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Do carcere a rua 2

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13
 
1 INTRODUÇÃO 
 
O presente estudo tem como tema o desencarceramento. O sujeito central é o 
homem que, após ter cumprido pena judicial, deixa, oficialmente, o sistema prisional, mais 
especificamente as penitenciárias, ou seja, homens que foram julgados e condenados pela 
justiça brasileira, cumpriram pena em regime fechado35 nas prisões do estado de São Paulo, 
Brasil, e que saíram legalmente da prisão. Parto do pressuposto de que o desencarceramento 
estabelece uma limiaridade: os sujeitos ex-presos oscilam entre o que se fixou neles a partir da 
experiência prisional e o que pretendem ser após essa experiência no sentido de superá-la. 
Essa oscilação estabelece uma fronteira entre o que se foi e o que se pretende ser, e acarreta 
em várias possibilidades que podem se concretizar, a depender da força exercida no sujeito 
por um lado ou por outro dessa fronteira. 
À objetividade do encarceramento, a partir do cumprimento de uma pena judicial 
no sistema prisional, foram acrescidos, para fins de análise, os aspectos simbólicos do regime 
disciplinar de sujeição estabelecidos nas prisões, visando a avaliar seus efeitos nos sujeitos 
libertos. O conceito de desencarceramento, aqui usado em lugar de liberdade, deve ser 
entendido como um processo, em etapas não propriamente previsíveis, mas dependentes das 
ressignificações, dos vínculos e das condições objetivas de vida que os sujeitos mantêm após 
o cárcere, capazes de auxiliá-los na superação ou no reforço da fixação, se houver, da 
experiência carcerária. 
O objetivo principal desse estudo é analisar o desencarceramento como um 
processo que apenas se inicia a partir da abertura dos portões da prisão, mas que não se 
efetiva integralmente nesse momento. Supus previamente a fixação nos sujeitos – que saem 
das prisões – de alguns elementos das técnicas disciplinares do cárcere e do código de ética 
estabelecido entre os presos. Essa fixação foi investigada no sentido de perceber como se dá e 
o seu impacto nas relações e nas tentativas de emancipação desses sujeitos ao saírem da 
prisão. 
Especificamente esse estudo visa a analisar, a partir da ocorrência de elementos da 
experiência prisional nos sujeitos, a readaptação na família e no meio social mais próximo; a 
 
35 A Lei de Execução Penal – LEP – estabelece e conceitua os estabelecimentos prisionais por tipo de regime de 
execução da pena: O regime fechado (art. 87) é caracterizado por uma maior limitação das atividades dos presos 
e maior controle e vigilância sobre os mesmos, o que conduz a classificação do regime penitenciário; o regime 
semi-aberto e o aberto são aqueles cujas penas são cumpridas, respectivamente, parcialmente e totalmente fora 
das penitenciárias. Apesar de três regimes, os ex-presos entrevistados são homens oriundos do sistema fechado, 
mesmo que, posteriormente, tenham passado ao semi-aberto para obterem a liberdade, entretanto, nenhum deles 
foi condenado diretamente ao regime semi-aberto ou ao aberto. 
 
 
 
14
 
presença de aspectos referentes ao isolamento, à vigilância e ao controle exercido pelas 
prisões, no comportamento dos sujeitos; a mediação desses aspectos nas relações sociais que 
mantêm após o aprisionamento. Por fim, visa também a compreender o processo de 
estigmatização do ponto de vista do sujeito estigmatizado e as suas tentativas de superação. 
Defendo a tese de que o mais drástico na saída da prisão é a vivência pelos sujeitos 
da oscilação entre o passado e o presente, isto é, entre os papéis sociais e seus respectivos 
códigos de ética de coexistência mútua, quais sejam: valores e padrões de comportamento 
particulares da identidade do preso, oriundos das técnicas disciplinares a que foram sujeitados 
e os valores e os padrões sociais, morais e éticos estabelecidos pela sociedade em geral que 
encontraram ao saírem. Os sujeitos que saem das prisões, com todas as dificuldades que tal 
coexistência impõe, muito mais do que a sociedade conhece a credita, tentam e iniciam 
processos de reestruturação identitária em que buscam se reconstruir a partir da re-
significação, ou do controle daquilo que trazem da prisão. 
A idéia de que há possibilidades de emancipação após a superação das seqüelas do 
cárcere e de que essas possibilidades podem ser aproveitadas por políticas de apoio aos ex-
presos, emergiu da minha comunicação por carta, com vários presos, alguns em fase de saída 
do encarceramento, ocasião em que expunham seus planos e seus projetos. Ao mesmo tempo 
em que projetam um futuro, esses sujeitos expõem seus receios quanto às dificuldades a serem 
vividas no mundo externo à prisão. Esses planos e projetos parecem dependentes diretos da 
capacidade de reconstruir vínculos e de se readaptar ao meio social externo à prisão, 
entretanto, a superação da experiência carcerária não é um elemento facilitador para a vida 
fora da prisão. 
Alguns dos sujeitos com os quais me correspondi já acusavam uma certa 
despotencialização para ações que os levassem à emancipação da condição de criminoso, 
prevendo o estigma sobre a sua futura condição de ex-presidiário. Este estigma, as 
dificuldades com a família, o difícil retorno ao mesmo meio de onde saíram para prisão, eram 
aspectos citados como possíveis dificultadores dos planos de futuro. Ainda que tais 
dificuldades fossem previstas pelos próprios presos, não abrangiam a totalidade da presença 
do cárcere em suas vidas, o que já se fazia notar nas cartas quando demonstravam modos de 
conduta, juízos e valores eminentemente oriundos do cárcere, provenientes do isolamento 
sofrido, da vigilância exacerbada, do controle contínuo ou do código de ética relacional dos 
presos. Alguns desses planos de futuro eram influenciados por essa forma de conduta 
carcerária: a megalomania, a urgência na obtenção de resultados financeiros e de poder na 
consecução dos planos, o autoritarismo nos procedimentos previstos, a desconfiança dos 
 
 
15
 
possíveis parceiros, as preferências por empreendimentos solitários, as intransigências quanto 
às regras que estabeleceriam para o alcance do que planejavam, foram alguns dos aspectos 
notados coletivamente que refletiam a influência da conduta carcerária. 
A partir da observação da forte influência do cárcere nos planos de futuro, defini o 
problema de pesquisa partindo da seguinte indagação: Quando o ex-preso deixará de ser ex-
preso?. Essa questão nasceu a partir das considerações de Foucault (1989) de que o fracasso 
do sistema penitenciário na redução da criminalidade foi substituído pelo sucesso de produzir 
a delinqüência. Ainda com base nos pressupostos de Foucault (1989;1990) passamos a 
indagar sobre a identidade de ex-preso como sendo aquela também influenciada e, portanto, 
conseqüente do poder disciplinar exercido nas prisões. As técnicas de isolamento, de 
vigilância e de controle contínuo das ações, e o código relacional entre os presos são 
elementos que se fixam no sujeito como um saber instituído, capaz de mediar as relações do 
ex-preso com o mundo externo à prisão. 
Segundo Foucault (1989; 1990), nas instituições punitivas são aplicadas técnicas 
de vigilância e sanções reguladoras e normatizadoras das condutas sobre os corpos com base 
no poder disciplinar, instituído também a partir da organização panóptica das prisões. O 
condenado submete-se a uma complexa tecnologia disciplinar com intuito de requalificá-lo. A 
requalificação articula-se com o judiciário, mas não se esgota nele, pois se constitui de outros 
recursos e de técnicas embasadas em um saber penitenciário pelo qual define-se e qualifica-se 
o delinqüente. Dessa forma, a condenação é um ato dentro dos autos e a prisão é uma vida 
para o réu. A margem pela qual a prisão excede a detenção é preenchida de fato por técnicas 
do tipo disciplinar. E esse suplemento disciplinar em relação ao jurídico, é o que se chama 
“penitenciário”(1989, p.221). Assim, a prisão, para Focault, “não é elemento endógeno no 
sistema penal” (1989, p.226)., é a expressão do poder disciplinar moderno. O penitenciário, 
construído e instituído em simultaneidade com a prisão, transforma, através do seu poder 
disciplinar, o infrator que recebeu das mãos da justiça em delinqüente. 
O aparelho penitenciário devolve à justiça o delinqüente concreto e pensado, 
acrescido dos critérios de sua definição e classificação e a justiça fica “agradecida por isso”. 
Ainda para Foucault: 
Mas isso implica em que o aparelho penitenciário, com todo o programa 
tecnológico de que é acompanhado, efetue na curiosa substituição: das mãos da 
justiça ele recebe um condenado; mas aquilo sobre que ele deve ser aplicado, não é 
a infração, é claro, nem mesmo exatamente o infrator, mas o objeto um pouco 
diferente, e definido por variáveis que pelo menos no inicio não foram levadas em 
conta na sentença, pois só eram pertinentes para uma tecnologia corretiva. Esse 
outro personagem que o aparelho penitenciário coloca no lugar do infrator 
condenado é o delinqüente. (1989, p. 223). 
 
 
16
 
A prisão é o espaço disciplinar combinado e desigual do homem moderno. Para 
Focault (1989, p.244), o processo disciplinar desenvolvido no espaço prisional é um fracasso 
desde a sua origem, entretanto, esse fracasso é, ao mesmo tempo, o seu sucesso. 
Concordo com uma hipótese recorrente na literatura que indica que “respostas 
institucionais a comportamentos desviantes resultam na elaboração de identidades e carreiras 
criminosas”36. Uma outra hipótese que se configura com base em Foucault (1989) é que nas 
penitenciárias as penas serão moduladas temporalmente a ponto de controlar o penitenciário 
no decorrer do seu processo de aprisionamento. O crime praticado perde intensidade diante da 
pena a ser cumprida e esta assume caráter de utilidade pública, uma vez que simboliza a 
recuperação imposta pela sociedade e pela lei, passando a ser um resíduo moral da punição. 
Assim, segundo Foucault (1990), a pena visa a atingir não só o corpo, mas a mente do 
condenado. Esse entendimento estabelece uma relação com o processo de desencarceramento 
à medida que se considera um processo que pode levar a uma (re) construção identitária a 
partir da (re) constituição da condição humana, desestruturada pelo aprisionamento e que 
propiciou a identidade de preso. A reconstrução identitária se estabelece no espaço social e 
privado, mediadas pela experiência prisional que a faz oscilar em uma balança aonde se é o 
que se foi antes de ser preso, mas também se é ainda encarcerado. 
Sendo assim, parto do pressuposto de Foucault de que o encarceramento torna-se 
competente para revelar ao corpo social quem será o criminoso habitual, não só pelo estigma 
da passagem pela prisão, mas pela incorporação nos sujeitos dos seus valores e códigos 
normativos. Norteou esse estudo a compreensão de que os homens subordinados a regimes 
que intervêm na condição humana passam por um processo de produção de cadáveres vivos, 
por serem despojados da sua própria individualidade, tornando-se, assim, homens 
completamente supérfluos. Ainda assim, acredito na superação de tal situação pelo possível 
resgate da condição humana desses sujeitos, ou seja, pela possibilidade de eles se 
reintegrarem à ordem social mais ampla a partir da ressignificação da sua experiência. A fala 
sobre o vivido pode ser o caminho para simbolizar e criticar reflexivamente a experiência 
prisional e a partir disso superá-la. É necessário que os sujeitos reconheçam o que o 
aprisionamento fixou nas suas identidades para que possam reestruturá-las. 
O primeiro passo desse processo será a vivência de uma zona de fronteira entre o 
cárcere e o mundo fora da prisão no que tange à total despotencialização do primeiro, diante 
da necessária potencialização de ação do segundo espaço. As possibilidades emancipatórias 
 
36 ADORNO, Sérgio. A prisão sobre a ótica dos seus protagonistas: itinerário de uma pesquisa. In: Revista de 
Sociologia da USP, São Paulo, n. 3, v. 1-2, p.7-40, 1991. 
 
 
17
 
dos sujeitos, após a experiência do cárcere, dão-se após os ex-encarcerados transporem essa 
fronteira. Dessa forma, constituiu o problema dessa pesquisa indagar sobre as possibilidades 
emancipatórias após a experiência do encarceramento, partindo do princípio de que 
emancipação nesse sentido seria a superação da condição de ex-preso, mesmo que tal 
emancipação dê-se a partir dessa experiência ou da consideração de tal vivência. 
Importante salientar que um fator primordial na análise das possibilidades 
emancipatórias diz respeito à forma como esses homens se percebem e percebem as heranças 
que trazem do cárcere. Já na primeira fase de prospecção, para definição do problema de 
pesquisa, constato que alguns, mesmo após o cárcere, estabelecem seus vínculos a partir dele, 
reforçando o que trazem de singular da experiência carcerária: o chamar um ao outro de 
ladrão, por exemplo, como forma de tratamento comum, o uso das gírias do cárcere e de 
alguns princípios do código de ética carcerário. Vivem na fronteira da coexistência entre dois 
papéis, o de preso e de homem livre, mas com sua liberdade mediada pelas heranças dos 
hábitos, dos costumes e dos traumas da experiência prisional ou pelo aspecto negativo e 
estigmatizante que tal experiência representa para a sociedade em geral. 
Os ex-presos singularizam-se de outros homens pobres livres? Penso que sim, por 
considerar como sua singularidade apresentarem um código de ética, valores e formas de 
compreensão de mundo, próprios da criminalidade, acentuados no cárcere e difusos na 
situação de fronteira estabelecida na saída do cárcere. Isto significa uma situação através da 
qual esses homens transitam entre duas áreas de sociabilidade, cada uma com padrões 
distintos de comportamento e de ação: a prisão e o mundo fora dela, não exatamente o seu 
meio social apenas. O peso da sociabilidade carcerária, hipoteticamente nesse estudo, é 
trazido para fora do cárcere, o que pode afetar a reconstituição de relações formais de 
trabalho, de lazer, de família, de amizades, etc., vínculos necessários para potencializar a 
emancipação. 
Julgamos necessário cercar alguns aspectos do fenômeno de desencarceramento 
para a melhor promoção da sua análise. Em primeiro lugar, partimos da opção de tratarmos 
desse processo a partir de conceitos de liberdade como possibilidades e não como 
autodeterminação ou autocausalidade, portanto, com a ausência de condições e de limites. A 
liberdade é entendida como possibilidade, limitada e condicionada, um problema aberto, 
“determinada a medida, a condição ou a modalidade de escolha que garanti-la”. Livre é quem 
possui determinadas possibilidades. Essa escolha é limitada em um sentido pelas 
possibilidades objetivas, pelas condições materiais de vida. Segundo Abbagnano: 
 
 
 
18
 
Hoje, assim como nos tempos em que a noção de mundo moderno foi formulada 
pela primeira vez, a liberdade é uma questão de medida, de condições e de limites; 
e isso em qualquer campo, desde o metafísico e psicológico, até o econômico e o 
político. Hoje se destaca o fato de que a liberdade humana é situada e enquadrada 
no real, uma liberdade sob condição, uma liberdade relativa [...] Expressa-se por 
vezes esse conceito dizendo que a liberdade não é uma escolha, mas uma 
possibilidade de escolha, ou seja uma escolha que se feita, poderá ser sempre 
repetida em determinada situação [...]. Portanto os problemas da liberdade no 
mundo moderno não podem ser resolvidos por fórmulas simples ou totalitárias [...], 
mas pelo estudo dos limites e das condições que, num campo e numa situação 
determinada podem tornar efetiva e eficaz a possibilidade de escolha do homem. 
(1998, p. 612).A liberdade, portanto, não se constitui simplesmente na abertura dos portões das 
prisões, mas é um processo, uma luta a ser travada no decorrer do desencarceramento, uma 
luta intersubjetiva e político-social. Pressuponho que o sistema e o regime penitenciário 
promovem a estigmatização dos seus tutelados, o que de certa forma promove a manutenção 
do sistema, criando, assim, uma improdutividade produtiva que impacta na real liberdade dos 
sujeitos que saem das prisões. 
O ex-preso deveria ser considerado pela sociedade como sujeito regenerado, ou 
seja, aquele que foi capaz de reproduzir-se positivamente a partir da consideração de uma 
forma anterior, negativa e ofensiva a sociedade em geral. Tal reprodução positiva, 
regenerativa, deveria, por sua vez, ser a contribuição do objetivo social das instituições 
prisionais à sociedade em geral, a partir do uso, pelas mesmas, de técnicas disciplinares de 
correção e sujeição. Ao termo “regeneração” associam-se outros como correção, reabilitação, 
ressocialização. A regeneração seria o processo esperado do degenerado, do corrompido, 
daquele que perdeu qualidades e, portanto, se estragou. Entretanto, o significado do termo37 
também considera a regeneração como deformação, o que seria uma regeneração negativa, 
uma correção às avessas. 
A regeneração negativa (que de fato é a imagem passada a sociedade pela 
pedagogia prisional) é também responsável pelo sentimento de medo e de insegurança 
demonstrados em relação aos homens que saem das prisões. Na saída, esses sujeitos sofrem 
estigmatização social mais pela punição sofrida do que mesmo pela natureza dos seus atos, 
esses últimos quase sempre pressupostos a partir da punição. Assim, ao se considerar a 
falência do sistema prisional no Brasil, principalmente divulgada pela mídia, a sociedade 
desconfia da regeneração ou da ressocialização promovida pela instituição prisional, 
estigmatiza os ex-presos pela condição de ex-integrante de um sistema punitivo que reforça 
 
37 MICHAELIS: moderno dicionário da língua portuguesa. São Paulo: Melhoramentos, 1998. p. 1802. 
 
 
19
 
um comportamento criminoso, reconhecida pelos próprios presos como a “faculdade do 
crime”. 
Segundo Dubar (2005, p.120), a socialização pode ser entendida remetendo-se a 
Alfred Shutz, “antes de tudo pela imersão dos indivíduos no que ele denomina de ‘mundo 
vivido’ que é ao mesmo tempo um ‘universo simbólico e cultural’ e um saber sobre esse 
mundo” . Nesse sentido posso considerar, ainda, com base na interpretação de Dubar que, os 
ex-presidiários absorvem o mundo social da prisão “não como um universo possível, entre 
outros, mas como o mundo, o único mundo existente e concebível, o mundo tout court”. 
Relativizei, na análise de Dubar sobre a socialização, o entendimento do mundo vivido não 
como único no caso dos presos, mas como o de mais forte referência durante a prisão e depois 
dela. Pode estar aí o sucesso/fracasso das instituições prisionais, visto que, ao punirem o 
sujeito, essas instituições fazem com que internalizem hábitos e comportamentos que os leva 
a se sentirem inadequados para a sociedade em geral. 
A assimilação da realidade prisional pelos encarcerados e, conseqüentemente, a 
manutenção desse universo simbólico e cultural pelos que saem das prisões pode ser 
pressuposta, também, a partir da consideração de que as técnicas disciplinares do isolamento, 
da vigilância e do controle, além do código de convivência entre os presos, molda essa 
realidade prisional nos sujeitos. Essa plasticidade na assimilação dos códigos prisionais pelos 
presos e, conseqüentemente, pelos ex-presos não pode ser explicada apenas pela 
maleabilidade natural dos sujeitos, mas também por razão do poder disciplinar estruturar um 
saber e incorporá-lo no sujeito. Temos que considerar que a permanência desses sujeitos na 
prisão depende, fundamentalmente, do grau de tolerância e do pertencimento àquela 
sociedade. A demonstração da aprendizagem sobre as regras dos jogos ali instituídos leva a tal 
pertencimento. 
A prisão exprime sua realidade punitiva, disciplinar, regulatória, por intermédio 
dos indivíduos que viveram tal experiência. Tal qual o poder disciplinar que regula o 
tradicional mundo do trabalho da família, da escola e da igreja, a disciplina prisional punitiva 
torna o sujeito dócil-útil. Mais do que as demais instituições citadas, que progrediram para 
outras esferas de articulação do poder e da disciplina, o arcaísmo das instituições prisionais, 
no Brasil e no mundo, ainda atuam sobre a disciplina que sujeita o corpo e a mente dos 
sujeitos com base em técnicas tradicionais, pouco articuladas com o mundo da informação, da 
virtualidade, da participação. Também a disciplina prisional tem como peculiaridade imprimir 
nos sujeitos valores, idéias e juízos que embasam um código de ética próprio, um modo de 
agir e de pensar daqueles que atuam na contramão da ordem, no mundo do crime. Assim, 
 
 
20
 
entendo estruturar-se um sujeito acostumado a pensar a relação com o outro pela dualidade 
própria do processo punitivo carcerário: o bem contra o mal, o valorizado e o punido, o 
merecedor da vida e o da morte. 
O pertencimento ao universo prisional e, conseqüentemente, a incorporação de 
aspectos da sua realidade pode tornar instável o pertencimento dos sujeitos que saem das 
prisões na realidade social externa ao cárcere. Essa zona de fronteira pode acarretar o que 
Dubar (2005, p.135) considera “A divisão interna da identidade”, que, para o autor, estabelece 
uma dualidade: “identidade para si e identidade para o outro são ao mesmo tempo 
inseparáveis e ligadas de maneira problemática.” Um aspecto fundamental para esse estudo na 
discussão de Dubar sobre ressocialização diz respeito à consideração de que se conta com as 
comunicações existentes para informar sobre a identidade que o outro nos atribui, o que 
referenda a necessidade da audição dos sujeitos como forma de, mais do que entender as suas 
trajetórias, fazê-los entender e interpretar. 
Segundo Becker (1971, p.36), não é somente a transgressão, mas também, e 
sobretudo, a rotulação pelos outros que constitui o desvio. A identidade de ex-presidiário, 
considerado como um delinqüente habitual a partir da sua experiência prisional, é resultado 
das atribuições estigmatizantes e reforçada pela subcultura do grupo desviante. Desse ponto 
de vista, Becker e Foucault se aproximam no sentido de entenderem que do desvio cometido 
pelo infrator e da sua conseqüente prisão, nasce o seu status principal de delinqüente. Esse 
status é aquele pelo qual o sujeito é definido, e pior, pelo qual ele próprio, muitas vezes, se 
define ativamente, ou seja, esse status que lhe é conferido pode se estabelecer no seu modo de 
pensar e de agir, fazendo com que seja um destino irrefutável à condição de ex-presidiário. 
A transformação do infrator em criminoso habitual pela prisão tem como causa 
certos padrões de comportamento das instituições de controle e de repressão da criminalidade 
contra esses sujeitos. Mingardi (1992), Paixão (1983) e Benevides (1983) demonstram, por 
exemplo, os preconceitos da polícia contra o ex-preso, o que faz com que, na maioria dos 
casos, a ação policial parta do criminoso para o crime. 
Assumo como verdade que a instituição prisional atribui uma identidade de 
delinqüente ao sujeito preso, entretanto, a mecânica interna dessa atribuição identitária 
interessa apenas indiretamente a esse estudo. O foco é a saída da prisão, tentando entender 
como os sujeitos, mesmo libertos fisicamente, ainda estão imbricados no sistema de ação 
prisional. Com referência a como se processa a mecânica do sistema de ação e a formação 
identitária dos presos dentro das prisões, Ramalho (1983) e Coelho (1987), entre outros, 
tratam da assimilação do código prisional pelos presos como fator determinante paraque a 
 
 
21
 
pena seja cumprida sem grandes entraves. Assim sendo, o código de ética prisional teria a 
função de criar um padrão de comportamento desejável na prisão. 
Pesquisas nos anos setenta já haviam tratado exaustivamente a questão do cárcere 
através do diálogo com as teorias de Foucault. Descrições densas sobre o cárcere foram 
encontradas durante a expedição bibliográfica feita com base no intento da pesquisa. Nos 
levantamentos bibliográficos, ficou notório que, a partir dos depoimentos dos sujeitos 
aprisionados, foi tratada cientificamente a organização do sistema prisional brasileiro. 
Também nas pesquisas dos anos setenta, a partir de depoimentos de sujeitos encarcerados, 
tratou-se de conceitos fundamentais como controle, violência, disciplina, entre outros 
aspectos, pertinentes à organização carcerária. 
Tentando entender a extensão desse código de ética diante da situação de 
encarceramento, Sykes (1971) faz a diferença desses códigos a partir da distinção entre o ato 
de custodiar homens e a forma de aprisioná-los em uma penitenciária. Essa distinção entre o 
código de homens custodiados temporariamente e aqueles julgados e condenados a penas em 
regime fechado em penitenciárias é realizada com base em Foucault pelas características 
fundantes do ato punitivo nas penitenciárias. 
Já o trabalho de Bouro (1998) trata do papel dos familiares dos presos durante o 
aprisionamento, ressaltando o seu lugar também de vítimas nesse processo e observando suas 
ambigüidades no que tange à lida entre o universo da ordem e da desordem, essa última 
representada pela prisão e suas contravenções. As famílias atribuem aos seus entes presos o 
papel de “cabeças fracas” como justificativa para os atos criminosos praticados. 
A justiça brasileira também é vista como elitista, como indica Faria (1992), já que 
pune com privação da liberdade especialmente os mais pobres e negros, marcando, assim, o 
aspecto político do aprisionamento. Para Sá (1996), essa lógica transforma as prisões no 
Brasil em prisões dos excluídos. Também Sá (1996) discute a prisão do ponto de vista dos 
principais teóricos das ciências sociais e analisa as técnicas de controle, concluindo que o 
delinqüente é requalificado pelo envolvimento com os valores e os princípios próprios da 
delinqüência, constituídas nas relações sociais ocorridas nas prisões. 
A exclusão citada por Sá (1996) foi constatada na tese de Paschoal (1994) sobre 
loucura e crime do ponto de vista das instituições sociais, discutindo as precariedades da 
prisão, inclusive impactando ainda mais negativamente a condição de ex-presidiário. Para 
Paschoal, o problema está nas prisões manterem inalterados os seus princípios básicos e não 
diferenciarem os tratamentos estabelecidos. 
 
 
22
 
A identidade assumida na prisão pode ser considerada, pelos termos de Goffman 
(1988), como sendo uma identidade social virtual pertencente à instituição. Ainda assim, com 
a saída da prisão há uma regulagem de parte da vida dos ex-presos pelo código de ética 
prisional, seja por eles próprios ou por terceiros como já citei. Considero que na saída da 
prisão os indivíduos passam a tentar uma reconstrução identitária que supere aquela que lhe 
foi atribuída pelo aprisionamento, atrelada à totalidade da sua trajetória de vida, de modo 
geral, o que Goffman (1988) considera identidade social real. O peso, ou melhor, a referência 
da identidade prisional no conjunto da trajetória de vida do sujeito depende da forma como os 
sujeitos ressignificam essa experiência, sendo essa ressignificação a responsável pelo sucesso 
ou pelo fracasso das suas tentativas de emancipação, aqui considerada como uma tentativa de 
reconstrução de uma identidade real, onde a identidade prisional é apenas uma parte. Acredito 
que os sujeitos que saem das prisões são capazes de criar estratégias objetivas que visem ao 
reprocessamento da experiência carcerária, superando a identidade de ex-preso. 
Considerei que essas tentativas de superação dão-se em etapas, como em uma 
seqüência de ritos de passagem. Sobre ritos de passagem foi consultado o trabalho de 
Azevedo (2000), que trata dos ritos em frente dos valores e das normas sociais. No que tange 
aos ritos de passagem, inclui a teoria de Field (1995) sobre elaboração de roteiros de cinema, 
tomando emprestado a concepção de pontos de virada (Plot Point). Da saída do 
estabelecimento penal à chegada em casa, o reencontro com a família, especialmente com a 
companheira, a rearticulação com o meio social mais próximo, o embate com o preconceito, a 
reincorporação das referências da cidade, os convites para reincidir, a reincidência em alguns 
casos, as tentativas de gerir planos e projetos e a percepção das mudanças, no comportamento 
cotidiano e no corpo, oriundas da prisão, fazem parte das etapas do rito de desencarceramento 
e se processam como pontos de virada: picos no desenrolar de uma ação dramática. Com base 
nesses pontos de virada foi analisado o trabalho de Brandão (1999) sobre Memória e projetos 
de vida, e o trabalho de Carelli (1997), intitulado Porões da memória, visando a contemplar a 
discussão de memória, já desenvolvida a partir de Michael Pollak (1992). 
O desencarceramento como processo que estabelece uma zona de fronteira entre o 
cárcere e o mundo externo à prisão pode culminar em possibilidades emancipatórias, portanto, 
é um processo que surge da dialética entre o indivíduo e a sociedade (BERGER; LUCKMAN, 
1999). A dialética entre o indivíduo e a sociedade refere-se ao que Salem (1981, p.54) 
denomina de um processo contínuo de interiorização e exteriorização que caracteriza o 
indivíduo com o seu entorno. Pode também ser entendido pela noção que o Munné (1998, 
 
 
23
 
p.91) tem de construção, “tanto um fenômeno objetivo, como subjetivo [...] um processo 
psicológico e social”. 
Na zona de fronteira, entre a saída da prisão e a total adaptação ao meio social 
externo a ela, o ex-presidiário pode estar vivendo um processo que Dubar, com base em 
Becker e em Goffman, chama de: 
 
[...] negociação identitária [...] um processo comunicativo complexo, irredutível a 
uma ‘rotulagem’ autoritária das identidades predefinidas com base nas trajetórias 
individuais. Ela implica em fazer da qualidade das relações com o outro um critério 
e um elemento importante da dinâmica das identidades. (2005, p.141). 
 
As pesquisas realizadas nos anos setenta e oitenta fixavam-se no cárcere. Nos anos 
noventa algumas já trazem elementos da saída da prisão com base em análises sobre exclusão 
social e preconceito. Não foi encontrado nenhum estudo que tratasse dos impactos do 
encarceramento na reconstrução das vidas dos sujeitos que saem das prisões. No decorrer 
desse estudo encontrei pesquisadores em campo com intuitos semelhantes. 
Essa pesquisa foi realizada entre 2002 e 2004 na cidade de São Paulo, por este 
estado ter a maior significância quantitativa de homens encarcerados em todo o Brasil. O 
tema pesquisado surgiu a partir de um projeto de apoio a ex-presos da Pastoral Carcerária de 
Salvador, Bahia, de cuja concepção e escrita participei como voluntário. Passei a avaliar as 
necessidades dos ex-encarcerados, tendo em vista não apenas assisti-los, como também 
potencializar, em primeiro lugar, a emancipação da condição identitária de criminoso e depois 
a condição de vítima do sistema prisional. Avaliando os projetos de apoio a ex-presos 
existentes no Brasil, percebi que se repetiam ações assistencialistas ou promotoras de 
ocupação e que acreditavam no efeito redentor do trabalho, seja ele qual fosse. Em nenhum 
deles foi encontrada preocupação com o resgate da autonomia dos sujeitos a partir de 
avaliação dos impactos gerados pelo encarceramento penal. 
O termo egresso38, quando aplicado à realidade prisional, pode ser entendido como 
aquele que deixou o estabelecimento criminal onde cumpriu a sua sentença, assim deixade 
ser um reeducando, termo usado pelas instituições penitenciárias e passa a ser um homem 
comum, livre. O uso desse termo é problemático por finalizar na saída aquilo que se foi. Outra 
questão complicada para o uso indistinto do termo egresso é denominar, uniformemente, 
todos aqueles que saem oficialmente das prisões, podendo ser considerados egressos, 
 
38 O termo egresso pode ser encontrado em MICHAELLIS: moderno dicionário da língua portuguesa. São Paulo: 
Melhoramentos, 1998. p.766. 
 
 
24
 
conforme a Lei de Execução Penal (1997, p.32) o liberado definitivo a contar de um ano a 
partir da saída do estabelecimento e o liberado condicional, durante o período da prova. 
Cabe ressaltar que, por mais que reste um tempo de pena a cumprir, podemos 
considerar também egressos aqueles que saem em Livramento Condicional, uma vez que 
esses sujeitos deixaram os estabelecimentos criminais e voltaram ao convívio social mais 
amplo, muito embora ainda tenham parte da suas penas a cumprir, o que deverá ser feito, 
conforme as regras e as normas previamente estabelecidas pela lei, sob o risco de imputação 
do retorno ao estabelecimento criminal em regime fechado, caso haja o descumprimento das 
normas legais. Já a liberdade definitiva é atribuída ao preso após o cumprimento do regime 
fechado, se for o caso, ou do semi-aberto, representando, portanto, a finalização da pena. 
Mesmo que esta seja a situação mais favorável no sentido do pleno cumprimento da pena, os 
casos de liberdade definitiva, obtidos diretamente do regime fechado, não são tão constantes 
quanto àqueles que saem migrando do regime fechado para o regime de liberdade condicional 
ou para o regime de prisão albergue domiciliar. 
Nem o termo egresso citado nos dicionários da língua portuguesa nem o utilizado 
no Código de Execução Penal satisfaz essa pesquisa. O primeiro por considerar a saída como 
desvínculo de uma situação anterior, e o segundo por considerar um prazo definido para ser 
egresso da prisão. Preferi optar por usar o termo “ex-preso”39, mais adequado para tratar de 
processo de desencarceramento que não se finaliza na abertura dos portões de saída e nem tão 
pouco tem prazo estipulado para terminar. Também preferi unificar a linguagem tratando das 
penitenciárias simplesmente como prisões, mas ressaltando que das prisões estão exclusas as 
delegacias, desde quando tratamos de presos julgados e condenados ao regime fechado, 
cumprido em penitenciárias. 
A metodologia utilizada foi a pesquisa qualitativa, através do método etnográfico, 
discutido mais amplamente no primeiro capítulo desse estudo. A partir das hipóteses iniciais, 
estruturei um roteiro de entrevistas e considerei como informantes homens, acima dos dezoito 
anos de idade, nascidos ou residentes no estado de São Paulo, processados criminalmente por 
práticas entendidas como delituosas à luz do direito penal do Estado, em qualquer tipologia 
criminal, privados de liberdade para cumprimento de pena via encarceramento em detenções40 
e/ou em penitenciárias e em liberdade no momento de realização da pesquisa, dado o 
cumprimento parcial ou total das penas a que foram submetidos, por isso sem retorno 
 
39 Grifo nosso. 
40 Considero ex-presos de Detenções ou Centro de Detenção Provisória por ter encontrado muitos que, embora 
condenados judicialmente, cumpriram quase toda a sua pena em Casas de Detenção, local onde os presos 
deveriam ficar enquanto aguardassem julgamento. Essa realidade foi verificada em outros estados do Brasil. 
 
 
25
 
oficialmente previsto para o sistema prisional, como regulam os benefícios da Legislação 
Penal. Excluíram-se deste estudo: presos em delegacias, presos em regime semi-aberto, 
homens acusados, mas ainda não sentenciados, menores de idade e mulheres em qualquer das 
situações acima mencionadas. Os entrevistados tinham em comum o fato de terem saído do 
encarceramento penal, através de Liberdade Definitiva, Liberdade Condicional – LC – ou 
Prisão Albergue Domiciliar – PAD, portanto, homens liberados formalmente pela justiça após 
cumprimento de penas em penitenciárias do Estado de São Paulo. 
A escolha de homens e não de mulheres deu-se por dois motivos, sendo o 
primeiro: os homens compõem a maioria do conjunto de presos do sistema penitenciário 
brasileiro e paulista, chegando a mais de noventa por cento dos presos em penitenciárias. O 
segundo motivo é que às mulheres presas, em sua maioria, são levadas ao cárcere por motivos 
diferentes daqueles que penalizam os homens: participações indiretas nos delitos, quase 
sempre associados à execução de seus companheiros, o que é comprovado por uma frase 
emblemática em quase todas nas prisões femininas: “o meu mal foi ter amado o homem 
errado”. Sendo assim, a articulação entre elas no cárcere tangencia a criminalidade de uma 
forma diferente da imposta pelo encarceramento masculino e isso supostamente gera efeitos 
diferenciados na saída. Ressalto também que o interesse desse estudo não era desenvolver 
uma análise comparativa entre o desencarceramento masculino e o feminino. O 
desencarceramento feminino deve gerar estudos específicos ou até comparativos com o dos 
homens. A partir da minha experiência de trabalho no cárcere, percebo a priori algumas 
singularidades do desencarceramento das mulheres, tais como: o resgate da tutela dos filhos, a 
forma peculiar de preconceito associado a condição de “mulher bandida”, o abandono dos 
companheiros desde a prisão, as possibilidades de emprego doméstico, a freqüência de casos 
de companheiros também presos, a ida à prisão mais como coadjuvante do que como 
protagonista da ação criminal, como já citado, além da dissociação de partidos e facções na 
prisão, entre outros aspectos que inibem a reincidência entre as mulheres ex-presas. 
Considerei também como informantes os homens que, mesmo ainda presos, 
informaram dos seus planos de futuro através de cartas, ex-presos de instituições de apoio, 
familiares, psicólogos, assistentes sociais entre outras pessoas envolvidas com a causa. Ao 
todo foram entrevistados setenta e dois ex-presos e mais vinte profissionais envolvidos com 
projetos de apoio, diretores de prisão, juízes, além de familiares de ex-presos. Desses, após as 
transcrições das fitas, alguns foram classificados como casos nucleares a depender do tema 
abordado. Dentre os ex-presos entrevistados encontramos a seguinte condição jurídica de 
 
 
26
 
liberdade: homens em liberdade definitiva; em liberdade condicional e em Prisão Albergue 
Domiciliar (ver quadro Anexo A). 
Convém ressaltar que também foram entrevistados presos de outros estados, tendo 
em vista a estruturação de um grupo de controle comparativo entre as suas narrativas e as dos 
presos paulistas, tentando avaliar variações dos modos de vida depois do cárcere em cada 
local, o que seria ingrediente para uma outra pesquisa. Entrevistei um ex-preso da Região Sul, 
um da Região Nordeste, um da Região Norte e um da Região Centro Oeste. Avaliei que o 
processo de desencarceramento é extremamente semelhante, excetuando-se as acessibilidades 
ou as possibilidades de cada realidade local. 
Além das entrevistas com os ex-presos, também foram consultados seus processos 
criminais nas respectivas Varas de Execução Penal. A iniciativa de pesquisar os processos 
deu-se no sentido de ter acesso aos laudos de saída emitidos por psicólogos e por assistentes 
sociais. Também entrevistei os responsáveis por projetos de apoio a ex-presos do sistema 
prisional em São Paulo e no estado do Paraná, considerados projetos modelos. 
As instituições e projetos cujos responsáveis e profissionais técnicos entrevistados 
em São Paulo foram: 
• Pastoral Carcerária do Estado de São Paulo – CNBB Sul 1; 
• Projeto Clareou; 
• Fundação de Amparo ao Preso – FUNAP; 
• Secretariade Administração Penitenciária do Estado de São Paulo; 
• Coordenadoria de Estudos sobre o Sistema Penitenciário – COESP – já extinto; 
• Conselho Penitenciário de São Paulo. 
Foram também colhidas informações no Sistema de Ressocialização de Presos 
do Estado do Paraná, considerado modelo nacional, e já implantado em Londrina (com 
parceria com a Universidade Federal) e Maringá, além de Curitiba. Fora de São Paulo, foram 
as seguintes as instituições visitadas: 
• Conselho Penitenciário do Estado do Paraná; 
• Conselho Penitenciário de Londrina – PR; 
• Conselho Penitenciário de Maringá – PR. 
Ainda foram entrevistadas duas psicólogas da Funap; três assistentes sociais da 
extinta Coesp; uma voluntária que atuou por vinte anos na Casa de Detenção Flamínio 
Fávero, conhecida popularmente por Casa de Detenção do Carandiru; e dois responsáveis por 
uma cooperativa de trabalho para ex-presos. Além desses, entrevistei três diretores de 
 
 
27
 
penitenciárias; o diretor geral e o diretor de disciplina da Penitenciária do Estado de São Paulo 
e o diretor de ressocialização da Penitenciária de Serra Azul – SP, localizada no município de 
Serra Azul – SP, e um estabelecimento inicialmente voltado a tutela de presos acima de 
cinqüenta anos de idade. Também foi entrevistada uma juíza de execução penal do estado de 
São Paulo. 
Sendo este um trabalho etnográfico, manteve-se uma aproximação com o campo, 
embasada na descoberta, tentando, assim, entender as atividades e o comportamento dos 
atores pesquisados, sem estratificações prévias. A preocupação básica foi interpretar a 
condição de vida dos sujeitos, depois do cárcere, avaliando como essa vida era vivida, sentida 
e experienciada. O campo trabalhado dividiu-se em três etapas complementares e sucessivas: 
a aproximação, o conhecimento e a exploração. Em primeiro lugar aproximei-me dos sujeitos; 
em segundo lugar fiz-me conhecido por meio do trabalho pastoral ou por meio das indicações 
em rede; em terceiro lugar passei a manter certa freqüência de relacionamento, a princípio por 
telefone e depois indo ao encontro de cada um deles em seus locais de moradia, quando obtive 
os dados de forma mais estruturada. 
As entrevistas foram realizadas na Pastoral Carcerária de São Paulo, nas casas dos 
ex-presos, nas ruas ou locais de circulação onde se dispuseram a me encontrar. Além dos 
entrevistados, outros contatados por telefone não participaram da pesquisa por motivos 
diversos: alguns não foram encontrados por terem mudado de endereço após a saída da prisão, 
outros ficaram de pensar na possibilidade de falar da sua experiência após a saída da prisão e 
não retornaram o contato ou negaram a participação. Também houve casos de demonstrarem 
desconfiança para com os interesses do estudo, além dos casos em que os contatados 
retornaram para a prisão, por motivo de reincidência, antes mesmo de concederem a 
entrevista. Em apenas um caso houve negativa agressiva e ameaçadora caso o contato fosse 
retomado. Dois já haviam morrido. 
As narrativas depois de transcritas sofreram um processo de categorização. Essas 
categorias foram agrupadas em macro categorias assim denominadas: a primeira, o campo – 
agregando valor às formas de chegada até esses sujeitos e suas compreensões sobre a 
pesquisa. Dentro dessa macro categoria, subdividimos algumas menores: a forma de encontro 
com o entrevistado, a acessibilidade, as condições ambientais, a receptividade, a fala e a 
escuta. A segunda macro categoria diz respeito à saída da prisão e à chegada em casa: aí se 
incluem as micro categorias relativas ao ritual de saída, a primeira impressão da rua, ao ritual 
de chegada em casa, ao apoio ou a falta de apoio das famílias e, finalmente, à relação com o 
meio social mais próximo. A terceira macro categoria diz respeito às heranças prisionais no 
 
 
28
 
sujeito, compostas pelo segredo, pela linguagem, pelo vocabulário, pelas lembranças e 
sonhos, pelas marcas no corpo e pelos comportamentos. A quarta macro categoria diz respeito 
à estigmatização, composta por micro categorias quais sejam: o preconceito, o embate com a 
polícia, os convites para reincidência, a reincidência propriamente dita, a ressignificação da 
prisão e do crime praticado. A quinta e última macro categorização diz respeito aos planos e 
projetos de futuro, composta por: os planos que faziam ainda na prisão, a procura pelo 
trabalho formal ao saírem, as tentativas de emancipação pela arte e pela ação empreendedora. 
As narrativas foram analisadas através do diálogo com Pollak no sentido 
metodológico, e com Foucault no sentido da compreensão sobre as conseqüências do regime 
disciplinar para os homens que saem das prisões. A idéia da transformação do infrator em 
delinqüente pelo sistema penitenciário foi fundamental nesse estudo. Como método de 
interpretação foram utilizadas as teorias que tratam da memória, mas precisamente a que 
Pollak (1992) chama de memória construída, aqui denominada de ressignificação. 
Esse estudo se estrutura em cinco capítulos teses, além desta introdução, das 
referências e dos apêndices. No primeiro trato da contextualização do sistema penitenciário 
utilizando dados do último Censo Penitenciário do Estado de São Paulo, realizado em 2002 e 
das peculiaridades do campo de pesquisa. Os dados quantitativos referendam o volume do 
problema mencionado em número de homens envolvidos com ele e a importância de se ter 
mais estudos sobre a área prisional. A descrição do campo permite identificar como se deu a 
relação entre o pesquisador e os pesquisados, considerando-se o difícil acesso a esses sujeitos. 
A partir das considerações específicas do processo da pesquisa de campo já se pode avaliar o 
que denomino ao longo desse texto introdutório de presença do cárcere nos sujeitos e 
principalmente como se ordenaram as narrativas. No segundo capítulo trato das narrativas 
sobre a saída da prisão e sobre os primeiros estranhamentos e resgates, seja em casa, na 
família, com a mulher ou no seu meio social, entre amigos e vizinhos. Nesse capítulo discuto 
que a zona de fronteira entre o cárcere e a rua, estabelecida na saída da prisão, pode impactar 
as relações sociais dos ex-presos e assim a reestruturação da sua identidade após o cárcere. No 
terceiro capítulo descrevo aspectos da herança prisional presentes nos sujeitos e 
influenciadores das suas relações com os outros de maneira geral, também analisando a 
presença das conseqüências das técnicas disciplinares do aprisionamento no comportamento 
dos sujeitos. No quarto capítulo trato do embate dos sujeitos com as estigmatizações e, por 
fim, no quinto e último abordo os planos e projetos tangenciados ou não pelo cárcere e seus 
resultados, tendo em vista avaliar como se dá a reconstrução identitária através do trabalho. O 
 
 
29
 
conjunto de todos os capítulos permite na conclusão encaminhar a resposta sobre: Quando o 
ex-preso deixará de ser ex-preso?. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
30
 
2 CONTEXTO DA INVESTIGAÇÃO 
 
Atualmente há uma difusão de informações relativamente extensiva a vários 
segmentos da sociedade quanto às precárias condições do sistema penitenciário em todo o 
Brasil. Essas informações, na maioria das vezes, acentuam os problemas das instituições 
penais. Assim, o conhecimento acerca da ineficiência do sistema penitenciário já chega a 
vários outros segmentos da sociedade e não mais se reduz a círculos restritos: aqueles que 
estudam ou vivem direta ou indiretamente o sistema, como os familiares de presos e as 
instituições que têm os presos como beneficiários de suas ações. 
As informações sobre as condições do aprisionamento carcerário no Brasil chegam 
à sociedade brasileira, atualmente, através de diversas fontes, o que garante uma 
multiplicidade de interpretações sobre o universo carcerário. Os meios de comunicaçãode 
massa, principalmente a mídia eletrônica, regularmente informam sobre as rebeliões e as 
corrupções no sistema penitenciário, reforçando a representação social negativa, 
historicamente determinada41, que se tem sobre a prisão e sobre os presos. O reducionismo e o 
sensacionalismo, muitas vezes presentes no tratamento que a mídia atribui às notícias 
oriundas da prisão, acarretam alguns pleitos simplistas, como o maior endurecimento das 
condições de aprisionamento. Vulgariza-se a complexidade do problema carcerário quando se 
atribui ao preso, quase que integralmente, a maior responsabilidade pelo esfacelamento do 
sistema prisional. 
Em menor escala, infelizmente, a divulgação de produções científicas sobre a 
prisão também tem contribuído para a maior informação sobre o sistema prisional. As 
informações científicas têm a particularidade de atribuir maior densidade ao debate sobre o 
aprisionamento e a criminalidade, entretanto, ainda carecem de divulgação. 
Um outro viés de informação sobre prisão explode nos anos noventa: a importante 
e a surpreendente produção editorial de livros autobiográficos que relatam as experiências de 
homens que estiveram presos. Memórias de um sobrevivente42, de Luis Alberto Mendes, ou 
Diário de um detento43, de Jocenir, ex-presos do sistema penitenciário, são exemplos de livros 
que interpretam a prisão pela ótica do homem que está ou esteve preso. São narrativas ora 
densamente descritivas ora ficcionais, corajosas e recheadas de possibilidades interpretativas. 
 
41 SALLA, Fernando. As prisões em São Paulo: estudo histórico social sobre as prisões em São Paulo. São 
Paulo: Annablume, 1999. 
42 MENDES, Luis Alberto. Memórias de um sobrevivente. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. 
43 JOCENIR. Diário de um detento. São Paulo: Labortexto, 2001. 
 
 
31
 
Ainda fazem parte das fontes de informações sobre a prisão e seus sujeitos, os 
relatos de profissionais que atuam ou atuaram no sistema penitenciário. Livros escritos por 
ex-diretores de penitenciária, a exemplo do livro de Luiz Volfman44, ou por ex-voluntários, 
atuantes no sistema penitenciário, como o médico Dráuzio Varela45, fazem descrições 
detalhadas sobre o cotidiano de algumas prisões paulistas. Já o livro de Maureen Bisiliat46, a 
partir do trabalho voluntário de Sophia Bisiliat e André Caramante na Casa de Detenção do 
Carandiru, traz relatos de homens que pensam a sua condição de presos e falam das suas 
perspectivas após o encarceramento. 
A produção cinematográfica brasileira também tem auxiliado na divulgação e na 
reflexão sobre o cárcere. Documentários e filmes de longa duração já traduzem o 
aprisionamento ou mesmo ficcionam sobre o tema. Documentários como "Carandiru.doc"47 e 
"Prisioneiros da Grade de Ferro48", ou o longa metragem "Carandiru49", são alguns dos 
exemplos da expressão cinematográfica sobre o tema. Alguns pretendem corresponder à 
curiosidade das platéias, e outros, como os documentários citados, promovem reflexões sobre 
o universo carcerário a partir da demonstração do seu cotidiano. 
Muitos outros trabalhos não citados também interpretam ou descrevem a prisão 
por diversas óticas. Dessa forma, o Brasil tem conhecido mais sobre as suas próprias prisões. 
Ainda assim, conhece-se uma parte substancialmente pequena da realidade do sistema 
penitenciário. 
Mesmo com algum conhecimento sobre a tamanha precariedade do sistema 
prisional brasileiro no que tange ao alcance do seu objetivo social, alguns segmentos da 
sociedade ou formadores de opinião clamam pela construção de maior número de 
estabelecimentos prisionais assentados no mesmo modelo de ineficiência. São comuns 
argumentos que apontam, de forma simplista, para a resolução ou minimização do problema 
da violência urbana, apenas através da radicalização dos regimes penais. Ao se pensar em 
ampliação do tempo de aprisionamento ou no endurecimento das condições de vida no 
cárcere, parte-se de uma falsa premissa: a da eficiência e a da conquista do objetivo social do 
aprisionamento nos modelos vigentes das nossas instituições prisionais. 
 
44 VOLFMAN, Luis. O mistério das prisões. São Paulo: Labortexto, 2003. 
45 VARELA, Dráuzio. Estação Carandiru. São Paulo: Brasiliense, 2000. 
46 BISILLIAT, Maureen (Org.). Aqui dentro. São Paulo: Memorial da América Latina, 2003. 
47 Documentário dirigido por Rita Busar. “A prisão real e a prisão fílmica. A produção do Carandiru, o filme”. 
48 Documentário dirigido por Paulo Sacramento. Os presos do Carandiru filmam o seu cotidiano, após curso de 
vídeo. 
49 Filme dirigido por Hector Babenco com base no livro Estação Carandiru. 
 
 
32
 
Ao que parece, ainda falta muito a informar à sociedade brasileira sobre as reais 
condições que o sistema prisional brasileiro tem para cumprir o seu objetivo social. Talvez já 
seja necessário, até mesmo, refletir sobre o próprio objetivo social do sistema e sobre o 
regime das instituições prisionais. É inconcebível pensar a prisão como um depósito de 
homens e mulheres, animalizados; é fundamental dissociar o conceito de justiça do de 
vingança. 
É preciso que haja discussões, em fóruns mais amplos, sobre a objetiva 
aplicabilidade estratégica nos estabelecimentos prisionais, dos nebulosos conceitos de 
reabilitação, de reeducação, de recuperação ou de ressocialização de homens e mulheres 
praticantes de delitos de toda ordem. É necessário expandir as discussões e as informações 
sobre o sistema prisional brasileiro até as universidades, os conselhos comunitários, as 
associações do terceiro setor, etc., para romper a barreira do exótico, do curioso, do medo. 
Tais discussões devem provocar o melhor entendimento possível acerca do objetivo social do 
aprisionamento e desconstruir o entendimento de prisão como o local de vingança social 
contra o praticante de delitos. 
Uma vez que todas as carências das prisões brasileiras são relativamente 
conhecidas da sociedade, resta perguntar: o que falta saber? É preciso saber em que condições 
os sujeitos em situação de privação de liberdade, entendidos como “produtos” desse sistema 
prisional complexo e ineficiente, voltam às ruas e ao convívio social. O que esperar desses 
homens que saem das prisões brasileiras todos os dias? Quais as condições que têm de 
restabelecer vínculos primários e secundários? Atualmente, a quantidade de ex-presos é 
menor do que a de ingressos no sistema prisional, especialmente em São Paulo, o que 
assegura um tempo de permanência maior desses homens, geralmente jovens, nos 
estabelecimentos prisionais. 
 
2.1 DADOS SOBRE O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO 
 
Quando iniciei essa pesquisa, em abril de 2002, o estado de São Paulo tinha 
102.936 pessoas presas. Do total geral de presos do Estado, 73.744 estavam cumprindo pena 
em penitenciárias paulistas, os demais se distribuíam por Centros de Detenção Provisória e 
por delegacias. Só na capital do estado eram 58.778 presos50. 
Segundo informações do Departamento Penitenciário Nacional – DEPEN, no 
mesmo período, havia no Brasil cerca de 284.989 pessoas presas. Ainda que seja alarmante a 
 
50 Dados da Secretária de Administração Penitenciária do Estado de São Paulo – 2002. 
 
 
33
 
quantidade de pessoas presas no Brasil, o déficit de vagas estava na casa de 104.253. Para a 
administração desse contingente de presos e de prisões, o DEPEN obtém recursos de diversas 
fontes, tais como das custas judiciais, das loterias federais e privadas, diretamente da 
arrecadação do Tesouro Nacional e de renda da aplicação dos demais recursos. No ano de 
2002, o recurso foi de R$ 209.859.633,55 (duzentos e nove milhões, oitocentos e cinqüenta e 
nove mil, seiscentos e trinta e três reais e cinqüenta e cinco centavos). Parte desses recursos 
foi transferidopara os estados. No acumulado entre os anos de 1995 e 2002 o estado de São 
Paulo foi o que mais recebeu recursos do DEPEN, totalizando R$ 239.602.108,29 (duzentos e 
trinta e nove milhões, seiscentos e dois mil, cento e oito reais e vinte e nove centavos), sendo 
o valor referente ao ano de 2002 da ordem de R$ 25.875.705,38 (vinte e cinco milhões, 
oitocentos e setenta e cinco mil, setecentos e cinco reais e trinta e oito centavos). 
Ainda segundo dados do DEPEN, do total de pessoas presas no país, 35% estavam 
sob a responsabilidade do sistema penitenciário fechado, semi-aberto ou aberto, nessa ordem, 
e 35% em delegacias, sob a responsabilidade da polícia, e mais 30% em Centros de Detenção 
Provisória. Dos presos condenados e localizados no sistema, em penitenciárias, 59% estavam 
em regime fechado, 13,26% em regime semi-aberto. Esses dados dizem respeito ao sistema 
que é o que se pode caracterizar por meio de números, muito embora a pesquisa trate dos 
efeitos do regime disciplinar de encarceramento sob os sujeitos tutelados pelo sistema 
prisional. A prisão, segundo Foucault (1989), pode ser classificada em duas partes: o sistema 
e o regime. O sistema diz respeito ao conjunto de instituições que o sujeito preso vai percorrer 
desde a etapa inicial do seu aprisionamento: as delegacias, os Centros de Detenção Provisória, 
as penitenciárias, se houver condenação. A partir da penitenciária, as progressões de regime o 
possibilitam ir para o semi-aberto e para o aberto. Os dados do DEPEN permitem observar 
que o sistema prisional em São Paulo tem uma expressividade quantitativa em todas as suas 
etapas, entretanto, me interessa, dentro do sistema prisional, as etapas do aprisionamento nas 
penitenciárias, pelo regime que impõem ao preso e no semi-aberto, por considerá-los o 
iniciador do rito de passagem entre o fechado e a saída. 
O meu interesse pelo regime penitenciário dá-se por ser a partir dele que se 
normatiza a vida dentro da Instituição, dado que em outras instâncias do Sistema os presos 
estão aguardando julgamento, portanto, o aspecto da provisoriedade atribui outras 
normatizações. É na penitenciária, a partir da chegada do preso após o julgamento, que são 
impostas as regras para o seu cotidiano institucional, as formas de tratamento e, em 
conseqüência de comportamento, para que possa viver ali os meses e/ou anos de privação de 
liberdade imposta pela pena. A introjeção pelos presos dessas regras e normas de conduta é 
 
 
34
 
previsível nos fundamentos jurídicos e econômicos da penitenciária como local propício ao 
cumprimento da penitência e com finalidade de reparação e conversão, segundo Foucault 
(1989). 
Segundo a análise histórica, política e social sobre o cárcere realizada por Foucault 
(1989), até o século XVII não se pode falar em prisões no sentido atual do termo, sendo o 
termo cárcere o mais adequado para corresponder aos locais de custódia. Por cárcere 
entendia-se as masmorras, os subterrâneos, cuja função era abrigar temporariamente 
indivíduos para o cumprimento da pena imposta. No cárcere, a punição era o trabalho forçado, 
o degredo, o castigo corporal e a multa. Portanto, o cárcere era o espaço da estratégia 
corretiva. 
A palavra penitenciária, nos primórdios do Cristianismo, significava penitência, no 
sentido de voltar-se para si mesmo. Assim, o enclausuramento, e não o encarceramento, seria 
a oportunidade dos indivíduos reconhecerem os seus próprios erros, pecados e abominá-los 
propondo-se a não mais repeti-los. É, pois, a admissão da culpa em uma perspectiva cristã. A 
pena é uma emenda e deve ser cumprida em mosteiros, locais promotores do isolamento 
necessário, como pensam Sá (1996) e Muakad (1990) com base em Foucault. 
Além da experiência religiosa, outras duas, no campo laico, passam a influenciar 
na concepção de penitenciária: as casas de trabalho e as casas de força. As primeiras se 
amparam no incentivo ao trabalho no seu interior, em uma rotina pesada, instituída em 
ambiente lúgubre e inapropriado. Essas casas partiam do princípio de que a desocupação era 
uma falha moral, de caráter, portanto, do indivíduo. Já as casas de força, ao contrário das 
casas de trabalho, não estavam ligadas à caridade, como as casas de trabalho que, geralmente, 
abrigavam desocupados e mendigos. As Casas de Força voltavam-se para as prostitutas, os 
ladrões, os vagabundos e os jovens envolvidos em vida considerada desonesta, todos 
incluídos nessas casas em resposta a uma determinação judicial punitiva. Essas duas casas 
influenciaram no surgimento das penitenciárias como uma instituição voltada à automização 
da pena privativa de liberdade. A partir delas o aprisionamento passa a ser empregado como 
punição em si e não como um passo intermediário entre o cometimento do crime e a sanção 
judicialmente imposta (FOUCAULT, 1989). 
A idéia de Estado como contrato social muda o significado do crime que passa a 
ser visto não mais como uma ofensa pessoal a um soberano, mas como um ataque a uma 
aliança social. Assim, a impessoalização da pena, representada pela perda da liberdade 
imposta aos sujeitos infratores, passa a corresponder a uma nova forma de exercício do poder. 
Segundo Foucault (1990) o processo de adoção da prisão como forma de punição coincide 
 
 
35
 
com o progressivo aburguesamento da sociedade. Dessa forma, o aprisionamento e suas 
estratégias disciplinares têm um forte caráter político. Tal caráter é o ponto chave do trabalho 
de Foucault (1989; 1990) ao estudar a genealogia do poder. 
Foucault (1989) analisa as bases históricas e político-sociais de como se constitui a 
instituição penitenciária; considera que é a alma do sujeito e não apenas o corpo o objetivo do 
poder disciplinar. Ainda assim persistem as torturas, os açoites, as degolas e as amputações, 
ações não legalizadas no seu estatuto, mas provenientes de um código de ética cruel existente 
em paralelo ao já pesado código de ética institucional e permitido extra-oficialmente por este 
último, que é o código de ética do preso. A sujeição institucional associada ao código de ética 
dos presos que se origina como um contra-poder àquele institucional, formam uma identidade 
de penitenciário ao sujeito aprisionado. 
O poder disciplinar estabelece no homem preso características que o singularizam 
do homem livre e que passam a agir no seu corpo e no seu pensamento, como conseqüências 
do regime. Essas características se estendem aos ex-presos, como “produtos”51 que são desse 
modelo disciplinar e impactam as suas possibilidades emancipatórias. O infrator, criminoso 
comum, após o aprisionamento, torna-se um delinqüente habitual (FOUCAULT, 1989). 
Os dados a seguir mostram o perfil do infrator adulto, preso no Brasil52: os 
processos criminais indicam que o criminoso comum é o mais encontrado nas prisões 
brasileiras – 98,39% respondem processos na Justiça Comum, apenas 1,47% na Justiça 
Federal e 0,14% na Justiça Militar. Os brasileiros natos presos correspondem a 96,33% da 
população carcerária, frente a 3,04% de naturalizados e 0,63% de estrangeiros. Os tipos de 
crimes que mais freqüentemente levam à prisão, estatisticamente, distribuem-se entre nove 
tipologias: furto, lesão corporal, homicídio, tráfico, vandalismo, atentado violento ao pudor, 
estupro, porte de arma e o roubo com as suas modalidades seqüestro, seqüestro-relâmpago, 
assalto, entre tantas outras, além da classificação criminal das tentativas de cada um deles e de 
seus agravantes e atenuantes53. Estatisticamente, entre os mais expressivos estão os crimes 
contra o patrimônio com uso de violência (27,80%), seguido dos crimes considerados 
hediondos (19,46%), os crimes relativos ao tráfico de drogas (13,61%), os crimes contra a 
pessoa com uso de violência (11,49%) e os crimes contra ao patrimônio sem uso de violência 
(10,18%). Os crimes provenientes de organizações criminosas correspondem a apenas 1%,51 Grifo nosso. 
52 Dados do Departamento Penitenciário Nacional – DEPEN. 
53 A avaliação dos crimes, determinados por artigos e por parágrafos, em sua extensão e singularidades, constam 
do Código Penal Brasileiro, editado com diversas possibilidades compreensivas, desde os descritivos aos 
comentados. 
 
 
36
 
abaixo do crime contra a pessoa sem uso de violência, correspondente a 5,74%. Portanto, os 
presos no Brasil são, em sua maioria, os praticantes de roubos ou latrocínios, geralmente 
pessoas de camadas pobres da população. O crime organizado, a corrupção e até mesmo o 
tráfico de drogas de grande vulto não estão entre os mais punidos com aprisionamento. 
Os dados correlacionados permitem inferir que os presos no Brasil são, em sua 
maioria, os praticantes de roubo em suas diversas modalidades, com ênfase no latrocínio54. 
Dentre os punidos com a prisão estão, geralmente, as pessoas de camadas mais pobres da 
população brasileira. O crime organizado, a corrupção contra o erário público e até mesmo o 
fornecimento de drogas de grande vulto, no atacado desse mercado informal da contravenção, 
não estão entre os crimes mais punidos com o aprisionamento. 
Estimava-se, pelo Censo Penitenciário, que destes presos, em São Paulo 
especificamente, 2% cumpriam pena de até um ano de prisão;, outros 2% entre 1 a 2 anos; 
15% entre 2 a 4 anos; 31% cumpriam entre 4 a 8 anos de prisão, além de 18% presos e 
condenados entre 8 e 12 anos e 25% entre 12 e 20 anos de pena. Mais de 20 anos de pena 
representavam 7% da população carcerária, uma estatística semelhante a do Brasil como um 
todo. Todo esse universo de penitenciados estavam vinculados à Secretaria de Administração 
Penitenciária do Estado de São Paulo. 
Os dados estatísticos trabalhados aqui, reforçam a idéia de Wright (1973), para 
quem ao punir mais uns crimes que outros, a justiça está criminalizando determinadas 
parcelas da sociedade. Também dá justeza à tese de Foucault (1989): o aprisionamento é 
também um ato político por fazer dos aprisionados produtos da ação organizada do poder 
estatal, despotencializando-os como sujeitos. 
O aprisionamento do homem pobre no Brasil e, conseqüentemente, a constatação 
de que tende a ser esse homem o mais seqüelado por tal experiência duplamente 
estigmatizante: ser pobre e ser ex-presidiário pode ser verificado nos dados a seguir: os presos 
são em 95,98% homens e 4,02% mulheres, em sua maioria oriunda das regiões periféricas das 
grandes cidades e com famílias economicamente carentes. Outros dados estatísticos oficiais 
possibilitam inferir a origem dos presos como que associada a outras formas de exclusão de 
antes do cárcere: 41,25% dos encarcerados estudaram apenas até o ensino fundamental: 
 
54 Roubo seguido de morte, segundo o Código Penal Brasileiro. Alguns ex-presos mais idosos indicam que o 
aumento do latrocínio dá-se pela associação atual, comum entre os infratores jovens, entre utilização de drogas 
alucinógenas com o crime, principalmente para os usuários do crack. Para os ex-presos mais velhos e mais 
experientes no crime, os jovens não são estrategistas, ou seja, não associam o tipo de ação a punição possível a 
ela, agem por impulso gerando ações mais violentas e até a morte da vítima, o que acarreta que quando presos, 
sejam, muitas vezes, condenados a penas longas pela prática de um único crime, o que os diferencia de presos 
mais velhos em idade que agiam de maneira mais estratégica, prevendo a punição, reduzindo assim o uso da 
violência e quando presos, obtinham penas mais extensas só quando praticantes de diversos delitos. 
 
 
37
 
24,75% são apenas alfabetizados e 5,95% são analfabetos. Sem a escolarização, muitos não 
têm competitividade no mercado de trabalho capitalista onde as qualificações são medidas 
econômicas de valor no mercado de trabalho. Reforça a inferência anterior o fato de que 
32,04% dos presos brasileiros estavam desempregados antes da prisão, mais um indicativo da 
exclusão econômica; outros 26,79% eram empregados informais e 19,74% eram autônomos, 
além de outros 19,45% que mantinham empregos formais com vínculos trabalhistas. 
Quando as estatísticas classificam os presos no Brasil por recortes de idade, sexo, e 
cor, os dados são os seguintes: entre os homens, 37,55% estão entre 18 e 25 anos de idade, 
seguido de 24,13% daqueles que estão entre 26 e 30 anos. A penitência prisional acomete os 
jovens brasileiros com baixa escolarização, e se o infrator cometeu um crime considerado 
hediondo poderá sair da prisão com idade que varia entre 40 e 45 anos. Esses homens são em 
49,79% solteiros e 29,87% vivem em união estável; orientam-se sexualmente em 94,25% 
como heterossexuais, 1,60% bissexuais e 4,15% homossexuais. Entre os presos 50,46% 
consideram-se pardos ou negros e quanto à religião, identificam-se em 63,01% como 
católicos, 21,51% como evangélicos e outros 12,79% consideram-se ateus. 
Outro dado importante para avaliar as possíveis condições de saída quanto à 
presença da família e de outras referências na cidade diz respeito à origem dos sujeitos presos: 
dentre os homens presos em São Paulo, 12,3% tinham origem em estados nordestinos: Bahia, 
5,2%, Pernambuco, 4,2% , Ceará, 1,74%, Alagoas 1,24%, eram as origens nordestinas mais 
expressivas. Além dos estados nordestinos, o estado de Minas Gerais correspondia a 4,5% das 
origens e o Paraná a 4,8%. Os presos de São Paulo, originários do próprio estado, compunham 
maioria absoluta – 69%. 
No caso específico de São Paulo, o Censo Penitenciário do Estado do ano de 2003 
indicava ainda que, entre os presos, 52,7% se diziam negros e 30,8% pardos. Quanto ao 
estado civil 72% se diziam solteiros. Entre os presos, 59% estavam na faixa etária entre 18 e 
29 anos de idade, com maioria entre 18 e 24 anos. Do total dos apenados, 436 eram inválidos. 
Nota-se uma semelhança com os dados nacionais, exceto maior predominância de negros 
aprisionados. Ressalta-se, também, um dado sobre invalidez muitas vezes provocada por 
confrontos com a polícia ou por agressões sofridas na prisão, enfim, como conseqüência da 
atividade delituosa, o que pode ser considerado mais um aspecto redutor das possibilidades da 
vida após a saída da prisão. A prisão também os ajudou a recrudescerem outras estatísticas em 
São Paulo: 9,35% são portadores do vírus HIV; 7,71% têm alguma doença alérgica crônica; 
7,60% têm algum distúrbio mental; 10,42% sofrem de hipertensão; 13,57% têm alguma 
doença infecto-contagiosa e 11,51% têm doenças sexualmente transmissíveis. O mais 
 
 
38
 
alarmante é que 21,70% têm dependência a alguma droga, muitos iniciados no vício e/ou 
mantendo o vício dentro da própria prisão. 
O perfil dos entrevistados nesse estudo correspondeu exatamente ao conjunto das 
características até aqui apresentadas. Algumas dessas características, como a baixa 
escolarização, acentuam mais profundamente a possibilidade do sujeito internalizar o saber 
prisional como referência de vida, ou seja, de pensamento e de ação, o que seria o mesmo que 
despotencializá-los como cidadãos. A partir das estatísticas pode-se inferir que o 
aprisionamento no Brasil tangencia questões que o país, ao longo da sua história, 
desconsiderou ou quis negar: a sua juventude, a pobreza, a miscigenação, os contrastes, o alto 
índice de pessoas fora da escola, a diversidade religiosa, os preconceitos de raça e os de 
ordem econômica, entre outros aspectos relevantes para a compreensão desse país como 
nação. 
Acrescem-se, às exclusões próprias da realidade social e econômica brasileira, a 
condição do homem oriundo de um modelo prisional ineficiente e estigmatizante. Dentro do 
Brasil dos excluídos, os presos, e conseqüentemente os ex-presos, são aqueles que têm contra 
si o ingrediente adicional da infração criminal e, a partir dela, a consideração da sua 
habitualidade enquanto delinqüente. Sãojulgados sobre a objetividade do direito, afeito mais 
às provas que aos processos que culminaram no ato, e por esses julgamentos e experiência 
prisional são considerados além de pobres e perigosos, supérfluos, ou seja, uma massa 
fragilizada por uma política prisional de liquidação simbólica e de despotencialização, 
estigmatizada, também, pela indignidade e pelo desrespeito socialmente atribuído à condição 
de preso. 
A partir da caracterização mais geral do estado de São Paulo quanto ao perfil do 
preso e, portanto, daquele que sai da prisão, o recorte dos sujeitos entrevistados foi 
configurado como: homens, acima dos 18 anos de idade, nascidos ou residentes no estado de 
São Paulo, processados e condenados criminalmente no Estado por práticas entendidas como 
delituosas a luz do direito penal em qualquer tipologia criminal, privados de liberdade para 
cumprimento de pena via encarceramento em detenções e/ou penitenciárias em regime 
fechado e que estivessem, no momento de realização da pesquisa, em liberdade, dado o 
cumprimento parcial ou total das penas a que foram submetidos. Dessa forma, sem retorno 
oficialmente previsto para o sistema prisional, como regulam os benefícios da Legislação 
Penal. Como já dito, exclui-se desse estudo àqueles que saíram diretamente das delegacias ou 
que não passaram pelo regime penitenciário fechado, portanto, aqueles que foram condenados 
diretamente ao regime semi-aberto e ainda os homens acusados, mas ainda não sentenciados, 
 
 
39
 
ex-presos de manicômios judiciários, menores de idade e mulheres em qualquer das situações 
acima mencionadas. 
Os sujeitos entrevistados foram estratificados a partir da sua condição objetiva na 
saída da prisão: homens com e sem família, com ou sem ocupação, com ou sem moradia, das 
diversas tipologias criminais. Estas categorias foram distribuídas entre aqueles que cumpriram 
até dez anos de prisão, de dez anos a vinte anos de prisão, de vinte a trinta anos. A 
estratificação ainda se deu considerando homens recém-saídos da prisão e aqueles que saíram 
em até cinco anos. Foram realizadas entrevistas em profundidade, por cruzamento das três 
categorias citadas, totalizando cinqüenta e quatro entrevistas em profundidade, na maioria das 
vezes nas casas destes sujeitos. Esta estratificação não é a supremacia do quantitativo sobre o 
qualitativo, mas apenas uma forma de recorte para que a pesquisa possa contemplar os vários 
perfis de homens que deixam as prisões brasileiras. 
 
2.2 O CAMPO 
 
A forma de aproximação com esses sujeitos já fora da prisão deu-se no campo de 
pesquisa. Só dessa forma pude compreender a complexidade da situação vivida por esses 
homens ao saírem das prisões e, a partir dessa complexidade, passei a compreender a própria 
complexidade do campo, medida pelas diferenças desse grupo, composto de homens que 
saem da prisão e das suas singularidades. O interesse da Antropologia é pela diversidade 
própria da espécie humana, apreendida no nível cultural. A complexidade do estudo dessa 
diversidade situa-se, entre outros aspectos, no entendimento de que os homens são ao mesmo 
tempo diversos e semelhantes. A diversidade não pode estar associada apenas à desigualdade. 
Cada povo, cada comunidade ou mesmo cada grupo social, respeitando as suas 
singularidades, tem relatos de suas experiências, inclusive da desigualdade. A partir dessas 
diversidades de relatos, torna-se necessário à pesquisa antropológica esclarecer quem fala, de 
onde fala, como falam os seus personagens. 
O primeiro exercício da pesquisa de campo foi a tentativa de conseguir obter os 
relatos sem estigmatizar o sujeito por sua condição de ex-presidiário. Entretanto, parti dessa 
condição para compreender sua vida após o cárcere. Outro exercício foi o de buscar 
compreender o que, no sujeito, era conseqüência do encarceramento. Nesse sentido, precisei 
compreender muito profundamente o cárcere a partir de Foucault (1989), para identificá-lo 
nos sujeitos quando esses mesmos não o identificavam. A minha experiência como voluntário 
nas prisões, nesse aspecto, foi valiosa. Também foi importante a leitura dos livros 
 
 
40
 
autobiográficos, escritos por presos e ex-presos, além das cartas recebidas de homens presos. 
Caso não conhecesse profundamente os aspectos que perpassam o cárcere, dificilmente o 
reconheceria tão prontamente nos sujeitos. 
Inspirado em Pollak (1992), pude interpretar, a partir dos relatos dos ex-
encarcerados, a presença da prisão na reconstrução de suas identidades após a saída. Os 
entrevistados falam de fora da prisão, após o encarceramento. Ressignificam a vida a partir 
desse momento. Nos relatos, pude compreender como esses homens atribuem sentido ao 
vivido, como ressignificam a experiência do cárcere, como o cárcere estava presente nos seus 
pensamentos, nas suas ações, como o cárcere recortava a dinâmica das suas vidas. O conjunto 
dessas ressignificações estrutura, a partir da memória individual, uma memória coletiva 
grupal. Concordo com Halbwachs (2004), para quem a memória individual é um ponto de 
vista pertencente ao conjunto da memória coletiva. 
Antes, ainda no escritório, houve um certo temor do campo. Mas que campo era 
temido? Em absoluto era temido o campo físico, ou o encontro físico com homens temidos 
pelo senso comum. Os temores vinham da constatação de que as relações sociais próprias do 
exercício do viver se dão no espaço determinado pela cultura, local simbólico onde nasce e se 
estabelece a diversidade humana. Dessa forma, a relação com o outro se estabelece com e na 
diversidade, o que faz assumir, em muitos aspectos, um sentido ameaçador pelo que pode 
representar. Para a antropologia, esse aspecto ameaçador é também um elemento de prazer e 
logo descobri esse prazer em mim, ao não temer de forma imobilizadora a ameaça do 
desconhecido, mas ao contrário, ser movido por ela. Concordo com Geertz (2001): é mesmo a 
antropologia uma atividade acadêmica inquietante e inquietadora. A inquietação, própria da 
atividade antropológica, é coerente com o entendimento de que o comportamento de um 
grupo na sociedade, ou de sujeitos dentro de um grupo, são apreendidos e dependentes da 
ótica de quem os observa, portanto, não é contínuo e freqüente como quer a estatística porque 
incorpora a subjetividade. 
Complementando o termo “inquietar”, pode ser atribuído um outro, o termo 
“perturbar” ou mesmo “excitar”, e ambos podem produzir o aparecimento de certa tensão. A 
tensão, na pesquisa antropológica, estabelece-se por suas características já citadas no 
parágrafo anterior. Essa tensão, entretanto, também impõe um dilema, vivido no campo de 
pesquisa pelo pesquisador. O que se busca? A busca de leis? A busca de macro teorias a partir 
do observado? Ainda que este seja um debate dentro da antropologia ou fora dela, servindo 
para analisá-la, partimos do entendimento de Geertz (2001) de que a finalidade da pesquisa 
 
 
41
 
antropológica é alongar a comunicação e diante de tal princípio o que se viu ou sentiu no 
campo de pesquisa torna-se fundamental. 
No texto “Uma nova luz sobre a antropologia”, Geertz (2001) discute dois 
momentos do trabalho de pesquisa: o momento do campo propriamente dito e o momento do 
retorno do campo de pesquisa. Para a pesquisa antropológica, o método, os instrumentos que 
organizam o campo bem como o tempo vivido no campo singularizam a pesquisa. Portanto, é 
no modo como o pesquisador trabalha que reside a especificidade antropológica. Após o 
campo, a solidão do pesquisador situa-se sobre a interpretação do que ele viu, sentiu, 
observou, enfim, sobre o que traz do campo como realidade. A angústia reside no fato de que 
a realidade vista, talvez já não seja a mesma, ou o que foi visto pode ser apenas aquilo que foi 
permitido ver. Como economista, convivo com uma ciência humana que se traduz também em 
comprovações matemáticas, econométricas. Ao longo

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