Prévia do material em texto
.,
"
É inevitável que a abro qui- cOllS1ruímos como
arquitetos,sirva de ponto de partida parti o. nosSo
ensino, e obviamente o melhor (omí~ho paio explicor o.
" ' I ' ,
, que se tem o dizer é fozê-lo com base fio experíêndo
i /',' ..', "
r, prático: este é, no verdade, o fio condutor deste livro,
" .' Em ve.z de opresentar separCHlomente coda obro
, individuól e exptKor em .110 todos os seus ospWos
cllfl!derísticos, os div8l5OS componentes textuais forom
organizadós de IaImodo que, como um todo, oferecem
r:'
algo seniélhoMe a uma teoria; é o moneira (umu os ' ,
elementos ~IiIdos que IransforÍlllllÍprólico
".em teoria. O objetivo de minhas '~ões" sempre 'foi ,
eslillllJlar os estudantes, despertar neles umo " '
mentatMlode arquitetônico que pudesse (opocitÍl-los o.
fozer seu próprio troboIho; mw objetivo nesfê bvn) ,
continua o mesmo.
,
,I ,
HERMAN
HERTZBERGER
-UCOES
DÉ ARQUITETURA
Tradução
CARLOS mUARDO UMA MACHADO
Martins Fontes
__ ._s.2,~~~(j"",,,---- .
U f'.l I R ~_ . ,.,
G!::::: ~ R lOTe .;',~ .,\
:- !~ ;., r' RI 'r·:-.t r R
Este livro reRete o material discutido nos palestras de
Hertzberger sobre arquitetura no Universidade Técnico de
DelFt o partir de 1973 e contém versões elaborados dos
notas de palestras anteriormente publicados como 'Het
openbare riik' (Domínio público), 1982, "Ruimte maken,
ruimte laten' (Criando espaço, deixando espaço), 1984, e
"Uitnadigende vorm' (Formo convidativo), 1988.
Eua obra foi publictuUJ origilllJirfUnlt em inglis com o titulo
LESSONS FOR STUDENTS IN ItRCHlTECI'URE
por Uilgtvtrij 010 Publishtrs, Amsttrdam, em 199/.
Copyrighl CI 1991, Uilgtverij 010 P!lblishers.
Copyright C 1996, Livraria MeTlins FOMes EdilOra LIda.,
$dQ Paulo, para a presente edição.
1" tdlçá[) 1996
2' edição 1999
2' tiragem 2006
Revisio da tradução
LuIs Carlos Borges
Reri.roes arâfi C'JIS
Silva!la Cobucci úile
Agnaldo A/W!s de Oliveira
DifUlfU ].Qnantlli da Silva
Produção gri nta
Gtraldo Alvu
Paginação
Sludio 3 D~t'lVolvimtnto Editorial
Dado6õ Intemacíonais de CataJopção na PubUcaçio (CIP)
(CAmara BrUleira do ü vro, SP, Brasil)
Herttberger. Hennan .
Lições de Brquitcrunl I Herman Henzbe'1ler ; (traduç1o Carlo.
EduardoLimaM.madoJ. - 21ed.-Sio Paulo: Martins Fontes, 1999.
Título original: Lessons for studenlS in architecture.
Bibliografia.
ISBN 85-336-1034-3
I. Arquitetura 2. Design arquitetônico I. Título.
99-1477
tndlct5 para catálogo sl5ttmUico;
1. AIqUilCtwa 720
2. Dcsign arquitctônico 720
CDD·720
Todos os direitos desta edição para o Brasil reurvados li
Livraria Martins Fontes Editora Lida.
Rua Conse/lu!jro Ramo.lho, 330 01325-000 São Paulo SP Brasil
Tel. (JJ) 3241 36n Fax (JJ)3J01 .1042
e-mail: info@martinsfontes.com.br htrp://www.mo.rtinsfontes.com.br
PREFÁCIO
"Les choses ne sonl pas difficiles à faire, ce qui esl diffici le,
c' esl de nous meijre en élal de les fa ire."
IBrancusi)
É inevitável que a obra que construímos como arquitetos
sirva de ponto de partida para o nosso ensino, e
obviamente o melhor caminho para explicar o que se tem a
dizer é fazê-lo com base no experiência prática: este é, na
verdade, o fio condutor deste livro. Em vez de apresentar
separadamente cada obra individual e explicar em seguido
todos os seus aspectos característicos, os diversos
componentes textuais foram organizados de tal modo que,
como um todo, oferecem algo semelhante a uma teoria; é a
maneira como os elementos são organizados que
transforma a prática em teoria.
Quando discutimos nosso próprio trabalho, temos de nos
perguntar O que adquirimos de quem. Pois tudo o que
descobrimos vem de algum lugar. A lonte não loi nossa
próprio mente, mas a cultura a que pertencemos. E é por
isso que a obra dos outros está presente aqui de maneira
tão patente á guisa de contexto. Seria possível dizer que
este livro contém lições, lições dados por Bramonte, Cerdá,
Chareou, le Corbusier, Duiker & Bijvoet, Van Eyck, Gaudí &
Jujol, Horto, labrouste, PaI/adio, Peruzzi, Rietveld, Von der
Vlugt & Brinkman, e por todos os outros que me
emprestaram seus olhos para que eu pudesse ver e
selecionar exatamente o que eu precisava para levar
adiante o meu trabalho. Os arquitetos (e não apenas eles)
têm o hábito de ocultar suas lontes de inspiração e até
mesmo de tentar sublimá-Ias - como se isto losse possível.
Mas, ao lazê-Io, o processo de projetar se torna nebuloso,
ao passo que, ao revelarmos o que nos moveu e estimulou
em primeiro lugar, podemos nos explicar a nós mesmos e
motivar nossas decisões.
Os exemplos e influências que abundam neste livro
constituem o contexto cultural dentro do qual um arquiteto
trabalha e olerecem uma idéia do alcance dos conceitos e
imagens mentais que devem servir como instrumentos (será
que o oulpul de idéias de uma pessoa pode ser maior que
. 2) o mpu/. .
Tudo o que é absorvido e registrado por nossa mente
soma-se à coleção de idéias armazenadas na memória:
uma espécie de biblioteca que podemos consultar toda vez
que surge um problema. Assim, essencialmente, quanto
mais tivermos visto, experimentado e absorvido, mais
pontos de relerência teremos para nos ajudar a decidir que
direção tomar: nosso quadro de relerência se expande.
A capacidade para descobrir uma solução
lundamentalmente dilerente para um problema, i.e., para
criar Ilum mecanismo" clJferente, depende da riqueza de
nossa experiência, assim como o potencial expressivo de
linguagem de uma pessoa não pode transcender o que é
exprimível em seu vocabulário. É impossível dar receitas de
como projetar, como todo o mundo sabe. Não tentei lazer
isto, e a questão de saber se, de algum modo, é possível
aprender a fazer um projeto não é tratada aqui.
O objetivo de minhas "lições" sempre loi estimular os
estudantes, despertar neles uma mentalidade arquitetônica
que pudesse capacitá-los a fazer seu próprio trabalho; meu
objetivo neste livro continuo o mesmo.
Herman Hertzberger
íNDICE A Domínio Público
1 Público e Privado 12
2 Demarcações Territoriais 14
3 Diferenciação Territorial 20
4 Zoneamento Territorial 22
5 De Usuário a Morador 28
6 O "Intervalo" 32
7 Demarcações Privadas no Espaço Público 40
8 Conceito de Obra Pública 44
9 A Rua 48
10 O Domínio Público 64
11 O Espaço Público como Ambiente Construído 68
12 O Acesso Público ao Espaço Privado 74
B Criando Espaço, Deixando Espaço
1 Estrutu ra e Interpretação 92
2 Forma e Interpretação 94
3 A Estrutura como Espinha Dorsal Gerativa: Urdidura e
Trama 108
4 Grelha 122
5 Ordenamento da Construção 126
6 Funcionalidade, Flexibilidade e Polivalência 146
7 Forma e Usuários: o Espaço da Forma 150
8 Criando Espaço, Deixando Espaço 152
9 Incentivos 164
10 A Forma como Instrumen!o 170
C Forma Convidativa
1 O Espaço Habitável entre as Coisas 176
2 Lugar e Articulação 190
3 Visão I 202
4 Visão II 216
5 Visão 111 226
6 Equivalência 246
Biografia, Projetos e Referências 268
A DOMíNIO PÚBLICO
•
10 liÇÕES DE ARQU ITET URA
•
1 Público e Privado 12
2 Demarcações Territoriais 74
Ruas e Residências, Bali
Edifícios Públicos
Aldeio de Morbisch, Áustria
Biblioteca Nacionol, Paris / H. Labrouste
Edifício de Escritórios Centraol Beheer, Apeldoorn
3 Diferenciação Territorial 20
4 Zoneamento Territorial 22
Edifício de Escritórios Centra0 I Beheer, Apeldoorn
Faculdade de Arquitetura do MIT, Cambridge, USA
Escola Montessori, Delft
Centro Musical Vredenburg, Utrecht
5 De Usuário a Morador 28
Escola Montessori, Delft
Escolas Apollo, Amsterdam
6 O "Intervalo" 32
Escola Montessori, Delft
De Overloop, Lar para Idosos, Almere
De Drie Hoven, Lar para Idosos, Amsterdam
Res idências Documenta Urbana, Kassel , Alemanho
Cité Napoléon, Paris / M. H. Veugny
7 Demarcações Privadas no Espaço Público 40
De Drie Hoven, Lar para Idosos, Amsterdam
Residências Diagoon, Delft
Moradias LiMa, Berlim
8 Conceito de Obra Pública44
Moradias Vroesenlaan, RoHerdam / J. H. van den Broek
De Drie Hoven, Lar para Idosos, Amsterdam
9 A Rua 48
Moradias Haarlemmer HauHuinen, Amsterdam
Coniunto Habitacional Spangen, RoHerdam /
M. Brinkman
Aloiamento para Estudantes Weesperstraat, Amsterdam
Princípios de Assentamento
Royal Crescents, Bath, Inglaterra / J. Wood, J. Nash
Romerstadt, Frankfurt, Alemanha / E. May
Het Gein, Moradias, Amersfoort
Acesso aos Apartamentos
Familistere, Guise, França
De Drie Hoven, Lar para Idosos, Amsterdam
Escola Montessori, Delft
Kasbah, Hengelo / P. Blom
10 O Dominio Público 64
Palais Royal, Paris
Praça Pública, Vence, França
Rockefeller Plaza, Nova York
Piazzo dei Campo, Siena, Itália
Plaza Mayor, Chinchón, Espanha
Fonte Dionne, Tonnerre, França
11 O Espaço Público como Ambiente Construído 68
Vichy, França
Les Halles, Paris / V. Ba ltard
Centros Comunitários / F. van Klingeren
Torre Ei ffel, Paris / G. Eiffel
Pavilhões de Exposição
Laias de Departamentos, Paris
Estações Ferroviárias
Estações Ferroviárias Subterrâneas
12 O Acesso Público ao Espaço Privado 74
Passage du Caire, Paris
Galerias de Laias
Mi nistério da Educação e Saúde, Rio de Janeiro /
Le Corbusier
Edifício de Escritórios Centraal Beheer, Apeldoorn
Centro Musical Vredenburg, Utrecht
Cinema Cineac, Amsterdam / J. Duiker
Hotel Solvay, Bruxelas / V. Horta
Passage Pommeraye, Nantes, França
- "A Carta" / Pieter de Hoogh
DOMíNIO PÚBliCO 11
1 PÚBLICO E PRIVADO
05 conceitos de "público" e "privado" podem ser
interpretados como a tradução em termos espaciais de
IIcoletivo" e HindividuaJ".
Num sentido mais absoluto, podemos dizer: pública é
uma área acessível a todos a qualquer momento; a
responsabilidade por sua manutenção é assumida
coletivamente. Privada é uma área cu jo acesso é
determinado por um pequeno grupo ou por uma
pessoa, que tem Q responsabilidade de mantê-Ia.
Esta oposição extrema entre o público e o privado - como
a oposição entre o coletivo e o individual - resultou num
clichê, e é tão sem matizes e falsa como a suposto oposição
entre o geral e o específico, o obietivo e o subietivo. Tais
oposições são sintomas da desintegração das relações
humanas básicas. Todo mundo quer ser aceito, quer se
inserir, quer ter um lugar seu. Todo comportamento no
sociedade em geral é, no verdade, determinado por papéis,
nos quais o personalidade de cada indivíduo é afirmado
pelo que os outros vêem nele. No nosso mundo,
experimentamos uma polarização entre a individualidade
exagerada, de um lado, e a coletividade exagerada, de
outro. Coloca-se excessiva ênfase nestes dois pólos, embora
não exista uma única relação humano que nos interesse
como arquitetos que se concentre exclusivamente em um
indivíduo ou em um grupo, ou mesmo que se concentre de
modo exclusivo em todos os outrosl ou seja, no "mundo
externo". É sempre uma questão de pessoas e grupos em
inter-relação e compromisso mútuo, i.e. , é sempre uma
questão de coletividade e indivíduo, um em face do outro.
12 LIÇÕ ES DE ARQUITElURA
Wenn aber der Individualismus nur einen Teil des Menschen
erlasst so erlasst der Kollektivismus nur den Menschen oIs
Teil: zur Ganzheit des Menschen, zum Menschen aIs Ganzes
dringen beide nicht vor. Der Individualismus sieht den
Menschen nur in der Bezogenheit aul sich se/bst, aber der
Kollekfivismus sieht den Menschen überhaupf nichf, er siehf
nur die "Gesellschalt", Beide lebensanschauungen sind
Ergebnisse oder Aeusserungen des g/eichen menschlichen
Zusfands .
Dieser Zusfand isf durch das Zusammensfriimen von
kosmischer und sozia/er Heim/osigkeit, von Welfangsf und
lebensangsf, zu einer Daseinsverlassung der Einsamkeit
gekennzeichnef, wie es sie in diesem Ausmass vermuflich
noch nie zuvor gegeben hat. Um sich vor der Verzweil/ung
zu reffen, mif der ihn siene Vereinsamung bedroht, ergreilt
der Mensch den Ausweg, diese zu glorilizieren. Der
moderne Individua/ismus haf im wesentlichen eine
imaginare Gru~dlage. An diesem Charakfer scheiferf er,
denn die Imaginafion reicht nichf zu, die gegebene Situafion
laktisch zu bewalfigen.
Der moderne Kollektivismus isf die lefzfe Schranke, die der
Mensch vor der Begegnung mif sich se/bsf aulgerichfef
haf ... ; im Kollektivismus gibf sie, mit dem Verzicht aul die
Unmiffelbarkeit personlicher Entscheidung und
Veranfworfung, sich selber aul. In beiden Fallen isf sie
unlahig, den Durchbruch zum Anderen zu vollziehen: nur
zwischen ech fen Personen gibf es echte Beziehung. Hier gib f
es keinen anderen Ausweg aIs den Aulsfand der Person um
der Belreiung der Beziehung willen. Ich sehe am Horizonf,
mit der langsamkeif aller Vorgange der wahren
Menschengeschich fe, eine grosse Unzulriedenheif
heraulkommen.
Man wird sich nichf mehr bloss wie bisher gegen eine
bestimmfe herrschende Tendenz um anderer Tendenz willen
emporen, sondem gegen die la/sche Rea/isierung eines
grossen Sfrebens, des Sfrebens zur Gemeinschaft, um der
echfen Realisierung willen.
Man wird gegen die Verzerrung und lür die reine Ges falt
kamplen. Ihr ersfer Schriff muss die Zerschlagung einer
fa/schen Alternafive sein, der Alfernative "/ndividualismus
oder Kollektivismus".'
(Martin Buber, Das Problem des Menschen, Heidelberg, 1948, também
publicodo ,m Forum 7-1959, p. 249)
"Se, porém, o individualismo compreende apenas parte da
humanidade, o coletivismo só compreende a humanidade
como parte; nenhum deles apreende o todo da
humanidade, a humanidade como um todo.
O individualismo vê a humanidade apenas na relação
consigo mesmo, mas o coletivismo não vê o homem de
maneiro nenhuma, vê apenas a 'sociedade'. Ambas as
visões de mundo são produtos ou expressões dó mesma
condição humana.
Esta condição caracteriza-se pela con fluência de um
desomparo cósmico e sociol, de uma angústia diante do
mundo e da vida, por um estado existencial de solidão, que
provavelmente nunca se manifestaram antes nesse nível.
Na tentativa de fugir do desespero trazido pelo isolamento,
o homem, como escapatória, procura glorificá-lo.
O individualismo moderno possui um fundamento
imaginário. Neste aspecto, ele fracassa, pois a imaginação
é incapaz de lidar factualmente com uma situação dada.
O coletivismo moderno é a última barreira que o homem
construiu para evitar o encontro consigo mesmo [ ... i; no
coletivismo, com a renúncia à imediaticidade da decisão e
da responsabilidade pessoal, ela se rende. Em ambos os
casos é incapaz de efetuar uma abertura para o outro: só
entre pessoas reais pode haver uma relação real.
Não há alternativa, neste caso, a não ser a rebelião do
indivíduo em favor da libertação do relacionamento. Vejo
surgir no horizonte, com a lentidão de todos os processos
da história humana, um grande descontentamento.
As pessoas não mais se levantarão como fizeram no
passado contra certa tendência predominante e a favor de
uma tendência diferente, mas contra a falsa realização de
um grande anseio, o anseio pelo comunitário, em nome da
verdadeira realização.
As pessoas lutarão contra a distorção e pela pureza.
O primeiro passo deve ser a destruição de uma fa lsa
escolha, a escolha: 'individualismo ou coletivismo'.'
Os conceitos de "públicoR e uprivado" podem ser
vistos e compreendidos em termos relativos como uma
série de qualidades espaciais que, diferindo
gradualmente, referem-se ao acesso, à
responsabilidade, à relação entre a propriedade
privada e a supervisão de unidades espaciais
específicas.
DOMíN IO PÚ BLICO 13
2 DEMARCACÕES ,
TERRITORIAIS
Uma área aberta , um quarto o~ um espaço podem ser
concebidos como um lugar mais ou menos privado ou
como u'!10 área pública, dependendo do grau de
acesso, da forma de supervisão, de quem o utiliza, de
quem tomo conta dele e de suas respectivas
responsabi lidades.
O seu quarto, por exemplo, é um espaço privado em
comparação com a sala de estar e a cozinha da casa
em que mora. Você tem o chave do seu quarto, do
qual você mesmo cuida. O cuidado e a manutençãoda
sala de estar e da cozinha são basicamente uma
responsabilidade compartilhado por todos 05 que
moram na casa, que têm a chave da porta de entrada.
Numa escola, cada sala de aula é privada em
comparação com o hall comunitário. Este hall, por sua
vez, é, como a escola em sua totalidade, privado em
comparação com a rua.
RUAS E RESIDÊNCIAS, BAU (1-4)
Os quartas de várias habitações em Bali são muitas vezes
pequenas casas construidos separadamente, agrupadas em
volta de uma espécie de pátio inte rno, no qual se entra por
um portão. Depois que atravessamos o portão, não temos a
sensação de que estamos entrando numa residência,
embora isso seja o que acontece de fato. As unidades
separadas do residência - área de cozinha, dormitórios e,
às vezes, uma câmara mortuória e um berçário - possuem
uma intimidade maior e são, certamente, de acesso menos
fácil para um estranho. Deste modo, a' casa abrange uma
seqüência de gradações distintas de acesso.
14 LIÇÕES DE ARQUITETURA
[JJ]
000
, . • 1· . • D O , o ,
[[J • O ... D . . . .
4 ~
•
---7
• I rn .. 5 • •
~ID [ZJ I: .. . ·: 8 .· ·.· S •
1. Dormitório poro os pais 5. Dormitório
2. Aliar 6. Cozinho
3. Templo familiar
.4. Área. de estar/ convidodos
7. Depósito de arroz
8. Eira
Muitas ruas em Bali constituem o território de uma família
extensa. Nessas ruas estão situadas as casas das diversas
unidades familiares, que iuntas compõem a família extensa.
Essas ruas têm um portõo de entrada, que é muitos vezes
provido de uma pequeno cerca de bambu encarregada de
manter as crianças e os animais do lado de dentro, e,
embora seiam basicamente acessíveis a qualquer um,
tendemos o nos sentir como intrusos ou, no máximo, como
visitantes.
Além das diversas nuances nas demarcações territoriais, os
balineses fazem uma distinção dentro do espaço público: a
área do templo, que compreende uma série de recintos
sucessivos com entradas claramente marcadas, aberturas
nas cercas ou portões de pedra (conhecidos como t;andi
bentar). Esta área do templo serve como rua e como
playground para as crianças. Para o visitante também é
acessível como rua - pelo menos quando não estõo
acontecendo manifestações religiosas - , mas, mesmo assim,
visitante sente certa relutância. Como alguém estranho ao
lugar, sente"se honrado por ter permissão de entrar.
No mundo inteiro encontramos gradações de
demarcações territoriais, acompanhadas pela sensação
de acesso. Às vezes o grau de acesso é uma questão
de legislação, mas, em gerat é exclusivamente uma
questão de convenção, que é respeitada por todos.
EDIFíCIOS PÚBliCOS
Os chamados edi fícios públicos, tais como o hall do correio
central ou uma estação ferroviária, podem Ipelo menos
durante as horos em que ficam abertos) ser vistos como um
espaço de rua no sentido territorial. Outros exemplos de
graus diferenciados de acesso ao público estão listados
abaixo, mas a lista, naturalmente, pode ser ampliada para
incluir oulras experiências pessoais:
• os pátios quadrangulares das universidades na Inglaterra,
como em Oxford e Cambridge; são acessíveis a todos pelos
pórticos, formando uma espécie de subsistema de caminhos
para pedestres que atravessa todo o centro da cidade.
• edifícios públicos, como, por exemplo, o hall do co:reio,
a estaçõo ferroviária, etc, .
• os pátios de blocos de moradia em Paris, onde a
concierge em geral reina suprema.
• ruas "fechadas", encontradas em grande variedade por
todo o mundo, às vezes patrulhadas por guardas de
segurança privada.
DOMíNIO PÚBliCO IS
Estação Central,
Hoorlem, Holanda
6 7
lO 11
Ruo ho/ondeso,
século XIX
AlDEIA DE MÓRBISCH, ÁUSTRIA 16-B}
As ruas na aldeia austríaca de Morbisch, perto da fronteira
húngara (publicado em Forum 9-1959), têm portões largos,
como os que dão acesso a fazendas - mas aqui dõo acesso
a ruas laterais ao longo das quaís se situam residências,
estóbulos, celeiros e hortas.
Estes exemplos mostram como são inadequados os
termos público e privado, enquanto as áreas
chamadas semiprivadas ou semi públicas, que muitos
vezes estão espremidas na zona intermediária, são
equívocas demais paro acomodar as sutilezas que
devem ser levadas em conto ao projetar cada espaço
e cada área .
• Onde quer que indivíduos ou grupos tenham a
oportunidade de usar partes do espaço público para
seus próprios interesses, e apenas indiretamente no
interesse dos outros, o caráter público do espaço é
temporária ou permanentemente colocado em questão
por meio do uso. Exemplos desse tipo podem ser
encontrados em qualquer parte do mundo.
Em Bali - mais uma vez usada como exemplo - o arroz é
espalhado para secar em amplas óreas dos caminhos
16 LIÇÕES DE ARQUITETURA
,.
-___ ~ _ _ 'J_ ~_---'
públ icos e até mesmo no meio-fio das estradas de
macadame, onde permanece intocado pelos veículos e
pelos pedestres, pois toaas estão conscientes do
importância do contribuição de cada membro da
comunidade para a colheita de arroz. 19}
Um outro exemplo de mistura do público com o privado é a
roupa pendurada para secar nas ruas estreitas de cidades
do sul da Europa: uma expressão coletiva de simpatia pela
lavagem de roupa de cada fa míl ia, que fica pendurada
numa rede de cabos que atravesso a rua de uma casa a
outra.
Nápoles
Outros exemplos são as redes e navios sendo reparados
nos cais de aldeias e portos pesqueiros, e o Dogon: a lã
estirada na praça da aldeia.
o uso do espaço público por residentes, como se fosse
"privado", fortalece a demarcação por parte do
usuário desta área aos olhos dos outros. A dimensão
extra dada ao espaço público por essa demarcação
sob a formo de uso para objetivos privados será
discutida detalhada mente mais adiante, mas antes
devemos procurar saber quais as conseqüências que
traz para o arquiteto.
BIBLIOTECA NACIONAL, PARIS, 1862-1868 / H. LABROUSTE 112)
Na principal sala de leitura da Biblioteca Nacional em
Paris, os espaços de trabalho individual, dispostos um em
frente ao outro, são separados por uma I'zono'l média mais
elevada; as lâmpadas no centro dessa prancha fornecem
luz para as quatro superfícies de trabalho diretamente
adjacentes. Esta zona central é mais acessível do que os
espaços de trabalho individual, mais baixos, e tem como
claro objetivo o uso compartilhado por aqueles que se
sentam de ambos os lados.
EDIFíCIO DE ESCRITÓRIOS CENTRAAl BEHEER 113·19)
Há muitos anos, antes de se estabelecer a moda de
"escrivaninha lisa", as escrivaninhas dos escritórios eram
providas de pranchas que, quando as escrivaninhas eram
colocados uma contra a outra, formavam uma zona central
semelhante às que dividem as mesas de le itura da
Biblioteca Nacional em Paris. Por meio dessa articulação,
reserva-se um lugar para os objetos compartilhadas por
diversos usuários, tais como telefones e vasos. O espaço
sob as pranchas cria uma área maior de armazenamento
privado para cada usuário ind ividual. A articulação em
termos de maior ou menor acesso (pública) também pode
revelar sua utilidade nas detalhes.
DOMíNIO PÚSlICO 17
13
12 u
15 16
17 16
19
18 liÇÕES DE ARQU ITET URA
Portos de vidro entre espaços igualmente públicos e
portanto igualmente acessíveis, por exemplo, proporcionam
ampla visibilidade de ambos os lados, de modo que as
colisões podem ser facilmente evitadas. Portas sem painéis
transparentes têm de dar acesso a espaços mais privados,
menos acessíveis. Quando um código desse tipo é adotado
coerentemente em todo o edifício, é entendido racional ou
intuitivamente por todos os usuários do prédio e assim pode
contribuir para esclarecer os conceitos subjacentes à
organização do acesso. Uma classificação adicional pode
ser obtida mediante a forma dos painéis de vidro, o tipo do
vidro empregado: semitransparente ou opaco, ou a
meia-porta.
Quando, ao projetar cada espaço e segmento, temos
consciência do grau de relevância da demarcação
territorial e das formas concomitantesdas
possibi lidades de "acesso" aos espaços vizinhos,
podemos expressar essas diferenças pela articulação
de forma, mate ria l, luz e cor, e introduzir certo
ordena'mento no projeto como um todo. Isto, por sua
vez, pode aumentar a consciência dos moradores e
visitantes quan to à composição do edifício, formado
por ambientes diferentes no que diz respe ito ao
ccesso. O grau de acesso de espaços e lugares fornece
padrões poro o projeto. A escolha de motivos
arqui tetônicos, sua articulação, forma e material são
determinados, em parte, pelo grau de acesso exigido
por um espaço.
DOMíNIO PÚBlICO 19
20
21 12 23
U
-3 DIFERENCIACAO ,
TERRITORIAL
20 l iÇÕ ES DE AlQUllElURA
-._-.-: •. •. ; , --"._ -.;;-._-~ -'!:l ; .... '~:-'7 -::'~~J~:-,,:i
't~l
Escora Monfessori, De/fi
Hotel Solvoy, Bruxe/os, 1896/V. Horto
{ver tombém págino 84}
Ao marcar as gradações de acesso público às
diferentes áreas e partes de um edifício em uma
planta, obtemos uma espécie de mapa mostrando a
Ildiferenciação territorial". Este mapa mostrará
claramente que aspectos de acesso existem na
arquitetura, quais são as demarcações de áreas
específicas e a quem se destinam, e que espécie de
divisão de responsabilidades pode ser esperada no
que diz respeito aos cuidados e à manutenção dos
diferentes espaços, de modo que essas forças possam
ser intensificadas (ou atenuadas) na elaboração
posterior da planta.
DOM iNIO PÚBliCO 21
15 26
1J 28
29
4 ZONEAMENTO
TERRITORIAL
30
r. -
22 lI ÇÔES DE ARQUITETURA
o caráter de cada área dependerá em grande parte
de quem determina o guarnecimento e o ordenamento
do espaço, de quem está encarregado, de quem zela e
de quem é ou se sente responsável por ele.
,. --
I
-I
:1
L '
--- - -- --,
EDIFíCIO DE ESCRITÓRIOS CENTRAAl BEHEER (30, 31 1
Os efeitos surpreendentes obtidos pelos fu nc ionários do
Centraol Beheer na maneiro como ordenaram e
persona lizaram o espaço de seus escritórios com cores de sua
escolha, vasos e obietos de estimação, não são apenas a
conseqüência lógica do fato de o acabamento dos interiores
ter sido deliberadamente entregue aos usuários do edifíc io.
Embora a nudez do interior severo e cinzento sejo um convite
t :':"\ {,:=ry
~_:. ~~~/
I ...
~ . -:-, ."
DOMINIO PÚ BLICO 23
31
32
3J
óbvio poro que os usuórios dêem os toques de acabamento
ao espaço de acordo com seus gostos pessoais, isto, por si só,
não é garantia de que irão fazê-lo.
É preciso algo mais para que isso aconteça: para começar, a
própria forma do espaço deve oferecer as oportunidades,
incluindo os acessórios básicos, etc., para que os usuários
preencham os espaços de acordo com suas necessidades e
deseios pessoais. Mas, além disso, é essencial que a
liberdade de tomar iniciativas pessoais esteio presente na
estruturo organizacional da instituição, e este aspecto tem
24 LIÇÕ ES DE ARQUITElUIA
conseqüências muito maiores do que se pode pensar à
primeira vista. Pois a questão fUndamentai é saber quanta
responsabilidade a alta direção está disposta a delegar, isto
é, quanta responsabilidade será dada aos usuários
individuais dos escalões mais baixos.
É importante ter em mente que, neste caso, um empenho tão
excepcional para investir amor e cuidado no ambiente de
trobalho só se tornou possível porque a responsabi lidade de
ordenamento e acabamento dos espoços foi deixada aos
usuários, de maneira muito explícita. Foi graças a isso que as
oportunidades oferecidas pelo arquiteto foram efetivamente
aproveitados, gerondo um resultado de êxito surpreendente.
Mas, se este edifício foi originalmente construído como uma
expressão espacial da necessidade de um ambiente mais
humano (embara muitos suspeitassem que isso teria sido
motivado por considerações relativas ao recrutamento de
pessoal), há no momento uma tendência paro a
desumanização, em gronde parte decorrente de cortes nos
custos, que afetam particularmente o quadro de funcionários.
Mas pelo menos pode-se dizer que o edifício oferece uma
resistência louvável a essa tendência, e que, com um pouco
de sorte, conseguirão conservar o seu esti lo. O que desaponta
é que o que pensóvamos ser um passo in icial rumo o uma
responsabilidade maior poro com os usuários revelou ser
apenas o último passo que pode ser dado no momento.
Hoie, isto é, em 1990, restou muito pouco da decoroção
expressivo e colorida dos ambientes de trobalho. O apogeu
da expressividade pessoal da década de 1970 deu lugar à
li mpeza e à ordem. Parece que o impulso de expressão
pessoal desapareceu e que neste momento as pessoas tendem
mais ao conformismo. Talvez em rozão do medo diante do
crescente desemprego da década de 1980, considero-se mais
sensato assumir uma posição menos extrovertida, e os efeitos
dessa situação iá podem ser vistos na atmosfera fria e
impessoal da maioria dos escritórios de hoie.
FACULDADE DE ARQUITETURA DO MIT, CAM8RIDGE, USA
OFICINA DE TRA8ALHO 1967 132, 331
O grau de influência que os usuários podem exercer, em
casos extremos, sobre seu ambiente de trobalho ou de
moradia é claromente demonstrodo nos aiustes feitos à
arquitetura existente pelos estudantes de arquiteturo do Mil
Os estudantes opuseram-se a ter de trabalhar em
pranchetas de desenho arrumados em fi las longas e
rígidas, todas voltadas na mesma direção. Usando restos de
material de construção, eles construíram o tipo de espaço
que queriam - no qual podiam trabalhar, comer, dormir e
receber seus orientadores.
Seria de esperar que cada novo grupo de estudantes
deseiasse fazer seu próprio aiuste, mas o situação evoluiu
de outro maneiro. O resultado da feroz disputa com as
autoridades locais de prevenção a incêndios foi que todas
as estruturas teriam de ser derrubadas, a rT)enos que um
sistema completo de sprink/ers fosse instalado. Depois que
essa providência foi tomada, a situação tornou-se
permanente, e a ambiente, se é que ainda existe, pode ser
visto como um monumento ao entusiasmo de um grupo de
estudantes de arquitetura. Mas não devemos nos
surpreender se tudo já não foi eliminado lou venha a sê-lo)
- a burocracia da administração centralizadora voltou a
assumir o controle.
A inFluência dos usuários pode ser estimulada, pelo
menos nos lugares certos, Le., onde se pode esperar o
envolvimento necessário; e como isto depende do grau
de acesso, das demarcações territoriais, da
organização da manutenção e da divisão de
responsabilidades t é essencial que o projetista esteja
plenamente" consciente desses fatores nas suas
gradações adequadas. Nos casos em que a estrutura
organizacional impede os usuários de exercerem
qualquer inFluência pessoal em seu ambiente, ou
quando a natureza de determinado espaço é tão
pública que ninguém se sente inclinado a exercerem
influência nele, não há motivo pora que o arquiteto
tente fazer uma contribuição nesse sentido.
No entanto, o arquiteto ainda assim pode tirar
vantagem da reorganização que o ato de ocupar um
novo edifício sempre requer e tentar exercer a lguma
influência na reavaliação da divisão de
responsabilidades, pelo menos no que diz respeito ao
ambiente físico. Uma coisa pode levar à outra. Pelo
simples fato de apresentar argumentos capazes de
assegurar à alta direção de que delegar
responsabilidades pelo ambiente aos usuários não
resulta necessariamente em caos, o arquiteto coloca-se
em posição de contribuir para melhorar as coisas, e
certamente é seu dever fazer pelo menos uma tentativa
!lesse sentido.
ESCOlA MONTESSORI, DElFT )3A, 35)
Uma prancha de madeira acima da porta, com uma
largura extra para que sobre ela possam ser colocados
objetos - como neste caso entre a sala de aula e o hall-,
presta-se mais a ser usada se for acessivel pelo lado
adequado, i.e., pela lado de dentro da sala de aula. A
estante acima pode criar um efeito estético agradável se a
vidraça for recuada, mas é improvável que seja usada .
EDIFíCIO DE ESCRITÓRIOS CENTRAAlBEHEER )36-39)
Embora o cuidado pelas espaços dos escritórios no edifício
Centra0 I Beheer, nos quais cada funcionário tem sua
própria ilha particular para trabalhar, seja da
responsabilidade dos usuárias, nenhum membro do quadro
de funcionários sente-se diretamente responsável pelo
espaço central do edifício. A área verde neste espaço
central é mantida por uma equipe especiallcf. Obras
DnMí NI O PÚBliCO 2S
J4 35
36 37
38
39 40
Públicas), e os quadros nas paredes são colocados por uma
equipe de profissionais.
Estes empregados também fazem seu trabalho com grande
dedicação e cuidodo, mas há uma diferença de atmosfera
marcante entre a área comunitária e os espaços individuais
de trabalho com toda a sua diversidade.
Nos balcões de lanches deste espaço central , o serviço é
fei to pela mesma moça todo dia; o serviço de lanches foi
organizado de tal modo que cada garçonete foi alocada
num balcão específico. Ela se sentia responsável por aquele
balcão e, com o tempo, acabou por considerá- lo seu
26 lIÇÓES DE ARQUITElURA
domínio, dando-lhe um toque pessoal. Estes balcões de café
já foram removidos, e bancos e máquinas de café foram
instalados em seu lugar. Todo o edifício está passando por
uma renovação e uma limpeza, e duronte este processo um
grande número de ajustes será feito para otender aos
requisitos de um locol de trabolho contemporâneo.
CENTRO MUSICAL VREDENBURG (40)
A idéia subjacente que teve êxito no Centraal Beheer não
se aplica aos balcões de lanches do Centro Musical em
Utrecht. Ali a situoção varia consideravelmente de um
concerto para outro, com diferentes balcões e diferentes
balconistas servindo o público. Já que, no caso, não se
esperava uma afinidade especial entre os empregados e os
espaços específicos de trabalho, havia motivo suficiente
para que as áreas de lanches fossem completadas e
inteiramente mobiliadas pelo orquiteto.
Em ambos os edifícios - no Centra0 I Beheer e no Centro
Musical - as paredes dos fundos são providas de espelhos.
No primeiro, porém, eles foram instalados pelos
funcionários e no segundo foram escolhidos pelo arquiteto
de acordo com os mesmos princípios gerais que regem todo
o edifício. Os espelhos da parede dos fundos permitem que
se possa ver quem está à frente, atrás e perto de nós.
Eles evocam as pinturas de teatro de Manet (41), que usou
espelhos para desenhar o espaço dentro do plano do
quadro e, assim, definir o espaço mostrando as pessoas e
como estão agrupadas.
O Centro Musical tem um quadro de funcionários
competente e dedicado que cuida do lugar.
o mesmo não pode ser dito, por exemplo, dos vagões de
refeição das ferrovias holandesas: os garçons
constantemente trocam de trem. Seu único compromisso
consiste em deixar ó vagão limpo e asseado para o turno
seguinte, Imagine como as coisas seriam diferentes se o
mesmo garçom trabalhasse sempre no mesmo trem, Embora
o vagão-restaurante tenha desaparecido - dos trens
holandeses pelo menos - , uma nova forma de serviço
surgiu nas viagens aéreos. Mas as refeições servidas nos
aviões são mais uma imposição ao passageiro do que um
serviço; são servidas em horas que convêm mais à
companhia do que ao passageiro (além de serem muito
caras, pois estão incluídas no preço iá bastante alto da
passagem),
Do LuHhan,a
Borclbuch, 6/ 88
DO MiN IO PÚ8L ICO 27
41
41
'3
S DE USUÁRIO
A MORADOR
A tradução dos conceitos de "público" e "privado" à
luz de responsabilidades diferenciadas torna mais fácil
para o arquiteto decidir onde devem ser tomadas
medidtJ5 para que os usuários/habitantes possam dar
suas contribuições ao projeto do ambiente e onde isto
é menos relevante. Na organização de um projeto em
função de plontas-baixas e de cortes, e também de
acordo com o princípio das insta lações l podem-se criar
as condições para um maior senso de responsabilidade
e, conseqüentemente, também um maior envolvimento
no arranjo e no mobiliamento de uma área. Deste
modo os usuários tornam-se moradores.
ESCOlA MONTESSORI, DElFT )44-471
As solos de aula desta escala são concebidos como un idades
autônomos, pequenos lares, por assim dizer, já que todos
estão situados 00 longo do halJ do escola, como uma ruo
comunitária_ A professora, o "tia", de cada cosa decide, junto
com as crianças, que aparência terá o lugar e, portanto, qual
será o seu tipo de atmosfera_
Cada sala de aula também tem seu pequeno vestíbulo, em vez
do usual espoço comunitário pora toda a escola, que em
geral significa a ocupação total do espaço por filas de
cabides e sua inutilização para qualquer outro fim_ E, sé cada
sala de aula tivesse seu próprio banheiro, isto também
,.
:f'
28 liÇ ÕES DE ARQU ITETUR A
contribuiria para aprimorar o sentido de responsabilidade da
criança (a proposto foi rejeitada pelas autoridades
educacionais sob o pretexto de que seriam necessários
banheiros separados para meninos e meninas - como se fosse
assim na casa deles -, o que exigiria o dobro de banheiros).
É perfeitamente concebível que as crianças de cada sala
mantenham seu IJlarH limpo, como os pássaros fa zem com seu
ninho, dando deste modo expressão à ligação emocional com
seu ambiente diário_
A idéia Montessori, na verdade, compreende os chamados
deveres domésticos como parte do programa diário pora
todas as crianças_ Assim, dá-se muito ênfase 00 cuidado com
o ambiente, fortalecendo com isso a afinidade emocional das
crianças com o espaço à sua volta.
Cada criança também pode trazer sua própria planta para a
sala de aula e cuidar dela_ (A consciência do ambiente e a
necessidade de cuidar dele ocupam um lugar proeminente no
conceito de Montessori. Exemplos típicos são a tradição de
trabalhar no assoalho sobre tapetes especiais - pequenas
áreas temporárias de trabalho que são respeitados pelos
outros - e a importância atribuída ao hábito de arrumar as
coisas em armários abertos.) Um passo à frente, no sen tido de
uma abordagem mais pessoal poro os espoços que circundam
diariamente as crianças, incluiria a possibilidade de regular o
aquecimento central de cada sala . Isso aumentaria a
consciência das crianças quanto ao fenômeno da calor e ao
cuidado que temos de tomar para nos mantermos aquecidos,
ao mesmo tempo em que as tornaria mais conscientes dos
usos da energia.
Um Uninho seguro» - um espaço conhecido à nossa
volta, onde sabemos que nossas coisas estão seguras e
onde podemos nos concentrar sem sermos perturbados
pelos outros - é olgo de q~e cada indivíduo precisa
tanto quanto o grupo.
Sem isso, não pode haver colaboração com os outros.
Se você não tem um lugar que pano chamar seu, você
não sabe onde está!
Não pode haver aventura sem uma base para onde
retornar: todo mundo precisa de alguma espécie de
ninho para pousar.
o domínio de um grupo particular de pessoas deveria ser
respeitado tanto quanto possível pelos "estranhos". Por esta
razão, há certos riscos ligados ao chamado uso
multi funcional. Vamos tomar como exemplo uma sala de
aula: se é usada para outras finalidades fora do horário
escolar, por exemplo, paro atividades do vizinhança, toda
a mobília tem de ser deslocada temporariamente e, claro,
nem sempre é colocada de volta a seu lugar adequado_ Em
tais circunstâncias, figuras de barro modelado deixadas
para secar, por exemplo, podem ser quebradas
"ac identalmente" com facilidade, ou então o apontador de
lápis de alguém pode desaparecer.
45
DOMíNIO PÚBLICO 29
{}
É importante que as crianças possam exibir as coisas que
fizeram, digamos, na aula de trabalhos manuais, sem medo
de que possam ser destruídas, e que possam também deixar
trabalhos inacabados sem que haja o perigo de serem
retirados ou "arrumados" por "estranhos/I, Afinal de contas,
uma faxina complela feila par outra pessoa pode fazer
30 LIÇÕ ES DE ARQUITEIUIA
alguém senlir-se perdido em seu próprio espaço na manhã
seguinte.
Uma sala de aula, concebida como o domínio de um
grupo, pode mostrar suaprópria identidade ao resto da
escola se lhe for dada o oportunídade de fazer uma
exposição das coísas com os quais o grupo está
especialmente envolvido Icoisas que as crianças fizeram
dentro ou fora da sala de aulal. Isto pode ser executado de
modo informal usando-se a divisória entre o hal! e a sala
de aula como espaço de exposição e abrindo-se muitas
janelas com peitoris generosos na divisória.
Um pequeno mostruário Ineste caso, até iluminado) é um
desafio para o grupo apresentar-se de maneira mais
formal. O exterior da sala de aula pode então funcionar
como uma espécie de "vitrinell que mostra o que o grupo
tem a I/oferecer",
Desse modo, cada turma pode apresentar uma imagem com
que os outros podem se relacionar e que marca a transição
enlre cada sala de aula e o espaço comunitário do hal!.
ESCOlAS APOLLO 148·50)
Se o espaço entre as salas de aula foi usado para criar
áreas semelhantes a alpendres, como na escola Montessori
de Amsterdom, essas áreas podem servir como lugares de
trabalho adequados onde se pode estudar sozinho, i,e.,
sem estar na sala de aula mas também sem ficar isolado
desta. Esses lugares consistem numa superfície de trabalho
com il uminação própria e num banco encostado a uma
parede baixa, Para regular o contato en tre a sala de aula e
o hall da maneira mais sutil possivel , foram instaladas
meias·portas, cu ja ambigüidade pode gerar o grau
adequado de abertura para o hall e, ao mesmo tempo,
oferecer o isolamento necessário a cada situação.
Aqui encontramos mais uma vez Icomo na escola de Delk)
o mostruário de vidro contendo o museu-miniatura e a
expos ição da sala de aula.
"," .
._._ ---; .. ...:...~
. ,
~p.. "~!"
:/
AS A9
50
DOMíNIO PÚBLICO 31
6 O "INTERVALO"
li
~4i.~. :>: .... '
~:;;~
,- ;.:
~o ,
";
o significado mais amplo do conceito de intervalo foi
introduzido em Forum 7, 1959 (la plus grande réolité
du seuil) e em Forum 8, 1959 IDas Gestalt gewordene
Zwischen: lhe concretization of lhe in·between)
A soleira fornece a chave para a transição e a conexõo
entre áreas com demarcações territoriais divergentes e,
na qualidade de um lugar por direito próprio, constitui,
essencialmente, a condição espacial para o encontro e
o diálogo entre áreas de ordens diferentes.
-~-~. ~'
~:; .. ' ..
. ,
32 IIÇÕ fS Df ARQUllfTURA
o valor deste conceito é mais explícito na soleira par
excellence, a entrada de uma casa. Estamos lidando
aqui com o encontro e a reconciliação entre a rua, de
um lado, e o' domínio privado, de outro.
A criança sentada no degrau em frente à sua casa está
suficientemente longe da mãe para se sentir independente,
para sentir a excitação e o aventuro do grande
desconhecido.
Mas, ao mesma tempo, sentada ali no degrau, que é parte
da rua assim como da casa, ela se sente segura, pois sabe
que sua mãe está por perto. A criança se sente em casa e
ao mesmo tempo no mundo exterior. Esta dualidade existe
graças à qual idade espacial da soleira como uma
plataforma, um lugar em que os dois mundos se superpõem
em vez de estarem rigidamente demarcados.
,.
, . . , .
..;;- ;, :":.." ;
~.'l.. .
..
, ~.
..~.
":P .. _~~ .f:' T ... ;
.('
;.' . ,: ..... . .. .
· , ~ .
. J': ~-' .• '
E5COLA MONTE550RI, DElFT (52·56)
A entrada de uma escola primária devia ser mais do que
uma mera abertura através da qual as crianças são
engolidos quando os aulas começam e expelidas quando
elas terminam. Deveria ser um lugar que oferecesse algum
tipo de conforto para os crianças que chegam cedo e para
os alunos que não querem ir logo para casa depois das
aulas.
As crianças também têm seus encontras e compromissos.
Muros baixos em que se possa sentar são o mínimo a se
oferecer; um canto bem abrigado é melhor, mas o melhor
mesmo seria uma área coberta para quando chove.
A entrado de um iordim-de-infôncia é freqüen tado pelos
pois - ali eles se despedem de seus filhos e esperam por
eles quando as aulas terminam. Os pois que esperam os
filhos têm assim uma belo oportunidade para se conhecer e
para combinar visitas das crianças às cosas dos colegas.
Em sumo, este pequeno espaço públi co, como local de
encontro para pessoas com interesses comuns, cumpre uma
importante função social. Como resultado do mais recente
transformação, em 1981 [56), esta entrada não mais existe.
DOMíNIO PÚ8l1CO 33
52 5~
53 55
56
57
59
58
DE OVERLOOP, lAR PARA IDOSOS {57, 58)
Uma órea coberta na porta do frente, o começo da
"soleira" / é o lugar em que dizemos olá ou adeus aos
visitantes, limpamos a neve das botas e penduramos o
guarda-chuva.
As entradas cobertas para os apartamentos do abrigo De
Overloop, em Almere, são equipadas com bancos perto das
portas da frente. As portas da frente estão dispostos de
duas em duas para forma r um alpendre combinado, o qual,
porém, é dividido em entradas separadas por uma divisório
vertical que se proieta a partir da fachada. As meias-portas
permitem a quem esteio sentado do lado de foro manter
contato com o interior do apartamento, de modo que se
pode pelo menos ouvir o telefone tocar. Esta zona de
entrada é vista como uma extensão da caso, como se pode
perceber pelos capachos colocados do lado de foro.
34 II(OES DE ARQUlmUiA
Graças à saliência da cobertura, ninguém precisa esperar
na chuva até que a porto seio aberta, enquanto a
atmosfera hospitaleira do lugar dá a quem chega o
sensação de que iá está quase dentro da caso.
Pode-se dizer que o banco na porta da frente é um motivo
tipicamente holandês - pode ser visto em muitas pinturas
antigasl mas, no nosso século, Rietveld, por exemplo, criou
o mesmo arranjo, completado por uma meia-porta, em sua
famosa casa Schroder. Utrecht, 1924 159) .
. ~
'-
DE DRIE HOVEN, LAR PARA IDOSOS 1601
Em situações nas quais possa ser necessário um contalo
entre o interior e o exterior - num [ar para idosos{ por
exemplo, alguns dos moradores passam boa parte de seu
tempo na solidão de seus próprios quartos por causa da
mobilidade reduzida, esperando que alguém vá visitá-los,
enquanto outros moradores que ficam do lodo de fora
também gostariam de algum contato - , em tais situações,
uma boa idéia é instalar portas qlm duas seções, de
maneiro que o porte de cimo posso ser mantido aberto e a
porte de baixo fechado. Essas "meio-portas" constituem um
cloro gesto de convite: o porto está aberto e fechado 00
mesmo tempo, i.e., suficientemente fechado para evitar que
as intenções dos que estão lá dentro fiquem
demasiadamente explícitos, mos aberto o bastante para
fac ilitar o converso casual com quem está passando, o que
pode levar o um contato mais íntimo.
A concretização da soleira como intervalo significa, em
primeiro luga r e acima de tudo~ criar um espaço para
as boas-vindas e as despedidas, e, portanto, é a
tradução em termos arqu itetônicos da hospitalidade.
Além disso, a soleira é tão importante para o contato
s'Ocia l quanto as paredes grossas para a privacidade.
Condições para a privacidade e condições para manter
os contatos sociais com os outros são igua lmente
necessórias. Entradas, alpendres e mu itas outras
formas de espaços de intervalo forn ecem uma
oportunidade para a lIacomodaçãorl entre mundos
contíguos . Esto espécie de dispositivo dá margem a
certa articulação do edifício em foco, o que requer
espaço e dinheiro, sem que sua função possa ser
faci lmente demonstrável - e ainda menos quantificável -,
e, por esse motivo, torna-se muitas vezes difícil de
realizar, exigindo esforço e trabalho de persuasão
constante durante a fase de planejamento.
RESIDÊNCIAS DOCUMENiA URBANA (61-701
O edifício em forma de meandro, denominado Ilserpente'!!
é composto de segmentos, cada um deles proietado por
arquitetos diferentes. As escadas comunitários foram
colocadas numa situação de ampla lum inosidade, bem
maior que a do espaço residual costumeiro, em geral de
pouco luminosidade.
Numa residência para váriosfamílias, o ênfase não deve
recair exclusivamente sobre medidas arquitetônicas
destinadas a prevenir o barulho excessivo e o
inconveniência dos vizinhos; uma atenção especial deve ser
dado em particula r à disposição espacial, que pode
conduzir aos contatos sociais esperados entre os vários
ocupantes de um mesmo edifício. Por conseguinte,
atribuímos às escadas mais importância do que de costume.
As escadas comunitárias não devem ser apenas uma fonte
de aborrecimento no que diz respeito 00 acúmulo de
suieira e à limpeza - devem servir também, por exemplo,
como um playground para os crianças de famílias vizinhos.
Por este motivo, foram proietadas com o máximo de luz e
abertura, como ruas com telhado de vidro, e podem ser
avistados das cozinhas. Os alpendres de entrado abertos,
com duas portos, uma após o outro, expõem ao território
comunitário um pouco mais de seus moradores do que as
portas fechados tradicionais.
Embora, naturalmente, tenho-se tomado cuidado poro
assegurar a privacidade adequada nos terraços, os famílias
vizinhos não estão de todo isolados umas das outras.
Procuramos proietar os espaços exteriores de tal modo que
o vedação necessário roube o mínimo possível dos
DO MíNIO PÚBliCO 3S
60
61
36 ti ÇÕES DE AIQUITETUIA
••••• llIl .
. II .~ li iD 'l!I :
I!IIII
62 63
64 45
6/, 67
:ondições espaciais para cantatas entre os vizinhos. Tal
, ,,cansão do espaço mínimo requerido para "finalidades de
:":culação" mostrou-se capaz não apenas de atrair as
:"ianças - serve também como um lugar em que as vizinhos
;:odem se sentar e conversar. Neste caso os moradores
': mbém providenciaram os equipamentos.
Edifício à direito: O. Steidle, arquiteto. DaM·,N la PÚBLICO 37
68
69
70
Além da tradicional porta da frente, as moradias têm uma
segunda porta de vidro que também pode ser trancada e
que conduz à escada, obtendo-se assim um espaço de
entrada aberto. Uma vez que esse espaço intermediário
entre a escada e a porta da frente é interpretado de
maneira diferente por pessoas diferentes - i.e., não apenas
como parte das escados mas também como uma extensão
da casa - , é usado por alguns como um hall aberto, no
qual a atmosfera da casa pode penetrar. Deste modo,
dependendo de qual das duas porias é considerada como a
verdadeira porta da frente, os moradores podem expor sua
38 IIÇÔES DE ARQUITETURA
individualidade, em geral restrita à intimidade do lar, ao
mesmo tempo em que a escadaria perde algo de sua
característica de terra-de-ninguém e pode até adquirir uma
atmosfera autenticamente comunitária. O princípio do
caminho vertical para o pedestre, tal como aplicado no
projeto habitacional de Kossel, foi posteriormente
elaborado no conjunto habitacional LiMo em Berlim.
As escadas desse conjunto conduzem a terraços
comunitários nos telhados. No final , dec idiu-se que não
seria necessário incorporar as varandas para lazer
previstas no projeto de Kassel, já que o pátio isolado
oferecia o espaço de lazer adequado, especialmente para
as cnanças mOls novas.
C IÉ NAPOlÉON, PARIS, 1849 / M. H. VEUGNY 171 ·74)
' . Cité Napoléon, em Paris, fo i uma dos primeiros
·~;'ltatjvas, e certamente a mais notável, de solução razoável
:oro o problema da distôncio entre o ruo e o porto do
'-ente num prédio residencial de muitos andares. Este
=-3paço interior, com suas escadas e passarelas , evoca as
,dificoções de vários andores de uma aldeia nos
-contonhos. Uma razoável quonlidade de luz alcança os
ondores mais altos através do telhado de vidro.
Os moradores dos andores de cima obrem suas janelas
;mo este espaço interior, e o presença de vasos de plantas
"ostra, pelo menos, que os pessoas dão valor o esse
2=tolhe. Embora não tenho sido possível - em que pesem os
: oos intenções dos construtores - transformar esse espaço
-.ierior (fechado como é em relação à rua lá foro) numa
'!ia interno verdadeiramente funcional segundo nossos
"cdrões, não há dúvida de que este exemplo se desloco de
-caneiro brilhante, sobretudo quando se penso em todas
oiuelos sombrios escadarias construídos desde 1849.
,,- o 5 10
IULJ
71 72
73
DOMíNIO PÚBLICO 39
75
76 77
7 DEMARCACÕES PRIVADAS ,
NO ESPACO PÚBLICO ,
o conceito de intervalo é a chave para eliminar a
divisão rígida entre áreas com diferentes demarcações
territoriais. A questão está , portanto, em criar espaços
intermediários que, embora do ponto de vista
administrativo possam pertencer quer ao domínio
público quer ao privado, sejam igualmente acessíveis
para ambos os lados, isto é, quando é inteiramente
aceitável, paro ambos os ladosf que o "outro" também
possa usá-lo.
DE DRIE HOVEN, LAR PARA IDOSOS 175·77)
Os corredores servem como ruas num edifício que deve
funcionar como uma cidade para seus moradores, afetados
por sérios limitações, jé que a maior porte deles é incapaz
de deixar a éreo sem ajudo. As unidades de habitaçõo
situadas ao longo desta Hrua" têm, aos pares, óreas
semelhantes o alpendres, que, por um lodo, pertencem às
habitações, mas, por oulro, também fazem parte da Hrua".
Os moradores colocam suas coisas ali , cuidam deste espaço
e com freqüência criam plantas e Aores ali , como se este
fosse parte de suo próprio coso, uma espécie de varando
no nivel do ruo. Embora o érea do alpendre seja
completamente acessível aos transeuntes, permanece como
parte da rua.
É extremamente difícil reservar os poucos metros quadrados
necessérios o um objetivo como esse dentro da infinita rede
de regulamentos e normas que se referem às dimensões
mínimas e méximas que governam cada um dos aspectos
do projeto arquitetônico.
No coso dos obrigas sociais, esse aspecto é considerado,
40 liÇÕES DE ARQUITETURA
do ponto de visto admin istrativo, como uma redução
indevida do tamanho da unidade domiciliar, ou como uma
expansão indevida do corredor: o funciona lidade de cada
metro quadrado é, afinal, medida de acordo com a
utilidade quantificáve l. O amor e o cuidado que os
moradores investem neste espaço, que, estritamente, não é
porle do apartamento, dependem de um detalhe
aparentemente menor, ou seja, a janela que lhes permite
vigiar os objetos que foram colocados lé fora, não só como
uma precaução contra o roubo, mos simplesmente porque é
agradável poder ver as próprias coisas ou verificar como as
plantas vão indo. O arquiteto preciso de uma dose
incomum de engenhosidade para que esta idéio consiga
paslar pela vigilância cuidadosa das autoridades
responsáveis pela prevenção de incêndios.
Os quadros de luz no "De Drie Hoven" perto dos portas da
frente foram instalados em pequenos muretas salientes, de
tal modo que se pode colocar facilmente um to pete ao lado.
! .
Usando pedaços de tapete, os moradores se apropriam do
cequeno espaço assim criado e o equipam, estendendo desta
aneira os limites de sua casa além da porta da Irente.
Se incorporamos as sugestões espaciais adequados em
osso projeto, os moradores sentem-se mais inclinados
c expandir sua esfera de inFluência em direção à área
pública. Até mesmo um pequeno ajustamento, na
forma de uma articulação espacial da entrada, pode
ser o bastante para estimular a expansão da esfera de
influência pessoal, e, deste modo, a qualidade do
espaço público será consideravelmente aprimorada no
;nteresse comum.
; :;'OÊNCIAS DIAGOON 178·831
:) que poderia ser leito com as calçadas nas "ruas
":-sidenciais", se coubesse aos moradores a
' .'ponsabil idode pelo espaço, pode ser imaginado com
: :::Ee na experiência com as calçadas em frente às
-ê;,dências Diagoon, em Delk. A área em Irente às
-"adias não loi projetada como jardim; loi simplesmente
!"3/!mentada como uma calçada comum e,
:olseqüentemente, como parte do domínio público,
~-bora , de modo estrito, não o seja .
' L ;-; ,
. "-L
!! óreas pertencentes às diversas casas não loram
:~marcadas, e o layout não contém nenhuma sugestão de
:;marcaçõo privado. A pavimentação loi leita com blocos de
; :;;creto comum, o que desperta automaticamente associações
:0'" uma rua pública porque as calçadas em geral são
: :vimentadas com o mesmo material. Os moradores então
':>meçaram a remover alguns dos blocos de concreto para
d ocar plontas no lugar. "Dessous les pavés lo plage."
~ resto dos blocos loi deixado intacto para proporcionar um
~crminho até a porto ou um espaço para estacionar o carro
:a lamília perto da casa. Cada morador usa a área em Irente
: sua casa de acordo com suos necessidades e desejos,
""" orparando a parte da área de que necessita e deixando o
'esto acessível para o uso público.
Se o layoul tivesse partido da idéia de áreas separadas,
!:rivadas, então sem dúvida todos iriam usá-Ias ao máximo
~m seu pró·prio benefício, mas surgiria uma divisão
irreversivelmente abrupta entre o espaço público e o
privado, em vez da zona intermediária que loi criada, uma
lusão do território estritamente privado das casas e da área
pública da rua. Nesta área de intervalo, entre o público e o
privado, demarcações ind ividuais e coletivas podem
superpor'se e os conllitos resultantes devem ser resolvidos
mediante um acordo entre os partes. É aqui que cada
morador desempenha o papel que revela o tipo de pessoa
que quer ser e, por conseguinte, como deseia que os outros
o vejam. Aqui se decide também o que o indivíduo e a
coletividade podem olerecer um 00 outro.
DOMi NIO PÚBLI CO 41
78
79 811
81 81
83
85 86
MORADIAS liMA [84·891
O conjunto de moradias LiMa está localizado na ponta de
uma área triangular, cuja esqu ina é ocupada por uma
igreja. Os volumes desta igreja não se 'relacionam
claramente com o alinhamento arquitetônico geral.
42 LlÇÓES DE ARQUITETURA
Construir nesta ilha triangular implica manter a igreja à
parte como uma estrutura destacada e autônoma. O pátio é
bastante diferente do tradicional e muitas vezes deprimente
pátio berli nense, e sua concepção é a de um espaço
público com seis caminhos de acesso para os pedestres,
incluindo conexões com a rua e com o pátio vizinho. Estes
caminhos para pedestres constituem parte das escadarias
comunitárias. No centro do pá tio há um amplo tanque de
areia dividido em segmentos, cuias laterais foram
decoradas com mosaicos pelas próprias famí lias dos
moradores .
Não foi difícil despertar o entusiasmo dos moradores - os
quais já estavam profundamente interessados no projeto do
pátio - especialmente depois que eles viram as fotografias
do parque de Gaudí e as Torres Waij. A ajuda técnica e
organizacional foi fornec ida por Akelei Hertzberger, que
empreendeu vários projetos semelhantes no passado com
resultados igualmente bem· sucedidos.
No começo, foram principalmente as crianças que
contribuíram com seus "Iadrilhos", mas logo em seguida os
adultos aderiram, trazendo qualquer pedaço de cerâmica
que pudessem obter.
I
I
I
·enhum arquiteto hoje seria capaz de dedicar tanta
::J lenção a um tanque de creiol nem isto seria necessário,
:~'que é algo que pode ser deixado para os próprios
-oradores. É di~ci l imaginar uma maneira melhor de
'õmonder ao incentivo oferecido. Mas ainda mais
l1portante é o fa to de que o tanque de areia se tornou
o 80 que pertencia a eles e um objeto de seus cuidados: se
. -, fragmento do mosaico cai ou revela ser pontudo
:emois, por exemplo, algo seró fei to sem que haja
,scessidade de reuniões especiais l cartas oficiais ou
cocessos contra o arquiteto.
Uma área de rua com a qual os moradores estão
envolvidos, onde marcas individuais são criadas por
eles pr,;prios, é apropriada conjuntamente e
transFormada num espaço comunitário.
DOMíNIO PÚBliCO 43
87 88
89
8 CONCEITO DE
OBRA PÚBLICA
Conjunto residencial
Biilmermeer,
Amsterdam
\\I 91
92
Fotomonfagem
44 lIÇÕ,S Df ARQUIHTURA
Projeto residencial Fomílistere, Guise, França
o segredo é dar aos espaços públicos uma forma tal
que a comunidade se sinta pessoalmente responsável
por eles, fazendo com que cada membro da
comunidade contribua à sua maneira para um
ambiente com o qual possa se relacionar e se
identificar.
O grande paradoxo do concei to de bem-estar coletivo,
tal qual se desenvolveu lado a lado com os ideais do
socialismo, é que ele acaba subordinando as pessoas
00 sistema que foi construído para libertá-Ias.
Os serviços prestados pelos departamentos de Obras
Públicas Municipa is são vistos, por aqueles em cujo
benefício esses departamentos foram criados, como
umo abstração opressiva; é como se as obras públicas
fossem uma imposição vinda de cima; o homem
comum sente que "não tem nada a ver com e le", e,
deste modo, o sistema produz um sentimento
generalizado de alienação.
Ds jardins públicos e os cinturões verdes em volta dos
il ecos de apartamentos nas novas áreas urbanas são de
-~sponsobi lidade dos departamentos de Obras Públicas,
que fazem o que podem para tornar essas áreas tão
atraentes quanto possível - dentro dos li mites dos
orçamentos alocados - em benefício da comunidade.
Mas os resultados conseguidos desta maneiro não deixam
de ser rígidos, impessoais e anti econômicos, comparados
com os que poderiam ser alcançados se todos os moradores
dos apartamentos tivessem a oportunidade de usar um
pequeno pedaço de terra Imesmo que fosse apenas do
tamanho de uma vaga de estacionamento) para seus
próprios ob jetivos.
O que foi negado à coletividade poderia ter sido o
contribuição de cada morador da comunidade. O espaço
poderia ser usado de modo mais intensivo se nele fossem
investidos amor e cuidado pessoal.
Um exemplo desta afirmação pode ser visto no Familistere
em Guise, na França, um projeto de moradias construído
para a fóbrica de fogões Godin: uma comunidade de
moradores e trabalhadores moldado de acordo com as
idéias de Fourier. Embora construída no século XIX, ainda
conserva seu in teresse como um exemplo do que pode ser
feito.
MORADIAS VROESENlAAN, ROnERDAM, 1931-34 / J. H. VAN
DEN BROEK 193,941
As áreas de lazer e conforto comunitárias só podem
florescer pelo esforço comunitário dos usuários. Essa deve
ter sido a idéia subjacente aos espaços comunitários
interiores - sem cercas e divisórias - que foram pro jetados
nos anos 20 e nos anos 30.
DOMíN IO PÚBliCO 4S
95 DE DRIE HOVEN, lAR PARA IDOSOS 195)
O espaço cercado contendo animais, que deve sua
existência à iniciativa de um membro da equipe do "De
Drie Haven" , desenvolveu-se até tornar-se um zoológico em
miniatura, com um faisão, um pavão, galinhas, cabras,
uma porção de patos num lago cheio de peixes, Paro os
idosos que moram no lar, os animais compõem uma visto
agradável e interessante, e os quartos com vista paro a
menagerie são os mais procurados.
Abrigos de fabricação caseiro poro os animais passarem a
noite foram providenciados por entusiastas, mas, logo que
esse esquema popular virou um sucesso e a expansão se
tornou necessário, o Departamento de Inspeção de
Moradias decidiu que as coisas não podiam mais continuar
assim; estipularam então que era preciso submeter à
aprovação de autoridades e comissões competentes uma
planta de construção elaborado por profi ssionais,
Poro a população loca l, o menagerie represento um convite
ao envolvimento nos cuidados com os animais ou
simplesmente um passeio para ver como eles estão, Quando
é que as crianças da cidade vêem animais2 Os únicos que
a maioria delas vê em seu ambiente são animais domésticos
de estimação, cachorros presos em coleiras, já que parece
impossível organ izar formas de posse coletiva de animais
com divisão de responsabilidades pela suo manutenção,
Uma idéio dessa natureza nem sequer é sugerida - os
moradores locais, afinal, normalmente não exercem
nenhuma influência na maneira como seus espaços
comunitários são organizados e usados, Mos não podemos
46 LIÇÕES DE ARQUITETURA
. ': ~.~ :" ,
'/"'-: .,j
esperar que o setor de Obras Públicas vá cuidar de animais
por toda a cidade. Paro isso, seria ne<:essário um novo .
departamento com funcionáriosespecializados, para não
falar dos milhares de avisos dizendo "Não dê comida aos
• • 1/
anImaiS.
A distribuição dos espaços e os animais no "De Drie
Hoven" constituem um fator de indução natural para o
contato social entre os seus idosos moradores e a
população local- dois grupos com limitações diferentes,
Os moradores do lar são forçados pelas circunstâncias a
ser estranhos na cidade, mas graças a "seu" jardim podem
oferecer alguma compensação pora os outros - os quais,
por sua vez, são estranhos na área do "De Drie Hoven",
Estes exemplos servem para ilustrar como as melhores
intenções podem levar à desilusão e à indiferença.
As coisas começam a dar errado quando as escalas se
tornam grandes demais, quando Q conservação e o
administração de uma área comunitária não podem
mais ser entregues àqueles que estõo diretamente
envolvidos e se torna necessária uma organização
especial, com sua equipe especializada, com interesses
e preocupações próprios quanto à sua continuidade e,
possivelmente, à sua expansão. Quando se atinge o
ponto em que o principal preocupação de uma
organizaçõo é assegurar a continuidade de sua
existência - independente dos objetivos para as quais
foi criada, ou seja, fazer pelos outros o que não se
pode esperar que eles mesmos façam -, neste
momento a burocracia assume o controle. As regras
tornam-se uma camisa-de-Força de regulamentos_
O sentido de responsabi lidade pessoal perde-se numa
burocracia sufocante de responsabilidades para com
superiores. Embora não exista nada de errado com as
intenções do elo individual nesta interminável cadeia
de interdependências, elas se tornam virtualmente
irrelevantes porque estão demasiado afastadas
daqueles em cu jo benefício todo o sistema foi
inventado. A razão pela qual os habitantes da cidade
se tornam estranhos em seu próprio ambiente de vida
é porque o potencial da iniciativa coletiva foi
grosseiramente superestimado ou porque a
participação e o envolvimento foram subestimados.
Os moradores de uma casa não estão de fato
preocupados com o espaço fora de seus lares, mas
~'iÜ mbém não podem ignorá-lo. Esta oposição conduz à
dienação diante de seu ambiente e - na medida em
'~ue suas relações com os outros são influenciadas por
ate - conduz também à alienação dia nte dos
,,,,,:,,.oradores vizinhos,
O crescimento do nível de controle imposta de cima
~ra baixo está tornando o mundo à nossa volta cada
~z mais inexorável: e isso abre caminho para a
-'J.gressividade que, por sua vez, conduz a um
>;:::1ri jecimento ainda maior da teia de regulamentos.
o resultado é um círculo vicioso, a falta de
c.omprometimento e o medo exagerado do caos
,,= limentando-se mutuamente.
A incrível destruição da propriedade pública,
c~,;truição que está aumentando nas principais cidades
"' .;) mundo, pode ser provavelmente imputada à
-=1ienaçõo diante do ambiente de vida. O fato de que
:;~. abrigos de transporte público e os telefones
:viblicos venham senda, semana após semana,
~~mpletamente destruídos é na verdade uma
~~ormante acusação à nossa sociedade como um todo.
!Jose tão alarmante, no entanto, é que essa tendência
.- e sua escala - é enfrentada como se fosse um mero
?foblema de organização: por meio do expediente de
reporos periódicos, como se tudo não passasse de uma
questão rotineira de manutenção, e da aplicação de
retorças-extras ("à prova de vândalos") . Desta
rr: oneira, a situação parece estar sendo aceita como
' apenas mais uma dessas coisas". Todo o sistema
repressivo da ordem estabelecida é gerado para evitar
iConflitos, para proteger os membros individuais da
i.omunidade das incursões de outros membros do
~esma comunidade, sem o envolvimento direto dos
.... , divíduos em questão. Isso explica por que há um
!O::edo profundo da desordem, do caos e do
.. esperado, e por que os regulamentos impessoais,
.... objetivos'I, são sempre preferidos ao envolvimento
pressoal. É como se tudo devesse ser regulamentado e
quantificável, de modo que permitisse um controle total
e criasse as condições para que o sistema repressivo
da ordem nos torne locatários em vez de
co-proprietários, subordinados em vez de participantes.
Assim, o próprio sistema cria a a lienação e, embora
afirme representar o povo, na verdade impede o
desenvolvimento de condições que poderiam resultar
num ambiente mais hospitaleiro.
• O arquiteto pode contribuir para criar um ambiente
que ofereça muito mais oportunidades para que as
pessoas deixem suas marcas e identificações pessoais,
que posso ser apropriado e anexado por todos como
um lugar que realmente lhes "pertença", O mundo que
é controlado e ad ministrado por todos e para todos
terá de ser construído com entidades pequenas e
funciona is, não ma iores do que as capacidades de
cada um para mantê-Ias. Cada componente espacial
será usado mais intensamente lo que valoriza o
espaço), ao mesmo tem po em que se espera que os
usuários demonstrem suas intenções. Mais
emancipação gera mais motivação, e deste modo
pode-se liberar a energia represada pelo sistema de
decisões centralizadas. Isto constitui um apelo em
favor da descentra lização dos responsabilidades, de
sua restituição onde for possível, e em favor da
delegação de responsabilidade a quem de direito -
para que possam ser tomadas medidas eficazes, para
resolver os problemas da inevitável alienação diante
do "deserto urbano",
DOMíNIO PÚBliCO 47
96
9 A RUA
Amsterdam, bairro
operário, a vida nas
ruas: bem diferente de
hoie, mos lembre'se
de como as moradias
eram apertadas e
inadequadas naquele
tempo
97
9S
Gioggia, It6lio. Ruo
de convivência, sem
trânsito. Procurando
um fugor no sombra
48 liÇÕES DE AlQUllfTURA
Para além de nossa porta ou do portão do jardim,
começa um mundo com o qual pouco temos a ver, um
mundo sobre o qual praticamente não conseguimos
exercer influência. Há um sentimento crescente de que
o mundo para além de nossa porta é um mundo hostil,
de vandalismo e agressão, onde nos sentimos
ameaçados, nunca em casa. No entanto, tomar esse
sentimento generalizado como ponto de partida para o
planejamento urbano seria fatal.
Certamente seria bem melhor voltar ao conceito otimista
e utópico da "rua reconquistada", que podíamos ver tão
claramente diante de nós há menos de duas décadas.
Nesta visão, inspirada pelo prazer existencialista diante
da vida no pós-guerra (especialmente o Provo, no coso
da· Holanda), a rua é de novo concebida como o que
deve ter sido originalmente, ou seja, um lugar onde o
contato social entre os moradores pode ser estabelecido:
como uma sala de estar comunitária. E o concei to de
que as relações sociais podem até ser estimuladas pela
aplicação eficiente ele recursos arquitetônicos pode ser
encontrado em Team X e especialmente em FOTurn,
onde, como um tema central, esta questão era
repetidamente levantada.
A desvalorização desse conceito de rua pode ser
atribuído aos seguintes fatores:
I
I
I
i
I
l ,
I ,
• o aumento do tráfego motorizado e a prioridade que
recebe;
• a organização sem critérios de áreas de acesso às
moradias, em particular as portas da frente, por causa
de vias indiretas e impessoais de acesso, tais como
galerias, elevadores, passagens cobertas (os
inevitáveis subprodutos de construções muito altas) que
diminuem o contato com o nível da rua;
• a anulação da rua como espaço comunitário por
-causa do assentamento dos blocos;
• densidades reduzidas de moradias, enquanto o
número de moradores por unidade também diminui
ocentuadamente. Assim, o queda da densidade
populacional vem acompanhada por um acréscimo no
-espaço de habitações por moradores e na largura das
ruas. A conseqüência inevitável é que as ruas de hoje
estão bem mais vazias do que as do passado; a lém
dissol o melhoria no tamanho e na qualidade das
moradias significa que as pessoas passam mais tempo
~entro de casa e menos na ruai
• quanto melhores as condições econômicasdas
~essoas, menos ela necessitam dos vizinhos, e tendem
:;! fazer menos coisas juntas.
A prosperidade crescente parecei por um lado, ter
estimulado o individualismo, enquanto, por outro lado,
permite que o coletivismo assuma proporções além da
nossa compreensão.
Devemos tentar lidar com esses fatores - ainda que o
arquiteto seja incapaz de fazer mais do que exercer
uma influência incidental nos aspectos fundamentais
de mudança social mencionados acima - criando
condições paro uma área mais viável de rua onde quer
que seja possível. O que significa que isto deve ser
feito no âmbito da organização espacial, isto é , por
meios arquitetônicos.
• Situações em que o rua serve como uma extensão
comunitária das moradias são familiares a todos nós.
Dependendo do clima, as partes ensolaradas ou as
partes com sombra são os mais populares l mas o
tráfego motorizado está sempre ausente ou pelo menos
longe o bastante para não impedir que os moradores
vejam uns aos outros e possam ser ouvidos.
As ruas de convivência, que não servem mais
exclusivamente como via de tráfego e que estão
organizadas de tal modo que há também espaço para
as crianças brincarem, estão se tornando uma
presença cada vez mais familiar tanto nos novos
conjuntos habitacionais quanto nos projetos de
renovação - pelo menos na Holanda. Os interesses do
Moradias Spangen.
Rol1erdam, 1919 /
M. Brinkman. Ruo de
convivência, sem
Irônsito. Procurando
um lugar ao sol
DOM iNIO PÚ Bli CO 49
101
100 101
pedestre estão sendo finalmente levados em
consideração, e com a instituição da woonerf (área
residencial com severas restrições ao tráfego e
prioridade total para os pedestres) com base jurídica,
ele está reconquistando seu lugar ou, pelo menos, não
é mais tratado como um Fora-da-lei. No entanto, ainda
que os motoristas sejam obrigados a se comportar de
modo mais disciplinado, seus veículos ainda constituem
um embaraço, pois são tão grandes 8, em especial, tão
numerosos, que ocupam cada vez mais o espaço
público.
MORADIAS HAARlEMMER HOUTTUINEN (100·109)
O temo central no Haarlemmer Houijuinen é o rua como
espaço de convivência, elaborada em associação com Van
Herk e Nagelkerke. A decisão de reservar uma área de
27 metros paro o trânsito - mais relacionada com politica
do que com planejamento urbano - obrigou·nos a construir
dentro desse limite de al inhamento imposto; como
11
J I......,",,'
resultado, não sobrou espaço paro jardins nos fundos (que, 1
de qualquer modo, ficariam permanentemente na sombral.
Em suma, essas circunstâncias desfavoráveis - i.e., I
orientação indesejável e ruido de trânsito - deixavam cloro .. , ,.----.,<1
que o lado norte deveria acomodar a parede de fundo, e,
deste modo, toda o ênfase recaiu automaticamente na rua
de convivência do lado sul. Esta ruo de convivência é
acessivel apenas para os carros dos próprios moradores e
para os veículos de entregas; o foto de estar fechada ao
tráfego motorizado em geral e também a sua largura de
sete metros - um perfil inusitadamente estreito pelas
padrões modernas - criaram uma situação capaz de evocar
o antigo cidade. Os equipamentos necessários à ruo, tais
como luzes, estacionamentos de bicicletas, cercas baixas e
bancos públicos, estão distribuídos de tal modo que apenas
uns poucos corras estacionados iá são o bastante poro
SO LI ÇÕ ES DE AiQU l rETUi A
obstruir a passagem de qua lquer tráfego adiciona l. Foram
plantadas árvores para formar um centro a meio-caminho
entre os duas seções da rua . As estruturos que se projetam
a partir das fachadas - as escadas externas e as varandas
- articulam o perfil da rua, fazendo-a parecer menos
ampla do que os sete metros do frente de uma casa até a
frente de outro . A conseqüência é uma zona que
proporciona espaço para os terraços dos residências
térreas. Estes canteiros com muros baixos não são maiores
do que as varandas do primeiro andar; é claro que não
podiam ser menores, mas a questão é saber se ficariam
melhores se fossem maiores. Como oferecem bem menos
privacidade do que as sacadas, podemos nos perguntar se
os moradores do andar térreo não ficam em desvantagem,
mas, por outro lado, o conlato imediato com os transeuntes
e com as atividades gerais da rua parece ser atraente para
muitas pessoas, especialmente quando a rua readquire algo
de sua antiga qualidade comunitária. Foram deixadas
faixas em aberto ao lado dos espaços privados externos;
deli beradamente, ficou indefinida a organização dessas
faixas . O departamento de obros públicos não resi stiu à
oportunidade de pavimentar esses espaços. Os moradores,
par sua vez, estão colocando plantas al i, apropriando-se
grodativamente dessa área basicamente pública.
A construção civil na Holanda tem a tradição de dedicar
muita atenção aos problemas de acesso aos andares mais
altos, e uma grande variedade de soluções foi desenvolvida
no país - todas com o objetivo de dar o cada residência
uma porta de entrada com o máximo de acesso possível
pela rua. Na verdade, a solução que adotamos é apenas
uma outra variação de um tema essencialmente antigo: a
escadaria externa de ferro conduz a um patamar no
primei ro andar, onde fica a parta do frente da moradia do
andar de cima; daí a escadaria continua por dentro do
DOMíNIO PÚSIICO SI
103
Rei;nier VinkeJeskode,
Amsterdam, 1924 /
1. C. van Epen
105 10.\
107a
107\
108 107, 109
edifício, passando pelos dormitó rios do moradia do andar
térreo até a moradia do andar de cima.
As entradas para as moradias dos andares de cima,
localizadas em "varandas públicas 11 com vista para a rua l
não constituem obstáculo para as moradias do andar térreo,
mas dão a estas uma espécie de abrigo para suas próprias
entradas. Como as escadas são leves e transparentes, o
espaço que fica embaixo delas pode ser totalmente usado
para caixas de correio, bici cletas e para as brincadeiras das
crianças. Houve um esforço considerável para separar as
áreas de acesso às habitações dos andares de cima e os
espaços de jardim em frente das habitações do andar
térreo. Isso se reAete na definição clara das
responsabilidades dos moradores quanto à limpeza de suas
áreas de acesso. A ausência de uma definição assim tão
clara resultaria sem dúvida numa uti lização menos intensa
do espaço disponível para cada morador.
o conceito da rua de convivência está baseado na
idéia de que os moradores têm algo em comumj que
têm expectativas mútuas, mesmo que seja apenas
porque estõo conscientes de que necessitam um do
outro. Este sentimento, no entantoj parece estar
desaparecendo rapidamente de nossos vidas.
A aFinidade entre os moradores parece diminuir à
medida que aumenta a independência proporcionado
pela prosperidade. Tal anonimato chega mesmo o ser
elogiado pelos adeptos do coletivismo e da
~entralização: se as pessoas se relacionam muito entre
52 lIÇÕ f S Df ARQ Ul m URA
Segundo ondar
Primeiro andor
Andor térreo
I ,
I'
I'
I ,.
f~
~.
~
~
I
l
'·l~'·: T--~'~-"'-"'" --....-~ ._ ... ~---- ':""'I-.,..~ """\f'''''!! ",:'!'t
í !{ ,r I
,f"·i '·,i l ~ '",;1, ;,),·t," \ . ,,,..;,;. ... ...s I' " ,,,,, "I' Ao -' t ~._" \1 - • \ _ . ~ ,j ~
~ __ ._~1.~ .. ~_J .. _: . : ' .. ':'" ._. __ .L
,
.. ... , ........
·1ii· .. . :!iJ~,
DO Mí NIO PÚ BLI CO S3
"
"
110 11 1
si, há o perigo de um excesso de I'controle social",
eles argumentam.
Na verdade, quanto mais isoladas e alienadas as
pessoas se tornarem em seu ambiente diário, mais
fácil será controlá-Ias com decisões autoritárias.
Embora o "controle social" não tenha de ser negativo
por definiçõo, ele sem dúvida existe e seus eFeitos
negQth~os são sentidos quando não podemos fazer
nado sem que sejamos julgados e vigiados pelos
outros, como em toda comunidade muito concentrada,
uma vi la, por exemplo.
Devemos aproveitar todas as oportunidades possíveis
poro evitar uma separação rígido entre habitações
e para estimular oque restou do sentimento de
participar de algo que nos é comum.
Em primeiro lugarl esse sentimento de comunidade está
presente em qualquer interaçõo social do cotidiano, tal
como nas brincadeiras das crianças, no hábito de
revezar-se para tomar conta das crianças, na
preocupação em manter-se inFormado sobre a saúde
do outro, em suma, em todos esses cuidados e alegrias
que talvez pareçam tão evidentes que tendemos a
subestimar sua importância.
• As unidades de habitação funcionam melhor quando
as ruos em que estão localizados funcionam bem como
espaços de convivência, o que por sua vez depende
particularmente de veriFicar o quanto são receptivos,
i.eo, em que medida a atmosFera dentro das casas pode
se integrar à atmosFera comunitária da rua lá foro. Isto
: :;' -....'
é determinado em grande parte pelo planejamento e
pelo detalhamento do layou! da vizinhança.
CONJUNTO HABITACIONAL SPANGEN, ROTTERDAM, 1919 /
M. BRINKMAN 1110, 1111
As galerias de acesso no coniunto habitacional Spangen de
Roijerdam 119191 ainda não foram superadas no que diz
respeito 00 que oferecem aos moradores. Como só existem
portas da frente em um lado dessa '/rua de convivência" , os
moradores têm como companhia apenas seus vizinhos
imediatos. Isso é uma desvantagem em comparação com
uma rua normal, onde naturalmente encontramos os
vizinhos também do outro lado da rua. No entanto, em
Spangen, o contato entre vizinhos é excepcionalmente
intensol o que mostra como é importante a ausência do
trônsito. Ainda assim I a interação que ocorre nos acessos
da galeria não se estende à rua abaixo, onde ficam os
fundos dos residências. Não se pode estar em dois lugares
ao mesmo 'tempo.
ALOJAMENTO PARA ESTUDANTES WEESPERSTRAAT (11 2·1151
As unidades de habitação para os estudantes casados no
quarto andar induziram à construção de uma rua·galeria,
gue poderia ser vista como um protótipo poro uma rua de
convivência, livre do trânsito e com vista paro os telhados
da cidade velha. É um lugar seguro mesmo para as
crianças pequenas, que podem brincar ali enquanto seus
pais podem ficar sentados em frente às suas casas.
O exemplo em gue esse proieta se baseou foi, na verdade,
o complexo Spangen de 45 anos atrás.
" .~
' ~l ' L~:=~J'L • ____ =
54 JlÇÓES DE ARQUITETURA
Um dos problemas nas ruas·ga lerias é a colocação das
ianelas dos quartos de dormir: se se abrem para a galeria,
surge a desvantagem de uma privacidade insuficiente. Essa
situação pode ser melhorada ao se erguer o nível do chão
do quarto de dormir, de modo que os que estão dentro
possam olhar pela ia nela com suo visão acima das cabeças
das pessoas que estão do lado de fora , ao mesmo tempo
em que a ianela é alta demais para que os que estão do
lado de fora possam olhar para dentro do quarto.
O edifício como um todo acabou se tornando muito menos
aberto, e, em conseqüência, a rua-galeria não é mais
acessível ao público.
PRINCíPIOS DE ASSENTAMENTO 111 61
Pode-se ver como isto funciona, de uma forma elementar,
nos princípios de assentamento adotados de um modo ou
de outro em todos os proietos de moradia recentemente
constru ídos.
A procura por mais espaço e luz solar para todas as
unidades habitacionais conduziu, no planeiamento urbano
do século XX, ao abandono do até então habitual
assentamento de quadras dentro do perímetro.
O resultado foi a perda do contraste entre a reclusão
tranqüilo dos pátios cercados e o agitação e o barulho do
DOM íNIO PÚBli CO SS
112
113
114 11 5
11 60.
117 IIB 119
trânsito do ruo adjacente. As fachadas dando poro as ruas
eram as frentes (e por isso os arquitetos concentraram seus
esforços nelas), enquanto as fachadas mais informais dos
fundos, com suas varandas e varais de roupa - algumas
favorecidas por sua orientação, outros muito ao contrário-/
formavam o chamado lado de convivência. Este arranja foi
superado pelo assentamento em faixas, com habitações de
duas frentes, o que criou a possibilidade de colocar todos
os jardins ao lado (diagrama a). É importante compreender,
porém, que com esse tipo de layoul todas as portas da
frente de uma ~Ieira de casas dão para os jard ins da
próxima fileira. Assim, todo o mundo vive numa meio·ruo t
por assim dizer, com os espaços entre os blocos sendo
essencialmente os mesmos em vez de se alternarem entre o
espaço do jardim e o espaço da rua. Incidentalmente, a
principia de assentamento em faixa permite esta forma de
alternância no medida em que a orientação seja adequado
(diagrama bJ, mas, mesmo se este não for o casa, vale a
peno esforçar-se para assegurar que os frentes dos blocos
(isto é, onde as portos do frente estõo localizadas) fiquem
uma em frente à outra (diagrama c). Se as entradas das
habitações ficam uma em frente à outra, todos olham poro
o mesmo espaço comunitário - você pode ver as crianças
S6 liÇÕ ES DE ARQUITETURA
do vizinho saindo apressadas de manhã para a escola lo
seu relógio está atrasada de novo?).
Mas ter uma visõo completa de seus vizinhos também pode
estimular o bisbilhotice, motivo pelo qual, com esse tipo de
assentamento, é ainda mais importante, do que com o lipo c,
que as janelas e as partos da frente sejam posicionadas com
bastante cuidado em relação às da casa oposta, de tal modo
que se possa oferecer a cada entrada pelo menos alguma
privacidade, capaz de protegê-Ia contra a indiscrição
excessivo . No caso dos tradicionais esquemas de quadras
fechadas de moradias, todos os jardins e todas as entrados
ficam uns em frente aos outros. As áreas dos jardins têm
partanto uma natureza diferente daquela das áreas da nua.
ROYAl CRESCENTS, BATH, INGLATERRA 1767 / J. WOOD, J, NASH
1117·1191
Embora certamente nõo tenham sido pro jetadas com o
objetivo de contribuir para a interação de vizinhos, as
fachadas curvas dos "crescentes" de Bath sõo
particularmente interessantes nesse aspecto,
Por causa do concavidade da curva, as casas dão uma
para as outras, É o mesmo efeito de quando estamos num
trem e os trilhos descrevem uma curva: par um momento
podemos ver os outros vagões cheios de passageiros, cuja
presença não tínhamos notado ainda. Uma fachada curva
com as cosas voltadas poro a mesma área contribui para a
natureza comunitária do área .
Enquanto o lado côncavo de uma fachada pode encora jar
o sentimento de comunidade, o lodo convexo dos fundos
faz com que as casas, por assim dizerl se distanciem umas
das outras, contribuindo assim para a privacidade dos
jardins. A solução dos crescentes contempla os dois
aspectos.
RÓMERSTADT, FRANKFURT, ALEMANHA, 1927-28 / E. MAv 1120-1231
Ernst May, como seu colega mais fa moso, Bruno Taut, está
entre os mais importantes pioneiros do construção de
moradias no Alemanha. Os numerosos complexos
habitacionais que construiu em Frankfurt no período
1926-1930 mostram como tinha uma percepção aguçado
dos detalhes urbanos que podem melhorar os condiçães de
vida. A lição que ele ensino é que plantas muito monótonos
de loteamento, que em geral resultam dos orçamentos
limitados para o habitação social, podem ser transformados
num excelente ambiente de moradia, apesar dos meios
limitados, no medido em que os plantas sejam
desenvolvidos com um sentido adequado de orientação e
de proporção.
Naturalmente, é importante compreender que o arquitetura
dos moradias e o projeto do ambiente à suo volto foram
entregues à responsabilidade do mesmo homem, que, além
disso, não fez nenhuma distinção entre a arquitetura e o
planejamento urbano, conseguindo assim ajustar moradias
e ambiente de tal modo que se tornaram portes
complementares de um todo único.
O conjunto habitacional Rõmerstadt está situado num suave
decl ive às margens do rio Nidda. As ruas paralelos seguem
o direção do vale. Embora pudesse parecer evidente, neste
caso, com ruas em terraço, planejar coerentemente os
'ardins no encosto do vale, decidiu-se colocar os portos de
entrado dos fileiras de cosas uma diante do outra de ambos
os lodosdo cominho. A desigualdade entre os dois lodos
de entrado, resultado do orientação e de uma Ileve)
diferença de nível, foi compensado pelo organização do
espaço do ruo de tal modo que os cosas que ficavam do
lodo com jardins situados menos favoravelmente tinham
uma área verde no frente.
Um detalhe caracteristica é que o pavimentação do calçado
termino um pouco antes do fachada , deixando uma estreito
faixa nua bem 00 lodo do parede do lodo norte. Este é um
espaço óbvio para os plantas, e os trepadeiras podem subir
pelo fachada , amenizando o suo rigidez.
HET GEIN, MORADIAS 1124-1281
O layoul do conjunto habitacional "Het Gein" em Amersfoort
é de tal ordem que a ênfase recai especialmente sobre o
qualidade dos ruas de convivência. O terreno foi dividido,
no medido do possivel, em blocos retos e longos e ruas
paralelos. À primeiro visto, isto oferece menos, e não mais
variedade que o layoul convencional, mos a idéia é que
ruas retas e tranqüi los constituem um ponto de partido mais
adequado poro as variaçães dentro dos loteamentos. É
como um sistema de urdidura e tramo: enquanto o urdidura
1985
" I
--, t Pie •
.-
18.00
p,
'"
DOMíNIO PÚ BLICO 57
120
121
122
123
1934
lU 125
127
116 128
las ruas) num pedaço de pano constitui uma estrutura for te
lainda que sem cores se for necessário}, o tramo dá cor ao
tecido. Um requis ito importante, porém, é que os ruas de
convivência sejam mantidas livres do trânsito tanto quanto
possível. Deu-se muita atenção aos perfis das ruas; eles não
apenas são essenciais para a qualidade de cada moradia
individual, como também para a maneira como estas se
inter-relacionam. As fachadas e, por conseguinte, também
as portas das moradias ficam uma defronte da outra, duas
a duas, nos dois lados da rua. As ruas têm orientação de
sudeste para noroeste, o que significa que um lado recebe
mais sol do que o outro. É por isso que as ruas estão
assimetricamente organizadas: os espaços de
estacionamento ficaram num único lodo do ruo - o lado do
sombra. O outro, o lado do sol, tem uma amplo área
verde. As habitações com as portos da frente poro o lodo
do sol e, por conseqüência, com jardins do lodo com mais
sombra foram compensadas com um espaço extra 11,80 m
de largura) ao longo da fac hada, que pode ser usado para
58 LIÇÕ ES OE AlQU IIET URA
instalar alpendres cobertos, estufas, toldos e outros
confortos individuais. Estes acréscimos foram fornecidos por
nós logo no início paro uma série de moradias, o que pode
estimular os ocupantes de moradias semelhantes a seguir
estes exemplos, se tjver~m os recursos para isso. A maneira
como esta zona vier a ser usada por todos os envolvidos
constituirá a principal fonte de diversidade - não como
resultado do pro jeto, mas sim como expressão de escolhas
individuais. Algumas dessas habitações possuem extensões
no telhado, também existe a garantia de que no futuro
serão permitidos mais acréscimos numa zona especialmente
designada para isso. Os galpões dos jardins estão
localizados perto da caso ou no jardim, dependendo das
condiçães de luminosidade. Nos jardins parcialmente
cobertos pelo sombra, isso ainda possibilita o criação de
um lugar ensolarado com alguma proteção. Os loteamentos
com uma orientação mais favorável têm o galpão perto do
coso, de modo que se torno atraente construir algum tipo
de conexão no espaço entre os dois.
ACESSO AOS APARTAMENTOS
As moradias devem ser tão diretamente acessiveis quanto
possível 9, de preferência, não muito afastadas da rua,
como em geral acontece nos edifícios de muitos andares.
Sempre que, como no caso dos apartamentos, você só pode
chegar à sua casa indiretamente, através dos halls
comunitários, elevadores, escadarias, ou galerias, há o
risco de que estes espaços comunitários sejam tão anônimos
que desencorajem 05 contatos informais entre os moradores
e acabem degenerando numa vasta terra-de-ninguém.
Ainda que se leve em consideração a necessidade de certo
grau de privacidade para cada unidade nos edifícios de
muitos andores, as pessoas que moram ao lado, acima ou
abaixo, têm muito a ver umas com as outras, embora faltem
condições espaciais para isso. Além disso, num bloco de
apartamentos, é difícil saber onde receber os amigos e
onde se despedir deles. Devemos acompanhá-los até a
porta da frente e deixá-los descer sozinhos as escadas ou
devemos ir com eles até onde o carro ficou estacionad02
E quanta trabalheira na hora de colocar a bagagem no
carro quando estamos saindo num feriado l Se as crianças
ainda são pequenas demais para brincar sozinhas do lado
de fora, a situação é verdadeiramente problemática.
Em bairros residenciais devemos dar à rua a qualidade
de uma sala de estar, nõo só para a interação
cotidiana como também para as ocasiões especiais, de
modo que as atividades comunitárias e as atividades
importantes para a comunidade local possam ser
realizadas ali.
"A diversão começa,
opronfando o carro e
o trailer." Do Guia
Turístico ANWB
A rua também pode ser o lugar para atividades
comunitáriasr tais como a celebração de ocasiões
especiais que dizem respeito a todos os moradores
locais. É impossível projetar a área da rua de tal modo
que as pessoas resolvam subitamente fazer juntas as
refeições do lado de fora.
Mesmo assim, é uma boa idéia guardar este tipo de
imagem no funda da mente como uma espécie de
padrão ao qual o projeto dever em princípior ser
capaz de corresponder. Embora as pessoas nos países
Ruo residencial, 5axmundhom, Inglaterra, 1887. "Ce/ebrando o Jubileu do
Rainha Vitória. No década de 1880, o popularidade da rainha Vitória
havia sobrepujado os primeiras ondas de republicanisma, e atingiu seu
clímax nos Jubileus de 1887 e 1897, época em que foi amado e
reverenciada como nenhum outro monarca britânico. Observe que um
policial, no centro da fotografia, com a iarro na môo direita, está entre 05
Funcionários que ajudam a servir o população. O dia está bem q~uente pois
muit05 senhoras na mesa do lodo direito abriram suas sombrinhas para se
proteger do sol. Um rosto queimado de 501 em uma mulher ero,
naturalmente, uma coisa o ser evitada o qualquer custo coso quisesse
manter algum tipo de posição social." (Gordon Winter, A country comera,
1844- 191 4, Penguin, Londres)
Rua da co,,"':-' ~ =:.
Hamburgo, e~· ."".""; :.
Lowenslrasss = ::
Falkenried, A;=.- :. •• :
130
131
129 131
oOM íNIO PÚ8l1CO 59
133
IJj
135
131
nórdicos não tenham o hábito de fazer refeições do
lado de fora, isto acontece de vez em quando, e, deste
modo, deveríamos zelar para que isto não se tornasse
impossível a priori pela organização espacial do lugar.
Talvez as pessoas se sintam até mais inclinadas a dar
novos usos aos espaços públicos se as oportunidades
para fazê-lo forem oferecidas explicitamente.
Tão importante quanto a disposição relativa das
unidr:des residenciais umas em relação às outras é a
colocação das janelas, das sacadas, das varandas,
terraços, patamares, degraus das portas, alpendres -
para verificar se têm as dimensões corretas e como
estão espacialmente organizadas, i.e., separadas
adequadamente, mas não de modo excessivo.
É sempre uma questão de achar o ponto de equilíbrio
capaz de fazer com que os moradores possam
refugiar-se na privacidade quando o quiserem, mas
que possam também procurar contato com os outros.
A esse respeito, têm uma importância crucial o espaço
em volta da porta da frente, o lugar onde a casa
termina e onde começa o espaço da rua de
convivência. O que a moradia e a rua de convivência
têm a se oferecer mutuamente é que determina o bom
ou mau funcionamento de ambos.
FAMllISTERE, GUISE, FRANÇA 1859-83 (133-136)
O Familistere de Guise, no norte da França, constitui um
conjunto de moradias criado pela fábrica de fogões Godin
de acordo com as idéias utópicas de Fourier. O complexo
compreende 475 unidades de moradia, divididas em três
blocos contíguos com pátios internos,assim como uma série
de instalações como creche, escola e lavanderia. Nos
amplos pótios cobertos do Familistêre de Guise, as moradias
à sua volta constituem literalmente os mu ros. Embora a
forma do pátio e a maneira como as portas do fren te estão
situadas ao longo das galerias lembrem um presídio e nos
impreSlionem hoje como algo primitivo, este antigo ' bloco
de apartamentos" é ainda exemplo proeminente de como
rua e moradia podem ser complementares. Além diSlo, o
fato de que eSles pátios estejam cobertos com um telhado os
torna extremamente convidativos para atividades
comunitárias tais como aquelas que aparentemente foram
exercidas aqui no paSlado, quando o complexo de
moradias ainda funcionava como uma forma autenticamente
coletiva de habitação.
"Qualquer tentativa de reformar as relações de trabalho
está condenada ao fracaSlo , a menos que seja
acompanhada por uma reforma da construção com o
objetivo de criar um ambiente confortável para os
trabalhadores, que esteja completamente sintonizado com
suas necessidades práticas e também com o fim de fornecer
aceSlo aos prazeres da vida em comunidade, que todo ser
humano merece desfru tar."
(A. Godin, Solutions $odeJes, Paris, 1984)
60 liÇÕES DE ARQUl1frURA
DE DRIE HOVEN, lAR PARA IDOSOS (137-1 40)
\los hospitais, lares poro idosos e grandes comunidades de
'eor semelhante, o mob ilidade restrito dos moradores torno
'mperativo conceber o plano quase lite ra lmente como uma
cidade em escola reduzido. No coso do De Drie Hoven,
'udo tinha de ser acessível em uma distância relativamente
:Jrta sob o mesmo teto, porque quase ninguém é capaz de
jeixar o lugar sem ajudo . Graças às grandes dimensões do
_cr, foi possível realizar um programo abrangente de
,~rviços de ta l ordem que o insti tuição pôde aproximar-se
co natu reza de uma cidade também neste sentido.
::'5 moradores acomodaram-se a seu ambiente como se ele
:>sse uma comunidade de aldeia.
:,rtemente influenciado pelo noção de restituição da
.organização, o complexo foi dividido em um determinado
-Jmero de I/olos"/ cada uma com seu próprio IIcenfro",
Js diversos departame.ntos desembocam numa /Isola
:omum" central. Esta disposição dos espaços gerou uma
,oqüência de áreas abertas que, do ponto de vista espacial,
-~~lete a seqüência: centro de vizinhançal centro de
comunidade, centro de cidade - um todo compásito dentro
:':: qual cada lIc1areiro" ou área aberta possui uma função
específico. Este padrão é dominado pelo "pátio" central,
que os próprios moradores chamam de "praça da aldeia" .
Esta "praça da aldeia" não é, estritamente falando,
bordejada pelos unidades de moradia, como acontece por
exemplo com os pótios cobertos no Familistere de Guise,
mas, na medida em que o uso e as relações sociais estão
envolvidas, constitui o foco do conjunto. É onde acontecem
todos as atividades que são organizadas pela e para o
comunidade de moradores: festas, concertos, espetáculos de
dança e de teatro, desfiles de modo, fe iras, apresentação
de corais, noites de jogos de cartas, exposições e refeições
festi vos em eventos especiais! Algo especial acontece ali
quase que diariamente. Esta "praça do aldeia' é uma
interpretação bastante livre do auditório convencional para
eventos especiais, que poderia ficar sem uso metade do
tempo, se fosse uma solo separada, de localização menos
central.
OOM iNIO PÚBlICO 61
137 138
139 140
141 142
1/3 W
ESCOLA MONTESSORI, DWT 11'1, WI
No Escola Montessori, o hal/ comunitório foi concebido de tal
modo que se relaciono com os solos de aula como uma rua se
relaciona com as casas. A relação espacial entre as salas de
aula e o hal/, assim como a formo do hal/, foram concebidas
como a Ilsalo de estar comunitáriaR da escola. A experiência
de como isso funciona na escola} por sua vezl pode servir
como modelo poro o que poderia ser feito numa rua.
KASBAH, HENGElO 1973 / p, BlOM (1 '3, I "I
Ninguém esteve mais ativamente engaiado no busco de
. reciprocidade entre moradia e espaço da rua do que Piet
Blom. Enquanto o proieto Kasbah (ver Forvm, 7, 1959 e Forvm, 5,
1960·611 estava preocupado especialmente com O que a
própria disposição das moradias podia gerar, na "área
urbana" criada em Hengelo as moradias não formam os
muros da rua mas sim " o telhado da cidade", deixando o
grande espaço ao nivel do chão para todas as atividades
62 lIÇÓES DE AROUITElUIA
comunitárias e eventos, No entanto, só se faz um uso
incidental das excepcionais oportunidades de espaço que
são oferecidas aqui.
Hó uma boa lição para ser aprendida aqui. As moradias
eslão isoladas demais da rua embaixo - estão, por assim
dizer, removidas para longe dela, voltadas para cima, e
não se pode ver bem a rua das janelas, e até mesmo as
entradas estão posicionadas indiretamente à rua. Nesse
sentido, a forma do espaço da rua, como uma espécie de
cantraforma das moradias, não crio as condições para o
uso diório. Além disso, esse espaço é provavelmente amplo
demais para ser preenchido, porque não hó diversões
suficientes para tal- diversões que poderiam existir de fala
numa vila autônoma do mesmo lamanho.
Mas tente imaginar um esquema assim no coração de
Amsterdam, com um mercado movimentado no rua
embaixo! Este deve ter sido o tipo de situação que Piet Blom
imaginou quando concebeu este proieto.
'.
i
!!'I!----J !
Ao abandonar o principio do assentamento tradicional
d~s blocos, os arquitetos tentaram, inspirados
especialmente por Teom X e Farum, inventar uma
tendência de novas formas de moradia. Essa tentativa
conduziu muitas vezes a resultados espetaculares, mas
a questão de que venham a funcionar de maneira
adequada é algo que só parcialmente irá depender da
qualidade das próprias moradias. Um aspecto pelo
menos tão importante quanto esse está na
possibilidade de o arquiteta descobrir um caminho,
usando as moradias como seu material de construção,
para fazer uma rua que funcione adequadamente.
A qualidade de uma depende da qualidade da outra:
casas e ruas são complementares!
Que o resultado destas construções seja com
freqüência desapontador, deve~se muitas vezes às
idéias equivocadas dos arquitetos a respeito do modo
(omo o espaço reol dos ruas será vivenciado e usado.
Além da tendência que eles têm em confiar
excessivamente na eficácia de medidas específicas (o
~ue muitas vezes se mostra menos viável do que se
?ensava), o erro mais comum consiste no cálculo
errado da proporçõo entre a dimensão do lugar
;>úblico e o número esperado de usuários.
Se o área da rua é ampla demais, pouca coisa
:lcontece em poucos lugares, e, apesar de todos as
'ecos intenções em sentido contrário, o resultado são
~astos espaços transformados em I'desertos"
simplesmente por ficarem vazios demais. Muitos
, rojetos - ainda que bem concebidos - Funcionariam
'satisfatoriamente se ao menos uma feira funcionasse
di num sábado ensolarado: o tipo de feira que se
pode imagin~r facilmente, mos que na rea lidade existe
cpenas na proporção de uma para cem mil moradias.
'Jevemos testar continuamente a planta no que diz
{espeito à densidade da população, indicando grosso
~oc:lo no projeto o número esperado de pessoas a
-iczer uso das diferentes áreas em diversas situações.
Ao fazê~lo, podemos pelo menos verificar. se existe um
excesso de espaço para recreação, por exemplo.
Em bora os vastos espaços estimulem a imaginação do
l~ rquiteto por terem certa atmosfera de serenidade,
r. ão é certo que o população local sinta o mesmo. Para
moradias e edifícios em geral pode ser formulada uma
; rande variedade de formas, contanto que o espaço
~Q rua seja criado de maneira que sirva como um
::.gente catalisador entre os moradores locais em
3'ituações cotidionos, para que, pelo menos, não
aumente a distância entre os moradores, tantas vezes
encerrados em moradias hermeticamente fechadas.
A organização espacial devei em vez disso l servir
?ara estimular a interação e o coesão social.
"
1
-~.
Lo. _.:
,
... .. ····: 1 Via Mazzanfi,
Verona, lfá/ia
DOMíNIO PÚBliCO 63
10 O DOMíNIO PÚBLICO
Passeata estudantil no Gol/erio Viftorio Emanuele, Milão.
·Com a revolta dos estudantes, a educação retornou ó cidade e às ruas e, assim, encontrou um campo
de experiência rico e diversificado, mais formador ql1e o oferecido pelo antigo sistema escolar. Talvez
estejamos entrando em uma ero em que educação e experiência foto/ coincidirão novamente, em que
a escolo como instituição estabelecido e codificado não ferá mais motivo para existir. "
(do artigo "Architecture cna Educo/ion", Gioncorfo de Cor/o, Horvord Educo/ion Review, J 969)
147
].t8 IA9
Se as casas são domínios privados, a rua é o domínio
público. Dar igual atenção à moradia e à rua significa
tratar a rua não apenas como o espaço residual entre
quadras residenciais, mas sim como um elemento
fundamentalmente complementar, espacialmente
64 liÇ ÕES DE ARQU ITETURA
organizado com tanto cuidado que possa criar uma
situação na qual a rua passa servir a outros objetivos
além do trânsito motorizado. Se a rua como uma
coleção de blocos de edifícios é basicamente a
expressão da pluralidade de componentes individuais,
na maior parte privados, a seqüência de ruas e praças
como um todo constitui potencialmente o espaço em
que deve tornar-se possível um diálogo entre os
moradores.
A rua foi, originalmente, o espaço para ações,
revoluções, celebrações, e ao longo de todo a história
podemos ver como, de um período para o outro, os
arquitetos projetaram o espaço público no interesse da
comunidade a que de fato serviam.
Este, portanto, é um apelo para se dar mais ênfase ao
tratamento do domínio público, para que este possa
funcionar não só para estimular a interação social
como também para refleti-Ia. Quanto a todo espaço
público, devemos nos perguntar como ele funciona:
para quem, por quem e para qual objetivo.
Estamos apenas impressionados por suas proporções
ou será que ele talvez sirva para estimular melhores
relações entre as pessoas?
Quando uma rua ou praça nos impressiona como bela,
não é somente por causa das dimensões e proporções
agradáveis, mas também pela maneira como ela
funciona dentro da cidade como um todo. Este aspecto
não precisa depender apenas dos condições espaciais,
embora estas muitas vezes ajudem, e estes casos
obviamente são exemplos interessantes para o
arquiteto e para o planejador urbano.
PALAIS RoYAL, PARIS, 1780 / J. V. LUIS 1148·1501
Em 1780, foram construídas filas de casas com galerias de
Ioias nos três lados do que antes foro o iardim do Palais
Royal em Paris. Hoie é um dos espaços públicos mais
IJI[][I]
v ····
0 0 'O' 00 00 00 00 00 sg o 88
00 00
00 00
' abrigados" da cidade, ao mesmo tempo em que serve
como um importante atalho da área do Louvre até a
Biblioteca Nacional. O pequeno parque oblongo extrai sua
qualidade espacial e sua atmosfera agradável não apenas
das proporções seguras dos edifícios regularmente
articulados à sua volta, mas também do laroul
divers ificado, com áreas de grama, cadeiras, bancos,
tanques de areia e um café ao ar livre para os moradores
da cidade escolherem à vontade.
PRAÇA PÚBUCA, VENCE, FRANÇA (151)
Em países de clima quente, a rua adquire naturalmente
mu ito mais importância na vida das pessoas do que nas
países de clima frio. Praças públicas como as de Vence são
encontradas em todas as aldeias e cidades dos países
mediterrâneos. Em muitos lugares a turismo deteriorou
drasticamente o estilo de vida e, como conseqüêncio,
iambém a função dos espaços públicos, mas, apesar de
·udo, esses espaços ainda são extremamente adequados
cara as atividades comunitárias - e talvez ainda mais
~estes tempos de mudança, como demonstram, por
exemplo, os concertos ao ar livre organizados para os
~ri stas.
'OCKEFEllER PlAZA, NOVA YORK (152)
A Rockefel ler Plaza, no coração de Nova York, funciona até
mesmo no inverno como uma espécie de sala de estar
'Jrbana, em que pessoas de todo porte vêm patinar no gelo.
Os patinadores mostram suas proezas para os
espectadores, e, embora não haja muita coisa acontecendo,
rranseuntes podem experimentar cerfo sentimento de
companheirismo, o tipo de sentimento que se pode esperar
num teatro, numa igre ja ou em qualquer outro lugar onde
es pessoas se reúnam, e que aqui surge espontaneamente,
em parte graças às condiçães espaciais que foram criadas.
150
DOMiNIO PÚSl ICO 65
151
151
153 Ilj
155
PIAZZA DEL CAMPO, SIENA, ITÁLIA {I 53-I 551
Se há algum espaço público cuja forma fechada e
localização excepcional dão a impressão de uma sola de
eslar urbana, a Piazza dei Campo, em Sieno, é esle lugar_
Embora um tanto centrada no seu interior, com seus edifícios
algo ausleros dominados pelo Pallazzo Communale, sua
cavidade em forma de pires irradiando-se em becos
íngremes crio uma olmosfera de oberluro e luz. O lodo
ensolarado do piazzo eslá cheio de cafés ao ar livre que
são freqüentados o ano inteiro, especialmente por turistas.
66 liÇÕES DE ARQUITETURA
1; '~,
. "- . '~"'.i
~ .. _- -.
. :" r-- ..
A siluação muda complelamenle quando é realizado o
Palio dell Conlrade, uma corrida de cava los cujos
compeli dores represenlam os vários bairros da região. Esle
evento anual, que é ao mesmo lempo uma cerimônia e uma
dispula, lança um fe iliço em lodo a cidade e em sua
população, e esle adorável espaço em formalo de concha
se enche com uma mullidão que ocupa as parles lalerois do
praça e desfrula uma boa visão da corrido dispulada no
centro.
Em lais ocasiões, as cafés 00 ar livre dão lugar às Iribunos,
e as janelas de cada residência ficam apinhadas seja de
espectadores poganles, seja de amigos da família _ E, na
véspera da compelição, 15 mil pessoas jonlam nas ruas de
lodos os bairros_
PIAZA MAYOR, CHINCHÓN, ESPANHA {156, 15/1
Em Chinchón, uma pequena cidade ao sul de Madri, a
praça do mercado cenlral se Iransformo numa arena por
ocasião da corrida de louros anual. Esla plaza, com a
forma de um anfilealro grego e siluada no depressão da
encosta de uma colina, está inteiramente cercada por
edifíc ios, com lojas e cafés nas galerias e moradias na
parle 0110.
Todas eslas moradias lêm varandas de madeira que vão de
um lado da fachada até o oulro, unindo-se para formar um
círculo conlínuo de fileiras, dando de frenle para a praça.
Quando há uma lourada, as varandas se Iransformam em
Iribunas, com filas de ossenlos que os moradores vendem
para ganhar um dinheiro exlra. Eslas moradias
~" .
,' o
oarticulares, local izadas em lugares proeminentes e
estratégicos na vida da comunidade, assumem
:emparariamente condição pública.
Todas essas varandas, construídas segundo os mesmos
princípios como uma área adicional de madeira sustentada
por vigas em fachadas relativamente fechadas
- evidentemente tendo em vista essa função pública
~d i cional -, acabam por formar um grande espaço
, nificado, semelhante ao teatro italiano clássica com suas
i!eiros vertica is de camarotes.
rONTE DtONNE, TONNERRE, FRANÇA (158)
~ugores comunitários para a lavagem de roupa (ou bombas
de água ou torneiras de localização central em peguenas
comunidades rurais) sempre foram um ponto de encontro
muito popular, onde os habitantes do local promovem o
froca das notícias e dos mexericos mais recentes. A água
corrente e as máguinas de lavor deram um fim a essa
prática. "As mulheres agora têm mais tempo para si" é um
argumento em defesa da modernização gue se ouve
fregüentemente. Na famosa fonte de Tonnerre, o lugar onde
a água emerge do fundo da terra foi cercado por um
simples digue circular. Esta solução intensifica a grandeza
deste fenômeno natural, e também cria as condições
simples para um lugar comunitário de lavar roupa
destinado às pessoas que vivem naquela vizinhança.
Não construímos mais lugares para lavar roupa (as
instalações para a lavagem dos carros nõo contam). Mas
será que ainda há lugares ondeos atividades cotidianas
dão origem à necessidade de criar serviços comunitários
em áreas públicas, como estas que ainda são encontradas
em partes menos prósperas do mundo?
DOMíNIO PÚBliCO 67
156 157
158
~ ..
"
.: •.... ,
. "
'"
-~ .,' , '
).}~ '. -..
159
160
11 O ESPACO PÚBLICO COMO
AMB IEN'TE CONSTRUíDO
68 lIÇÕ E5 DE ARQUITETURA
Até o século XIX havia poucos ediFícios públicos, e
mesmo estes não o eram de maneira integral.
e acesso público a edifícios como igrejas,
templos, mesquitas, spos, bazares, (anFi-)teatros,
universidades, etc. sofria certas restrições, impostas
pelos encarregados de sua manutenção ou pelos
proprietários. 0 5 verdadeiros espaços públicos
estavam quase sempre ao ar livre. O século XIX foi
a época de ouro do edifício público, em princípio
construído com os recursos fornecidos pela
comunidade. Os tipos de ediFício que foram
desenvolvidos nesse período formaram os blocos de
construção para a cidade, e nós ainda podemos
aprender com estes exemplos quais meios
arquitetônicos e espaciais podem ser mais bem
aproveitados para tornar um edifício mais convidativo
e hospitaleiro.
A IrJevolução industrial abriu um novo mercado de
massa. A aceleração e a massificação dos sistemas de
produção e distribuição conduziram à criação de lojas
de departamento, exposições {mundiais], mercados
cobertos e à construção de redes de transporte
público, com estações ferroviárias e de metrô, e,
conseqüentemente, ao crescimento do turismo.
VICHY, FRANÇA (159, 160)
Um exemplo particularmente interessante é a "estação de
águas" com fontes naturais, como Vichy, na França.
As esperanças e expedativas quanto à5 qualidades medicinais
da água são um dos temas prediletos na conversa de todos os
visitantes. Os tratamentos que foram prescritos para eles levam
algum tempo, o que significa que seus caminhos se cruzam
regularmente no porque no centro da cidade, onde as fontes
estão localizadas. As principais passagens do parque são
cobertas por leves estruturas de metal, o que dá ao transeunte
a sensação de estar ao mesmo tempo dentro e fora.
A atmosfera geral é o de um interminável café ao ar livre,
com inúmeros bancos e cadeiras para que todos aqueles
que vieram em busca de uma cura para seus males possam
se sentar e tomar a água medicinal do lugar. A corrente
permanente de visitantes é um fator determinante da vida
urbana como um todo: há muitas lojas, restaurantes, um
cassino e todo o tipo de conforto para os visitantes, os
quais constituem para os moradores uma importante fonte
de renda. Deste modo, uma precoce forma de turismo se
desenvolveu aqui.
A razão mais importante para o intercâmbio social
sempre fo i o comércio, que em todas as formas de
vida comunitária sempre ocorre em certa medida nas
ruas. Cidade e campo se encontram quando o
fazendeiro va i para a cidade vender seus produtos e
gastar o que recebeu em outros produtos. Enquanto
isso, há troca de notícias.
I
I
lES HALLES, PARIS, 1854-66/ V. SALTARD 11 62-164)
Os salões do mercado de Paris constituíam um elo
indispensável na cadeia de distribuição de bens na cidade
- uma estação de abastecimento, por assim dizer, dentro de
um sistemá gigantesco, em que produtor e consum idor não
mantêm mais contato direto um com o outro. Os salões do
mercado eram compostos de vastas áreas com telhados de
duas águas e uma área coberto poro carga e descorga.
Todo essa atividade não deixou de marcar a vizinhança à
,ua volta: havia, por exemplo, mu itos restaurantes abertos
du rante toda a noite, alguns dos quais ainda existem, como
"ma lembrança dos velhos dias.
A expansão contínua, especialmente no transporte de
,,,toques de ali mentos, impôs a necessidade de mudar todo
o centro para outro lugar (Rungis). Os vastos pavilhões de
aço, uma vez vagos, foram demolidos em 1971 , apesar das
:ntensas campanhas para impedir que isto acontecesse.
É sempre difíci l encontrar terrenos paro acomodar
ospetáculos teatrais, manifestações esportivas e outros
eventos para grandes públicos, e estes salões teriam servido
mu ito bem para essas fina lidades. A demolição das salas e
,ua substituição podem na verdade ser vistas como um
sím bolo da destruiçõo do espaço público das ruas como 161 163
Ilarena" da vida urbana . 162 164
DOMíNIO PÚBLICO 69
165
CENTROS COMUNITÁRIOS / F. VAN KUNGEREN 11651
Os centros comunitários projetados por Van Kl ingeren lele
os chamava de ágoras) tais como os de Dronten e
Eindhoven foram tentativas de reunir sob um único teto
todas as atividades que ocorrem no centro de uma cidade.
É esse tipo de lugar que gera novos papéis sociais e novas
trocos - que não podem surgir nas novas áreas e
vizinhanças urbanas simplesmente porque ninguém pensou
em tomar as medidos necessárias.
Por causa do planejamento em termos de "caixas" isoladas,
com entradas separadas, mais do que em termos de um
tecido urbano integrado, as "caixas" tendem a produzir um
efeito adverso sobre a viabi lidade do ambiente como um
todo e, paradoxalmente, quanto melhor funcionam, mais
diminuem a qualidade de vida na ruo. Portanto, não passam,
na verdade, de centros urbanos l/artificiais", que devem sua
existência à inadequação das condiçães urbanas e à fa lta de
uma visão abrangente da correlação necessária entre os
novos bairros residenciais e o núcleo urbano existente.
Por mais interessantes que esses centros comunitários
tenham sido como experimento social nos anos 60, não
surpreende que, sob as condições sociais presentes, com
muito menos tolerância e espírito comunitário, eles não
70 lIÇÓ ES DE ARQUlmURA
sejam mais usados hoje em dia. O barulho das atividades
que ocorrem nos espaços ao lodo revelou-se
particularmente perturbador, e logo as pessoas começaram
a erig ir paredes e outros tipos de divisárias, el iminando
assim a unidade espacial que era fundamental para o
pro jeto.
TORRE EIFFEL, PARIS, 1889 / G. EIFFEL 11661
A Torre Eiffel , que foi construída para a Exposição Mundial,
não é apenas o símbolo turístico de Paris, mas também,
segundo sua concepção original, um monumento às novas
idéias que surgiram durante o século XIX. Aqui vemos,
numa forma mais sugesliva do que qualquer outra anterior,
a expansão concreta da mudança social tal como
manifestada no crescimento e na centralização do poder.
Uma conslrução como a Torre Ei ffel demonstra o que se
torna possível quando inúmeros pequenos componentes,
cada um com sua funçõo e lugar específico, sôo
combinados para formar uma entidade concebida como
centra l, na qual o todo excede amplamente a soma das
partes. A sutileza desta proeza de engen haria se torna
mais tangível quando se compreende que um modelo em
escala da estrutura com 30 centímetros de altura sá pesaria
7 gramas IGuia Michelin). Quanto maior o controle das
forças olivas, maior a expansão que pode ser obtida.
A Torre Eiffel é uma corporificação do princípio de
centralização - que pode produzir uma força capaz de
inspi ra r admiração a partir de pequenas forças
subordinadas. É uma demonstração da rea lização
orgulhosa de um plano audacioso empreendido com lodo
inocência, sem nenhuma preocupação com as forças
monstruosas e avassaladoras que acabariam por ser
desencadeadas. O tour de force do sistema de distribuição,
em que os bens produzidos por uma massa de indivíduos
são distribuídos alravés de um labirinto de canais
intermediários até a massa dos consumidores, está baseado
em uma complexa eslrutura de divisão do Irabalho,
especialização e conlrolos eficientes. E é sem dúvida esse
tipo de técnica organizacional que alimenla o Moloch
autopropagodor da expansão em grande escala e a
diminuição da influência do indivíduo no processo como um
todo.
I
I
)AVllHÕES DE EXPosiçÃO
';5 exposições mundiais - aqueles mostruários internacionais
'o produção em massa, para a qual era preciso criar ou
~ncontrar novos mercados - requeriam a construção de
,normes salões de exposição como oPalácio de Cristal em
_ondres 11851) {167, 168), o Grand Palais 11900) (169) e o
'.tit Palais em Paris, ambos ainda de pé. Estes vastos salões
~e aço e vidro foram 05 primeiros palácios para o
consumidor, que rege e é regido pela sociedade de consumo
. ~S consumidores consomem e concomitantemente são
consumidos numa sociedade de consumo).
:sta época de novos métodos e sistemas de produção dó
origem também a novos métodos de construção: a introdução
do aço como material de construção tornou possível erigir em
pouco tempo estruturas com enormes vãos . Além disso,
painéis de vidro podiam agora ser inseridos nas molduras de
aço do telhado, e a transparência resultante dava aos vastos
salões uma atmosfera arejada, leve. Na verdade, as novas
estruturas pareciam mais redomas fechando o espaço e
oferecendo abrigo contra as variações climáticas. Deste
modo, lembravam mais gigantescas estufas Icomo aquelas
que ainda existem em Laken, perto de Bruxelas, e nos Kew
Gardens de Londresl do que os habituais edifícios sólidos.
IIncidentalmente, o Palócio de Cristal foi um produto direto
da tradicional estufa.) Os grandes vãos contribuem também,
sem dúvida, para a sensação de não estarmos dentro de um
edifício no sentido convencional. Mas se o uso de estruturas
de aço tornou possíveis estes grandes vãos , e se as novas
possibil idades oferecidas pelos novos métodos de construção
foram avidamente exploradas, permanece em aberto a
questão de saber se eram verdadeiramente funcionais. Talvez
não, porque, embora o vasto telhado de vidro fornecesse
uma excelente iluminação para grandes espaços, algumas
colunas a mais não representariam uma diferença tão grande
assim de um ponto de vista funcional. Mais uma vez, a mera
factibilidade parece ter criado a necessidade, do mesmo
modo que a necessidade exigiu novas técn icas e
possibilidades. Assim como a Torre Eiffel demonstrava
claramente uma maneira de pensar, esta maneira de pensar,
por sua vez, era indubitavelmente inspirada pelas novas
possibil idades de construção; deste modo, a procura gera a
oferta e vice-versa (o que veio primeiro, o ovo ou a ..,-
galinha?). É, na verdade, muito difícil deixar de associar os
grandes vãos dos telhados e a maneira como evoluíram,
assim como a articulação espacial mínima que exigiam, com
o surgimento de uma maneira de pensar que conduziu à
expansão em grande escala e à conseqüente centralização
de hoje.
DOMiNIO PÚBLICO 71
167 168
169
Magasin du
Prinfemps, Paris
1881 ·1889/
p. Sedil/e
170 171
171
LOJAS DE DEPARTAMENTOS, PARIS
Au Bon Morché, Paris
1876/L. C. Boi/eau
A expansão da escala de consumo e de mercado, que
encontrou sua expressão na salas de exposição de aço e
vidro do século passado, também se manifestou, num
âmbito local , nas amplas lojas de departamentos.
72 lIÇ ÓES OE ARQ UI 1E1 UIA
Ao contrário dos bazares e de outros tipos de mercados de
ruo cobertos, nos quais um grande número de vendedores
individuais se reunia sob um mesmo teto paro vender suas
mercadorias, a loja de departamentos é um
empreendimento único, com administração centralizada,
que afirma administrar uma loja tão grande que se pode
comprar tudo nela. É, na verdade, uma espécie de
armazém geral, mas elevado a uma proporção gigantesca
e com um estoque excepcionalmente variado.
Enquanto a mercadoria no armazém é guardado atrás do
balcão, em prateleiras que vão do chão até o teto,
acessíveis apenas ao vendedor, no loja de departamentos
os vários pavimentos é que são visíveis de todos os lodos
do salão central- como as prateleiras no armazém geral,
mas com a importante diferença de estarem intei ramente
acessíveis aos compradores.
O telhado de vidro que pode ser encontrada em quase
todas as lo jas de departamentos tradicionais Ipor exemplo,
os Grands Mogosins em Paris) produz o mesmo efeito
espacial, basicamente, de uma única grande lo ja, embora
os espaços em volta sejam divididos em departamentos
diferentes para produtos diferentes.
A sola central do Galerie Lafayette oferece ao público uma
acolhida régia, com sua majestosa escadaria livre,
especialmente convidativa la escadaria acabou sendo
demolida para se obter alguns metros quadrados a mais
para a área de vendas).
Galerie Lafayette,
Paris, 1900
f
I
I
ESTAÇÕES FERROVIÁRIAS
A construção de uma crescente rede ferroviário abriu o
mundo às viagens e à troco de produtos, tornondo-o menor '
e maior 00 mesmo tempo. As estações que foram
construídos nos cidades e nos vilas constituíam os pedras
fundamentais do sistema. Geralmente situados num lugar
proeminente no centro, os estações ferroviárias não apenas
introduziram um novo tipo de edifício nos cidades como
trouxeram também todo uma novo gomo de instalações e
atividades urbanos com elos relacionados, tais como hotéis,
iugares para comer e beber e, invariavelmente, laias.
Tornaram-se ainda, com freqüência, um mercado próprio,
que só parcialmente dependia do consumo dos passageiros
dos trens. Os salões de muitos estações fe rroviá rios
:ransformaram-se gradualmente em espaços públicos,
~rechos cobertos do cidade, onde ainda se pode fazer
,ompras quando todos os outras laias eslão fechados, onde
!e pode trocar dinheiro, te!efonar, comprar revistas, usar o
'oolete, tirar fotos numa cabine, obter informações, pegar
;m táxi ou fazer uma refeição rápida (ou então uma
~ostante refinada - muitas estações ferroviários tornaram-se
:amosos por causa de seus restauranles). Esta concentração
;xponde-se pela vizinhança imediato, com cafés,
rastcurantes e hotéis. Na Grã-Bretanha, muitas vezes são
Jarte do estação. Em sumo, o agitação e o atividade que
("com o chegado e o partido dos trens levam o uma
concentração de serviços no área em to rno do estação
;erroviária maior do que em qualquer outro lugar do
"dade.
:5TAÇÕES FERROVIÁRIAS SUBTERRÁNEAS
':"s entrados e saídas dos redes subterrâneos de lransporte
_rbano, como os metrôs de Paris e de Londres, têm o
nesmo impacto das principais estações ferroviárias, ainda
sue numa escola menor e distribuído por vários pontos do
::dade. O metrô de Paris em especial, com suos formos
distintas, é, por assim dizer, uma vasta construção que
Clompe do solo em lodos os bairros do cidade como um
-'-.orco familiar e imediatomenle identificável. O que o
ô51ação ferroviária é para a cidade a enlrada do melrô é
:ara um bairro : um lugar que alrai diversões e negócios.
~s solas e passagens labirínlicas das principais inlerseções
,ôo o refúgio favorilo dos músicos de ruo, especialmenle no
nverno, quando procuram obrigo neslo parte sublerrânea
:0 cidade.
Metrô de Paris, estação da Ploce
Dauphine, 1889-190 l / H. Guimord
Estação Centrol, G/osgow, Grã-Bretanha
DOMiNIO PÚ!IICO 73
173
171
175
176
177 17i
12 O ACESSO PÚBLICO
AO ESPACO PR IVADO ,
Embora os grandes edifícios que têm como objetivo ser
acessíveis para o maior número possível de pessoas
não fiquem permanentemente abertos e ainda que os
perícfdo5 em que estão abertos sejam de fato impostos
de cima, tais edifícios realmente implicam uma
expansão fundamental e considerável do mundo
público.
Os exemplos mais característicos desta mudança de
ênFase são sem dúvida as galerias: ruas internas de
comércio cobertas de vidro, tais como as construídas
no século XIX, e das quais muitos exemplos marcantes
ainda sobrevivem em todo o mundo. As gole rias
serviram em primeiro lugar para explorar os espaços
interiores abertos, e eram empreendimentos comerciais
afinados com a tendência de abrir áreas de venda
para um novo público de compradores. Oeste modo,
surgiram circuitos de pedestres no núcleo das áreas de
lojas. A ausência de trânsito permite que o caminho
seja bastante estreito para dar ao comprador potencial
uma boa visão das vitrines dos dois lados.
74 IIÇOU DE ARQUITETUiA
PASSAGE DU (AIRE, PARIS, 1779 1175·178)
Um exemplo interessante do conceito de galeria pode ser
visto, numa forma elementarl naPassage ou Cairei em
Paris. A construção completa de um espaço interior
excepcionalmente modelado foi concebida juntamente com
a parle exterior segundo um princípio racional de
ordenamento que, até certo ponto e submetido o certas
regras, permitiu a livre disposição dos elementos
órquitetônicos. Muitos dos negócios localizadas aqui estão
igados às dependências periféricas, permitindo a
jesenvalvimenta de uma rede informal de passagens entre
o. pontos-de-venda, somando-se às entradas oficiais.
SALERIAS DE LOJAS
~m Paris, ande a galeria de lojas foi inventada e floresceu
13inda existem muitas galerias, especialmente no primeiro e
'0 segundo Arrondissement), há três quadras consecutivas
com passagens infernos de ligação: Passage Verdeau,
Cassage Jauffray, e Passage des Panoramas. Juntas formam
_:11 0 pequena cadeia que cruza o Baulevard Monlmartre e, se
"vessem continuado, seria fácil imaginar como uma rede de
caminhos cohertos para pedestres poderia ter se desenvolvido
cdependentemente do padrão das ruas à sua volta.
As galerias de lojas existem em todo o mundo, em formas e
o;mensões diversas que dependem das condições locais -
- as muitas vezes já perderam seu encanto original como
conjunto de lojas caras, embora em vários lugares ainda
:comodem as lojas mais luxuosas, como por exemplo o
Salerie St. Hubert, em Bruxelas, e a Galleria ViHorio
Paris, 29 distrito
=:ssage des
=;,10ramas, Paris
Galerie Vivienne,
Paris
DOMiNIO PU Bli CO 75
179 181
180 181
Sfrand Arcoae,
Sidney
183 18.
185
18.\
Emanuele, em Milão, que todos iden tificam como o coração
da cidade.
(Para um levantamento, análise e história da galeria ver: J. F. Geist,
Passagen, ein Bautyp de, 19.Jahrhunderll, Munique, 19691
o principio do galeria voltou a adquirir relevância local
quando o volume do trânsito nas ruas do centro dos
cidades tornou-se tão pesado que surgiu a necessidade de
áreas exclusivas paro pedestres, i.e., de um "sistema"
exclusivo para os pedestres ao longo do padrão existente
das ruas. As galerias típicas do século XIX passavam
através das quadros, como atalhos, e suo proposto básico
era fazer com que as óreas internas fossem usadas.
Embora os edifícios fossem atravessados por essas
passagens, sua aparência exterior não era afetada: o
exterior, a periferia, continuava a funcionar de modo
separado e independente como uma fachada autônoma.
Em muitos projetos contemporâneos de caminhos cobertos
para pedestres, o exterior do complexo dentro do qual a
atividade está concentrada lembra as pouco convidativas
paredes de fundo de um edifício. Esta inversão - vi rar a
massa do edifício de dentro para foro - não passa de total
perversão do principio orientador da ga le ria.
As passagens altas e compridas, iluminadas de cima
graças ao telhado de vidro, nos dão a sensação de um
interior: deste modoJ estão do lado de l/dentro" e de
"forall ao mesmo tempo. O lado de dentro e o de fora
acham·se tão fortemente relativizados um em relação
76 LIÇÕES DE ARQUITETURA
I
i
!
'I
1 ,i
.·1
,
I
'1
ao outro que não se pode dizer quando estamos
dentro de um edifício ou quando estamos no espaço
que liga dois edifícios separados. Na medida em que a
oposição entre as massas dos edifícios e o espaço da
rua serve poro distinguir - grosso modo - o mundo
privado do público, o domínio privado circunscrito é
transcendido pela inclusão de galerias. O espaço
interior se torna mais acessível , enquanto o tecido das
ruas se torna mais unido. A cidade é virada pelo
avesso, tanto espacialmente quanto no que concerne
ao princípio do acesso.
O conceito de galeria contém o princípio de um novo
sistema de acesso no qual a fronteira entre o público e
o privado é deslocada e, portanto, parcialmente
abolida; em que, pelo menos do ponto de vista
espacial, o domínio privado se torna publicamente
mais acessível.
o abandono do assentamento de quadras num
perímetro fechado, no urbanismo do século XX,
significou a desintegração do definição espacial nítida
dada pelo padrão da rua. À medida que crescia a
autonomia dos edifícios, seu inter-relacionamento
diminuía, e hoje eles se erguem destitu ídos de
alinhamento, por assim dizer, como um monte de
mególi tos irregularmente espalhados, afastados entre
si, num espaço aberto excessivamente amplo.
O "corredor de rua" degenerou em "corredor de
espaço".
Este novo tipo de assentamento aberto, tão inovador
para as condições "físicas" da construção de casas em
particular, teve um efeito desastroso sobre a coesão do
todo - um destino que prejudicou a maioria das
cidades. Quanto mais os edifícios se afastam uns dos
outros como volumes autônomos com Fachadas
Esquerdo: Galerie
SI. Hubert, Bruxelas
Go/leria del/'/ncJusfrio
Suba/pino, Turim
189 190
187 188
184·188:
Golleria Vittorio
Emanuele, Mi/õo
DOMíNIO PÚ811CO 77
Eoton Center, Toronto
191 191
193
individualizadas e entradas privadas, menos coesão
subsiste, e, especialmente, maior é a oposição entre o
espaço público e o privado, ainda que a~ quadras de
edifícios possam ser projetadas com galerias de acesso
ou ruas internas cobertas ou mesmo com um espaço
privado a seu redor. O urbanismo baseado em
edifícios como monumentos autônomos, livremente
dispersos, deu origem a um enorme ambiente exterior
- na melhor das hipóteses, uma agradável paisagem
de parque onde sempre nos sentimos "excluídos".
Os arquitetos modernos e os planejadores urbanos já
tinham começado a rasgar a cidade antes da Segunda
Guerra Mundial; esta obra de demolição foi
continuada pela guerra. Mais tarde a mania do
"trônsito" deu o coup de grâce nesta fragmentação.
Assim, hoje estamos todos convencidos da necessidade
de reconstruir o interior da cidade, de retomar o
78 liÇÕES DE AiQUllETURA
interesse e a preocupação com a área da rua, e,
portanto, com o exterior dos edifícios. Mas não
devemos permitir que isso nos conduza a uma
arquite~;Jfa de ruas cheias de muros, como se as
moradias não passassem de sinais de pontuação ou de
objetos de cena com o objetivo de dar suporte ao
cenário. Não devemos nos esquecer de que o
Movimento Moderno tinha como objetivo específico a
melhoria dos edifícios, e, especialmente, a melhoria
das moradias por meio de um assentamento de melhor
qualidade que assegurasse mais luz, uma visão ampla,
espaços exteriores mais satisfatórios, etc. A Fisionomia
de uma cidade é a metade da verdade - moradias
satisfatórias são a outra metade complementar.
Os vários exemplos de urbanismo aberto, tais como
forom projetodos nos dé<odos de 1920 e de 1930,
ainda são de grande relevância, pelo menos se
julgarmos cada um deles de acordo com suas
qualidades específicos.
r
r
!
" ,
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E SAÚDE, RIO DE JANEIRO, 1936-37 /
~E (ORBUSIER (l9J.196)
Em seu conceito, Le (orbusier não se adaptou à ordem da
quadra tradicional de edifícios, ta l como estabelecida pelo
Diana urbana. Em vez de uma massa sól ida com fachadas
~ajesfosas cercando o lugar por fados os lados, Le
~orbusier proietou seu edifício como uma forma livre, uma
construção elevada sustentada por colunas, de maneira que
1ão é preciso andar em volta da quadra, mas apenas
atravessar a distância diagonalmente por entre as colunas.
A altura das colunas e a distância entre elas foram
,elecionadas de tal modo que o espaço resultante tem um
efeito liberador. A sensação de libertação é ainda mais
'mpressionante porque não se espera uma situação desse
:ipo nas redondezas. Assim, estar ali nos traz uma
,ensação esfimulante e especial.
A formulação mais importante de Le (orbusier neste
:antexto é que um espaço amplo, que, dentro da ordem
nafural das coisas, seria inacessível, já que faz parte do
domínio privado, é, graças à possibilidade de acesso, uma
contribuição à cidade como um todo.
É importante ter em vista, no entanto, que essa solução
perderia muito de sua qualidade se os blocos circundantes
fossem projetados deacordo com o mesmo princípio,
Neste caso, a área como um todo iria apresentar a
imagem padrão de uma cidade moderna. É justamente a
surpresa do contraste que torna o princípio tão claro nesfe
caso.
Devemos considerar a qualidade do espaço das ruas e
dos edifícios relacionando-os uns aos outros. Um
mosaico de inter-relações - como imaginamos que a
vida urbana seia - requer uma organização espacial
na qual a forma construída e o espaço exterior (que
chamamos rua) não apenas sejam complementares no
sentido espacial e, portanto, guardem uma relação de
reciprocidade, mas ainda, e de modo especial - pois é
com isto que estamos preocupados -, na qual a forma
construída e o espaço exterior ofereçam o máximo de
acesso para que um possa penetrar no outro de tal
modo que não só as fronteiras entre o exterior e o
interior se tornem menos explícitas, como também se
atenue a rígida divisão entre o domínio privado e o
público. Quando entramos pouco a pouco num lugar, a
porta da fren te perde sua significação como a lgo
singular e abrupto; ela é ampliada, por assim dizer,
para formar uma seqüência passo-o-passo de áreas
que ainda não são explicitamente o interior, mas ao
mesmo tempo já são menos explicitamente públicas.
A expressão mais evidente deste mecanismo de acesso
deve ser vista nas galerias, e realmente não
surpreende, portanto, que a idéia de galeria ainda
sirva como um exemplo hoje.
DOMíNIO PÚ6l1CO 79
19/
195 196
197 198
199
2l1li
EDIFíCIO DE ESCRITÓRIOS CENTRAAl SEHEER [197·200[
O plano urbano, integralmente ajustado à "tradicional"
construção aberta da primeira metade deste século, i.e.,
sem um alinhamento estrito dos edifícios e sem muros de
rua dentro dos quais o edifício tinha de estar situado,
80 LIÇÕES DE ARQUITETURA
exigiu portanto um projeto arqui tetônico autocentrado, sem
referências aos edifícios no vizinhança imediata.
Em vez de um volume construído colossal e único, ergueu'se
um conglomerada mais transparente de numerosos
componentes menores, graças à diferenciação em blocos
pequenos, relativamente independentes, separados por
passagens semelhantes às galerias (i .e., um espaço
essencialmente acessível ao público).
E, como há saídas e entradas por todo o complexo, ele
parece mais um trecho de uma cidade do que um edifício -
lembra sobretudo um pequeno povoado.
O projeto foi concebido visando permitir não só que os
funcionários possam deixar seus espaços de trabalho para
fazer uma pausa, conversar e tomar um cafezinho num dos
vários balcães do espaço central do complexo - como se
estivessem dando uma volta no centro da cidade -, mas
também para que a área possa ser li teralmente pública .
Esta oportunidade de acesso público seria integra lmente
explorada se o plano original tivesse sido executado: a
saber, situando a nova estação ferroviá ria de Apeldoorn
bem ao lado do complexo, de modo que se pudesse chegar
até os plataformas através do Centraal Seheer (foram
desenvolvidos planos em consulta com os ferrovias
holandesas para instalar pontos·de-venda de passagens
dentro do complexo) . Enquanto o edifício, como uma
entidade autônomo, é colocada em perspectiva no nível
formal por sua articulação de um grande número de
componentes arquitetônicos menores, no nível prático uma
articulação similar é conseguida pelo princípio de acesso
,dotado - isto é, pelo fato de que podemos entrar no
sdifício a partir de qualquer direção gradualmente e em
jiversos estágios.
Sob a influência de um risco cada vez maior para a
,egurança nos espaços públicos, o Centra0 I Seheer também
impôs certas restrições ao acesso público. Hoje, todas as
sntradas são vigiadas por câmeras de televisão, e sente-se
o necessidade cada vez maior de uma entrada única para
::> complexo como um todo, o qual, além disso, tornou-se
:nenos imediatamente legível desde a contração dos dois
Drédios em um só volume.
CENTRO MUSICAL VREDENBURG 1201 ·203)
Aqui foi feita uma tentativa para evitar a forma tradicional
de sala de concerto como um "templo da música" e chegar,
em vez disso, a uma atmosfera menos formal t menos
reverente 81 portanto, mais convidativa aos não-iniciados.
Além de revolucionar a "imagem" geral, também o
I'mecanismo" de acesso foi drasticamente al terado. Não 58
entro por uma entrada imponente, mas sim pouco a pouco.
Em primeiro lugar, entra-se por uma passagem coberta que
conduz a muitas entradas (como se estivéssemos numa loja
de departamentos), para depois se chegar aos loyer; do
Centro Musical e daí seguir até o auditório. O grande
número de entradas ao longo do corredor (ou galeria) e
também ao longo da praça - quando todas estão abertas -
faz com que o edifício se torne tempororiamente parte da
rua . E, na verdade, é ass im que o edifício funciona durante
DOMíN IO PÚBLICO 81
201 203
202
os concertos semanais gratu itos na hora do almoço. Nesses
dias, vemos os compradores passeando pelo edifício,
muitas vezes demonstrando surpresa I outras vezes ouvindo
atentamente, embora não tenham vindo para ouvir o
concerto, e às vezes apenas tomando um atalho até a
próxima ruo.
82 IIÇOfS Df ARQUITfTURA
CINEMA ClNEAC, AMSTERDAM, 1933 / J. DUIKER 1204, 205}
Duiker não só alcançou um êxito maravil hoso ao ajustar o
programa arquitetônico intei ro diagonalmente ao espaço
minúsculo do edifício (em que cada centímetro teve de ser
usado), como conseguiu também deixar aberta a esquina
onde se localiza a entrada, de modo que a esquina
continua funcionando como um espaço público. Deste
modo, podemos atravessar a esquina por trás da coluna
alta e, guiados pela marquise curva de vidro, sentir-nos
tentados a comprar um bilhete para uma sessão contínua
de cinema. (Esta marquise foi revestida com madeira em
1980; o anúncio luminoso também foi reti rado,
desfigurando assim a último das grandes obras de Duiker.)
O espaço que foi devolvido à rua é um componente integral
da arquitetura, em parte por causa de sua localização
especifica numa esquina e em parte por causa dos
materiais empregados (o mesmo tipo de azulejos no chão e
no resto do edificio, o morquise de vidrol . Deste modo, é
ombivalente: privado, mas também público. J
j
J
Embora a expressão da relatividade dos conceitos de
interior e exterior seja antes de tudo uma questão de
organização espacial, o Fato de uma área tender para
uma atmosfera mais parecida com a da rua ou mais
?orecida com a de um interior depende especialmente
da qualidade do espoço.
Além disso, se as pessoas reconhecerão a área em
questão como interior ou exterior, ou como alguma
torma intermediária, depende em grande parte das
dimensões, da Forma e da escolha dos materiais.
\lo caso do Centra0 I aeheer (206) e do Centro Musical
vredenburg (207), os espaços dos trechos projetados
Jarcialmente como áreas de ruas são especialmente altos e
,;treitos, com iluminação do alto como na galeria de lojas
·' adiciona l. Este tipo de corte tranversal evoca os becos de
:!dades antigos, e esta evocação se torna ainda mais
ciensificada pelo tipo de material apl icado nos assoalhos e
:.oredes que estamos acostumados a ver no exterior.
~ medida que penetro mos no Centro Musical, esta
"nsação é salientada pelo uso de madeira no assoalho e
~cs paredes. A área comercial adjacente, Haag Catharijne,
~ pavimentada com mármore, seus espaços são bem mais
amplas e só incidentalmente iluminados do alta. O caráter
horizontal, com iluminação predominantemente artificia l, e
o mármore bril hante, de aparência glamourosa, faz com
que O Hoog Catharijne lembre mais uma grande loja de
departamentos do que o espaço público que essencialmente é.
DOMiNIO PÚBlICO 83
7fJ7
2Q8
m 210
211 '::,,:: "F::::,:::::::,
84 liÇÕES DE ARQUllETURA
HOTEl SOLVAY, BRUXELAS, 1896 / V, HORTA (108,111)
Embora as portas da fachada formem de modo inequívoco
a entrada principal do edifício, descobrimos ao entrar que
elas não levam a um hail convencional, mas dãoacesso a
um corredor que passa diretamente através do prédio até
um outro par de portas que dá para um pátio nos fundos,
Este corredor foi concebido para permitir o ingresso de
carruagens, paro que as pessoas pudessem descer na
verdadeira entrada do prédio sem se molhar.
A verdadeira porta de entrada está situada, portanto, em
ângulo reto com a fachada, e marca o começo de uma
seqüência espacial que compreende o hail de entrada e a
escadaria conduzindo ao primeiro andar, enquanto os
quartos principais estão localizados ao longo de toda a
fachada e dos muros do fundo, com o uso, característico de
Horto, de divisórios de vidro paro criar uma conexão
aberta com o poço do escada,
-_::-.... ...
o corredor que atravesso o prédio dá a impressão de fazer ,,1,:,
parte da rua, embora, na verdade, seio estritamente ]
privado, um espaço que faz parte da casa, Esta impressão
é reforçada pelo uso, neste espaço, de materiais que se
assemelham 00 do rua, em especial os pedras de
pavimentação e a borda elevada de pedra,
Um detalhe característico de Horto é o transição fluente
entre a fachada e a calçada, de modo que a fronteira entre
o edifício e o rua, entre o espaço público e o privado se
dissolve, Na verdade, nem parece existir, iá que os
materiais do fachada e do calçada são os mesmos, É quase
impossível imaginar isso sendo feito em comum acordo com
as autoridades públicos, já que elas sempre adotam uma
separação estrito entre o espaço públ ico e o privado,
,
1
214
86
"A CARTA" / PIETER DE HOOGH 11629-168411215)
O quadro de Pieter de Hoogh demonstra a relatividade das
noções de exterior e interior, pela maneira como elas são
evocadas não só por meio de recursos de distinções
espaciais, mas também, e principalmente, por meio da
expressão dos materiais e de suas temperaturas sob
gradações varióveis de luz. O interior, com seus azulejos
brilhantes e frios e as janelas severas no fundo, possui uma
temperatura exterior que contrasta com o brilho quente do
fachada exterior iluminada pelo sol. A porta de entrada
aberta e sem degrau cria uma transição suave entre a
habitação e a rua com suo superfície semelhante a um
tapete. As funções do exterior e do interior parecem estar
invertidas, criando um conjunto espacialmente coeso que
expressai acima de tudo, acesso.
lIÇÔ ES DE ARQ UITET URA
Assim como a aplicação ao interior do tipo de
organ izaçêo espacial e do material referentes ao
mundo exterior faz tom que o interior pareça menos
íntimo, as refe rências espaciais ao mundo interior
fazem com que o exterior pareça mais íntimo.
Portanto, é a união em perspectiva de interior e
exterior e a conseqüente ambigüidade que
intensificam a percepção de acesso espacial e de
intimidade. Uma seqüência gradual de indicações
mediante recursos arquitetônicos assegura uma
entrada e uma saída graduais. O complexo inteiro de
experiências evocadas pelos recursos arquitetônicos
contribui para este processo: gradações de altura,
largura, grau de iluminação (natu ral e artificia!),
materiais, diferentes níveis do chão. As diversas
sensações desta seqüência evocam toda uma
variedade de associações, cada uma delas
correspondendo a uma gradação específica de
"interioridade e exterioridade" que se baseia no
reconhecimento de experiências prévias semelhantes.
Não só cada sensação se refere a uma gradação
específica de exterioridade e interioridade, como se
refe re por extensão a um uso correspondente. Eu já
havia sublinhado antes que o uso de uma área, o.
sentido de responsabilidade por e la e o cuidado
dispensado o ela encontram-se todos ligados às
demarcações territoriais e à administração. Mas a
arquitetura, graças às qualidades evocativas de todas
as imagens explicitamente espaciais, formas e
materiais, possui o capacidade de estimular
determinado tipo de uso. Conceitos como O de público
e privado restringem-se, portanto, a meras entidades
administrativas.
Ao selecionar os meios arquitetônicos adequados, o
domínio privado pode se tornar menos parecido com 4
uma fortaleza e ficar mais acessível, ao passo que, por I ..
sua vez, o domínio público, desde que se torne mais
sensível às responsabilidades ind ividuais e à proteção
pessoal daqueles que estão diretamente envolvidos,
! pode se tornar mais intensamente usado e portanto mais rico. Enquanto a tendência no fim dos anos 60
parecia levar a uma abertura maior da sociedade em
geral e dos edifícios em particula r, assim como a uma
revivescência da rua - o domínio público por
excelência -, há atualmente um movimento crescente
para restringir este acesso e buscar refúgio em sua
própria "fortaleza", longe da agress ividade, na
segurança da própria casa. Mas, na medida em que o
equilíbrio entre a abertura e o fechamento é um
reflexo de nossa sociedade ba stante aberta, nós nos
Poíses Baixos, com nosso sól ida tradição, podemos
ter os melhores condições paro a construção de
edifícios fundamentalmente mais acessíveis e de ruas
fundamen talmente mais convidativas.
j
'I
l
i
I
L
PASSAGE POMMERAYE, NANTES, FRANÇA, 1840-431212-2141 .
Embora os materiais de construção e as lormas aplicadas
na maioria das galerias seiam do tipo que pertencem ao
"exterior", às vezes acontece o contrório, como no Passage
Pommeraye em Nantes. Esta conexão, atravessando uma
quadra entre duas ruas em níveis diferentes, é uma das
mais belas galerias ainda existentes, em especial porque
;eus dilerentes níveis são ambos visíveis do espaço central e
ligados por uma grande escadaria de madeíro.
O uso de madeira, algo que não se espero encontror numa
5ituação destas{ enfatizo a sensação de estarmos no interior
- não apenas pelo ele ito visual, mas também pelo eleito
,onoro, O interior e o exterior encontram-se duplamente
relativizados aqu i, o que torna essa galeria o exemplo por
excelência de como é possível eliminar a oposição entre o
:nterior e o exterior.
'> ' ~~( '
-~.
.... .. .... -.. . .. .
.~ -
••
_;.o;:~
DOMíNIO PÚBliCO 85
111
113
T ------ -
!'
215
f ,
<,
;
DOMiNIO PÚBLICO 87
B CRIANDO ESPAÇO, DEIXANDO ESPAÇO
'Der Gegenpod von Zwong ist nicht Freiheit, sondem
Verbundenheit. Zwong ist eine negotive Wirkfichkeit, und
Verbundenheit ist die positive; Freiheit ist eine Miiglichkeit,
die wiedergewonnene Miiglichkeit. Vom Schicksol, von der
Notur, von den Menschen gezwungen werden: der
Gegenpol is nicht, vom Schicksol, von der Notur, von den
Menschen Irei, sondem mit ihm, mit ih" mit ihnen
verbunden und verbündet sein; um dies zu werden, muss
mon Ireilich erst unobhãngig geworden sein, ober die
Unobhangigkeit ist ein Steg und kein Wohnraum.'
90 liÇÕES DE ARQU ITETURA
'O oposto do compulsão não é o liberdade, mos o
integração. A compulsão é uma realidade negativo,
o integração é o positivo; o liberdade é uma possibilidade,
o possibilidade reconquistado. Ser compelido pelo destino,
pelo natureza, pelos pessoas: o oposto não é libertar-se
do destino, do natureza e dos pessoas, mos aliar-se e
integrar-se o eles; para que isso aconteço é preciso antes
ser independente, mos o independência é um caminho, não
um espaço. H
(Morti n Buber, Reden über Erziehung, Heidelberg, 1953)
1 Estrutura e Interpretação 92
2 Forma e Interpretação 94
Canais, Amsterdam
Mexcaltitàn, México
Estagel, França
Oude Gracht, Utrecht
Viaduto Rue Rambouillet, Paris
Palácio de Diocleciono, Split, Iugoslávia
Os Anfiteatros de Arles e lucca
Templos, Bali
Rockefeller Plaza, Nova York
Universidade de Colúmbia, Nova York
3 A Estrutura como Espinho Dorsal Gerativa:
Urdidura e Trama 108
Projeto Fort l' Empereur, Argel / le Corbusier
"As Vigas de Sustentação e o Povo: o Fim do Moradia
de Massa" / N. J. Habroken
Projeto de Cosas Flutuantes
Projeto Habitacional Deventer-Steenbrugge
De Schalm, Projeto paro um Centro Comunitário
Projeto para uma Possagem Subterrônea para
Pedestres, Apeldoorn
Moradias, WestbroekUniversidade livre, Berlim / Candilis, Josic & Woods
Projeto para uma Área Residencial, Berlim /
S. Wewerka
Villa Savoye, Poissy, França / le Corbusier
4 Grelha 122
Ensanche, Barcelona / I. Cerdá
Manhattan, Nova York
5 Ordenamento da Construção 126
Orfanato, Amsterdam / A. van Eyck
linMij, Amsterdam
De Drie Hoven, lar para Idosos, Amsterdam
Edifício de Escritórios Centroal Beheer, Apeldoorn
Centro Musical Vredenburg, Utrecht
Ministério de Assuntos Sociais, Haia
Escolas Apollo, Amsterdam
6 Funcionalidade, Flexibilidade e Polivalência 146
7 Forma e Usuários: o Espaço da Forma 1 SO
8 Criando Espaço, Deixando Espaço 152
Alojamento para Estudantes Weesperstraat, Amsterdam
Escola Montessori, Delft
Praça Vredenburg, Utrecht
Moradias Diagoon, Delft
9 tncentivos 164
Colunas
Pilastras
Moradias, Berlim / B. Taut
Blocos Perfurados para Construção
10 A Forma como Instrumento 170
CRIANDO ESPAÇO, DEI XANDO ESPAÇO 91
1 ESTRUTU RA E
I NTE RPRETACÃO ,
A Parte A deste estudo abordou a reciprocidade das
esferas de inFluência pública e privada e o que o
arquiteto pode fazer para contribuir para este
equilíbrio - pelo menos se ele estiver consciente, em
cada situação, de quais responsabilidades específicas
se aplicam e como elas podem ser interpretadas.
A segunda parte vai abordar a reciprocidade da forma
e do U50, no sentido de que a forma não apenas
determina o uso e a experiênciar mas também é
igualmente determinada pelos dois na medida em que
é interpretável e, portanto, pode ser influenciada.
Tendo em vista que olgo é projetado para todos, isto é,
como um ponto de partida coletivo, devemos n05
preocupar com todas as interpretações individuais
possíveis - não apenas num momento especíFico no
tempo, mas também à medida que mudam no tempo.
A relação entre uma interpretação coletiva e uma
individual tal como a que existe entre Forma e uso pode
ser comparado à relação entre língua e Fala. A língua é
um instrumento coletivo, a propriedade comum de um
grupo de pessoas capaz de usar esse instrumento para
moldar seus pensamentos e comunicá-los uns aos
outros, contanto que sigam as convenções da gramática
e da sintaxe, e contanto que usem palavras
reconhecíveis, i.e., palavras que signiFiquem alguma
coisa para o ouvinte. O admirável é que cada indivíduo
pode ser entendido por outro mesmo quando expresso
sentimentos e preocupações muito pessoais de uma
maneira altamente pessoal. Além disso, a Falo não é
apenas uma interpretação do língua, mas o língua, por
sua vez, também é influenciada pelo que se Fala, e, no
devido tempo, a língua muda sob esta inFluência
constante. Pode-se dizer então que a língua nõo
apenas determina a Fala, mas a própria língua é ao
mesmo tempo determinada pela Fala. A língua e a Fala
relacionam-se dialeticamente.
o conceito de estrutura tende mais a obscurecer do que
a esclarecer. Qualquer coisa que tenho sido agrupado,
mesmo da maneira mais precária, logo tende o ser
descrita como uma estrutura. IE então surgem os
associações negativas com o chamado pensamento
estrutural sobre as instituições e organizações de
negócios, e, naturalmente, também na política.) Neste
caso, Hestrutura" reFere-se a novas Formas de opressão
pelos novos mandatários do poder. Tudo na arquitetura,
bom ou mau, em que o aspecto construtivo ocupo uma
92 LIÇÕES DE ARQUITETURA
posição visual proeminente, e que se liga à repetição
de componentes pré-Fabricados (de concreto ou de
qualquer outro material), com grades ou molduras,
rígidos ou Frouxos ou ambos, é rotulado como
estruturalismo. O signiFicado original e de maneira
nenhuma vazio de estrutura e estruturalismo parece ter
submergido sob o peso do jargão do arquitetura.
O estruturalismo denotava, inicialmente, um modo de
pensar que derivava da antropologia cultural e se
tornou proeminente em Paris durante os anos 60 e que,
especialmente na Forma desenvolvida por Claude
lévi-Strauss, exerceu uma Forte influência sobre as
diversas ciências sociais. O termo está intimamente
ligado ao nome de lévi-Strauss: suas idéias - sobretudo
quando tratam das já mencionadas relações entre o
padrão coletivo e as interpretações individuais - Foram
particularmente inspiradoras paro a arquitetura.
Lévi-Strauss, por sua vez, Foi inspirado pelo lingüista
Ferdinand de Saussure (1857-19131, que fai a primeiro
a estudar o distinção entre langue e parole, entre
língua e Fala. A língua é o estrutura por excelência,
uma estrutura que, em princípio, contém a
possibilidade de expressar tudo o que pode ser
comunicado verbalmente. É na verdade um
pré-requisito para a capacidade de pensar. Pois uma
idéio só pode ser considerada como existente na
medida em que pode ser Formulada em palavras; nós
usamos o língua não apenCls para transmitir nossas
idéias, a linguagem na verdade dá Forma o estas idéias
quando as expressamos. A Formulação e o pensamento
andam de mãos dadas; Formulamos quando pensamos,
mas também pensamos quando Formulamos. Dentro
desse sistema - um espaço de valores coerentes - as
diFerentes inter-relações são estabelecidas como regras,
mas ainda há muita liberdade de ação no mesmo
sistema graças, paradoxalmente, às mesmas regras
fixas que delimitam esta liberdade.
Na Filosofia do estruturalismo, esta idéia é estendida
para abranger uma imagem do homem cujas
possibilidades são constantes e Fixas, como um baralho
com o qua l podemos jogar vários jogos diFerentes
dependendo da maneira com que lidamos com ele .
Culturas diFerentes, sejam as chamadas primitivas,
sejam as civilizadas, também representam uma
transFormação do mesmo jogo, por assim dizer; as
principais direções estão Fixas, enquanto a
interpretação difere continuamente.
ILévi+Strauss, La Pensée Souvoge, 1962)
Depois de estudar e comparar os mitos e lendas de
diversas culturas, lévi-Strauss observou a recorrência
dos mesmos temos e, assim, chegou à conclusão de
que, por meio da aplicação de regras de
, ,
"
" ,
transformação, havia um alto grau de correspondência
na estrutura. Todos os padrões de comportamento em
diferentes culturas, ele afi rmava, eram transformações
um do outro; por mais diferentes que fossem, a relação
com seu próprio sistema, no qual exercem uma função,
serio, em princípio, constante.
"00 mesmo modo, se você comparar fJmo fotografia e
seu negativo - embora as duas imagens sejam
diferentes -, verificará que as relações entre as partes
componentes permanecem as mesmas. H (M. Foucault)
Falando de maneiro mais simples, quando se chega ao
essencial, pessoas diferentes em situações diferentes
fazem as mesmas coisas de maneiras diFerentes e
coisas diferentes da mesma maneira.
"0 homem é aquilo que fazem dele, mas o importante
é o que ele faz com o que fazem dele" (J.-P. Sartre) , o
que significa o grau de liberdade que consegue criar na
restrição de suas próprias possibilidades.
O recurso mais simplificado da idéia de estruturo pode
ser oferecido com base, digamos, no jogo de xadrez.
Em um con junto simples de regras essencialmente
infantis que governam a liberdade de movimentos de
cada peça no jogo, os bons jogadores conseguem criar
uma série infinita de possibilidades. Quanto melhor o
jogador, mais rico a iogo, e dentro do conjunto oficial
de regras surgem outras sub-regras não-oficiais,
baseadas na experiência, que se desenvolvem até se
rornarem regras oficiais nas mãos de jogadores
experientes cuja experiência influencio por sua vez o
.original dado, e assim, por extensão, contribui para
regulamentá- Io_ Além disso, o xadrez é um exemplo
extraordinário de como um conjunto fixo de regras não
restringe a liberdade mas, pelo contrário, cria
tiberdade. Noam Chomsky, lingüista americano (que é
f,embrado especialmente por sua oposição à
intervenção dos Estados Unidos no VietnamL comparou
as línguas de modo semelhante ao modo comotévi-Strauss comparou os mitos - e concluiu que
deveria haver uma capacidade li ngüístico análoga em
todos os homens. Tomou como ponto de 'partida uma
'"'gramática gerativa", uma espécie de padrão
subjacente a todas as línguas e para o qual existe uma
capacidade inata . Neste sentido, línguas diferentes, ta l
tomo diferentes formas de comportamento, podem ser
vistas como transformações umas das outras. De uma
maneiro genérico, tudo isso não pa rece muito distante
aos "arquétipos" de Jung. Isso conduz ao sentimento
de que também a criação da forma e da organização
espacial de maneira análoga pode ser remetida o uma
capacidade ina ta a todos os homens nas mais diversas
culturas para chegar a interpretações sempre diferentes
das mesmas "arquiformas" essenciais. Além disso,
Chomsky introduziu os conceitos de "competência" e
"desempenho". Competência é o conhecimento que
uma pessoa tem de sua língua, enquanto desempenho
se refere 00 uso que ela faz deste conhecimento em
situações concretas. E é com esta reformulação mais
geral dos termos "língua" e "fala" que se pode
estabelecer uma ligação com a arquitetura. Em te rmos
arquitetônicos, pode-se dizer que "competência" é a
capacidade da formo de ser interpretada, e
"desempenho" é o modo pelo qual a forma é/foi
interpretada numa situação específico.
CR IANDO ESPAÇO , DEIXANDO ESPAÇO 93
216
217
218
2 FORMA E INTERPRETACAO
I
Grosso moelo, a "estrutura" equivale ao coletivo, ao
gera" ao (mais) objetivo, e permite a interpretação
quanto ,00 que se espera e ao que se exige dela numa
situaçõC; específica. Poderíamos também falar de
estrutura com relação a um edifício ou a um plano
urbano: uma forma ampla que, mudando pouco ou
nada, é adequada para acomodar situações diferentes
porque oferece continuamente novas oportunidades
para novos usos.
CANAIS, AMSTERDAM 1216-2201
O padrão dos cinturões de canais em Amsterdam dó ao
centro da cidade o seu laroul particular e ajudo a nos
lócolizarmo5. Os sucessivos semicírculos concêntricos não
só permitem que nos situemos no centro da cidade, como
ainda indicam a passagem do tempo - tal como os anéis
no tronco de uma árvore. É óbvio que sua função original
como estrutura defensiva pode ser vista hoje simplesmente
94 LIÇÕES DE ARQUITETURA
,amo um motivo subjacente de seu layou! particular, que
'ave e ainda tem, potencialmente, muito para oferecer. Além
de servir a objetivos de defesa, os canais eram usados
,obretudo para o transporte de bens importados e
.xportados aos quais a cidade devia grande parte de sua
i queza; e, antes da criação do sistema público de esgotos,
oerviam como bueiros para o lixo da cidade. Hoje os
:anois constituem os principais cinturões verdes do centrol e
JS passeios de barco oferecem à massa de turistas a
'portunidade de apreciar a beleza de sua arquitetura de
1m ponto de vista especial. Mas representaram também
ema possibi lidade de conquistar um bom espaço extra -
Jma possibilidade especialmente atrativa na época em que
a expansão urbana era uma alta prioridade, pois os canais
"am vistos como uma solução para os problemas de
'rânsito que assumiram proporções gigantescas nas
:iécadas de 1950 e 1960. Muitos canais holandeses foram
aferrados nessa época, o que significa que muitas cidades e
"i las holandesas sofreram danos irreparáveis.
:m Amsterdam, o prejuízo se limitou o uma série de canais
'odiais - felizmente o singular layou! semicircular dos
principais canais não foi adulterado. Os barcos-residência
,inda são tolerados em alguns canais porque as
Jutoridades têm consciência de sua importância como
moradias substitutas numa época de drástica falta
je moradias. Mas gostariam de ver·se livres deles o mais
cedo possível, porque não compreendem como esta
lariedode informal e em constante mudança contribui para
a atmosfera vivaz da cidade - especialmente nos lugares
.m que a aparência geral da cidade é dominada por uma
arquitetura formal , dignificada, como a que aparece ao
longo dos canais.
No entanto, quondo olhamos fotografias antigas, vemos
que os canais apresentavam um quadro bem mais agitado
e desordenado no século possado, por causa do comércio
que se reolizavo oli : o centro da cidade não era apenas
moldado por uma bela arquitetura, mas também pela
agitação viva e colorida em torno dos barcos que levavam
suas cargas diretamente ao coração da cidade.
A paisagem da cidade muda de forma mais rápida com as
estações, sobretudo ao longo dos canais, onde as árvores
produzem no verão efeitos espaciais completamente
diferentes dos obtidos no inverno, quando estão nuos e as
diversas fachados delineiam'se nitidamente contra o céu,
formando uma delimitação quase gráfica do espaço
urbano. E, por fim, há naturalmente o dramática mudança
de aparêncio quando os canais congelom e a ênfase se
desloca dos ruas ladeando os canois para o centro gelado,
cheio de patinadores. Nestas ocasiões às vezes raras , tanto
a atmosfera como o sentido de espoço mudam
completamente por um momento.
MEXCAlTlTÀN, MÉXICO (221·223)
"O desejo de criar um ambiente suscetível de ter vários usos
às vezes pode ser estimulado por circunstâncias locais
específicas. Em Mexcaltitàn, uma povoado mexicano
situado no rio Son Pedro, no México, as mudanças
periódicas no nível da água por causa das pesadas chuvas
Herengracnt,
Amslerdam. 1672 /
G. van Berkherde
219 22Q
CRIA NDO ESPAÇO. DEIXANDO ESPAÇO 9S
122223
21. 125
do final do verão transformam as ruas temporariamente em
canais, de modo que todo o lugar sofre uma verdadeira
metamorfose. A vida na aldeia é inteiramente determinada
por estas condições naturais. As ruas continuam a servir de
modo igua lmente eficiente ao trânsito e ao transporte , ainda
que 'agregadas' em diferentes situações, cada uma delas
explorando integralmente o uso potencial específico." 141
ESTAGEl, FRANÇA [224, 225)
"Muitos rios que deságuam no Mediterrâneo mudam
consideravelmente seu volume durante o ano, dependendo
da estação. Em Estagel , perto de Perpignan, o rio Agly
surge e desaparece dependendo da estação: ou não existe
ou corre ao longo de seu velho leito. Mesmo quando está
seco, porém, o rio domina a pequena cidade. Durante os
períodos de seca, o leito do rio na cidade - uma vala
cimentada - se torna parte do espaço público e oferece às
96 LIÇÕES DE ARQUITETURA
crianças do lugar um playground especial. Uma valeta que
passa no centro do leito do rio coleta a água da chuva das
ruas: este dreno é para o rio o que o rio é para a cidade,
sua versão em miniatura, em termos de tomanho e de
tempo, com períodos de seca que se alternam com períodos
de água abundante. Para as crianças, é um enriquecimento
do playground - para elas é um rio normal , com toda a
excitação e às vezes com os problemas que um rio traz
consigo." (4]
I
I
I '
/.
, ,
,
I· ! i
I
I
OUOE GRACHT, UTRECHT 1226· 233)
Em Utrecht, a diferença natural de nível entre a rua e o
canal resultou num perfil extraordinário e muito eficiente.
Desde o século XIV as mercadorias eram transportadas
celos canais em barcaças; eram carregadas e
descarregadas na beira dos cais em frente aos espaços de
armazenamento abaixo do nível da rua. Estes espaços
de armazenamento, ou depósitos, continuam por baixo da
"lia e formam os porões dos lojas situadas nas ruas acima.
Jeste modo, a mercadoria podia ser facilmente erguida ou
·:baixada por uma simples conexão vertical com o cais.
~'l1 certo ponto, havia um túnel oblíquo através do qual as
carruagens puxadas a cavalo podiam ir da rua até o cais e
.ice-verso, fazendo o transporte para qualquer lugar na
cidade.
Quando a velha prática de transportes por águo foi
interrompida, esses cais perderam sua função original, até
que em época recente começaram a servir como terraços
para cafés e restaurantes localizados nos antigos depósitos,
os quais, em sua maioria, foram separados das lojas que
ficaram acimadeles quando o transporte fluvial das
mercadorias chegou ao fim e os cais deixaram de ser
usados.
Assim, hoje, os velhos cais voltaram a ser usados, embora
de maneira diferente, e quando o tempo está bom eles
novamente ficam cheios de gente. Na verdade, são
excepcionalmente bem localizados, ao longo dos canais,
onde as altas paredes dos armazéns dos cais oferecem
proteção contra o vento e o barulho do trônsito. Também a
distôncia entre as paredes de cada lado do canal, com os
cais abaixo do nível da rua, ao longo da água, contribui
para formar um logradouro de proporções agradáveis.
A curvo neste ponto do canal apenas realça o espaço,
fechando·o de maneira agradável sem obstruir a visão.
Finalmente le quem poderia te r projetado iss02), há belas
árvores no nível mais baixo, o que contribui mais do que
qualquer outra coisa paro criar a atmosfera única e
agradável dessa parte do centro antigo da cidade. Embora
este perfil tenha sido projetado para objetivos urbanos
específicos, hoje, um século mais tarde, ele se tornou um
lugar inteiramente indiferente, sem que nenhuma mudança
fundamental tenha sido necessária . É fácil imaginar a cena
quando a água dos canais se congela, proporcionando um
rinque natural de patinação. A bei ra do cais então se torna
o lugar perfeito para calçar os patins, enquanto a rua
acima se transforma no domínio dos espectadores . Essa
transformação fornece ainda mais uma prova de quanto
esse tipo de fo rma urbana pode acomodar, a fim de
adequar· se a cada nova situação que surge. E, embora a
escalo seio muito maior, as margens do Seno, em Paris,
TT" ....... T~T .. ,.T .... - - - - - . - -
CR IANDO ESPAÇO . DEI XANDO ESPAÇO 97
2260b 227
228
229 230 231
232 233
234
2350
236 237 23B
oferecem condições comporáveis. Os c/ochards tiveram que
desistir de seus tradicionais abrigos sob os pontes: uma
artéria de trânsito tomou esta zona marginal ao lado da
água.
98 liÇÕ ES DE ARQUITETURA
VIADUTO DA PRAÇA DA BASTIlHA - RUE RAMBOUILLET, PARIS
(234·243)
O viaduto foi construído para a estrada de ferro, como em
tantas outras cidades onde os artérias de trânsito entram no
conglomerado urbano. Os 72 arcos foram sendo ocupados
pelo que ia aparecendo. O viaduto servia como uma
espécie de moldura, uma seqüência de compartimentos bem
definidos, que podiam ser preenchidos à vontade.
O viaduto permanece em boa parte intacto, sem grandes
modifjcações - uma estrutura permanente sempre pronta
para acomodar novos objetivos que, por sua vez,
i
I .,
I
c'
,
I
I
I
I
I
I
. /
I. ,
r
I
i
I
~
I ,
l
f :
I
I
I ,
I
acrescenlam novos significados às redondezas. É nolável
verificar como as ocupações pouco levaram em conta a
forma semicircular da moldura - uma forma pouco
conveniente para construções e aparentemente sem oferecer
nenhum incentivo para que se criasse uma contra forma
específica. Como se fosse a coisa mais óbvia do mundo,
lodos os arcos foram preenchidos por edificações
{onslruídas segundo os mesmos princípios de uma casa
1um espaço livre. O próprio viadulo não serviu como ponlo
je parlida ou fonle de inspiração, mas lambém não foi
aercebido como um obsláculo; alé mesmo as ruas lalerais
;!streifas prosseguiram em seu curso através do comprido
obsláculo de pedra, que ao mesmo lempo peneira e é
peneIrado pelo lecido urbano. Agora que não é mais usado
para trens, torno~·se um passeio público, conduzindo até o
,10VO edifício da Opera, no lugar da anliga Gore de
/incennes. Há um plano para preencher as arcadas com
!'achodas idênlicas, de acordo com as idéias civilizadas e
'oleiramenle convencionais de hoie em dia sobre ordem.
'lesle caso, um monumenlo urbano único leria de dar lugar
J uma solução padronizada.
239
2~D 241
23Sb
142 243
Visto do viadulo
sobre o rue
Rambouilfel com o
antiga Gore de /0
BO'fille (I 859J; o/i
ergue-se hoje o novo
edifício da Ópera
CP IANDO ESPAÇO, DEIXANDO ESPAÇO 99
144 245
246
247 241
100 liÇÕ ES DE ARQUITETURA
.' ._' _ .. . ~-' ... _,
PALÁCIO DE DIOCLECIANO, SPlIT, IUGOSLÁVIA, SÉCULO IV D.C
1244·2511
Sob o título de "A casa de um imperador se transforma
numa cidade para 3.000 pessoas em Split", o arquiteto
Bakema escreveu um artigo sobre as ruínas deste palácio
romano, que ainda hoje constitui o núcleo de Split (Fo,"m,
2·19621. O que antes eram partes da estrutu ra do palácio
agora servem de paredes para moradias. O que antes
eram nichos agora são quartos, e o que antes eram salões
do palácio agora são moradias, e ainda podemos ver por
todo o porte fragmentos que evocam o função original dos
estruturas. Este enorme edifício, 00 ser completamente
absorvido pela cidade em volta, pôde servir à um novo e
diferente objetivo, com a cidade se mostrando capaz de se
adaptar inteiramente à formo oferecido, O que vemos aqui
é uma metamorfose - o estrutura original ainda está
presente no interior, mos o modo como o velho foi engolido
UNiRf::>
BI8L!07cC .;;\
S:;,Q ,; 0 ~é do Riv I-' re tc ~ sP.
I· ,
1-
pelo novo faz com que nos perguntemos o que restaria, do
ponto de vista estrutural, se subtraíssemos os acréscimos
posteriores. O processo é irreversível - o palácio está ali
mesmo, dentro, mas não pode ser ma is recuperado!
Tampouco é possível conceber que, sob circunstâncias
diferentes, uma adaptação totalmente diferente ao que
restou da estrutura original possa algum dia ser real izada;
de qualquer modo, o que restou da estrutura não oferece a
menor sugestão de como isso seria possível.
O exemplo de Spl it é especialmente interessante porque
demonstra da maneíra mais clara possível a separação de
forma e função. Vale a pena mencioná-lo aqui porque, já
em 1962, era uma fonte de inspiração para nosso modo de
pensor sobre formas arqu itetônicos como os anfiteatros -
ainda que estes, ao contrário do palácio em Split, não só
permitiram novas formas de uso como também inspiraram
estas novas aplicações em virtude de sua forma e estrutura
específicas.
CRIANDO ESPAÇO, DEIXAN DO ESPAÇO
151
101
252
Os ANFITEATROS DE ARlES E lUCCA {252-254}
' O anfiteatro de Arles era usado como forta leza na Idade
Média; depois foi ocupado por edifícios e foi habitado
como uma cidade até o século XIX. O anfiteatro de lucca
foi absorvido pela cidade e ao mesmo tempo permaneceu
aberto como uma praça pública. Dentro do tecido urbano
sem nome o espaço oval é um marco, emprestando seu
nome e identidade aos arredores. Os dois anfiteatros,
con!!ruídos para o mesmo objetivo, assumiram papéis
diferentes sob as novas circunstâncias. Cada um assumiu a
cor do novo ambiente que o absorveu e que foi absorvido
'As arenas de Nimes e Arles, transformadas em
vilareios pequenos, isolados, enquanto os
remanescentes dos duas cidades galo-romanos
eram abandonados aos lagartos e às cobras - isto
n05 dó uma boa idéia da deterioraçõo urbana
depois C/A quedo de Roma. Em Nimes os visigodos
transformaram a arena numa minicidode de dois
mil habitonfe5, na qual se enlrava por qualro
pontes situadas nos quatro portões situados nos
quatro pontos careleais. As igrejas Foram
construídos denlro do arena. O mesmo aconteceu
em Ar/es; as arenas transformaram-se em
Fortalezas .•
(Michel Rogoo citando Pierre Lavedon, in Histoire
de Purnanisme, Anliquilé-Moyen Age, Paris, 1926)
por ele, e o ambiente por sua vez também foi colorido pela
antiga estrutura em seu centro. Os anfiteatros não só foram
aceitos em sua nova forma como parte integral do tecido
urbano, como também forneceram uma identidade a esse
tecido. A estrutura oval e seus arredores mostraram"se
capazes, em ambos os casos, de se modificar mutuamente.
Estes espaços ovais representam uma lorma arquetípica
- nesse caso, a do espaço cercado, um interior, um quarto
amplo que pode servir como local de trabalho, playground,
praça pública e lugar para morar. A função original foi
esquecida, mas a forma de anfiteatro mantém sua
relevância porqueé tão sugestiva que pode oferecer
oportunidades para uma renovação constante.' (li
Estes anfiteatros conseguiram manter sua identidade como
espaços cercados, ao mesmo tempo em que seu conteúdo
se submeteu à mudança. A mesma forma pode, portanto,
assumir aparências diferentes sob c'ircunstôncias novas, sem
102 LIÇÕ ES DE ARQUITETURA
que a estrutura mude de modo essencial. Além disso, o
exemplo de Arles - agora que essa arena foi restaurada em
seu estado original - mostra que esse tipo de processo de
transformação é basicamente reversível. É difícil imaginar
um exemplo mais convincente de "competência" e
' desempenho' na arquitetura. E o fato de que estes dois
anfiteatros não sejam idênticos apenas sublinha a
qualidade polêmica da situação: pois, assim como a
autonomia da forma oval é enfatizada pelo processo de
transformação, a forma como "arquétipo" também impõe-se
quase inevitavelmente.
Os exemplos anteriores, assim como os seguintes, dão
margem a uma série de conclusões:
• Em todos estes exemplos, os objetivos múltiplos que
a estrutura original permitiu não foram deliberada ou
intencionalmente inseridos na estrutura. É antes sua
Ucompetência" intrínseca que faz com que se tomem
capazes de desempenhar funções diferentes sob
circunstâncias diferentes, e de cumprir deste modo um
papel diferente dentro da cidade como um todo.
• Não é certamente verdade que há sempre uma
forma específica que se ajusta a um objetivo específico.
Há formas que não só permitem várias interpretações
como ainda suscitam efetivamente essas interpretações
quando as circunstâncias mudam. Assim, seria possível
dizer que a variedade de soluções deve estar contida
na forma como uma proposta inerente.
• Em nenhum destes casos a estrutura concreta muda
sob a inFluência de sua nova Função - e aí está um
ponto crucia l: a forma é capaz de adaptar-se a uma
variedade de funções e de assumir numerosas
aparências, ao mesmo tempo em que permanece
fundamentalmente a mesma.
• O grau com que uma forma abriga diferentes
interpretações passivamente ou suscita essas
interpretações ativamente por ser sugestiva em si (como
no coso dos arenas) varia de uma situação poro outro.
• A forma principal que chamamos estrutura é coletiva
ar natureza, controlada geralmente por um órgão do
governo e é essencialmente pública. O controle de seu
uso pode ter desde o de caráter mais público até o
mais privado, dependendo dos interesses comerciais
em jogo.
• Situações mais ou menos permanentes são em geral
seguidos pela construção de extensões ou subdivisões
- muitas vezes de edifíc ios inteiros. Mudanças de
iunção podem surgir no longo prazo, em poucos anos,
em uma estação do ano, uma semana ou diariamente.
Quanto mais breve a duração de uma situação
particular, menos permanente será a natureza das
extensões ou dos ajustes, e em caso de uso diário
podem até mesmo desaparecer por completo de um
dia poro o outro. Há, portanto, uma importante
distinção entre os casos em que ajustes ou extensões
são de fato construídos, e casos em que a uocupação"
se relaciona exclusivamente com o uso temporário.
Nos exemplos seguintes, a ênfase está mais nos
ajustes temporários, como aqueles que são solicitados
pelo uso diário.
CRIANDO ES/AÇO, DEIXANDO mAçO
Anfiteatro, Lucco,
Itália
Anfiteotro, Arfes,
França
103
253
25'
215
TEMPLOS, BAlII255·259)
Ao contrário da ênfase centralizadora num monumento
únicoj dominante, como no mundo cristão, o hinduísmo, tal
como praticado em Bali, se caracteriza por múltiplos
centros de atenção e encontra expressão naquilo que se
poderia chamar descentralização dos sítios cerimoniais.
Existem milhares de templos espalhados por toda a ilha,
isolados ou em grupos.
Há múlfoplos níveis de atenção em termos de espaço e de
tempo, dependendo da natureza da celebração: a
veneração de um ancestralt cerimônias relacionadas com
boas colheitas e assim par diante. O uso de diferentes
templos está ligado a ocasiões específicas, de maneira que
nem todas as templos são usados simultaneamente, mas há
sempre algo acontecendo em alguns deles. Os templos,
cujos tamanhos variam desde a de pequenas peças de
mobilia até o de pequenas casas, são às vezes feitos de
104 LI ÇÕES DE AR QUI TET UR A
pedra, mas em geral consistem numa espécie de cabana
aberta, com uma sofisticada construção de madeira e tetos
de colmo sobre uma base de pedra. São, essencialmente,
altares cobertos pontilhando a paisagem. Há templos que
deixaram de ser usados, dos quais resta pouco mais que o
esqueleto: cabanas vazias das quais uma ou mais, de
repente, são guarnecidas e decoradas com belas
tapeçarias, objetos feitos de bambu e folhas de palmeiras, e
outros atributos próprios de ocasiões específicas, e sempre
com oferendas. Cada templo individual portanto funciona
como uma espécie de moldura que é elaborada e
equipada, sempre que necessório, com os elementos
adequados para caracterizar a ocasião particular que
requer observância. Deste modo, cada templo permite a
apropriação temporária para um fim específico; ele é, por
assim dizer, 'vestido" para assumir certo papel, depois do
que volta a se~ estado passivo original.
,
".
l:
Naturalmente, isto é uma simplificação da situação real ,
porque também encontramos templos que contêm vários
templos menores, que por sua vez contêm outros ainda
menores - estruturas dentra de estruturas - , o que pode
muito bem ind icar diferenças na relação com um ancestral
especifico entre os indivíduos ante a comunidade.
E como se tudo isso não fosse bastante, longas fi las de
mulheres surgem de repente, vindas de todos os lados e
carregando fardos multicoloridos sobre suas cabeças:
oferendas de arroz, coco e açúcar numa incrível variedade
de formas e cores. Todas as oferendas são colocadas nos
pequenos templos como um toque final e comestível: o mais
transitório e suave componente numa seqüência de
atributos.
Quando a cerimônia termina e os deuses iá receberam suas
oferendas, as oferendas de alimento são levadas de volta
para caso, onde são consumidas, e os restos que ficaram
no templo são comidos pelos cães. Isto pode chocar o
racionalismo ocidental como algo contraditório - afinal, ou
damos comida aos deuses ou nós mesmos a comemos-,
mas num sentido menos literal e talvez mais intel igente é
possível fazer ambas as coisas: uma vez que a transação
religiosa iá foi consumada, a oferenda é apenas um~etisca
saboroso para os pessoas e para os cães. Assim, um
mesma e único obieto pode evidentemente desempenhar
vários papéis em momentos diferentes, como neste coso,
quando recebe uma interpretação ritual em determ inadas
ocasiões 9, em seguida, quando a ocasião termina, é
destituída desse conteúdo e retorno do extraordinário ao
CRIANDO ESPAÇO, DEIXANDO ESPAÇO lOS
156
157 158
159
260 261 ordinário. Nas igrejas cristãs l todos os acessórios religiosos
mantêm sua importância sagrada em tempo integral,
mesmo quando o igreja não está sendo usada. No mundo
ocidental não se concebe que um templo possa se
tornar um lugar em que as crianças brinquem de
esconde-esconde, como acontece em Bali, onde os crianças
transformam os templos em seu playground. É difíci l
imaginar um altar se transformando em brinquedo de
escolar. Talvez no Ocidente os pessoas não tenham
imaginação bastante - e também não é muito eficiente -
para construir altares como brinquedos de escalar. Como se
Deus pudesse objetar a que as crianças subissem em seus
altares - não, nesta parte do mundo queremos manter tudo
limpo e certinho e em seu lugar adequado, para que não se
estabeleça nenhuma confusão quanto a significados.
ROCKEFELLER PLAZA, NOVA YORK 1260,261(
A Rockefeller Plaza, a pequena praça rebaixada no meio
do Rockefeller Center, em Manhanan, assume aparências
bem diferentes no verão e no inverno. No inverno há os
patinadores, e nos meses de verão o gelo dá lugar a um
terraço com muitos assentos entreplantas e guarda-sóis.
Este espaço claramente definido oferece todas as
oportunidades pa ra que as ci rcunstâncias mutáveis das
diferentes estações sejam exploradas ao móximo.
UNIVERSIDADE DE COlÚMBIA, NOVA YORK 1262)
Lances de escadaria monumentais são uma característica
comum em edifícios que pretendem inspirar um sentimento
de importância e, deste modo, um sentimento de respeito e
reverência em todos os que entram. Neste caso l o edifício é
uma biblioteca, o centro nervoso da universidade, um
templo em que o conhecimento é guardado. E aqui a
impressionante entrada não convida a uma visita
espontâneo e informal, além de desencorajar firmemente
106 II ÇÔES DE AR QUI TET UR A
pessoas com dificuldade para andar. Não estamos mesmo
diante de uma biblioteca amistosa!
É como se alguém que desejasse compartilhar do
conhecimento devesse sentir que algo será exigida em
troca. Mas, por mais imponentes que as escadarias
devessem ser, a fotografia mostra que elas também podem
ser usodas de maneira bastante informal quando surge a
ocasião. Como uma tribuna, por exemplo, para alguém
discursar. Assim, a arquitetura mostra aqui que pode
funcionar de um modo bem diferente do que se esperava, e
até mesmo, como neste caso, em que os estudantes estão de
costas para a biblioteca, para servir a um objetivo
completamente diferente.
No âmbito da forma , esta escadaria extrai toda a sua
importância dos usos a que está destinada, mas esta
mesma importância pode, sob a influência do uso
específico que se faça das escadarias l converter-se
exatamente em seu opostol como vemos aqui.
Não seria difícil citar mais exemplos de como uma
forma em grande escala pode, de maneira
não-intencional, permitir interpretações diferentes.
No entanto, o que nos preocupa aqui são as aplicações
potenciais do princípio estabelecido. Se um arquiteto é
capaz de apreender integralmente as implicações da
distinção entre estrutura e ocupação, ou, em outras
palavras, entre Ucompetêncian e "desempenho", ele
pode chegar a soluções com um alto valor potencial no
que diz respeito à sua aplicabilidade - Le., com mais
espaço para interpretação. E, uma vez que o fator
tempo é incorporado a suas soluções, há mais espaço
para o tempo. Enquanto, por um lado, a estrutura
representa o coletivo, por outro, a maneira como pode
ser interpretada representa as exigências individuais,
reconciliando assim o individual e o coletivo.
161
CRIANDO ESPACO , DflXANDO fSPACO 107
3 A ESTRUTURA COMO
ESPINHA DORSAL GERATIVA:
Ao contrário dos exemplos anteriores, agora não
estamos preocupados primeiramente com as diferentes
interpretações 00 longo do tempo, mas com a
diversidade de interpretações individuais que poderão
coincidir no tempo, formando, deste modo, um todo,
graças a uma estrutura que, como um denominador
comum, por assim dizer, reconcilia a diversidade das
Formas individuais de expressão.
263
Pógina 247 ele "La
Ville Radieu$e", Pari$,
'933 / Le Corbusier
108
URDIDURA E TRAMA
O mecanismo de ordenaçõo contido nos exemplos
seguintes traz à nossa mente uma variedade de
imagens. Tomemos a imagem de um tecidot constituído
pela urdidura e pela trama. Pode-se dizer que a
urdidura estabelece o ordenamento básico do tecido e,
ao fazê-lo, cria a oportunidade para que se consiga a
maior variedade e colorido possíveis junto com a
trama.
A urdidura deve em primeiro lugar e acima de tudo
ser forte e possuir a tensão correta, mas, no que diz
respeito à cor, tem apenas de servir como base. É a
trama que dá cor, padrão e textura ao tecido,
dependendo da imaginação do tecelão. Urdidura e
trama constituem um todo indivisível; uma não pode
existir sem a outra e cada uma empresta à outra seu
objetivo.
PROJETO FOR! l'EMPEREUR, ARGEL, 1930 / LE (ORIUSIER
(263-2691
A idéia subjacente a esta megaestrutura alongada que
segue a orla do mar como uma fila é combinar uma
.;._---_ .• ~~~~~ ............. - ... ,.
."","", .. IS ... ,. ... .... -- ........ -.
....... 1 r ... ~_--. _ .... _ . ,..-.
UIMI""" ........ f .... ; --......... .. ..... ___ .f_ Io ....... 'II
,",,,,,,"~ .
VokIloo ............. 10I0I0 •• Ioo ..... ,...... .. Ioo_.T .. ,y .. _, ~ ..... 1'_.10-.,.100 _, ..... __ .-" _"""-100 -" __
_,· .... .. _ _ ... _,...w,, "' _ _ I_ ..... lloo. . ... L·_ ......
_0001 ""-" _ ........... ,_;_, 4 "'--''' ............... roMol. 1II r .. _ ......... __ ...... .. ................. ,:_oó .. M,Io .. _
_ .... lol.ooõoX\·, .. Io_~ !._ .... Io""-. ... oIIpouo • .-. .... __ õ .... _ ..... .. _._ .......
1-\.I.J õ3 ~~~
J--+WI-! l·
...... _.,,-... ... -.. -_ .. _--- .......... _ .... --. .. ....... .... "" ....
0. ...... "'""' .......... _._+.--_ .... __ r. r __ .. ____ ...... .... Ju"'a ... - ___ _
... --_ .... _-
dTi: .unlliN J!N II Al'TI!. Un
.. _' .... N ~. _ .......... 11.1. 11, . !ri ... """""" ,I . ........ . .... ,..... .... .. no ..... , ... _ ....... ' lo _ " .... ..... ... n .. , _ lo _ ........... ..
.... _ .. .. "'.fl:-'''", ... ...... " ...... .r. ........... . _ .... ' ..... _._.... ; . ..... .............. __ ,,, ...... b _· 00 ,._ .. ... "-"_,
li ÇÕES DE ARQUITE TURA
r---------------- ----- ----.-.---
rodovia e um con junto de moradias. Acima e abaixo
da rodovia ficam assoalhos superpostos que formam os
sítios artificiais de edificação. Nesses sítios, as unidades de
moradia podem ser construídas em qualquer estilo pelos
proprietá rios individuais.
Esta construção de soIs artificiel, I' chãos artificiais"1 pode
ser designada como sustentáculo lo próprio le (orb usier
usou o termo superestrutura I. Teria obviamente de ser
construída numa operação única como parte da rodovia, e
pelo Estado. O desenho mostra que le (orbusier pretendia,
no papel pelo menos, a maior variedade imaginável.
E certamente em 1930, no auge do Movimento Moderno e
do Funcionalismo na arquitetura, isto era absolutamente
revolucionário, ainda que ele tivesse noções algo ingênuas
sobre o trâns ito, como mais tarde alguns comentadores
apontaram. Tratava-se, porém, de uma visão
extraordinária, que, mesmo hoje, mais de cinqüenta anos
depois, ainda se revela mais inspiradora do que os
arquitetos estão prontos a admiti r!
o plano de Le Corbusier pora Argel é a chave para
nossa linha de pensamento, uma vez que propõe
explicitamente que seja oferecido aos ocupantes
individuais a oportunidade, em virtude da força da
própria megaestruturo, de criar suas casas exatamente
como desejam, ou de acordo com as idéias de "seus
próprios" arquitetos .
Enquanto a estrutura coletiva indica apenas os limites
espaciais de cada moradia individual, o conjunto das
moradias determina a aparência do todo. Uma
"'superestrutura" desse tipo cria as condições, no
âmbito coletivo, para que os moradores individuais
desfrutem de uma liberdade excepcional.
O desenho - que é, aliás, um dos mais sugestivos
feitos por Le Corbusier - mostra que os projetas e os
métodos de construção mais divergentes podem
coexistir harmoniosamente, e que é a megaestrutura
•
que não apenas torno possível tal diversidade, como
ainda 'orna o complexo como um todo infinitamente
mais rico do que poderia sê-lo 58 fosse feito por um
único arquiteto, por mais engenhoso que fosse. Mas
isso não é tudo - o desenho mostra que, quanto maior
a diversidade das partes, melhor a qualídade do todo!
Assim, caos e ordem parecem necessitar um do outro.
,
CRIANDO ESPAÇO, DEIXANDO ESPAÇO 109
:"
168 169
--
o desenho também mostra algumas moradias bem
comuns, o tipo de habitação popular (I) que sempre
aparece num sistema em que as pessoas não têm voz
ativa no projeto e na construção das casas em que
vivem. No desenho de Le Corbusier, essas moradias
não ocupam um lugar proeminente em meio à
exuberância à sua volta, e parecem não ser mais do
que a lembrança curiosa de uma época passada. Mas
este tipo de moradia massificado é a realidade que
encontramos continuamente 8, na verdade,constitui
um dos problemas fundamentais que temos de
enFrentar. As pessoas hoje não parecem mais ter idéia
de como dar expressão a seu próprio estilo de vida, e
no entanto sabemos que pessoas em todas as partes
do mundo sempre construíram o tipo de casa
que queriam, assim como vestiram o tipo de roupa de
que gostavam, usaram seus próprios instrumentos e
comeram seu próprio tipo de comida. Não há,
portanto, nenhum motivo para supor que a capacidade
de expressão pessoal por meio da forma seja
essencialmente diferente da capacidade de expressão
pessoal por meio da língua. E, se hoje parecemos
incapazes de fazê-lo, então é razoável supor que a
impotência da arquitetura hoje é causada por uma
ruptura muito séria das relações sociais. A moradia de
mossa, que está superficialmente de acordo com
nossos circunstôncias industriais, deriva sua posição
dominante do mecanismo de comportamento
monocultural que governa nossa sociedade. O mínimo
que um arquiteto pode fazer numa situação como esta
é fornecer as linhos gerais das imagens que irão
mostrar maneiras de despertar as pessoas de seu
estado de embotamento. Por mais que a proposta de
le Corbusier (1932) nos aproxime de uma solução
aparentemente óbvia, por enquanto estamos distantes
dela. Até mesmo o menor passo dado nesta direção
logo entra em conflito com as conseqüências de nossa
sociedade institucionalizado e centralizada, e não nos
aproximamos da realização de nossos planos. Mas,
nas poucas vezes em que o conseguimos, podemos
pelo menos dar-nos a oportunidade de demonstrar o
princípiol ainda que de modo mais teórico do que
prático.
110 LI ÇÕ ES OE AR QUITE TURA
"As VIGAS DE SUSTENTAÇÃO E O POVO: O FIM DA MORADIA
DE MASSA', 1961 / N. J. HABRAKEN
Gostaria de mencionar a contribuição de Habraken
neste contexto, que, num certo sentido, conforma-se ao
que le Corbusier tinha em mente quando fez seu plano
para Argel. ~abraken tentou, pelo menos em teoria ,
chegar a uma base a partir da qual , usando o aparato
industrial à nossa disposição, as pessoas pudessem ter
mais liberdade para escolher como querem morar.
As vigas, unidades estruturais especialmente projetadas
e fornecidas pelo Estado completas, com os requisitas
técnicos básicos, podem servir como sítios para
edificações sobre os quais as pessoas podem erguer
casas pré-fabricadas ou módulos de casas, que são
vendidos por numerosas firmas. O morador pode
escolher o ti po de casa que quer a partir de uma
determinada gama de possibilidades e fazer os ajustes
que julgar necessários para adequá-Ia a seu gasto.
Deste modo, ele envolve-se de maneira ativa num
processo no qual normalmente não tem voz ativa.
Contudo, os problemas surgem de imediato, já que
também aqui as casas tornam-se totalmente
comercializadas e, portanto, sujeitas às vicissitudes da
competição e dos mecanismos de mercado. Isto significa
que são niveladas pelo mínimo denominador comum - o
da mediocridade - , e assim voltamos ao ponto de
partida. O que torna a proposta interessante é a
tentativa de criar as condições para uma exploração
mais sensata e eficaz do rico potencial industrial de
nossa sociedade. Cada um de nós se pergunta de vez
em quando por que as casas não podem ser produzidas
como os carros e, de um ponto de vista tecnológico, é
muito difíci l entender por que existe esse problema com
casas.
A resposta é menos simples do que a pergunta, mas
uma coisa fico bem clara: é especificamente o problema
do assentamento, com sua infinita variedade de
requ isitos e regras, que entra em conflito com a
repetição, que é o esteio da tecnologia moderna . Se ao
menos pudéssemos separar o problema da casa do
problema do "sítio para edificação", que o Estado
poderia fornecer como uma moldura urbana sofisticada,
então, pelo menos do ponto de vista teórico, 'Jm dos
,\ sonhos do século XX poderia se tornar realidade. Mas
as poucas tentativas que foram feitas para realizar esse
,anho não conseguiram sequer produzi r uma fração da
imagem poética que le Corbusier nos mostrou há mais
de cinqüenta anos.
PROJETO DE CASAS FLUTUANTES (270-273)
Casas flutuantes , geralmente atracadas em grupos por
ordem das autoridades, constituem o exemplo mais
visível na Holanda de uma acomodação (admitida mente
permanente) na qual os moradores aínda têm voz ativa.
O resultado, sobretudo em termos de aparência externa ,
roi uma situação ricamente diversificada.
Esta liberdade de expressão se deve, sem dúvida, à
ausência de forma e aparência tradicionais, oficiais.
gesde o começo, a natureza deste fenômeno foi
.,tabelecida por soluções domésticas para o problema
da moradia.
'sfo não conduziu a si tuações caóticas nem à desordem
; eral que as autoridades tanto temiam, sem dúvida
~orque a forma total e o tamanho das casas têm como
base as barcaças sobre as quais são constru ídas, que
~ão variam mui to. Além disso, elas ficam atracadas no
;;,ntido do comprimento ao longo do cais, do qual tiram
ogua, gás e eletricidade. Deste modo, estas casas
"'presentam interpretações livres e pessoais de
"lementos essencialmente padronizados, ligados aos
,erviços públicos por amarras permanentes.
os lugares onde as aglomerações de cosas flutuantes
constituem ba irros inteiras, em geral na periferia das
: idades, foram construídos molhes como um serviço
~úblico : uma espinha dorsal mínima que fornece a
,,,Ira-estrutura básica, como acesso e energia. É esta
' espinha pública" que alinha a diversidade, por assim
~izer, e, por conseguinte, introduz certa ordem.
Podemos imaginar o planejamento de bairros residenciais 271 271
Autuantes em áreas com muita água, até mesmo cidades 273
inteiras no água, com uma rede de passeios de madeira 270
em vez de ruas para fornecer a infra-estrutura.
As unidades de moradia num assentamento sobre a água
seriam muito mais variadas na aparência do que seria
possível em nossas vilas e cidades comuns sobre a terra.
E que senso de liberdade há em saber que podemos nos
mudar com nossa casa para um lugar diferente, quando,
por exemplo, quisermos estar em determinado bairro por
um motivo qualquer. (Esta idéia surgiu com um plano de
renovação urbana no centro de Amsterdam em 1970,
quando as pessoas que eram obrigadas a deixar
temporariamente suas casas por causa do programa de
renovação podiam ir para uma casa flutuante num canal
próximo, sem que fosse preciso abandonar contra sua
vontade o ambiente familiar.)
CRIAND O ESPAÇO, DEIX AND O ESPAÇO 111
PROJETO HABITACIONAL DEVENTER-STEENBRUGGE 12741
O projeto se limita a uma grade aberta, não mais do
que o padrão de ruas e o parcelamento básico.
As casas limitam· se, essencialmente, com duas ruas, e
desse modo podem ler duas portas de frenle: assim,
consegue·se evitar o perigo do excessivo controle social
(caso ele venha a ser despertado de algum modo pela
ênfase no espírito de comunidade).
Portanto, a expectativa é que cada uma das diversas
ruas adquira seu caráter específico a partir dos
moradores e de suas atividades, permitindo que uma
ampla variedade de soluçães possa se manifestar em um
padrão de ruas com um traçado idêntico .
Frente e fundos são adequados à construção, pelos
próprios moradores, de extensães da casa como, por
exemplo, garagem, galpão, local de trabalho, um
quarto extra, um telheiro ou uma pequena loja. Para
facilitar essa tarefa, foram levantados muros baixos nos
limites entre os lotes, como um estímulo e um lembrete
para os moradores daquilo que eles próprios podem
empreender.
O espaço da rua é constituído pelo todo, ao qual cada
morador dá a sua contribuição: o espaço que os
moradores deixam e constroem um para o outro.
Na rua, o dependência mútua que já governava a
del imitação das áreas privadas se torna o fator
primordial , e, na verdade, deve possibilitar aos próprios
moradores tomar decisães coletivamente, na cond ição
de moradores da mesma rua. 14]
112 IIÇÔES DE ARQUITETURA
DE SCHALM, PROJETOPARA UM CENTRO COMUNITÁRIO
1275-2771
Já que a interação entre as pessoas se manifesta na rua,
podemos conceber um centro comunitário como uma rua
capaz de acomodar uma variedade de acréscimos
potenciais, segundo as necessidades que possam surgir e
de acordo com os recursos disponíveis. O centro
comunitário deve ser planejado de tal modo que possa
evoluir ao longo dos anos, graças à sua capacidade de
adaptar-se a necessidades específicas; em outras
palavras, deve ser sempre possível acrescentar novos
elementos e alterá-los ou até mesmo demoli-los de
acordo com as necessidades que surgirem.
Dessa maneira, nosso ponto de partida foi o que se
poderia chamar de uma espinha dorsal, uma rua com
um teto transparente e em ângulo reto com vários muros
marcando as zonas intermediárias entre a rua central e
os futuros acréscimos. Por mais caótico que o complexo
de componentes posso ser, a rua que funciona como
-.J:-::r.:.: r I=-'.:-:-r ~·- r.-'-· __ L
T I. r".r"' L t " :c [
espinha dorsal deve transformar o todo num caos
permanentemente ordenado. Se houver necessidade de
espaço para uma ocasião especial (i.e., temporária)
como, por exemplo, comemorações, feiras, exposições,
muitas vezes o melhor a fazer é improvisar instalações
como marquises, abrigos, hangares, barracas e
similares. Elas oferecem muito mais possibilidades do
que estruturas permanentes, que tendem a ser pequenas
demais ou grandes demais e eliminam o elemento
surpresa. Em caso de necessidade de acomodação mais
permanente, pode-se fazer uso de galpões, escritórios
ou hangares pré-fabricados, prontamente disponíveis no
mercado. O essencial é que 05 próprios moradores
criem seus ambientes e que, nesse processo, os
arquitetos limitem-se a proporcionar aos moradores os
instrumentos adequados. Este proieto, um produto típico
do iníc io dos anos 70, levantou algumas questões, iá
que o resultado não se revelou inteiramente satisfatório.
É evidente que os usuários não foram capazes de
realizar tudo o que se esperava deles. Não foram
capazes de ir além de encomendar componentes de
construção inteiramente pré-fabricados, montá-los e
pintá-los. A l/rua leve" converteu-se numa massa
informe. Aparentemente, a rua com muros como motivo
formal não foi suficientemente forte para resistir ao
impacto das estruturas cruzadas (a "trama't e ainda
menos de gerá-Ias como fora proietado originalmente.
Embora este proieto combine uma ampla variedade de
elementos e possa em muitos aspectos ser qualificado
como um sucesso do ponto de vista de uma aventura
grupal da própria comunidade, isto não se evidenciou
de maneira nenhuma no âmbito da unidade formal.
O que 05 indivíduos conseguem em seus domínios
privados não é necessariamente conseguido por um
grupo num espaço comunitário. O proieto é um exemplo
do que acontece quando se dá demasiada liberdade ao
usuário. O resultado é desapontado r quando se
compara com a riqueza das possibil idades espaciais
que um arquiteto poderia ter oferecido a eles.
iJ
i '
r I I
I . , I
~ J-'=r-'-~~h-b-C1.
C I~-----.l--'
( ': I i
'-/ '----'
CRI ANDO ESPAÇO , DEIXANDO ESPAÇO 113
27601xd.
277
2750~d
278 279 280
281"'"
PROJETO PARA UMA PASSAGEM SUBTERRÂNEA PARA PEDESTRES
1278-2811
Uma passagem subterrânea localizada sob uma artéria
de trânsito pesado constituía uma parte importante da
rede rebaixada para pedestres que devia ligar o centro
da cidade à estação ferroviária.
Era isto pelo menos o que o centro de planeiamento de
Apeldoorn tinha em mente na época em que o edifício
Centrgal Seheer estava sendo proietada, e nessa época
havia motivo suficiente para ligar esse futuro caminho
para pedestres ao edifício_ Surgiu então a idéia de se
abrir uma passagem subterrânea bem ampla, com o
obietivo de fazer com que seu uso fosse além do trânsito
de pedestres. Desta maneira seria possível não só evitar
a desolação que em geral caracteriza esses túneis como
ainda fazer com que essa construção, como um serviço
público, fornecesse acomodação para instituições em
busco de espaço mos sem possibilidade de pagar
aluguéis comerciaist como, por exemplo, centros de
atividades para iovens, espaços de ensaio para grupos
teatrais, etc .{ assim como também para o comércio
informal. Mas, então, por que não considerar a
possibilidade de um mercado coberto!
114 LIÇÕ ES DE ARQUITETUR A
A experiência com espaços públicos cobertos mostra
que não se trata de uma idéia rea lista e, ta l como
acontece com o plano urbano, reside numa estimativa
exagerado do que é factível.
O plano era o seguinte: em vez de usar os amplos vãos
comumente empregados nos subterrâneos com a
finalidade de restringir o número das pontos de
sustentação, seriam usadas várias colunas - colunas
relativamente largas, que pudessem servir, sem
necessidade de aiustes adicionais, à demarcação de
unidades espaciais mais ou menos fechadas (cantos,
nichos), em suma, à compartimentoção que fosse
iulgada necessário . (Cada coluna é composto de duas
colunas menores cercadas por um muro, que, por sua
vez, pode acomodar nichos adiciona is ou vitri nes).
A idéia era demonstrar que, 00 adotar a disposição em
linha reta de colunas maciços, al inhadas no sentido do
L
caminho dos pedestres, a sugestão para que elas fossem
usadas seria evidente - em outras palavras, que o
material de construção seria ordenado para assegurar o
máximo de competência.
MORADIAS, WESTBROEK 1282-289)
O projeta estrutural desta área residencial, de escala
pequena e só parcialmente construída, não se baseia
em princípios de construção mas sim na natureza do
local de construção. Séculos atrás, a área foi
artificialmente dividida por meio de um sistema
de parcelamento que consistia em longas valas
paralelas - uma caraderística tradicional da paisagem
local, que devia ser preservada a qualquer custo.
Nos Países-Baixos, é uma prática comum preparar sítios
inadequados para a construção depositando
inicialmente um leito de areia com a espessura de vários
metros com a finalidade de servir como fundação para
estradas, drenas, etc. ; isto naturalmente apaga todos os
traços da paisagem, criando uma tábula rasa, na qual
pode ser realizado um plano inteiramente abstrato sem
levar em conta a natureza do terreno. Mas, neste caso,
houve um emprego feliz da articulação "natural" do
sítio sobre o qual se baseava o plano urbano.
O principal objetivo do plano era construir nos faixas
estreitas entre as valas, e, camo as faixas não eram
suficientemente largas poro acomodar uma rua com
moradias e jardins em ambos os lados, os edifícios
foram oca na lodos juntos, o que resultou num perfil de
ruas muito estreitas atravessando estruturas
parcialmente superpostas. Graças a esta solução, foi
possível manter no mínimo nível possível o espaço
requerido para a fundação de areia e para a
infra-estrutura de ruas e drenas, isto é, o mais longe
possível das valas (ou, melhor dizendo, dos pequenos
canais) poro prevenir o desabamento dos margens pela
pressão lateral. O layou! específico foi , portanto,
inteiramente engendrado pelas restrições e
possibilidades do sítio original.
Desta maneira, as valas ou pequenos canais foram
mantidos no plano; as margens foram reforçadas
segundo métodos variados, e nos pontos onde marcam
os limites de jardins particulares acabaram por adquirir
uma aparência variada sob a influência de sua nova
função. Não só a articulação existente e o parcelamento
da paisagem permitiram um layout altamente específico
neste caso, como também a arquitetura resultante deu
uma nova aparência às valas.
CR IAN DO ESPAÇO , DEIXANDO ESPAÇO 115
282
283
i I
., 'I
I il!'
I
. . . / I "
I I .
. , I
; I : I
I I
L., . !'
I
I ,
I
P I I r. ..... ·"'1· . ' ", l-o
181
188
189
~ .; . .. ~' .
I ~
I':
I ;
I 1 ~
I ti
. li
•
I
,.
!
I i'
I i I] I ;.: I
185
18.l
187
__ lIoadopor_...... _ 1~_ 7
H~~~ frit: I ~D Y~L:tuc "{'<'O 2A;:'~j
-.........._~ __ _~ i-.
-..;Io_~ __ w_
116 lIÇÓ ES DE ARQUITETURA
A eslrutura básica pôde desempenhar deste modo um
papel crucial na disposição dos edifícios, e vice·versa: a
estrutura básica e os edifícios influenciaram'se
reciprocamente no âmbito da forma. Em retrospecto,
poderíamos argumentar que o plano tal como foi
realizado não revela de maneira suficiente as intenções
urbanísticas subiacentes. A principal razão para isto, à
parte o fato de que o plano não foi completado, é que
ele não foi desenvolvido por mais de um arquiteto.
A escalo do proieto era pequena demais para permitir o
envolvimento de mais arquitetos, e, infelizmente, o
potencial verdadeiramente gerador do motivo básico -
que pelo menos se manifesta nas margens das valas -
não pôde ser integralmente explorado em relação com
os próprios edifícios .
Durante a década de 1960, foram esboçados muitos
planos, sobrefudo nos círculos do Team X, nos quais o
princípio de distinção entre estrutura e complemento iá
estava incluído. Estes planos, nos quais a rigidez de
funções exclusivas e a desintegração subseqüente foram
eliminadas com sucesso, podem realmente ser vistos
como antecipando e inspirando o que hoie podemos
chamar estruturalismo na arquitetura.
UNIVERSIDADE liVRE, BERLIM, 1963 / CANDIUS, JOSIC &
W OODS 1290·2941
Este proieto, na versão original , propunha uma fórmula
para organizar espacialmente uma universidade
moderna como uma rede de inter'relações e
oportunidades para a comunicação. Em vez de partir
da tradicional divisão em faculdades , cada uma sediada
como uma fortaleza em seu próprio edifício, com sua
própria biblioteca, etc., o ponto de partida neste
edifício foi uma único estrutura contínua funcionando
como um conglomerado acadêmico coberto, no qual
todas as partes componentes poderiam se posicionar
mutuamente segundo uma relação lógica. Mas, assim
como as idéias mudam ao longo do tempo, também as
inter-relações mudam, e com elos os diversos
componentes; propôs'se, portanto, a criação de espaços
que pudessem ser levantados ou desmanchados dentro
de uma rede fixa e permanente de ruas internas.
A explicação está contida nas seguintes formulações de
Shadroch Woods:
Na) Nossa intenção, neste plano, é escolher uma
organização mínima que forneça o máximo de
oportunidades para o tipo de contato, de intercâmbio e
de feed·back que constituem a verdadeira roison d'être
da universidade, sem comprometer a tranqüilidade do
trabalho individuo/.
b) Estávamos convencidos de que era necessário ir além
do estudo analítico das diversas laculdades ou atividades
L
nos diversos prédios; imaginamos uma síntese de funções
e departamentos, em que todas as disciplinas pudessem
se associar e as barreiras psicológicas e administrativas
que as separam não fossem reforçados por meio do
articulação arquitetônica ou da identificação
fragmentária das partes à custa do todo.
c} A teia de circulação primário e secundária e de
serviços está aberta à possibilidade de modificação para
que possa ser usada eficientemente. No primeiro estágio
de planejamento, ela só existe como uma rede
aproximada de direitos de circulação. Só será construída
quando for requisitada para fornecer circulação e
serviço. Nõo é uma megaestrutura, mas antes uma
organização de estrutura mínima. Esta organização
mantém seu potencial de crescimento e mudança, dentro
dos limites do ambiente tecnológico e econômico.
d} Nenhuma das áreas recebeu mais importância que a
outra, quer na dimensão, quer na intensidade das
atividades ali localizadas. Um aspecto inerente ao plano
é o fato de não ser centralizado pelo uso. A decisão
arbitrária de um arquiteto quanto à natureza e à
localização de 'centros' foi substituída pela escolha real
dos usuórios do sistema. fi
(5hodroch Woods, World Archilec/ure, Londres, 1965, pp. 113-114)
Woods era certamente adepto de ' crescimento e
mudança", da idéia de que mudança e crescimento (e
aparentemente jamais a diminuição) deveriam ser
tratados como as constantes mais importantes - e isto é
exatamente o oposto do que estamos advogando - mas
ele recebeu o que merecia já que a Universidade Livre,
tal como foi construído, acabou por se revelar, afinal,
mais uma estrutura rígido.
Contudo, há razões de sobra poro pelo menos levar em
consideração a idéia básica, ainda relevante e de
inegável importância, de um ordenamento mínimo neste
/
._--'LI _ ~ , __ ._" _ .:.>.~ (
1---
n ·:,.
:,,/, :.i.
M' ·-:;
~ -::
~~~.
=
CRIANDO ESPAÇO . DEIXA NDO ESPAÇO 117
Explicação com
diagramas de
5. Woods
• -.lo
\
>-
295
296
297 298
.. -"
------- "..
. , .
:/' ......
r
·f.,
'.
:.;,
::..: :
t;.~- · :-
r " ,
'.,
" b _
.r ·;~
..
caso, uma organização espacial necessária a um
intercâmbio ótimo, capaz de gerar, em principio, a
liberdade de escolha quanto à maneira de preencher a
estrutura básica.
PROJETO PARA UMA ÁREA RESIDENCIAL, BERLIM, 1965 /
S. WEWERKA 1295-298)
"A rua pode ser considerada como o mais antigo
elemento do planejamento urbano. A rua sempre foi a
sala de estar do povo. A idéia de colocar o espaço
urbano familiar novamente em uso deu origem a este
projeto. O espaço público deve se tornar mais uma vez
o cenário, com uma melhor organização espacial, de
todas as atividades para as quais foi usado desde
tempos imemoríaís.
118 liÇÕES DE ARQ UI TETURA
Ao contrário do chamado plano de construção, o
esquema de zoneamento proposto indica apenas as
destinações e os meios de acesso, mas não a formo dos
edifícios. Deste modo, pode surgir uma variedade de
formas diferenciadas de moradia e de espaços de rua.
As funções específicas de certas áreas podem mudar no
futuro, necessitando de certos ajustes que, porém, não
têm de comprometer a unidade da organização como
um todo. Afinal, existem, espalhadas por todo o plano,
passarelas para pedestres sobre as rodovias, assim
como conexões de cruzamento cobertas tanto para
pedestres como para veículos (a depender das
exigências específicas de cada local) .
O conjunto da área construída (formada por estruturas
de moradias e estruturas de ruas) pode ser visto como
um grande recipiente, no qual toda a velha gama da
existência urbana pode assumir seu curso vivo, familiar.
Foram feitas tentativas sérias de dar ao carro um papel
adequado, em vez de começar pela que é melhor para
o veículo. O trânsito foi eliminado da área, o que
contribuiu bastante para simplificar a problema. Os
moradores do lugar pelo menos poderão caminhar,
;ogar, dirigir e estacionar onde quiserem, e sempre
saberão qual é o seu lugar." (Slefon Wew"ko, 1964)
"Este projeto é, essencialmente, apenas um tipo
intensivo de loteamento do sítio de construção mediante
o construção de muros, uma grade que deve ser
preenchida segundo uma série de possibilidades
definida por certas regros do jogo.
Podem ser feitas aberturas nos muros, que, por sua vez,
também podem ser totalmente eliminados para criar
espaços públicos ou praças; a altura dos blocos pode
variar, podem ser feitas passarelas para pedestres para
ligar os blocos, e assim por diante.
Esta grade abre um mundo de possibilidades ao
Wofts Towers,
Los Angeles,
1921-54/5. Rod;o
arquiteta. Em outras palavras, a grade é capaz de gerar
ou até mesmo de provocar soluções. As limitações de
trabalhar com o tema proposto não têm um efeito
restritivo mas, como agentes catalisadores, possuem na
verdade um efeito estimulante. Assim, as limitações do
tema resultam em mais liberdade lé um paradoxo que
liberdade e limitação gerem um ao outro?).
Projetistas diferentes trabalhando independentemente
podem usar a grade como um "plano diretor", que eles
podem complementar com suas próprias soluções
especificas. Do mesmo modo, uma grande variedade de
programas pode ser implementada. No layoul, os
componentes podem ser desenvolvidos de acordo com
seus próprios critérios. O plano permite uma tal
variedade de in terpretações que, a despei todo que é
substi tu ído e por quem, o complexo como um todo
sempre teró certa ordem.
O essencial é que a grade pode ser interpretada em
todos os níveis - jó que fornece apenas o padrão
objetivo, o padrão subjacente, por assim dizer, o
protolorma, que adquire sua verdadeira identidade em
vi rtude das próprias interpretações que recebe,
especialmente pelos programas inseridos e a maneira
especifica como é realizado. Seja ló o que for inserido,
sempre estará diretamente ordenado, o que não
significa ordenação no sentido de I'subserviência", mas
antes no sentido de "tendência". A grade funciona como
uma estrutura gerativa que contém dentro de si o
tendência bósica que é transmitida a cada solução.
E, uma vez que a grade confere aos componentes
individuais a tendência comum, não só as partes
determinam a identidade do todo, mas o todo contribui
para a identidade das partes. A identidade das partes e
do todo seró reciprocamente gerativa." [3J
À parle a qualidade excepcional dos planas de Woods
e Wewerka como idéias, o que podemos aprender em
especial com eles é que nõo devemos concentrar nossa
atenção na mudança a ponto de excluir o resto, mas
sim na estrutura que, em sua constância, é capaz de
absorver a mudança.
No exemplo dado acima, a imagem da urdidura e da
trama, a estrutura coletiva é portanto a urdidura, na
qual as interpretações individuais são tecidas como Q
trama. Foi o estrutura coletiva, que, em si, pouco ou
Le P%is Idec:
1879-1912 /
FacfelH dev:.
CilANDO 1SPAÇO, DEIXANDO mAçO 119
nada significo, que suscitou os interpretações
individuais, que não surgiriam se não houvesse um
contexto. Além disso, é a estrutura que indica a
coerência, sem o qual haveria apenas uma massa
avossalodora de expressões - o que chamamos caos.
A consciência dos efeitos repressivos de equiparar as
unidades de moradias nos edifícios de apartamentos a
sistemas de armazenamento em grande escala
alcançou o clímax nos anos 60. A conseqüência foi um
repúdio radical de tudo que simplesmente se referisse
a sistemas e- ordens impostos de cima. Ao mesmo
tempo, deu-se muita ênfase à riqueza resultante da
expressão individual. Basta pensar nas "Watts Towersll
de Som Rodia, ou no "Palais IdéalR do carteiro Cheval,
e em toda o arquitetura fantástico que pessoas levadas
por uma educação extrema criaram com suas próprias
mãos! E, mesmo assim, a vitória da criatividade e do
dedicação individual sobre tudo que é imposto pelos
poderes estabelecidos ê uma simplificação excessiva.
Assim como a linguagem ê necessária para nos
expressarmos coletivamente em termos de estrutura,
também é necessária uma estrutura formal coletiva
para que possamos nos expressar espacialmente em
nosso ambiente. Se há alguma coisa que se destaca
entre todos estes exemplos, é certamente o paradoxo
de que a restrição de um princípio estruturador
(urdidura, espinha dorsal, grade) aparentemente não
resulta em diminuição mas sim em expansão
das possibilidades de adaptação e, portanto, das
possibilidades individuais de expressão. O tema
estrutural correto não restringe a liberdade, mas
conduz à liberdade! Assim, a maneira como a
estrutura é preenchida não é mais subserviente
à estrutura do que a estrutura ê subserviente à
maneira como é preenchida. Eu ainda estou pensando
120 liÇÕ ES DE ARQUITETURA
em termos de urdidura e trama: a urdidura pode servir
para manter todo o tecido unido, mas a aparência do
produto final ainda é determinada pelo trama.
Mas estrutura e preenchimento não são apenas
equivalentes, são também recíprocos, e aqui, portanto!
a idéio de urdidura e trama não mais se aplica - da
mesma maneira que a fala também cria a língua l e
não só o inverso, elas se geram mutuamente, e quanto
melhor for a qualidade de cada uma delas menos
importante será a distinção entre as duas categorias.
VILLA SAVOYE, POISSY, 1929-32 / l E CORBUSIER {302-30S)
É difícil encontrar um exemplo melhor de um plan libre do
que a Villa Savoye de le Corbusier em Poissy: Les Heures
Claires lHAs Horas ClarasH)_
O plan libre demonstra uma exploração coerente das novas
possibilidades oferecidas pela aplicação da estrutura de
concreto.
Uma característica desses primeiros exemplos de planos
livres eram, além das colunas livres , as paredes
freqüentemente curvadas, que proclamavam quase
ostentosamente sua li bertação da função de suportar o
peso. Quando somos confrontados com uma moldura
concreta desse tipo, esperamos inevi tavelmente que os
colunas estejam distribuidos segundo algum arranjo regular,
governado por critérios construtivos, e, à primeiro visto, nos
sentimos inclinados o pensar que elas foram arran jadas
como estó indicado na figura a, mas não é absolutamente o
coso.
É possivel que le Corbusier tenha partido de um sistema
regular, mas, durante o desenvolvimento do projeto, tenha
sentido o impulso não só de adaptar as paredes às
posições das colunas, mas também de deslocar as colunas
em relação com as paredes para obter a configuração
correta . Em virtude das condiçães oferecidos pelas paredes
...........
I
cI~ .+++... I--
blf-----LLL- t-I
,
I
·· .. ·· .. ··t···i· + .. -
• I+------l--'-t-'--····f-~-_1
!
e pelos colunas, os dois sistemas deram espaço um poro o
outro, e assim criaram os condições de li berdade um no
outro. O edifício, como uma máquina branca, uma nave
espacial de outro planeta aterrissado no meio do natureza,
represento, mais do que qualquer outro, o mecanismo do
arqu itetura do século XX.
CRIANDO ESPAÇO, DEIXANDO ESPAÇO 121
303
30J
305
4 GRELHA Planto, Timgad, Algério
o princípio de ordenamento mínimo da cidade por
meio de uma grelha é conhecido desde que se
invento~ o planejamento urbano. Há cidades que, por
causa de uma série de acontecimentos, não evoluíram
segundo um processo gradual de crescimento. Nelas,
desenvolvidas de acordo com um plano preconcebido e
fixo, toda vez que as circunstâncias locais deixaram de
fornecer por conta própria um incentivo automático
para a lguma espécie de ordenamento, sentiu-se a
necessidade de algo semelhante a uma grade: um
"projeto" para o que devia ser feito em seguida.
Qualquer que tenho sido o ponto de partida em cada
caso específico, encontramos ao longo do história
variações sobre o mesmo tema, isto é, as quais
garantem numa fórmula única as condições de
distribuição de terra, seja em grande escala seja no
longo prazo, e o acesso a cada lote de terra. O ponto
de partida é quase sempre o lote retangular ou
quadrado: ruas cercando quadras cujas dimensões
correspondem ao método de construção escolhido,
oinda que em princípio elas possam ser preenchidas
de várias maneiras, já que a natureza do
preenchimento depende das carocteristicas do período
em que ele é exigido.
122 LlÇÓ ES DE ARQUIT ETURA
ENSANCHE, BARCELONA, 1859 / I. CERDÁ 1307·3101
O plano de Ildefonso Cerdá para Barcelona, na segunda
metade do século XIX, teve como objetivo garantir uma
qualidade superior à oferecido por uma ordenação
primário de ruas e quadras, dentro da qual se podia fazer
o que bem se entendesse. Ele estabeleceu o tamanho das
praças em relação à altura de certos construções, para
garantir condições adequados de moradia em todos os
setores. Propôs também que porte dos quadras deveria ficar
sem edifícios. Nada disto foi mantido na execução porque,
como acontece freqüentemente, os exigências de qualidade
poro o moradia não conseguiram prevalecer sobre o poder
dos proprietários de terras e incorporadores. A proposta de
Cerdá de um princípio de construção formado por fa ixas
que podiam alternar a direção por quadras, por mais
simples que possa parecer, conseguia criar possibilidades
de variação virtualmente inexauríveis, o que poderia
conduzir a um padrão incrivelmente rico do espaço urbano.
E isso não se aplica somente aos volumes no âmbito
abstrato, pois há também a alternância com o verde, que
constitui, por si mesma, um fator deorganização na
definição e na variação do espaço. E ainda não nos
referimos à elaboração posterior das quadras por vários
arquitetos, cada um com sua própria assinatura, o que
automaticamente assegurava que não haveria dois lugares
idênticos dentro desse sistema lúcido e coeren te.
O aspecto mais engenhoso desse plano reside na clara
definição das esquinas, e na maneira como esses edifícios
de esquina voltam-se regularmente com uma fachada
diagonal para as ruas que se cruzam. As quatro diagonais
ampliam cada interseção, formando desse modo uma
pequena praça, capaz de fornecer um alivio bem-vindo à
monotonia das ruas compridas. Mas, mesmo na forma em
que esse plano acabou sendo realizado, com quadras
assentadas de maneiro fechada e edifícios bem mais altos
do que estava previsto no plono original, o efeito desse
orranjo do esquina sobre o farout como um todo ainda é
notável e cheio de sugestões para que os arquitetos se
li bertem - como foi o caso de Gaudi - da rigidez das
soluções mais óbvias.
119,",,"
310
Casa Mi/á, Barce/ono, 1906· 10 ! A. Gc_~
CRIANDO ESPAÇ O, DE IXANDO ESPAÇ O 123
311 312
MANHATTAN, NOVA YORK 1311 ·31.)
Nas grandes cidades americanas que se desenvolveram
rapidamente, encontramos a grelha aplicada em sua formo
mais elementar e com seus resultados mais característicos.
É difíci l imaginar melhor maneira para domar a coleção
selvagem de formas arquitetônicas, que vai desde estruturas
achatadas até arranha·céus - já que é quase impossível
exercer controle neste mundo da inexorável livre empresa.
Monhanan é inegavelmente o exemplo mais excitante de
todos. Não apenas vemos desfilar diante de nossos olhos a
mais fascinante gamo de soluçães arquitetônicas como se
fosse uma paisagem cheia de variaçães, mas ainda, graças
à formo curiosamente alongado do península, nos foz
perceber dois traços contraditórios: de um lado, os ruas
largas 00 longo do eixo longitudinal, que são tão
compridas que se pode ver o ponto de fuga no horizonte,
el do outro ladol as ruas laterais mais estreitos cobrindo o
distância relativamente curto de uma margem à outra.
Enquanto experimentamos a vastidão do cidade em
Manhanan, cada rua lateral proporciona a visão do água
mais adiante. Neste caso l a grade contribui de uma
maneira muito especial paro a forma como experimentamos
o espaço urbano.
Uma das primeiros coisas a impressionar o visitante em
Manhanan é a fria e determinada regularidade com que o
grade foi aplicada, até que simplesmente não pôde mais
ser levada adiante. O resultado é que as bordas um tonto
irregulares não só parecem aleatórias como também, em
certo medida, insensíveis. Mas igualmente notável é que
124 IIÇÓES DE ARQUITETURA
também o sejam os lugares onde surgiram os soluções mais
interessantes. Seria de esperar, dentro de um sistema
retangular tão rigoroso, que os extremidades pudessem
terminar de uma maneira condizente com as possibilidades
oferecidos pelo grade. Mos, como com tonto freqüência
acontecei é o confronto entre um princípio e outro que
revelo a natureza de cada um . Isto se torno talvez ainda
mais evidente quando o padrão longitudinal regular é
cortado pelo Broodway, o velho cominho rural que
permaneceu virtualmente intocado como se fosse inerente à
paisagem. A Broadway foi incorporado à grade como um
fator inevitável, e em todos os pontos em que encontra o
grade provoca uma ruptura, desafiando os arquitetos o
achar uma solução imaginativo para essa irregularidade.
Um exemplo célebre de uma solução desse tipo é o edifício
FlaHron em Madison Squore. É nesses lugares que o
natureza da gr~de se manifesta de maneiro mais
convincente.
A concepção mais equivocada quanto 00 sistema da
grelha é a idéia de que ele conduz quase que
inevitavelmente à monotonia, e que seu efeito é
opressivo. Estes perigos realmente existem, mas aqui
temos exemplos suHcientes para provar quer numa
extensão gigantesca de edifíciosr os aspectos negativos
se tornam secundários. Se o ordenamento da grelha
realmente expandirá as possibilidades de variação em
vez de reduzi-Iasr é algo que irá depender, em
primeiro lugar e acima de tudo, da descoberta do
/
verdadeiro equilíbrio entre as regulamentações e a
liberdade de escolha.
A grade é como uma mão trabalhando a partir de
princípios extremamente simples - ela com certeza
estabelece as regras gerais l mas é por demais flexível
quanto ao detalhamento de cada sítio. Como umo base
objetiVai ela delineia o layout do espaço urbanor e
essa disposição reduz a proporções aceitáveis o efeito
inevitavelmente caótico das inúmeras decisões
isoladas. Em sua simplicidade, a grade é um meio
mais eficiente de obter algum tipo de regulamentação
do que muitos sistemas de regras mais complexas que,
embora ostensivamente mais flexíveis e abertos,
tendem a sufocar o espírito imaginativo. No que se
refere à economia de meios, parece-se muito com um
tabuleiro de xadrez - e quem pode pensar num leque
maior de possibilidades surgindo de regras simples e
diretos do que as de que o jogador de xadrez dispõe?
CR IANDO ESPAÇO, DEIXANDO ESPAÇO 125
31S 31 6
S ORDENAMENTO -DA CONSTRUCAO ,
Em termos simples, seria possível dizer que o
ordenamento da construção é a unidade que surge
num edifício quando as partes tomadas em conjunto
determi~am o todo, e inversamente, quando as partes
isoladas derivam desse todo de modo igualmente
lógico. A unidade resultante do projeto que emprega
consistentemente essa reciprocidade - partes
determinando o todo e determinadas por ele - pode
num certo sentido ser vista como uma estrutura.
O material (a informação) é escolhido deliberadamente,
adaptado oos requisitos da obra em questão, e, em
princípio, as soluções das vórios situações de projeto
(i.e., as suas inter-relações de um lugar Q outro) são
permutas ou, pelo menos, derivados diretos das
partes. O resultado será um relacionamento daro,
pode-se dizer até mesmo familiar, entre as várias partes.
Seguindo essa linha de raciocínio, vemos que há uma
comparação óbvia com aquele notável exemplo de
estrutura: a língua.
Cada frase deriva seu significado dos palavras que o
compõem, 00 mesmo tempo em que cada palavra
deriva seu significado da frase como um todo.
Naturalmente, cada edifício bem projetado tem urna
idéia coerente, uma unidade temático distinto, uma
unidade de vocabulário, material e método de
construção. Mas aqui o essencial é o projeto baseado
numa estratégia coerente. Começando pelos
componentes, temos de percorrer todo o edifício várias
vezes paro verificarmos se todas as extremidades
podem ser reunidas sob o denominador comum de um
tema (testando assim a hipótese). Esta exploração, por
sua vez, conduz ao ajuste da hipótese ou do tema.
Este método de trabalho implico, na verdade, o
preenchimento da própria estrutura do projeto, por
assim dizer, e, mediante o feecJback do resultado,
acaba-se por chegar a um ordenamento no qual as
126 LIÇÕ ES DE AlQUl lET URA
condições para todas as inserções concebíveis já
estejam presentes. Em outras palavros, uma estrutura
que foi programada para acomodar todas as inserções
possíveis. Assim, é possível chegar objetivamente a
uma unidade de espaço, componentes, materiais e
cores, de tal forma que possa acomodar um máximo
de usos variados. Este processo de pensamento,
concebido sob a inspiração do estruturalismo, procura
acertar contos com o esforço algo contraditório do
funcionalismo para descobrir uma forma específica e
uma organização espacial específica para cada função.
O projeto que procura o máximo denominador comum,
o conjunto de todos os requisitos em discussão numa
tarefa particular Ii.e., o programa em seu sentido mais
amploL emprega uma estratégia diferente e exige uma
visão fundamentalmente diferente do arquiteto.
ORFANATO, AMStERDAM, 1955-60 / A. VAN EYCK 1315-321)
A primeira estrutura executada com um ordenamento da
construção, no sentido de umaunidade na qual as partes e
o todo se determinam reciprocamente, é o orfanato de Aldo
van Eyck. A organização desse edifício, com suas "ruas" e
"praças" e unidades de construção independentes, é como
a de uma pequena cidade autônoma. Ele desperta essas
associações ainda que não conheçamos a exortação de
Van Eyck: "Faça de cada coisa um lugar, faça de cada casa
e de cada cidade uma porção de lugares, pois uma casa
é uma cidade minúscula e uma cidade é uma casa
enorme./I
Esta identificação com uma ' pequena cidade" é talvez o
passo mais criativo e uma ruptura de grande significado.
Na fase do proieto, uma vez estabelecida essa "conexão",
uma série de associações posteriores emerge,
acrescentando uma nova dimensão à qualidade dos lugares
comunitários, IIpúblicos", Corredores se tornam #ruas", a
iluminação interior se torna lI iluminação de rua" e assim
por diante. Embora um edifício não possa nunca ser
uma cidade, ou mesmo alguma entidade intermediária,
ainda assim pode tornar-se semelhante a uma cidade e,
desse modo, transformar-se numa casa melhor. Essa
imagem recíproca da casa-cidade conduz a uma
articulação coerente de grande e pequeno no interior e no
exterior, em seqüências de unidades contingentes que se
interl igam sem tensão ou esforço. Quando essa articulação
é levada a cabo até a sua menor dimensão, não só os
edifieios e as cidades adquirem um significado recíproco,
mas também os edifieios e a mobília , pois as peças da
mobília J/construída'l são como pequenas casas diante das
quais nos sentimos ai nda mais inferiorizodos do que num
quarto amplo. Assim, cada parte recebe a dimensão que se
adapta melhor a seu objetivo, i.e. , o tamanho certo pelo
qual ela se torna o que é.
Hoje tudo isso pertence ao conhecimento comum, portanto,
eu me pergunto se existe alguém que acredite não ter sido
inAuenciado par essas formulações. No entanto, o que
sempre me surpreende é que, por mais absorvente que a
elaboração até a menor parte possa ser, o essência do
conjunto maior permanece invariavelmente poderoso .
O todo irradia a tranqüilidade de um equilíbrio que
compreende uma extraordinário complexidade de forma e
de espaço numa única imagem. Parece-me que o segredo
está na inexorável unidade de materia l, fo rma, escala e
construção, combinados em um ordenamento de construção
de tal clareza que eu sempre o associei mais com a ordem
clássica do que com o casbah. lEu sei, Aldo quer os dois:
clareza, mas lab iríntica; casbah, mas organizado. Nem um
nem o outro, mas os dois ao mesmo tempo, o que reclama
um mecanismo mais abrangente. A essa altura, com todos
os meios que o século XX põe à nossa dispos ição, já
deveríamos estar em condições de realizar algo assim.)
Talvez os dintéis também tenham algo a ver com isto,
marcados como são pelas aberturas horizontais colocadas
para dar a impressão de um alargamento das colunas no
alto, como um capitel. A zona contínua de dintéis forma um
horizonte por todo o edifieio, tonto do lado de dentro
quanto do lado de fora.
O que desse modo se torna claro paro mim é que a
maneira coma uma paisagem é libertada por seu horizonte
é similar à maneira pela qual o potencial coesivo do
ordenamento da construção pode dar ao edifieio um
horizonte do qual - estranho paradoxo - ele extrai sua
liberdade.
São as unidades do telhado em forma de abóbada, as
colunas arredondadas e, acima de tudo, a cadeia de dintéis
que tornam passível a interpenetração de exterior e interior.
Convidam, por assim dizer, um jogo de paredes, que levam
o exterior para dentro e o interior paro fora. A escola 00
ar livre de Duiker vem à nossa mente. Ali, a superlieie de
vidro em volta do limite exterior das salas de aula abre
espaço para amplas galerias abertas las salas de aula do
lado de Iara), enquanto a moldura de concreto continua a
permitir a "leitura" da mossa inteira do edilieio. Por meio
do vigamento, da maneira que só Duiker sabia fazer, as
cantos se tornam ainda mais leves e transparentes.
CR IAN DO ES PAÇO, DEIXANDO ESPA ÇO 127
317 318 319
llO 321
32'
lnoi>
m
No Orfanato, a superfície exterior também se volta para
dentro para formar pórtico, galeria ou varanda dentro da
periferia, mas o inverso tombém ocorre: o interior irrompe
em três lugares, suprimindo os cantos internos que, de outra
maneira, restringiriam o movimento e a visão desses
lugares. Soluções desse tipo são certamente espantosas.
Meu primeiro contato superficial com o Orfanato, ainda em
construção naquela época, já foi su ficiente para me
convençer de que esse novo e admirável edifício pertencia
a um tipo inteiramente novo, baseado num mecanismo
diferente e proclamando um outro tipo de arquitetura. 181
llNMu 1322·331)
O espaço de trabalho que foi construído no telhado de uma
fábrica da começo deste século teve como primeiro ob jetivo
ampliar as instalações. Nessa época, a expeclativa era de
que, à medida que os diversos departamentos da fábrica se
expandissem, fosse necessário realizar uma série de
ampliações:
1 . a impossibilidade de prever que departamentos iriam
precisar de expansão e quando;
2. a nalureza e o potencial de investimento da companhia
128 liÇÕ ES DE ARQUITETURA
permitiam apenas que um número limitado de unidades
fossem construídas simultaneamente;
3. a qualidade das instalações existentes era
suficientemente boa para justi fi car sua conservação e,
embora um tanto sombrio e disposto de maneira ineficiente,
o edifício ainda serviria após alterações pouco importantes.
Para direcionar o crescimento esperado no futuro e evitar
que as extensões se transformassem numa colcha de
retalhos, tomou'se a decisão de projetar as unidades de
construção com base em vórios motivos inter-relacionados.
Deste modo seria possível usar diversas combinações para
criar uma variedade de espaços maiores. Os princípios
fundamentais do projeto foram os seguintes:
a. Para acomodar as mudanças constantes dentro do
negócio, cada unidade tinha de satisfazer a uma ampla
escola de requisitos industriais - i.e., não poderia ser
estritamente adaptada a um programa específico, mos
deveria ser suficientemente flexível para acomodar diversas
funções sem que a unidade precisasse ser reajustada;
b. Após cada ampliação, as instalações construídas
deveriam estar completas, independentemente do estágio
subseqüente da construção; cada novo acréscimo devia,
portanto, formar um todo acabado.
Por conseguinte, cada unidade deveria ter uma identidade
própria, suficientemente forte para se afirmar por si,
independente do ambiente específico e, além disso,
contribuir para a identidade do todo mais amplo do qual
constitui parte. Neste caso, o uso um tonto demonstrativo
dos componentes pré·fabricados não é uma conseqüência
do necessidade de repetir, mos sim - e isto parece
paradoxal - uma conseqüência do desejo de individualizar
cada componente. Os componentes devem ser autônomos
para que possam servir a múltiplas funções, enquanto a
forma deve ser escolhida de tal modo que as diversas
unidades possam ser constantemente harmonizadas.
Os prédios originais foram construídos de modo que
permitissem que um outro andar fosse acrescentado em
cima e eram, portanto, fortes o suficiente para servir de
base às ampliações graduais que deveriam cobrir essa
formação artificial de pedra. As novas estruturas realçam a
cor das anteriores, ao mesmo tempo em que as estruturas
anteriores contribuem para a criação e para a formação
das novas. O velho e o novo mantêm suàs identidades ao
mesmo tempo em que as confirmam mutuamente.
•
"" '" CI
-- :--rn -, , d3
: I '
: II '"'".::]
__ ~""';.JU';
CRIANDO ESPAÇO, DEIXANDO ESPAÇO 129
32l
ro
326 328
329 3JQ 331
e
1c::::Jí'
te ]
332
333 334
33S
.~.
DE DRIE HOVEN, LAR PARA IDOSOS 1332·341 1
Este con junto poro pessoos idosos e incapacitadas consiste
em seções de asilo, de assistência e de moradias
independentes e instalações centrais de lazer. Cadauma
das seções tem suas próprios regras e regulamentos, já que
administrações diferentes são responsáveis pelas várias
seções. O projeto global teve de acomodar uma variedade
considerável de dimensões no que diz respeito à variação
de altura e largura de corredores, quartos e pavimentos.
E já que as combinações dessas diversas categorias de
acomodação deviam ser intercambiáveis ao máximo, para
que os residentes, cuia condição melhorasse ou piorasse, só
~@"iihiííi_f"1
~~~~~~
-~ -.."'~ .. ---~ ~ '-" ....
130 II ÇOES DE ARQU ITETUR A
fossem removidos de uma seção para outra o mínimo
possível, era óbvio que o conjunto devia ser concebido não
como um aglomerado de edifícios separados, mas como
uma área urbana, uma cidade em miniatura em que todos
as instalações de lazer e conforto fossem, em princípio,
acessíveis a todos os moradores.
Estas considerações conduziram à idéia de se criar uma
moldura estrutural contínua, baseada no mesma unidode
modular, capaz de responder às exigências de um
programa altamente variado e complexo. A menor unidade
capaz de servir como componente básico para quartos de
qualquer tamanho foi calculada em 92 centimetros.
Os programas de exigências das respectivas categorias
fo ram subseqüentemente adaptados o um ordenamento
global de construção, consistindo estruturalmente num
sistema de colunas, vigas e assoalhos, i.e. , uma ordem
condicionada a priori pela unidade de medida adotada de
92 centimetros e, por conseguinte, capaz de assimilar uma
ampla gama de exigências específicas.
A sincronização e padronização das dimensões por todo o
complexo não era importante apenas para o uso
intercambiável, mas também para a obtenção do método de
construção mais racional e rápido, reduzindo assim os
cuslos ao mínimo e manlendo os limiles do orçomento.
Para reduzir ao minimo o número de elemenlos de
construção, forom escolhidos dinléis de três tamanhos para
três tipos de vãos: 2 x 92 = 184 cm; 3 x 92 = 276 cm; 4.x
92 = 368 cm. A soma desses vãos produz medidas padrão
de 5 x 92, 6 x 92, ele., como um sislema de moedas
(5 cenlavos, 10 centavos e 25 centavos).
Com o "kit de construção" resultante, composto por vári os
elementos, os espaços e massas de construção podem ser
combinados à vontade. O layoul inicial desse complexo
consistia em unidades agrupadas em torno de três pálios de
tamanhos sucessivamente maiores. O contraste do efeito
espacial era ainda mais forta lecido com eslruturos de dois e
três andares cercando o maior dos Irês pátios, estruturas
de três e quatro andares cercando o pátio médio, e de
cinco e seis andares cercando o pátio menor. A progressão
de dais a seis andares alcança seu ponto arquitetônico
culminante no cenlro do conjunto, expressado por uma
janela espacialmente extrovertida acima do ouditário (à
qual eu atribuí grande importância, assim como também ao
fa to de que os diagonais dos três pátios fo rmam ângulos
retos). Uma boa dose de energia foi gosto com esses
procedimentos, já que estávamos confiantes no programa
de requisitos. No entanto, logo ocorreram mudanças sob a
influência de um súbito desenvolvimento nas idéias e nas
abordagens quanto à assistência aos mais velhos.
Embora muitas das novas propostas pudessem ser
adaptadas por meio de uma série de modificações que não
implicavam alterações fundamenlais no plano original,
tornou-se evidente, após certo tempo, que o circuito
fechado de acordo com o qual o plano fora organizado era
.~ .
~1R!ç E
: i§!:~dJ>
;!r~f'~~
. .JJJlIUr: :'=:
fiTTT:~i. I + '+ '-HE.~ ~..'ãiJ . ~g~
~-1Tíf'i'f'i1E: .: : :: :~ ~ ~ ~+-
~~~~k~+~~~cf
rígido e hermético demais para adaptar'se a todas as
cnudanças que haviam se tornado necessárias nesse
~eríodo. Por fim, O plano teve de ser abandonado. A lição
1ue aprendemos com essa experiência foi a de que,
~uando aderimos rigidamente a uma organização tão
'''pecífica e explíc ita da forma principal, nosso plano está
destinado ao fracasso. De fato, o melhor é começar sempre
de uma estrutura básica mais aberta e flexível , capaz de
bcorporar os ajustamentos que se fizerem necessários.
epois desse fracasso, foi desenvolvido um novo conceito,
de acordo com o qual finalmente o projeto pôde ser
realizado. O primeiro posso, desta vez, foi estabelecer
quais serviços eram relevantes poro todos os prédios - tais
como escadarias, elevadores, quadro de luz, rede elétrica,
sistema de ventilação e sistema de esgoto. Todos eles foram
{Cncentrados em tubulações verticais, loca lizados a
1 ~
I
: : . :
distôncias racionais e regulares por todo o complexo.
O resultado foi uma constelação de torres que, no ômbito
do construção, adqui ri0 uma espécie de função
estabilizadora dentro do complexo como um todo.
O programa de requisitos, traduzido num esquema
espacial, foi superposto a essa grade "objetiva", assinalada
pelos torres, e ajustado às dimensões da área de
construção. Os pontos fixos de sustentação, as torres,
serviram conseqüentemente para dar certo ordenamento ao
espaço como um todo, enquanto o "kit de construção" de
elementos de concreto (pré·fabricadoslgarantiu a coerência
fina l e a un idade dos vários componentes que se formaram
"a partir de dentro".
A estrutura de construção do De Drie Hoven, composta por
vigas e colunas idênticos, está abertamente presente em
todo o edifício, embora a maneira como foi preenchida
varie de um lugar para o outro. O conceito do projeto de
uma estrutura desse tipo afirma que é possível uma grande
díversidade de preenchimentos, como reflexo de usos
diferenciados , sem pre juízo para a coerência visual e
organizacional do todo. Além disso, as conversões que se
tornaram necessárias como resultado de novos insights
podem ser faci lmente realizados no contexto da estrutura,
í h Ir-
I
I
I
I~
I
111111111 1 11
CRIANDO ESPAÇO , DE IXANDO ESPAÇO 131
,
o· - .
~. -.
O ' - .
=
~\
V r
" c c c c c c c c c c c c ~
c c c c c c
~
c c c c c c
\ 0-'- 9,.--"';> t: :J
, :J~-if:- ü C
c c c c c c
c c c c c c
/
132 LI ÇÕES DE AiQUII ETUIA
que continua a desempenhar sua função de sustentação e
que, em si mesma, não é ou quase não é afetada pela
alteração de paredes, portas, tetos, ele.
Se, por um lado, não deixa de ser doloroso para o
arquitelo verificar que os componentes que ele projetou com
tanta dedicação acabaram por desaparecer ou enlão foram
alterados até a desfiguração por outras pessoas, sem
consulta prévia, por outro lado também é uma espécie de
triunfo verificar que sua idéia, como conceito global,
permanece de pé. A estrutura pode ser comparada a uma
árvore que todo ano perde suas folhas. A árvore
permanece o mesmo, mas as folhas se renovam a cada
primavera. O uso vario de acordo com a época, e os
usuários exigem que o edifício se adapte à evolução de
seus insights. Às vezes isto implica um passo atrás na
qualidade espacial, mas às vezes, também, significa um
passo à frente, um aprimoramento da situação original.
• -~ - -___ .. _ - __ ·c_
. , r· ·~.
«
'.
" ~ . i - .
~
~--..- .. _-
EDIFíCIO DE ESCRITÓRIOS CENTRAAl BEHEER 1342·353)
A idéia proposta anteriormente em dois concursos de
projetos para prefeituras em Valkenswaard 1343·344) e
Amsterdam 1345·346), respec!ivamente, e que, finalmente,
veio a se materializar no edifício de escritórios Centra0 I
aeheer, é a de um edifício concebido como uma espécie de
povoado, composto por um grande número de unidades
espaciais iguais, como um grupo de ilhas. Essas
unidades espaciais constituem o bloco básico do edifício;
são re lativamente pequenas e podem acomodar os diversos
componentes do programa (ou "funções", se preferirem!,
porque suas dimensões, assim como sua forma e
organização espacial, se ajustam a essa proposta. Elas são,
portanto, polivalentes.
Enquanto o De Drie Hoven envolvia um programa com uma
grande diversidade de dimensões e de requisitos espaciais
. o que necessariamente resultou num ordenamento de
construçãoúnico, capaz de gerar uma grande variedade . ,
no caso deste edifício de escritórios, o programa, análogo
00 princípio básico escolhido do quadrado como unidade
espacial, ainda que simples no sentido elementar,
mostrava 'se capaz de responder virtualmente a todos os
requisitos espaciais. Graças à sua polivalência, as
., . --
~-- .' ..... .. :_ -.. _-- -
diferentes unidades espaciais podem, se necessário, assumir
outros papéis· e esta é a chave para a capacidade de
absorver mudança.
Projetar um edifício de escritórios pode ser bastante simples
em princípio, mas foi esta mesma necessidade de
adaptabilidade que conduziu ao resultado. Constantemente
surgem mudanças dentro da organização, requerendo por
conseguinte ajustamentos freqüentes no tamanho dos diversos
departamentos. A construção deve ser capaz de acomodar
essas forças internas, enquanto o edifício como um todo deve
continuar a funcionar em todos os aspectos du rante o tempo
todo. Isto significa que a adaptabilidade permanente é uma
pré'condição do projeto. Em cada situação nova, para
assegurar o equilíbrio do sistema como um todo, i.e., para
que ele continue a funcionar, os componentes devem ser
capazes de servir a objetivos diferentes.
A construção foi projetada como uma extensão ordenada,
composta por uma estrutura básíca, que se manifesta como
uma zona essencialmente fixa e permanente por todo o
edjfício, e por uma zona complementar variável e
interpretável.
A estrutura básica é o sustentáculo, por assim dizer, de
todo o conjunto. É a construção principal, abrangendo o
CR IANDO ESPAÇO. DEIXANDO ESPAÇO 133
•
3.2
134 liÇÕES DE ARQUITETURA
sistema de dutos e coincidindo com as principais "vias de
trânsito" dentro do complexo. A estrutura básica se
manifesta de duas maneiras: uma estrutura contínua
lespinha dorsal) e interrupções regulares ao longo da
periferia do complexo sob a forma de pequenas torres las
vértebras). As zonas interpretáveis estão ajustadas ao
desempenho de todas as funções previstas, o que gera
exigências específicas sobre o espaço, dando margem, por
conseguinte, a soluções "complementares" divergentes.
É essa zona interpretável que pode ser preenchida com os
ingredientes primários das diversas partes componentes.
A estrutura básica e a zona interpretável como um todo
esperam, portanto, um preenchimento complementar, ao
mesmo tempo em que permanecem essencialmente as
mesmas: o edifício como um todo deriva sua identidade do
conjunto das diversas interpretações.
~ J l." . ~
. C , .J .. ..;
, '0 " '0
., .. ; L ; I
r ' 0 " , ,.
." l .C .1 l .~ " L~ ., .. ."
I . I I ,I
! " I
! h O QJ
IR Q ..
351
352 353
CR IANDO mAçO, DEIXANDO mAço 135
J55
354
JJó 357 358
CENTRO MUSICAL VREDENBURG [355·36D)
Visto de fore, o conjunto como um todo parece ter uma
forma aleatória, e não corresponde às nossas expectativas
quanto a um edifício autônomo. O ponto de partida no
projeto - Le. , evitar o efeito de um "templo" da música ao
integrer a estrutura aos arredores tanto quanto possível - e
o principio de acesso subseqüente resultaram em um
arrenjo periférico composto de múltiplos facetas. E, como
todos essas facetas forem compostos pelos mesmos
materiais, elas representam, na verdade, apenas diferentes
facetas da mesmo todo. Em outras palavras, deu·se mais
atenção à legibilidade das partes da que à coerência do
todo, já que o todo está representado nessas partes. Isto
significa que a todo pode ser visto de muitos lodos
diferentes. Os elementos constitutivos tornam-se mais
independentes, são emancipados, por assim dizer, 8 1 em
136 LIÇÕ ES DE AiQUITETUi A
virtude das diversas maneiras como são Mmontadosll nos
contos, as relaçães que estabelecem entre si também
diferem constantemente. Deste modo, apesar de suas
periferias distintos, o uniformidade dos materiais e de
elementos constitutivos, assim como o maneira como
esses elementos se integram, fazem com que o conjunto
como um todo fole a mesma linguagem arquitetônica
(embora os revestimentos de madeiro no interior constituam
uma carecleristica adicional). Mediante o aplicação dos
mesmos materiais básicos dentro e fora , o interior e o
exterior são colocados em perspectiva, reforçando assim o
expressão global de acesso.
Um papel importante no ordenamento do construção é
desempenhado pelo uso repetido de colunas, com suo
linguagem formal enfático e facilmente reconhecível. Elos
estão dispostos segundo um esquema de grede, em
distâncias iguais, demarcando desse modo áreas iguais por
todo o edifício. Representam o cadência do edifício e dão
ritmo ao espaço, como os notações que indicam o tipo de
intervalo e de compasso numa peço musical.
O arranjo dos colunas constitui um sistema de ordenamento
mínimo que permite um preenchimento bastante flexível de
suas diversos partes, e que tem o efeito de regular a
grande diversidade de elementos constitutivos que emergem
da complexidade do programa.
." ,
-,--' '+rl-
, , '
Ao mesmo tempo em que serve para unificar o todo, este
sistema de colunas contribui para que cada espaço seio
proietado de acordo com suas exigências específicas e com
sua localização. Este princípio não diverge essencialmente
do plan libre, desenvolvido nos primeiros anos desse século
como uma nova maneira de explorar todas as
possibilidades oferecidas pela aplicação de um esqueleto
de concreto composto de colunas e plataformas (354). Entre
as características típicas dos primeiros exemplos do plano
livre, estão em geral as paredes curvadas assim como as
colunas livres com seus próprios espaços; essas
características contrastam com a maneira segundo a qual o
plano livre é geralmente aplicado hoie em dia, com as
colunas servindo como um ponto de partida para as
paredes. Numa estrutura que abrange um número
proporcionalmente maior de quartos ou de espaços
fechados , o último "método" é obviamente mais adequado.
Quando as colunas são livres, é preferível que seiam
cilí ndricas porque pelo menos se adaptam de modo muito
mais amistoso e suave à presença de multidões.
Ao permanecerem no "caminho'" sem, porém, constituírem
obstóculo, as colunas man ifestam toda sua força, e sua
personalidade é reforçada posteriormente pelos capitéis
quadrados, uma "ênfase" da forma exigida pelo
construção. A principal função desses capitéis alinhados é 359
coordenar as conexões com os tetos que surgem de diversos
direções e com alturas diferentes. Além disso, sua largura 360
extra mantém o parede contígua à distância, aiudando
deste modo a criar certo espaço em torno de cada coluna.
As colunas no fachada servem paro manter os paredes o
uma distância maior ou menor, dependendo do quantidade
de vidro exigido em cada lugar. As aberturos na fachada
estão em geral localizadas na "zona das colunas", e só às
vezes aparecem como IIburacosll nas paredes.
As colunas dispostas livremente nos espaços que as
envolvem constituem um motivo recorrente com uma série
de variações por todo o edifício, produzindo uma imagem
reconhecível e característica. Na verdade, o coluna foi
proietada para fazer com que cada lugar pudesse
despertar experiências espociais diferentes, ao mesmo
tempo em que a coluna nua permanece a mesmo seio qual
for a sua localização específica. Dependendo da abertu ra
ou do fechamento criado, ela aparece com uma roupa
diferente: vestida por uma parte diferente. Deste modo a
coluna determina o aspecto de um lugar, e também sua
própria imagem é determinada, por sua vez, por este lugar.
A estrutura da coluna pode ser vista como um sistema que
gera liberdade: uma "competência" que fornece um
incentivo para o "desempenho" próprio de uma situação
específico j e, portanto, como um instrumento capaz de
produzir um ordenamento de construção coerente, apesar
da ausência de espaços repetitivos.
CRI ANDO ESPAÇO , DélX ANDO ESPAÇO 137
31i
312
313
'~ ~ / ./ i ' ./
./
" I
@'
, ./
'" j/ '--- " ... --r-.... ,
(
\ 1 X," I / \ '.
I ,,_./ "
1-~--<iJe----(--- , - *-- ; --~---<l>--j
\ / 1'" ; \ / ! ~/
" .~--_!_ ...... "'-
138 lIÇOES DE ARQU ITET URA
MiNiSTÉRiO DE ASSUNTOS SOCIAiS (361-379)
Em vez de um volume com uma sucessão sem fim de
andores de escritórios, o edifício foi articulado em
segmentos; o volume foi dividido em vários edifícios mais
ou menos ostensivamente separados, agrupados lado o
lado e diante uns dos outros 00 longo de uma zona central
alongada: i,e" vários pequenos edifícios de escritórios
formando um conjunto. Cada um desses ' blocos de
edifício' mais ou menos separados é formado por uma
série de octógonos interconectados e pode acomodar um ou
mais departamentos, cada um deles diretamente acessível a
partir da zona centra l.
As unidades de escritório consistem em uma ou mais ilhas
octogonois sucessivos ou superpostas de + 420 m', nos
quais os espaços podem ser arranjados de diferentes
maneiras, Cada unidade espacial abriga uma média de 32
pessoas em salas com uma, duas ou três áreas de trabalho.
Embora o edi~cio tenha sido basicamente projetado como
células de escritório, presta-se, em princípio, também a
formos organizacionais mais abertas onde e quando houver
tal necessidade.
O edifício parece formado por um aglomerado de
octógonos interligados - esta é, pelo menos, a primeira
impressão do periferia, quer visto do lodo de fora, quer do
lodo de dentro. Também o subdivisão em unidades de
escritório segue o padrão de octógonos,
De um ponto de vista construtivo, o edifício é um esqueleto
formado regularmente por grande número de elementos
idênticos de concreto pré-fabricado, montados no local.
Estes elementos foram combinados para obter uma
repetição de unidades espaciais semelhantes,
As vigas principais, posicionadas diagonalmente, formam
um zona contínua de condutos através de todos os andores.
O padrão foi escolhido com o fim de criar regularmente
espaços quadrados que fossem zonas secundárias foro da
zona básica da estruturo principal; essas zonas secundárias
podiam ser deixadas abertos entre os pisos dos andares
arrematados por vigas secundárias.
É a forma diagonal selecionada para arrematar essas
zonas secundárias que atravessa as formas octogonais do
andar como um todo, por assim dizer, e é também aqui que
se obtém o desejada articulação rítmica,
Desse modo, a estrutura escolhida poro o ed ifíc io torna
possível ' preencher" as diferentes partes do programa de
acordo com a organização desejada_ A'disposição regular
"objetiva" dos colunas oferece mais campo para que ha ja
variação nos preenchimentos e reaiusfes, de modo que o
edifício mostrar-se-á relativamente adaptável às
necessidades futuras.
A estrutura serve para íntroduzir ordem e não irá restringir
efetivamente a liberdade de preenchimento mas, ao
contrário, irá ampliá-Ia. A estrutura é o fio comum
arquitetônico que perpassa o con junto inteiro, tornando
legíveis seus diversos componentes e desse modo
I
!
J
~
I
I
j
I
"
;'
"
ordenando-os. Além da divisão e da organização espocial,
a estrutura também gera o ponto de partida para as
insta laçõe~ técnicas, num padrão semelhante de tubos de
condutos por todo o edifício, plenamente integrado à
construção.
A principal direção das unidades de escritórios - e esta é a
direção das vigas principais que constituem a estrutura
básica - é consistentemente diagonal com relação à direção
do edifício como um todo.
A maneira como o salão centrol, no condição de principal
artéria espacial, atravessa toda a extensão do edifício é
acompanhada, portanto, pela direção das vigas
secundárias que, embora de um calibre mais leve do que as
vigas principais, exercem uma função de, pelo menos, igual
importância do ponto de vista espacial.
Um dos temas mais curiosos do projeto desse edifício foi a
integração destas duas direções básicas deli beradamente
escolhidas. O problema resumia-se a fazer com que as
vigas principais e as vigas diagonais secundárias se
reunissem de tal modo que as últimas pudessem assegurar
uma definição convincente e contínua do espaço em toda a
sua extensão. A solução para o suporte das vigas,
provenientes de oito direções, foi proporcionada pelos
capitéis quadrados das colunas, os quais, formando
tabuleiros de um metro quadrado e divididos em oito
zonas, podiam, em principio, acomodar vigas de todas as
di reções. Os pontos de intersecção, vinte dos quais eram
necessários para atender todas as exigências espaciais do
edifício, foram projetados individual e coletivamente como
um único motivo plástico. As pesadas vigas principais,
provenientes de várias direções, e as vigas secundárias
mais leves foram harmonizadas dotando as vigas mais altas
de um perfil que unisse as dimensões de ambos os tipos;
além disso, os capitéis de colunas não foram orientados
para as vigas principais, mas para as secundárias (que se
tornaram as vigas de extremidade nos vãos).
365
366 367
•
.. _~
b
,
,
CR IA NDO ESPAÇO , DEIXANDO ESPAÇO 139
3ó8
J.l9
370
140 liÇÕ ES DE ARQUITETU RA
A conseqüência desta escolha de direção é que a direção
do salão central se manifesta tão fortemente quanto a das
vigas principais do edifício. Desse modo as in tersecções
criadas resumem todo o princípio estruturat e, assim, como
um ponto de um metro cúbico onde tudo se encontra, elas
representam o conceito estrutural e construtivo do edifício
como um todo e, em virtude da diversidade dentro da
unidade, sõo os elementos mais importantes do
ordenamento do edifício.
Graças à repetição em grande escala dos elementos
construtivos e à possibilidade de expandir total ou
parcialmente os pisos, o edifício foi eminentemente
adequado à execução com elementos de concreto
pré-fabricados. Uma vantagem era que a qualidade do
acabamento a ser obtida era suficientemente boa para que
os elementos pudessem servir como simples concreto.
A estrutura de suporte é construída essencialmente por
quatro elementos: colunas, vigas, tubos e pisos. As vigas
apoiadas nos capitéis de colunas eram guarnecidas de um
lado por uma saliência projetada que serviu num estágio
posterior como uma ligação simples para o vão formado
pelo piso do andar. O grau necessário de precisão foi
fornecido pela pré-fabricação das vigas. A estrutura
371
371 373
37. 375 376 3TI
ClIANDO ESPAÇO, DEIXANDO ESPAÇO 141
378 379
3BO 381
recebeu sua estabilidade dos tubos de condutos, moldados
na local. Para os pisos entre os vigas podia-se usar tanto
unidades pré-fabricados quanto concreto feito no loca l.
O espaço de estacionamento, embaixo da fachada do
edificio, foi executado com colunas distribuídas de maneira
idêntica à dos andares_ A decisão de adotar um sistema em
que os componentes pré-fabricados pudessem ser montados
no local representou uma redução considerável do custo, e
foi isto que tornou possível erigir uma estrutura tão
complexa com um orçamento limitado_
ESCOlAS ApOllO (380-3BB)
Estas duas escolas resultaram do mesmo programa espacial
de requisitos estabelecidas pelo Ministério de Educação e,
coma se desenvolveram a partir da mesmo ordenamento de
construção, como um projeto comum, há muitas
M1 ..
~
142 LIÇÕES DE ARQUllETURA
semelhanças entre elas_ Mas há também um série de
diferenças importantes entre os dois edifícios, em razão do
msentamento diferente e, conseqüentemente, em razõo da
orientação diferente das janelas das salas de aulas, e
também como resultada dos diferentes princípios
lubjacentel àldual comunidadel de escolal. Contudo, OI
mesmos meios arquitetônicos foram usados para resolver os
problemal elpecíficol aprelentadol pelol edifíciol,
resultando daí uma grande coerência entre os elementos
que compõem as duas unidades.
Nõo IÓ encontramos aqui um vocabulário arquitetônico 382 383
comum, mas tombém uma gramática arquitetônica comum ~
no lentido de que cada ,olução individual reprelenta uma 38.i 386
declinação diferente de um mesmo rodical. O princípioestrutural subjacente pode ser reI um ido em 20 pontos que
CRIANDO ESPAÇO , DE IX ANDO ESPAÇO 143
387
lSS
podem ser classificados de acordo com a maneiro como
são interpretados, por exemplo, dentro-fora; esqueleto ou
aplicação consistente de tijolos, peitoris, componentes de
aço; normal ou muito grande; vigas cruzadas ou conexões
em T. Todos os elementos são ligados por uma espécie de
144 UÇÔ fS DE ARQUI1fTUiA
parentesco, algo que resultou das considerações, ainda na
fase de projeto, sobre os implicações de cada ponto para
todos os outros pontos, de maneira que cada passo
subseqüente remete 00 primeiro.
A unidade de meios inerente a um ordenamento da
construção pode nos lembrar a class ificação dos estilos
arquitetônicos, de acordo com a qual o onipresente
estilo classicista vai ao encontro, de modo ostensivo,
dos critérios que estabelecemos para um ordenamento
da construção.
Num estilo arquitetônico cada elemento tem sua função
fixa e se deixa combinar com outros de acordo com
regras específicas. Neste sentido, um estilo
arquitetônico representa uma espécie de linguagem
formal por meio da qual podemos expressar
determinadas coisas mas não outras, já que cada
elemento e cada co"mbinação de elementos se referem
inevi tavelmente a certo significado fixOi deixando
assim pouca ou nenhuma margem para a
interpretação. Mas, além disso, as limitações técnicas
do "kit de construção" determinam seu potencial
espacial. Por exemplo, não se pode fazer vigas
canti léver - quando se aplicam princípios classicistas e l
por conseguinte, nõo pode haver nenhum canto aberto
sem uma coluna (como nos prédios de Ouiker e de
RietveldJ -I pois os meios para fazê-los simplesmente
não são proporcionados pelo kit de construção.
Na verdade l se a história da arquitetura tem algo a
ver com estilos arquitetônicos, é especialmente no fato
de que eles conseguiram libertar-se de seu jugo.
O arquiteto extrai suo raison d'être dos esforços
contínuos poro romper com o padrão convencionat
algo que ele precisa Fazer, pois o que tem a dizer não
pode ser dito com os meios disponíveis .
O ordenamento de construção de um projeto é o
resultado de umo compreensão mais profunda dos
usos que lhe serão atribuídos, agora e no fu turo.
O ordenamento de construção antecipa deste modo o
"desempenho" que se pode esperar dele: E a partir da í
uma "competência" é Ire}construída por meio de um
processo indutivo.
Por tanto, cada desígnio arquitetônico contém um
incentivo para desenvolver uma nova ordem, Le., uma
ordem emanando da natureza específico deste. Assim
como coda ordem representa um mecanismo
específico, ela também tende a ser exclusiva desse
mecanismo. Diferentes objetivos são enfatizados em
diferentes momentos, mas a questão central com a
estrutura é o paradoxo de um ordenamento que cria
liberdade - um horizonte presente em todo o plano.
389
Homem pondo peixes poro secor, Senegal
CRIANDO ElPAÇO, DEIXANDO ESPAÇO 145
6 FUNCIONALIDADE,
FLEXIBILIDADE E
POLlVALÊNCIA
Na arquitetura funcionalista, a forma derivava da
expressão de eficiência (o que não significava
automaticamente que toda arquitetura funcional isto
fosse igualmente eficaz). No "cidade Funcional" e no
"ediFício funcional", eram as diferenças que se
manifestavam particularmente. Isto conduziu a uma
especificação extremada de requisitos e dos tipos de
utilidade, cujo resultado inevitável acabou sendo mais
fragmentação que integração, e se houve alguma coisa
a que esses conceitos não resistiram, foi 00 tempo.
Na verdade, os bons funcionalistas, preocupados e na
verdade obcecados como estavam por seu "estilo
internacional" I conseguiram evitar as armadilhas
habituais, e a maior parte de seus edifícios cúbicos
brancos e arejados estão de fato adoptados a
múltiplos objetivos. Mas o chamado urbanismo
funcionol, em especial, oferece uma demonstração
muito claro da extensão em que o pensamento sobre
soluções poro os problemas arquitetônicos fo i
prejudicado pela segregação de funções, que acabou
prevalecendo sobre a integração. A rápida
obsolescência de soluções demasiadamente específicos
conduz não só à disfuncionalidade como também a
uma grave Falta de eficiência.
Basta pensar nas garagens de pisos inclinados, que
ainda hoje são construídas em grande escala. Pode
muito bem ser um sistema barato e. Fácil de construir,
mas nunca mais o edifício irá servir para qualquer
outra coisa, se houver necessidade de mudança -
como, por exemplo, numa época em que muito menos
pessoas tenham carro.
146 IIÇÓES DE ARQUIHTUR A
Flexibilidade se tornou a palavra mágica, tinha de ser
a panacéia para curar todos os males da arquitetura.
Contanto que o projeto dos edifícios Fosse neutro,
pensava-se, eles poderiam servir a vários usos e
poderiam, portanto, pelo menos em teoria, absorver e
abrigar a influência de épocas e situações de
mudança. Isto seria pelo menos um posso à Frente,
mos, na verdade, a neutralidade consiste apenas na
ausência de identidade, em outras palavras, na Falta
de traços característicos. O problema da mudança não
é tanto uma questão de ter de adaptar e mudar traços
característicosr mas de, antes de tudo, possuir esses
traços característicos!
"Flexibilidade significa - já que não há uma solução
única que seja preFerível a todas os outras - o
negação absoluto de um ponto de vista Fixo, deFinido.
O plano Flexível tem seu ponto de partida na certeza
de que a solução correta não existe, já que o
problema que requer solução está num estado
permanente de fluxo, i.e., é sempre temporário.
A Flexibilidade parece inerente à relatividade, mas, na
verdade, está ligada apenas à incerteza, à Falta de
coragem em nos comprometermos e portanto à recusa
da responsabilidade inevitavelmente ligada a cada
ação que empreendemos. Embora uma form ulação
flexível adapte-se a cada mudança que surja, não
pode ser nunca a melhor e mais adequada solução
para nenhum problema; pode fornecer qualquer
solução em qualquer momento, mas nunca a
melhor solução. A Flexibilidade representa, portanto,
o conjunto de todas as soluções inadequadas para
um problema . Dado isto, um sistema que se mantém
Flexível por cousa da mudança dos objetos que devem
ser acomodados dentro dele produziria a mais neutra
das soluções para problemas específicos r mas nunca a
solução melhorr a mais adequada ...
r
f
I
A única abordagem construtiva para uma situação que
está sujeita à mudança é uma formo que parto da
própria mudança como fator permanente - isto é,
como um dado essencialmente estático: uma forma que
seja polivalente. Em outras palavras, uma forma que
se preste a diversos usos sem que ela própria tenha de
sofrer mudanças, de maneira que uma flexibilidade
mínima possa produzir uma solução ótima. Nas
cidades de hoje, somos confrontados com um grande
número de moradias, cuja construção requer métodos
de produção com enormes quantidades de
componentes - os quais , no entanto, são uniformes.
Ao equiparar a uniformidade dos unidades de
moradias - resultado desses métodos de produção -
com a igualdade dos habitantes, chegamos ao ponto
em que moradias uniformes foram reunidas em blocos
de edifícios un iformes, mon6tonos.
O plano urbano uniforme e a planta uniforme dos
andares estão baseados no segregação de funções , e é
a obediência cega aos ditames dessas funções que fez
com que se tomassem as distinções entre morar e
trabalhar, comer e dormir, etc. como ponto de partida
para conceber os espaços para objetivos diferentes de
maneiras diferentes, com base em que atividades
diferentes fazem exigências específicas diferentes aos
espaços em que serão instaladas. Foi o que nos
disseram nos últimos 25 anos, mas, mesmo que morar
e trabalhar ou comer e dormir possam ser chamados
apropriadamente de atividades, isto não significa que
façam exigências específicas sobre os espaços em que
serõo localizadas - são as pessoasque fazem
exigências específicas, porque elos querem interpretar
a mesma e única funçõo à sua próprio maneira, de
.acordo com seus gostos específicos.
Se, na cidade funcional e na planta Funcional dos
onda res, a identidade daqueles que conceberam a
idéia em primeiro lugar se perde sem deixar rastro,
nõo se pode responsabilizar a uniformidade das
unidades habitacionais, mas a maneira como elas são
uniformes, ou seja, admitindo uma único função, em
um conceito prescrito e rigorosamente padronizado.
As casas e as cidades que estõo sendo construídas
-ctualmente não permitem e nõo permitirão
absolutamente nenhuma mudança fundamental.
Ao prescrever coletivamente onde as pessoas terão de
colocar suas mesas e camas - geração após geração -
nós estamos produzindo essa uniformidade. Esta
cristalização coletiva da liberdade individual de ação
atribuiu um objetivo predeterminado a cada lugar da
casa e da cidade - e o fez de modo tão pouco
inspi rado que todas as variações que constituem a
identidade são eliminados na raiz. O que faz com que
as velhas casas situadas nos canais sejam tão boas
para morar é que se pode trabalhar, descansar ou
dormir em qualquer quarto, pois cada quarto excita a
imaginação do morador para que ele o use da
maneira que quiser. A grande diversidade no centro
antigo de Amsterdam, por exemplo, não é causada
pela existência de princípios subjacentes mais ricos ou
mais variados (os princípios subjacentes aos edifícios
do século XX são certamente mais complexos), mas
sim pelas seqüências de espaços nos quais, ainda que
não sejam em geral muito diferentes uns dos outros, o
potencial para a interpretação individual é inerente à
sua maior polivalência.
As interpretações coletivas dos padrões de moradia
individual devem ser abandonadas. Precisamos agora
de uma diversidade de espaço em que as diversas
funções possam ser sublimadas poro que se tornem
formas arquetípicas, que tornem os interpretações
individuais do padrão de moradia comunitário
possíveis em virtude de sua capacidade de acomodar,
absorver e, na verdade, de induzir cada uma das
funções e das alterações desejadas." [11
CRIANDO ESPAÇO, DE IX ANDO ESPAÇO 147
190 191
o texto acima e todos os exemplos que citamos até
agora constituem um apelo para que passemos a
projetar de ta l modo que os edifícios e as cidades
possam ter a capacidade de se adaptor à diversidade
e à mudança e também conservar a sua identidade.
O que estamos procurando é uma maneira de pensar e
de agir que possa conduzir a um "mecanismo"
diferente (em termos lingüísticos poderíamos folor de
um p~radigmal, que seja menos fixo, menos estático, e
que seja! portanto, mais bem equipado para
responder ao desafio que a sociedade do século XX,
com toda a sua complexidade, propõe ao arquiteto.
O essencial, portanto, é chegar a uma arquitetura que,
quando os usuários decidirem dar-lhe um uso diferente
do que foi originalmente concebido pelo arquiteto, não
seja perturbada a ponto de perder sua identidade.
Para dizê-lo de modo mais contundente: a arquitetura
deveria oferecer um incentivo para que os usuários a
influenciassem sempre que possível, não apenas para
reforçar sua identidade, mas especialmente para
rea lçar e afirmar a identidade de seus usuários.
O estruturalismo mostrou como este processo é efícaz
na língua, e minha referência insistente a ele é porque
encontramos a í uma direção para a arquitetura .
Embora a arquitetura seja concebida freqüentemente
como um sistema de comunicação, ela não é apenas
uma língua, apesar de uma série de a nalogias, tais
como os conceitos de "competência" e "desempenho",
que não se aplicam exclusivamente à língua, mas são
igualmente adequados ao uso da forma - e dos quais,
148 liÇÕ ES DE ARQUITETURA
em princípio, também devemos ser capazes de extrair
a forma. Não é preciso dizer que a eficácia deve
sempre vir em primeiro lugar, já que é o único critério
além de qualquer controvérsia - embora seja da
máxima importância estabelecer o que se quer dizer
exatamente com o termo. Sem dúvida, existem objetos
e formas que não têm mais de um único objetivo, em
geral instrumentos técnicos, e que devem simplesme~te
funcionar! fazer o seu trabalho, nem mais nem menos.
Mos a maior parte dos objetos e das formas possuem,
além do objetivo para o qual foram projetados e ao
. qual geralmente devem seu nome, um valor adicional
e potencial e, portanto, maior eficácia. Esta maior
eficácia, que chamamos polivalência e que se
aproxima da IIcompetência", é a característica que
desejo enfatizar como um critério do projeto.
O excerto seguinte, de um texto de 1963, aborda estes
mesmos princípios básicos. Serve também como uma
introdução ao próximo capítulo.
"A reciproddade da forma e do programan
liA característica mais importante de uma cidade é,
talvez, a contínuo mudança inerente a um ambiente
urbano, que experimentamos como uma situação
normal, cotidiana. A cidade está sujeita a constante
mudança; a cidade nunca se submeteu e continua a
não se submeter às regras do cresdmento orgânico e
da evolução funcional, de acordo com as quais o
homem tentou dar-lhe forma. Cada dia, cada estação,
e em longo prazo, surgem mudanças temporárias e
duradouras, incidentais e regulares: pessoas mudam-se
de uma casa para outra e edifícios são modificados, e
o resultado são deslocamentos nos focos da teia de
relações, que, por sua vez, dão origem a outros
deslocamentos na intensidade. Assim, cada
intervenção traz uma mudança no significado das
outras formas construídas, em maior ou menor
extensão.
Para que cada cidadão e cada coisa da cidade
mantenham sua identidade em todos os momentos, é
necessário que a situação seio completa em si em
todos os momentos.
O processo de mudança deve afigurar-se
constantemente a nós como uma situação permanente;
é por isso que a possibilidade de mudança deve se
tornar, em primeiro lugar e acima de tudo, um fator
constante, que contribui para o significado de
cada forma individual. Para fazer frente à mudança,
os formas construídas devem ser feitas de tal modo
que permitam múltiplas interpretações, i.e., que
possam ao mesmo tempo absorver e exsudar múltiplos
significados, sem, contudo, perder sua identidade
neste processo.
Quaisquer moradias uniformes, portanto, devem, no
mesmo periodo, como qualquer lugar na cidade em
qualquer momento, ser capazes de acomodar
significados alternativos.
A analogia deixa claro que tempo e lugar podem ser
eliminados e substituídos por um único ponto focal de
partida, i.e., que significados são capazes de mudar
seu domicílio.
Fica igualmente cloro que nem a neutralidade, que é o
resultado inevitável da flexibilidade (tolerável para
todos, perfeita para ninguém), nem a especificidade,
que é a conseqüência de excesso de expressão
(perfeita - mas para quem?), podem produzir uma
solução adequada. Não é em algum ponto entre esses
dois extremos, a falta de comprometimento e o
exceS50 de autoconfiança, que reside a possibilidade
de uma 50/uçõo, mas além deles: ou seja, num ponto
de vista com o qual cada um possa se relacionar à sua
maneira, um ponto de vi5ta que possa, portanto,
assumir um significado diferente - e, portanto,
divergente - para cada indivíduo.
Para poder ter diferentes significados, cada forma
deve 5er interpretável no sentido de poder aS5umir
papéis diferentes. E só pode assumir esses papéis
diferentes se os diferentes significado5 estiverem
contidos na essência da forma, de maneira que seiam
uma provocação implícita mais do que uma sugestão
explícita.
Uma forma destituída dos 5ignificados a ela ligados,
embora possua pluralidade, iá que os 5ignificados
podem ser extraídos dela, está reduzida a seu objetivo
mais primário.
Se queremos responder à multiplicidade na qual a
sociedade se manifesta, devemos libertar a forma dos
grilhões dos significados cristalizados. Devemo5
procurar continuamente as formas arquetípicasque,
pelo fato de poderem ser associadas a múltiplos
significados, são capazes nõo só de absorver mas
também de gerar um programa.
Forma e programa produzem-se mutuamente." [3]
CRIANDO ESPAÇO, DEIXANDO ESPAÇO 149
7 FORMA E USUÁRIOS:
O ESPACO DA FORMA ,
Até aqui l a noção de estrutura foi usada como uma
rlmolduTa" (de relações constantes) com a copacidade
potendol de produzir liberdade de interpretação - 8,
portanto, de alcance - em cada situação individual.
lidamos até agora sobretudo com formas urbanas que
foram interpretadas por várias pessoas
simultaneamente, 8, conseqüentemente, em situações
coletivas, associações coletivas aparentem!,nte estavam
envolvidos.
Em termos da estruturo e de seus projetistas, nossa
principal preocupação foi com a relação entre
projetista e estrutura, com os usuários desempenhando
um papel subserviente, mais como objeto do que como
sujeito - pois, embora possamos estabelecer que uma
forma foi interpretada como estrutura, isso não explica
o que induziu as pessoas a fazê-lo.
Ora, ao considerarmos a forma num sentido geral
como uma espécie de estrutura, a relação entre forma
e usuários torna-se mais uma vez possível quando os
usuários são indivíduos, e desse modo o noção de
forma pode se desprender do jugo da abstração. Este
deslocamento do foco de atenção para o que uma
forma pode significar para aqueles a quem diz
respeito le que entram em relação com elo) levanta
indiretamente a questão da relação entre o criador da
forma, o projetista e os usuários.
Partindo da interpretabilidade como uma característica
inerente à forma, chegamos à questão de saber o que
torna uma forma - na condição de estrutura -
interpretável.
A resposta deve ser: a capacidade de acomodação da
forma, poderíamos dizer sua "competência", que
permite seja preenchida por associações e conduza o
uma dependência mútua com os usuários.
Assim, o que nos preocupa aqui é o espaço da forma,
do mesmo modo como um instrumento musical oferece
liberdade de ação ao executante.
150 IIÇÕfS Df A!QUlmURA
Nos exemplos anteriores , por exemplo, as arenas,
lidamos também com a capacidade de acomodação em
sentido literal, mas o que chamamos agora
"competência" - ou seja, a implicação da capacidade
de obrigar significados - lança uma luz diferente sobre
todas os formas com as quais a arquitetura está
envolvido .
"". não estamos nos referindo aqui a uma noção
de forma que pressuponha e mantenha uma relação
formal e inalterável entre objeto e observador. Não
estamos preocupados com o aparência visual como
uma concha em torno de um objeto, mas com a forma
no sentido de capacidade de acomodar e de suporte
potencial de significado. A forma pode ser investida de
significado, mas também pode ser privada dele em
virtude do uso que a forma recebe e pelos valores que
lhe são atribuídos e acrescentados, ou até removidos -
tudo depende da maneira como os usuários e as
formas interogirem.
O que queremos afirmar é que sua capacidade de
absorver e comunicar significado determina o efeito
que a forma pode ter sobre os usuários, e,
inversamente, o efeito dos usuórios sobre a forma .
Pois a questão central aqui é a interação entre forma e
usuários, o que um faz ao outro, e como um se
apropria do outro.
,.
l
I
I.
Projetar devia ser uma questõo de organizar o
material de tal modo que seu potencial fosse
inteiramente explorado. Tudo o que fosse moldado
deliberadamente deveria funcionar melhor, i.e.,
deveria ser ajustado para fazer o que é esperado dele
por pessoas diferentes em situações diferentes e em
épocas diferentes. Em tudo que formos construir,
devemos tentar não só ir ao encontro das exigências
da função no sentido estrito, mas também fazer com
que o objeto construído possa cumprir mais de um
propósito, qU,e possa representar tontos papéis quanto
possível em benefício dos diversos usuários
individuais. Cada usuário será capaz então de reagir a
ele c sua própria maneira, interpretando-o de modo
pessoal para integrá·lo a seu ambiente familiar.
Como as palavras e as frases, as formas dependem do
modo como são /llidas" e dos imagens que são
capazes de suscitar para o "leitor". Uma forma pode
evocar imagens diferentes em pessoas diferentes e em
situações diferentes, e, deste modo, assumir um
significado diferente, e esta experiência é a chave
paro uma consciência modificada do formo . Uma
consciência que nos tornará capazes de fazer coisas
que possam se adaptar melhor a mais situações.
A capacidade de absorver significados, e também de
abandoná-los sem mudar essencialmente, faz da forma
um portador potencial de significado - em suma,
significével. .. " [4]
CRIA NDO ESPAÇO, DEIXANDO ESPA ÇO 151
8 CRIANDO ESPAÇO,
DEIXANDO ESPACO
I
Deveríamos fazer projetos de tal modo que o resultado
não se referisse abertamente a uma meta inequívoca,
mas que ainda admitisse o interpretação, para assumir
sua identidade pelo uso. O que fazemos deve constituir
uma oferta , deve ter a capacidade de provocar,
sempre, reações específicas adequadas a situações
específicas; assim, não deve ser apenas neutro e
flexível - e, portanto, não-específico - , mas deve
possuir aquela eficácia mais ampla que chamamos
polivalência.
152 LIÇÕ ES DE ARQUIIETURA
A LOJAMENTO PARA ESTUDANTES WEESPERSTRAAT (392·394)
A rua de convivência no quarto andar é iluminada por
meio de grandes blocos de concreto com luz. Estes blocos
ficam rente ao chão, para que a luz não incomode os
moradores, e, ao mesmo tempo, sua visão das janelas do
alto também não sofre obstrução. A função primordial
desses blocos é a iluminação, mas em virtude de sua forma
e colocação oferecem a oportunidade para uma variedade
de outros usos.
"No que se refere à forma e à posição, esses blocos foram
condicionados, por assim dizer, a exercer uma variedade
de papéis, e, de fato, são interpretados como bancos,
superfícies de trabalho, e - em tempo de calor - como
mesas de piquenique. Estes blocos de luz foram colocados
num ponto tão central que agem como pontos focais em
qualquer circunstância. São como magnetos aos quais se
prendem todos as coisas que acontecem na área
comunitária de passeio, e podem se tornar um incentivo à
vida na rua, essa mistu ra multicolorida de manifestações de
interesses individuais e coletivos.
Não estipular nenhuma medida significa, pelo menos em
teoria, que existe uma porção de oportunidades para
improvisações espontâneas com o espaço e - certamente
para o arquiteto - bastante espaço para sonhar. Mas então
- é o que tememos - na medida em que o ambiente é
organizado de acordo com significados fixos e sim bolos·
formas concomitantes, no sentido de o que está certo e o
que não está certo, os próprios moradores não serão
capazes de fazer muita coisa por iniciativa própria." 141
I
f , ,
:SCOLA MONTESSORI, DE1FT 1395-417)
~s vidraças com saliências largas sobre as portas, entre as
,alas de aula e o saguão na Escola Montessori, em Del ~,
codem ser usadas para abrigar vasos de plantas, livros,
'1lodelos, figuras de barro e todo o tipo de bugigangas.
estes "armários" abertos formam uma moldura que pode
,er preenchida de acordo com as necessidades específicas
, os desejos de cada grupo.
O ponto central do saguão da escola é o pádio de tijolos,
1ue é usado tanto para assembléias formais quanto para
·euniões espontâneas. À primeira vista, poderio parecer
'Iue o potencial do espaço seria maior se o bloco pudesse
,er removido de vez em quando e, como era de esperar,
me foi , de fato, um tema para longas discussões. É a
permanência, a imobilidade e o "estar no meio do
caminho", que constituem a questão central, pois, na
verdade, é essa presença inescapável como ponto focal que
".
contém as sugestões e os incentivos para a resposta a cada
situação que surge. O bloco se torna uma "pedra de
toque", e contribui para o articulação do espaço de tal
modoque aumenta a gama de suas possibilidades de uso.
Em cada situação a plataforma levantada suscita uma
imagem particular, e, já que permite diversas
interpretações, pode exercer uma variedade de papéis,
mas, inversamente, as próprias crianças são estimuladas a
assumir maior variedade de papéis no espaço. As crianças
costumam usá-Ia para sentar-se ou paro colocar os
materiais durante as aulas de trabalhos manuais, lições de
música e todas as outras atividades que ocorrem no saguão
da escola. Incidentalmente, a plataforma pode ser ampliada
em todas os direções com um conjunto de seções de
madeira, que podem ser retirados do interior do bloco para
se transformarem num palco de verdade para espetáculos
de dança e apresentações musicais. As próprias crianças
ClIANDO mAço, DE IXANDO ESPA ÇO 153
395 396 397
399
398 400
'01 '02
'03
.0; .05
.06 .07 . 00
154 II(OES OE ARQUITETUR A
podem montar as várias partes e depois separá-Ias de
novo, sem ajuda do professor. Durante o interva lo para o
lanche, as crianças podem brincar nele e em volta dele ou
se reunir para olhar juntas as ilustrações de seus livros,
enquanto sobra bastante espaço a seu redor. Para elas, é
uma ilha em meio a um mar de assoalho brilhante.
O piso no saguão do jardim-de-infância tem uma cavidade
quadrada no meio, que é preenchida por blocos de
madeira soltos. Eles podem ser tirados e colocados em
torno do quadrado para formar um arran jo de assentos.
Os blocos são construídos como bancos baixos, que podem
ser facilmente movidos pelas crianças por todo o saguão ou
podem ser empílhados para formar uma torre. As crianças
também as usam para fazer trens. Sob vários aspectos, a
quadrada é o aposto da plataforma de tijolos no outro
saguão. Assim como o bloco desperta imagens e
associações ligadas ao ato de escalar uma colina para se
ter um panorama melhor, o buraco quadrado provoca uma
sensação de reclusão, de refúgio{ e desperta associações
com o ato de descer um vale. Se o bloco-plataforma é uma
ilha no mar, o buraco quadrado é um lago, que as
crianças, ao lhe acrescentarem um trampolim,
transformaram em piscina.
O espaço que fica atrás do edifício da escola é articulado E
dividido numa série de espaços oblongos separados por
muros baixos. As faixas entre os muros paralelos têm como
principal objetivo servir para jardins e tanques de areia,
mas também podem ser usados para outros objetivos. Como
cada compartimento separado, essa área murada como um
I
I i
'I . ,I
todo pode ser vista como uma moldura, suscetível de ser
preenchida em situações diferentes. Este ordenamento
constitui um quadro fixo de referência, para iniciativas
individuais e coletivas.
o material usada nos muros baixos que marcam a
separação de compartimentos consiste em blocos
perfurados de construção, que, por sua vez, fornecem
aberturas ou compartimentos menores que podem ser
usados de várias maneiras. Alguns, por exemplo, se
transformam em vasos de plantas cercando um pequeno
jardim, enquanto outros se convertem em recipientes num
balcão para a venda de "sorvetes". Ou então podem se
colocar bastões nos buracos - e aí temos o começo de uma
tenda ... Em suma, o formato das perfurações oferece
oportunidades infinitas de uso informal.
OJ AN DO ESPAÇO, DEIXANDO ESPAÇO 155
409 410 m
412 m
113
IIS Iló 117
'18
' 19 '11
'20 422
PRAÇA VREDENBURG 1418-422)
Quando se decidiu reorganizar o espaço da praça
Vredenburg, em Utrecht, para alojar o feira
tradicionalmente realizada ali, foi proposto o plantio de
árvores.
156 lI ÇÓES DE ARQUITET UR A
Árvores vão bem com fei ras e tornam a área menos nua e 1
desolada nos dias em que não há feira. Já que existia um I
estacionamento sob a praça, construíram-se caixas de 1
tijolos que contivessem a quantidade mínima de solo !
necessário para que as árvores crescessem, O tamanho j
dessas caixas e as distâncias entre elas foram determinados
com base nos barracas do feiro, de modo que as árvores
pudessem servir como pontos fixos para posicionar as
fi leiras de barracas com espaço suficiente na frente e atrás
de cada fileira.
Os feirantes que foram alocados ou que escolheram ficar
nos espaços perto dessas caixas para as árvores costumam
usá-Ias como um mostruário extrai informal. Como
resultado, as caixas adquirem com freqüênc ia uma
aparência exótica, que, de certo modo, lembra os templos
de Bali.
A construção das caixas para as árvores foi uma boa
oportunidade para instalor na mesma operação os serviços
elétricos necessários à feira e à iluminação das ruas.
As caixas foram projetadas para prover assentos à sombra
nos dias em que não há feira - o princípio de objetivos
múltiplos, que, do nosso ponto de vista, deveria estar
presente em tudo que se faz no ambiente urbono.
~
}
,
Os exemplos citados anteriormente centraram-se na
aplicação de componentes que funcionam
temporariamente em certas "situações de USOH, após
os quais revertem a seu estado original, para voltar a
sofrer uma nova metamorfose, quando surgir a
necessidade. Poderíamos dizer que a relação entre
suas características e os usuários é temporária, já que
a apropriação pelos usuários é também temporária e
ocasional. Num contexto de áreas que exigem
cuidados, poderíamos dar um passo à frente e deixar
uma série de componentes inacabados, para oferecer
aos usuário's a oportunidade de completá-los da
maneira mais adequada às suas necessidades e
preferências particulares.
MORADIAS OIAGOON (423-445)
"A idéia subjacente aos esqueletos de cosas, das quais oito
protótipos foram construídos em Oeln, é que, em príncípio,
elas são inacabadas. O plano é, em certa medida,
não-definitivo, poro que os próprios moradores possam
decidir como dividir seu espaço - onde querem dormir,
onde querem comer, etc. Quando as circunstôncias
familiares mudam, a habitação pode ser adaptada para
responder às novas necessidades, e até mesmo ser
ampliada. O projeto real deve ser visto como uma moldura
--])
--c
- - I>
-\.- - ii'cS'~-U-_-''';--''' _ ..... --A
A c:
provisória que deve ser preenchida. O esqueleto é um
meio-produto, que todos podem completar de acordo com
suas necessidades e desejos.
A casa consiste basicamente em dois núcleos ~xos , com
vórios níveis separados que constituem as unidades da
moradia e podem abrigar vórias funções: morar, dormir,
estudar, brincar, relaxar, iantar, etc. Em cada unidade, i.e. ,
em cada nível, uma seção pode ser separado para
constituir um quartol a área restante formando uma galeria
interna que atravessa toda a sala de estar (vazio). Estas
'galerias', que podem ser mobi liadas de acordo com os
gostos dos membros da família , constituem a órea de
convivência do família como comunidade de pessoas. Não
há nenhuma divisão estrita entre as áreas de estar e de
dormir (como, por exemplo, a imposição de 'subir a
escada'). Cada membro da família tem sua próprio parte
do coso - a ampla sala de estar comunitária" 14J
. J ._--~
..
j)
(.IANDO ESPAÇO, DEIXANDO ESPAÇO 157
.,,~,..-.
....... ~- - ..... -1.._ "4< -"'-"_
-.Nt=..."!'-:;~
416
418
417 419
~::"'::&'5
;-~):::::-
L ..
"Os arquitetos não deviam apenas demonstrar o que é
possível, deveriam também, e especialmente, indicar
as possibilidades que são inerentes ao proieto e estão
00 alcance de todos. É da máxima importância
compreender que há muito o aprender com as reações
individuais dos moradores às sugestões contidas no
proieto. As moradias ainda são projetados segundo o
que as administrações, investidores, sociólogos e
arquitetos pensam que as pessoas querem. E o que
eles pensam não pode ser outra coisa além do
estereóti po: tais soluções podem ser mais ou menos
adequados, mas nunca inteiramente satisfatórias . São
interpretações coletivas dos desejos individuais de uma
multidão elaboradas por um pequeno grupo. O que
sabemos de fato dos desejos individuais dos pessoas,
e como podemos descobrir quais são essesdesejos?
O estudo do comportamento humano, por mais árduo
e completo que seja, não consegue penetrar a pele
grossa do condicionamento que deu origem a este
158 liÇÕES DE ARQU ITETURA
, , 1 3
"=,,,,.,,,~ ,~- ·4;;': ' . ;'.'~ ~ ""'''''" =""J"""',"",-,_;"", '~ro."".'.""" '-~«. -.-..... .,.-.;" '.!> ._ ._ ._ '"
comportamento e que suprime o verdadeiro exercício
pessoal da vontade. Uma vez que jamais
conseguiremos saber o que cada pessoa realmente
desejo paro si, ninguém jornais será capaz de inventar
para outros a moradia perfeita. Na época em que as
pessoas construíam suas próprias casas, elas também
não eram livres, porque toda sociedade consiste, por
definição, num padrão básico ao qual seus membros
são subservientes. Cada um é condenado o ser como
ele quer que os outros o vejam - este é o preço que o
indivíduo tem de pagar à sociedade poro pertencer a
ela, e desse modo ele é ao mesmo tempo possuidor e
possuído por padrões coletivos de comportamento."
t
I
I
Mesmo que as pessoas construíssem suas próprias
casas não conseguiriam escapar disso. Mas, pelo
menos, todo mundo deveria ter a liberdade de dar sua
interpretação pessoal ao padrão coleti,!o." [4]
liA intensidade com que uma pessoa irá se relacionar com
o vizinho depende em grande parte do tipo de fronteira
que existe entre os jardins. Uma cerca é essencialmente um
meio de obter o máximo de isolamento. A ausência de
qualquer fronteira implica, por outro lado, ser visto
constantemente pelo vizinho, sem que um possa evitar o
outro. Ao fornecer simplesmente os rudimentos de uma
divisão entre os propriedades adjacentes, como um convite
para que cada um reaja como desejar, cria-se um incentivo
e legitimam-se os medidos que cada um gostaria de tomar,
mas que, de outra maneira} hesitaria em tomar por conta
própria .
Uma pequena base de blocos perfurados fornece o
fundação para um muro de tijolos, mas pode servir também
como suporte para uma cerca de madeira." [4]
o terraço levantado nos fundos cria possibi lidades para
uma interpretação pessoal. Em primeiro lugar, a escada,
que estava restrita ao min imo absoluto durante a
construção, pode ser substituído por arranjos alternativos
para o acesso ao jardim.
Em segundo lugar, há o espaço aberto sob o pequeno
'erraço, deixado aberto deliberadamente, apesar da
decisão costumeira de fechar essas áreas - uma decisão
que os arquitetos tendem o aceitar para evitar confusão e
desordem, sem perceber as vantagens potencia is de um
pequeno espaço abrigado adicional. Por fim, esse pequeno
'erraço, limitado por muros dos três lados, é altamente
adequado para uma extensão lateral do sala de estar.
'Os te rraços adjacentes nos telhados um em frente ao outro
astão separados, nesse caso, por uma barra de metal, na
condição de uma demarcação sumária entre as duas áreas.
Grades e barras são um convite poro que se pendurem e
amarrem coisas leves, materiais temporários como lonas ou
esteiras. Mais uma vez, encontramos aqui a base de blocos
perfurados, que podem ser usados como vasos de plantas." 141
CRIANDO ES PAÇ O, DEIXANDO ES PAÇO 159
160 liÇÕES DE ARQUITEfUIA
o desafio oferecido por esses terraços inacabadas no
telhado produziu uma grande diversidade de soluções. U,.-
morador usou-o para construir uma estufa lo que resu ltou.
afina l, num telhado armado convencional ). Esta idéia não
ocorrera ao arquiteto. A estrutura foi desmontada após
alguns anos para dar espaço a um quarto de meia-água -
mos o importante aqui não é a engenhosidade da
construção, mas o fato de alterações desse tipo e nessa
escala serem realmente factíveis.
Na frente, perto da entrada, um pequeno "pátio" foi
sugerido arqu itetonicamente pela presença de uma viga
"
<
' ~, ,",.:" .... '(.....
vertical de concreto, Como a viga serve para sustentar a
terraço em cima e como o espaço que fica atrás da viga é
aberto, não há de fato um pórtico coberto, embora fosse
muito fácil construí-lo, instalando, por exemplo, um telhado
de vidro, E, dependendo das necessidades e gostos
individuais do morador ou moradora, e do que o situação
sugerir à sua imaginação, o espaço também pode até ser
fechado completamente poro obrigar a bicicleta, mas
também pode ser usado poro criar uma extensão lainda
que bem pequena) para o hall de entrada ,
Vista da sala de estar acima, a viga de concreto marca um
espaço que pode, em princípio, ser transformado em uma
sala de estar ao ar livre com acesso pela "janela" - com
loca lização e proporções deliberadamente escolhidas para
que, dependendo da interpretação pessoal, possa ser usada
quer como uma janela grande, quer como uma porta
pequena, As garagens não foram oferecidas formalmente
pela planta, embora isto não seja incomum nesse tipo de
casa, Mas o espaço deixado para o carro no nível da
rua pode ser usado para este fim , e os portas da garagem
podem ser facilmente instaladas - contudo, esse espaço pode
também ser usada para criar um quarto extra: um
escritório, estúdio ou oficina, diretamente acessível pelo
lado de fora, se for necessário, De qualquer modo, muitas
pessoas deixam seu carro do lado de fora e muitas dão
mais importância ao luxo de um quarto extra da que a
prolongar a vida de seu carro por alguns anos,
"As janelas podem ser projetadas como uma moldura, que
pode ser preenchida, de acordo com a escolha dos ,
moradores, por janelas ou painéis fechados, A moldura em
si é um fator constante e representa, pode-se dizer, o
contexto e o ordem dentro dos quais a liberdade de cada
indivíduo e todas as liberdades reunidas podem ser
tomadas como parte integral do todo, A moldura é
projetado para acomodar todos os preenchimentos
CRIANDO ESPAÇO, DEIXANDO ESPAÇO 161
UO L/1
.,2
U3
possíveis dentro do limite de certos regr05, no sentido de
que a soma de todos os preenchimentos sempre formará um
todo coerente." 141
" Dp tudo quanto foi dito, poderíamos concluir que só
n05 resta projetar cápsulas nuas, tão antienFóticas e
neutras quanto possível, para permitir aos moradores
o máximo de liberdade paro realizar seus desejos
específicos. Por mais que pareça paradoxal, é
altamente questionável se um ta l grau de liberdade
não irá resultar numa espécie de paral isia, pois,
embora se apresentem muitas possibilidades, é
extremamente difícil escolher a que será melhor para
nós. É como estes cardápios fartos que oFerecem uma
tal variedade de pratos que o apetite, em vez de
aumentar, diminui. Quando hó muitas possibilidades
de escolha, torna-se virtualmente impossível chegar a
uma decisão, quanto mais à melhor delas - o excesso
pode ser tão ruim quanto a extremo limitação.
Não apenas é um pré·requisito para cada escolha
que a gama de possibil idades possa ser apreendida
(e que, portanto, seja IimitadaL mas é necessário
também que quem vai fazer a escolha possa visualizar
as possibilidades uma a uma segundo seu próprio
modo de pensar. Ele deve ser capaz de concebê·las de
acordo com sua própria experiência. Em outras
palavras, elas devem provocar associação, para que
ele possa compará·las mentalmente com proposições
das quais já tinha consciência ou que possam surgir de
sua experiência subconsciente. Ao comparar a imagem
despertada pelo novo estímulo com as imagens já
coletadas por experiências prévias, seu potencial pode
ser avaliado e, conseqüentemente, tornar· se uma
extensão de seu mundo familiar, de sua personalidade.
Assim, se o mecanismo de seleção necessita de
162 liÇÕES DE AiQUITElURA
reconhecimento ou identificação das imagens já
armazenadas pela experiência, é da maior
importância que tudo que seja oferecido possa
despertar o maior número possível de associações.
Quanto mais associações puderem ser feitas, maior
será a capacidade do indivíduo para responder a elas
- isto é, maior será a chance de que as associações
provocadas adquiram uma re levância específica para
o usuário numa determinada situação. Cada forma,
portanto,em vez de ser neutra, deveria conter a maior
variedade possível de proposições, que, sem impor
qualquer direção especíFica, sejam capazes de
despertar constantemente associações. É um
incitamento para motivar e estimular o homem a
adaptar seu ambiente a suas necessidades e apossa r·se
dele. Por esse motivo, devemos conFrontá ~ lo com
estímulos que irão permitir interpretações e usos que
se adequem melhor a seus propósitos.
Estes estímulos devem ser elaborados para despertar
imagens na mente das pessoas, imagens que, 00
serem projetadas no mundo da experiência, resultarão
em associações que encorajem o uso individual, isto é,
o uso mais adequado para a sua situação num dado
momento.
O ponto focal em toda esta história, e os exemplos
aqui citados pretendem enfatizá ~lo, é que as pessoas,
em sua dependência de si mesmas e dos outros, com
as restri ções fundamentais que isto impõe, são
incapazes, sem ajuda externa, de libertar-se dos
sistemas de significação e dos sistemas subjacentes de
valores e avaliações que os limitam. A liberdade
guarda um grande potencial para muitos, mas deve
haver uma centelha para que o engenho comece a
Funcionar.
Vamos tomar, por exemplo, um espaço escuro ou um
nicho - para a maioria das pessoas, ele vai sugerir um
canto isolado e seguro, mas para cada indivíduo ele
terá um significado diFerente, uma relevância para
suas circunstâncias particulares: pode ser apenas um
canto retirado para re laxar, para estudar
tranqüilamente, para dormir, para usar como uma
câmara escura ou apenas para armazenar comida ou
pertences privados.
Para que uma casa tenha a capacidade de despertar
todos esses tipos de associação e ser capaz de
abrigó·los, deve ter em a lguma parte um canto
isolado - e, do mesmo modo, pequenos quartos,
sótãos, porões, e janelas sob beirais induzem outros
tipos de associações. Quanto mais rica for a variedadE'
oferecida, maior será a capacidade da casa para
corresponder aos mais ricos e variados desejos de seUl
moradores.
A severidade e a pobreza da maior parte das novas
moradias torna-se evidente neste aspecto,
,.
i
{,
r
contrastando tristemente com o que uma velha casa
tinha a oferecer - possivelmente burlando os
regulamentos de construção. Basta pensar nas infinitas
possibilidades de reformar e mobiliar oferecidas pelas
casas antigas. Mesmo que, como ocorre num edifício
novo, sejam baseadas em estereótipos, ainda têm
muito mais a oferecer por causa da maior riqueza de
estímulos pora novas associações, o que possibilita
que seus moradores realmente se apropriem do
espaço." [4[
CRIANDO ESPAÇO , DEIXANDO ESPAÇO 163
9 INCENTIVOS
Coso poro o
Exposição de
Construção de Berlim
I Mies van der Rohe
'Pia, lihr.' /
te Corbusier
164
o projeto ajustado para oferecer o máximo de
"incentivo" reclama uma abordagem nova e diferente
por par.te do arquiteto. É necessária uma mudança no
foco de atenção: o arquiteto deve transferir sua
concentração habitual do programa de construção, que
em geral reflete apenas uma interpretação coletiva,
para a situação múltipla, individual ou coletiva, que se
manifesta no cotidiano de tudo aquilo que construímos.
Para trazer este variado sortimento de dados até a
superfície, o arquiteto só tem um recurso à dispos ição:
a imaginação. Ele deve usar ao máximo sua
imaginação para ser capaz de identificar-se com os
usuários e, assim, compreender como seu projeto
chegará até eles e o que eles esperam. Esta
capacidade imaginativa específica, que pode ser vista
como parte indispensável da competência normal do
arquiteto e que, como tal, deveria ser adquirida como
;,f
;~1'-!1 ;
,v
• •
•
• •
• J ,
• •
IIÇÔES DE ARQU ITET URA
qualquer outra habi lidade, é o único meio de se
chegar aos fatos verdadeiramente básicos: o programa
por trás do programa (de construção).
Como processaremos todos esses fatos, que resultarão
num projeto capaz de induzir os usuários a
associações, é uma outra história. Mas alguns dos
aspectos mais concretos deste processo, que dizem
respeito à "anatomia" de uma construção, podem
ajudar a explicar direta ou indiretamente a qualidade
de "indução" ou de "incentivo" das características
arquitetônicas dos exemplos do capítulo anterior.
Sem dúvida, nos casos em que deliberadamente
deixamos algo inacabado porque esperamos que os
usuários seiam capazes de completá-lo melhor do que
nós, a forma básica empregada deve, no âmbito
técnico e prático, prestar-se a tal objetivo.
Do ponto de vista anatômico, todas os partes
incompletas não devem ser apenas receptivas à
adaptação e à adição, devem também, em certa
medida, ser projetadas para acomodar várias
soluções, e devem, acima de tudo, pedir que sejam
completadas, por assim dizer. As partes que não são
.1
o
'" ~ lO 00
explicitamente auto-suficientes, mas, ao contrário,
existem em relação com outros componentes, devem
ser formadas de ta l modo que possam ser reunidas ou
combinadas, em outras palavras, que induzam o
usuário a empreender essa ação. No sentido mais
literal, também, o produto semi~acabado deve consistir
numa indução, e isto é algo que só pode ser realizado
quando já se começo com esta idéia.
Os princípios mais elementares, como, por exemplo,
que é mais fácil fazer um acréscimo em um plano reto
do que em um plano curvo ou inclinado,
desempenham aqui um papel fundamenta l,
especialmente quando é razoável presumir que não
haverá nenhum arquiteto por perto para ajudar
quando chegar a hora de tomar a decisão.
I
I
I
COlUNAS
Para levantar paredes ou divisórias, as colunas retangulares
não são necessariamente melhores como ponto de partida,
mas sem dúvida são mais fáceis para trabalhar do que as
cilíndrícas. É importante ter isto em mente, sobretudo nos
casos em que as colunas constituem as pedras angulares da
organízação do espaço. Pois, na verdade, esse é quase
sempre o caso - exceto no antigo plan libre, onde colunas
livres definem seu próprío espaço sem levar em conta as
paredes divisórias. As colunas no edífício de escritórios
Centraal Beheer, ass ím como no De Drie Hoven, receberam
um perfil com capacidade máxima para acomodar paredes
adjacentes e dívisórias baixas. Suas proporções também
foram ajustadas para tais objetivos. No Centro Musical (que
pode ser caracterizado como uma seqüência de amplos
espaços que se misturaram com um número relativamente
pequeno de divisórias), as colunas são cilíndricas (448,449).
Colunas livres e cilíndricas, num espaço amplo em que se
juntam mu itas pessoas, funcionam de modo mais
satisfatório para multidões, pois não ficam no meio do
caminho. Nas escolas Apollo, colunas retangulares foram
usadas nas junções de paredes, enquanto as quatro colunas
livres do hall são cilíndricas (450). Elas se erguem,
indiferentes, no meio de toda a agitação, onde podem ser
lidas como intersecções da construção espacial.
Não só a forma como também a dimensão das partes
componentes e, naturalmente, a dimensão dos espaços
entre as diversas partes determinam sua capacidade
de acomodação, que, por sua vez, tem forte influência
sobre Q gama de possibilidades quanto à disposição
da mobília. Como conseqüência, muitas vezes é melhor
Fazer uma coluna um pouco maior do que o
estritamente necessário, se isto produzir uma
"superfície de ligação" maior e, portanto, com mais
possibilidades de utilização.
'.
(IIANDO mAço, DEIXANDO mAço 165
Moradias Diagoon
451 '52
455
'53 45'
PIlASTRAS
Além das colunas, as pilastras, que ocorrem em todas as
construções em várias formas, podem servir a vários
objetivos, dependendo de onde estejom localizadas e do
espaço que deixam aberto. Tomemos, por exemplo, uma
loreira, do tipo que interrompe uma das longas poredes em
tantas casas antigas, e que não se pode ignorar ao
mobilior o quorto: na verdade, a pilastra morca o espaço e
fornece um ponto de partida, já que o espaço dos dois
ladosafeta fortemen te as possibilidades e limitações do
166 IIÇÕ E5 DE ARQUITETURA
quorto como um todo (será que a cama cabe no nicho ou é
grande demais?).
Nas moradias-esqueleto, que são "condicionadas" tanto
quanto possível para acomodar acréscimos e alterações, os
pilares dos dois lados do pavimento que poderia ser
designado como espaço de garagem tiveram sua posição
relativa determinada para oferecer múltiplas soluções
potenciais na forma de fachadas ou portos da garagem.
Uma solução menos óbvia foi escolhida aqui com o fim de
aumentar a gama de possibilidades. Um "ponto de partida'
desse tipo apresenta um problema, para o qual cada
usuário encontra a solução mais adequada a seus objetivos.
Se você tiver bom olho paro essas coisas, perceberá
em toda a parte exemplos de casas com alterações e
acréscimos, fe itos ao longo do tempo pelos próprios
morodores, provovelmente sem autorização das
autoridades ou dos proprietários, e, em gera" muito
bem sucedidos.
É provável que tais acréscimos tenham sido feitos em
lugares que ofereciam incentivos nesse sentido, ta is
como varandas que "pediam" poro ser cobertas, e
porticulamente em galerias, que podiam ser facilmente
fechadas.
De Drie Hoven,
Lar para Idosos
Centra0! Beheer,
Edifício de Escritórios
li
j
Hufeisensiedlung,
Ber/im·Brilz, 1925·27 !
B. Tout
MORADIAS, BERLIM 1925·27 / B. TAUT (456-460)
Não parece provável que as caraclerísticas que encora jam
este ti po de acréscimo ou alteração tenham sido
deliberadamente incluídas pelo arquiteto, embora nos
sintamos inclinados o pensar que sim no caso do conjunto
de moradias de Bruno Ta ut em Berlim - que de foto parece
ter sido projetado paro acomodar todos os alterações que
os moradores fizera m desde que os casas foram
construídos.
Bruno Taut, no fase inic ial da construção de moradias de
mossa anônimos, fo i sem dúvida um dos primeiros
arquitetos o ficar do lodo dos usuários. Só muito tempo
depois, quando viemos o conhecer os efeitos opressivos dos
fil eiras intermináveis de moradias idênticos, é que
começaram o surgir propostos para que se fizesse alguma
coisa, no sen tido de um princípio arquitetônico, o respeito
deste anonimato destruidor do espírito.
456 457 458
459 460
CRIANDO ESPAÇO, DEIXANDO ESPAÇO 167
De Dr;e Hoven,
tor paro Idosos
, 61
j62
4ó3 '61
Escola Monfes5ori, Delft
168 !l ÇÓfS Df ARQUITEI URA
BLOCOS PERfURADOS PARA CONSTRUÇÃO
Este tipo de incentivo é inerente aos blocos de concreto
perfurados, que representam um exemplo básica e, ao
mesmo tempo, extremo de reciprocidade de forma e uso.
Os buracos nesses blocos literalmente exigem um
preenchimento (pelo menos quando os blocos têm
cavidades de um só lado - de outro modo eles se tornariam
janelas).
Nas si tuações em que os blocos perfurados foram
aplicados, como nas varandas do lar para idosos De Drie
Hoven, nas apartamentos no plano para moradias
Haa rlemmer HouHuinen em Amsterdam ou no projeto de
moradias em Kassel, eles foram Ioga colocados em usa -
na maior parle das vezes como vasos de plantas. É clara
que, de qualq uer modo, as pessoas que queriam vasos ou
jard ineiras teriam faci lmente enconlrado oulras soluções
para acomodar suas plantas. Mas, coma esses blocos
parecem inacabados e pedem, por ass im dizer, para ser
usados, eles constituem um incentiva para que se faça
alguma coisa com eles.
i
I,
"i
I
.,
';,;
,.
Ao adotor o princípio de reciprocidade de Forma e uso
como ponto de partida, a ênfase se desloca claramente
para o que se poderia descrever como uma maior
liberdade para os usuários e moradores. Contudo, isso
não deve ser entendido como se o arquiteto devesse
seguir as instruções dos usuários quanto ao que
ele deve fazer - e particularmente quanto ao que não
deve fazer.
Quando postulamos indiretamente que seja dado aos
usuários um papel maior na configuração de seus
ambientes, o objetivo primordial não é estimular maior
individualidade, mas sim retomar o equilíbrio entre o
que devemos fa zer por eles e o que devemos deixar
para que eles façam.
Oferecer lJincentivos lr que despertem associações nos
usuáriosr quer por sua vez, conduzam a ajustamentos
específicos adequados a situações específicas/
pressupõe - não obstante o des locamento de ênfase -
um projeto mais elaborador baseado num programa
de requisitos mais detalhado e mais su ti l. A razão
para criar incentivos é e levar o potencial inerente ao
máximo. Em outras palavras: colocar mais em menos,
ou tirar menos do que se pode tirar mais. Pode-se
dizer que para cada situação aplica-se o seguinte:
incentivo + associação = interpretação.
Nesta questão, o próprio l/incentivo" é uma espécie de
constante, que produz uma multiplicidade de
interpretações por meio de associações variáveis. E/ se
substi tuirmos Jlincentivo" por "competência" e
" interpretação" por I/desempenho,rr estaremos de volta
à analogia lingüística l já descrita. (Incidentalmente,
quem pode deixar de notar as a renas em minia tura,
rudimentares, nos blocos perfurados?)
Assim como a posição do arquiteto diante da estrutura
coletiva é in terpreta tiva - i.e ., a de usuório -I sua
posição diante dos usuários de sua arquitetura é a de
tornar seu pro jeto interpretável por eles. Deve ficar
claro paro o arquiteto a té onde ele pode ir e onde ele
não deve fazer imposições: ele deve criar espaço e
deixar espaço, nas proporções adequadas e com o
equilíbrio adequado.
CRIANDO ESPAÇO, DEIXANDO ESPA ÇO 169
~6S
10 A FORMA COMO
INSTRUMENTO
"Quanto mais influência pudermos exercer
pessoalmente sobre as coisas à nossa volta, mais nos
sentiremos emocionalmente envolvidos com elas, mais
atenção daremos a elas e mais inclinados estaremos a
tratá-Ias com cuidado e amor.
Só podemos desenvolver afeição pelas coisas com as
quais nos identificamos - coisas sobre as quais
podemos projetar nossa própria identidade e nas
quais podemos investir tanto cuidado e dedicação que
elas se tornam parte de nós mesmos, absorvidas pelo
nosso próprio mundo pessoal. Todo esse cuidado e
dedicação faz com que o objeto pareça precisar de
nós! não apenas no sentido de que podemos decidir
em grande parte o que acontece a ele, mas também no
sentido de que o objeto passa a ter um lugar na nossa
vida; esse tipo de relacionamento também pode,
evidentemente, ser considerado como um processo de
apropriação mútua. Quanto mais uma pessoa está
envolvida com a Forma e o conteúdo de seu ambiente,
mais esse ambiente será apropriado por ela e, assim
como toma posse de seu ambienter o ambiente se
apossa dela.
À luz desta apropriação recíproca de pessoas e coisas,
é justo afirmar que os incentivos oferecidos por nós,
na qualidade de arquitetas, representam um convite
para que os moradores os completem e lhes dêem um
"colorido", ao mesmo tempo em que, por outro lado,
as pessoas também convidam as coisas para que
completemr dêem colorido e preencham sua própria
existência.
O usuário e a forma se reforçam mutuamente e
interogem - e tal relacionamento é análogo ao que
existe entre indivíduo e comunidade. Os usuários se
projetam na forma, assim como os indivíduos se
revelam em seus diversos relacionamentos com os
outros, como interatuantes, deste modo tornando~se o
que são.
A forma dirigida a um fim determinado funciona como
um aparato, e onde Forma e programa se solicitam
mutuamente o próprio aparato se torna um
instrumento. Um aparato Funcionando adequadamente
faz o trabalho para o qual está programado, o que é
esperado d~le - nem mais, nem menos. Ao apertar os
botões certos, os resultados esperados são obtidos, o
mesmo para todos, sempre o mesmo.
Um instrumento (musical) contém essencialmente tantas
possibilidades de uso quantos Forem os usos que lhe
170 UÇÓES DE ARQU llElURA
derem - um instrumento deve ser tocado. Dentro dos
limites do instrumento, cabe ao instrumentista extrairdele o que puder, segundo os limites de sua própria
capacidade. Desta maneira O instrumento e o
instrumentista revelam suas respectivas capacidades
um para o outro, complementando-se e realizando-se
mutuamente. A Forma tomada como um instrumento
oferece a ocasião para que cada pessoa Faça o que
mais deseja e, acima de tudor para que o Faça à sua
própria maneira." [4]
o texto a seguir, de 1966, originalmente publicado em
Forum 7-1967 com o título de "Identidade", pode
servir como um resumo:
"No projeto de cada ediFício, a arquiteto deve
constantemente ter em mente que os usuários devem
ter a liberdade de decidir por si mesmos como querem
usar cada parte, cada espaço. Sua interpretação
pessoal é infinitamente mais importante do que a
abordagem estereotipada do arquiteto ao aderir de
modo estrito a seu programo de construção.
A combinação de funções que juntas constituem o
programa é ajustada a um padrão estabelecido de
vida - uma espécie de maior fator comum, mais ou
menos adequado a todos - e, como resultado
inevitável, que todos se vêem Forçados a se ajustar à
imagem que se espera que projetemos, segundo a qual
se espera que devemos agir, comer, dormi r, entrar em
nossas casas - uma imagem, em suma, a que cada um
de nós se assemelha apenas vagamente, e que, por
esse motivo, é totalmente inadequada.
Em outras palavras, não é de modo nenhum difícil
criar um arquitetura lúcida quando as exigências que
ela em princípio deve enfrentar Forem suficientemente
não-explícitas!
São as discrepâncias que nascem da necessidade
individual de cada um de interpretar uma funçõo
especíFica, dependendo das circunstâncias e do lugar,
à sua maneira, que acabam fornecendo a cada um de
nós uma identidade própria, e, já que é impossível
Icomo sempre Foi) adequar todos às mesmas
ci rcunstâncias, devemos criar esse potencial para a
interpretação pessoal, projetando as coisas de ta l
maneira que elas possam ser efetivamente
interpretadas.
Não basta apenas deixar espaço para o interpretação
pessoal, ou seja, deixar de projetar em um estágio
inicial. Isto com certeza resultaria num maior grau de
flexibilidade, mas a flexibilidade não contribui
necessariamente para um melhor funcionamento das
coisas (pois a Flexibilidade não pode jamais produzir
os melhores resultados imagináveis para uma
determinada situação). Enquanto não houver uma real
expansão das escolhas oferecidas para as pessoas, o
i
I ' padrão estereotipado não desaparecerá, e esta
I . expansão só pode ser alcançada se começarmos por
tornar possível que todos as coisas à nossa volta
desempenhem papéis variados, i.e., que assumam
cores va riadas e tombém permaneçam fiéis a si
mesmas. Só quando todos esses diversos papéis forem
levados em consideração ao receberem prioridade no
estágio do projeto, i.e., ao serem incluídos como
aspectos importantes no programa de requisitos, só
então podemos esperar que cada indivíduo seja
induzido a formar sua próprio interpretação dos
aspectos em questão. Os diversos papéis, ao
receberem prioridade na forma de provocação, serão
sugeridos em vez de ser explicitados. Dentro da
moldura de condicionamento que Q formo recebeu 1 o
i
i·
i
usuário ganha a liberdade de escolher paro si mesmo
o padrão que considera mais adequado, de selecionar
seu próprio cardápio l por assim dizer; ele pode ser
mais fiel o si mesmo, suo identidade é enriquecido.
Cada lugar, cada componente, terá de ser
harmonizado ao programa em sua totalidade, i.e ., a
todos os programas esperados. Se condicionamos a
forma para que elo acomode uma diversidade máxima
de uso, então podem ser extraídas infinitamente mais
possibilidodes da totalidade, sem que isto signifique
distanciar-se do sentido básico do projeto.
Os JretornosJ podem ser incrementados pelas
possibilidades de uso que estão embutidas no projeto
como intenções sob a superfície.1I [30]
Paris, Pare des Buffes Chaumont
466
CRIANDO ESPAÇO, DEIXANDO ESPAÇO 171
--
-,
-',
"
"
,-.,."
.,
" ','
1
•
I
I
I
I
C FORMA CONVIDATIVA
Quando examinamos um dos muitos livros sobre arquitetura
que estão sendo publicados hoie em dia e vemos todas
aquelas.Jotografias brilhantes, tiradas, sem exceção, em
perfeitas condiçães de tempo, não podemos deixar de nos
perguntar o que se passa na mente dos arquitetos, como
eles vêem o mundo; às vezes chego a pensar que eles têm
uma profissão diferente da minha! Pois a arquitetura não
pode ser outra coisa senão o interesse pela vida cotidiana,
tal como vivido por fodas as pessoas; é como o vestuário,
que não deve apenas nos vestir, mas aiustar-se bem a nós.
E, se é moda hoie em dia preocupar-se com as aparências
exteriores, ainda que habilmente investidas de referências a
coisas superiores, então a arquitetura foi degradada a um
tipo inferior de escultura. O essencial é que, seio ló o que
se faça, onde quer que se organize o espaço· e de que
maneira, ele terá inevitavelmente certo grau de influência
sobre a situação das pessoas. A arquitetura, na verdade,
tudo aquilo que se constrói, não pode deixar de
desempenhar algum tipo de papel nas vidas das pessoas
que a usam, e a principal tarefa do arquiteto, quer ele
goste, quer não, é cuidar para que tudo o que faz seio
adequado a todas estas situações. Não é apenas uma
questão de eficócio no sentido de ser prótico ou não, mas
de verificar se o proieto está corretamente afinado com as
relações normais entre as pessoas e se ele afirma o
igualdade de todas as pessoas. A questão de saber se a
arquitetura tem uma função social é totalmente irrelevante,
pelo simples motivo de não existirem soluções socialmente
indiferentes; em outras palavras, toda intervenção nos
ambientes das pessoas, seio qual for o obietivo específico
do arquiteto, tem uma implicação social. Assim, no
verdade, não somos livres para ir em frente e proietar
exatamente o que nos agrada - tudo o que fazemos traz
conseqüências para as pessoas e para seus relacionamentos.
Um arquiteto não pode fazer muita coisa, o que torna
ainda mais importante não desperdiçar as poucos
oportunidades existentes. Se você acha que não pode
melhorar o mundo com seu trabalho, pelo menos não o
piore. A arte da arquitetura não consiste apenas em fazer
coisas belas - nem em fazer coisas úteis, mas em fazer
ambas ao mesmo tempo - como um alfaiate que faz roupas
bonitas e que servem. E, se possível, roupas que todos
possam usar, não apenas o Imperador.
Tudo o que proietamos deve ser adequado a cada situação
que suría; em outras palavras, não deve ser apenas
confortóvel mas também estimulante - e é esta adequação
fundamental e ativa que eu gostaria de designar como
' forma convidativa': a forma que possui mais afinidade
com as pessoas.
174 LIÇÕ ES DE AIQUllfTUIA
. I
o Espaço Habitável entre as Coisas 176
Calçada Levantada, Buenos Aires
Aloiamenta para Estudantes Weesperstraat, Amsterdam
La Capelle, França
Corte de Justiça, Chandigarh, índia / Le Corbusier
Centro Musical Vredenburg, Utrecht
De Evenaar, Escola, Amsterdam
Escolas Apollo, Amsterdam
Praça de São Pedro, Roma
2 lugar e Articulação 790
Dimensões Corretas
Moradias Haarlemmer Hounuinen, Amsterdam
"Os Comedores de Batata" / Vincent van Gogh
De Drie Hoven, Lar para Idosos, Amsterdam
Escola Montessori, Delh
Edifício de Escritórios Centraol Beheer, Apeldoorn
Reforma de Residência, Amsterdam
São Pedro, Roma
Centro Musical Vredenburg, Utrecht
3 Visão t 202
Escola Montessori, Delh
Aloiomento para Estudantes Weesperstraat, Amsterdam
Pavillon Suisse, Paris / Le Corbusier
Sacadas
Pavil lon de l'Esprit Nouveau, Paris / Le Corbusier
Moradias Documenta Urbana, Kassel
Moradias liMa, Berlim
Escola Thau, Barcelona / Martorell, Bohigas & Mackay
Centro Musical Vredenburg, Utrecht
De Overloop, Lar poro Idosos, Almere
Parque Guell , Barcelona / A. Gaudí, J. M. Juiol
Saciologia do Sentar
Escolas Apollo,Amsterdam
4 Visão ti 276
Fóbrica Van Nelle, Ronerdam / M. Brinkman, L. C. van
der vlugt
Casa Rietveld-Schrõder, Utrecht / G. Rietveld
De Overloop, Lar para Idosas, Almere
De Evenaar, Escola, Amsterdam
5 Visão til 226
Pavi lhão da Exposição Mundial, Paris / F. le Play
Cinema Cineac, Amsterdam / J. Duiker
Centro Musical Vredenburg, Utrecht
Villa Savoye, Poissy, França / Le Corbusier
Passagem Subterrânea para Pedestres, Genebra, Suíça /
G. Descombes
Capela, Ronchamp, França / Le Corbusier
Alhambra, Granada, Espanha
Mesquita, Córdoba, Espanha
Residência Particular, Bruxelas / V. Horta
Maison de Verre, Paris / P. Chareau, B. Biívoet
e L. Dalbet
Residência Van Eetvelde, Bruxelas / Y. Horta
Castel Béranger, Paris / H. Guimard
Escolas Apollo, Amsterdam
Biblioteca Ste. Genevi"ve, Paris / H. Labrouste
6 Equivalência 246
Escala ao Ar livre, Amsterdam / J. Duiker
De Overloop, Lar para Idosos, Almere
Villa Rotonda, Vicenzo, Itólia / A. Palladio
Hierarquia
Mesquita, Córdoba, Espanha
São Pedro, Roma
Pintores Holandeses
Le Corbusier, Formal e Informal
Edifício do Parlamento, Chandigarh, índia / Le Corbusier
Reservatório de Água, Surkei, índia
FORMA CONVIDATIVA 175
, ,
1 O ESPACO HABITÁVEL
-------
,
ENTRE AS COISAS
Ao abordar o objeto projetado mais como um
instrumento do que como um aparato, como fizemos
na seÇao anterior desses estudos (parte B), já
estávamos na verdade advogando o que equivale a
maior eficiência. Ao discutir exemplos da capacidade
da forma para desempenhar diversos papéis sob
circunstâncias mutáveis, não apenas pela criação das
condições necessárias mas também pelo incentivo real
ao uso diferenciado, esta seção tratará de estender tol
idéia a um princípio geral. Pois o que precisamos é de
uma expansão das possibilidades de todas as coisas
que projetamos, para torná-Ias mais úteis, mais
aplicáveis e, portanto, mais adequadas a seus
objetivos, ou adequadas a mais objetivos.
Se uma coisa é adaptada muito especificamente para
certo objetivo, funciona da maneira como foi
programada para funcionar, Le. , como se espero que
_ '".:~-lliIIo~r+:.:., .:"-"'\';i.
I ~ -.L.":B
·t~!""":, --- --- - --'-- -.- -
•
176 lIÇÕfS Df ARQUllHURA
funcione. É o tipo de funcionalismo sobre o qual os
funcionalistas falavam, mas é também o mínimo de
utilidade que se pode esperar da arquitetura. E, para
realizar mais do que este mínimo no diversidade das
situações que surgem, estou reivindicando formo e
espaço com maior potencial de Jlacomodação", tal
como um instrumento musical que soa da maneiro
como o instrumentista quer que ele soe. O importante
é incrementar esse Jlpotencial de acomodação" e,
dessa maneira, tornar o espaço mais receptivo a
diferentes situações. Quando se começa a procurar,
encontramos facilmente, até mesmo nos lugares mais
inesperados, exemplos de uso que os projetistas
certamente jamais imaginaram.
As pessoas usam seu ambiente em cada situação da
melhor forma que podem, e freqüentemente as coisas
à sua volta, sem intencional idade, oferecem
oportunidades inesperadas que são apreendidas Jlde
passagem", por assim dizer.
,
• • • o
! ,
"'Irregularidades', tais como diferenças de nívet
ocorrem em toda a parte, e f em vez de nos
esforçarmos em minimizá-Ias, deveríamos, ao
contrário, nos concentrarmos em articulá-los tão
conscientemente que possam ser exploradas ao
máximo. Parapeitos, balaustradas, pilares e canaletas
são formas de articulação e representam maiores
possibilidades de conexão. Podem ser usados como
e lementos primitivos daqui lo que poderíamos chamar a
gramática básica da arquitetura. E ao aparecerem,
como de fato aparecem, em formas e tamanhos
diFerentes constituem um estímulo constante para o uso
na vida cotidiano .
A providência mais elementar para capacitar as
·pessoas a se apossarem de seu ambiente imediato é
provavelmente o assento (sentar-se tem tudo a ver,
lingüisticamente, com assentamento). Um lugar para
sentar oFerece uma oportunidade de apropriação
temporária, ao mesmo tempo em que cria as
circunstâncias para o contato com outros. Não só um
soFá ou uma cadeira comuns seriam incapazes de um
uso assim tão casual e variado, como também
Falhariam em estimular tal uso. Objetos que se
apresentam explícita e exclusivamente paro um
objetivo específico - por exemplo, para sentar-se -
parecem ser inadequados para outros objetivos.
A extrema funcionalidade de um projeto torna-o rígido
e inflexíve t isto é, oFerece ao usuário do objeto
projetado muito pouco liberdade poro interpretar sua
função de acordo com sua vontade. É como se já
estivesse decidido a priori o que se espera do usuário,
o que e le pode e o que ele não pode Fazer. O usuário
é, deste modo, subserviente à forma e à concomitante
'aceitação' dada a prior;; ele só pode usar o objeto,
apropriar-se dele temporariamente, quando o que
deseja fazer com ele corresponde ao que o forma está
ditando.
O ~ue é ditado por um sofá pode ser considerado a
síntese do que os responsáveis por sua existência têm
a oferecer: os fabricantes de mobília, os compradores,
uma ideologia, uma sociedade, uma cultura.
O conceito 'banco' é mantido por uma série de
associações tão poderosas que o usuário tem pouca
chance de ver além dessas associações para escolher
I aquilo de que mais necessita naquele momento - e que
I' pode muito bem ser uma mesa em vez de um banco,
ou apenas um lugar paro colocar uma bandeja para o
!:afé. No caso de um encontro casual, pode ser apenas
_<~ ponto para apoiar o pé: um pequeno gesto que
pode ser um sinal de que você não se opõe à idéia de
um contato mais pessoal. Se a resposta o esse primeiro
gesto, provisório e não comprometedor, não se revela r
desagradável, então as duas partes podem assumir
sucessivamente posições mais permanentes, sempre de
acordo com o comprometimento ou não·
comprometimento que cada um deseja." [4]
CALÇADA LEVANTADA, BUENOS AIRES (468)
"Quando a calçada é tão alta que podemos nos sentar ou
nos encostar nela, em ruos com declive, por exemplo, o
lugar, se estiver situada favoravelmente [como numa
esquina), pode tornar-se um lugar onde as pessoas se
encontram e descansam. É onde iovens iogadores de
futeba[ acham seu pública, e um lugar que qualquer
vendedor de rua que deseie chamar a atenção dos
transeuntes quer usar: um lugar visível, mas com a
vantagem natural de oferecer alguma proteção para as
mercadorias expostas." 141
FOIMA CONVIDAlIVA 177
468
469
,70 m
m
t -+-55-----t-t
35
+
ALOJAMENTO PARA ESTUDANTES WEESPERSTRAAT (470-472(
"Um parapeito comprido, largo, deve parecer
razoavelmente discreto à primeira vista, um lugar onde se
possa fazer uma pausa, recostar"se ou sentar-se, apenas
por um momento ou pora uma conversa mais longa
conforme o caso. Às vezes serve como um espaço para a
refeição quando o restaurante está cheio, e foi usado para
o bufê de uma ceia de Natal." 141
UPara que o contato possa se estabelecer
espontaneamente é indispensável certa informalidade,
certo descompromisso. É a certeza de que podemos
interromper o contato ou nos retirarmos quando
quisermos que nos encoraja a prosseguir.
O estabelecimento de contato é, de certo modo, como
o processo de sedução, em que ambos os lados fazem
178 liÇÕES DE ARQU ITETURA
reivindicações iguais sabendo que o retirada é possív.!Í
a qualquer momento.
Aqui também, as associações despertadas em nós
pelas imagens que armazenamos em nossa consciênci::
- associações coletivas, pode-se dizer - desempenham
um papel decisivo. Basta pensar num casal de
namorados l para logo imaginá-lo sentado num banco"
com todas as associações concomitantes de vínculos
luturos_" [41
LA CAPEllE, FRANÇA (473)
IINõo é preciso muito para que as co isas sirvam como umJ
espécie de estruturo à qual a vida cotidiana pode ligar-se.
O simples corrimão em que pessoas idosas podem se
apoiar quando sobem oudescem uma rua íngreme é, pare
todas as crianças da vizinhança, um desafio para mostrar
sua agilidade_ Serve como um brinquedo de p/ayground e
no verão é sempre usado para construir cabanas e
esconderi jos_ Na Holanda , além disso, as donas de caso
usam o corrimão para tirar a poeira dos tapetes,
Um corrimão de ferro está literalmente 'à mão' para uma
ampla gama de USO" para todo o tipo de situação diária,
comum, e tran,forma a rua num p/ayground.
Os playgrounds projetados, orientados para um propósito,
que se espalham por toda a cidade são, por enquanto,
indispensáveis como refúgio para as crianças. Mas, como
as próteses, são também um lembrete doloroso de como a
cidade, que devia em si mesmo ser um playground para
seus cidadãos e suas crianças, foi drasticamente mutilado
neste sentido." 141
J
. I
CORTE DE JUSTiÇA, CHANDIGARH, 1951 -55 / LE CORBUSIER
(.474-477)
As construções "Br ise-Solei l", tão empregadas na último
fase da arquitetura de Le Corbusier, consistem em uma
grade fixa de concreto formada por planos horizontais e
verticais; além de proteger do sol, é claro, as estruturas em
forma de favos, com seus nichos profundos, servem também
o outros objetivos menos evidentes. O que fascinou Le
Corbusier nesta estrutura foi , sem dúvida, basicamente a
sua forte plasticidade, e eu não me surpreenderia se
soubesse que ele jamais considerou que ela poderia ser útil
por uma série de outras razões além de sua plasticidade
expressiva e de suas propriedades como anteparo,
acrescentando, portanto, uma qualidade extra ao edifício
como um todo.
Nos exemplos anteriores, a qualidade nasceu de
fatores mais ou menos fortuitosi de qualquer modo,
não resultou de um projeto deliberado, mas também
deve ser possível transformar essa qualidade em
exigência explícita do projeto. Atender essa exigência
adicional de qualidade não custa muito dinheiro e
pode ocorrer naturalmente se quisermos. Isso significa
que podemos fazer mais com o mesmo material,
organizando-o de maneira diferente, dando mais
proeminência ao que já estava ali - é uma questão de
prioridades.
~ - -
fORMA CONVIDATIVA 179
476 m
478
m 410
CENTRO MUSICAL VREDENBURG 1478·4821
Um saguão de teatro não pode ter assentos demais. Só uma
pequena parte do públi co acha um lugar para se sentar
durante os intervalos; assim, quanto mais informais forem
180 LIÇÕ ES OE ARQUITETURA
.-... ~-_ . ...,....----.,.-- -
~ - .:,' ~~ ~. f ' .
,
1 •.
: ;
~ ......
' " . .,
.
i
., ! ,
< . .
•
'. ' --...
, ,
.~
os assentos, melhor. Para oferecer assentos extra , foram
construídas amuradas de alvenaria onde era possível:
menos confortáveis do que um banco acolchoado, sem
dúvida, mas não menos úteis. Outro problema típico
--
j
I
I
I
durante um intervalo é achar um lugar onde colocar
xícaras, copos e garrafas. A solução tende a ser o uso de
qualquer superfície plana disponível. Fornecer um espaço
exclusivamente para esse objetivo seria provavelmente levar
as coisas longe demais; é suficien te que os parapeitos,
balaustradas, divisórias, etc. , seiam suficientemente largos l
acrescentando, por exemplo, uma prancha de madeira
paro resolver esse pequeno mas persistente problema.
No nível superíor do galeria de lojas, os balaustradas de
metal curvam'se em intervalos regulares, abrindo espaço
para um pequeno banco, de onde se pode avistar a galeria
inferior nas duas direções. O encosto elevado - um pouco
majestoso demais, talvez - foi a concessão que teve de ser
feita às autoridades responsáveis pelo edifício, já que os
regulamentos aplicados à altura dos parapeitos tinham de
ser estritamente observados; o desenho mais natural e, de
certo modo, mais elegante do modelo que precedeu a
versão definitiva foi descartado. Os assentos foram
removidos porque supostamente atraem muitos "vadios" que
se põem à vontade nesta área coberta, sobretudo à noite;
eles deixam muita sujeira e há muitas queixas de
transeuntes agredidos. Este é um problema em todas as
cidades do mundo, e deve ser um paradoxo amargo que
As ferrovias holandesos têm o compromisso cle"
manter limpas e bem ordenados os óreas
públicos. O grande número de jovens que
vagueiam na Estação Cen/ral de RoffereJam
depararem recentemente com uma politica de
-clesencorajamento· sob a forma de, entre
outras coisas, varas providos de agudas pontas
de aço instolodas nos espaços de pedro onde
era possivel sentar. E essa medido anres de tudo
aterrorizante vem a ser porte de uma componho
das Ferrovias holandesas conlra o desordem e o
depredação! (Bouw ", '9B7)
um gesto amistoso também seja um convite para hóspedes
menos desejáveis. Mas, quando se abrem portas, deve·se
deixar todo mundo entrar! A tendência para tornar as
coisas tão impessoais e inacessíveis não chega a
surpreenderj mas suas conseqüências são muitas vezes
absurdas.
I
f L.::. __
fOIMA CONVIDATIVA 181
481 481
I
~ ...
. 84 . 85
' 8j
.87 .88
.1 ' .
DE EVENAAR, EscolA {483-490)
A escadaria na entrada da nova escola primária "De
Evanaar', em Amsterdam, recebeu uma articulação extra
para tornar mais fluente o acesso do nível do ruo até a
escola. A justaposição dos dois lances da escada acabou
criando a sugestão para arquear os componentes do
corrimão. Isto deu origem à decisão de fazer os elementos
do parapeito na curva do patamar produzirem dois
pequenos lugares para sentar. Certamente, a forma aqui
criada (como os assentos nos cantos da galeria do Centro
Musical) é dominante e nada fortuita, mas, em ambos os
casos, é uma derivação lógica da situação dada . Aqui a
forma oferece explicitamente sua função , ao contrá rio da
chapa curva de aço perfurado no alto do escada, onde, no
entanto, as crianças logo descobriram as oportunidades
implícitas para sentar-se.
182 LIÇÕES DE ARQUI TET URA
I
I
I
t /:'
~I
I~
/ 1'
I
:===
~
I
ESCOLAS ApOLLO (491-493)
"Parapeitos de janela, prateleiras e pranchas numa sala de
aula, todos oferecem oportunidades poro que as crianças
exponham trabalhas manuais, que geralmente não são
apenas frágeis, mas também numerosos_ Este é o tipo de
coisa que torna a criança capaz de se apropriar de um
espaço, de se sentir à vontade nele. É por isso que
acrescentamos pranchas e simi lares onde era possível e
adequado." [lOJ
FO.M A CONVIDAT IVA 183
489 4111
m
"É raro que as colunas hoie em dia tenham umo base
defin ida separadamente ou o tradicional capitel das
colunas das ordens clássicas. Elas simplesmente
desaparecem no chão. Mas há situações em que uma seção
alargada da coluna, um pouco acima do solo, oferece
._-
-----
. . -
184 liÇÕ ES DE ARQU ITETUR A
vantagens adicionais interessantes. Na entrada de um
iardim-da-infância, por exemplo, os pais se reúnem para
esperar as crianças e levá-Ias para casa. Seria um tanto
exagerado instalar bancos especiais apenas para esses
pais, e é até duvidoso se eles seriam necessórios. O mais
adequado, então, é o assento informal que esses discos
oferecem, os quais são bem-vindos quando se tem de
esperar mais do que o previsto. Durante o recreio das
crianças/ os discos sõo usados paro deixar os casacos e as
pastas - certamente bem melhor do que um canto no
chão ... E por fim, mas, absolutamente, não menos
importante, esta coluna serve inevitavelmente como 'pique'
para quem está brincando de 'esconde-esconde'." 1101
I
PRAÇA DE SÃO PEDRO, ROMA, DESDE 1656 / G. H. BERNINI
1494, 495)
"Cada uma dos inumeráveis colunas do quádruplo colunata
do Praça de São Pedro, de Bernini, em Roma, tem uma
base quadrada suficientemente larga para que os pessoas
se sentem confortavelmente, e os colunas são tão grossas
que proporcionam sombra aos que se sentam ali. Estes
múltiplos 'assentos' rodeando o espaço oval, onde a
possibilidade de isolamento é maior, oferecem uma
hospitalidade informal para todos, mesmo quando o resto
do praça está deserto. Quantos colunas entre as que estão
sendo projetadoshoje em dia em todo o mundo oferecem
uma qualidade adicional semelhante aos que no futuro
terão de viver com elas?" [6)
~--------_._--- --
i' .... -
-.--
-~ ...--------_ ...
~ -..... -' :::.. .--=-- -:-----
-, .. ---
São Pedro, 1754!
G. P. Pon;n;
fORMA CONVIDATIVA 18S
496
m
498
i '
186 l iÇÕES DE ARQUITETURA
:- ..-r-
i i ··'
: . r;-;'
~_...J..,.. ... _ ... t *
J
DE EVENAAR, ESCOlA 1496-498)
Parapeitos ao lodo de escadas são geralmente incl inados,
paralelos ao corrimão. Esta é, de fato, a solução mais óbvia
em muitos casos, indicando de maneira lógica a presença da
escada. Mas quando é colocado numa posição em que
oferece vista de algo, como no caso da escola /IDe Evenaar",
ele convida a pessoa a debruçar-se, ou até mesmo a
sentar-se. Quando alguma coisa estó acontecendo, as
pessoas querem parar um pouco e observar - e isto já é
razão suficiente para que a arquitetura contribua para criar
uma capacidade potencial de assentos. Nesse caso, foi uma
boa idéia colocar, em vez do costumeiro parapeito inclinado,
um parapeito dividido em degraus largos o suficiente para
apoiarmos os cotovelos ou então nos sentarmos. E se, como
nesse caso, a parede for de alvenaria, o projeto é muito mais
fácil de executar, já que não é preciso cortar os tijolos. Deste
modo, sem que houvesse intenção, a execução evoca a
elaboração de Serlage e Laos.
ESCOlAS ApOllO 1499,501-503)
"Todo ti po de degrau ou sa li ência na entrada de uma
escola acaba se transformando num assento para as
crianças, especialmente quando hó uma co luna convidativa
para oferecer proteção e servir de encosto. Realizar
isto gera a forma . Aqui, mais uma vez, vemos que a forma
gera a si própria, e é menos uma questão de inventar da
que de ouvir atentamente o que os homens e os objetos
querem ser." [l O)
Quanto a certos tipos de espaços, sabemos de antemão que
eles serão usados de bom grado, e ter isto em mente é
importante para tornar a periferia da edifício tão
convidativa quanto possível, ativando cada componente
onde for possível - e isso inclui , por exemplo, o espaço em
frente à entrada do jardim-de-infância sob a escada que
conduz à escola. Tais espaços freqüentemente degeneram
em cantos escuros e malcheirosos, onde a su jeira se
acumula e onde circulam gatos, mas não pessoas. Ao fazer
com que o lance da escada se erga a partir de uma
plataforma levantada, essa situação pode ser evitada, ao
mesmo tempo em que se dó um valor mais positivo à área
sob o escada. É a formo mais literal de tornar mais
hab itável o espaço entre as coisas.
Del/errlos ter cuidado para não deixar buracos e cantos
.perdi,dos e sem utilidade, e que, como não servem
para nenhum objetivo, são "inabitáveis ll • Um arquiteto
não deve desperdiçar espaço ao organizar seu
material, pelo contrário, deve acrescentar espaço, e
não só nos lugares óbvios que chamam a atenção de
qualquer maneira , mas também em lugares que em
geral não despertam atenção, i.e., entre as coisas.
Os exemplos anteriores mostram como se pode
incrementar a funciona lidade de um projeto
arquitetônico levando sistematicamente em canta o
espaço dos intervalos.
-_ ..... - - ' ~-
"
,
{.
; . ...
"
; >
o , ~, ,
.' !
~
----_"::":::o"-,~ __ ""'"
"
.'
1 -. ~. + --'o , ,
_ • ..i. _.
; , .
-~:'-.-,~--
, "
0.°
FORMA CONVIDATIVA 187
D
Escalo Montessor;,
De/ft
500
501
502 50J
._. -~
_________ da parede, no qual sempre vemos algumas pessoas
sentadas ou encostadas. E os automóveis dos velhos
tempos tinham um estribo para facilitar Q entrada dos
•
--- . ...:::
---.::: - -- -. -----:;...
Sem dúvida, freqüentemente deparamos com exemplos
desse tipo de qualidade extra em nosso ambiente sem
que nenhum arquiteto tenha deliberadamente
pretendido esse aspecto, mas é justo dizer que em
geral deveríamos tentar tornar os objetos mais
substanciais, menos bidimensionais - pensando em
termos de zonas. Paredes livres, se não alcançam o
teto e são suficientemente grossas, podem servir como
prateleiras. Um dos aspectos mais admiráveis das
igrejas italianas é que elas têm um soco de pedra
chegando à altura do joelho acompanhando boa parte
passageiros e serviam como excelentes assentos
durante um piquenique.
A extensão do espaço usável mediante o acréscimo de
planos extras horizontais linformais) representa a
recompensa pela explicitação do que era um requisito
implícito. Se este valor adicionado é visto basicamente
como uma ampliação de lugares para sento r e colocar
coisas, a vantagem pode parecer algo limitada ó
primeira vista. Mas o essencial aqui é o compromisso
do projetista ou do arquiteto (em geral e em particular)
de criar esse valor adicionado onde for possível, pois
os usuários transformarão estes dados adicionais em
novas vantagens.
Tal intensificação do material deveria, idealme~te,
tornar-se uma segunda natureza para o arquiteto, uma
questão mais de marca pessoal da que de dado extra,
não tanto uma questão do que se projeta, mas do
como se projeta. É ao conteúdo que devemos
adicionar, não ao projeto (o perigo de projeções
artificiais e de espalhafato está sempre presente).
Um pré-requisito poro criar o forma convidativa é a
empatia, o qualidade que faz com que a hospitalidade
consista em antecipar os desejos dos convidados.
Aumentar o "potencia l de acomodação" significa
maior adequação ao que se exige do forma; uma
forma, portanto, mais direcionada para as
necessidades das pessoas em diversas situações e que/
conseqüentemente, tenha mais Q oferecer.
O espaço habitável entre os coisas representa um
deslocamento da atenção do âmbito oficial para o
informal, onde se condiz o vida cotidiana, e isto quer
dizer entre os significados estabelecidos da funçõo
explícita.
188 lIÇÓfS Cf ARQUlmURA
I
I
I:·
:.'.
I ' ;
r-: . .
i-
i
I
"tes dames du bois
de 800/09'" (I 925}
'Cité industrielfe",
1901-4 / T. Gorni"
:, ;
"Piquenique na
praia' , Flórida
(l941)
50.
505
506 507
Betondorp, Amsterdom, 1922/ D. Greiner
FORMA CONVIDATIVA 189
508
m
2 LUGAR E ARTICULACÃO
I
Dimensões Corretas
A primeira consideração de importância decisiva ao se
projetar um espaço é determinar para que ele servirá
ou não servirá, e r conseqüentemente, qual será o
tamanho adequado. A primeira e mais óbvia conclusão
é: quanto maior for o espaço, mais possibilidades ele
oferecerá. Isto implicaria simplesmente fazer tudo tão
grande quanto possível. E, naturalmente, isso não dá
certo. Numa cozinha grande demais, temos de
procurar e carregar coisas mais do que o estritamente
necessário. É simplesmente uma questão de
comodidade, de ter à mão tudo de que se necessito.
Atividades e usos diferentes exigem dimensões
190 li ÇÕE S DE ARQUITETURA
espaciais diferentes. Um espaço suficientemente
grande poro jogar pingue-pongue não é
necessariamente adequado paro que um pequeno
grupo dOe pessoas se sente em torno de uma mesa para
conversarr por exemplo. Que dimensões dar a um
espaço é sempre uma questão de avaliar a distância e
a proximidade exigida entre as pessoas, dependendo
da situação e do objetivo do espaço. O equilíbrio certo
entre distância e prox imidade é um ponto importante
quando se dispõem assentos, especialmente em torno
de uma mesa: nem longe demais, porque desencorajo
o contato intenso quando este é necessário, nem perto
demaisr porque todos se sentem espremidos. Essa
sensação pode até ter um eFeito paralisador: num
elevador cheio de estranhos, a conversa se torna
aFetada e acaba morrendo.
MORADIAS HAARlfMMER HOUTTUINEN (508·510)
Os iardinzinhos no calçada da frente, cercados por um
muro baixo de ti ia los, não são maiores do que os varandas
nos anda res de cima. Não poderiam ser menores, claro,
mas também não é certeza que seriam mel ho res se fossem
maiores. São suficientemente grandes para oferecer o
espaço necessário para um pequeno grupo de pessoas, e asnecessidades das diversas famílias não parecem variar
muito nesse aspecto. Deve haver espaço suficiente para
algumas cadeiras em torno de uma pequena mesa, que
pode ser redonda, quadrada ou oblonga, mas raramente se
desvia do tamanho padrão. (Tudo isto é tão previsível
quanto o fato de que a largura da ca lçada é inadequada.1
As varandas dos apartamentos superiores são relativamente
"'lI .. .. ... .., "".
"" "" .~ q "fi
.. ... .. :",,"'iI
,/;, .... - "
,. --fl
Dfm~~]J
espaçosos, ao contrário da situação usual, em que as
pessoas nos andores de baixo, com jardins no frente, têm
mais espaço à suo disposição do que os moradores dos
andores de cima. Metade do área destas varandas é
coberta: em porte por uma proteção de vidro e em parte
pelo recuo da fachada. Uma vantagem adicional deste
recuo é que há espaço bastante para uma porta lateral que
conduz à cozinha adjacente, o que contribui ainda mais
para integrar os espaços do interior e do exterior.
A divisória entre as duas varandas adjacentes tem um
parapeito de 60 centímetros na porte do frente, para que
os vizinhos possam se comunicar facilmente, se quiserem.
VINCENT VAN GOGH, "Os COMEDORES DE BATATA", 1885 15121
Em vez de tomar as regras de dimensão mínima instituídas
pelos autoridades habitacionais e pelos regulamentos de
construção, podemos tomar o espaço ocupado pelas
pessoas sentados em volta de uma mesa como uma espécie
de unidade. Este tema é freqüentemente tra tado pelos
pintores, que, com seu olho paro a composição! muitas
vezes tomam uma unidade como ponto de partido espacial.
Um lômpada pendurada sobre a mesa define precisamente
o centro de atenção. A luz que difunde à sua volta faz com
que as pessoas e seus atributos modelem, juntos, o espaço,
conduzindo por fi m a uma fusão entre as pessoas e o lugar.
A maneira como esta "última ceia dos pobres" mostra a
integração de pessoas e espaço faz dela uma lição de
arquitetura particularmente instrutiva.
Uma sala pequena demais para seu objetivo é
inadequada! assim como um espaço grande demais,
pois, ainda que se-mostre suficientemente grande para
conter muita coisa t isso não significa necessariamente
que seja adequada para deixar as pessoas à vontade.
Têm de ser como roupas nem apertadas demais a
ponto de se tornarem desconfortáveis, nem largas
demais a ponto de atrapalharem os movimentos.
A maior parte dos arquitetos, quando não são tolhidos
por regras e regulamentos, tende a criar espaços
grandes demais em vez de pequenos demais. Tudo é
tão aberto e espaçoso quanto possível , eliminando as
objeções usuais e compreensíveis! mas os arquitetos
não compreendem que podem estar desperdiçando
possibilidades com seu gesto grandioso, tornando as
coisas mais impossíveis do que possíveis . Quanto
maiores são as dimensões, maior Q dificuldade de
usá-Ias com o máximo de vantagem. Os planejadores
FORMA CONVID AT IVA
510 511
, De Drie Hoven,
Lar para Idosos
191
511
513
place C/emenceau,
Vence, Fronce &
Rockefeller P/azo,
Nova York
Bib/iothêque
Notiona/e, Paris &
Ampitheotre, Arles,
França
SU SIS
516 517
urbanos e os arquitetos não estão tentando
constantemente, sob pressão política ou não, reservar
cada vez mais e mais espaços separados para bondes,
bicicletas e outras formas de trânsito - esse serviço
resultando no fato de as casas terem de ser ainda
mais afastadas, como se fossem roupas de criança
precisando de desaperto?
Onde quer que haja desperdício de espaço para o
trânsito, os edifícios se tornam isolados, distantes entre
si. Isso faz com que seja impossível que o espaço
urbano evolua organicamente a pa rtir do gabarito dos
edifícios altos e distantes para crio r, desse modo, certo
medida de intimidade e reclusão. Esta a tmosfera de
intimidade existe nos centros antigos de algumas
cidades, onde não se permite que o trânsito reine
supremo. E, a menos que ha ja contato e compreensão
entre os lados opostos da rua (será que a inda se pode
conversar com todo esse barulha do trânsito?),
podemos esquecer a possibilidade de funcionamento
razoável do espaço públíco.
DE DRIE HOVEN, LAR PARA IDOSOS 15131
"Em vez da colocação de assentos perto da janela como é
comum nas alas de hospital, cada dais quartas de dormir
têm uma sola em comum, no espaço criado pela ampliação
do corredor. Divisórias baixas de tijolos, cercando os
assentos fixos, separam o espaço do corredor, isolando-as
até certo ponto do vaivém de pessoas, ao mesmo tempo em
192 lIÇÓ ES DE 'RQUI1ETURA
que oferecem uma visão do que está se passando.
O arranjo estimula o contato informal entre a equipe do
hospital , mesmo quando em serviço, e os residentes.
As pessoas que ficam ali sentadas têm uma visão lateral
para o corredor. As janelas dos quartos de dormir também
podem ficar abertas, permitindo algum contato.
Estes nichos, contrabandeados através da barreira dos
padrães estritos dos metros quadrados, podem acomodar
facil mente quatro pessoas (no máximo seis ). É um lugar
para receber visitas, fazer uma refeição, e freqüentemente
há uma televisão ou um rádio. A parede dos fundos tem
tontas prateleiras quantas é possível, oferecendo espaço
para que as pessoas guardem seus pertences mais
queridos, para os quais não há lugar no quarto de dormir.
O tamanho destes espaços e a maneira como são
mobiliados criam impressão de uma sala de estar básica,
sob medida para as pessoas que estão morando ali . Se
fossem mais largas I certamente seriam menos funcionais." [7; I
O uso que se faz do espaço determina suas proporções
corretas, e, como as condições a rquitetônicas e
espaciais de um lugar encorajam certas formas de uso e
desencorajam outras, os arquitetos têm uma tremenda
influência, quer quei ram quer não, sobre o que pode
acontecer e acontecerá num espaço. Suas decisões
quanto ao tamanho podem, por si próprias, ditar para
que serve um espaço e para o que não serve.
Espaços como as arenas já descritas (nas portes A e
BI, a Rockefeller Plaza, as praças públicas de Veneza,
e também espaços interiores como o da Bibliothêque
Nationale em Paris, possuem um tamanho que está
afinado com o uso em uma série de situações que,
embora diferentes, assemelham-se por se concentrarem
em uma atividade comum. Natura lmente, os
patinadores na Rockefeller Plaza, como os leitores na
Bibliothêque Nationale, tendem a estar imersos em
suas próprias atividades, mas, assim como os
patinadores compartilham um público comum, os
leitores comparti lham uma atmosfera de concentração
penetrante.
Isto se aplica igualmente a espaços amplos e pequenos:
as dimensões têm de estar à altura do que vai acontecer
ali (ou inversamente, o que vai acontecer ali tem de
estar à altura das dimensões). Devemos atentar para
que as dimensões de espaço, grandes ou pequenas,
sejam adequadas às funções a que devem servir.
Fornecer o lugar
Embora os arquitetos tenham se preocupado sempre
com o IJl ugar'l, Aldo van Eyck foi o primeiro a formule
o conceito de foi modo que não se pode ignorá-lo.
Entre seus muitos textos que li~am com lugar e espaça
duas afirmações basta nte conhecidos são citadas aqu i.
"Seio qual for o significado do espaço e do tempo,
lugar e ocasião significam mais. Pois o espaço na
imagem do homem é lugar, e o tempo na imagem do
homem é ocasião."
"Faça de cada coisa um lugar, faça de cada casa e
de cada cidade uma porção de lugares, pois uma casa
é uma cidade minúscula e uma cidade é uma casa
enorme."
Aldo von Eyck, 1962
ESCOlA MONTESSORI, DElFT 151 B·5201
"Sempre que uma classe de jard im-de-infância é deixada
por sua própria conta, as crianças tendem a formar
pequenos grupos, menores do que se poderia esperar; e
revela-se que esses construtores de castelos e pais e mães
de mentirinha se sentem mais à vontade nos espaços
pequenos do que nos grandes. Com isto em mente, parecia
uma boa idéio criar vários pequenos tanques de areio em
vez de um só mu ito grande. (Sempreque vemos crianças do
jardim-de-infância brincando juntas num grupo grande,
podemos ter certeza de que há um professor por trás,
monitorando esta atividade comunitária.)
A escola Montessori em Delh tem um tanque de areia
dividido em vários pequenos compartimentos - o ideal para
castelos de areia. Crianças na idade dos castelos de areia
em geral brincam sozinhas, ou em grupos de duas ou três;
dific ilmente hó quatro crianças brincando em grupo, e
cinco ou mais é ainda mais raro ou não acontece nunca.
Em tanques de areia grandes, os crianças com tendências
mais expansionistas podem perturbar faci lmente a
concentração e a intimidade das outros simplesmente
porque não há demarcação do espaço reivindicado. Por
isso, nesse caso, o tamanho dos tanques de areia é
compotivel com seu uso e até o estimula. O tamanho certo é
formado pelo totalidade das dimensões adequadas 00 uso
esperado, e, inversamente, um determ inado tamanho
atrairó o uso poro o qual é mais adequado." 17J
O tanque de areia como um todo, subdividido em uma
série de compartimentos paro acomodar da melhor maneira
possível o uso para o qual foi projetado, oferece um
exemplo elementar do princípio de articulaçõo.
Articulação
O espaço deve sempre ser articulado para criar
lugares, unidades espaciais cujas dimensões e níveis
de demarcação possam torná- Ias capazes de
acomodar o padrão de relações dos que vão usá-Ias.
A maneira como o espaço é articulado constitui um
fator decisivo: determinará se o espaço será adequado
para um grande grupo de pessoas, por exemplo,
ou para grupos pequenos, separados.
Quanto mais articulação houver, menor será a unidade
espacial, e, quanto mais centros de atenção existirem,
mais o efeito total será individualizante - isto é, muitas
atividades poderão ser conduzidas ao mesmo tempo
por grupos separados.
FORMA CONV IDATIVA 193
518
m
52<1
521
A área é a mesma
em A, B, C e D
522 5230b
524
Toda esta ênfase na articulação de pequenas unidades
espaciais é muitas vezes interpretada como negligência
em relação à escala mais ampla, mas isso é um
equívoco. Um espaço amplo articulado com ousadia
não desencorajo necessariamente seu uso por um
D
único grupo central, ou, inversamente, um espaço
amplo inarticulado não deixa necessariamente de criar
as condições para vários u~os 00 mesmo tempo.
Na verdade, é possível articular um espaço de tal
modo que seja adequado tanto para o uso
centralizado como para o uso descentralizado, caso
em que podemos adotar tanto o conceito de grande
escala como o conceito de pequena escola,
dependendo de como queremos interpretar o espaço.
Mas estamos falando simplesmente do princípio: não é
preciso dizer que é a natureza da articulação - o seu
"comprimento de onda", a sua qualidade, isto é, como
o princípio será posto em prática - que determina o
potencial do espaço.
"Devemos articular as coisas para torná-Ias menores,
isto é, não fa:z.ê-Ias maiores do que o necessário, e
mais administráveis. E, como a articulação aumenta a
aplicabilidade, o espaço se expande simultaneamente.
Portanto, o que fazemos tem de se tornar menor e
ao mesmo tempo maior; suficientemente pequeno para
que possa ser usado e suficientemente grande para
que ofereça o máximo de uso potencial. A articu lação
conduz, portanto, à "expansão da capacidade" e,
assim, a um rendimento maior do materia l disponível.
Necessi ta-se desta maneira de menos material, graças
à sua maior intensidade.
-Todas as coisas deveriam receber dimensões corretas,
e as dimensões corretas são aquelas que as tornam
tão manuseáveis quanto possível . Se decidirmos parar
de fazer coisas do tamanho errado, logo se tornará
claro que quase tudo deve ser feito um pouco menor.
As coisas só devem ser grandes quando forem
compostas de um conjunto de unidades pequenas, pois
dimensões excessivas criam imediatamente distância e
separação, e, ao insistirem em projetar numa escala
demasiado ampla, grandiosa e vazia, os arquitetos se
tornaram produtores em grande escala de distância e
alienação. A grandeza baseada em multipl icidade
implica complexidade maior, e esta complexidade
oumenta o potencial interpretativo graças à maior
diversidade de relações e à interação dos componentes
individuais que juntos formam o todo." [4]
194 LI ÇÕES DE ARQUl lET URA
EDIFíCIO DE ESCRITÓRIOS CENTRAAl BEHEER )522-527)
A articulação da espaça fo i a principio sub jacente
ao projeto do edifício de escritórios Centra0 I Beheer.
O ponto de partida foi a doutrina de que todo o trabalho,
assim como toda a atividade recreativa, se desenvolve em
pequenos grupos, não individualmente nem coletivamente.
Um estudo da situação demonstrou que os diversos
componentes do programa podiam ser interpretados como
espaços, ou lugares, de 3 x 3 metros, ou de seus múltiplos.
E, como na prática as coisas não têm essa precisão
numérica, foram levadas em conta as margens necessárias
para absorver excessos nas áreas de circulação_ Se é
possivel dizer que este edifício tem potencial não só para
absorver mudanças internas de longo alcance, como
também para dar a impressão de que poderia receber
objetivos diferentes, isto se deve à sua articulação_ Assim,
por exemplo, quando uma exposição de arte é montada no
prédio (como âcontece regularmente), o ambiente pode ser
simples e rapidamente transformado num espaço com as
qualidades de uma galeria.
Contudo, o sonho de um espaço construido em harmonia
com qualquer programa de uso possível não foi
integralmente realizado aqui , embora parecesse algo ao
nosso alcance.
O segredo da articulação de uma variedade de lugares é,
na verdade, que este sonho jamais poderá ser plenamente
realizado. Pois o tamanho das unidades espaciais a que
chamamos lugares está baseado nas necessidades espaciais
do que poderíamos chamar os padrões de interação social.
fORMA CONVIDATIVA 195
525
526 5'0
518
Foyer Vredenburg,
Centro Musical
519 530
lugor
definjtivo
lugar
possível
Moradia, Amsterdam
A: original
8: depois do
reforma
o edifício, portanto, pode servir como uma estrutura básica
apenas para obietivas que se adaptem a ele . A gama de
possibilidades de um edifício é determinada pela densidade
de sua estrutura e da articulação dela derivada. Embora
funcione muito bem como um edifício de escritórios, oferece
um ambiente bastante insatisfatório para uma festa da
empresa com toda a equipe, por exemplo. Deste modo, não
chega a surpreender que para tais eventos se use o espaço
do saguão do edifício ao lado. Este saguão é parte integral
do coniunto como um todo e é, portanto, de fácil acesso.
Pode-se medir um pavimento de acordo com sua
capacidade para criar lugares, obtendo-se deste modo
uma impressão do potencial do pavimento para
acomodar atividades mais ou menos separadas.
O pavimento tradicional na arquitetura holandesa
compreende dois quartos interligados, separados por
armários embutidos com portas corrediças. Ao longo
dos anos, muitas pessoas decidiram remover estes
obstáculos para obter um espaço único, amplo.
Q
" ,,"
196 lIÇÔES OE ARQUITETURA
Contudo, descobriram que o novo espaço, maior, era
não só mais difícil de organizar e mobiliar, mas
também que o espaço-extra criado pelo novo a rranjo
mostrava-se desapontador. O velho arran jo articulado
oferecia mais estímulos poro a criação de lugares e
também mais diferenciação espacial. Ass im, quando
a rticulamos um espaço, parece que esta mos criando
uma área maior. Ao mesmo tempo a IIcapacidade de
lugar" pode ser incrementado quando os ocupantes
necessitarem de usos diferenciados.
REFORMA DE RESIDÉNClA
A reforma em pequena escala, sem nada de espetacular, de
uma res idência comum, tinha como obietivo aiustar o andar
térreo a um uso ma is diferenciado, para que pudesse
abrigar mais atividades independentes. O plano original de
pavimento seguia o padrão tradicional de cozinha, sala de
iantar e sala de estar; depois de ser aiustado auma famil ia
com ocupações mais diferenciadas, o andar térreo contém
pelo menos mais três espaços de trabalho, assim como uma
mesa extra e cadeiras na cozinha. O espaço adicional dos
cantos esquecidos foi usado para aumentar o número de
lugares e, deste modo, a capacidade do espaço
comunitário como um todo,
A "capacidade de lugar" é uma qualidade da parte do
pavimento que não é necessária à passagem de um
lugar poro outro. Um critério decisivo para a
qualidade da planta de um pavimento é que o espaço
de pavimento disponivel seja usado da forma mais
eficiente possível, que não haja mais "espaço" de
circulação do que o estritamente necessário, i.e., que o
espaço seja organizado de tal modo que se obtenha a
máxima capacidade de lugar. É fácil testar a
capacidade de lugar da planta de um pavimento,
conferindo quais áreas s,ão essenciais como zonas de
circulação ou quais áreas serão, com toda
probabil idade, usadas para esse fim, e
subseqüentemente estabelecendo quais áreas
remanescentes atendem às exigências mínimas de um
"Iugar". Em seguida, deve-se considerar se as
dimensões dos lugares e o grau de abertura ou de
fechamento realmente correspondem ao ti po de uso
que se dará a esses lugares. Avaliando continuamente
a planta de um pavimento por meio desse
mapeamento, aumentar a capacidade de lugar de
nosso espaça torna-se um procedimento conafural.
QOO
~
~
Cl ~ O
Residêncio V. Horf:
SÃO PEDRO, ROMA, DESDE lA52 1531·534)
Quando examinamos uma dos primeiros plantas atribuídas
o Baldassare Peruzzi', anterior à planto de Michelangelo
segundo o qual o igreja acabou sendo construído, ficamos
impressionados com a articulação intricado e imaginativa,
ainda que o planto não passe de um diagramo. Vemos uma
série de espaços que produzem um padrão
surpreendentemenle rico sem que os linhas gerais se
percam. Parece que eslamos lidando com uma escala
complelamente diferenle daquela da planla de Michelangelo.
A parle que seríamos iniciolmenle inclinados a chamar
espaço principal não difere, em suo arliculação e
proporções, dos espaços siluados junlo a ele. Como
conseqüência, não se pode realmenle falar em espaço
principal ou em espaços seéundários. Nenhuma parle
isolado domino qualquer oulra.
A planla conslruída de Michelangelo é, na verdade,
•
essencialmente a mesma em princípio, mas as medidas
foram alleradas. Isso criou proporções diferenles, fazendo
com que o espaço cenlral se lornasse dominanle. Os oulros
espaços receberam um papel subordinado e suas
demarcações foram reduzidas a 101 ponla que se larna
exlremamenle improvável a idéia de usá· los
independentemente do espaço principal. A área principal
parece absorver o resto l e esse efeito sem dúvida seria
aumentado se levássemos em consideração também O corte,
comparando a altura da planta de Michelangelo com uma
outra, imaginária, com a mesma proporção de altura e
largura da planla de Peruzzi.
Aqui podemos verificar o que uma mudança de articulação
faz ao espaço, como algumas mudanças de medida podem
alterar um espaço a tal ponto que ele perde sua
capacidade de demarcação no que diz respeito o pequenos
grupos separados.
Plentas poro o
Basílica de São Pedro
Giu/iono Da Song%
Perl/ui (à direito)
Micne/ongefo
Bromanle (à direita}
531 532
533 53'
• Esta planto foi
prO'l'Ovelmente
elaborado em
colaboração com
8romonte. As vários
plantos paro São Pedro
foram atribuídas o
arquitetos diferentes, e
é impossível dizer
exatamente quem
projetou determinado
planto, como mostram
05 informações de
diversos fontes.
Fontes: L Benevolo,
Storio dello CiIlÓ I
Norberg Schulz,
Meoning in Weslern
Archiledure / Pevsner,
An Outline of European
Archilecrure / Von
Ravesteyn, -De
doorbroak nocr de SI.
Pieter te Rome· , in
Forvm, 1952
fORMA CO NVIDAlIVA 19'1
5J5
Este conceito de capacidade de demarcação ou "qualidade
de lugar" diz respeito à capacidade variável de um espaço
de ser convidativo para grupos maiores ou menores,
dependendo de suas proporções e de sua forma . Isto
parece estar baseado no equilíbrio exato entre fechamento
e abertura, intimidade e exterioridade, que assegura a
existência de focos suficientes nos vários lugares para que
as pessoas possam se envolver, a ponto de compreenderem
que éstão juntas num grande todo espacial.
' Se comparamos as diferentes plantas de São Pedro como
as plantas atribuidas a Bramante, Peruzzi, da Sangallo e
Michelangelo, constatamos também que, embora haja
pouca diferença entre elas no que diz respeito ao princípio,
existem diferenças bem nítidas quanto à articulação e ao
grau em que o espaço central é dominante.
As diferenças entre essas plantas são sutis mas vitais no que
diz respeito às l/possibil idades" de uso. Assim, as
proporções do espaço central em relação com o resto na
planta "oficial" de Bramonte são um pouco diferentes
daquelas da planta de Peruzzi , tornando o espaço central
da primeira planto muito mais importante. Além disso, os
quatra espaços entre as torres e o espaço central - igrejas
em si mesmas, por assim dizer, cópias em miniatura do
todo - , que são tão característicos no planta de Peruzzi,
estão ausentes. Esses espaços se tornaraml por assim dizer,
um saguão de entrada e, por conseguinte, espaços de
passagem. Os quatro nárteces semicircula res nas
extremidades do espaço central também desapareceram
(irão reaparecer em outra planta atribuída a Bramante).
Em suma, isto significa uma grande perda na capacidade
de demarcação para grupos distintos. Deste modo, vemos
198 LIÇÕES DE ARQUITETURA
que o qualidade excepcional do plano de Peruzzi deriva
essencialmente desta inserção de outra mundo espacial
completo entre as torres e o espaço principal. Além disto
as proporções estão de tal modo inter-relacionadas que:
independência de todas os partes e a sua interdependêro =
mantêm-se em perfeito equilíbrio." 161
CENTRO MUSICAL VREDENBURG 1535-539)
Na qualidade de lugar ande as pessoas se reúnem, um
centro musicol é um domínio excepcional para encontre: 2
contatos. Espera-se que o edifício seja espacialmente
organizada de tal modo que ofereça pela menos amplo
oportunidade para contatos sociais. IE uma questão
sobretudo de articulação carreta, isto é, da adaptação co,.
proporções ao padrão de relações entre os usuários e o
edifício.) Por conseguinte, as dimensões têm de ser
compatíveis com o tamanho das grupos que as pessoas
formam naturalmente, em diferentes lugares e situações.
As pessoãs devem ter liberdade para decidir se querem ;~
unir o um grupo ou fi car sozinhas, se querem ser vistm : .
não, se querem conversar com outros pessoas ou evitá·!c.
Embora toda a atenção do público concentre-se em um
evento central que ocorre diante de um grupo único, ac-"
e depois da apresentação esta massa única se desinteg re
em muitos pequenos grupos. Em termos espaciais, isto E} 1:-
um grande número de lugares, interl igados mas com cer-:
grau de separação, bem diferente da situação no auditó' :
O foto de que um grande número de pessoas usa 00
mesmo tempo o edifício exige um único e vasto espaço r;_
dividido. É apenas no auditório que se necessita de um
espaço único, não dividido, para acomodar mu itas pess::
I"
I
I
I'
I
juntos. O arranjo dos assentos consiste em compartimentos
semelhantes o balcões intercalados com um grande número
de passagens e escadas que seguem o formo do anfiteatro
de cimo o baixo; as saídos estão localizados em vários
pontos, através dos quais os vis itantes são naturalmente
conduzidos aos loyers em todos os níve is.
Há um grande número de balcões de bufê nos vários
andares, para que as pessoas possam ser servidas sem
demoro durante os intervalos. Além dos escadas no
auditório, há ligações entre os diferentes níveis e os loyers
fora do auditório, por meio de pores de escadas
localizadas simetricamente nos quatro contos do volume
central. Em vez de umas poucas escadas grandes, optamos
mais uma vez por várias escadaspequenas suficientemente
largos poro serem usados por duas ou três pessoas sem
interromperem o conversa. Ao projetor o área dos layers,
que envolve o auditório principal como uma película tênue,
usaram-se 00 máximo as possibilidades oferecidas por
cada loca l, tais como uma visto paro a praça, paro o
galeria interno ou, por outro lado, completo isolamento.
Nos estágios inicia is do planto, parecia que o espaço em
torno do auditório principal apenas circundaria o auditório
da maneira convencional. Mas, ao longo do processo,
transformou-se gradualmente nu ma sucessão de unidades
espaciais com uma grande variedade de qualidades, em
que se alternam luz do dia e luz artificial, tetos altos e
baixos, ocasionalmente côncavos, 9, ao longo do caminhol
FORMA CONVIDATIVA 199
5J6
S37
538 S39
5.0 5.1
nichos com la peça rias e áreas mais largas - ludo
conlribuindo para a criação de uma rica variedade de
lugares. Mesmo alguém gue alravesse a passagem mais
eslreila de um ponlo a oulro percorre uma área gue é bem
mais do gue uma simples zona de circulação. Os foyers
possuem vários assentos: informais, como muretas, mas
lambém assenlos propriamenle dilos como bancos de
madeiras, acompanhados de mesinhas, ou nichos providos
de alm9fadas. Onde o foyer se alarga, há grandes mesas
redondas com codejras em valIa. A diversidade de
qualidades foi acenluada em alguns lugares com o uso de
maleriais suaves ao lado dos acabamenlos de madeira:
lapeçarias de Joosl van Roojen, que dão inlensidade ao
menor dos cantos.
Quando se caminha pelo edifleio, o variedade de lugares
compreende desde canlos reservados, onde se pode ficar
longe da mullidão, alé lugares que oferecem uma visão
geral de ludo o que eslá aconlecendo, e áreas de onde se
avista o inferior do auditório ou a cidade.
Desse modo, a arliculação aumenla a gama de percepçães
espaciais. Além disso, o design variegado dessas pequenas
unidades espaciais conlribui para o capacidade de
acomodação do lodo, já que as pessoas lendem a se
dispersar, digamos, no espaço aberlo e indiferenciado de
um saguão. 151
o conceito de escala, usado indiscriminadamente para
denotar tamanho, determina a percepção de um
espaço ou edifício como muito grande ou muito
pequeno, isto é, se o espaço é maior ou menor do que
aquilo a que estamos acostumados.
Os adjetivos "grande escala" e "pequena escala'" nada
dizem acerca das medidas efetivos: algumas coisas
sõo muito grandes e outras muito pequenas
simplesmente porque precisam ser assim, o que não as
200 liÇÕ ES DE ARQUITETURA UNIRP
B1E3LIOT SC A
S.!\o José do Rio Preto ~ sP.
torno necessariamente demasiado grandes ou
demasiado pequenas.
O aspecto essencial a ter em mente é a articulação -
pois assim a confusão que cerca o conceito de escala
não mais obscurece nossa visão.
Consideremos um transatlântico - é uma construção
em grande escala ou em pequena escala? É claro que
é uma grande embarcação (embora seja uma mera
mancha no oceano), e não se adaptaria a uma rua,
mas, a inda ass im, é composto de um grande número
de pequenas cabines, cubículos, corredores e escadas
- todos unidades de dimensões bem menores do que
suas contrapartidas em terra.
Designamos como #articulação" a definição rítmica de
paredes e Fachadas que dá origem a certa
plasticidade. Este é um tema recorrente ao longo de
toda a história da arquitetura, e não sem razão, pois é
o elemento de plasticidade que provou, mais de uma
vez, ser o meio mais eficaz de expressar as
características externas de um edifício e de um estilo
a rquitetônico particular. E, assim como o ritmo na
música organiza a peça em segmentos, dando~lhe
assim lucidez, do mesmo modo o elemento rítmico na
arquitetura torna inteligíveis as distâncias e os
tamanhos. É bem ma is difícil identiFicar o tamanho dos
objetos achatados e inarticulados do que o de objetos
divid idos em unidades com tamanhos que são
Famil iares e que, ass im, permitem~nos ver o todo como
a soma das partes. É por isso também que um objeto
de dimensões muito grandes pode ser reduzido pela
articulação gráfico a proporções mais facilmente
apreendidas, que o tornam menos vasto e mais
perceptível - em outras palavras, menos parecido com
um monólito. A articulação pode, portanto, servir
como meio de a umentar a legibilidade e, assim,
contribuir essencialmente para a percepção do espaço.
Mas só pode fazê-lo sob uma condição: o que é
percebido no âmbito gráfica deve corresponder à
organização espacial sugerida pela imagem total.
Assim l se o exterior de um edifício indica uma divisão
em várias unidades espaciais pequenas sem nenhuma
relação com o arranja interior, como ainda acontece
freCjüentemente, esse tipo de articulação tem coma
objetivo apenas ornamenta r a fachada , e,
conseqüentemente, introduz um elemento sem
significação plástica. As fachadas históricas de casas
antigas, 00 serem amalgamados e convertidas em
hotéis ou escritórios, por exemplo, são reduzidas o
mera decoração urbana. É apenas quando os
elementos gráficos e/ ou plásticos na fachada
referem-se de fato às divisões do espaço interno que
nos ajudam o compreender como o espaço está
organizado e que espécie de padrão foi adotado.
Na arquitetura, todos os meios devem ser usados para
formar e, conseqüentemente, confirmar o espaço
fechado de tal modo que ele esteja apto o acomodar
um padrão social da máxima riqueza e variedade.
Estátua do Liberdade,
Nova rorl, '883 /
Estruturo de aço,
G. Eiffe/,
escultor, Bortholdi
512 5<3
541 5t5
Praça de São Ivkr::::~
Veneza
FORMA CONVIDAT IVA 201
547
l48
... .1
3 VISÃO I
Devemos procurar sempre o equilíbrio entre visco e
reclusão, ou sejol buscar uma organização espacial
que torne qualquer um, em qualquer situação, capaz
de escolher sua posição em relação aos outros.
Na seção dedicada à articulação, o conceito de divisão
recebeu inevitavelmente mais atenção do que o de
combinação, houve mais ênfase na separação do que
na unificação. Mesmo assim, a abertura dos diversos
lugares é tão fundamental quanto sua separação; na
verdade, os dois são complementares, de modo que
fechamento e abertura só existem graças um ao outroi
eles se relacionam dialeticamente, por assim dizer.
O grau com que os lugares são separados ou abertos
em re lação aos outros, e a manei ra como isto é feito,
está nas mãos do arquiteto e, conseqüentemente,
podemos regular o contato desejado numa situação
particular para afirmar a intimidade onde ela é
202 liÇÕ ES DE ARQUIT ETURA
'-,.
!.
\~
necessária e, ao mesmo tempo, não restringir
excessivamente e alcance de visão do "outre".
Ao introduzir diferenças de nível, aumentamos a gama
de possibilidades, mas, com níveis diferentes, devemos
levar em conta que as pessclas que estão ne alto
olham para as que estão embaixo; as posições,
j
portanto, não são iguais, e devemos cuidar para que
os lide baixo" tenham Q possibilidade de evitar o olhar
dos que estão "em cima".
ESCOLA MONTESSORI, DElFT [546·549)
A idéia sub jacente à diferença de níveis nas salas de aula é
permitir que algumas crianças pintem ou modelem na seção
mais baixa da salo, e, 00 mesmo tempo, que as crianças
na outra seção possam fazer trabalhos que exijam
concentração sem serem perturbadas pelas outras que estão
envolvidas em atividades menos árduas. O professor, de pi
pode fac ilmente supervisionar toda a turma.
Embora, do ponto de vista do professor como supervisor
das atividades, fosse melhor colocar os "trabalhadores" na
seção ma is baixa, isto não fo i feito para que os
trabalhadores aplicados não ficassem com o sentimento de
"esfarem por baixol/. Neste caso havia razões adicionais
para tal arranjo, como localizar a área de lIauto-
expressão" perto do corredor, e também o requisito de
il uminação direta da seção "normal" da classe pelas
janelas da fachada.
ALOJAMENTO PARA ESTUDANTES WEESPERSTRAAT [550·552)
Obviamente, são as linhas de visão quegovernam uma
divisão adequada entre as áreas que estimulam o contato
visual e as que oferecem ma is intimidade; a maneira como
lidamos com a altura dos espaços, especialmente nos
espaços com seções elevadas, é, portanto, de importância
primordial. O patamar espaçoso sobre a escada é mais
elevado que a seção do restaurante no nível de baixo (esta
área é hoje usada como uma discoteca), de maneira que as
pessoas sentadas no parapeito baixo ficam no mesmo nível
das pessoas que passam pela área do restaurante. Isto
fac ilita o contato informal.
FORMA CONVIDATIVA 203
551l
551
551
559
SSS j5.\
551 158
\
\
\
:
. ./-'.
::\
!,
l - I .!,
c
PAVlllON SUISSE, PARIS, 1932 / LE COR8USIER 1553·5581
O patamar semelhante a uma passagem depois dos seis
degraus da escada - que faz recuar a escada - fornece um
espaço de onde se pode ver por cima do parede do solo de
estar comunitária, e de onde também se pode ser visto.
Assim, a visão de quem este io subindo ou descendo a
escada se abre, ao mesmo tempo em que oferece certo
grau de privacidade aos que estão na sala de estar,
protegendo-os do olhar dos que eslão enlrando pelo hall.
SACADAS
As sacadas são freqüentemente construídas ao longo da
largura de um edifício, e esta não é uma má idéia do ponto
de vista do cuslo e do conveniência de construção. Uma
desvantagem, porém, é que essas sacadas não podem ser
muito largos porque roubam o luz dos andores que ficam
embaixo. Embora um apartamento desse tipo num prédio
204 liÇ ÕES DE ARQUllfTUiA
desse tipo tenha um número respeitável de metros
quadrados adicionais na sacada, não há muito o que fazer
com um espaço tão longo e tão estreito. Se o espaço tivesse
uma forma diferente - mais para um quadrado, por
exemplo -, poderia abrigar uma mesa para que várias
pessoas pudessem fazer uma refeição ao ar livre. O espaço
quadrado da socada oferece ainda maior isolamento, por
causa de sua profundidade, e pode também ser
parcialmente protegido. Além disso, parte da sala de estar
vem iuntar-se diretamente à fachada exterior, resultando
assim num espaço cheio de luz. e do qual se pode ver a rua
sem ter de ir à sacada.
PAVlllON DE rESPRI] NOUVEAU, PARIS, 1925 / LE COR8USIER
1560-5641
Se alguma vez existiu um arquiteto com um olho agudo
poro este tipo de organização espacial elementar, este
homem foi Le Corbusier. Em todo o mundo há exemplos de
como ele, olhando através de lentes diversas, por assim
dizer, rompeu os velhos clichês e transformou-os em novos
Hmecanismos espaciais",
Não podemos esquecer que em seu proieto para o ville
radieu,e - embora posteriormente repudiado, e não sem
razão, pela falta de espaço urbano na planta - todas os
moradias têm galerias abertas, grandes aposentos abertos
com altura de dois pavimentos. Ele exibiu um exemplo de
"galeria-socada" no pavi/lon de I'esprit nouveau, construído
para a Exposição Internacional de Artes Decorativas em
Paris em 1925 e agora recon,;tru ído em Bolonha, Itália.
No entanto, quando ele teve de enfrentar as exigências
práticas de praietar grandes planos habitacionais como o
Unité, em Marselha, viu-se obrigado, por razões
financeiras, a recorrer às sacadas estreitas convencionais,
embora também essas fossem mais estudados e mais
espaçosos do que é usual hoie em dia.
"I
1
i •
j-J ' ' "
i .. :
fOR MA CON VID ATIVA
rl , ,
['Unité d'habitatiorl,
Marseill" 1945/
Le Corbusier
5605ó4
561 56J
562
563566
Povillon de /'Esprit
Nouveou,
reconstruído em
B%nho, Itália
20S
567
S68 S70
569
Usando os princípios elementares da .organização
espaciat é possível introduzir muitas gradações de
abertura e isolamento. O grau de isolamento, como o
grau de abertura, deve ser cuidadosamente dosado,
para que sejam criadas as condições para uma grande
variedade de contatos, indo desde Q decisão de
ignorar os que estão à sua vol ta até o deseio de
juntar-se a eles f de modo que as pessoas possam, pelo
menos em termos espaciais, escolher como querem se
colocar diante dos outros. Também a individualidade
de todos deve naturalmente ser respeitada tanto
206 lIÇÕ1S 01 ARQU llfTURA
quanto possível, e devemos zelar para que o ambiente
construído não imponha o contato social , mas, ao
mesmo tempo, jamais imponha a ausência de contato
social. O arquiteto não é um mero construtor de
paredes; ele é também um construtor de aberturas que
oferecem visão. Ambos - paredes e aberturas - são
cruciais.
MORADIAS DOCUMENTA URBANA [567·570[
Nesta parte da projeta de moradias, o tema do vão de
escada como "rua vertical" foi combinado com o princípio
do vara nda como cômodo exterior. As varandas bem
espaçosas estão justapostas em cada andar de tal modo
que se projetam alternadamente para a frente e para o
lado, para que o espaço vertical não seja restringido pela
varanda do andar de cima.
Assim estas varondas compreendem uma parte isolada,
semelhante a uma galeria aberta, e também uma parte
mais aberta e extrovertida, semelhante a um te rraço, com
um vão livre vertical de dois andares ou aberta. A parte
isolada é protegida de um lado por blocos de vidro opacos.
Este projeto faz com que seja possível sentar'se do lado de
fora sem ser observado e sem ser obrigado a tomar
conhecimento dos vizinhos, ou, se for preferível, escolher
uma posição mais lIexposfall , com uma visão das outras
varandas e inteiramente à vista delas também. Assim,
estamos livres para decidir se vamos ficar sozinhos ou
conversar com os vizinhos - nem que seja só para pedir
emprestado um pouco de açúcar ou fa zer um comentário a
respeito do tempo.
"
MORADIAS LIMA [SnS79[
Os temas que desenvolvemos em Kassel foram retomados
mais uma vez no projeto de moradias lindenstrasse em
Berlim J a cidade com as varandas maiores e mais
intensivamente usadas, onde Hugo Haring projetou suas
adoráveis varandas espaçosas. O número de unidades de
moradia era maior no projeto de Berlim do que no de
Kassel} e as diferentes exigências quanto à situação
específica resultaram numa variedade de justaposições e
alinhamentos que exploram ao máxima as diversas
vantagens da localização.
Moradia,
Siemensstadl, Berlim,
1929·31 / H. Haring
571 572
573
574 575
fORMA CON VIDAIIVA 207
.... .:;:...--~
576 577 578
579
708 lI ÇÓEl DE ARQUITETURA
, ·--- -Ai íí
t- ---!.....-----.. ,1r-_ "i'
"""" ....... rr:i[ II -1-í 4
---------~,... -<" -
! ' I ! Fo_.L._._, - .... --._. ~ ;...~~r· ...I
, ;1 i I_ _ _ __ L J
'Ho.I;II_:_-"i-J) lí-=r T~~p .
--",..
'_._~---- ...
.' ' ,, ~ .....
ESCOLA THAU, BARCELONA, 1972-75 / MARTORELL, BOHIGAS &
MACKAY {580-583)
"A escada principal desta escola de vórios andares eleva-se
ao longo da fachada, dando acesso aos sucessivos andares
em diversos pontos do edifício: os entradas não estão
localizadas uma acima da outra verticalmente. Como O
escada se estende por toda o fachada, o espaço acima é
ma is alto na base da escada. Como os vórios andares
abrem-se de frente para as escadas, cada andar tem uma
vista integral do espaço do lado de fora através do fachada
de vid ro - e portanto também das pessoas que estão na
"\
~
\'"
escada. O layout de cada andar é claro à primeira vista;
hó contato constante entre as pessoas que sobem e descem
os escadas e as que estão paradas (sentadas ou
debruçado si. Em vez da superposição convencional das
unidades espaciais, temos aqui um todo unificado, com a
escada servindo como um meio para unir os andares; é
uma ilustração de como se pode oferecer suporte espacial
para o que as crianças das várias turmas têm em comum,
Aqui , ir e vir se torna umo atividade comunitária cotidiana,
com uma chance razoóvel para que cada um possa
entrever um amigo de uma turma di ferente," 19)
FORMA CONVIDATIVA 209
581
582 583
584 SSS
586
sse
587
CENTRO MUSICAL VREDENBURG (584·5861
O coração informal do edificio é o loyer dos artistas.
É onde os músicos e técnicos se preparampara o
espetáculo, e também onde se descontraem depois do
espetáculo, muitas vezes até bem tarde. Este espaço, que é
usado constantemente, está situado perto dos vestiários, dos
depósitos e de outras áreas de serviço. Há uma ligação
visual com a passagem pública acima, de modo que os que
estão passando por ali podem vislumbrar o que está
acontecendo nos bastidores no andar de baixo do Centro
Musical, ao mesmo tempo em que as pessoas no loyer dos
210 IIÇÓ ES DE ARQUITElURA
artistas têm apenas de olhar para cima para ver o mundo
exterior.
Isto pode ser visto como uma tentativa, em escala limitada,
de transpor a lacuna entre a vida colidiana na rua e um
espaço habitualmente comprimido entre as outras áreas de
serviço nos fundos.
O importante é chamar a atenção das pessoas que
trabalham no edificio para os visitantes e vice,versa. Uma
situação semelhante pode ser encontrada no edificio de
escritórios Centra0 I Beheer, onde se pode olhar para a área
de lavagem dos pratos e ver o seu prato sendo limpo, ao
mesmo tempo em que as pessoas encarregadas da limpeza
- um trabalho que não é dos mais atraentes - não precisam
se senlir banidas e excluídas do contalo. [131
DE OVERlOOP, LAR PARA IDOSOS (587, 588)
Como De Drie Hoven, o outro proieto de moradia para
idosos, De Overloop, tem um espaço semelhante a uma
l/praça de aldeia" no centro em que estão todos os serviços
comunitários. Neste caso, os moradores podem também
fazer suas refeições na área central, ou tomar chá ou café
em vários momentos do dia. Em suma, é onde tudo
acontece e onde se pode fugi r ao isolamento das unidades
individuais de moradia.
Partimos da idéia de que todas as "ruas inferiores" com
unidades de moradia deviam convergir para o espaço
central, para que os moradores precisassem apenas andar
uma pequena distância para chegar lá. E iá que nenhum
dos andares deveria ser excluído, o espaço cenlrallinha de
se estender verticalmente até o alto do edificio. O grande
vão assim criado contém os elevadores com ianelas
verticais, através das quais os moradores podem ser vistos
ao entrar ou sair do hall central. Os elevadores são os
meios de transporte verlical mais usados e';;;geral, mas há
também escadas.
Estas escadas estão situadas de maneira diferente em cada
andar, iá que sua localização é mais determinada pela
variação do que pela repetição de direção e visibi lidade no
espaço. Esta caraclerística distingue-as das escadas
secundárias situadas no fim de cada ala, que seguem o
princípio normal do vão de escada.
PARQUE GUEll , BARCELONA, 1900-14 ! A. GAUDí, J. M. JUJOl
[589-591)
O sinuoso banco-parapeito de Gaudi, que cerco o terraço
principal do Parque Guell em Barcelona, curva-se de tal
modo que nossa visão depende inteiramente do lugar onde
nos sentamos. Quando o parapeito faz a curva para
dentro, podemos sentar-nos de frente para os outros num
semicírculo, e quando a curva é para fora , temos como
vista a ampla área central , que, embora cercada pelo
parapeito sinuosa, dá a impressão de ser o exterior.
O ponto decisivo, isto é, os arcos que marcam a transição
do côncavo para o convexo, oferecem um posto de
observação ambíguo. O banco com seu S contínuo constitui
uma sucessão constante de lugares extrovertidos e
introvertidos em todas as gradaçães e com encostos
adequados em toda a sua extensão; visto em sua totalidade,
ele-incorpora uma ampla gama de qualidades que o
tornam adequado tanto para um piquenique quanto para
um momento de relaxamento solitário, contemplar a cena
do terraço principal à nossa frente, ou esperar por alguém.
Este banco cansiste numa faixa continua e fasc inante de
padrões ornamentados de cerâmica colorida (feitos
provavelmente não apenas por Gaudi, mas também por seu
discípulo Jujol), uma colagem do século XX avant la leffre.
Seja qual for a cor de suas roupas, qualquer um que se
sente aqui é assimilado naturalmente pelo todo mais amplo,
tornando-se assim parte de uma composição magnifica.
SOCiOlOGIA DO SENTAR
Há mu itas situações em que nos enconlramos frenle a frente
com outras pessoas ou de costas para elas - algo que os
projetistas dos vários meios de transporte público, tais como
trens, bondes e ônibus devem levar em conta. Esta
proximidade com pessoas que, em sua maior parte, são
completamente desconhecidas pode levar a contalos
forçados, mas também pode conduzir a encontros mais
animados, que podem ser muito breves, mas também se
tornarem duradouros. A forma de organizar os assentos
nessas situações não difere essencialmente da maneira
como um arqui teto lida com a organização de um edifício.
Antigamente, os bondes tinham bancos dos dois lados de
um corredor largo, de modo que todos se sentavam de
castas para a janela e de frente para o corredor central; o
resultado era um espaço comunitária semelhante a uma
sala de espera, onde se podia ocasionalmente olhar para
os outros passageiros sem nenhum embaraço. No entanto,
na maior parte das vezes, o corredor está cheio de
passageiros em pé que obstruem completamente o visão.
A maior capacidade de passageiros foi sem dúvida a razão
principal para esse arran jo, que ainda pode ser encontrado
nos metrôs de Nova York e Tóquio. Uma vantagem
adicional é que tanto os passageiros que estão sentados
quanto os que estão de pé podem se aproximar quando há
necessidade de abrir espaço poro outros passageiros: o
forMA CONVIDATIVA 211
589 590
591
592 593
59<
595 596
espaça destinado a cada passageiro não é prescrito,
depende de uma procura Autuante. Os trens geralmente
possuem bancos ao longo do vagão para duas ou três
pessoas, de frente umas para as outras, ou então de costas,
aos pares. O desenho dos trens tradicionais, com seus
compartimentos separados, parecidos com pequenas salas
com portas corrediças de janelas de vidro ao longo de um
corredor estreito, permite que se escolha os companheiros
de viagem - pois este admirável arran jo pode implicar
várias horas em contato estreito com estranhos. Uma vez
escolhido o lugar, vê-se muito pouco do que acontece no
resto do trem, a não ser passageiros que entram ou saem de
seu compartimento ou que passam pelo corredor em busca
de um assento ou então desembarcando em cada parada.
Uma vez no compartimento, temos uma visão completa de
nossos companheiros de viagem, ou então podemos olhar
pela janela ou para os passageiros no corredor, que
Weeperstroot,
Alo;amento para
estudantes
212 liÇÕES DE ARQUITETURA
constitui o único lugar no trem em que se fica de pé.
05 trens e ônibus modernos, como os aviães, têm filas de
assentos voltados para a frente, como na sala de aula
tradicional. Embora fiquemos bem perto dos outros
passageiros, provavelmente não teremos nenhum contato
com eles, exceto talvez pelos vizinhas imediatos.
A crescente popularidade desse tipo de disposição dos
assentos, em que o contato com outros é virtualmente
inexistente, reflete uma inequívoca tendência para o
individualismo também em outros ambientes. O mesmo
pode ser visto nas plataformas de trem e em outros espaçc;
púb li cos onde há concentração de pessoas esperando; os
antiquados bancos compridos foram quase todos
substituídos por assentos individuais distanciados.
Estonovo formo de sentar-se lado o lodo, mas com
separação, numa fi leira, foi inventada paro evitar que os
usuários sejam perturbados pelos que estão sentados ao
lado, e para evitar que as pessoas se deitem nos bancos.
Mas o resultado é que duos pessoas não podem mais
sentar-se juntas, nem é mais possível ab ri r espaço para
outros: as distâncias já foram fixadas de antemão e, deste
modo, o uso do assento deixou de ser flexível.
lugares usados por muitas pessoas durante um pequeno
período de tempo, como cafés, balcões, restaurantes, etc.,
são mobiliados com um grande número de mesas ou de
balcões idênticos, projetados com o objetivo de economizo-
espaço. O resultado é que sempre nos sentamos na
companhia de seis ou oito pessoas,