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BALINT, Michael. A Falha Básica

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a falha 
básica 
aspectos terapêuticos da regressão 
M I C H A E L BALINT 
M.D., PH.D., M.SC. 
Tradução: 
FRANCISCO FRANKE SETTINERI 
Psicólogo 
•i, Gwvöa Kfouri 
PUC/SP 
Biblioteca MA-PUCSP 
100119050 
ACDKAS 
Porto Alegre 1993 
Obra originalmente publicada em inglês sob o título 
THE BASIC FAULT 
Therapeutic Aspects of Regression - Tavistock 1968 - Routledge 1989 (reimpressa 
© Enid Balint - Texto e Prefácio 
Capa: Mário Röhnelt 
Composição e Arte: LASER HOUSE — m.q.o.f. 
Reservados todos os direitos de publicação em língua portuguesa à 
EDITORA ARTES MÉDICAS SUL LTDA. 
Av. Jerônimo de Orneias, 670 — Fones (051) 330-3444 e 331-8244 
FAX (051) 330-2378 — 90040-340 Porto Alegre, RS, Brasil 
LOJA-CENTRO 
Rua General Vitorino, 277 — Fone (051) 225-8143 
90020-171 Porto Alegre, RS, Brasil 
editoração eletrônica 
Supervisão Editorial: Maria Rita Quintella 
IMPRESSO N O BRASIL 
PRINTED IN BRASIL 
S U M Á R I O 
P R E F Á C I O D A R E I M P R E S S Ã O D E 1979 P O R E N I D B A L I N T 
PREFÁCIO 
P A R T E I 
As Três Áreas da Mente 
C A P Í T U L O 1 
Os Processos Terapêuticos e sua Localização 
C A P Í T U L O 2 
Interpretação e Perlaboração 
C A P Í T U L O 3 
O s Dois Níveis do Trabalho Analítico 
C A P Í T U L O 4 
A Área da Falha Básica 
C A P Í T U L O 5 
A Área da Criação 
C A P Í T U L O 6 
Resumo 
P A R T E n 
Narcisismo Primário e Amor Primário 
C A P Í T U L O 7 
As Três Teorias de Freud 
C A P Í T U L O 8 
Contradições Inerentes 
C A P Í T U L O 9 
Fatos Clínicos sobre o Narcisismo 
C A P Í T U L O 10 
Esquizofrenia, Toxicomania e outras Condições Narcísicas 
C A P Í T U L O 11 
Estados Pré-Natais e Pós-Natais Precoces 
C A P Í T U L O 12 
A m o r Primário 
C A P Í T U L O 13 
A m o r Adul to 
P A R T E III 
O Abismo e as Respostas do Analista 
C A P Í T U L O 14 
A Regressão e a Criança dentro do Paciente 
C A P Í T U L O 15 
O Problema da Linguagem na Educação e 
no Tratamento Psicanalítico 
C A P Í T U L O 16 
A Técnica Clássica e suas Limitações 
C A P Í T U L O 17 
O s Riscos Inerentes á Interpretação Consistente 
C A P Í T U L O 18 
Os Riscos Inerentes ao Manejo da Regressão 
P A R T E IV 
As Formas Benignas e Malignas da Regressão 
C A P Í T U L O 19 
Freud e a Idéia de Regressão 
C A P Í T U L O 20 
Sintomatologia e Diagnóstico 
C A P Í T U L O 21 
Gratificações e Relações Objetáis 
C A P Í T U L O 22 
As Diversas Formas de Regressão Terapêutica 
C A P Í T U L O 23 
O Desacordo entre Freud e Ferenczi e sua Repercussão 
P A R T E V 
O Paciente Regressivo e sua Análise 
C A P Í T U L O 24 
Regressão Terapêutica, A m o r Primário e Falha Básica 
C A P Í T U L O 25 
O Analista Não-Importuno 
C A P Í T U L O 26 
A Travessia do Abismo 
B I B L I O G R A F I A 
B I B L I O G R A F I A E S P E C I A L I Z A D A S O B R E D E P E N D Ê N C I A O R A L 
E E S T A D O S A F I N S 
Í N D I C E R E M I S S I V O 
PREFÁCIO DA REIMPRESSÃO DE 1979 
z l S ideias apresentadas e as questões levantadas neste l ivro há dez anos 
foram importantes, porém algumas delas ainda continuam mais relevantes nos 
dias de hoje. Estou satisfeita por ter-me sido dada a oportunidade de escrever 
o prefácio desta segunda edição. 
Michael Balint escreveu, em seu prefácio à primeira edição, em abril de 
1967, que os problemas discutidos no livro o haviam preocupado durante os 
últimos dez anos. A m i m , parece que se preocupou com esses problemas por 
muito mais tempo, talvez até mesmo durante toda a sua vida profissional. 
Apesar disso, quando discutíamos a respeito dos assuntos abordados neste 
l ivro, a discussão invariavelmente se referia a problemas clínicos. Balint jamais 
permitiu que quaisquer ideias preconcebidas ou teorias anteriores bloqueassem 
suas observações e pensamentos. Permitia longos períodos de dúvida e incer-
teza surgidos de suas novas observações, evitando, assim, satisfazer-se com 
falsas soluções com as quais poderia escapar dos problemas e do entendimento 
que tentava alcançar. Sua honestidade de pensamento impressionava-me tanto 
à época como atualmente. 
Talvez algumas das precisas descrições de Balint das diferentes técnicas— 
de u m a mítica técnica "correra" — fossem menos centrais a nosso trabalho do 
que o foram há uma década. Entretanto, sua descrição é u m estágio valioso e 
necessário do desenvolvimento de nosso pensamento. Balint, como todos os 
v i i i 
PREFÁCIO D A REIMPRESSÃO DE 1979 ix 
bons teóricos, mudava enquanto ia pensando, trabalhando e escrevendo. 
Planejamos reescrever certas partes deste livro, adicionando-lhe mais u m 
capítulo. A o relê-lo, fiquei satisfeita por não ter havido tempo para fazê-lo. Está 
bem e m sua forma atual, oferecendo ao discernimento do leitor uma forma 
lúcida a respeito de algumas das formas, até então não descritas, pelas quais os 
pacientes se relacionam com seus analistas e estes com seus pacientes, em uma 
relação bipessoal, criada e descrita originalmente por Freud. Essas relações 
devem continuar a ser observadas e redefinidas para elucidar não só os 
problemas dos psicanalistas, mas os de todos aqueles interessados pelo estudo 
das relações humanas. 
A b r i l de 1 9 7 9 
ENID BALINT 
P R E F Á C I O 
(^)s problemas discutidos neste livro preocuparam-me durante os últimos 
dez anos, mais ou menos. E m várias ocasiões, nesse período, escrevi e publiquei 
uma ou outra parte que julgava suficientemente amadurecida, destacando-se 
"The Three Areas of the M i n d " (1957), "Primary Narcissism and Primary Love" 
(I960), "The Regressed Patient and his Analyst"(1960) e "The Benign and the 
Malignant Forms of Regression" (1965). 
Todas estas publicações esparsas precisaram ser reorganizadas, algumas 
reescritas, para incluir neste l ivro, sendo que "The Regressed Patient and his 
Analyst" foi uma das mais alteradas; sua primeira metade transformou-se na 
Parte III, enquanto a segunda tornou-se o núcleo da Parte V . 
Agradeço a cortesia dos editores do International Journal of Psycho-Analysis, 
do Psychoanalytic Quarterly, do Psychiatry: Journal for the Study of Interpersonal 
Processes, bem como Gruñe & Stratton, N o v a Iorque, por me haverem permitido 
utilizar o material por eles já publicado. 
C o m o em qualquer outro de meus livros, neste também quero assinalar 
minha dívida para com minha esposa, sem cujo auxílio a compilação deste 
volume teria demorado ainda mais. E m mais de u m momento, quando hesitava 
desanimado, era o diálogo com ela que me permitia superar o obstáculo e 
continuar o trabalho. 
PREFÁCIO x i 
Agradeço à minha amiga e colega M a r y Hare, a A n n Hutchinson, 
secretária da Biblioteca no Instituto de Psicanálise, pela leitura das provas e 
valiosos comentários, e a Hutchinson, pela preparação do índice remissivo. 
A b r i l de 1967 
MICHAEL BALINT 
PARTE I 
AS TRÊS ÁREAS DA 
MENTE 
C A P Í T U L O 1 
Os Processos Terapêuticos e 
sua Localização 
U A S E toda a Parte I deste livro consiste de capítulos autónomos, o que não 
auxilia no acompanhamento do argumento principal. Precisamos adotar tal 
estrutura porque em vários momentos se fazia necessário esclarecer algumas 
formas já estabelecidas de ver e pensar a respeito de observações clínicas 
bastante conhecidas, antes de poder iniciar a fase seguinte de nossa sequência 
de ideias. 
Antes de iniciar nossa jornada, devemos concordar que todos nós, leitores 
e escritor, somos analistas relativamente seguros, que não cometem erros 
elementares, isto é, fornecemos interpretações bastante correras em momentos 
bastante sensíveis e perlaboramos, tanto quanto possível, o material produzido 
por nossos pacientes em vários níveis, tanto genital como pré-genital, tanto na 
transferência como na realidade. 
Tendo concordado neste ponto, talvez também devêssemos admitir que 
todos, ocasionalmente, temos pacientes difíceis, diante dos quais nos sentimos 
perplexos e incertos e que — de acordo com rumores que circulam em todos os 
ramos de nossa Associação Internacional— mesmo os mais experimentados e 
capacitados analistas ocasionalmente também fracassam. 
Como isso acontece e qual é a explicação para tão desagradável fato? E m 
suma, as razões das dificuldades e fracassos podem ser agrupadas sob três 
títulos. Podem ser devidas à nossa técnica inadequada, às dificuldades inerentes 
4 M I C H A E L BALINT 
à personalidade ou doença do paciente e a u m mau "ajustamento" entre nossa 
capacidade técnica, em geral adequada, e as qualidades intrínsecas, de outra forma 
curáveis, do caso. 
A primeira pergunta com a qual precisamos lidar é por que alguns pacientes 
são mais difíceis de tratar do que outros ou por que algumas análises são menos 
gratificantes para o analista — e para seus pacientes — do que outras. Vamos 
formular a mesma pergunta de uma forma diferente, que talvez facilite a sua 
resolução. O que são os processos terapêuticos, em que parte da mente eles 
ocorrem e o que neles é responsável pelas várias dificuldades experimentadas pelos 
analistas? 
Depois de mais de 60 anos de pesquisa, ainda não são totalmente conhecidas 
as partes do aparelho mental acessíveis à psicanálise e em que extensão ou, usando 
nossa formulação, em que partes da mente ocorrem os processos terapêuticos. 
Mesmo que estas duas formulações não descrevam exatamente o mesmo proble-
ma, elas se sobrepõem de forma considerável. 
E m geral, há uma concordância que uma das metas desejáveis da terapia, na 
verdade, é influenciar o superego. Até mesmo temos alguma ideia a respeito do que 
ocorre nessa parte da mente, isto é, ideias a respeito dos processos terapêuticos 
envolvidos e as mudanças provocadas. 
Sabemos, por exemplo, que o superego foi construído principalmente por 
introjeções, sendo suas principais fontes os estimulantes, mas nunca totalmente 
satisfatórios objetos sexuais da primeira infância, da infância e da puberdade; 
poderíamos dizer que, de alguma forma, o superego é a soma das cicatrizes mentais 
deixadas por tais objetos. Por outro lado, o superego pode ser modificado por novas 
introjeções, mesmo na idade madura; uma ocasião convincente dessa mudança é 
o tratamento analítico, durante o qual o analista é parcial ou mesmo totalmente 
introjetado. Gostaríamos de estabelecer distinção entre introjeção e u m outro 
processo—o mais importante na construção do superego—,a identificação, que 
poderia ser considerada como u m passo secundário, posterior à introjeção: o 
indivíduo não só se apropria do objeto sexual estimulante, porém frustrante, mas 
passa a considerá-lo como parte integrante de si mesmo. Algumas vezes, a 
identificação é precedida ou está intimamente associada à idealização; por outro 
lado, u m alto grau de idealização poderá se tornar u m grande obstáculo à 
identificação com o objeto introjetado. Tudo isto é bastante conhecido, mas 
dificilmente se conhece alguma coisa sobre os processos necessários para desfazer 
a introjeção, a idealização ou a identificação. E m suma, temos alguma ideia dos 
processos que levam a novas introjeções e identificações, mas quase nada sabemos 
sobre os meios para desfazer uma introjeção ou identificação já estabelecida. Isto 
é lamentável, pois seria muito importante para nossa eficiência técnica sabermos 
como ajudar o paciente a livrar-se de parte de seu superego. 
Concordamos também que, em geral, a terapia analítica tem como 
finalidade o fortalecimento do ego, embora nossas ideias a respeito da exata 
A F A L H A BÁSICA 5 
natureza desse reforço e das técnicas para sua obtenção ainda sejam bastante 
vagas. O que sabemos desse aspecto de nossa terapia resume-se no seguinte: 
deve ser reforçada a parte de ego em contato mais íntimo com o id . Referimo-
nos à parte do ego que pode gozar de gratificações pulsionais, suportar u m 
considerável aumento de tensões, ser capaz de preocupação e consideração, 
contendo e tolerando, tanto desejos insatisfeitos como ódio, procurando aceitá-
los, testando as realidades tanto internas como externas. Embora essa parte do 
ego não possa e não se atreva a gozar de uma gratificação pulsional intensa, 
precisa defender-se contra qualquer aumento da tensão emocional, através da 
recusa da realidade, da inibição e da inversão da pulsão em seu contrário ou por 
meio de formações reativas — isto é, não se deve reforçar a parte que está 
adaptada à realidade externa e às demandas do superego às custas da realidade 
interna; pelo contrário, seu papel deve tornar-se menos dominante. 
A i n d a não foi esclarecido ou discutido adequadamente se o reforço do ego 
e as modificações do superego antes abordados são apenas dois aspectos de u m 
mesmo processo ou dois processos mais ou menos independentes. A fórmula 
mais utilizada afirma que o ego é o mediador, sob o comando do superego, entre 
as demandas da realidade externa e o id . Ainda é uma questão aberta o mediador 
ter ou não qualquer poder próprio para influir no compromisso e, além disso, quais 
são os processos terapêuticos com algum efeito sobre este poder. 
A i n d a há grande incerteza a respeito da possibilidade e dos meios de 
influenciar o i d . Temos poucas ideias sobre a possibilidade disso ser feito e, se 
possível, a maneira de fazê-lo. Os que aceitam a existência da pulsão primária 
de morte e com ela o sadismo primário, o narcisismo primário e a destrutividade 
concluem forçosamente que com nossa terapia também se pode modificar o i d . 
Já foi descrito por Freud, em "Análise terminável e interminável" (1937), u m 
aspecto dessa possível mudança como a "submissão das pulsões". N o caso 
particular do sadismo primário, significa que a intensidade dos impulsos 
destrutivos — algumas vezes chamados de destrudo — deve ser mitigada 
durante o tratamento analítico — ou educada — seja por sua transformação na 
origem, isto é, no i d , ou, de alguma forma, por sua "fusão" com mais libido. 
Como os dois conceitos teóricos de "fusão" e "desfusão" são muito vagos, é 
quase impossível situá-los confiavelmente no id ou no ego; além de , exceto 
pelos nomes, termos sido capazes de formar alguma ideia sobre os processos e 
mecanismos neles envolvidos. Talvez a única sugestão seja a de que, provavel-
mente, a desfusão e a frustração estejam ligadas de uma forma bastante íntima; 
é bastante incerto se o mesmo seria verdade para sua contraparte, tão impor-
tante tecnicamente, a gratificação e a fusão. 
E m tais circunstâncias, é pouco provável que alguém tenha sido capaz de 
descrever métodos confiáveis para influir nesses dois processos. Se a "fusão" e 
a "desfusão" podem ser influenciadas pela análise, só o que podemos afirmar 
com segurança é que essa influência se dá pela transferência, isto é, essencial-
6 M I C H A E L BALINT 
mente através de uma relação objetal. Inversamente, significa que os processos 
iniciados na situação analítica devem ser concebidos como suficientemente 
poderosos ou intensos para penetrar nas camadas profundas da mente, nelas 
realizando as modificações fundamentais. Como isso acontece e que tipo de 
relação objetal, de que intensidade, realizará esta tarefa ainda não foi adequa-
damente discutido em nossa literatura. 
Assim, chegamos à resposta para o quebra-cabeça com o qual iniciamos 
nossa jornada: por que mesmo os mais experientes entre nós têm casos difíceis 
e fracassos ocasionais? Temos algumas concepções teóricas a respeito dos 
prováveis processos mentais durante a terapia psicanalítica, mas ainda não 
existe nenhuma ligação direta, com suficiente credibilidade, entre essas concep-
ções teóricas e nossa habilidade técnica. E m outras palavras, com base em nossas 
concepções teóricas sobre os processos terapêuticos e suas localizações, ainda 
não estamos em condições de afirmar qual a técnica recomendável e quais as 
medidas técnicas a serem evitadas. Esse fato é a raison d'être para a coexistência 
de várias escolas analíticas, cada uma com sua própria técnica, sendo conside-
ravelmente diferentes umas das outras, mas aceitando todas as mesmas ideias 
básicas a respeito da estruturada mente. E importante acrescentar que o 
analistas de todas as escolas — sem exceção — têm seus sucessos, seus casos 
difíceis e sua cota de fracassos. E muito provável que os protagonistas das 
diferentes escolas alcancem sucesso — ou fracasso—com diferentes pacientes; 
além do mais, o modo de sucesso — ou de fracasso — pode ser diferente com 
as distintas técnicas. Portanto, u m estudo crítico, mas imparcial, dessa área, será 
muito revelador para nossa teoria de técnica. Infelizmente, inexiste esse tipo de 
revisão independente; a história da tentativa de revisão estatística, feita pela 
American Psychoanalytic Association — tentativa cuidadosa e mesmo excessiva-
mente cautelosa —, que precisou ser abandonada, bem demonstra quanta 
angústia e resistência pode provocar uma pesquisa desse tipo. 
C A P Í T U L O 2 
Interpretação e Perlaboração 
C 
\ ^ O M O procuramos demonstrar, o ponto de vista tópico não parece oferecer 
muito auxílio no sentido de favorecer uma melhor compreensão de nossas 
dificuldades técnicas e, em particular, não nos fornece critérios suficientemente 
confiáveis para decidir se u m determinado passo terapêutico é correto ou não, 
em certas circunstancias. Contudo, isso era de se esperar. Não devemos 
esquecer que a última revisão de nossa teoria das instâncias e localizações 
mentais foi feita por Freud, no início da década de 20. Desde então, não foi 
apresentada, essencialmente, nenhuma ideia a respeito do aparelho mental 
(apesar das novas psicologias do ego de Fairbairn, Hartmann e Winnicott). Por 
outro lado, é inquestionável que, desde aquele tempo, nosso potencial técnico, 
nossa habilidade atual e com eles nossos problemas técnicos aumentaram 
consideravelmente. Revisamos esses novos desenvolvimentos em u m trabalho 
apresentado ao Congresso de Zurique (1949), no qual procuramos mostrar que 
a técnica de Freud e suas concepções teóricas eram interdependentes. 
O próprio Freud afirmou, em suas duas grandes monografias, O ego e o id 
(1923) e Inibições, sintomas e angústia (1926), que ele, nas experiências clínicas 
realizadas com pacientes obsessivos e melancólicos, baseava-se tanto em sua 
técnica como em sua teoria, porque — de acordo com suas próprias palavras —, 
nesses pacientes, tanto os processos mentais como os conflitos estavam consi-
deravelmente "internalizados" (verinnerlicht). Isso significa que, em tais pacien-
7 
8 M I C H A E L BALINT 
tes, os conflitos originais, assim como os mecanismos e processos defensivos 
mobilizados para lidar com eles, tinham se tornado — e amplamente permane-
cido — como eventos internos. Inversamente, os objetos externos são muito 
pouco investidos por eles. Portanto, à primeira abordagem, todos os eventos 
importantes com tais pacientes, tanto patológicos como terapêuticos, podem ser 
considerados como ocorrendo quase que exclusivamente internamente. Foi 
essa condição que permitiu a Freud descrever as modificações terapêuticas de 
uma forma mais simples. Se os eventos e objetos externos forem inconsistente-
mente investidos, a influência de tal variação, de u m analista para outro, desde 
que util izem uma técnica analítica "sensível", será ainda menor, na verdade 
praticamente negligenciável. Esquecendo de que isso só é verdade nesse caso-
limite e somente à primeira abordagem, alguns analistas chegaram à ideia da 
"técnica correra", isto é, de uma que é correta para todos os pacientes e analistas, 
independentemente de sua individualidade. Se nossa maneira de pensar tiver 
validade, "a técnica correta" é uma quimera, uma fantástica compilação de 
fragmentos incompatíveis da realidade. 
U m a importante pré-condição para a internalização é uma estrutura 
suficientemente boa do ego para suportar e conter as tensões causadas pela 
internalização, sem desmoronar ou recorrer a u m tipo diferente de defesa — 
que pode ser chamado de externalização — como, por exemplo, o acting-out, a 
projeção, a confusão, a recusa ou a despersonalização. C o m pacientes capazes 
de uma internalização sustentada, o famoso símile utilizado por Freud oferece 
uma boa descrição daquilo que realmente ocorre durante o tratamento analí-
tico. N a maior parte do tempo, o analista é, de fato, u m "espelho bem pol ido" , 
que meramente reflete o que o paciente transmite. Ademais, como é demons-
trado em todos os casos clínicos publicados por Freud, o material transmitido 
ao analista, nesse tipo de trabalho analítico, consiste quase que exclusivamente 
de palavras, sendo de palavras que se utiliza para devolver o material ao 
paciente. Durante todo o processo de transmissão e devolução, cada u m dos 
parceiros — paciente e analista — compreende quase no mesmo sentido o que 
o outro diz. N a verdade, encontram-se resistências, que, algumas vezes, podem 
ser mesmo muito intensas, mas sempre se pode contar com u m ego confiável 
e inteligente, capaz de aceitar as palavras, permitindo que elas o influenciem, 
isto é, o ego é capaz de realizar aquilo que Freud chamou de "perlaboração". 
Essa sequência de ideias leva à segunda resposta de nosso problema. 
Primeiramente, a recém-fornecida descrição de nossa técnica pressupõe que as 
interpretações sejam experimentadas, tanto pelo paciente como pelo analista, 
como interpretações e nada mais. Isso poderia parecer mais como uma 
afirmativa do óbvio, mas esperamos, mais tarde, demonstrar que é importante 
enfatizar tal fato de maneira explícita. 
A terapia psicanalítica, mesmo no sentido clássico de u m "espelho bem 
pol ido" , é essencialmente uma relação objetal; todos os eventos, que finalmente 
A F A L H A BÁSICA 9 
conduzem a modificações terapêuticas na mente do paciente, são iniciados por 
eventos ocorridos em uma relação bipessoal, isto é, acontecem essencialmente 
entre duas pessoas e não apenas em uma delas. Esse fato fundamental só pode 
ser negligenciado enquanto os principais objetos de estudo forem pacientes que 
util izem, sobretudo, a internalização, isto é, pacientes com uma estrutura do ego 
bastante forte. Essas pessoas podem "aceitar" aquilo que seu analista oferece, 
bem como o que elas próprias experimentam na situação analítica e podem 
experimentar com seu novo conhecimento. Seu ego é suficientemente forte 
para tolerar — durante u m certo tempo — as tensões então criadas. As tensões 
e forças provocadas pelas interpretações podem algumas vezes ser intensas, 
mas tais pacientes ainda podem suportá-las. De certa forma, este é o quadro que 
recebemos das publicações dos casos clínicos de Freud. 
Assim, chegamos à segunda causa provável de dificuldades e fracassos na 
análise. Nossa técnica foi desenvolvida para pacientes que sentem a interpre-
tação do analista como interpretação e cujo ego é suficientemente forte para 
permitir "aceitá-las" e realizar o que Freud chamou de processo de "perlaboração". 
Sabemos que nem todos os pacientes são capazes dessa tarefa, e é justamente 
com eles que encontramos dificuldades. 
C A P Í T U L O 3 
Os Dois Níveis do Trabalho 
Analítico 
IEm geral, para descrever a atmosfera característica do nível do trabalho 
terapêutico clássico, a literatura psicanalítica utiliza os termos "nível edípico ou 
genital" em contraste com "pré-edípico, pré-genital ou pré-verbal". E m nossa 
opinião, estes últimos termos já possuem u m significado carregado e propomos 
u m termo novo, inequívoco, que parece estar livre de certos vieses latentes. 
Porém, antes de fazê-lo, examinemos o real significado desses termos. 
O complexo de Édipo foi uma das maiores descobertas de Freud, que o 
descreveu como sendo o complexo nuclear de todo o desenvolvimento humano 
— d e saúde e doença, religião e arte, civilização e lei, etc. Apesar de o complexo de 
Édipo ser característico de uma fase bastante precoce do desenvolvimento, Freud 
não hesitou em descrever as experiências mentais, emoções e sentimentos infantis 
dessa fase em linguagem de adultos. (Como queremos deixar claro o principal 
problema de cronologia, deixamos deliberadamente em aberto a definiçãodaquilo 
que é considerado uma idade muito precoce.) De fato, a hipótese de Freud foi uma 
audaciosa projeção, uma ousada extrapolação. Formulou tacitamente a hipótese, 
sem maiores provas, de que as emoções, sentimentos, desejos, medos, moções 
pulsionais, satisfações e frustrações da criança muito pequena são não apenas 
muito semelhantes aos dos adultos, mas também possuem entre si relação de 
reciprocidade. Sem essas duas hipóteses, seria totalmente injustificável a utilização 
da linguagem adulta para descrever tais eventos. 
10 
A F A L H A BÁSICA 11 
Reiteramos que essa hipótese constituiu-se n u m passo audacioso, mas, 
posteriormente, seus resultados foram completamente validados, tanto pelas 
observações de crianças normais como pelas experiências clínicas durante a 
análise daquelas neuróticas. Ademais, é preciso enfatizar que, embora tenha 
começado com a análise do Pequeno Hans (1909), a validação completa da 
mesma ocorreu na mesma época de sua última revisão de nossos conceitos 
teóricos a respeito do aparelho mental, ou seja, na década de 20. 
Para evitar algum mal-entendido, devemos acrescentar que enquanto 
trabalha sobre o nível edípico, o analista evidentemente não ignora ou negligen-
cia o material pré-genital, mas o trabalha com linguagem adulta, isto é, elevado 
ao nível edípico ou "verbal". Este é u m ponto importante de nossa técnica, pois 
logo levanta-se o problema de o que o analista deve fazer em u m caso no qual 
for ininteligível ou inaceitável para o paciente a expressão do material pré-
genital em palavras adultas, isto é, em u m caso no qual aparentemente inexista, 
para o paciente, u m caminho direto do pré-verbal para o edípico. 
Desde os anos 20, nossa técnica progrediu muito, podendo-se dizer que, 
atualmente, é possível tratar pacientes que antes eram considerados não-
tratáveis e que, certamente, podemos entender melhor o paciente médio, em 
maior profundidade e com mais exatidão do que nossos colegas de quarenta 
anos atrás. Durante esse desenvolvimento, procedemos a uma rica colheita de 
observações clínicas e de problemas intricados, todos pertencentes a eventos 
ocorridos e observados em situação psicanalítica. A primeira abordagem, esses 
eventos podem ser descritos em termos de conflito edípico, utilizando a 
linguagem adulta. Entretanto, pari passu com o aumento de nossa experiência 
e o aperfeiçoamento de nossos poderes de observação, temos encontrado u m 
grupo de eventos que provoca consideráveis dificuldades, tanto em nossas 
descrições teóricas como em nossa habilidade técnica. 
Por exemplo, aprendemos que há certos pacientes que têm grande 
dificuldade em "aceitar" qualquer coisa que aumente a pressão sobre eles, 
enquanto que há outros que aceitam tudo, porque, aparentemente, seu seZ/mais 
íntimo é muito pouco influenciado. Como dissemos, esses dois tipos criam 
grandes dificuldades técnicas e teóricas, talvez porque sua relação com o 
analista seja muito diferente da que costumamos encontrar no nível edípico. 
Os dois tipos que acabamos de mencionar constituem apenas uma 
pequena amostra dos muitos pacientes que geralmente são descritos como 
"profundamente perturbados", "profundamente div ididos" , "seriamente 
esquizoides", "com u m ego demasiado débil ou imaturo", "altamente narcisis-
tas", ou com "profunda ferida narcísica", etc., indicando, portanto, que a raiz de 
sua doença é mais distante e profunda do que o conflito edípico. A esse respeito, 
em termos de problema teórico muitas vezes discutido, é irrelevante se eles 
surgiram originalmente no período edípico já enfermo ou se eventos traumá-
ticos mais tardios tornaram ineficazes os mecanismos defensivos pertencentes 
12 M I C H A E L BALINT 
a esse período, forçando-os a uma regressão ou desvio para antes do nível 
edípico. N o contexto atual, o importante é reconhecer os dois diferentes níveis 
de trabalho analítico. 
Para ilustrar o tipo de problema encontrado nesse outro nível, desejamos 
citar u m eterno exemplo fora de nossa área. E m nossos seminários de pesquisa 
sobre prática clínica geral (Balint, M . , 1964), algumas vezes os médicos costuma-
vam relatar que tinham explicado a u m paciente muito claramente quais eram 
as implicações de uma enfermidade; posteriormente, quando os verdadeiros 
resultados da explicação eram comparados com os pretendidos, surpreenden-
temente algumas vezes parecia que a explicação só havia sido clara para o 
médico; para o paciente, permanecia obscura, parecendo, algumas vezes, nem 
ter sido uma explicação. Assim, sempre que u m médico diz que explicou algo 
muito claramente, a pergunta habitual é: "Claramente para quem?". O motivo 
dessa discrepância entre intenção e resultado é que as mesmas palavras 
possuem u m significado completamente diferente para u m médico interessado 
mas não envolvido e para u m paciente profundamente envolvido. 
Muitas vezes, os analistas se defrontam com a mesma experiência. Damos 
a nosso paciente uma interpretação clara, concisa, bem fundamentada e no 
momento exato — algumas vezes para nossa surpresa, espanto, irritação e 
desapontamento — a qual não teve nenhum efeito sobre ele ou teve u m efeito 
muito diferente do pretendido. E m outras palavras, nossa interpretação não foi 
nem u m pouco clara ou, mesmo, sequer experimentada como uma interpreta-
ção. Geralmente, os analistas procuram explicar esses desapontamentos, uti l i -
zando três linhas de raciocínio autotranqüilizadoras. O analista pode se criticar 
por não haver conseguido interpretar a principal angústia da situação — isto é, 
ter sido enganado por algo de uma importância apenas secundária; sua 
autocrítica geralmente é seguida por esforços ingentes para adivinhar que 
fantasias do paciente barraram o caminho para o entendimento das interpre-
tações do analista. O u o analista reativa, em si mesmo, a eterna controvérsia a 
respeito dos méritos e desvantagens relativos das interpretações de conteúdo, 
de defesa ou de transferência, que pode continuar interminavelmente. E, por 
f im, tranqüiliza-se dizendo que, no momento operativo, a resistência do 
paciente tinha sido forte demais e que, portanto, precisaria de algum tempo 
para "perlaborar" a interpretação. Esta última fórmula é mais tranquilizadora, 
já tendo sido utilizada antes por Freud. 
Infel izmente, nesses casos, tais fórmulas e maneiras de pensar 
tranquilizadoras têm relevância, pois todas pertencem ao nível edípico, isto é, 
pressupõe-se que as interpretações do analista sejam vivenciadas pelo paciente 
como interpretações. Foi apenas para essa situação que Freud cunhou o termo 
"perlaboração". Evidentemente, a perlaboração só é possível se o paciente 
puder aceitar a interpretação, experimentando-a como uma interpretação e 
permitindo que ela influencie sua mente. C o m o tipo de pacientes "profun-
A F A L H A BÁSICA 13 
damente perturbados" isso pode ou não ocorrer. Mas se o paciente não experimen-
tar a interpretação do analista como uma interpretação, isto é, uma sentença que 
consiste de palavras com significados concordantes, não ocorrerá perlaboração. A 
perlaboração só pode entrar em operação se nossas palavras tiverem aproximada-
mente o mesmo significado, tanto para nossos pacientes como para nós. 
N o nível edípico, esse problema não existe. O paciente e o analista 
certamente falam na mesma linguagem; as mesmas palavras significam a 
mesma coisa para ambos. N a verdade, o paciente pode rejeitar uma interpre-
tação, pode se incomodar, se assustar ou magoar-se com ela, mas não há dúvida 
de que foi uma interpretação. 
O estabelecimento de dois níveis diferentes fornece uma terceira resposta 
à nossa pergunta original, mas, ao mesmo tempo, levanta outros problemas 
interessantes. Porém, antes, vamos examinar nosso trajeto até o momento. 
Começamos com o achado — ou truísmo — de que mesmo os mais experimen-
tados entre nós encontram, ocasionalmente, alguns pacientes difíceis ou 
mesmo muito difíceis. Depois, perguntamos onde se desenvolvem os processos 
terapêuticos,em que parte da mente eles ocorrem, o que seria responsável pelas 
dificuldades e, afinal mas não menos importante, que meios técnicos temos para 
influenciá-los. Mais tarde, revisamos a teoria de nossa técnica, constatando que 
a abordagem topológica não nos oferece muita ajuda. Indo mais adiante, 
compreendemos que todas as descrições do que ocorria na mente do paciente, 
durante a terapia, baseava-se no estudo acurado de pacientes — iniciado pelo 
próprio Freud no começo da década de 20 — que aceitam e "recebem" as 
interpretações do analista como interpretações e que são capazes de "perlaborá-
las". Finalmente, constatamos que há pelo menos dois níveis de trabalho 
analítico; portanto, é muito provável que existam dois níveis de processos 
terapêuticos e, ademais, que u m dos aspectos dessa distinção resida nas 
diferentes utilidades da linguagem adulta nos dois níveis. 
Essa grande diferença em relação à linguagem, que pode criar u m abismo 
entre o paciente e o analista, impedindo o progresso do tratamento, foi descrita 
primeiramente por Ferenczi, particularmente em seu último trabalho para o 
congresso (1932) e em suas "Notes and Fragments", publicadas postumamente. 
Chamou-a de "The Confusion of Tongues between the C h i l d (singular!) e the 
Adults (plural!)". Desde então — embora geralmente sem mencionar seu 
trabalho pioneiro — têm sido feitas inúmeras tentativas por vários pesquisado-
res para descrever o mesmo fenómeno. Assim, a conclusão chegada no capítulo 
anterior é apenas uma reformulação de algo bem conhecido, a saber: que o 
trabalho analítico ocorre em pelo menos dois diferentes níveis, u m familiar e 
menos problemático, chamado de nível edípico, e outro para cuja descrição são 
utilizados termos como pré-edípico, pré-genital e pré-verbal. 
Propomos a conservação dos termos "nível", "período", "conflito" ou 
"complexo edípico", pois representam os aspectos mais importantes do nível ao 
14 M I C H A E L BALINT 
qual estão relacionados. Há várias características que distinguem clinicamente 
os fenómenos pertencentes a esse nível dos pertencentes ao outro. Primeira-
mente, todas as coisas no nível edípico — mesmo quando relacionadas a 
experiências genitais ou pré-genitais — ocorrem em uma relação triangular, o 
que significa que, além do sujeito, existem sempre, pelo menos, dois objetos 
paralelos envolvidos. Ambos podem ser duas pessoas, como na situação 
edípica, ou uma pessoa e algum objeto, como na esfera do erotismo anal, e quase 
certamente na do oral. N o inicial, o segundo objeto é representado pelas fezes 
e seus diversos derivados, enquanto que, no final, pelo menos em seus últimos 
estágios, além da fonte ou fornecedor de alimentos, sempre está presente, como 
objeto, o próprio alimento. Embora essas duas esferas sejam, por definição, pré-
genitais, a estrutura da relação relevante — certamente, na fase anal e nos 
últimos estágios da fase oral —, que consiste no sujeito e pelo menos dois objetos 
paralelos, coloca-os na área edípica, elevando-os a esse nível. 
A segunda característica importante da área edípica é sua inseparabilidade 
do conflito. Exceto em alguns poucos casos, ainda não bem estudados, o conflito 
é causado pela ambivalência originada das complexidades da relação entre o 
indivíduo e seus dois objetos paralelos. Embora tal conflito seja inerente à 
situação, pode ser resolvido ou, de alguma forma, consideravelmente ajustado. 
O exemplo mais estudado de conflito talvez seja aquele no qual uma autoridade 
— externa ou interna — recomenda ou proíbe determinada forma de gratifica-
ção. Eventualmente, esse tipo de conflito pode levar a uma fixação, pois certa 
quantidade de libido fica presa em uma luta inútil, criando uma tensão 
contínua. O tratamento analítico tem, nesse caso, por tarefa, mobilizar e libertar 
essas quantidades de libido, através da interpretação ou dando oportunidades 
ao paciente, na transferência, de regredir, a f im de encontrar uma solução 
melhor. Mesmo que inexista uma solução ideal, todas elas provocando alguma 
tensão, quase sempre se pode encontrar uma que a reduza bastante. 
A terceira característica importante desse nível é que nele a linguagem 
adulta é u m meio de comunicação confiável e adequado—pois, como sabemos, 
Édipo era u m homem adulto. Se fosse necessário criar u m novo termo para esse 
nível, proporia chamá-lo de nível de concordância, convencional ou de l ingua-
gem adulta. 
N a ciência, pode algumas vezes ocorrer que uma denominação 
inapropriada provoque mal-entendidos ou prejuízos ao correto estudo do 
problema. Para evitá-los, os dois níveis mentais devem ser chamados por termos 
que não dependam u m do outro. Assim como o nível edípico foi nomeado a 
partir de uma de suas principais características, o outro nível deve ter o seu, não 
devendo ser chamado de "pré-alguma coisa" — certamente não pré-edípico, 
pois, até onde foi nossa experiência clínica, pode coexistir com o nível edípico. 
De momento, queremos deixar em aberto a existência ou não de períodos nos 
quais a mente conhece apenas u m dos níveis. Por outro lado, é preciso enfatizar 
A F A L H A BÁSICA 1 5 
que esse outro nível é definitivamente mais simples, mais primitivo do que o 
edípico. Propomos chamá-lo de nível da falha básica, e gostaria de acentuar que 
é descrito como uma falha e não como uma situação, posição, conflito ou 
complexo. Mais tarde explicaremos o por quê. 
As principais características do nível da falha básica são: a) todos os 
eventos que nele ocorrem pertencem a uma relação exclusivamente bipessoal 
— não existe uma terceira pessoa: b) essa relação bipessoal é de uma natureza 
particular, completamente diferente das bem conhecidas relações do nível 
edípico: c) a natureza da força dinâmica que opera nesse nível não é a de u m 
conflito e d) muitas vezes a linguagem adulta pode ser inútil ou enganadora 
para descrever eventos nesse nível, pois nem sempre as palavras estão de 
acordo com seu significado convencional. 
Embora algumas dessas características só fiquem claras durante a discus-
são dos últimos capítulos, podemos agora dizer algo sobre as demais. Primei-
ramente, a respeito da natureza da relação bipessoal primitiva nesse nível. 
Assim, na primeira abordagem, ela pode ser considerada como uma instância 
da relação objetal primária ou de amor primário, que várias vezes já descreve-
mos (Balint, M . , 1932, 1934, 1937, 1959 e capítulo 12 deste livro). Qualquer 
terceiro que interfira nessa relação é sentido como u m pesado encargo o u uma 
força intolerável. Outra importante qualidade dessa relação é a imensa diferen-
ça de intensidade entre os fenómenos de satisfação e frustração. Enquanto a 
satisfação — a "adaptação" do objeto ao sujeito — traz uma sensação de bem-
estar, que só pode ser observada com muita dificuldade, pois é natural e suave, 
a frustração — a falta de "adaptação" do objeto — provoca sintomas muito 
intensos e tumultuosos (ver também capítulo 16). 
Mais tarde, no capítulo 4, voltaremos a discutir a natureza das forças que 
operam no nível da falha básica, mas, de momento, queremos ilustrar a curiosa 
imprecisão de linguagem obtida nesse nível, o que se origina do feixe de 
associações que ainda envolve cada palavra no uso adulto. N o entanto, no nível 
da falha básica, cada membro do feixe pode ter praticamente o mesmo direito 
de posse da palavra. Isto não se limita ao nível da falha básica, como é 
demonstrado pela impossibilidade prática de encontrar definições exaras, 
especialmente em ciência psicológica. Para determinar a definição exata, deve-
se despir a palavra de quaisquer associações indesejáveis. A experiência mostra 
que isso raramente é possível, pois as pessoas obstinadamente pensam ou, 
mesmo, provam que as palavras utilizadas implicam outros significados que 
não o pretendido pelo inventor da definição. (Este problema será discutido com 
mais detalhes no capítulo 20.) 
C A P Í T U L O 4 
A Area da Falha Básica 
A 
x A - C E I T A N D O teoricamente a existênciado nível da falha básica, devemos 
indagar que tipos de eventos devem ser considerados, durante o tratamento 
analítico, como sinais de que se atingiu esse nível. Tomando u m caso bastante 
normal, suponhamos que o tratamento tenha evoluído brandamente durante 
algum tempo, paciente e analista compreendendo-se mutuamente, enquanto 
que as forças e demandas de cada u m deles, em particular sobre o analista, foram 
apenas razoáveis e, sobretudo, sempre inteligíveis. Então, em certo momento, 
súbita ou insidiosamente, a atmosfera da situação analítica modifica-se profun-
damente. C o m alguns pacientes isso pode ocorrer após u m período muito curto 
ou , mesmo, desde o começo. 
Há vários aspectos do que chamamos de profunda modificação da 
atmosfera, entre os quais se destacam, como foi apresentado no capítulo 
anterior, as interpretações fornecidas pelo analista não são mais experimenta-
das pelo paciente como interpretações. E m vez disso, passa a senti-las como u m 
ataque, demanda, insinuação, grosseria ou insulto injustificado, tratamento 
incorreto, injustiça ou pelo menos uma completa desconsideração. Por outro 
lado, também é possível que as interpretações do analista sejam experimentadas 
como algo muito prazeroso e gratificante, excitante ou confortante, ou, mesmo, 
como uma sedução; em geral, como u m irrefutável sinal de consideração, 
afeição e amor. Também pode ocorrer que as palavras comuns, que até então 
1 6 
A F A L H A BÁSICA 17 
haviam tido u m significado convencional de "adulto" e podiam ser utilizadas 
sem maiores consequências, tornem-se imensamente importantes e poderosas, 
tanto no bom como no mau sentido. De fato, nesses momentos, qualquer 
observação casual do analista, qualquer gesto ou movimento, pode significar 
muito, assumindo uma importância muito além de qualquer coisa que realmen-
te se tivesse pretendido. 
A d e m a i s — e isso não é tão fácil de admitir — o paciente de alguma forma 
parece capaz de saber o que está se passando com o analista. Começa a saber 
cada vez mais a respeito dele. Esse aumento do conhecimento não tem sua 
origem numa fonte de informações externa, mas aparentemente deriva de u m 
talento misterioso, que permite ao paciente "compreender" os motivos do 
analista e "interpretar" sua conduta. Algumas vezes, esse talento misterioso 
pode dar a impressão de telepatia ou clarividência (ver Balint, M . , "Notes on 
Parapsychology and Parapsychological Heal ing" , 1955). O analista sente o 
fenómeno como se o paciente pudesse vê-lo por dentro, retirando daí coisas a 
seu respeito. O que é assim encontrado sempre é altamente pessoal, de algum 
modo sempre em relação ao paciente e, em geral, absolutamente correta e 
verdadeira e, ao mesmo tempo, totalmente desproporcionada e, por isso, falsa 
— pelo menos é assim que o analista a sente. 
Se nesse momento o analista não estiver "ligado", isto é, não responder do 
modo como o paciente espera que o faça, não surgirá, na transferência, como 
seria de esperar no nível edípico, nenhuma reação de zanga, ódio, contenta-
mento ou crítica. Somente pode ser observado u m sentimento de vazio, de 
perda, morte e futilidade, associado a uma aceitação aparentemente sem vida 
de tudo o que lhe está sendo oferecido. De fato, tudo é aceito sem muita 
resistência, mas nada faz qualquer sentido. Outra reação à incapacidade do 
analista de "ligar-se" pode ter o aspecto de angústias persecutórias. Mesmo que 
tais estados de angústia—em sua forma clínica comum—sejam em geral muito 
discretas e difíceis de perceber, qualquer frustração passa a ser sentida por esses 
pacientes como se lhes tivesse sido intencionalmente infligida. Não conseguem 
aceitar que haja qualquer outra causa para a frustração de seus desejos a não ser 
a malícia, a má intenção ou pelo menos uma negligência criminosa. As coisas 
boas ocorrem por acaso, mas as frustrações constituem testemunhos incontes-
táveis dos sentimentos maus e hostis de seu entorno. 
Espantosamente, tudo isso é aceito como u m fato doloroso, sendo ainda 
mais surpreendente como mobiliza pouca aversão e ainda menos a disposição 
de lutar. Causa ainda mais surpresa que dificilmente desenvolva-se u m senti-
mento de desespero. Parece que o desespero e o desânimo pertencem ao nível 
edípico. Provavelmente, são pós-depressivos. Embora a sensação de vazio e de 
morte (cf. Balint, E., 1963) possa ser muito intensa, atrás dela geralmente existe 
uma forte determinação sincera e calma de ver através das coisas. Essa estranha 
mistura de sofrimento profundo, falta da menor vontade de luta e uma 
1 8 M I C H A E L BALINT 
inabalável determinação de avançar, torna tais pacientes realmente atraentes— 
u m importante sinal diagnóstico de que o trabalho atingiu o nível da falha 
básica. 
A reação do analista também é característica, completamente diferente da 
reação à resistência do nível edípico. Voltaremos a isso nas partes III, IV e V deste 
l ivro, mas, de momento, basta dizermos que todas as coisas o tocam muito mais 
mtimamente, encontrando alguma dificuldade para manter sua atitude habi-
tual de passividade simpática e objetiva. De fato, está em constante perigo de 
u m envolvimento emocional subjetivo. Alguns analistas permitem ou, mesmo, 
optam por serem levados por essa corrente poderosa, modificando suas 
técnicas de acordo com isso. Outros, com prudência, engatilham suas experi-
mentadas armas e, de forma consistente, evitam qualquer risco de envolvimen-
to. Também há os que, diante da ameaça, adotam — também como formação 
reativa contra isso — uma atitude de confiança u m tanto onipotente, constan-
temente tranqüilizando-se de que sua técnica de interpretação é capaz de lidar 
com qualquer situação. 
Outro importante grupo de fenómenos está situado em torno do que se 
poderia chamar de apreciação ou gratidão pelo trabalho do analista. N o nível 
edípico, desde que o trabalho do analista tenha obedecido aos padrões profis-
sionais, estes dois sentimentos—apreciação e gratidão—são poderosos aliados 
que podem auxiliar muito, em especial durante os períodos áridos. N o nível da 
falha básica não se pode ter certeza de se o paciente irá lembrar, e ainda menos 
se irá considerar, que seu analista foi habilidoso e compreensivo no passado, 
seja remoto ou recente. U m dos motivos dessa profunda modificação é que, 
nesse nível, os pacientes sentem que lhe dão o que estão precisando. A i n d a 
voltaremos a este importante aspecto. 
Assim, se o analista fornecer o necessário, isso é dado como certo, 
perdendo todo o valor como prova de capacidade profissional, dádiva excep-
cional ou favor, originando a produção de mais e mais demandas. N a literatura 
analítica atual, essa síndrome é chamada de "voracidade" ou, mesmo, de 
"avidez oral". Não temos nenhuma objeção em chamá-la de "avidez", mas as 
temos — e fortes — em chamá-la de "oral" , pois é incorreto. É irrelevante a 
relação com o componente pulsão oral para a compreensão dessa síndrome, 
mas o fato de que se origina em uma relação bipessoal que pode ou não ser "oral". 
Citando a categoria das toxicomanias, na qual a "voracidade" é o aspecto mais 
importante, há muitas e inquestionáveis toxicomanias "orais", entre as quais a 
nicotina e o álcool. Mas há muitas outras que não são orais, como o morfinismo, 
a cocaína, não esquecendo das várias formas de coceira, como no prurido. 
N o nível edípico, o analista quase nunca é tentado a sair de sua passivi-
dade simpática. N o nível da falha básica, se abandonar a passividade, poderá 
iniciar uma perigosa espiral de toxicomania — devido à peculiar falta de 
gratidão ou presença da avidez; se permanecer inflexível, o tratamento poderá 
A F A L H A BÁSICA 1 9 
ser interrompido pelo paciente como inútil ou, após uma longa e solitária luta, 
o paciente será obrigado a identíficar-se com o agressor, como está sentindo o 
analista, isto é, como foi descrito em u m de nossos seminários — o paciente 
parece ter u m eterno disco L P interno. N o capítulo 17, voltaremos a tãoimportante problema técnico. 
Todos esses eventos pertencem essencialmente à área da psicologia 
bipessoal, sendo mais elementares do que os do nível edípico, com três pessoas. 
Ademais, não apresentam a estrutura de u m conflito. Este é u m dos motivos 
pelos quais propusemos chamá-los de "básicos". Mas por que falha? E m 
primeiro lugar, porque é exatamente a palavra empregada por muitos pacientes 
para descrevê-lo. O paciente diz que sente que existe uma falha dentro de si, 
uma falha que precisa ser corrigida. E sentida como uma falha, não u m 
complexo, conflito ou situação. E m segundo lugar, há u m sentimento de que 
essa falha foi provocada porque alguém falhou ou descuidou-se dele. E m 
terceiro, essa área é invariavelmente cercada de uma grande angústia, geral-
mente expressa como uma demanda desesperada de que agora o analista não 
pode — de fato não lhe deve — falhar. 
O termo "falha" tem sido utilizado em algumas ciências exatas para 
indicar condições que lembram o que estamos discutindo. Assim, por exemplo, 
em geologia e cristalografia, a palavra "falha" é utilizada para descrever uma 
súbita irregularidade na estrutura total, uma irregularidade que, em circunstân-
cias normais, estaria escondida, mas, se houver pressões ou forças, pode levar 
a uma ruptura, alterando profundamente a estrutura total. 
Estamos habituados a pensar que toda força dinâmica que opera na mente 
tem a forma de uma pulsão biológica ou de u m conflito. Embora altamente 
dinâmica, a força que se origina da falha básica não assume a forma nem de uma 
pulsão, nem de u m conflito. E uma falha, algo errado na mente, uma espécie de 
deficiência que precisa ser corrigida. Não é algo represado para o qual deve ser 
encontrada a melhor saída, mas algo que está faltando agora ou talvez por quase 
toda a vida do paciente. U m a necessidade pulsional pode ser satisfeita, u m 
conflito pode ser resolvido, mas uma falha básica talvez possa apenas ser 
preenchida, desde que os ingredientes que estão faltando possam ser encontra-
dos e, mesmo assim, apenas em quantidade suficiente para preencher o defeito, 
como uma simples e indolor cicatriz. 
O adjetivo "básica", em nosso novo termo, significa não apenas que está 
relacionado com condições mais simples do que as que caracterizam o complexo 
de Édipo, mas também que sua influência se estende amplamente, provavel-
mente por toda a estrutura psicobiológica do indivíduo, envolvendo em 
diferentes graus tanto a mente quanto o corpo. Assim, o conceito de falha básica 
nos permite compreender não só as diversas neuroses (talvez também as 
psicoses), transtorno de caráter, doenças psicossomáticas, etc, como sintomas 
de uma mesma entidade' etiológica, mas também — como as experiências de 
20 M I C H A E L BALINT 
nossa pesquisa na clínica geral demonstraram — u m grande número de 
doenças "clínicas" comuns (Balint, M . , 1957; Balint, M . & Balint, E., 1961; Lask, 
1966; Greco and Pittenger, 1966). C o m isso queremos dizer que, por influência 
de diversas experiências emocionais, entre elas o tratamento clínico, uma 
doença "clínica" pode desaparecer, dando origem a u m distúrbio psicológico 
específico e vice-versa. 
E m nossa opinião, a origem da falha básica pode ser identificada com uma 
considerável discrepância nas fases formativas precoces do indivíduo, entre 
suas necessidades biopsicológicas e o cuidado material e psicológico, e a afeição 
disponível em momentos relevantes. Isso cria u m estado de deficiência cujas 
consequências e efeitos posteriores parecem ser apenas parcialmente reversí-
veis. A causa de tal discrepância precoce pode ser congénita, isto é, as grandes 
necessidades biopsicológicas infantis (existem crianças não viáveis e condições 
congénitas progressivas, como a ataxia de Friedreich ou os rins policísticos), ou 
ambientais, como u m cuidado insuficiente, deficiente, aleatório, excessivamen-
te angustiado, superprotetor, severo, rígido, muito inconsistente, inoportuno, 
superestimulante ou apenas sem compreensão ou indiferente. 
Como pode ser observado a partir de nossa descrição, enfatizamos a falta de 
"adaptação" entre a criança e as pessoas que representam seu entorno. 
Incidentalmente, começamos com uma falta semelhante de "adaptação" — entre 
o analista com uma técnica de outra forma correta e determinadas necessidades do 
paciente, o que, muito provavelmente, pode ser uma importante causa de 
dificuldade ou mesmo de fracassos experimentados pelos analistas em sua prática. 
Esse assunto será discutido com maiores detalhes na Parte V . 
Voltando ao nosso tema principal, desejamos que o leitor esteja atento ao 
nosso ponto de vista pessoal, por cuja influência nossa descrição do processo, 
que eventualmente pode resultar em alguma falha básica, é expressa em termos 
de relação objetal. E m nossa opinião, todos esses processos ocorrem em uma 
relação objetal muito primitiva e peculiar, fundamentalmente diferente daque-
las em geral observadas entre adultos. Definitivamente, é uma relação bipessoal 
na qual, entretanto, apenas u m dos parceiros interessa; seus desejos e necessi-
dades são os únicos que contam e precisam ser atendidos; o outro parceiro, 
embora pareça ser muito poderoso, interessa apenas enquanto pode gratificar 
ou decidir frustrar as necessidades e desejos do primeiro. Ademais, seus 
interesses, necessidades, desejos, etc. simplesmente não existem. N o capítulo 
12, propomos numa discussão mais pormenorizada dessa relação essencial-
mente bipessoal, distinguindo-a da que chamamos de amor objetal primário ou 
relação objetal primária. 
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I 
C A P Í T U L O 5 
s 
A Area da Criação 
A -
L \ T E o momento, discutimos dois possíveis níveis ou áreas da mente: o do 
conflito edípico e o da falha básica. Para complementar o quadro devemos 
mencionar sutilmente a terceira área, antes de expor a relevância de nossas 
ideias sobre a psicologia da mente humana. 
Enquanto a área do conflito de Édipo caracteriza-se pela presença de pelo 
menos dois objetos, exceto o sujeito, e a área da falha básica por u m tipo de 
relação muito peculiar, exclusivamente bipessoal, a terceira área é caracteriza-
da pelo fato de que nela não está presente o objeto externo. O sujeito está por 
sua conta e sua principal preocupação é produzir algo por si mesmo, que pode 
ser u m objeto, embora nem sempre o seja. Propomos chamá-lo de "nível" ou 
"área de criação". O exemplo mais conhecido é, evidentemente, o da criação 
artística, mas outros fenómenos também pertencem ao mesmo grupo, entre os 
quais a Matemática e a Filosofia, a obtenção de discernimento, a compreensão 
de algo, e, finalmente, porém não menos importante, dois fenómenos: as 
primeiras fases de ficar — física ou mentalmente — "doente" e a recuperação 
espontânea da "doença". 
Apesar de várias tentativas, na verdade pouco sabemos sobre tais 
processos. U m motivo óbvio dessa escassez deve-se ao fato de que, em toda 
essa área, não se encontra u m objeto externo, e por isso não se pode 
desenvolver uma relação transferencial. Onde não há transferência, nossos 
21 
22 M I C H A E L BALINT 
métodos analíticos perdem seu poder, deixando-nos limitados a inferências a partir 
de observações obtidas depois que o indivíduo abandonou os limites dessa área. 
Logo que entra em cena u m objeto externo, como u m trabalho artístico completo, 
uma tese matemática ou filosófica, uma peça de cliscernimento ou compreensão, 
que possa ser expresso em palavras, ou logo que a doença atinge o estágio no qual 
o indivíduo pode se queixar a respeito dela a alguém, existe u m objeto externo que 
podemos utilizar no trabalho com nossos métodos analíticos. 
A falta de transferência também explica como nossas tentativas para compre-
ender esses importantes estados mentais ainda continuam engatinhando. A maior 
parte das teorias analíticas relativas a tais estados — de acordo com o exemplo da 
linguagem — considera o indivíduo como uma espécie de procriador. Todas as 
linguagens, tanto como nos é dadoconhecer, descrevem esses estados por palavras 
derivadas de concepção, gestação e parto. O indivíduo concebe uma ideia, 
engravida, sente as dores do parto e dá à luz ou aborta alguma coisa. Talvez seja 
pela mesma falta de transferência que é comparativamente pobre nossa psicologia 
da gestação e do parto. E m tais situações, também procuramos transformar uma 
situação evidentemente unipessoal em uma relação bipessoal, que permita utilizar 
nossos comprovados métodos e formas de pensar habituais. 
Neste caso, novamente encontramos as dificuldades criadas pela nossa 
linguagem adulta e convencional. Sabemos que não existem "objetos" na área de 
criação, mas também sabemos que nela, na maior parte do tempo, o sujeito não está 
completamente sozinho. O problema é que nossa linguagem não tem palavras 
para descrever ou até mesmo indicar os "algos" que estão presentes, quando o 
sujeito não está completamente só; para poder falar a seu respeito, propomos 
utilizar o termo "pré-objeto"; pois "embrião de objeto" seria muito definitivo; em 
alemão, Objekt-Anlage poderia ser u m termo adequado. Se compreendemos Bion 
(1962 e 1963), ele encontrou a mesma dificuldade; sua proposta, neste caso em 
especial, foi chamar os elementos de alfa e beta, e a função de alfa. 
Tudo isso demonstra que os "pré-objetos" existentes na área da criação 
devem ser tão primitivos que não podem ser considerados "organizados" ou " u m 
todo". Somente depois de o trabalho de criação ter conseguido torná-los "organi-
zados" ou " u m todo" é que poderá ocorrer uma adequada interação "verbal" ou 
"edípica" entre eles e os objetos externos. É provável que sempre estejam 
ocorrendo interações mais primitivas — adequadas aos níveis da falha básica e da 
criação; interações, no entanto, difíceis de observar e ainda mais de descrever de 
uma forma adequada (Balint, M . , 1959, em particular capítulos 8 e 11). 
A única que sabemos é que o processo de criação, a transformação do "pré-
objeto" no próprio objeto, é imprevisível. Não sabemos por que, em alguns casos, 
é bem-sucedido, enquanto fracassa em outros, nem tampouco por que demora 
tanto em alguns e ocorre como u m relâmpago em outros. A história da criação 
científica e artística nos fornece inúmeros relatos interessantes, mas isso é tudo. 
Sabemos, por exemplo, que os problemas de Fausto ocuparam Goethe durante 
A F A L H A BÁSICA 23 
toda a sua vida, o Urfaust foi iniciado quando ele tinha 21 anos, e ainda trabalhava 
em sua Segunda Parte, até sua morte, em 1832. A produção habitual de Flaubert 
era de uma a duas páginas por dia, tendo necessitado de sete anos para concluir 
Madame Bovary. Vermeer e Giorgione foram trabalhadores muito lentos, bem como 
Beethoven. Leonardo trabalhou durante 15 anos em " L a Gioconda" — para 
mencionar apenas alguns. Por outro lado, Mozart foi u m trabalhador rápido (1) (o 
exemplo mais famoso é a "Ouverture" de Don Giovanni), como também o foram 
H a y d n e Bach. Balzac era u m escritor rápido, assim como Simenon, cuja produção 
habitual, durante certo tempo, foi de uma novela por noite. U m a parte bastante 
grande da oeuvre de Van Gogh foi pintada em dois anos. Parece que conflitos 
intensos no nível edípico podem acelerar ou inibir a velocidade do processo 
criativo, mas que também, além e acima desses conflitos, o que realmente interessa 
é a configuração mental do indivíduo, a estrutura de sua área de criação. 
Tudo isso é muito pouco, especialmente quando comparado com nosso 
conhecimento dos processos e mecanismos inconscientes que operam sob pressão 
de conflitos. Isso ainda é mais notável quando os analistas têm a oportunidade 
única de observar as pessoas enquanto absorvidas na área de criação. O que temos 
em mente é o paciente silencioso, u m problema enigmático para nossa técnica. A 
atitude analítica habitual é considerar o silêncio meramente u m sintoma de 
resistência a alguns materiais inconscientes, originados no passado do paciente ou 
de uma situação transferencial atual. Podemos acrescentar que tal interpretação 
quase sempre está correta; o paciente está fugindo de alguma coisa, geralmente de 
u m conflito, mas também poderá ser que ele esteja correndo para alguma coisa, isto 
é, está em u m estado no qual se sente relativamente seguro, podendo fazer algo 
a respeito do problema que o está atormentando ou preocupando. O algo, que 
eventualmente irá produzir e depois apresentar, é uma espécie de "criação"—nem 
sempre honesta, sincera, profunda ou artística — mas não menos u m produto de 
sua criatividade. N a verdade, não podemos estar com ele durante o trabalho de 
criação, mas o podemos momentos antes ou depois e, além disso, podemos 
observá-lo de fora, durante seu trabalho. Talvez, se modificássemos nossa aborda-
gem, deixando de considerar o silêncio u m sintoma de resistência e passando a 
estudá-lo como uma possível fonte de informação, pudéssemos aprender algo 
sobre essa área da mente. 
N O T A 
1. "Dois dias antes da première de Don Giovanni, em Praga, Mozart ainda não tinha começado a 
compor a abertura. Seus amigos, o diretor da Ópera e a orquestra estavam em suspense, 
enquanto o próprio génio despreocupadamente se divertia em uma festa. Mais tarde, durante 
a noite, escreveu a música sem qualquer correção posterior; ele sabia que a escrita musical inteira 
iria surgir-lhe, súbita e simultaneamente, de forma clara em sua mente" (Weiss, E., 1957). 
C A P Í T U L O 6 
Resumo 
^ ^ . S S I M , parece que temos pelo menos três áreas da mente, cada uma 
caracterizada, como primeiramente propôs Rickman (1951), por u m número. 
Também se podem designar essas três áreas de espaços, esferas, campos, níveis, 
localidades ou instâncias, ou até mesmo por outros termos. Todos esses termos 
possuem seus próprios feixes de associações, e, particulamente, somos cuida-
dosos em nos ligarmos a qualquer u m deles, considerando-o o mais adequado. 
De momento, preferimos utilizar "área" ou "nível", mas devemos admitir que 
não sabemos o motivo pelo qual preferimos esses dois. 
A mais conhecida dessas três áreas caracteriza-se pelo número 3, e pode 
ser chamada de área do conflito de Édipo. É corretamente descrita como o 
complexo nuclear, pois todo o desenvolvimento humano — individual ou 
coletivo—precisa passar por ela, conservando para sempre a marca da solução 
que o indivíduo ou a civilização em questão encontrou, em sua luta com os 
conflitos envolvidos. A área total é caracterizada pelo fato de que tudo o que 
ocorre nela envolve, além do sujeito, pelo menos dois objetos paralelos. A força 
que opera nesse nível assume a forma de u m conflito, em geral originado da 
ambivalência criada pelas complexidades da relação entre o indivíduo e seus 
dois objetos paralelos. 
Esse nível é u m dos mais conhecidos. Há duas razões principais para tanto. 
A primeira porque a relação entre o sujeito e seus objetos é muito semelhante 
2 4 
A F A L H A BÁSICA 2 5 
à de u m adulto, enquanto a segunda, porque a linguagem adulta é u m meio 
bastante adequado para descrever o que pode ser observado. 
A segunda área, como procuramos mostrar nesta Parte, é completamente 
diferente da anterior. E a área da falha básica, caracterizada pelo número 2, 
significando que nela estão envolvidas duas, e apenas duas, pessoas. Entretan-
to, sua relação não é a encontrada entre dois adultos; é mais primitiva. U m a 
outra diferença entre essas duas áreas é aquela causada pela natureza da força 
dinâmica que atua em cada uma. N a área do complexo de Édipo, a forma da 
força é a de u m conflito. Embora altamente dinâmica, a força originada da falha 
básica não assume o aspecto de u m conflito. Como foi descrito no capítulo 4, 
assume o aspecto de uma falha, de algo destorcido ou que está faltando na 
mente, produzindo u m defeito que deve ser corrigido. Disso decorre u m certo 
número de problemas técnicos, que propomos discutir nas partes III-V. Talvez 
a maior dificuldade para tentar qualquer descrição teórica de tais fenómenos 
seja acomparativa inutilidade da linguagem adulta, como já mencionamos. 
Finalmente, temos a área de criação, que recebe o número 1, na qual não está 
envolvido nenhum objeto externo, não havendo, portanto, relação objetal, nem 
transferência. É por esse motivo que nosso conhecimento sobre esses processos 
são tão escassos e imprecisos. Nossos métodos analíticos não se aplicam a essa 
área, motivo pelo qual temos de nos apoiar em inferências pouco seguras, assim 
como em extrapolações. 
Até onde essas áreas se estendem na mente? É uma pergunta muito 
interessante, para a qual só temos uma resposta bastante incompleta. Certa-
mente, todas as três áreas estão no ego, porém não saberíamos dizer se alcançam 
o superego, e a mesma incerteza é preciso admitir quanto ao i d . N o entanto, 
todos os recentes avanços da teoria do aparelho mental pertencem, principal ou 
exclusivamente, ao ego. Isso também é verdadeiro em Fairbairn, Hartmann e 
Winnicott, de forma que não estamos em má companhia. 
Antes de terminar esta parte do livro, queremos acrescentar algumas 
recomendações. A primeira delas refere-se à relevância de nossas observações 
sobre a teoria geral do desenvolvimento humano. E m geral, admite-se que os 
fenómenos observados clinicamente, na situação psicanalítica, podem ser 
considerados como exemplos representativos do desenvolvimento total do 
homem (Balint, M . , 1956). Embora raramente expressa de forma clara, essa ideia 
matiza muitas das nossas proposições teóricas. Julgamo-na completamente 
falsa; em primeiro lugar, nem tudo o que acontece no desenvolvimento 
humano repete-se na situação analítica e, em segundo, o que é repetido está 
profundamente distorcido, devido às condições predominantes. Foi Freud 
quem recomendou que o tratamento analítico deveria ser realizado em estado 
de abstenção, isto é, de frustração. Mesmo que essa máxima não tenha sido 
obedecida tão incondicionalmente como seu texto sugere, no conjunto, é 
verdade que o paciente deve, durante o tratamento, aceitar mais frustrações do 
2 6 M I C H A E L BALINT 
que gratificações. É preciso verificar se a mesma desproporção ocorre durante 
todo o desenvolvimento humano. Até então, é mais seguro presumir que o que 
conseguimos observar, em nossa prática, é u m quadro consideravelmente 
distorcido e que isso é produzida por nossa técnica bem comprovada, que 
impõe frustrações ao paciente e, ao mesmo tempo, impede ou inibe as 
gratificações. Por negligenciar os efeitos dessa distorção, a teoria psicanalítica 
nos levou, inevitavelmente, a exagerar a importância, para a mente, da 
frustração e da ambivalência. 
N a verdade, os acontecimentos passados e presentes, pertencentes à área 
do conflito edípico, são trabalhados constantemente durante o tratamento 
analítico, mas isso ocorre principalmente por via indireta, através dos relatos 
verbais do paciente. O que observamos diretamente na situação analítica é uma 
relação bipessoal, e, do mesmo modo, uma parte da área da falha básica. 
Evidentemente, então expressamos nossas experiências em linguagem adulta, 
o que significa que devemos trazê-las para o nível edípico, isto é, para o nível 
da linguagem convencional. Se nossa forma de pensar estiver correra, isso 
também produz uma boa dose de distorção, que pode ser uma explicação de por 
que nossa teoria e técnica se distanciaram tanto, desde as últimas grandes 
monografias de Freud. N a Parte I, tentamos preencher essa lacuna, util izando 
nossas experiências clínicas para desenvolver uma nova teoria da mente e, em 
particular, do ego, que teria, como limite, a psicologia do ego clássica de Freud. 
E m segundo lugar, queremos acentuar que, no que se refere a esta Parte 
do l ivro, deixamos inteiramente em aberto a questão da cronologia, pois não 
pensamos aue nosso conhecimento atual seja suficiente para resolver tão difícil 
problema. E tentador, mas estamos certos de que é falso presumir que o simples, 
logicamente, seja necessariamente o primeiro, cronologicamente; assim, chega-
mos a uma sequência: primeiro, o nível de criação, a seguir, o da falha básica e, 
por último, o nível do complexo de Édipo. Como sabemos da embriologia, 
algumas vezes acontece que, durante o desenvolvimento, uma estrutura 
precoce complexa gradualmente se simplifica ou mesmo se perde completa-
mente, em u m estado posterior (cf. Balint, M . , 1959, capítulo 7). Portanto, 
podemos pensar que o nível mais precoce é o do amor primário e com ele o nível 
da falha básica, a partir do qual, por u m lado, desenvolve-se, por diferenciação, 
o conflito edípico e, por outro, por simplificação, o nível de criação. 
Nosso plano é adorar esta última ideia como hipótese de trabalho e 
examinar se poderemos chegar, sob essa base, a uma melhor compreensão de 
alguns de nossos intrigantes problemas teóricos e técnicos. 
Pelo lado teórico, temos dois problemas antigos e amplamente inter-
relacionados: o narcisismo e a regressão. Embora ambos possuam conexões com 
a área do complexo de Édipo, pertencem fundamentalmente à área da falha 
básica. Como esse fato não pôde ser adequadamente avaliado, o aparecimento 
de aspectos narcisistas ou regressivos na situação transferencial foi considerado, 
A F A L H A BÁSICA 2 7 
em sua totalidade, como u m sinal funesto. Nas partes II e III, devemos examinar 
quão justificada foi essa generalização e em que tipo de casos demonstrou ser 
incorrera. Após ter esclarecido nosso caminho, nas duas últimas partes do livro 
discutiremos suas implicações técnicas. 
PARTE II 
NARCISISMO PRIMÁRIO 
E AMOR PRIMÁRIO 
C A P Í T U L O 7 
As Três Teorias de Freud 
ti U M fato curioso, porém de fácil verificação que, durante muitos anos, 
Freud tenha conservado três pontos de vista mutuamente exclusivos da 
relação mais primitiva do indivíduo com seu entorno. O mais antigo foi 
publicado em 1905, em Três ensaios sobre a teoria da sexualidade, tendo permane-
cido imutável em todas as edições subsequentes, embora se deva notar que 
tanto este l ivro como A interpretação dos sonhos foram os únicos que Freud 
procurava manter atualizados, revisando-os e corrigindo-os a cada nova 
edição, neles incluindo todas as descobertas feitas nos anos posteriores à 
última edição. Estranhamente, essa passagem ocorre na última seção do 
terceiro e último ensaio, cujo subtítulo era, em alemão, Die Objektfindung, uma 
bela e concisa frase, traduzida para o inglês de uma forma u m tanto canhestra 
como "The F inding of an Object" (Standard Edit ion, VII, p. 222). 
Freud escreveu: " N u m momento em que as primeiras satisfações sexuais 
ainda estão ligadas à ingesta de alimentos, a pulsão sexual tem um objeto sexual 
fora do próprio corpo da criança, sob a forma do seio da mãe. Só mais tarde é que 
a pulsão perde esse objeto, talvez exatamente no momento em que a criança 
se torna capaz de formar uma ideia total da pessoa a quem pertence o órgão que 
lhe está fornecendo satisfação. Como regra, então, a pulsão sexual se torna auto-
erótica, e somente após ter passado o período de latência é restaurada a relação 
original. Estas são, pois, boas razões do mamar da criança no seio materno 
3 1 
3 2 M I C H A E L BALUMT 
tornou-se o protótipo de toda a relação de amor. O encontro de u m objeto é 
de fato seu reencontro" (Os grifos são nossos.) 
Devemos fazer duas observações a respeito da tradução para o inglês, no 
restante excelente. A última sentença é, em alemão, verdadeiramente bela: 
"Die Objektfindung ist eigentlich eine Wierderfindung". A inglesa é uma pálida 
tradução da poderosa e categórica frase original. Embora não totalmente 
correta e u m tanto mais livre — mas parecendo-nos mais verdadeira — ,a 
tradução deveria ser: "Toda descoberta objetal é, de fato, uma redescoberta". 
Nossa segunda observação refere-se à época. N o original de Freud, é a 
anfänglichste Sexualbefriedigung, que é incomparavelmente mais enfática do que 
a de outra forma correta tradução para o inglês, the first beginnings of sexual 
satisfaction [os verdadeirosprimórdios da satisfação sexual]; talvez uma 
tradução mais fiel fosse the very first sexual satisfaction [a primeira verdadeira 
satisfação sexual]. 
C o m o já foi dito, essa passagem permaneceu imutável, mas, em 1915, 
Freud acrescentou uma nota de rodapé, para chamar a atenção para sua 
descoberta de mais um método de encontrar u m objeto, especificamente o 
narcísico. E fácil demonstrar que, depois da introdução da teoria psicanalítica 
do narcisismo, por muitos anos Freud não teve a intenção de abandonar a ideia 
de relação objetal primária em favor do narcisismo primário. 
Para provar tal assertiva, transcrevemos duas passagens de seus escritos 
daqueles tempos. U m a pertencente às Conferências introdutórias sobre psicanálise, 
que, como sabemos, foram publicadas em 1916-1917. Freud, primeiramente, 
destaca que certos componentes pulsionais da sexualidade, como o sadismo, a 
escopofilia e a curiosidade, possuem u m objeto desde o começo, continuando: 
"Outros, ligados mais definitivamente a determinadas zonas erógenas do 
corpo, possuem-no apenas no começo, enquanto ainda presos a funções não-
sexuais, abandonando-os quando se separam delas", referindo-se em particular 
ao componente oral da pulsão, quando então afirma: " A pulsão oral torna-se 
auto-erótica, como o são, desde o começo, a pulsão anal e outras pulsões 
erógenas. U m maior desenvolvimento, para situar o assunto o mais concisa-
mente possível, tem duas finalidades: primeiramente, o abandono do auto-
erotismo e, mais uma vez, a substituição do próprio corpo do sujeito por u m 
objeto externo, e, em segundo lugar, a unificação dos vários objetos das diversas 
pulsões e sua substituição por u m único objeto (Standard Edit ion, XVI). 
A outra passagem pertence ao artigo de Freud sobre psicanálise, no l ivro 
de M . Marcuse Handwörterbuch der Sexualwissenschaft, valendo a pena menci-
onar que a passagem ocorre na secção cujo por subtítulo é " 0 Processo de 
Encontrar u m Objeto". " N a primeira instância, o componente oral da pulsão 
encontra satisfação em se apegar à satisfação do desejo por alimento, e seu 
objeto é o seio da mãe. Depois desliga-se, torna-se independente e, ao mesmo 
tempo, auto-erótico; isto é, encontra u m objeto no próprio corpo da criança" 
A F A L H A BÁSICA 3 3 
(Standard Edit ion, XVIII. Grifos no original). Sabemos que esse artigo foi 
escrito em 1922, u m pouco antes do Congresso de Berlim, o último a que Freud 
compareceu, no qual anunciou suas novas ideias a respeito da estrutura 
mental, que levaram, mais tarde, ao desenvolvimento do que é atualmente 
chamado de psicologia do ego. A i n d a assim, como o comprova a passagem 
citada, não abandonou a ideia de relação objetal primária. 
A s outras duas teorias, a respeito da relação mais primitiva do indivíduo 
com seu entorno surgiram pela primeira vez em 1914, em Sobre o narcisismo: 
uma introdução, embora a mais antiga delas tivesse apresentado várias precur-
soras nos anos anteriores (1). Esta, a teoria mais antiga, foi iniciada, no artigo 
de 1914, de forma bastante categórica, sem quaisquer qualificativos. Freud 
indaga, na primeira secção do trabalho: " Q u a l é a relação do narcisismo, do 
qual estamos agora falando, com o auto-erotismo, que descrevemos como um 
estado precoce da libido?", do que responde assim: "Devo dizer que fomos 
levados a supor que não poderia existir no indivíduo, desde o começo, uma 
unidade comparável ao ego; o ego precisa desenvolver-se. N o entanto, as 
pulsões auto-eróticas estão presentes desde o começo; assim, é preciso acres-
centar algo ao auto-erotismo — uma nova ação psíquica — para se chegar ao 
narcisismo" (Standard Edition, XIV. Grifo nosso). 
Sabemos, por Ernest Jones (Sigmund Freud, II), que a primeira vez que 
Freud uti l izou o termo "narcisismo", com o sentido acima citado, foi em 10 de 
novembro de 1909, em u m encontro da Sociedade Analítica de Viena. Q u a n d o 
afirmou: " O narcisismo não era necessariamente u m estágio intermediário na 
passagem do auto para o alo-erotismo". Isso está de acordo com uma passagem 
da análise de Schreber (Standard Edition, XII. Grifos nossos). " A s recentes 
pesquisas voltaram nossa atenção para u m estágio do desenvolvimento da 
libido, no qual ela passa do auto-erotismo ao amor objetal. Tal estágio recebeu 
o nome de narcisismo... Estafase, a meio caminho entre o auto-erotismo e o amor 
objetal, talvez seja normalmente indispensável, mas parece que muitas pessoas 
permanecem por demasiado tempo nessa condição, levando com elas muitos 
de seus aspectos para os estágios posteriores de seu desenvolvimento". Essa 
passagem, publicada em 1911, incidentalmente, é a terceira ocasião em que 
Freud util iza o termo "narcisismo", tendo ocorrido a segunda no trabalho 
sobre Leonardo. Voltaremos à primeira vez em que o termo foi util izado. 
De momento discutiremos dois pontos. E m primeiro lugar, é inequívoca 
a descrição de Freud nas duas passagens apresentadas. A forma mais primit iva 
de relação do indivíduo com seu entorno é o auto-erotismo, seguida pelo 
estágio narcísico, a partir do qual então se desenvolvem as relações objetáis. 
Evidentemente, é esse o desenvolvimento que leva ao tipo de escolha objetal 
que, mais tarde, no trabalho "Sobre o Narcisismo", é descrito como narcisismo. 
Esse desenvolvimento deveria ser considerado como uma alternativa ou como 
paralelo ao antes descrito — em Três ensaios e outros escritos acima citados —, 
34 M I C H A E L BALINT 
que começa como relação objetal primária, levando a uma escolha objetal, mais 
tarde caracterizada por Freud como de apoio. 
O segundo é que, nas passagens que acabamos de citar, Freud afirma que 
o narcisismo é essencialmente u m fenómeno secundário — "uma fase a meio 
caminho". Poderia repetir aqui a sentença que destaca: "Deve-se acrescentar 
algo ao auto-erotismo—uma nova ação psíquica—para chegar ao narcisismo". 
N o t e m que não há nenhuma qualificação dessa afirmativa, o que é ainda mais 
surpreendente, pois a citação se origina de dois parágrafos que se seguem, de 
imediato, à passagem na qual Freud utiliza pela primeira vez (2) sua famosa 
metáfora da ameba: "Ass im, formamos a ideia de que ali existia u m investimen-
to l ibidinal original do ego, a partir do qual, mais tarde, uma parte vai para os 
objetos, mas que fundamentalmente permanece, estando relacionado ao 
investimento objetal, como o corpo de uma ameba ao pseudópode que dela 
parte" (Standard Edit ion, XIV). Voltaremos ao assunto para discutirmos essa 
contradição, depois de ter descrito a terceira teoria de Freud. 
E de admirar que o trabalho "Sobre o Narcisismo", introdutor dessa 
teoria, não contenha uma descrição concisa do narcisismo primário. Entretan-
to, como em geral se sabe, o narcisismo primário tornou-se a teoria-padrão 
para descrever a relação mais primitiva do indivíduo com seu entorno, e, 
muitas vezes, Freud remete a ela, em seus escritos posteriores. É bastante 
interessante que a teoria não tenha mudado em nada, nos restantes 25 anos de 
trabalho ativo de Freud. Para comprová-lo, deixem-me fazer duas citações. 
U m a , de u m acréscimo aos Três ensaios sobre a teoria da sexualidade, por ocasião 
da terceira edição, em 1915: " A libido narcisista ou do ego parece ser o grande 
reservatório do qual os investimentos objetais são enviados e ao qual mais uma 
vez são recolhidos; o investimento libidinal narcísico do ego é o estado original 
das coisas, realizado na infância mais precoce, sendo meramente encoberto 
pelas posteriores extrusões da libido, mas essencialmente persistindo por trás 
delas (Standard Edition, VII). 
A outra passagem pertence ao último trabalho de Freud, não concluído, 
Esboço de psicanálise, escrito em 1938 e 1939, no qual, no segundo capítulo com 
o subtítulo " A Teoria das Pulsões", diz : "É difícil dizer algo sobre a conduta da 
libido no i d e no superego. Tudo o que sabemos a respeito está relacionado ao ego, 
no qual é primeiramente armazenada toda a cota de libido disponível.

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