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Capítulo 1 0 funcionalismo em seus primórdios: a psicologia a serviço da adaptação Arthur Arrudaleal Ferreira Guilherme Gutman As condições históricas dos movimentos funcionalistas A psicologia no século XIX, especialmente como se produzia na Alemanha no final daquele século (centro mundial da produção acadêmica e institucional deste saber nesse período, é completamente estranha ao nosso quadro atual. Trata-se de uma psicologia que: a) Devotase à pesquisa pura, em contraste com o quadro recente que enfatiza o aspecto prático de intervenção nos mais diversos campos. b)Toma como objeto de estudo anossa experiência comum consciente, objeto suficientemente problematizado por correntes relevantes como a psicanálise e o behaviorismo. c) Devotase a este objeto através da suspeita de ilusão de nossa experiência comum, problema herdado da física e da filosofia do século XVII, sem buscar, naquele momento, qualquer forma de ajustamento dos indivíduos. d) Utiliza nesse exame da nossa experiência uma forma particular de introspecção controlada em que os sujeitos teriam que ser mentalmente sãos e treinados para fazer a descrição mais precisa dos elementos básicos dessa experiência comum, as sensações. e) Por conta das exigências do método, não estuda os sujeitos comuns (muito menos crianças, animais e loucos); estuda outros psicólogos devidamente treinados na profissão de fé da fisiologia para chegarem aos meandros da nossa experiência mais pura. Mais ingênua. 121 O objetivo deste capítulo é expor a transformação desse quadro da psicologia, tal como operada especialmente nos Estados Unidos graças ao movimento funcionalista, composto por psicólogos como Granville Stanley Hall (1844-1924), James McKeen Cattell (1860-1944), James Mark Baldwin (1831-1934) e WilliamJames (1842-1910), além de escolas como a de Chicago, composta por John Dewey (1859-1952), James Angell (1869-1949) e Harvey Carr (1873-1954), e a de Columbia, integrada por Edward Lee Thorndike (1874-1949) e Robert Sears Woodworth (1869-1962). Para compreender tal transformação, é necessário de início estabelecer uma distinção básica entre essa orientação funcionalista norteamericana surgida na virada do século XIX para o século XX e um projeto da psicologia enquanto ciência e técnica da adaptação que, de um modo mais amplo, se faz presente de modo maciço na atualidade. De fato, esse projeto delimitase a partir tanto desse movimento funcionalista como das psicologias diferencial e comparada, surgidas na Inglaterra (ccapítulo ). Nesses movimentos, graças ao empuxo darwinista, demarcase uma psicologia interessada na adaptação, evolução e variação das atividades mentais. Contudo, ao longo da história da psicologia, esse modelo se dissemina, transcende os seus movimentos originais e se dissolve no campo psicológico, dando a uma expressiva parte desse campo sua feição atual enquanto saber voltado para as práticas de ajustamento. Que forças históricas conduziram de forma mais específica a esse projeto? Como o movimento funcionalista norteamericano lhe conferiu uma feição mais organizada e sistemática, apesar de sua tão comentada falta de sistematicidade? Estas são as questões que serão tratadas na seqüência deste capítulo. Comecemos pela primeira questão, a saber, que condições presentes em solo norteamericano teriam constituído, de forma específica, essa forma de fazer psicologia. Dentre várias situações que concorreram para a irrupção desse projeto, destacamos duas: a) as necessidades políticas e administrativas decorrentes de um processo de modernização avançado próprio àquele país; e b) as características do sistema universitário norteamericano no final do século XIX. No que tange à modernização, podese dizer que, especialmente em meados do século XIX, assistese nos Estados Unidos, de modo semelhante a alguns países europeus, a um galopante processo de urbanização que se expande da costa leste em direção à oeste, por meio do avanço industrial e de uma série de transformações institucionais, como a expansão do sistema escolar. Esse processo demandou uma série de novos ajustes, exames e controles sobre os indivíduos, que Foucault (1977) denominaria poder disciplinar (cf. 122 capítulo I. É nesse contexto que a psicologia passou a ter um papel ativo, classificando, selecionando e ajustando os indivíduos a esses novos espaços - as escolas e as fábricas - e auxiliando no bom uso da sua liberdade nesse admirável mundo novo. Como vimos no primeiro capítulo, a psicologia da experiência alemã é herdeira da problemática do estudo da subjetividade, enquanto a psicologia dos países de língua inglesa vinculase à temática do indivíduo, ancorado nas forças da biologia. É nesse avançogalopante da modernidade que o sistema universitário norteamericano se expande, sem tanto peso da tradição que possuíam as universidades européias. Em certas áreas, como a da filosofia e das ciências humanas, isso implicava a adoção de novos modelos e paradigmas, como os evolucionismos darwinista espenceriano (cf. capítulo ), conduzindo à circulação de novos conceitos como adaptação, função e equilíbrio na constituição de novas áreas e na abordagem de velhos problemas, como o do conhecimento humano. Essa expansão universitária levou à constituição de novas e importantes universidades, como a de Chicago e a de Columbia, sedes de movimentos funcionalistas. É nesses centros e em outras universidades mais tradicionais, como Harvard, que esses novos conceitos serão vigorosamente utilizados, não apenas visando estudar processos naturais como a evolução e adaptação dos organismos, mas especialmente promovê-los nos finos ajustes e controles do mundo moderno em expansão. É neste sentido que se pode dizer que o movimento funcionalista conduziu a uma implementação refletida e regulada das práticas disciplinares surgidas na modernidade. Os primeirOs psicól0g0s m0rteamericanos Nesse processo, alguns psicólogos começam a se destacar em centros isolados e com diferentes relações com a matriz alemã. Um primeiro grupo, claramente representado pelo inglês Edward Titchener (1867-1927) na Universidade de Cornell, aportava nos Estados Unidos (no seu caso, em 1892), visando trazera boa novada psicologia alemã. Esse psicólogo será responsável pelo batismo da psicologia funcionalista em 1898, ao tentar diferenciála de sua psicologia, a estrutural, supostamente mais objetiva e oficial (cf. capítulo ). Titchener será uma voz praticamente isolada no contexto da psicologia americana, pregando no deserto do novo mundo. 123 Um segundo grupo, composto por psicólogos genuinamente norteamericanos, como Granville Stanley Hall, James McKeen Cattell e James Mark Baldwin, freqüentou a Roma da psicologia do século XIX (Leipzig, na Alemanha) visando à obtenção da bênção institucional de seu papa (Wilhelm Wundt). Mas essa rígida formação não aplacou interesses diversos do modo germânico de produzir psicologia. Baldwin (em Princeton, por exemplo, tendo passado apenas um breve período em Leipzig (1885), foi um dos autores que, de modo mais evidente, adotou o pensamento darwinista, voltando-o para temas como o desenvolvimento infantil. Cattell, mesmo tendo sido o primeiro assistente de Wundt em 1883, ao retornar para Columbia dedicouse ao trabalho de aperfeiçoamento de medidas mentaispara a classificação dos indivíduos, crucial para a constituição dos testes mentais (cf. capítulo 16). Stanley Hall, apesar deser, sob orientação de WilliamJames, o primeiro doutor em psicologia nos Estados Unidos em 1878, e o primeiro aluno americano de Wundt (em 1879), ao retornar para a Universidade de Clark promove a implantação de uma série de novas áreas e de um conjunto de novas instituições. É desta forma que se dedica a áreas como apsicologia da infância, adolescência e velhice, a psicologia da educação, o sexo e a religião. Funda revistas (como a American journal of Psychology) e associações (como a American Psychological Associationa maisimportante dos Estados Unidos), além de ser responsável pelo convite, em 1909, para a vinda de Sandor Ferenczi, Gustav Jung e Sigmund Freud para expor em linhas gerais a psicanálise (cf. capítulo 23), ou, nas palavras do último, trazer a peste para a América. Um terceiro grupo de psicólogos, composto por William James (em Harvard) e por John Dewey (nas universidades de Michigan, Minesota e Chicago, dispensa claramente as bênçãos da matriz germânica e implanta essa disciplina em território norteamericano a seu próprio modo. As primeiras tentativas de sistematização da psicologia sob a nova orientação couberam a estes autores: Dewey, com seu livro Psychology (1886), e James, com seu The Principles of Psychology (1890), mesmo que esses textos tivessem um aspecto pouco sistemático para os padrões germânicos (Wundt considerava Os princípios de psicologia de James como pura literatura). O livrotexto de James, ainda que posterior ao trabalho de Dewey (os primeiros artigos de James datam de 1878), foi fundamental para a constituição de um primeiro esboço do movimento funcionalista. Examinemos no próximo item como se esboçam a psicologia e, em especial, a filosofia de James. 124 A psicologia e afilosofia de William James Para fins didáticos, é possível dividir a obra de WILLIAM JAMEs em dois momentos: um psicológico (que vai da década de 1870 à de 1890) e outro filosófico (da década de 1880 até o final de sua vida). O primeiro período tem como marco inicial a criação de um pequeno laboratório de psicologia, em 1875, na Universidade de Harvard (ao qual James, na verdade, nunca devotou grande interesse), ou, aindano mesmo ano, o seu primeiro curso de psicologia, sobre As relações entre a fisiologia e a psicologia. Nesse período, o ponto culminante de sua produção teórica , sem dúvida, a publicação em 1890, após 12 anos de elaboração minuciosa, de OS PRINCÍPIOS DE PSICOLOGIA. Nesse tratado de mais de mil páginas encontram-se as principais idéias de James sobre tópicos tais como hábito, “atenção, “fluxo dopensamentoe “self. Vejamosum pouco de alguns destes temas, a começar pelo último. WILLIAM JAMEs nasceu em Nova York, em 1842, efaleceu em 1910, em sua casa de campo na cidade americana de orua. Em sua juventude, acompanhou o então eminente naturalista Louis Agassiz em uma expedição ao Brasil. ico, introduziu os métodos experimentaisem psicologia na Universidade de Harvard, decisivos para a elaboração de Os ipios de psicologia (1890). Teve, ao longo da vida, interesse profundo pelo estudo das religiões e temas místicos, deixando livro importante sobre o tópico: As variedades da experiência religiosa (1902). Como filósofo, foi responsável por aquela que iderada a maior contribuição americana filosofia: o pragmatismo. PRINCIPLEs of Psychotogr, no original. No Brasil, foi traduzido apenas o capítulo IX - Ofluxo do pensamento-, presente érie Os Pensadores, da Abril Cultural, no volume dedicado a William James. Há uma tradução argentina desse tratado ublicada pela Editora Glem (James, 1890). Em primeiro lugar, James interroga os limites daquilo que é chamado de self, “euou ego(os três termos são usados de forma intercambiável, sem distinção conceitual nítida), em oposição ao mundo circundante. Em sua concepção, o self não é algo como uma esfera polida, com um espaço interior no qual cabem coisas, e mergulhada em um mundo que a delimita externamente. O eu, afirmou James, é apenas o nome de uma posição; uma espécie de perspectiva individual privilegiada a partir da qual o mundo é medido em suas distâncias. Em segundo lugarJames concebe tais distâncias - por exemplo, a distância entre o que é aquie “ali- em função das ações individuais sobre o ambiente: onde o indivíduo age é o aqui ou, em outro exemplo possível, o momento em que ele age é o agora, contraposto ao momento de uma ação passada ou de uma ação que ainda acontecerá. Em razão disso, James constrói uma noção de self caracterizada por certa fluidez: sem limites estabelecidos previamente e com as referências básicas de tempo e espaço definidas em função das ações das quais esse mesmo selfé autor. Em 125 outras palavras, o self não existe como uma estrutura com certa organização psíquica, antes de suas ações; ao contrário, ele passa a existir em função de suas ações sobre o ambiente! A posição de James desconcerta o seu leitor, num primeiro momento, em função de sua originalidade. É possível dizer em favor do efeito, que o próprio autor também ficou desconcertado ao chegar às conclusões a que chegou. Na verdade, essa versão mais fluida de self é produto da fase final de sua obra, estando presente principalmente nos Ensaios sobre o Empirismo Radical (1905). É, contudo, resultado de uma longa trajetória intelectual- o trabalho de uma vida, não seria exagero dizer - que começa exatamente em seus escritos mais psicológicos. Em um dos capítulos mais citados desse livro tão abrangente, no qual James estuda o conceito de “fluxo do pensamento”, temos um excelente exemplo do modo como ele já avançava teoricamente em bases sobre as quais, mais tarde, edificaria, em termos mais livres, as relações entre o self e o ambiente. Ao afirmar que o pensamento é contínuo, isto é, que não é fragmentado em partes, ele constitui a metáfora que nomeará o capítulo e entrará para a história como uma de suas principais contribuições ao estudo da psicologia. Escreveu ele: A consciência não se apresenta, para ela mesma, cortada em pequenos pedaços. Palavras tais como “cadeia” ou “sucessão” não a descrevem adequadamente, tal qual ela se apresenta em primeira instância. Ela não é algo agregado; ela flui. Um “rio” ou um “fluxo” são as metáforas pelas quais ela é mais naturalmente descrita. Ao falar dela, daqui por diante, vamos chamá-la de o fluxo do pensamento, da consciência ou da vida subjetiva James, 1890: 239). A vida subjetiva retratada como o fluxo de um rio - correlata do conceito de fluxo do pensamento - é uma idéia poderosa que, associada a outras peças conceituais do mesmo período elevada à radicalidade em escritos posteriores, é uma das vigas centrais para a caracterização final dos principais conceitos de James. Nestes termos, a consciência teria como propriedades básicas: 1) a pessoalidade; 2) o seu aspecto mutante; 3) a continuidade; 4) a referência aos objetos; 5) o seu aspecto seletivo (James, 1890: 225). A análise do conceito de hábito também será útil à compreensão de como os “textos psicológicos” de James, especialmente quando interpretados ao lado dos “textos filosóficose religiosos” do último período, já traziam as idéias mais importantes para a caracterização de seu funcionalismo. Sobre hábito, há três tópicos principais: primeiro, o destaque dado à sua base física ou neurofisiológica e sua participação tanto nos limites do aprendizado de novos 126 hábitos como na modificação de hábitos antigos; segundo, a apresentação do hábito como uma versão possível das ações adaptativas de um organismo em referência a um meio; ou seja, a ênfase sobre os aspectos funcionais do hábito; terceiro, a possibilidade de alteração dos hábitos pela ação voluntária e os efeitos ético-morais a ela correspondentes. Os dois primeiros tópicos são especialmente relevantes para o tema em questão. No primeiro tópico, está presente um elemento central que é o do contraponto regular da preocupação de James em conceber o hábito em solo fisicalista, com seu interesse em determinadas implicações de cunho ético. Fundamentalmente, ele lança metáforas naturalistas de efeitos teóricos e morais poderosos. Ou seja, James enuncia, com base em um vocabulário biológico, definições sintéticas de seus conceitos principais, mas de sintaxe suficientemente ampla para que ele próprio, mais adiante, estenda largamente suas possibilidades de significação. Sua metáfora central nesse conjunto de textos é a de que um hábito adquirido, do ponto de vista fisiológico, é nada mais que uma nova via de descarga formada no cérebro pela qual, desde então, certas correntes aferentes tendem a seguir(James, 1892: 137). No segundo tópico, James revela a posição darwiniana ao destacar a utilidade adaptativa do hábito. Ao dissertar sobre os efeitos práticos do hábito, ele é claro: Primeiro, o hábito simplifica nossos movimentos, os faz acurados e diminui a fadiga. ...] Segundo, o hábito diminui a atenção consciente com a qual realizamos nossos atos” (James, 1892: 140-141). E, na continuidade, James enuncia sua segunda metáfora naturalista: Hábitos dependem de sensações não atendidas” (James, 1892: 143). O fundamentalaqui é notar o quanto é importante para um organismo a aquisição e manutenção da habilidade, ou capacidade, de fazer a atenção consciente repousar. Em outraspalavras, não atendera uma sensação equivale a ascender a um tipo particular de repouso. Deixando a cargo do hábito toda uma série de atividades mais ou menos cotidianas ou banais, embora fundamentais à conservação da vida diária, o organismo reserva àvidamental plenamente consciente outras tarefas e esforços. Retomando o que se convencionou chamar aqui de primeira metáfora naturalista, é possível colocar em suspenso a nomeclatura neurofisiológica e sustentara afirmação mais simples de que um hábito é uma via. Ao se destituir a metáfora de termos como correntes elétricas” e “descargas cerebrais, abrese campo para uma imagem de selfmenos comprometida com o vocabulário da neurofisiologia. Não é que James tenha deixado de lado a fisiologia, mas, ao reduzir o seu interesse pela psicologia experimental, passa a falar do corpo, 127 utilizando-se mais dos termos dalinguagem do dia-a-dia do que do vocabulário médico. Então, essa imagem de self, potencialmente delineada no segmento mais maduro da obra de James, tem como centro de referência conceitual um corpo humano e suas ações, mas não restringe seu alcance semântico à gramática do fisicalismo, Em suma, os conceitos de self, fluxo do pensamento e hábito fornecem indicações teóricas suficientes para a sustentação da importância de James para o funcionalismo: na obra desse autor, o foco está sempre colocado sobre a função e não sobre supostas propriedades” de um organismo dotado de psiquismo. Dito de outra forma, na perspectivajamesiana, o que um organismo , ou deixa de ser, decorre das funções que exerce e das interações com um dado ambiente. No entanto, como Dewey (1940) ressalta, a psicologia dos Princípios de James ainda não é plenamente funcional. Suas intenções funcionalistas se expressam na adoção parcial da máxima oriunda de Herbert Spencer segundo a qual os fenômenos biológicos e psicológicos se irmanam nos processos adaptativos entre as relações internas e externas ao organismo. Ou ainda no balanceamento desta máxima com a proposta darwinista de seleção ao acaso das variações do organismo. Essa psicologia seria prenhe de boas intenções, mas seria travada por obstáculos, como um certo dualismo entre um sujeito conhecedor e os objetos a serem conhecidos, postulados como entidades naturais e dadas previamente à tarefa do conhecimento. Mesmo que este dualismo seja advogado como atitude do psicólogo, seria um entrave a um funcionalismo que toma essas entidades como construídas nas ações do organismo (Dewey, 1940: 343 e 354). Contudo, é na filosofia de James (à qual se dedica a partir da década de 1880) e, mais especificamente, no seu pragmatismo que a orientação funcionalista ganha força. Para termos de modo mais claro essa mudança em seu trabalho, devemos recorrer a algumas definições prévias de sua filosofia. Passemos a palavra ao próprio autor. Sobre o pragmatismo, este seria primeiramente um método, e em segundo lugar, uma teoria genética do que se entende por verdade” (James, 1907:25). Em seu primeiro sentido, significa: A atitude de olhar além das primeiras coisas, dos princípios, das categorias, das supostas necessidades; e de procurar pelas últimas coisas, frutos, conseqüências, fatos” (James, 1907: 21). Atuaria de forma a ..] extrair de cada palavra o seu valor de compra prático, -la a trabalhar dentro da corrente de nossa experiência. Desdobrase então menos como uma solução do que como um programa para mais trabalho, 128 e mais particularmente como uma indicação dos caminhos pelos quais as realidades existentes podem ser modificadas. Asteorias assim tornamse instrumentosenão respostas aos enigmas, sobre as quais podemos descansar James, 1907: 20). O método pragmatista aqui exposto é originário do filósofo Charles Sanders Peirce (1839-1914). Contudo, na sua apropriação há um deslocamento, pois, separa Peirce este visava apenas extrair as regras de conduta, ou ações presentes nos diversos conceitos, para James este representava o estudo das modificações na experiência trazidas pelas teorias, em especial as metafísicas e religiosas. Portanto, ao contrário de Peirce, para James a teoria da verdade, ou o segundo sentido para o termo pragmatismo, é tida como conseqüência natural do seu primeiro sentido, enquanto método. Se o método pragmático une o significado à conduta, a teoria pragmática da verdade implica a boa conduta em seu sentido adaptativo. Devolvendo novamente a palavra a James (1907: 78): Nosso relato de verdade é um relato de verdade no plural, o processo de conduzir, compreendido in rebus (nascoisas), etendo somente essa qualidade em comum, que elas pagam. Cumpririam guiandonos a alguma parte de um sistema que mergulha em numerosos pontos, em objetos de percepçãosenso, que podemos copiar mentalmente ou não, mas com os quais, de qualquer modo estamos na espécie de comércio designado verificação. A verdade para nós é simplesmente um nome coletivo para processos de verificação, domesmo modo que a saúde, a riqueza, a força, etc., são nomes de outros processos ligados à vida, e também perseguidos, porque compensa perseguilos. A verdade é feita, do mesmo modo que a saúde, a riqueza e a força são feitas no curso dos acontecimentos. Verdadeira é o nome para qualquer idéia que inicie o processo de verificação, útil é o nome para sua função completada na experiência James, 1907: 73). Exposto em breves linhas o pragmatismo, devese em seguida perguntar: quais são as relações dessa forma de pensar o conhecimento com o movimento funcionalista? Mais do que a mera presença de alguns autores, como Dewey, nos dois movimentos, para alguns comentadores a relação entre pragmatismo e funcionalismo é de pura semelhança. Seriam, pois, duas faces de uma mesma moeda: o pragmatismo seria o funcionalismo filosófico, assim como o funcionalismo seria o pragmatismo psicológico. É deste modo que Angell se pronuncia: Não desejo comprometer qualquer das tendências ao afirmar que a psicologia funcionale opragmatismo são a mesma coisa. Na verdade, como 129 psicólogo eu hesitaria em atrair paramim a torrente de críticas metafísicas, provocadas pelos autores pragmatistas [...] De qualquer forma, sustento apenas que os dois movimentos decorrem de motivação lógica semelhante e, para suavitalidade e propagação, dependem de forças muito semelhantes (Angell, 1906: 622). Contudo, mais concretamente, que implicações o pragmatismo tem para a constituição dos funcionalismos? A tese aqui defendida é que, dentro desses novos referenciais, a consciência e a experiência não são mais abordáveis no afă analítico de decompô-las em seus elementos mínimos, a fim de distinguir a verdade das ilusões (como almejava a psicologia alemã). Como não há verdade prévia, mas apenas efeitos de verdade, deve-se tomar a experiência consciente a partir de seus processos e efeitos. É desta maneira que ela passa a ser considerada a partir da sua função em um duplo sentido: enquanto um processo dinâmico (um ato) e como processo orgânico dotado de finalidade adaptativa. Aqui, a experiência consciente se coloca conforme uma nova questão: para que serve? Como opera? Qual é a sua função biológica? Ainda que o objeto da psicologia se assemelhebastante ao da psicologia alemã, a experiência passa a ser vista a partir de uma nova questão (a adaptação), através de métodos diversificados que fogem da monotonia da introspecção controlada (os métodos comparativos com os animais, as psicometrias, a observação natural) e regulada por um novo modelo de cunho estritamente darwinista. Essaguinada é crucialna história da psicologia porque encarna o sujeito da experiência, avalizado pela psicologia clássica como sujeito dos erros ou das ilusões do conhecimento em um corpo en adaptação. Se a psicologia clássica, mesmo apoiada na fisiologia sensorial, estudou a nossa experiência imediata apartir do referencialde verdade da experiência mediata da física, tomando esse sujeito desencarnado do conhecimento como modelo, o funcionalismo denunciou essa ilusão, passando a conceber a verdade e a ilusão como processos da vida, adaptação e desadaptação. Em outras palavras, a fisiologia cede à biologia a função de ciência-guia da psicologia. Comisso, a relação da consciência com o mundo passa a ser de adaptação e não mais de adequação (como estabelecido pela psicologia alemã). Vejamos de modo mais detalhado a encarnação desse projeto da psicologia no próximo item. 130
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