos e os padres aflitos, ele seria sempre aflitíssimo, 
debatendo-se como um homem atirado ao mar. 
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 Como aquele homem junto das rochas. Vimos tudo e não pudemos fazer 
nada a não ser gritar por uma corda. Mas não havia nenhuma corda em 
redor. Ele sentara-se para tomar banho de espuma das ondas que se 
chocavam na pedra, quando um vagalhão mais violento o levou para o mar 
alto. Pusera-seentão a nadar, ele nadava com a segurança de um 
matemático expondo um teorema. Nem perdera os óculos, o que era 
extraordinário: um jovem de óculos tentando vencer pela lógica das 
braçadas a ilogicidade das ondas que o levavam até próximo das pedras 
para puxá-lo novamente assim que ele chegasse a tocar nelas. Voltava 
nadando, a argumentar com os longos braços que se estendiam como 
réguas de cálculo, pronto, agora vai conseguir! eu pensava. Mas nova onda 
formava-se maliciosamente e arrastava-o para longe. Até que o jogo 
cansou o nadador e o mar. Num dos seus retornos, em meio do caminho 
ele ergueu os braços e ficou se debatendo, numa fração de segundos ficou 
se debatendo sem esperança e sem os óculos. Depois, só ficou o mar e o 
grito do pescador que chegou correndo com um rolo de corda embaixo do 
braço (…) Nessa mesma noite, voltei às pedras. O luar prateava tudo. 
Pensei no afogado da manhã e quis odiar o mar mas ele estava tão suave 
assim banhado de lua. Disse adeus ao afogado. Ele já se desintegrava 
como um naco de miolo de pão, só o mar era eterno. 
 Colhi na unha uma gota de cera que escorreu da vela, não, não era um 
desconhecido que se debatia na água, era André, tão difícil a pedra, o 
equilíbrio, só minha mãe tinha o rolo de corda, advogada nossa, ajudai-o!… 
 Concentrei-me na oração sem oração, só pensamento ardendo com 
aquela chama. Fechei os olhos: ajudai a ela para que os que dependem da 
sua força seja ajudados também, eu, Marfa, André, tio Samuel, tia 
Graciana, Dionísia… A frágil família. Tinha ainda o aquário com os peixes 
nadando em círculo, amigos e inimigos condenados à mesma água…” 
 
 
[1] Não resisto a citar outro belo momento entre as duas “antagonistas”: 
“E pensando em ir para o meu quarto achei-me defronte do escritório da 
minha mãe. A porta estava entreaberta. 
__ Estou interrompendo? 
 Ela pousou as mãos no teclado da máquina. Tirou os óculos. 
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__ Não, não está interrompendo… Quer uma xícara de chá? 
 Comecei a rir. E inclinei-me para cheirar o solitário botão de rosa 
espetado no vaso. 
__ Há bandejas de chá em todos os cantos desta casa, acho que nossa 
família tem raízes no Oriente. É ver a China. 
 Ela serviu-se, imperturbável. Havia duas xícaras na mesa, 
naturalmente Dionísia se esquecera de que André estava ausente. 
__ E então, Raíza? Quais são as novidades? 
__ Faz tempo que não acontece nada, mamãe, a não ser este calor… 
Mordisquei uma torrada. Mas sabe, só mesmo nesse aspecto vocês duas se 
parecem, quero dizer, titia e você. Acho que é o único traço familiar entre 
ambas: um bule de chá. E também essa preferência pelas cores tímidas, 
vocês só usam o rosa, o lilás, o azul-claro, cores assim. Titia está cortando 
um vestido cor de mel… 
 Ela encarou-me. Usava uma blusa de percal com delicadas ramagens 
num fundo verde-água. Os cabelos presos. O rosto liso, limpo. Que beleza 
era aquela que parecia vir de dentro, tão mansa? Grave. Era incrível como 
enfrentava a claridade perigosa de um dia assim.” 
 
[2] Ao pensar na amizade entre Lygia-Hilda e na estatura das duas enquanto 
escritoras, acho-as similares ao que acontecia entre Thomas Mann e Hermann 
Hesse. Enquanto este último era objeto de culto pessoal (como Hilda), para além 
de seus textos—havia todo o lado místico, de inquietação espiritual— Mann, mesmo 
quando respeitado como escritor, era objeto de certa reserva por seu apego ao 
formalismo (no sentido social da palavra, não literário), ao “decoro” (como seu 
personagem Thomas Buddenbrook e Patrícia, mãe de Raíza), como Lygia. E ambos 
sempre deploraram a tentativa de se colocar um contra o outro (o que não impede 
de modo nenhum uma, digamos, rivalidade literária “do bem”), explorando essas 
polaridades maniqueístas. 
Talvez o respeito mais do que a admiração apaixonada que Lygia suscita, de um 
modo geral (como Mann, e curiosamente sou apaixonado pela obra dos dois), 
aconteça porque ela não se transformou num mito como Clarice Lispector, e em 
menor medida, a própria Hilda (o que eu considero péssimo para a apreensão das 
qualidades das duas como grandes escritoras que foram). Na minha história 
https://armonte.wordpress.com/Documents%20and%20Settings/Administrador/Meus%20documentos/VER%C3%83O%20NO%20AQU%C3%81RIO%20(para%20o%20blog).doc#_ftnref2
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pessoal mesmo posso recordar de, no início dos anos 1980, conviver com um grupo 
de leitores meus amigos para quem Clarice era “a” escritora, uma ciranda de pedra 
onde não haveria lugar para uma Lygia Fagundes Telles (brincavam com um de 
seus títulos, “os mistérios de Lygia que são nenhuns”). Para o bem ou para o mal, 
sem desdenhar nunca dos desafios da obra clariceana (apesar de me irritar com 
seus “seguidores”), cada vez mais descobri os seguramente muitos mistérios 
lygeanos, além-cerimônias do chá e outras práticas recônditas e decorosas. 
Quanto a Verão no Aquário, foi uma história um pouco demorada. Conhecia sua 
história e algumas passagens longas, por causa do volume dedicado a Lygia em 
LITERATURA COMENTADA (1980), mas só o li integralmente (justamente na edição 
da Nova Fronteira cuja foto aparece abaixo), após me impressionar (e com isso 
voltar a ler seus textos mais intensamente) com As horas nuas (que tem uma parte 
final discutível, porém na sua maior parte é um romance poderoso).

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