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FACULDADE DE ENSINO SUPERIOR DE LINHARES CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO LUIZA FERNANDES MONTEIRO DE BARROS A OBSOLESCÊNCIA PROGRAMADA SOB A ÓTICA DO DIREITO AMBIENTAL BRASILEIRO LINHARES 2019 LUIZA FERNANDES MONTEIRO DE BARROS A OBSOLESCÊNCIA PROGRAMADA SOB A ÓTICA DO DIREITO AMBIENTAL BRASILEIRO Monografia apresentada ao Colegiado do Curso de Graduação em Direito da Faculdade de Ensino Superior de Linhares (Faceli), como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito. Orientador(a): Prof. Msc. Jackelline Fraga Pessanha. LINHARES 2019 LUIZA FERNANDES MONTEIRO DE BARROS A OBSOLESCÊNCIA PROGRAMADA SOB A ÓTICA DO DIREITO AMBIENTAL BRASILEIRO Monografia apresentada ao Colegiado do Curso de Direito da Faculdade de Ensino Superior de Linhares (Faceli), como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito. Aprovada em ____ de _______________ de ______. BANCA EXAMINADORA __________________________________________ Prof. Msc. Jackelline Fraga Pessanha Professora Orientadora __________________________________________ Professor(a) Titular __________________________________________ Professor(a) Titular __________________________________________ Professor(a) Suplente Dedico essa monografia à minha família, aos meus amigos, à minha orientadora e à todos que, de alguma forma, contribuíram, me dando apoio e incentivo para que eu pudesse conquistar meus objetivos. RESUMO O presente trabalho consiste na análise da obsolescência programada sob a ótica do Direito Ambiental brasileiro. Apesar desse tema ser amplamente debatido na área da Economia, no campo do Direito apenas havia sido abordado sob a ótica do consumo, visto que a prática da obsolescência programada interfere diretamente no direito do consumidor, refletindo em sua ordem econômica e social. Assim, essa pesquisa é de grande relevância, tendo em vista que a referida prática, além de ser abusiva ao indivíduo, também causa o encurtamento proposital da vida útil dos produtos, fazendo com que ocorra o aumento da produção de resíduos sólidos e da utilização dos recursos naturais, o que contribui para a crise ecológica que tem se vivenciado atualmente. Por conta disso, é questionado se há interferência dessa estratégia econômica no desenvolvimento sustentável do país, que busca atender as necessidades da presente geração sem comprometer as possibilidades das futuras. Para tanto, por intermédio de uma metodologia dialética, é realizada pesquisa documental, abrangendo a Constituição da República Federativa do Brasil, o Direito consumerista e seus princípios gerais, bem como os princípios gerais ambientais e da ordem econômica. Já sobre a pesquisa bibliográfica, se apresenta como obras base “Vida para consumo: a transformação das pessoas em mercadorias” e “Vida líquida” ambos de Bauman (2008, 2007), que são utilizadas, respectivamente, para desenvolver a ideia de consumo e consumismo e, ainda, o conceito de sociedade líquido-moderna. No mais, é abordado também sobre fenômeno da globalização, que é um dos grandes responsáveis pelo surgimento do consumo exacerbado na atual sociedade. Por fim, a presente pesquisa constata que a prática da obsolescência programada, de fato, interfere na busca pela sustentabilidade, sendo extremamente prejudicial à natureza, o que leva a necessidade de uma mudança comportamental da população, sendo desenvolvida uma consciência ambiental, para que assim, se consiga alcançar um meio ambiente ecologicamente equilibrado para a presente e futuras gerações. Palavras-chave: Obsolescência Programada; Consumo; Direito Ambiental Brasileiro; Globalização; Desenvolvimento Sustentável. SUMÁRIO INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 06 1 A OBSOLESCÊNCIA PROGRAMADA E O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR ......................................................................................................... 09 1.1 PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITO DO CONSUMIDOR .................................... 10 1.2 CONSUMO VERSUS CONSUMISMO ................................................................ 16 1.3 A OBSOLESCÊNCIA PROGRAMADA ................................................................ 20 2 A OBSOLESCÊNCIA PROGRAMADA SOB A ÓTICA DO DIREITO AMBIENTAL BRASILEIRO ............................................................................................................ 26 2.1 PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITO AMBIENTAL .............................................. 26 2.2 SUSTENTABILIDADE ......................................................................................... 32 2.3 GLOBALIZAÇÃO E VIDA LÍQUIDA ..................................................................... 36 3 A PRÁTICA DA OBSOLESCÊNCIA PROGRAMADA E SUA INTERFERÊNCIA NO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL ................................................................... 41 3.1 PRINCÍPIOS GERAIS DA ORDEM ECONÔMICA .............................................. 41 3.2 CONSUMO SUSTENTÁVEL ............................................................................... 45 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 51 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................ 53 6 INTRODUÇÃO É possível verificar atualmente que um dos ideais mais fortes e buscado pela sociedade é o desenvolvimento socialmente justo e ambientalmente sustentável. Acontece que, ao mesmo tempo em que a sociedade busca por este desenvolvimento sustentável, ela também é exposta aos estímulos de um consumo irracional e descontrolado, impulsionado pela prática da obsolescência programada. A origem da obsolescência programada teve como marco o fenômeno industrial e mercadológico conhecido como “descartalização”, sucedido em meados do século XX, que visava garantir um consumo constante por meio da insatisfação, de forma que os produtos necessários ao consumidor se tornassem obsoletos em um curto espaço de tempo, forçando assim sua substituição. Por conta dessa prática, percebe-se atualmente que, a utilização desenfreada dos recursos naturais para a produção de novas mercadorias e a quantidade de lixo produzida pelo descarte dos produtos obsoletos, vem aumentando cada dia mais, interferindo diretamente no ecossistema. Partindo desse ponto, torna-se relevante o seguinte questionamento: a prática da obsolescência programada interfere no desenvolvimento sustentável do país? Vale ressaltar que uma das principais questões do cenário atual é a busca pelo equilíbrio entre o crescimento econômico e o desenvolvimento sustentável, que traz um novo modelo de consumo e busca a melhora nas condições de vida, tanto na economia quanto nos âmbitos social e ambiental. Apesar desse tema ser amplamente debatido na área econômica, no campo do Direito apenas havia sido abordado sob a ótica do consumo, visto que a obsolescência programada interfere diretamente no direito do consumidor. Desta forma, torna-se pertinente a análise desta prática sob a perspectiva do Direito Ambiental, tendo em vista que o consumo está diretamente ligado ao meio ambiente, onde seu exercício descontrolado e irracional, gera impactos significativos na natureza, haja vista que o encurtamento proposital da vida útil dos produtos aumenta a necessidade de 7 utilização de recursos naturais e a produção de resíduos sólidos, contribuindo diretamente para a crise ecológica vivenciadaatualmente em todo o mundo. Desta forma, para que essa problemática seja elucidada, serão formuladas todas as premissas possíveis e necessárias para a investigação e possível comprovação da interferência dessa estratégia econômica no meio ambiente, através da análise do Direito Consumerista e de seus princípios, bem como dos princípios ambientais, presentes nas normas de Direito Ambiental Brasileiro e na Constituição da República Federativa do Brasil. Por intermédio de uma metodologia dialética, será realizada pesquisa documental, que abrangerá a Agenda 211, bem como a Constituição Federal de 1988, o Código de Defesa do Consumidor e a atual Legislação Ambiental Brasileira, e também pesquisa bibliográfica, que terá como obras base “Vida para consumo: a transformação das pessoas em mercadorias” e “Vida líquida” ambos de Bauman (2008, 2007) e “A história das coisas: da natureza ao lixo, o que acontece com tudo que consumimos” de Leonard (2011). Ademais, para que seja possível solucionar o problema levantado, qual seja, verificar a possível interferência da prática da obsolescência programada no desenvolvimento sustentável, faz-se necessário pontuar sobre o seu surgimento, como também conceituar o que vem a ser essa estratégia econômica, diferenciando-a inclusive dos diversos tipos de obsolescência existentes. Por razão disso, no primeiro capítulo será abordado sobre o Código de Defesa do Consumidor, no qual serão pontuados os princípios gerais que regem o Direito do Consumidor, a transição da prática de consumo para o consumismo com base na obra “Vida para consumo” de Zygmunt Bauman, e ainda os diversos tipos de obsolescência, conceituando e diferenciando cada uma delas, em especial a obsolescência programada. 1 A Agenda 21 foi constituída na Conferência das Nações Unidas, realizada em 1992, no Rio de Janeiro, tendo ela estabelecido metas referente às questões de preservação ambiental e desenvolvimento sustentável para os países participantes. 8 Já o segundo capítulo tratará sobre a obsolescência programada sob a ótica do Direito Ambiental Brasileiro, sendo abordado seus princípios norteadores, o conceito de sustentabilidade e a relação do fenômeno da globalização com a sociedade líquido- moderna atual, conceituada e analisada com base na obra “Vida líquida”, também de Zygmunt Bauman. Por último, o terceiro capítulo demonstrará como a prática da obsolescência programada interfere no meio ambiente, pontuando sobre os princípios gerais da ordem econômica brasileira e sobre o consumo sustentável, sendo este último desenvolvido com o objetivo de demonstrando a importância de sua prática nos hábitos cotidianos individuais, para que assim se consiga alcançar um meio ambiente ecologicamente equilibrado. 9 1 A OBSOLESCÊNCIA PROGRAMADA E O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR Com o surgimento da sociedade de massas, na qual determinou que consumir é um ato de cidadania e de inclusão social, foi-se criado também métodos com o intuito de expandir o sistema capitalista, por meio da produção em larga escala e do consumismo desenfreado. Tal fato provocou um verdadeiro desequilíbrio nas relações consumeristas, fazendo- se necessária a intervenção do Estado, a fim de proteger o consumidor de assumir riscos causados pelas produções estandardizadas realizadas pelos fornecedores. Por conta disso, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 reconheceu o consumidor como sujeito de direitos individuais e coletivos, bem como assegurou sua proteção constitucionalmente, tanto como direito fundamental disposto no inciso XXXII do art. 5° da Constituição Federal de 1988, quanto como princípio da ordem econômica nacional, inserido no art. 170, inciso V, do mesmo diploma legal, encontrando-se ainda, no art. 48 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, respaldos para a criação de um Código de Defesa do Consumidor (CDC). (BENJAMIN; MARQUES; BESSA; 2013, p. 33). É por esta razão que Benjamin, Marques e Bessa (2013, p. 33) afirmam que o direito do consumidor forma um conjunto de normas e princípios que visam cumprir com um mandamento constitucional triplo, quais sejam: 1) de promover a defesa dos consumidores [...]; 2) de observar e assegurar como princípio geral da atividade econômica, como princípio imperativo da ordem econômica constitucional, a necessária “defesa” do sujeito de direitos “consumidor” [...]; e 3) de sistematizar e ordenar esta tutela especial infraconstitucionalmente através de um Código (microcodificação), que reúna e organize as normas tutelares, de direito privado e público, com base na ideia de proteção do sujeito de direitos (e não da relação de consumo ou do mercado de consumo), um código de proteção e defesa do “consumidor” [...]. Assim, estabeleceu-se o CDC que, atualmente, se apresenta como um instrumento eficaz e inteiramente necessário às relações comerciais, visto que suas normas, nas quais tem como base princípios fundamentais, dos quais dois serão definidos a seguir, 10 tendem a buscar o equilíbrio dessas relações que, a cada dia mais, se distanciam dos padrões de isonomia. 1.1 PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITO DO CONSUMIDOR Conforme dito anteriormente, pode-se afirmar que, atualmente no Brasil, a proteção do consumidor é um direito e um valor constitucionalmente fundamental, considerado também um princípio da ordem econômica da Constituição Federal, cujo objetivo é limitar a autonomia da vontade das partes, desenvolvendo um direito mais consciente da sua função social. Nessa linha, pode-se dizer que o Código de Defesa do Consumidor, firmado pela Lei 8.078 de 1990, de forma geral, caracteriza-se por utilizar princípios norteadores como base de seus dispositivos normativos, sendo eles assim, instrumentos efetivos de interpretação da norma. Segundo Tartuce e Neves (2016, p. 25), [...] o Código de defesa do Consumidor é tido pela doutrina como uma norma principiológica, diante da proteção constitucional dos consumidores, que consta, especialmente, do art. 5º, XXXII, da Constituição Federal de 1988, ao enunciar que “o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”. Assim, pode-se dizer que além de norma principiológica, a proteção do consumidor que fora estabelecida no CDC, trata-se de uma garantia constitucional, o que a torna também norma de ordem pública e de interesse social. Bolzan (2014, p.38) também dispõe que o CDC é considerado lei principiológica por ser formado por “[...] uma série de princípios que possuem como objetivo maior conferir direitos aos consumidores, que são os vulneráveis da relação, e impor deveres aos fornecedores”. Por razão disso, torna-se pertinente a análise de dois princípios fundamentais que regem a Lei consumerista, sendo eles o ponto de partida para se compreender a base 11 de proteção do consumidor, bem como sua interferência na proteção do meio ambiente. O primeiro princípio aqui tratado, pode ser verificado no art. 4°, inciso I do Código de Defesa do Consumidor, sendo ele o Princípio da Vulnerabilidade, que expressa que: Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: I - reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo; (BRASIL, 1990). Tal princípio estabelece que “o consumidor é considerado a parte mais frágil da relação jurídica de consumo” (BOLZAN, 2014, p. 201-202), deixando claro ainda que a relação “consumidor vs fornecedor” é de extrema desigualdade, fazendo-se necessário um instrumentojurídico que reequilibre os negócios firmados entre eles. Assim, não restam dúvidas que a presunção de vulnerabilidade pode ser considerada o princípio norteador que busca a igualdade entre as partes da relação consumerista. Tartuce e Neves (2016, p. 42) relacionam também a vulnerabilidade do consumidor com as publicidades e formas de oferecimento dos produtos e serviços, afirmando que eles “deixam o consumidor à mercê das vantagens sedutoras expostas pelos veículos de comunicação e informação”, estimulando o consumo sem o adequado e completo conhecimento acerca de todas as opções de produtos e serviços abrangentes no mercado. De forma complementar, Nunes (2012, p. 178) dispõe que o reconhecimento da vulnerabilidade É uma primeira medida de realização da isonomia garantida na Constituição Federal. Significa ele que o consumidor é a parte fraca da relação jurídica de consumo. Essa fraqueza, essa fragilidade, é real, concreta, e decorre de dois aspectos: um de ordem técnica e outro de cunho econômico. Com relação a estes dois aspectos, quando se analisa a fraqueza do consumidor por motivos de ordem técnica, é possível verificar que este está ligado diretamente aos meios de produções no qual apenas o fornecedor tem acesso. Ou seja, é o fornecedor 12 que escolhe o que vai produzir e de que maneira será realizada essa produção, deixando o consumidor completamente dependente dessas escolhas. Nunes (2012, p. 178) ainda explica que Quando se fala em “escolha” do consumidor, ela já nasce reduzida. O consumidor só pode optar por aquilo que existe e foi oferecido no mercado. E essa oferta foi decidida unilateralmente pelo fornecedor, visando seus interesses empresariais, que são, por evidente, os da obtenção de lucro. Nessa mesma linha, Bolzan (2014, p. 204) dispõe que “a vulnerabilidade técnica consiste na fragilidade do consumidor no tocante à ausência de conhecimentos técnicos sobre o produto ou o serviço adquirido/contratado no mercado de consumo”, tendo em vista que o fornecedor é a parte detentora “[...] do monopólio dos meios de produção e é dele o conhecimento a respeito dos bens de consumo produzidos ou vendidos”. Isso significa que o consumidor, por não possuir conhecimentos específicos sobre o produto ou serviço que está adquirindo, acaba ficando à mercê das opções disponibilizadas exclusivamente pelos fornecedores, não tendo ele qualquer poder de escolha quanto aos produtos e serviços que irão ser ofertados no mercado. Já com relação ao aspecto de cunho econômico, pode-se dizer que ele “diz respeito à maior capacidade econômica que, por via de regra, o fornecedor tem em relação ao consumidor” (NUNES, 2012, p.179). Ou seja, de forma geral, o consumidor sempre será economicamente inferior ao fornecedor, tendo em vista que este é considerado parte obtentora de lucros na relação de consumo, enquanto o consumidor é aquele que se dispõe economicamente para adquirir o produto. No mais, vale ressaltar ainda a existência de outras duas espécies de vulnerabilidade, sendo elas a vulnerabilidade jurídica ou científica que “envolve a debilidade do consumidor em relação à falta de conhecimento sobre a matéria jurídica ou a respeito de outros ramos científicos como da economia ou da contabilidade” (BOLZAN, 2014, p. 205), e a vulnerabilidade informacional que diz respeito “à importância das informações a respeito dos bens de consumo e sobre sua influência cada vez maior 13 no poder de persuadir o consumidor no momento de escolher o que comprar ou contratar no mercado consumidor”. (BOLZAN, 2014, p. 206). Com isso, entende-se que a vulnerabilidade jurídica ou científica está relacionada com a presunção de o consumidor não possuir conhecimentos específicos das áreas jurídicas, econômica e contábeis, não sabendo ele, de maneira geral, as consequências jurídicas que as relações de consumo podem gerar e, muito menos, das abusividades existentes no mercado em relação aos valores e juros cobrados nos produtos e serviços. Já a vulnerabilidade informacional está relacionada com a ausência, insuficiência e/ou complexidade das informações disponibilizadas ao consumidor acerca do produto ou serviço, dificultando, ou até mesmo não permitindo, sua compreensão, causando assim um déficit informacional. Faz-se necessário salientar ainda que, o princípio da vulnerabilidade não se confunde com o da hipossuficiência. Apesar de ambos estarem relacionados com a fraqueza do consumidor perante o fornecedor nas relações consumeristas, eles se diferenciam no fato de a vulnerabilidade do consumidor ser um fenômeno de direito material, tendo ele presunção absoluta, enquanto a hipossuficiência se apresenta como um fenômeno de direito processual, tendo ela presunção relativa. (BOLZAN, 2014, p. 203). Sendo assim, a vulnerabilidade se baseia em um fundamento jurídico, enquanto a hipossuficiência se dispõe de um fundamento fático, no qual tem como base a desigualdade apresentada no caso concreto. Veja-se o entendimento de Tartuce e Neves (2016, p. 43): Ao contrário do que ocorre com a vulnerabilidade, a hipossuficiência é um conceito fático e não jurídico, fundado em uma disparidade ou discrepância notada no caso concreto. Assim sendo, todo consumidor é vulnerável, mas nem todo consumidor é hipossuficiente. Dito isso, pode-se afirmar então que o conceito de hipossuficiência é mais amplo que o da vulnerabilidade, devendo ele ser apreciado e auferido diante da análise do caso concreto, podendo ser aplicado em duas situações: nos casos de concessão do 14 benefício de assistência judiciária gratuita, ou então nos casos de inversão do ônus da prova, quando restar comprovada sua necessidade pelo consumidor. Já a vulnerabilidade, é algo que nasce com o consumidor, sendo ainda considerada a sua essência, haja vista que, por diversos motivos, como a falta de informações sobre o produto, ele se torna a parte o sujeito mais fraco da relação consumerista. E isto leva a análise do segundo princípio, qual seja o Princípio da Transparência ou da Confiança, que se encontra estabelecido no art. 4º, caput do Código de Defesa do Consumidor, in verbis: Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo [...]; (BRASIL, 1990). Conforme expõe Tartuce e Neves (2016, p. 48), No contexto de valorização da transparência e da confiança nas relações negociais privadas, o Código de Defesa do Consumidor estabelece um regime próprio em relação aos meios de se propagar a informação, tendente a assegurar que a comunicação do fornecedor e a do produto ou serviço se façam de acordo com regras preestabelecidas, adequadas a ditames éticos e jurídicos que regulam a matéria. Assim, pode-se dizer que este princípio diz respeito ao dever de transmitir todas as informações necessárias, de forma clara e verdadeira, para que o consumidor decida se vai ou não obter aquele determinado produto ou serviço. Com isso, é possível perceber que seu principal objetivo, é a tutela do direito à informação, que se encontra disposto, em um primeiro momento, no art. 6°, inciso III do Código de Defesa do Consumidor. Veja-se: Art. 6º São direitos básicos do consumidor: [...] III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem; (BRASIL, 1990). Assim, o direito à informação não só implica em assegurar ao consumidor informações 15 verdadeiras e claras sobre os produtos ou serviçosque se pretende obter, mas também a plena ciência da extensão da obrigação a qual ele assumirá perante o fornecedor, bem como os riscos que poderão ser causados. E é por conta dessa importância que ele também se encontra tutelado no art. 31, caput do Código de Defesa do Consumidor: Art. 31. A oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores. (BRASIL, 1990). Numa sociedade em que, a todo instante, o indivíduo é acometido por um volume crescente de informações, fez-se necessário estabelecer uma proteção ao consumidor, a fim de evitar que os fornecedores utilizem desse meio como “arma de sedução [...] para atraírem os consumidores à aquisição de produtos e serviços”. (TARTUCE E NEVES, 2016, p. 46-47). Assim, conforme dispõe Nunes (2012, p. 185), com a aplicação deste princípio, o fornecedor fica “obrigado a prestar todas as informações acerca do produto e do serviço, suas características, qualidades, riscos, preços etc., de maneira clara e precisa, não se admitindo falhas ou omissões”, evitando assim as práticas abusivas. Vale ressaltar ainda que, dependendo a quem se refere, o direito à informação se apresenta com intuito diferente. Por conta disso, Tartuce e Neves (2016, p. 47) explicam que “a informação, no âmbito jurídico, tem dupla face: o dever de informar e o direito de ser informado, sendo o primeiro relacionado com quem oferece o seu produto ou serviço ao mercado, e o segundo, com o consumidor vulnerável”. Assim, quando está relacionada ao fornecedor, a informação é tratada como um dever, haja vista ele ser o detentor de toda as informações relacionadas ao produto ou serviço. Agora, quando diz respeito ao consumidor, a informação se torna um direito, visto que ele é a parte vulnerável da relação jurídica. É importante destacar também que o dever de informação não se mistura com a 16 prática da publicidade. Enquanto a informação possibilita à pessoa uma escolha consciente do produto fornecido, a publicidade pretende exatamente influenciar nessa escolha, motivando o consumidor a adquirir determinado produto. (HARTMANN, 2012, p. 170). Interligando os dois princípios fundamentais aqui dispostos, é possível observar que a vulnerabilidade do consumidor se dá principalmente pela falta de informação fornecida a ele, trazendo consequências não apenas no âmbito econômico, por conta da influência do indivíduo à prática do consumismo, o que na maioria das vezes, ocasiona dívidas, mas também no âmbito ambiental, visto que o consumismo contribui para a escassez dos recursos naturais e, por conta do descarte dos produtos não mais utilizados, gera uma maior quantidade de lixo. Verifica-se assim que, por conta desta vulnerabilidade, as responsabilidades do fornecedor perante o consumidor se tornam um tanto quanto maior, visto que ele é o detentor de maior poder informacional. E é por esta razão que o direito à informação é considerado essencial, não apenas na proteção do consumidor, mas também do meio ambiente, que é o objeto de estudo do presente trabalho. Desta forma, quanto mais acesso a informação o indivíduo possui em relação à fabricação dos produtos, dos materiais utilizados e principalmente, da maneira correta de descarte, maior será o seu poder de escolha, podendo inclusive optar por produtos que respeitem o meio ambiente e busquem a sustentabilidade, tão defendida atualmente. 1.2 CONSUMO VERSUS CONSUMISMO Na sociedade atual, consumir é um ato de necessidade, sendo considerado por muitos, uma forma de satisfação e busca de felicidade. Isto ocorre por conta do estímulo realizado pelas empresas com a produção ininterrupta de novos produtos cada dia mais avançados e inovadores, fazendo com que os consumidores sejam seduzidos por essas novas mercadorias, e comprem de forma descontrolada e 17 imediata. Zygmunt Bauman (2008, p. 37), em seu livro “Vida para o consumo”, explica que “aparentemente, o consumo é algo banal, até mesmo trivial” sendo uma atividade que se realiza todos os dias, na maioria das vezes, “sem muito planejamento antecipado nem reconsiderações”. Acontece que, em um determinado momento da evolução social, os atos de produzir e consumir se tornaram independentes um do outro, dando fim a era dos povos “coletores” e abrindo espaço para a era dos “excedentes”, deixando de se produzir e se consumir o que era necessário, para produzir em massa e consumir de forma descontrolada e sem necessidade. Bauman (2008, p. 38) denomina essa ruptura de “revolução consumista”, sendo este o momento da passagem do “consumo” para o “consumismo”. Ele explica em seu livro ainda que a transição do “consumo” para o “consumismo”, se deu em conjunto com a transição da “sociedade de produtores” para a “sociedade de consumidores”, no qual o primeiro se baseava na segurança e na estabilidade, tendo o trabalho como objeto central da vida, e segundo se baseava em atender os desejos e ao imediatismo de cada indivíduo. Assim, com a evolução e surgimento da sociedade de massas, o “consumo”, que antes era considerado algo usual e rotineiro, se tornou “’especialmente importante, se não central’ para a vida da maioria das pessoas, ‘o verdadeiro propósito da existência’”, sendo chamado agora de “consumismo”. (BAUMAN, 2008, p. 38). A figura do consumismo surge quando o consumo, que antes era apenas uma tarefa cotidiana realizada pelos indivíduos de acordo com suas necessidades, se torna o elemento principal da sociedade, sendo ainda considerado “um tipo de arranjo social resultante da reciclagem de vontades, desejos e anseios humanos rotineiros, permanentes e, por assim dizer, ‘neutros quanto ao regime’, transformando-os na principal força propulsora e operativa da sociedade”. (BAUMAN, 2008, p. 41). Isso significa que, com o surgimento do consumismo, a sociedade se tornou refém de 18 suas próprias vontades e desejos, se movimentando e desenvolvendo apenas quando este ato fosse relevante para suprir suas necessidades. Nessa linha, Bauman (2008, p. 41) ainda explica que O consumismo é um atributo da sociedade. Para que uma sociedade adquira esse atributo, a capacidade profundamente individual de querer, desejar e almejar deve ser, tal como a capacidade de trabalho na “sociedade de produtores”, destacada (“alienada”) dos indivíduos e reciclada/reificada numa força externa que coloca a “sociedade de consumidores” em movimento e a mantém em curso como uma forma específica de convívio humano [...]. Com isso entende-se que essa evolução do consumo para o consumismo tem como característica o convívio social, do qual é capaz de manipular as condutas pessoais de cada indivíduo. Por esta razão, o principal atributo que o indivíduo da “sociedade de consumidores” pode ter, é o poder de compra, pois é ele quem determinará o seu lugar na sociedade. O consumismo, além de movimentar a roda do consumo, gerando lucros e garantindo o crescimento econômico do mercado, também põe aqueles desejos individuais que, na maioria das vezes, são dispensáveis por serem adquiridos apenas por conta do conforto que trazem ou então pelo respeito que proporcionam, no mesmo patamar que a atividade laboral era colocada na “sociedade de produtores”. Isso significa que a sociedade se torna tão alienada com a publicidade e disponibilidade de novos produtos a todo instante, que acaba trabalhando em favor do consumismo. Assim, quanto mais se trabalha, mais se ganha, e quanto mais se ganha, mais se consome. No mais, a referida sociedade de produtores, que tinha o consumo comoalgo banal e rotineiro, objetivava adquirir sempre produtos duradouros e que fossem utilizáveis por um prazo considerável, dando estabilidade àqueles que o consumiam. Bauman (2008, p. 43) ainda classifica a sociedade de produtores como “era sólido-moderna”, na qual “a satisfação parecia residir, acima de tudo, na promessa de segurança a longo prazo, não no desfrute imediato de prazeres”. Essa fase “sólida” da sociedade, como classifica Bauman, tinha como embasamento central a segurança. Assim, o consumo, que era a prática da época, objetivava 19 somente bens duráveis e resistentes ao tempo, tendo em vista que, apenas eles, poderiam garantir a segurança desejada. Já na sociedade de consumidores, “o desejo humano de segurança e os sonhos de um ‘Estado estável’ definitivo” (BAUMAN, 2008, p. 44) não eram mais almejados. Não havia mais estabilidade e o indivíduo era submetido a desejos insaciáveis, o que resultava na rápida substituição dos produtos, pelos novos que eram produzidos. Nesta linha, Bauman (2008, p. 45) afirma que “novas necessidades exigem novas mercadorias, que por sua vez exigem novas necessidade e desejos”. Assim, neste período “líquido” da sociedade, o indivíduo não mais buscava a satisfação permanente das necessidades que de fato interessavam, mas sim o volume e a intensidade de desejos insaciáveis e imediatos que poderiam ser satisfeitos de forma temporária a cada novo produto adquirido. Pode-se dizer então que o ponto que divide a transição da prática do “consumo” para a prática do “consumismo”, fica estabelecido quando as necessidades básicas do indivíduo dão lugar ao desejo e ao prazer que o ato de consumir proporciona. O consumo, portanto, é um fenômeno praticado por todos os seres vivos, no qual a felicidade se volta para a satisfação das necessidades básicas individuais por meio de produtos duráveis. Já o consumismo, é um fenômeno em que os produtos não mais atendem as necessidades individuais, mas sim a da sociedade, fazendo com que a felicidade se torna refém de desejos insaciáveis que, na maioria das vezes, são caprichos criados pelo indivíduo, o qual busca se encaixar no social, e que por conta da produção em massa e da obsolescência gerada nos produtos, cria um círculo infinito de ambições a serem alcançadas. Vale ressaltar ainda que o consumismo não surgiu de forma natural nem de maneira imprevista na sociedade. Muito pelo contrário. Foi por conta das empresas de mercado que o consumismo foi implementado e desenvolvido, visando garantir um consumo constante por meio da insatisfação. Assim, as empresas, se utilizando da prática da obsolescência programada, 20 começaram a produzir produtos com prazo de validade determinado, de forma que os produtos necessários ao consumidor se tornassem obsoletos em um curto espaço de tempo, forçando sua substituição. Essa estratégia econômica, chamada de obsolescência programada, apesar de proporcionar mais lucro para as empresas, aumenta a prática do consumismo e, por consequência, causa a expansão da produção de lixo, elevando assim os danos ambientais que a sociedade atual tanto busca evitar. 1.3 A OBSOLESCÊNCIA PROGRAMADA Com o surgimento da sociedade de consumidores e, mais especificamente, da transição do consumo para o consumismo, surge também a obsolescência programada, que é uma prática econômica utilizada para reduzir, de maneira proposital, a durabilidade dos produtos, tornando-os inúteis e desvalorizados, a fim de compelir o consumidor a realizar uma nova aquisição e garantir o consumo reiterado dos produtos. Numa interpretação gramatical, obsoleto é tudo aquilo que já não se usa, que esteja ultrapassado ou antiquado. Assim, pode-se dizer que a obsolescência é o processo ou condição pelo qual algo passa até se tornar obsoleto. (DICIO, 2019). Acontece que, tal prática, quando relacionado à economia, possui um significado implícito, qual seja, “limitação ou redução da vida útil de um mecanismo, objeto ou equipamento, pelo aparecimento de novos” (DICIO, 2019). Em uma linha doutrinária, Bellandi (2016, p. 13) dispõe que Obsolescência é a ação ou coisa que se encontra fora de uso, ultrapassada, antiquada. Programação é a ação humana de planejamento e execução do que fora planejado. Assim, obsolescência programada pode ser conceituada como “a ação humana de planejar e determinar o que se tornará obsoleto e ultrapassado sem que a coisa tenha em essência deixado de ser – ou existir” (PACKARD, 1965, p. 22). 21 Assim, pode-se dizer que essa prática, basicamente, se aplica toda vez que os fabricantes produzem um ou mais produtos que, de maneira proposital, tenham sua durabilidade menor do que originalmente se espera. Por consequência, os consumidores são obrigados a descartar os produtos adquiridos e substituí-los por novos, que provavelmente também tiveram sua durabilidade alterada. A origem da obsolescência programada teve como marco o fenômeno industrial e mercadológico conhecido como “descartalização”, sucedido em meados do século XX, que visava garantir um consumo constante por meio da insatisfação, de forma que os produtos necessários ao consumidor se tornassem obsoletos em um curto espaço de tempo, forçando assim sua substituição. Cosima Dannoritzer (2010), em seu documentário “A Conspiração da Lâmpada”, aborda a implantação desta estratégia econômica na indústria de lâmpadas de Tungstênio em 1924. Antes da aplicação dessa prática, as lâmpadas produzidas tinham vida média de, aproximadamente, 2.500 horas. Porém, após as fabricantes perceberem que essa durabilidade diminuiria o consumo, realizaram, no ano de 1925, o Comitê das 1.000 horas, onde ficou estipulado que todas as empresas deveriam se adequar para que as lâmpadas durassem em média 1.000 horas, apenas. Caso alguma empresa produzisse lâmpadas com tempo de vida útil maior do que a média estipulada, seria multada proporcionalmente ao tempo excedido. Tal fato fez com que pesquisadores e engenheiros buscassem a piora do desempenho do produto, fazendo com que seu tempo de vida útil diminuísse, a fim de estimular o consumo de lâmpadas. Com a crise instalada na época, o aumento de consumo dos produtos acabou se tornando uma virtude, tendo em vista que, quanto mais se consumia, mais se produzia, gerando assim, mais empregos. Desta forma, caso os produtos se tornassem melhores e duráveis, toda essa estrutura seria abalada, pois a demanda seria menor, bem como sua produção, o que causaria uma demissão em massa. 22 Segundo Dannoritzer (2010), esse modelo econômico de busca pelo aumento do consumo seria perfeito se não fosse pela finidade dos recursos naturais, ou pelas consequências por ele causadas como, por exemplo, a grande produção de lixo e o aquecimento global. Vale ressaltar ainda que a prática da obsolescência não foi único fato que forçou os produtos a se tornarem descartáveis em um curto espaço de tempo. A própria sociedade de consumidores também estabeleceu padrões que impulsionassem o consumismo, de forma que o novo sempre seria melhor e mais satisfatório ao anterior. Neste sentido, Bauman (2008, p. 31) afirma que Entre as maneiras com que o consumidor enfrenta a insatisfação, a principal é descartar os objetos que a causam. A sociedade de consumidores desvaloriza a durabilidade, igualando "velho" a "defasado", impróprio para continuar sendo utilizado e destinado à lata de lixo. É pela alta taxa de desperdício, e pela decrescente distância temporal entre o brotar e o murchar do desejo, que o fetichismo da subjetividade se mantém vivo e digno de crédito, apesar de interminável série de desapontamentos que ele causa. A sociedade de consumidores é impensável sem uma florescente indústria de remoção do lixo. Não se espera dos consumidores que jurem lealdade aosobjetos que obtêm com a intenção de consumir. Pode-se dizer então que quanto mais a sociedade consome, mais os produtos se tornam desvalorizados e descartáveis, e é nesse ciclo vicioso e infinito que a estratégia empresarial da obsolescência programada se mantém, atingindo seu objetivo de fomentar o lucro das empresas, tornando o produto cada dia mais frágil e rebaixando os padrões de qualidade dos bens de consumo. Dito isso, faz-se necessário diferenciar os tipos de obsolescência existentes. Rossini e Naspolini (2017, p. 53), citando Packard (1965, p. 51), dispõe que existem três formas pelas quais um produto pode se tornar obsoleto, qual seja pela obsolescência de função, pela obsolescência de desejabilidade ou então pela obsolescência de qualidade. A obsolescência de função, funcional ou técnica, ocorre quando um produto se torna ultrapassado por conta de um novo desenvolvido, desempenhando as mesmas funções, porém de forma melhorada e com funcionalidades mais avançadas que o 23 antigo. Essa obsolescência, na maioria das vezes, causa a interrupção da fabricação destes produtos, tendo em vista a grande evolução dos novos produzidos. (PACKARD, 1960, p. 55, apud POLIDORO, 2018, p. 45). Esse tipo de obsolescência é essencial tendo em vista que incrementa a qualidade dos produtos. Porém, é necessária atenção as possíveis manipulações das empresas no que diz respeito à velocidade com que novas tecnologias são lançadas. A título de exemplo, é possível citar o ocorrido com a tecnologia de som estéreo, que só chegou ao público consumidor, 20 anos após sua criação por questões de mercado e economia. Já com relação a obsolescência de desejabilidade, perceptível ou de estilo, é aquela que ocorre em função e fatores psicológicos, tendo em vista que torna o produto defasado por conta de sua aparência ou design. (PACKARD, 1960, p. 52, apud POLIDORO, 2018, p. 43). Nesse tipo de obsolescência, o produto se torna antiquado mesmo que esteja em perfeitas condições de uso e funcionamento, sendo o consumidor seduzido a substitui- lo por conta de estratégias de marketing que tornam o modelo novo mais atrativo. (POLIDORO, 2018, p. 43). A título de exemplo, Packard (1960, p. 79-89, apud POLIDORO, 2018, p. 43) cita a fabricação de carros, onde a indústria automobilística passou a investir no visual, estilo e design dos automóveis, a fim de torna-los estacionais, incentivando a sua troca num período curto de tempo. Por último, tem-se a obsolescência de qualidade, mais conhecida como obsolescência programada, que é o objeto de estudo do presente trabalho. Essa obsolescência, conforme dispõe Rossini e Naspolini (2017, p. 54), Trata-se de uma estratégia na qual, desde o desenvolvimento de um produto, a indústria já programa e planeja o fim antecipado de sua vida útil, seja pelo desgaste de suas peças ou pela evolução tecnológica que torna obrigatória a compra de um modelo atualizado. O produto é produzido para durar menos. A vida útil do produto, é reduzida propositalmente pela indústria com o intuito de estimular o consumo e movimentar o mercado industrial. 24 Essa redução da vida útil do produto, conforme dispõe Packard (1960, p. 55-58, apud POLIDORO, 2018, p. 47), pode ocorrer por meio de estratégias ou técnicas para que o produto deixe de funcionar antes do tempo esperado, ou então pela baixa qualidade de materiais usados na fabricação da mercadoria. Conforme dispõe Polidoro (2018, p. 48) Dentre as três categorias de obsolescência programada descritas por Packard, a que aparentemente é mais lesiva ao consumidor, é a obsolescência de qualidade, tendo em vista que por apresentar vício oculto pode representar risco à saúde do consumidor. Se o produto acometido pela obsolescência programada de qualidade irá necessariamente estragar em curto prazo, quer por ter sido produzido com material de qualidade inferior ou de menor durabilidade, resta a insegurança por não saber como ocorrerá o fim dessa vida útil reduzida. A prática de reduzir a vida útil dos produtos intencionalmente utilizando matéria prima de qualidade inferior pode acarretar em acidente de consumo, além de ser uma afronta ao princípio da boa-fé nas relações contratuais. No âmbito consumerista, não restam dúvidas que tal prática é abusiva ao consumidor, e inclusive já vem sendo punida pelo judiciário que, muitas vezes, condena as fábricas à reposição do produto ou a devolução do que foi pago, sem prejuízo ainda do dano moral acarretado. Já no âmbito ambiental, é possível verificar um certo descaso, principalmente com relação ao descarte do lixo obsoleto. Conforme afirma Annie Leonard (2007), em seu documentário “A História das Coisas”, o produto vendido no mercado já é “criado para ir para o lixo” após um determinado período de tempo. Porém, esse resíduo gerado trata-se apenas da “ponta do iceberg”, visto que representa apenas a parte visível do problema, que não abrange apenas o volume de lixo, mas também a sua composição. De forma complementar, Valquíria Padilha (2013), em seu artigo “Obsolescência planejada: armadilha silenciosa na sociedade de consumo”, publicado na revista eletrônica Le Monde Diplomatique Brasil, expôs que A obsolescência planejada é uma tecnologia a serviço do capital. Para aumentar a acumulação de riquezas privadas, o capital devasta, destrói, esgota a natureza. O aumento da riqueza do capital é proporcional ao aumento da destruição da natureza. Na sociedade da obsolescência 25 induzida, tudo acaba em lixo. Quanto mais rápida e passageira for a vida dos produtos, maior será o descarte. A publicidade é o motor que faz toda essa dinâmica funcionar. Esse modelo de sociedade baseada na estratégia da obsolescência planejada está sendo determinante no esgotamento dos recursos naturais (que ocorre na etapa da produção) e no excesso de resíduos (que ocorre na etapa do consumo e do descarte). Com isso, é possível perceber que esse ciclo infinito de consumo acaba se tornando um grave problema, tendo em vista que o aumento de lixo por conta do descarte indevido dos produtos obsoletos tem, a cada dia mais, provocado grandes impactos à natureza, prejudicando não só a qualidade de vida da população mundial, mas também o direito das presentes e futuras gerações em ter um meio ambiente ecologicamente equilibrado. 26 2 A OBSOLESCÊNCIA PROGRAMADA SOB A ÓTICA DO DIREITO AMBIENTAL BRASILEIRO Com a transição da pratica do consumo para o consumismo, no qual o indivíduo deixou de buscar a satisfação permanente das necessidades que de fato interessavam, para buscar satisfazer desejos cada dia mais insaciáveis e imediatos de forma temporária, bem como com o surgimento da pratica da obsolescência programada, que reduziu a vida útil dos produz a fim de girar a roda do consumismo, a natureza foi a maior prejudicada, haja vista que, além de ser retirado dela os recursos necessários para a fabricação de novos produtos, a quantidade de resíduos sólidos gerados pelo descarte destes produtos obsoletos se tornou absurda e tem, cada dia mais, afetado diretamente o meio ambiente. Essa falta de cuidados tem provocado uma enorme degradação ambiental, trazendo grandes prejuízos não só para a população atual, mas principalmente para as próximas que estão por vir. E é por este motivo que, atualmente, a preocupação em garantir um desenvolvimento sustentável e resguardar o meio ambiente para as próximas gerações tem se tornado cada dia mais comum e relevante em todo o mundo. Nesse sentido, o Direito Ambiental Brasileiro buscou tutelar o equilíbrio ambiental e os direitos das presentes e futuras gerações, por meio de princípios gerais, que serão vistos a seguir, cujo objetivo é garantir um desenvolvimento sustentável e resguardar a solidariedade intergeracional. 2.1 PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITOAMBIENTAL Quando se fala em Direito Ambiental Brasileiro, é possível perceber que ele é definido por um conjunto de princípios, regras e valores relativos ao meio ambiente, o qual é tratado como patrimônio público e como bem de uso comum a todos, sendo ainda essencial para a atual e futuras gerações. 27 Por esta razão, torna-se imprescindível a análise dos princípios gerais que regem o direito ambiental e que tenham relação com prática da obsolescência programada. Nessa linha, serão abordados os seguintes princípios: princípio da prevenção, princípio da precaução, princípio da informação ambiental e, por fim, o princípio do desenvolvimento sustentável. Já partindo para a análise do primeiro princípio, é possível verificar que o Princípio da Prevenção se encontra expresso no art. 225 da Constituição Federal de 1988, sendo este ainda o artigo basilar do Direito Ambiental Brasileiro, que determina que Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo- se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. (BRASIL, 1988). Conforme verificado, a prevenção trata-se de um princípio imprescindível, haja vista que só é possível garantir um meio ambiente ecologicamente equilibrado e de qualidade para a atual e futura geração, através da defesa e preservação da natureza. Nessa linha, Fiorillo (2018, p. 91) afirma que De fato, a prevenção é preceito fundamental, uma vez que os danos ambientais, na maioria das vezes, são irreversíveis e irreparáveis. Para tanto, basta pensar: como recuperar uma espécie extinta? Como erradicar os efeitos de Chernobyl? Ou, de que forma restituir uma floresta milenar que fora devastada e abrigava milhares de ecossistemas diferentes, cada uma com seu essencial papel na natureza? Por conta dessa natureza irreversível dos danos ambientais, a prevenção tornar-se essencial, pois é a partir da ação preventiva que se evitará os prejuízos que podem notoriamente ocorrer em detrimento de uma atividade que envolva o meio ambiente. Assim, segundo Amado (2014, p. 84), “o princípio da prevenção trabalha com a certeza científica, sendo invocado quando a atividade humana a ser licenciada poderá trazer impactos ambientais já conhecidos pelas ciências ambientais em sua natureza e extensão [...]”. Isso significa que a prevenção atua como uma barreira para as atividades que envolvam o meio ambiente e que já se tenha conhecimento dos riscos de seu 28 exercício, tendo como finalidade evitar, antecipadamente, a ocorrência de qualquer dano irreversível. É nessa linha que Oliveira (2014, p. 132) dispõe que O princípio da prevenção é aplicável ao risco conhecido. Entende-se por conhecido aquele identificado por meio de pesquisas, dados e informações ambientais ou ainda porque os impactos são conhecidos em decorrência dos resultados de intervenções anteriores, por exemplo, a degradação das atividades de mineração, em que as consequências para o meio ambiente são de conhecimento geral. Assim, uma vez que se conhece o risco que uma dada atividade pode ocasionar ao ambiente, ela não poderá ser desenvolvida, haja vista que o princípio da prevenção adotada medidas antecipatórias preventivas, em razão do risco certo aplicável, coibindo ações que causam impactos irreversíveis à natureza. E é por esta razão que o direito ambiental é, acima de tudo, preventivo, tendo em vista o caráter irreversível dos danos ambientais, que só podem ser evitados com uma atuação antecipada de prevenção às condutas que envolvam o meio ambiente. Com relação ao segundo princípio, vale ressaltar que alguns Doutrinadores não diferenciam a Precaução do princípio da Prevenção anteriormente exposto, porém os dois não se confundem. Conforme dispõe Oliveira (2014, p. 132), o princípio da precaução [...] é um princípio atrelado à incerteza científica. No princípio da precaução o que se configura é a ausência de informações ou pesquisas científicas conclusivas sobre a potencialidade e os efeitos de determinada intervenção no meio ambiente e na saúde humana. Atua como um mecanismo de gerenciamento de riscos ambientais, notadamente para as atividades e empreendimentos marcados pela ausência de estudos e pesquisas objetivas sobre as consequências para o meio ambiente e a saúde humana. Pode-se dizer então que a precaução se apresenta como uma atuação cautelar perante os riscos desconhecidos da atividade exercida, tendo como objetivo o estudo e a análise prudencial da ação, buscando encontrar possíveis consequências prejudiciais ao ambiente e, quando necessário, coibir a atividade ou mitigar os impactos evitando assim sua irreversibilidade. 29 De forma complementar, Amado (2014, p. 85) afirma que [...] se determinado empreendimento puder causar danos ambientais sérios ou irreversíveis, contudo inexiste certeza científica quanto aos efetivos danos e a sua extensão, mas há base científica razoável fundada em juízo de probabilidade não remoto da sua potencial ocorrência, o empreendedor deverá ser compelido a adotar medidas de precaução para elidir ou reduzir os riscos ambientais para a população. Com isso, pode-se verificar a diferença dos dois primeiros princípios aqui apresentados. Enquanto a prevenção age para impedir o exercício da atividade danosa ao ambiente, a qual já se tem conhecimento, a precaução atua na intenção de evitar um possível risco à natureza, sem que haja de fato, qualquer certeza sobre o dano que poderia ocorrer. É possível perceber então que a precaução, na verdade, antecede a atuação da prevenção, haja vista que sua preocupação é evitar um dano o qual ainda não se tem conhecimento, podendo ele ser efetivo e prejudicial de maneira catastrófica ou então não causar qualquer dano à natureza. Já o princípio da Informação, que também fora explanado no primeiro capítulo deste trabalho sob a visão do direito do consumidor, gera grande relevância sob a ótica do direito ambiental, tendo em vista que “o acesso às informações ambientais é imprescindível à formação do bom convencimento da população, que precisa conhecer para participar da decisão política ambiental [...]” (AMADO, 2014, p. 102), sendo ele ainda uma das principais prerrogativas para a efetivação da proteção do meio ambiente e da saúde da coletividade. Isso significa que o acesso a informações e tomada de decisões relativas ao meio ambiente é um direito da população, afinal, a responsabilidade pela proteção ambiental é de todos e não apenas dos entes federativos e autoridades públicas. Conforme afirma Gome e Simioni (2014, p. 129 e 130) O maior objetivo do princípio da informação no direito ambiental é, efetivando o direito à informação, permitir aos indivíduos a participação ativa nas 30 questões relativas ao meio ambiente. A participação é uma forma de produzir legitimidade para as decisões, tanto no âmbito do legislativo, quando no campo das decisões judiciais. E essa participação pode se dar tanto no contexto particular ou individual, com o intuito de diminuir a degradação ambiental, quanto na esfera pública, impondo às autoridades administrativas e judiciais uma atuação adequada e efetiva, através dos meios legais disponíveis. [...] Para evitar o dano, é preciso que o conhecimento “do que” e “de como” se prevenir seja compartilhado da forma mais ampla possível. O incentivo à pesquisa, à publicação dos resultados e, a inovações tecnológicas, bem como da disponibilização geral das informações organizadas, assim como à democratização da educação atuam de forma a capacitar pessoas com consciência ambiental, cientes das necessidades do meio ambiente, aumentando a possibilidade de se evitar a degradação ambiental. Com isso, pode-se dizerque o principal efeito da aplicação do princípio da informação, é a possibilidade de fornecer a população um amplo conhecimento das consequências que as atividades que envolvam o meio ambiente, como por exemplo, a prática da obsolescência programada, geram à natureza. Isso acaba causando um sentimento de preocupação e alarde, fazendo com que os indivíduos se prontifiquem a cuidar melhor da saúde ambiental, por meio de hábitos e práticas sustentáveis. No mais, Rodrigues (2016, p. 449) também aponta que O acesso efetivo à informação é elemento fundamental à democracia não só pelo princípio da publicidade, mas também porque a partir dessa “transparência” permite-se a possibilidade de participação e evita-se o autoritarismo, servindo, pois, como mecanismo de controle democrático dos atos públicos. Assim, é possível perceber que o princípio da informação acaba garantindo também uma maior participação da sociedade nas questões ambientais, pois é por meio da informação que se formará o bom convencimento da população, que precisa, primeiramente, ter conhecimento, para depois efetivar sua participação nas decisões que envolvam o meio ambiente. E é por meio de todo esse conhecimento que a sociedade passa a entender sobre a importância e necessidade da aplicabilidade de um desenvolvimento sustentável, sendo este o quarto princípio aqui tratado, que encontra previsão implícita no art. 225 da Constituição Federal de 1988. Veja-se: Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo- se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo 31 para as presentes e futuras gerações. (BRASIL, 1988). Conforme preceitua Oliveira (2014, p. 127), citando o Relatório Brundtland, o desenvolvimento sustentável “é ‘aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem às suas próprias necessidades’”. Dito isso, pode-se afirmar então que, de maneira geral, esse desenvolvimento voltado para a sustentabilidade busca a utilização dos recursos naturais de forma equilibrada, podendo possibilitar a satisfação das necessidades da população atual, mas sem que cause prejuízo às populações futuras. A fim de entender melhor do que se trata o desenvolvimento sustentável, verifica-se que este encontra-se amparado sob três pilares, quais sejam o social, o econômico e o ambiental. Seu objetivo, de maneira geral, é manter o crescimento harmônico dessas áreas, garantindo a integridade do planeta, do meio ambiente e da sociedade no decorrer das gerações. Já de maneira específica, a integração e atuação dessas três áreas, conforme preceitua Sarlet e Fensterseifer (2014, p. 96-97), determinam que os principais objetivos do desenvolvimento sustentável seriam a) retomar o crescimento econômico, mas mudando a sua dimensão qualitativa; b) atender às necessidades essenciais em termos de emprego, alimentos, energia, água e saneamento; c) garantir um nível sustentável quanto ao crescimento demográfico; d) melhorar e conservar os recursos básicos; e) reorientar a tecnologia e a gestão de riscos; f) conciliar o ambiente e a economia na tomada de decisões. Com isso, pode-se dizer então que será sustentável aquele desenvolvimento que atender as necessidades essenciais da população (desenvolvimento sustentável social), garantir um crescimento econômico de qualidade e de forma planejada, conciliado com o meio ambiente (desenvolvimento sustentável econômico) e ainda respeitar os limites e conservar os recursos oferecidos pela natureza (desenvolvimento sustentável ambiental), garantindo assim, qualidade de vida para as presentes e futuras gerações, bem como um meio ambiente ecologicamente equilibrado. 32 De forma complementar, Rodrigues (2016, p. 441) afirma que Dentro da visão ambiental, o desenvolvimento sustentável está diretamente relacionado com o direito à manutenção da qualidade de vida por meio da conservação dos bens ambientais existentes no nosso planeta. Exatamente por isso, o texto maior estabelece a regra de que o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado não é apenas dos habitantes atuais, mas também dos futuros e potenciais, enfim, das próximas gerações (CF, art. 225, caput). As gerações humanas passam, mas os recursos ambientais devem ficar. Se cada geração utilizar o meio ambiente de modo desregrado, as gerações vindouras não terão a mesma quantidade ou qualidade dos bens ambientais e, por isso, será comprometida a sua qualidade de vida. Com isso, entende-se que, enquanto as necessidades humanas são ilimitadas, por conta do incentivo e da prática de um consumismo exacerbado, os recursos ambientais naturais não são, estando eles, inclusive, cada dia mais escassos. É por conta disso que a sustentabilidade torna-se prática crucial nos dias atuais, haja vista que a qualidade de vida humana só será mantida se o desenvolvimento, seja ele de cunho social ou econômico, for construído de maneira sustentável, levando em consideração ainda que o progresso depende essencialmente da conservação do meio ambiente, para que este se mantenha intacto ou, no mínimo, recuperável os recursos naturais, a fim de que seja possível continuar suprindo as necessidades das gerações presentes e futuras. 2.2 SUSTENTABILIDADE Conforme dito anteriormente, o meio ambiente é o elemento base para que ocorra o desenvolvimento em todos os seus aspectos. Porém, para que não haja prejuízo na qualidade de vida da população, seja ela atual ou futura, esse desenvolvimento deve ser realizado de maneira regrada e preocupada com a conservação ambiental, visto que é da natureza que se tira a maioria, se não todos, os recursos básicos para suprir as necessidades dos indivíduos. É daí que surge a ideia de sustentabilidade. O conceito de sustentabilidade, numa linha gramatical, está relacionado com a “qualidade ou propriedade daquilo que é sustentável, do que é necessário à 33 conservação da vida”, sendo ainda sustentável tudo aquilo “que se consegue sustentar, manter e defender”. (DICIO, 2019). Isso significa que a sustentabilidade ambiental tem como objetivo principal a defesa e conservação do meio ambiente, a fim de manter a qualidade de vida da população, de forma ininterrupta e no mesmo padrão. Acontece que, conforme dispõe Boff (2011 apud AMADO, 2014, p. 92), para que a sustentabilidade tenha eficácia, ela deve ser aplicada como “substantivo” e não como “adjetivo” de algo: De modo geral, ela é usada como adjetivo e não como substantivo. Explico- me: como adjetivo é agregada a qualquer coisa sem mudar a natureza da coisa. Exemplo: posso diminuir a poluição química de uma fábrica, colocando filtros melhores em suas chaminés que vomitam gases. Mas a maneira com que a empresa se relaciona com a natureza donde tira os materiais para a produção, não muda; ela continua devastando; a preocupação não é com o meio ambiente, mas com o lucro e com a competição que tem que ser garantida. Portanto, a sustentabilidade é apenas de acomodação e não de mudança; é adjetiva, não substantiva. Sustentabilidade como substantivo exige uma mudança de relação para com a natureza, a vida e a Terra. A primeira mudança começa com outra visão da realidade. A Terra está viva e nós somos sua porção consciente e inteligente. Não estamos fora e acima dela como quem domina, mas dentro como quem cuida, aproveitando de seus bens, mas respeitando seus limites. Há interação entre ser humano e natureza. Se poluo o ar, acabo adoecendo e reforço o efeito estufa donde se deriva o aquecimento global. Se recupero a mata ciliar do rio, preservo as águas, aumento seu volume e melhoro minha qualidade de vida, dos pássaros e dos insetos que polinizam as árvores frutíferas e as floresdo jardim. Com isso entende-se que não adianta apenas aplicar a sustentabilidade como uma característica do produto final, mas sim utilizá-la como base para a prática de produção e de consumo, tendo em vista que toda consequência advinda do desenvolvimento desregrado e despreocupado com a natureza, gerará reflexo na sociedade. Dito isso, vale ressaltar também que a sustentabilidade só poderá ser alcançada através da prática de comportamentos que sejam a favor do desenvolvimento e do consumo sustentável. Foi nesse sentido que a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e 34 Desenvolvimento, ocorrido no Rio de Janeiro em 1992, instituiu, além de diversos outros documentos, a Agenda 21, que propõe, de maneira geral, mudanças no comportamento da sociedade com relação ao consumo e produção de produtos, por meio do estímulo do governo realizado a partir de uma educação ambiental, bem como políticas públicas necessárias, a fim de se obter um crescimento com sustentabilidade. (HOCH, 2016, p. 10) É possível perceber então que, para que haja um desenvolvimento com enfoque na sustentabilidade, torna-se necessário um esforço coletivo. Assim, além do incentivo por parte do Estado, as empresas e os indivíduos também devem estar dispostos a colaborar pela busca de uma produção e de um consumo sustentável. Nessa linha, o Princípio 8 da Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, ainda determinou que “para alcançar o desenvolvimento sustentável e uma qualidade de vida mais elevada para todos, os Estados devem reduzir e eliminar os padrões insustentáveis de produção e consumo, e promover políticas demográficas adequadas” (ONU, 1992). Isso significa que os Estados, por meio da promoção de políticas públicas e de uma educação ambiental, devem reabilitar a população a fim de criar uma cultura preenchida de costumes e práticas de cunho sustentáveis, pois, só assim, o meio ambiente ecologicamente equilibrado e a qualidade de vida da sociedade serão mantidos. E é por esta razão que a Lei n° 9.795 de 1999, que instituiu a Política Nacional de Educação Ambiental, definiu, em seu art. 1°, o que é, de fato, educação ambiental: Art. 1o Entendem-se por educação ambiental os processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade. (BRASIL, 1999). Numa linha doutrinária, de acordo com Sarlet e Fensterseifer (2014, p. 156-157), pode-se considerar educação ambiental como 35 Um mecanismo basilar para dar efetividade social ao direito fundamental ao ambiente, já que só com a consciência político-ambiental ampliada no espectro comunitário é que a proteção ambiental tomará a forma desejada pelo constituinte. [...] trata-se de uma educação para o futuro, ou seja, para construir um futuro de plenitude e concretização do espirito humano, o que, necessariamente, passa pela conscientização de todos acerca da necessidade de uma reconciliação entre o “animal humano”, a sua racionalidade e o seu meio natural. Com isso, entende-se que, educação ambiental, nada mais é que a prática de instruir a população a obter uma consciência ambiental, a fim de repelir qualquer ato que prejudique o meio ambiente, bem como criar novos meios de produzir e consumir produtos com base na sustentabilidade, voltados sempre para a manutenção da qualidade de vida humana e da natureza, mantendo esta última conservada para a presente e futuras gerações. No mais, Portilho (2005, p. 119 apud HOCH, 2016, p. 12) assevera que Uma política de sustentabilidade pressupõe uma transformação de estruturas e padrões que definem a produção e o consumo, avaliando sua capacidade de sustentação. Meio Ambiente deixou de ser relacionado apenas a uma questão de como usamos os recursos (os padrões), para incluir também uma preocupação com o quanto usamos (os níveis), tornando-se uma questão de acesso, distribuição e justiça. Desta forma, entende-se que, com a aplicação da sustentabilidade, o consumo e a produção de produtos deixa de pensar exclusivamente em como será utilizado o recurso natural disponível, para pensar também em quanto deverá ser usado daquele recurso na produção do bem, levando em consideração ainda o seu descarte após o consumo. Isso ocorre porque a sustentabilidade deixa claro a ideia de que os recursos naturais, que hoje estão disponíveis, são escassos e limitado. É por conta disso que torna-se essencial a aplicação de uma educação ambiental e de políticas públicas que tenha como base o desenvolvimento sustentável, visto que, só a partir deles, a sociedade estará preparada e engajada para crescer social, cultural e economicamente, e ainda promover a conservação do meio ambiente, tanto para a sociedade atual, quanto para as gerações futuras. 36 2.3 GLOBALIZAÇÃO E VIDA LÍQUIDA Conforme explicitado nos tópicos anteriores, a transição do consumo para o consumismo, bem como a entrada do capitalismo na sociedade, fez com que o indivíduo buscasse, cada dia mais, produtos que pudessem satisfazer seus anseios e desejos e não mais suas necessidades, tonando o ato de consumir algo central para a vida e essencial para alcançar da felicidade. Esse consumismo exacerbado surgiu em um cenário no qual os Países estavam cada vez mais em interação, cooperando entre si pela busca de avanços tecnológicos, econômicos, sociais, políticos e etc. Assim, em um determinado momento da história, esses avanços alcançaram proporções gigantescas, tendo por uma de suas consequências a criação ininterrupta de produtos mais avançados, o que influenciou a sociedade a consumir aquilo que surgisse de mais novo no mercado. Esses avanços, tanto na área da tecnologia, como nas áreas econômica, social, política, cultural e ambiental, ocorreram principalmente, pela troca de informações entre os Estados, ocasionada pelo fenômeno da globalização que, apesar de ampla polêmica sobre sua conceituação, pode ser definida, nas palavras de Portela (2016, p. 35), como Um processo de progressivo aprofundamento da integração entre as várias partes do mundo, especialmente nos campos político, econômico, social e cultural, com vistas a formar um espaço internacional comum, dentro do qual bens, serviços e pessoas circulem de maneira mais desimpedida possível. Assim, pode-se dizer que por conta da globalização, a interação entre os países se fortaleceu e se tornou cada vez mais frequente, o que facilitou, de uma certa forma, a cooperação entre si, principalmente no que diz respeito ao compartilhamento de informações de cunho econômico e a inserção de produtos internacionais no mercado nacional. De forma complementar, Souza e Oliveira (2016, p. 160) afirmam que O fenômeno da globalização atingiu as relações sociais e econômicas, 37 transformou os métodos de produção, promoveu a integração dos mercados, a internacionalização (ou transnacionalização) das empresas e dos mercados financeiros e fomentou uma verdadeira revolução tecnológica; vivemos em uma sociedade globalizada, estruturada em bases tecnológicas de informação e comunicação, cujas engrenagens são os consumidores que movimentam a máquina: capitalismo. Desta forma, pode-se verificar que, de fato, a globalização trouxe um grande desenvolvimento para a sociedade, rompendo barreiras territoriais, possibilitando a expansão dos meios de comunicação, melhorando as trocas de informações e tecnologias, bem como criando espaço para produtos variados e, inclusive, de outros países, dando poder de escolha ao consumidor, que é o agente principal para a manutenção do capitalismo. Acontece que, apesar de promover o progresso, a globalizaçãotambém ocasionou uma série de transformações no mundo e no modo de vida do indivíduo, gerando, inclusive, inseguranças, incertezas e ansiedades que atingem diretamente a sociedade, principalmente por conta dessas criações ininterruptas de novas mercadorias a todo momento, provocando o consumo desenfreado de produtos. (SOUZA e OLIVEIRA, 2016, p. 159) É nessa linha que Souza e Oliveira (2016, p. 157) afirmam que O mundo globalizado trouxe nova roupagem às relações de consumo, apregoando o fetichismo da mercadoria e a coisificação das pessoas (que valem o quanto têm ou aquilo que podem consumir). Difundindo a falsa ideia de consumo como forma de inclusão social, consumir, atualmente, pode ser encarado como uma válvula de escape das tensões cotidianas, algo que alivia ansiedades, satisfaz desejos e nos torna pessoas aceitáveis pela sociedade. Consumir é um fim em si mesmo, e não um meio de o ser humano alcançar uma satisfação pessoal mediante o usufruto da coisa conquistada. Assim, pode-se verificar que a globalização acabou por transformar o indivíduo em objeto, fazendo com que as pessoas fossem vistas e julgadas por aquilo que consumiam e não mais pela essência de seus valores. Isso fez com que as relações entre particulares, que antes eram duradouras e consideradas base da humanidade, se perdessem, sendo substituídas por relações líquidas e superficiais, o que, além de ter causado um certo distanciamento nos vínculos pessoais, fez com que o indivíduo buscasse nos produtos e no ato de 38 consumir, um meio de “sobreviver” aos problemas cotidianos da vida, acreditando que só seria aceito num determinado grupo social, se andasse com determinada roupa de marca, adquirisse o celular do ano, ou até mesmo o carro mais caro. Este fato ainda, acabou por retirar do indivíduo sua própria individualidade, haja vista que todos tentam se manter no mesmo padrão para serem aceitos pela sociedade. É nessa linha que Bauman (2007, p. 26) dispõe que Numa sociedade de indivíduos, cada um deve ser um indivíduo. A esse respeito, pelo menos, os membros dessa sociedade são tudo menos indivíduos diferentes ou únicos. São, pelo contrário, estritamente semelhantes a todos os outros pelo fato de terem de seguir a mesma estratégia de vida e usar símbolos comuns – comumente reconhecíeis e legíveis – para convencerem os outros de que assim estão fazendo. Na questão da individualidade, não há escolha individual, nem dilema do tipo "ser ou não ser". A individualidade então, na globalização, acaba sendo imposta por um grupo de pessoas e não mais pelo próprio indivíduo com suas convicções, tornando aquilo que antes era individual e único, uma condição semelhante a todos. E é por esta razão que o consumismo está, cada dia mais, inserido na realidade da população, fazendo com que as pessoas busquem, a todo custo, se manter no estilo de vida que as integre e as faça serem aceitas pela sociedade e pelo grupo social escolhido. Essa busca por aceitação, que faz com que as pessoas estejam, a todo instante, atualizadas quanto as mudanças ocasionadas por conta da globalização e, por consequência, consumindo esses novos produtos, trata-se de uma característica da chamada “vida líquida” que, conforme explica Bauman (2007, p. 8), É uma vida precária, vivida em condições de incerteza constante. As preocupações mais intensas e obstinadas que assombram esse tipo de vida são os temores de ser pego tirando uma soneca, não conseguir acompanhar a rapidez dos eventos, ficar para trás, deixar passar as datas de vencimento, ficar sobrecarregado de bens agora indesejáveis, perder o momento que pede mudança e mudar de rumo antes de tomar um caminho sem volta. A vida líquida é uma sucessão de reinícios, e precisamente por isso é que os finais rápidos e indolores, sem os quais reiniciar seria inimaginável, tendem a ser os momentos mais desafiadores e as dores de cabeça mais inquietantes. Entre as artes da vida líquido-moderna e as habilidades necessárias para praticá-las, livrar-se das coisas tem prioridade sobre adquiri-las. Com isso, é possível perceber que o indivíduo está, constantemente, vivendo sobre uma série de momentos aflitivos, haja vista que, a todo instante, há um novo produto 39 a ser adquirido, uma nova tecnologia a ser estudada, uma nova política a ser aplicada e, caso não consiga acompanhar todo esse progresso, esse indivíduo estaria fora dos padrões exigidos pela sociedade líquido-moderna. Nessa linha, Bauman (2007, p. 16-17) ainda afirma que A vida líquida é uma vida de consumo. Projeta o mundo e todos os seus fragmentos animados e inanimados como objetos de consumo, ou seja, objetos que perdem a utilidade (e, portanto, o viço, a atração, o poder de sedução e o valor) enquanto são usados. Molda o julgamento e a avaliação de todos os fragmentos animados e inanimados do mundo segundo o padrão dos objetos de consumo. Estes têm uma limitada expectativa de vida útil e, uma vez que tal limite é ultrapassado, se tornam impróprios para o consumo; já que "ser adequado para o consumo" é a única característica que define sua função. Eles são totalmente impróprios e inúteis. Por serem impróprios, devem ser removidos do espaço da vida de consumo (destinados à biodegradação, incinerados ou transferidos aos cuidados das empresas de remoção de lixo) a fim de abrir caminho para outros objetos de consumo, ainda não utilizados. Pode-se dizer então que, uma das características inerentes da vida líquida na atual sociedade, é a obsolescência dos objetos, haja vista que os produtos já são criados para se tornarem inutilizáveis e impróprios para o consumo, abrindo espaço para a inserção de novos produtos mais avançados e atualizados, bem como forçando o consumidor a adquirir essa nova mercadoria. Além disso, Bauman (2007, p. 17) ainda explica que na sociedade líquido-moderna não se pode ter “lealdade” aos objetos, devendo os indivíduos estarem preparados para substituir seus bens a qualquer momento, acompanhando o progresso trazido pela globalização. Para se livrar do embaraço de ser deixado para trás, de ficar preso a algo com o qual ninguém mais quer ser visto, de ser pego cochilando e de perder o trem do progresso em vez de viajar nele, você deve ter em mente que é da natureza das coisas exigir vigilância, não lealdade. No mundo líquido- moderno, a lealdade é motivo de vergonha, não de orgulho. Conecte-se a seu provedor de internet de manhã bem cedo e a principal notícia do dia vai lembrá-lo daquela verdade nua e crua: "Com vergonha de seu celular? Será que este é tão velho que você fica envergonhado ao atender uma chamada? Faça um upgrade para um aparelho do qual você possa se orgulhar." O lado negativo da ordem de "fazer um upgrade" para um celular "consumidoristicamente correto" é, com certeza, a exigência de não voltar a ser visto portando aquele para o qual você fez um upgrade da última vez. Com isso, pode-se afirmar que o consumidor da sociedade líquido-moderna está, a 40 todo momento, sendo bombardeado por publicidades que o influenciam ao consumo sem necessidade, devendo ele ainda se manter atento aos avanços e progressos surgidos diariamente, a fim de se manter atualizado e inserido no seu determinado grupo social. Acontece que esse consumismo impróprio e exacerbado acaba criando uma indústria do descarte que, por consequência, gera o aumento significativo na quantidade de lixo. É por esta razão que Bauman (2007, p. 17) reconhece que O lixo é o principal e, comprovadamente, mais abundante produto da sociedade líquido-moderna de consumo. Entre as indústrias da sociedade de consumo, a de produção de lixo é a mais sólida e imune a crises. Isso faz da remoção do lixo um dos dois principais desafios que a vida líquida precisa enfrentar e resolver. Assim, é possível perceber que, apesar da sociedade líquida
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