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O Funcionalismo Em Seus Primórdios

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Capítulo 1 0 funcionalismo em seus primórdios: a 
psicologia a serviço da adaptação 
Arthur Arrudaleal Ferreira Guilherme Gutman 
As condições históricas dos movimentos funcionalistas 
A psicologia no século XIX, especialmente como se produzia na Alemanha no final 
daquele século (centro mundial da produção acadêmica e institucional deste saber nesse 
período, é completamente estranha ao nosso quadro atual. Trata-se de uma psicologia que: a) 
Devotase à pesquisa pura, em contraste com o quadro recente que enfatiza 
o aspecto prático de intervenção nos mais diversos campos. b)Toma como objeto de estudo 
anossa experiência comum consciente, objeto suficientemente problematizado por correntes 
relevantes como a psicanálise e o behaviorismo. c) Devotase a este objeto através da suspeita 
de ilusão de nossa experiência comum, problema herdado da física e da filosofia do século 
XVII, sem buscar, naquele momento, qualquer forma de ajustamento dos indivíduos. d) Utiliza 
nesse exame da nossa experiência uma forma particular de introspecção controlada em que os 
sujeitos teriam que ser mentalmente sãos e treinados para fazer a descrição mais precisa dos 
elementos básicos dessa experiência comum, as sensações. e) Por conta das exigências do 
método, não estuda os sujeitos comuns (muito menos crianças, animais e loucos); estuda 
outros psicólogos devidamente treinados na profissão de fé da fisiologia para chegarem aos 
meandros da nossa experiência mais pura. Mais ingênua. 
121 
 
 
O objetivo deste capítulo é expor a transformação desse quadro da psicologia, tal como 
operada especialmente nos Estados Unidos graças ao movimento funcionalista, composto por 
psicólogos como Granville Stanley Hall (1844-1924), James McKeen Cattell (1860-1944), 
James Mark Baldwin (1831-1934) e WilliamJames (1842-1910), além de escolas como a de 
Chicago, composta por John Dewey (1859-1952), James Angell (1869-1949) e Harvey Carr 
(1873-1954), e a de Columbia, integrada por Edward Lee Thorndike (1874-1949) e Robert 
Sears Woodworth (1869-1962). 
Para compreender tal transformação, é necessário de início estabelecer uma distinção 
básica entre essa orientação funcionalista norteamericana surgida na virada do século XIX para 
o século XX e um projeto da psicologia enquanto ciência e técnica da adaptação que, de um 
modo mais amplo, se faz presente de modo maciço na atualidade. De fato, esse projeto 
delimitase a partir tanto desse movimento funcionalista como das psicologias diferencial e 
comparada, surgidas na Inglaterra (ccapítulo ). Nesses movimentos, graças ao empuxo 
darwinista, demarcase uma psicologia interessada na adaptação, evolução e variação das 
atividades mentais. Contudo, ao longo da história da psicologia, esse modelo se dissemina, 
transcende os seus movimentos originais e se dissolve no campo psicológico, dando a uma 
expressiva parte desse campo sua feição atual enquanto saber voltado para as práticas de 
ajustamento. Que forças históricas conduziram de forma mais específica a esse projeto? Como 
o movimento funcionalista norteamericano lhe conferiu uma feição mais organizada e 
sistemática, apesar de sua tão comentada falta de sistematicidade? Estas são as questões que 
serão tratadas na seqüência deste capítulo. 
Comecemos pela primeira questão, a saber, que condições presentes em solo 
norteamericano teriam constituído, de forma específica, essa forma de fazer psicologia. Dentre 
várias situações que concorreram para a irrupção desse projeto, destacamos duas: a) as 
necessidades políticas e administrativas decorrentes de um processo de modernização 
avançado próprio àquele país; e b) as características do sistema universitário norteamericano 
no final do século XIX. 
No que tange à modernização, podese dizer que, especialmente em meados do século 
XIX, assistese nos Estados Unidos, de modo semelhante a alguns países europeus, a um 
galopante processo de urbanização que se expande da costa leste em direção à oeste, por 
meio do avanço industrial e de uma série de transformações institucionais, como a expansão 
do sistema escolar. Esse processo demandou uma série de novos ajustes, exames e controles 
sobre os indivíduos, que Foucault (1977) denominaria poder disciplinar (cf. 
122 
 
 
capítulo I. É nesse contexto que a psicologia passou a ter um papel ativo, classificando, selecionando e ajustando os 
indivíduos a esses novos espaços - as escolas e as fábricas - e auxiliando no bom uso da sua liberdade nesse 
admirável mundo novo. 
Como vimos no primeiro capítulo, a psicologia da experiência alemã é herdeira da 
problemática do estudo da subjetividade, enquanto a psicologia dos países de língua 
inglesa vinculase à temática do indivíduo, ancorado nas forças da biologia. 
É nesse avançogalopante da modernidade que o sistema universitário norteamericano se 
expande, sem tanto peso da tradição que possuíam as universidades européias. Em certas 
áreas, como a da filosofia e das ciências humanas, isso implicava a adoção de novos modelos 
e paradigmas, como os evolucionismos darwinista espenceriano (cf. capítulo ), conduzindo à 
circulação de novos conceitos como adaptação, função e equilíbrio na constituição de novas 
áreas e na abordagem de velhos problemas, como o do conhecimento humano. 
Essa expansão universitária levou à constituição de novas e importantes universidades, 
como a de Chicago e a de Columbia, sedes de movimentos funcionalistas. É nesses centros e 
em outras universidades mais tradicionais, como Harvard, que esses novos conceitos serão 
vigorosamente utilizados, não apenas visando estudar processos naturais como a evolução e 
adaptação dos organismos, mas especialmente promovê-los nos finos ajustes e controles do 
mundo moderno em expansão. É neste sentido que se pode dizer que o movimento 
funcionalista conduziu a uma implementação refletida e regulada das práticas disciplinares 
surgidas na modernidade. 
Os primeirOs psicól0g0s m0rteamericanos 
Nesse processo, alguns psicólogos começam a se destacar em centros isolados e com 
diferentes relações com a matriz alemã. Um primeiro grupo, claramente representado pelo 
inglês Edward Titchener (1867-1927) na Universidade de Cornell, aportava nos Estados Unidos 
(no seu caso, em 1892), visando trazera boa novada psicologia alemã. Esse psicólogo será 
responsável pelo batismo da psicologia funcionalista em 1898, ao tentar diferenciála de sua 
psicologia, a estrutural, supostamente mais objetiva e oficial (cf. capítulo ). Titchener será uma 
voz praticamente isolada no contexto da psicologia americana, pregando no deserto do novo 
mundo. 
123 
 
 
Um segundo grupo, composto por psicólogos genuinamente norteamericanos, como 
Granville Stanley Hall, James McKeen Cattell e James Mark Baldwin, freqüentou a Roma da 
psicologia do século XIX (Leipzig, na Alemanha) visando à obtenção da bênção institucional de 
seu papa (Wilhelm Wundt). Mas essa rígida formação não aplacou interesses diversos do 
modo germânico de produzir psicologia. Baldwin (em Princeton, por exemplo, tendo passado 
apenas um breve período em Leipzig (1885), foi um dos autores que, de modo mais evidente, 
adotou o pensamento darwinista, voltando-o para temas como o desenvolvimento infantil. 
Cattell, mesmo tendo sido o primeiro assistente de Wundt em 1883, ao retornar para Columbia 
dedicouse ao trabalho de aperfeiçoamento de medidas mentaispara a classificação dos 
indivíduos, crucial para a constituição dos testes mentais (cf. capítulo 16). Stanley Hall, apesar 
deser, sob orientação de WilliamJames, o primeiro doutor em psicologia nos Estados Unidos 
em 1878, e o primeiro aluno americano de Wundt (em 1879), ao retornar para a Universidade 
de Clark promove a implantação de uma série de novas áreas e de um conjunto de novas 
instituições. É desta forma que se dedica a áreas como apsicologia da infância, adolescência e 
velhice, a psicologia da educação, o sexo e a religião. Funda revistas (como a American journal 
of Psychology) e associações (como a American Psychological Associationa maisimportante 
dos Estados Unidos), além de ser responsável pelo convite, em 1909, para a vinda de Sandor 
Ferenczi, Gustav Jung e Sigmund Freud para expor em linhas gerais a psicanálise (cf. capítulo 
23), ou, nas palavras do último, trazer a peste para a América. 
Um terceiro grupo de psicólogos, composto por William James (em Harvard) e por 
John Dewey (nas universidades de Michigan, Minesota e Chicago, dispensa 
claramente as bênçãos da matriz germânica e implanta essa disciplina em território 
norteamericano a seu próprio modo. As primeiras tentativas de sistematização da 
psicologia sob a nova orientação couberam a estes autores: Dewey, com seu livro 
Psychology (1886), e James, com seu The Principles of Psychology (1890), mesmo 
que esses textos tivessem um aspecto pouco sistemático para os padrões germânicos 
(Wundt considerava Os princípios de psicologia de James como pura literatura). O 
livrotexto de James, ainda que posterior ao trabalho de Dewey (os primeiros artigos de 
James datam de 1878), foi fundamental para a constituição de um primeiro esboço do 
movimento funcionalista. Examinemos no próximo item como se esboçam a psicologia 
e, em especial, a filosofia de James. 
124 
 
 
A psicologia e afilosofia de William James 
Para fins didáticos, é possível dividir a obra de WILLIAM JAMEs em dois 
momentos: um psicológico (que vai da década de 1870 à de 1890) e outro filosófico (da 
década de 1880 até o final de sua vida). O primeiro período tem como marco inicial a 
criação de um pequeno laboratório de psicologia, em 1875, na Universidade de 
Harvard (ao qual James, na verdade, nunca devotou grande interesse), ou, aindano 
mesmo ano, o seu primeiro curso de psicologia, sobre As relações entre a fisiologia e a 
psicologia. Nesse período, o ponto culminante de sua produção teórica , sem dúvida, a 
publicação em 1890, após 12 anos de elaboração minuciosa, de OS PRINCÍPIOS DE 
PSICOLOGIA. Nesse tratado de mais de mil páginas encontram-se as principais idéias 
de James sobre tópicos tais como hábito, “atenção, “fluxo dopensamentoe “self. 
Vejamosum pouco de alguns destes temas, a começar pelo último. 
WILLIAM JAMEs nasceu em Nova York, em 1842, efaleceu em 1910, em sua casa de campo na cidade americana 
de 
orua. Em sua juventude, acompanhou o então eminente naturalista Louis Agassiz em uma expedição ao Brasil. ico, 
introduziu os métodos experimentaisem psicologia na Universidade de Harvard, decisivos para a elaboração de Os 
ipios de psicologia (1890). Teve, ao longo da vida, interesse profundo pelo estudo das religiões e temas místicos, 
deixando livro importante sobre o tópico: As variedades da experiência religiosa (1902). Como filósofo, foi 
responsável por aquela que 
iderada a maior contribuição americana filosofia: o pragmatismo. 
PRINCIPLEs of Psychotogr, no original. No Brasil, foi traduzido apenas o capítulo IX - Ofluxo do pensamento-, 
presente érie Os Pensadores, da Abril Cultural, no volume dedicado a William James. Há uma tradução argentina 
desse tratado ublicada pela Editora Glem (James, 1890). 
Em primeiro lugar, James interroga os limites daquilo que é chamado de self, 
“euou ego(os três termos são usados de forma intercambiável, sem distinção conceitual 
nítida), em oposição ao mundo circundante. Em sua concepção, o self não é algo como 
uma esfera polida, com um espaço interior no qual cabem coisas, e mergulhada em um 
mundo que a delimita externamente. O eu, afirmou James, é apenas o nome de uma 
posição; uma espécie de perspectiva individual privilegiada a partir da qual o mundo é 
medido em suas distâncias. Em segundo lugarJames concebe tais distâncias - por 
exemplo, a distância entre o que é aquie “ali- em função das ações individuais sobre o 
ambiente: onde o indivíduo age é o aqui ou, em outro exemplo possível, o momento em 
que ele age é o agora, contraposto ao momento de uma ação passada ou de uma ação 
que ainda acontecerá. Em razão disso, James constrói uma noção de self 
caracterizada por certa fluidez: sem limites estabelecidos previamente e com as 
referências básicas de tempo e espaço definidas em função das ações das quais esse 
mesmo selfé autor. Em 
125 
 
 
outras palavras, o self não existe como uma estrutura com certa organização psíquica, antes 
de suas ações; ao contrário, ele passa a existir em função de suas ações sobre o ambiente! 
A posição de James desconcerta o seu leitor, num primeiro momento, em função de sua 
originalidade. É possível dizer em favor do efeito, que o próprio autor também ficou 
desconcertado ao chegar às conclusões a que chegou. Na verdade, essa versão mais fluida de 
self é produto da fase final de sua obra, estando presente principalmente nos Ensaios sobre o 
Empirismo Radical (1905). É, contudo, resultado de uma longa trajetória intelectual- o trabalho 
de uma vida, não seria exagero dizer - que começa exatamente em seus escritos mais 
psicológicos. Em um dos capítulos mais citados desse livro tão abrangente, no qual James 
estuda o conceito de “fluxo do pensamento”, temos um excelente exemplo do modo como ele 
já avançava teoricamente em bases sobre as quais, mais tarde, edificaria, em termos mais 
livres, as relações entre o self e o ambiente. Ao afirmar que o pensamento é contínuo, isto é, 
que não é fragmentado em partes, ele constitui a metáfora que nomeará o capítulo e entrará 
para a história como uma de suas principais contribuições ao estudo da psicologia. Escreveu 
ele: 
A consciência não se apresenta, para ela mesma, cortada em pequenos pedaços. Palavras tais 
como “cadeia” ou “sucessão” não a descrevem adequadamente, tal qual ela se apresenta em 
primeira instância. Ela não é algo agregado; ela flui. Um “rio” ou um “fluxo” são as metáforas 
pelas quais ela é mais naturalmente descrita. Ao falar dela, daqui por diante, vamos 
chamá-la de o fluxo do pensamento, da consciência ou da vida subjetiva James, 1890: 239). 
A vida subjetiva retratada como o fluxo de um rio - correlata do conceito de fluxo do 
pensamento - é uma idéia poderosa que, associada a outras peças conceituais do mesmo 
período elevada à radicalidade em escritos posteriores, é uma das vigas centrais para a 
caracterização final dos principais conceitos de James. Nestes termos, a consciência teria 
como propriedades básicas: 1) a pessoalidade; 2) o seu aspecto mutante; 3) a continuidade; 4) 
a referência aos objetos; 5) o seu aspecto seletivo (James, 1890: 225). 
A análise do conceito de hábito também será útil à compreensão de como os “textos 
psicológicos” de James, especialmente quando interpretados ao lado dos “textos filosóficose 
religiosos” do último período, já traziam as idéias mais importantes para a caracterização de 
seu funcionalismo. Sobre hábito, há três tópicos principais: primeiro, o destaque dado à sua 
base física ou neurofisiológica e sua participação tanto nos limites do aprendizado de novos 
126 
 
 
 
hábitos como na modificação de hábitos antigos; segundo, a apresentação do hábito como uma 
versão possível das ações adaptativas de um organismo em referência a um meio; ou seja, a 
ênfase sobre os aspectos funcionais do hábito; terceiro, a possibilidade de alteração dos 
hábitos pela ação voluntária e os efeitos ético-morais a ela correspondentes. 
Os dois primeiros tópicos são especialmente relevantes para o tema em questão. No 
primeiro tópico, está presente um elemento central que é o do contraponto regular da 
preocupação de James em conceber o hábito em solo fisicalista, com seu interesse em 
determinadas implicações de cunho ético. Fundamentalmente, ele lança metáforas naturalistas 
de efeitos teóricos e morais poderosos. Ou seja, James enuncia, com base em um vocabulário 
biológico, definições sintéticas de seus conceitos principais, mas de sintaxe suficientemente 
ampla para que ele próprio, mais adiante, estenda largamente suas possibilidades de 
significação. Sua metáfora central nesse conjunto de textos é a de que um hábito adquirido, do 
ponto de vista fisiológico, é nada mais que uma nova via de descarga formada no cérebro pela 
qual, desde então, certas correntes aferentes tendem a seguir(James, 1892: 137). 
No segundo tópico, James revela a posição darwiniana ao destacar a utilidade adaptativa 
do hábito. Ao dissertar sobre os efeitos práticos do hábito, ele é claro: Primeiro, o hábito 
simplifica nossos movimentos, os faz acurados e diminui a fadiga. ...] Segundo, o hábito diminui 
a atenção consciente com a qual realizamos nossos atos” (James, 1892: 140-141). E, na 
continuidade, James enuncia sua segunda metáfora naturalista: Hábitos dependem de 
sensações não atendidas” (James, 1892: 143). 
O fundamentalaqui é notar o quanto é importante para um organismo a aquisição e 
manutenção da habilidade, ou capacidade, de fazer a atenção consciente repousar. Em 
outraspalavras, não atendera uma sensação equivale a ascender a um tipo particular de 
repouso. Deixando a cargo do hábito toda uma série de atividades mais ou menos cotidianas 
ou banais, embora fundamentais à conservação da vida diária, o organismo reserva 
àvidamental plenamente consciente outras tarefas e esforços. 
Retomando o que se convencionou chamar aqui de primeira metáfora naturalista, 
é possível colocar em suspenso a nomeclatura neurofisiológica e sustentara afirmação 
mais simples de que um hábito é uma via. Ao se destituir a metáfora de termos como 
correntes elétricas” e “descargas cerebrais, abrese campo para uma imagem de 
selfmenos comprometida com o vocabulário da neurofisiologia. Não é que James tenha 
deixado de lado a fisiologia, mas, ao reduzir o seu interesse pela psicologia 
experimental, passa a falar do corpo, 
127 
 
 
utilizando-se mais dos termos dalinguagem do dia-a-dia do que do vocabulário médico. Então, 
essa imagem de self, potencialmente delineada no segmento mais maduro da obra de James, 
tem como centro de referência conceitual um corpo humano e suas ações, mas não restringe 
seu alcance semântico à gramática do fisicalismo, 
Em suma, os conceitos de self, fluxo do pensamento e hábito fornecem 
indicações teóricas suficientes para a sustentação da importância de James para o 
funcionalismo: na obra desse autor, o foco está sempre colocado sobre a função e não 
sobre supostas propriedades” de um organismo dotado de psiquismo. Dito de outra 
forma, na perspectivajamesiana, o que um organismo , ou deixa de ser, decorre das 
funções que exerce e das interações com um dado ambiente. 
No entanto, como Dewey (1940) ressalta, a psicologia dos Princípios de James ainda não 
é plenamente funcional. Suas intenções funcionalistas se expressam na adoção parcial da 
máxima oriunda de Herbert Spencer segundo a qual os fenômenos biológicos e psicológicos se 
irmanam nos processos adaptativos entre as relações internas e externas ao organismo. Ou 
ainda no balanceamento desta máxima com a proposta darwinista de seleção ao acaso das 
variações do organismo. Essa psicologia seria prenhe de boas intenções, mas seria travada 
por obstáculos, como um certo dualismo entre um sujeito conhecedor e os objetos a serem 
conhecidos, postulados como entidades naturais e dadas previamente à tarefa do 
conhecimento. Mesmo que este dualismo seja advogado como atitude do psicólogo, seria um 
entrave a um funcionalismo que toma essas entidades como construídas nas ações do 
organismo (Dewey, 1940: 343 e 354). 
Contudo, é na filosofia de James (à qual se dedica a partir da década de 1880) e, mais 
especificamente, no seu pragmatismo que a orientação funcionalista ganha força. Para termos 
de modo mais claro essa mudança em seu trabalho, devemos recorrer a algumas definições 
prévias de sua filosofia. Passemos a palavra ao próprio autor. Sobre o pragmatismo, este seria 
primeiramente um método, e em segundo lugar, uma teoria genética do que se entende por 
verdade” (James, 1907:25). Em seu primeiro sentido, significa: A atitude de olhar além das 
primeiras coisas, dos princípios, das categorias, das supostas necessidades; e de procurar 
pelas últimas coisas, frutos, conseqüências, fatos” (James, 1907: 21). Atuaria de forma a 
..] extrair de cada palavra o seu valor de compra prático, -la a 
trabalhar dentro da corrente de nossa experiência. Desdobrase então menos como uma solução do que 
como um programa para mais trabalho, 
128 
 
 
e mais particularmente como uma indicação dos caminhos pelos quais as realidades existentes podem 
ser modificadas. Asteorias assim tornamse instrumentosenão respostas aos enigmas, sobre as quais 
podemos descansar James, 1907: 20). 
O método pragmatista aqui exposto é originário do filósofo Charles Sanders Peirce 
(1839-1914). Contudo, na sua apropriação há um deslocamento, pois, separa Peirce este 
visava apenas extrair as regras de conduta, ou ações presentes nos diversos conceitos, para 
James este representava o estudo das modificações na experiência trazidas pelas teorias, em 
especial as metafísicas e religiosas. Portanto, ao contrário de Peirce, para James a teoria da 
verdade, ou o segundo sentido para o termo pragmatismo, é tida como conseqüência natural 
do seu primeiro sentido, enquanto método. Se o método pragmático une o significado à 
conduta, a teoria pragmática da verdade implica a boa conduta em seu sentido adaptativo. 
Devolvendo novamente a palavra a James (1907: 78): 
 
Nosso relato de verdade é um relato de verdade no plural, o processo de conduzir, 
compreendido in rebus (nascoisas), etendo somente essa qualidade em comum, que elas 
pagam. Cumpririam guiandonos a alguma parte de um sistema que mergulha em numerosos 
pontos, em objetos de percepçãosenso, que podemos copiar mentalmente ou não, mas com os 
quais, de qualquer modo estamos na espécie de comércio designado verificação. A verdade 
para nós é simplesmente um nome coletivo para processos de verificação, domesmo modo 
que a saúde, a riqueza, a força, etc., são nomes de outros processos ligados à vida, e também 
perseguidos, porque compensa perseguilos. A verdade é feita, do mesmo modo que a saúde, a 
riqueza e a força são feitas no curso dos acontecimentos. Verdadeira é o nome para qualquer 
idéia que inicie o processo de verificação, útil é o nome para sua função completada na 
experiência James, 1907: 73). Exposto em breves linhas o pragmatismo, devese em seguida 
perguntar: quais são as relações dessa forma de pensar o conhecimento com o movimento 
funcionalista? Mais do que a mera presença de alguns autores, como Dewey, nos dois 
movimentos, para alguns comentadores a relação entre pragmatismo e funcionalismo é de pura 
semelhança. Seriam, pois, duas faces de uma mesma moeda: o pragmatismo seria o 
funcionalismo filosófico, assim como o funcionalismo seria o pragmatismo psicológico. É deste 
modo que Angell se pronuncia: 
Não desejo comprometer qualquer das tendências ao afirmar que a psicologia funcionale 
opragmatismo são a mesma coisa. Na verdade, como 
129 
 
 
psicólogo eu hesitaria em atrair paramim a torrente de críticas metafísicas, provocadas pelos autores 
pragmatistas [...] De qualquer forma, sustento apenas que os dois movimentos decorrem de motivação 
lógica semelhante e, para suavitalidade e propagação, dependem de forças muito semelhantes (Angell, 
1906: 622). 
Contudo, mais concretamente, que implicações o pragmatismo tem para a constituição 
dos funcionalismos? A tese aqui defendida é que, dentro desses novos referenciais, a 
consciência e a experiência não são mais abordáveis no afă analítico de decompô-las em seus 
elementos mínimos, a fim de distinguir a verdade das ilusões (como almejava a psicologia 
alemã). Como não há verdade prévia, mas apenas efeitos de verdade, deve-se tomar a 
experiência consciente a partir de seus processos e efeitos. É desta maneira que ela passa a 
ser considerada a partir da sua função em um duplo sentido: enquanto um processo dinâmico 
(um ato) e como processo orgânico dotado de finalidade adaptativa. Aqui, a experiência 
consciente se coloca conforme uma nova questão: para que serve? Como opera? Qual é a sua 
função biológica? 
Ainda que o objeto da psicologia se assemelhebastante ao da psicologia alemã, a experiência 
passa a ser vista a partir de uma nova questão (a adaptação), através de métodos 
diversificados que fogem da monotonia da introspecção controlada (os métodos comparativos 
com os animais, as psicometrias, a observação natural) e regulada por um novo modelo de 
cunho estritamente darwinista. Essaguinada é crucialna história da psicologia porque encarna o 
sujeito da experiência, avalizado pela psicologia clássica como sujeito dos erros ou das ilusões 
do conhecimento em um corpo en adaptação. Se a psicologia clássica, mesmo apoiada na 
fisiologia sensorial, estudou a nossa experiência imediata apartir do referencialde verdade da 
experiência mediata da física, tomando esse sujeito desencarnado do conhecimento como 
modelo, o funcionalismo denunciou essa ilusão, passando a conceber a verdade e a ilusão 
como processos da vida, adaptação e desadaptação. Em outras palavras, a fisiologia cede à 
biologia a função de ciência-guia da psicologia. Comisso, a relação da consciência com o 
mundo passa a ser de adaptação e não mais de adequação (como estabelecido pela psicologia 
alemã). Vejamos de modo mais detalhado a encarnação desse projeto da psicologia no 
próximo item. 
130

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