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Direito Civil IV CONTRATOS EM ESPÉCIE Prof.a Myriam Benarrós Clementoni - J.F. SIMÃO. Direito Civil Contratos. São Paulo: Atlas, 2007 - P. STOLZE GAGLIANO-R. PAMPLONA FILHO. Novo Curso de Direito Civil. Contratos em espécie. São Paulo: Saraiva, 2009. ____________________________________________________________________________ 1 2. TROCA OU PERMUTA (Art. 533) Conceito. É o contrato pelo qual as partes se obrigam a entregar determinada coisa por outra, desde que não seja dinheiro. Se uma das prestações for dinheiro e outra coisa, estamos diante de compra e venda. A troca pressupõe duas obrigações de dar recíprocas (do ut des), e não obrigações de fazer (do ut facies). Precedente histórico: o Direito Romano (J.C. Moreira Alves. Direito Romano. Rio de Janeiro: Forense, 2010; T. Marky. Curso elementar de Direito Romano. São Paulo: Saraiva, 2010) A permutatio no direito romano é um contrato inominado, o mais importante do tipo do ut des, pelo qual uma das partes transfere a propriedade de uma coisa, para receber, da outra parte a propriedade de outra coisa. No direito clássico os juristas divergiam sobre a natureza jurídica da permutatio: alguns pretendiam enquadrá-la na emptio venditio (contrato de compra e venda); outros entendiam que a permuta se distinguia da compra e venda, essa posição prevaleceu no direito pós-clássico; no direito justinianeu a permuta está colocada entre os contratos inominados. Trata-se de acordos em que ambas as partes se obrigam a prestações equivalentes. Eles são contratos bilaterais perfeitos, chamados também de contratos sinalagmáticos. Tais contratos adquiriam força jurídica, e a consequente tutela processual, quando uma Direito Civil IV CONTRATOS EM ESPÉCIE Prof.a Myriam Benarrós Clementoni - J.F. SIMÃO. Direito Civil Contratos. São Paulo: Atlas, 2007 - P. STOLZE GAGLIANO-R. PAMPLONA FILHO. Novo Curso de Direito Civil. Contratos em espécie. São Paulo: Saraiva, 2009. ____________________________________________________________________________ 2 das partes executava a sua prestação. Com isso a outra parte ficava automaticamente obrigada a efetuar a contraprestação. 2.1 Natureza Jurídica É um contrato bilateral, oneroso, consensual, típico e não solene. A troca não tem efeitos reais, pois com ela somente surge a obrigação de transferir o domínio. Isso decorre do fato de o contrato, para o direito brasileiro, não transferir a propriedade. 2.2 Regras da Troca ou Permuta Aplicam-se ao contrato de Troca ou Permuta as mesmas regras, no que couber, que são aplicadas ao contrato de compra e venda, já que cada um dos contratantes é considerado reciprocamente comprador e vendedor (art. 533, CC). Duas são as diferenças entre as duas modalidades de contrato: a) Despesas decorrentes do instrumento de troca. As despesas do instrumento de troca serão divididas pela metade entre as partes (art. 533, I, C/C). Com relação à compra e venda, a lei determina que o comprador arque com as despesas de escritura e registro e o vendedor com as despesas da tradição (art. 490, C/C). Sendo assim, no que concerne à troca, se o contrato não contiver disposição em sentido contrário, todas as despesas do contrato serão rateadas na proporção de 50% para cada contratante, inclusive os gastos referentes aos tributos. Essa Direito Civil IV CONTRATOS EM ESPÉCIE Prof.a Myriam Benarrós Clementoni - J.F. SIMÃO. Direito Civil Contratos. São Paulo: Atlas, 2007 - P. STOLZE GAGLIANO-R. PAMPLONA FILHO. Novo Curso de Direito Civil. Contratos em espécie. São Paulo: Saraiva, 2009. ____________________________________________________________________________ 3 divisão em partes iguais decorre da premissa segundo a qual a troca se dá entre bens de idêntico valor. b) Troca de valores desiguais entre ascendentes e descendentes. Como já assinalado, a venda de ascendentes para descendentes é anulável se os demais descendentes e o cônjuge não anuírem, pois a lei entende que pode se tratar de verdadeira doação simulada em fraude à legitima dos herdeiros necessários (art. 496, CC). Em se tratando de troca de valores desiguais, a lei também infere uma possibilidade de fraude aos herdeiros necessários, posto que, se os valores fossem idênticos, não haveria qualquer prejuízo ao patrimônio do ascendente permutante. Destarte, também será anulável a troca de valores desiguais sem o devido consentimento dos demais descendentes e do cônjuge (art. 533, II, CC). Não serão chamados todos os descendentes, mas apenas aqueles que estariam na situação de herdeiros diretos do ascendente no momento da alienação e que poderiam sofrer prejuízos. O prazo de anulação é de natureza decadencial e será de dois anos, tendo em vista que a lei não traz qualquer disposição específica a esse respeito (art. 179, CC). 2.3 Permuta de valores desiguais Se a trocar ocorrer entre bens de valor desigual, cada contratante assumirá os gastos referentes ao bem que está adquirindo. Aquele que receber o bem de maior valor terá maiores ganhos e, portanto, pagará maiores despesas. Direito Civil IV CONTRATOS EM ESPÉCIE Prof.a Myriam Benarrós Clementoni - J.F. SIMÃO. Direito Civil Contratos. São Paulo: Atlas, 2007 - P. STOLZE GAGLIANO-R. PAMPLONA FILHO. Novo Curso de Direito Civil. Contratos em espécie. São Paulo: Saraiva, 2009. ____________________________________________________________________________ 4 A desigualdade de valores não desnatura a permuta. Ocorrerá quando, além do bem recebido, houver uma parte de pagamento em dinheiro, a chamada torna. A torna, entretanto, deve ser analisada em cada caso, pois, se for um valor expressivo, a permuta fica descaracterizada e estaremos diante do tipo compra e venda. A questão que parece irrelevante ganha grande alcance quando se discute o problema da preferência concedida ao inquilino na venda da coisa locada. Em se tratando de venda, o inquilino terá a preferência garantida na aquisição do imóvel (Lei n. 8.245/91, art. 27), o que não ocorre em se tratando de permuta. Destarte, se a torna for relevante, o tipo contratual permuta ficará afastado, incidindo-se as regras referentes à compra e venda. 3. CONTRATO ESTIMATÓRIO (Arts. 534 a 537) Conceito. É o contrato pelo qual o consignante tradens entrega ao consignatário accipiens determinada coisa móvel de sua propriedade, ficando este último autorizado a vender a coisa, pagando ao consignante o preço ajustado, ou, se preferir, poderá, no término do contrato, restituir a coisa consignada (art. 534, C/C). Esse contrato é conhecido popularmente como venda em consignação. Ocorre, por ex., quando uma pessoa querendo vender o seu veículo o entrega a uma loja em consignação, fixando determinado preço que quer receber pela venda da coisa; se o dono conseguir vender por um preço maior ao fixado, poderá reter a diferença que constituirá o seu Direito Civil IV CONTRATOS EM ESPÉCIE Prof.a Myriam Benarrós Clementoni - J.F. SIMÃO. Direito Civil Contratos. São Paulo: Atlas, 2007 - P. STOLZE GAGLIANO-R. PAMPLONA FILHO. Novo Curso de Direito Civil. Contratos em espécie. São Paulo: Saraiva, 2009. ____________________________________________________________________________ 5 lucro. Pode, entretanto, o dono da loja, se não conseguir vender, restituir o bem ao seu proprietário. O contrato recebe o nome de estimatório porque o dono da coisa estima ou fixa o preço que pretende receber pela coisa consignada. O dono da coisa é o consignante e aquele que recebe sua posse o consignatário. Trata-se de exemplo clássico de obrigação facultativa. [Obrigação Facultativa. Ao devedor não é lícito substituir a prestação, mas excepcionalmente a faculdade de substituição lhe pode ser reservada no ato constitutivo da obrigação. Quando lhe assiste esse direito, a obrigação é chamada de facultativa. A obrigação facultativa distingue-se nitidamente da obrigação alternativa, que se caracterizapela pluralidade de objetos, enquanto naquela o objeto é único. Na alternativa, duas ou mais coisas estão in obligatione e uma in solutione. Na facultativa, só uma está in obligatione; a outra in facultate solutione. Uma é composta, a outra simples. Uma tem objeto plural; a outra singular. (O. Gomes. Obrigações. Rio de Janeiro: Forense, 1978)] Isso porque a obrigação decorrente do contrato terá apenas uma prestação no vínculo obrigacional (in obligatione) e a segunda prestação aparecerá no momento da execução do contrato, ou seja, do pagamento (in facultate solutione). Em razão desta qualidade, o credor (dono da coisa) só poderá exigir a prestação contida no vínculo obrigacional e não aquela que aparece no momento da execução do contrato. Assim sendo, o dono do veículo consignado, ao término do contrato, só poderá exigir o pagamento do veículo (in obligatione), mas o consignatário, na execução, poderá devolver o próprio veículo ou pagar o valor estimado ao dono (duas prestações). Direito Civil IV CONTRATOS EM ESPÉCIE Prof.a Myriam Benarrós Clementoni - J.F. SIMÃO. Direito Civil Contratos. São Paulo: Atlas, 2007 - P. STOLZE GAGLIANO-R. PAMPLONA FILHO. Novo Curso de Direito Civil. Contratos em espécie. São Paulo: Saraiva, 2009. ____________________________________________________________________________ 6 Precedente histórico: o Direito Romano (J.C. Moreira Alves. Direito Romano. Rio de Janeiro: Forense, 2010) No Direito Romano o contrato estimatório estava incluído entre os contratos inominados e denomina-se aestimatum, podendo ser enquadrado entre as categorias do facio ut des ou facio ut facias. Era um contrato pelo qual uma das partes (fabricante ou atacadista) entregava à outra (vendedor a retalho) mercadoria para vender, obrigando-se esta, se não ocorrer a venda, a restituí-la, ou, em caso contrário, a pagar o preço previamente determinado. O estado em que se encontram as fontes sobre o aestimatum não nos permitem conhecer sua disciplina no direito romano clássico. 3.1. Natureza Jurídica Questão controvertida diz respeito à natureza bilateral ou unilateral do contrato estimatório, doutrina majoritária, diante da onerosidade do contrato em que ambas as partes buscam um proveito econômico, entende ser ele um contrato bilateral. Discorda J. F. Simão que entende ser o contrato estimatório unilateral já que com a entrega da coisa e o nascimento do contrato, todas as obrigações são do consignatário, sendo a principal delas o pagamento do preço estimado; não visualiza o autor nenhuma obrigação para o consignante. É um contrato bilateral, oneroso, real, comutativo, de duração, fiduciário: Direito Civil IV CONTRATOS EM ESPÉCIE Prof.a Myriam Benarrós Clementoni - J.F. SIMÃO. Direito Civil Contratos. São Paulo: Atlas, 2007 - P. STOLZE GAGLIANO-R. PAMPLONA FILHO. Novo Curso de Direito Civil. Contratos em espécie. São Paulo: Saraiva, 2009. ____________________________________________________________________________ 7 Bilateral. Impõe direitos e deveres para ambas as partes. A obrigação precípua do consignatário é remunerar o consignante, e o dever jurídico principal do primeiro é efetivar a venda da coisa. Oneroso. Ambas as partes, em linha de principio, experimentam, reciprocamente, sacrifícios patrimoniais e benefícios correspondentes. Real. A entrega da coisa ao consignatário é verdadeiro elemento constitutivo ou existencial do contrato. Em outras palavras, assim como ocorre no penhor e no depósito, enquanto não operada a transferência da posse, o contrato não se considera formado. Comutativo. Uma vez que as prestações impostas às partes são certas e determinadas no próprio contrato. De duração (prazo determinado ou não). Em geral, no próprio contrato já se estabelece o prazo dentro do qual deve o consignatário efetivar a venda dos bens, ou devolvê-los. Entretanto, caso não se pactue esse prazo, poderá o consignante, a qualquer tempo, notificar a parte adversa para que realize a devolução daquilo que recebeu. Fiduciário. É um contrato pactuado em confiança, pois o consignante se sujeita a transferir coisas suas ao consignatário, sem a consequente translação do domínio, e em caráter temporário. 3.2 A propriedade da coisa consignada O consignatário não se transforma em proprietário da coisa consignada, mas em mero possuidor. Recebe do dono uma autorização para aliená-la a terceiros e pode também utilizá-la. Direito Civil IV CONTRATOS EM ESPÉCIE Prof.a Myriam Benarrós Clementoni - J.F. SIMÃO. Direito Civil Contratos. São Paulo: Atlas, 2007 - P. STOLZE GAGLIANO-R. PAMPLONA FILHO. Novo Curso de Direito Civil. Contratos em espécie. São Paulo: Saraiva, 2009. ____________________________________________________________________________ 8 O consignante poderá perder a propriedade da coisa consignada em duas situações distintas: a) se o consignatário conseguir vendê-la, a propriedade sai das mãos do consignante e passa diretamente para o terceiro adquirente; b) se a coisa não é vendida, findo o prazo contratual, a propriedade do bem passa ao consignatário. Assim leciona Pontes de Miranda ao afirmar que dentro do prazo tem o consignatário o direito de pagar o preço ou restituir a coisa, mas, após o termo, o preço é devido, pois a propriedade se transferiu (t. 39, 1984, p. 424). Em decorrência de o contrato estimatório não transferir a propriedade da coisa, os credores do consignatário não poderão penhorá-la ou sequestrá-la antes do pagamento ao consignante (art. 536, C/C). A penhora ou sequestro não poderão ocorrer antes do pagamento, no curso do contrato. Vencido o prazo sem que a coisa tenha sido vendida, sua propriedade se transfere ao consignatário e, então, será possível sua penhora ou sequestro. Nota-se que o dono da coisa poderá ser prejudicado nesta hipótese, pois será mais um credor quirografário (credor que não possui garantia real para o pagamento de seu crédito) do consignatário com relação à importância estimada em contrato. Se quiser evitar tais riscos, pode o consignante exigir do consignatário alguma forma de garantia real ou pessoal, para a hipótese de inadimplência. No que concerne ao consignante embora ele continue proprietário da coisa, não poderá aliená-la antes de sua restituição pelo consignatário ou do aviso de restituição (art. 537, C/C). Direito Civil IV CONTRATOS EM ESPÉCIE Prof.a Myriam Benarrós Clementoni - J.F. SIMÃO. Direito Civil Contratos. São Paulo: Atlas, 2007 - P. STOLZE GAGLIANO-R. PAMPLONA FILHO. Novo Curso de Direito Civil. Contratos em espécie. São Paulo: Saraiva, 2009. ____________________________________________________________________________ 9 A lei prevê duas hipóteses em que o consignante fica liberado para a alienação da coisa: em caso de ocorrer a restituição real da coisa ou quando o consignatário avisa o consignante da restituição. om o aviso (declaração receptícia de vontade), a posse do consignatário passa a ser precária e o consignante poderá tomar as medidas cabíveis para reaver a coisa para si. Enfim, sendo o contrato estimatório fonte de obrigação facultativa, a coisa consignada não está contida no vínculo obrigacional e, portanto, não poderá ser exigida pelo consignante ao termino do contrato. Então, ocorrendo a sua perda, ainda que sem culpa do consignatário, ou seja, em decorrência de caso fortuito ou força maior, persiste a obrigação do pagamento do valor estimado (art. 535, C/C).
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