Buscar

O CONHECIMENTO

Prévia do material em texto

O CONHECIMENTO
 
Até se parece conosco: investiga, pergunta aos outros, lê, pergunta a si mesma. Haja cabeça, não!? É... ela está envolvida com um problema difícil!
Aliás, não é só ela que se ocupa disso.
O que conhecemos, como conhecemos, como retemos esse conhecimento, é algo que merece reflexão, você não acha?
Sem dúvida, a questão do conhecimento é uma questão importante na História da Filosofia. Vimos, nas duas primeiras Unidades deste Caderno, que filosofia significa, etimologicamente, amor ao conhecimento. E, também, como alguns filósofos pensaram sobre essa questão.
 
O QUE É CONHECIMENTO?
Platão, filósofo que foi discípulo de Sócrates, e viveu no século IV antes de Cristo, em Atenas, na Grécia, como você já estudou, tratou da questão do conhecimento. Preocupou-se em saber se nós podemos ter um conhecimento verdadeiro sobre o mundo. Ele concebia o cosmos, o universo, como dois mundos: o mundo sensível, de nossa experiência imediata, e o mundo inteligível, das ideias ou das essências verdadeiras, do Ser.
O primeiro é o mundo das aparências, do não-Ser, que é como uma cópia deformada do que existe sempre da mesma forma, permanecendo sempre o mesmo. Admitia que assim como há dois mundos, há duas formas de conhecermos: podemos conhecer pelos sentidos ou pela razão (pensamento). Platão concluiu que o conhecimento que adquirimos pelos sentidos (visão, audição, tato, paladar, olfato) é mutável, transitório e contraditório, e que, portanto, não é um conhecimento confiável, porque precisamos conhecer como o mundo é e não como ele está a cada momento. O Ser pode ser conhecido pelo intelecto, pela razão ou pensamento, que alcança a essência das coisas, as ideias.
 
Assim, de acordo com esse filósofo, podemos ter um conhecimento ilusório e o conhecimento verdadeiro. Distingue quatro graus de conhecimento, do mais inferior ao superior: crença, opinião, raciocínio, intuição intelectual. Os dois primeiros são ilusórios e não têm a ver com a investigação filosófica. E os dois últimos são válidos para o conhecimento filosófico. O raciocínio treina nosso pensamento e o purifica intelectualmente para permitir as intuições das ideias verdadeiras ou essências das coisas - o Ser. A Matemática e a Música, que não são um conhecimento direto das coisas, mas das relações entre elas, preparam nosso pensamento para filosofar. E a Filosofia, que para Platão é um conhecimento que se constrói no diálogo, é a maneira mais elevada de se conhecer o Ser, que inclui a Verdade, o Belo e o Bem. O conhecimento, para Platão, eleva-nos, no sentido de conhecermos, de termos a intuição do que é verdadeiro, do que é bom e do que é belo, ou seja, o Ser em sua perfeição.
  
Você já leu sobre a Alegoria da Caverna. Platão mostra como nós, seres humanos, vivemos presos a um mundo ilusório, e que podemos nos libertar do conhecimento imediato que nos é proporcionado pelos sentidos. Saber que o mundo sensível é enganoso nos leva a buscar a verdade por outro meio que não nossos sentidos. Esse meio é a Filosofia, que é o conhecimento mais puro e verdadeiro e vale para todo tempo e lugar, ou seja, é universal. Você viu como é interessante a maneira de Platão pensar? Ele escreveu vários diálogos filosóficos, como você já sabe. E importante conhecermos as características da época em que ele viveu e compreendermos que havia escravos na sociedade grega antiga e esses, que eram estrangeiros vencidos em guerras, forçados a realizar todo o trabalho manual e que exigisse força, ocupando-se o tempo todo para viabilizar a vida dos cidadãos de Atenas. Ora, dessa forma, as condições para o filosofar eram reservadas aos homens gregos adultos, livres, que tinham tempo de sobra para se dedicar a tal atividade, dialogar, e, assim, chegar ao conhecimento da verdade. Nem as mulheres, nem as crianças, na época, eram consideradas cidadãs e, portanto, não tinham a oportunidade de filosofar.
 
Não podemos, portanto, imaginar a personagem Mafalda, que hoje filosofa e nos inspira a filosofar, nem nós, mulheres, lendo esse texto e filosofando, como cidades daquela época!
É... o mundo humano muda muito ao longo da História, não é?!
Hoje nós sabemos que as crianças têm uma atitude filosófica diante do mundo e dos fatos, e fazem perguntas sobre temas que, muitas vezes, nós, adultos, nunca tínhamos problematizado.
 
Agora, vamos continuar nosso trabalho de investigação sobre o que é o conhecimento.
Leia a seguinte frase:
"Todos os homens têm, por natureza, desejo de conhecer..."
Essa afirmação é de Aristóteles, um filósofo já conhecido seu, não é?
Por que o filósofo grego diz isso? Por que ele acredita que todo homem tem naturalmente o desejo de conhecer?
Em nossa vida cotidiana, não é tão fácil constatarmos isso.
Essa é uma afirmação de Aristóteles. Acompanhemos a argumentação do filósofo:
Todos os homens têm, por natureza, desejo de conhecer: uma prova disso é o prazer, das sensações, pois, fora até de sua utilidade, elas nos agradam por si mesmas e, mais do que todas as outras, as visuais. Com efeito, não só para agir, mas até quando não nos propomos operar alguma coisa, preferimos, por assim, dizer, a vista aos demais. A razão é que ela é, de todos os sentidos, o que melhor nos faz conhecer as coisas e mais diferenças nos descobre.
O homem, para ele, tem prazer em ver as coisas e o mundo. E o conhecimento é um processo que se inicia com as sensações em geral. Entretanto, não basta termos sensações para conhecermos. Precisamos da memória, para retermos o conhecimento adquirido pelos sentidos. Se assim não fosse, teríamos que ter as sensações a cada momento novamente, para continuarmos conhecendo o real.
Os animais, como o ser humano, têm sensações e as memorizam. Com os dados memorizados construímos nossa experiência, que é o próximo passo do processo do conhecimento, exclusivamente humano. Na experiência, fazemos relações entre os dados retidos na memória e, com base na identificação da repetição e da regularidade desses dados, fazemos associações e daí, tiramos certas conclusões e temos algumas expectativas.
A experiência é o conhecimento prático, que é construído a partir da expectativas de novas ocorrências e sequências de ocorrências de fatos no mundo. Por exemplo, se tive a experiência de viver uma situação em que o céu ficou muito escuro de dia e depois choveu, nas próximas vezes em que o céu ficar escuro de dia vou ter a expectativa de que chova. Esse tipo de conhecimento prático orienta o nosso fazer, a nossa ação no mundo.
 
A próxima etapa é a da arte, ou técnica, em que se sabe como fazer algo, artística ou tecnicamente, conhecendo-se as regras de produção de algo, o porquê desse algo, suas causas. Esse tipo de conhecimento permite que ensinemos a outros a fazer algo, a seguir regras. É um conhecimento não só prático, mas em que sabemos o que estamos fazendo e porque o que fazemos resulta num produto determinado. Por exemplo, dizemos que urna pessoa conhece a técnica de fazer uma mesa, quando ela não só sabe como fazer uma mesa, mas está ciente de precisar seguir regras e procedimentos para obter as dimensões corretas, de modo que ela seja adequada para as pessoas a usarem para comer ou escrever. 
A etapa seguinte, última e mais elevada, do processo de conhecimento, é a episteme, a ciência ou saber teórico. É um saber abstrato e o mais genérico sobre o real, o conhecimento de conceitos e princípios, que consistem nas leis da natureza ou do cosmos. E um saber contemplativo, segundo Aristóteles, e tem como finalidade o conhecimento da verdade, e não um objetivo prático. Ele satisfaz a curiosidade natural do ser humano, que é o desejo de conhecer 
A Filosofia, dentre essas formas abstratas de saber, é a mais elevada, mais afastada dos sentidos, e nos permite conhecer as causas primeiras e universais, os princípios de tudo o que existe.
 
Para Aristóteles, portanto, todos os seres humanos desejam conhecer, têm uma curiosidade natural e podem filosofar, ou buscar compreender as primeiras causas de tudo. O método que usamos para conhecer, segundo ele, segueas etapas: sensações, memória, experiência, técnica e saber teórico, ciência, filosofia. Também propõe uma linguagem para se usar na construção e comunicação do conhecimento: a lógica. 
Veja como, em Platão, podemos notar uma preocupação em escapar da ilusão, do erro, nos quais estamos mergulhados no nosso cotidiano. Aristóteles, por sua vez, propõe que podemos conhecer de várias maneiras, temos a possibilidade de construir vários tipos de saberes. Ele aceita a condição humana, e não a considera ilusória, como seu mestre. E é a partir dessa condição, com nossas limitações, que vamos conhecendo, realizando etapas no processo que vai da sensação até a Filosofia. Assim, ele propõe uma classificação das várias ciências que o ser humano produz.
 
Ao longo da História da Filosofia, muitos pensadores têm tratado da questão do conhecimento. É importante que compreendemos como as concepções de conhecimento se modificam, dependendo do momento histórico em que vivem os filósofos. Em cada momento, as relações econômicas, políticas e religiosas têm uma especificidade e a Filosofia também se faz conforme essas determinações e possibilidades.
Também a concepção de verdade muda ao longo da História. O mais interessante é que um pensador de muito tempo atrás pode ter concebido a verdade de uma maneira que hoje em dia nós aceitamos, e outro, contemporâneo nosso, pode pensar de um modo com o qual não concordamos. Isso significa que as ideias filosóficas não se sucedem, necessariamente, de modo que uma das mais antigas seja menos interessante ou aceitável do que outra mais moderna.
Vamos considerar as concepções de Verdade de alguns filósofos, além das de Platão e Aristóteles, sobre as quais já falamos um pouco, apresentadas por Japiassu (2000).
 
ATIVIDADE LÚDICA
Vamos realizar uma atividade divertida que mostrará a você alguns dos vários olhares possíveis sobre uma história.
O CASO DE MIGUEL
Relato n° 1 - De sua mãe
Miguel levantou-se correndo, não quis tomar café e nem ligou para o bolo que eu havia feito especialmente para ele. Não quis colocar o cachecol que eu Ihe dei. Disse que estava com pressa e reagiu com impaciência a meus pedidos para se alimentar e se abrigar direito. Ele continua sendo uma criança que precisa de atendimento, pois não reconhece o que é bom para si mesmo.
 
 
Relato n° 2 - Do garçom da boate
Ontem à noite, ele chegou aqui acompanhado de uma morena, bem bonita, por sinal, mas não deu a mínima para ela. Quando entrou uma loura, de vestido colante, ele me chamou e queria saber quem era ela. Como eu não a conhecia, ele não teve dúvidas: levantou-se e foi à mesa falar com ela. Eu disfarcei, mas só pude ouvir que ele marcava um encontro, às 9 da manhã, bem nas barbas do acompanhante dela. Sujeito peitudo!
Relato n° 3 - Do motorista de táxi
Hoje de manhã, apanhei um sujeito e não fui com a cara dele. Estava de cara amarrada, seco, não queria conversa. Tentei falar sobre futebol, política, o trânsito e ele sempre me mandava calar a boca, dizendo que precisava se concentrar. Desconfio que ele é daqueles que o pessoal chama de subversivo, desses que a polícia anda procurando ou desses que assaltam motorista de táxi. Aposto que anda armado. Fiquei louco para me livrar dele.
  
Relato n° 4 - Do zelador do edifício
Esse Miguel, ele não é certo da bola, não! Às vezes cumprimenta, às vezes finge que não vê ninguém. As conversas dele a gente não entende. E parecido com um parente meu que enlouqueceu. Hoje de manhã, ele chegou falando sozinho. Eu dei bom dia e ele me olhou com um olhar estranho e disse que tudo no mundo era relativo, que as palavras não eram iguais para todos, nem as pessoas. Deu um puxão na minha gola e apontou para uma senhora que passava. Disse, também, que quando pintava um quadro, aquilo é que era a realidade. Dava risadas e mais risadas... Esse cara é um Iunático!
  
Relato n° 5 - Da faxineira
Ele anda sempre com um ar misterioso. Os quadros que ele pinta, a gente não entende.Quando ele chegou, na manhã de ontem, me olhou meio enviesado. Tive um pressentimento ruim, como se fosse acontecer alguma coisa ruim. Pouco depois chegou a moça loura. Ela me perguntou onde ele estava e eu disse. Daí a pouco ouvi ela gritar e acudi correndo. Abri a porta de supetão e ele estava com uma cara furiosa, olhando para ela cheio de ódio. Ela estava jogada no divã e no chão tinha uma faca. Eu saí gritando: Assassino! Assassino!
 
Relato do próprio Miguel sobre o ocorrido nesse dia.
Eu me dedico à pintura de corpo e alma. O resto não tem importância. Há meses que eu quero pintar urna Madona do século XX, mas não encontro urna modelo adequada, que encarne a beleza, a pureza e o sofrimento que eu quero retratar. Na véspera daquele dia, urna amiga me telefonou dizendo que tinha encontrado a modelo que eu procurava e propôs nos encontrarmos na boate. Eu estava ansioso para vê-Ia. Quando ela chegou, fiquei fascinado; era exatamente o que eu queria. Não tive dúvidas. Já que o garçom não a conhecia, fui até a mesa dela, me apresentei e pedi para ela posar para mim. Ela aceitou e marcamos um encontro no meu ateliê, às 9 horas da manhã. Eu não dormi direito naquela noite. Levantei-me ansioso, louco para começar o quadro, nem pude tomar café, de tão afobado.
No táxi, comecei a fazer um esboço, pensando nos ângulos da figura, no jogo de luz e sombra, na textura, nos matizes... Nem notei que o motorista falava comigo.
Quando entrei no edifício, eu falava baixinho. O zelador tinha falado comigo e eu nem tinha prestado atenção. Aí, eu perguntei: o que aquele dia significava para mim? Sonhos, fantasias e aspirações...
Tudo iria se tornar real, enfim, com a execução daquele quadro. Eu tentei explicar para ele que a verdade era relativa, que cada pessoa vê a outra à sua maneira. Ele me chamou de Iunático. Eu dei uma risada e disse: está aí a prova do que eu disse. O Iunático que você vê, não existe. Quando eu pude entrar, dei de cara com aquela velha mexeriqueira.
 
Entrei no ateliê e comecei a preparar a tela e as tintas.
Foi quando ela chegou. Estava com o mesmo vestido da véspera e explicou que passara à noite em claro, numa festa.
Aí eu pedi que sentasse no lugar indicado e que olhasse para o alto, que imaginasse inocência, sofrimento... que...
Aí ela me enlaçou o pescoço com os braços e disse que eu era simpático. Eu afastei seus braços e perguntei se ela tinha bebido. Ela disse que sim, que a festa estava ótima, que foi pena eu não ter estado lá e que sentiu minha falta. Enfim, que estava gostando de mim. Quando ela me enlaçou de novo, eu a empurrei e ela caiu no divã e gritou... Nesse instante a faxineira entrou e saiu berrando: Assassino! Assassino!
A loura levantou-se e foi embora. Antes me chamou de idiota. Então, eu suspirei e disse: ah, minha Madona!

Continue navegando