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2012 Turismo e Lazer Prof.ª Talita Cristina Zechner Lenz Copyright © UNIASSELVI 2012 Elaboração: Prof.ª Talita Cristina Zechner Lenz Revisão, Diagramação e Produção: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. 338.4791 L575t Lenz, Talita Cristina Zechner Turismo e lazer /Talita Cristina Zechner Lenz. Indaial : Uniasselvi, 2012. 191 p. : il. ISBN 978-85-7830-536-9 1. Turismo e lazer. I. Centro Universitário Leonardo da Vinci. Impresso por: III apresenTação Caro acadêmico(a)! No âmbito do gestão do turismo, o debate sobre o tema lazer toma força nos últimos tempos. Muito se discute sobre a importância do lazer para assegurar uma vida de qualidade e nesse sentido, o turismo é visto como uma grande oportunidade para sanar as necessidades de lazer. Tendo em vista que as relações que se estabelecem entre turismo e lazer não são tão simples e diretas, faz-se necessário refletir e analisar com atenção a questão do lazer, considerando suas características e os elementos chaves que fazem parte do conceito de lazer. Para tanto, nessa disciplina você irá estudar quais as relações que existem entre lazer e turismo e se aproximar de algumas modalidades de negócios de lazer. Além disso, vamos debater as interfaces entre o setor público e privado no lazer, entender o que é recreação e observar os diferentes consumidores que interferem no mercado de turismo e lazer. Vamos ainda discutir de que modo o lazer se apropria dos espaços públicos e como o debate do lazer vem adentrando no ambiente empresarial. Outros elementos irão fazer parte dessa rica disciplina, que pretende contribuir alargando as perspectivas que permeiam a questão do turismo, oferecendo subsídios para conduzir com eficiência e eficácia a gestão de empresas e projetos de lazer e turismo. Boa leitura e sucesso em seus estudos! Prof.ª Talita Cristina Zechner Lenz IV UNI Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há novidades em nosso material. Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura. O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo. Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente, apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador. Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto em questão. Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa continuar seus estudos com um material de qualidade. Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes – ENADE. Bons estudos! Olá acadêmico! Para melhorar a qualidade dos materiais ofertados a você e dinamizar ainda mais os seus estudos, a Uniasselvi disponibiliza materiais que possuem o código QR Code, que é um código que permite que você acesse um conteúdo interativo relacionado ao tema que você está estudando. Para utilizar essa ferramenta, acesse as lojas de aplicativos e baixe um leitor de QR Code. Depois, é só aproveitar mais essa facilidade para aprimorar seus estudos! UNI V VI VII UNIDADE 1 – INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO LAZER ............................................................ 1 TÓPICO 1 – O LAZER NO CONTEXTO HISTÓRICO ................................................................... 3 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 3 2 UMA SOCIEDADE PAUTADA NO TRABALHO ........................................................................ 3 3 AS MUDANÇAS NO TEMPO DE PRODUÇÃO E A EMERGÊNCIA DO TEMPO LIVRE ..................................................................................................................................................... 4 4 ALGUNS PRECONCEITOS EXISTENTES SOBRE LAZER E LÚDICO .................................. 8 RESUMO DO TÓPICO 1 ....................................................................................................................... 11 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................ 12 TÓPICO 2 – DISCUTINDO O CONCEITO DE LAZER ................................................................. 13 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 13 2 O QUE É LAZER? ................................................................................................................................. 13 3 TIPOS DE LAZER ................................................................................................................................ 17 4 LAZER E CULTURA DO CONSUMO ............................................................................................. 19 5 O BINÔMIO TURISMO E LAZER ................................................................................................... 24 RESUMO DO TÓPICO 2 ....................................................................................................................... 27 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................ 28 TÓPICO 3 – A IMPORTÂNCIA DO LAZER NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA ........... 29 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 29 2 QUAL A IMPORTÂNCIA DO LAZER PARA AS SOCIEDADES? ........................................... 29 3 LAZER E QUALIDADE DE VIDA ................................................................................................... 30 4 O LAZER ENQUANTO MODALIDADE DE NEGÓCIO ........................................................... 34 5 EMPREENDIMENTOS DE LAZER ................................................................................................. 35 RESUMO DO TÓPICO 3 ....................................................................................................................... 45 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................ 46 TÓPICO 4 – O LAZER NO CONTEXTO SOCIAL ........................................................................... 47 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 47 2 AS ABORDAGENS TEÓRICAS DO LAZER ................................................................................. 47 3 UM DIALÓGO ENTRE LAZER E RACIONALIDADE ............................................................... 48 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................. 50 RESUMO DO TÓPICO 4 .......................................................................................................................56 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................ 57 UNIDADE 2 – TEMAS CENTRAIS PARA O ESTUDO DO LAZER E DO TURISMO ........... 59 TÓPICO 1 – OS CONSUMIDORES DE LAZER .............................................................................. 61 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 61 2 O PÚBLICO INFANTIL/ ADOLESCENTE E O LAZER .............................................................. 61 3 O LAZER E OS ADULTOS ................................................................................................................ 63 4 A TERCEIRA IDADE E O LAZER (adultos da segunda fase) .................................................... 65 sumário VIII RESUMO DO TÓPICO 1 ....................................................................................................................... 67 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................ 68 TÓPICO 2 – RECREAÇÃO E LAZER .................................................................................................. 69 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 69 2 ENTENDENDO O CONCEITO DE RECREAÇÃO ...................................................................... 69 RESUMO DO TÓPICO 2 ....................................................................................................................... 75 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................ 76 TÓPICO 3 – ESPORTE E LAZER ......................................................................................................... 77 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 77 2 DISTINGUINDO ESPORTE E RECREAÇÃO ............................................................................... 77 3 BREVE HISTÓRICO SOBRE O ESPORTE ..................................................................................... 78 4 ESPORTE, TURISMO E LAZER ....................................................................................................... 82 RESUMO DO TÓPICO 3 ....................................................................................................................... 85 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................ 86 TÓPICO 4 – O PLANEJAMENTO E AS POLÍTICAS DE LAZER E TURISMO ........................ 87 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 87 2 A POSSIBILIDADE DAS POLÍTICAS DE LAZER E TURISMO .............................................. 87 2.1 OPERACIONALIZAÇÃO DE POLÍTICAS DE TURISMO E LAZER ..................................... 90 RESUMO DO TÓPICO 4 ....................................................................................................................... 92 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................ 93 TÓPICO 5 – LAZER E A QUESTÃO DOS ESPAÇOS PÚBLICOS ............................................... 95 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 95 2 O ESPAÇO DO LAZER ....................................................................................................................... 95 3 INTERSETORIALIDADE NO LAZER ............................................................................................ 100 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................. 102 RESUMO DO TÓPICO 5 ....................................................................................................................... 112 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................ 113 TÓPICO 6 – O PROFISSIONAL DE LAZER E SUA FORMAÇÃO .............................................. 115 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 115 RESUMO DO TÓPICO 6 ....................................................................................................................... 118 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................ 119 UNIDADE 3 – TURISMO E LAZER - TEMAS TRANSVERSAIS ................................................ 121 TÓPICO 1 – MOTIVAÇÕES PARA O LAZER E O TURISMO ..................................................... 123 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 123 2 AS PRINCIPAIS MOTIVAÇOES PARA O TURISMO E LAZER .............................................. 123 RESUMO DO TÓPICO 1 ....................................................................................................................... 133 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................ 134 TÓPICO 2 – O LAZER E A EMPRESA ............................................................................................... 135 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 135 2 O TRABALHO E O LAZER NAS EMPRESAS .............................................................................. 135 RESUMO DO TÓPICO 2 ....................................................................................................................... 145 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................ 146 TÓPICO 3 – LAZER E TECNOLOGIA ............................................................................................... 147 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 147 IX 2 COMO O LAZER SE RELACIONA COM A TECNOLOGIA ..................................................... 147 RESUMO DO TÓPICO 3 ....................................................................................................................... 156 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................ 157 TÓPICO 4 – O LAZER E O JOGO ....................................................................................................... 159 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 159 2 OS JOGOS E OS CASSINOS ............................................................................................................ 159 RESUMO DO TÓPICO 4 ....................................................................................................................... 163 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................ 164 TÓPICO 5 – FESTAS, LAZER E CULTURA ......................................................................................165 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 165 2 FESTAS E TURISMO .......................................................................................................................... 165 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................. 169 RESUMO DO TÓPICO 5 ....................................................................................................................... 180 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................ 181 REFERÊNCIAS ........................................................................................................................................ 183 X 1 UNIDADE 1 INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO LAZER OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PLANO DE ESTUDOS A partir desta unidade, você será capaz de: • entender em que contexto histórico e social surgem as discussões sobre o lazer; • conhecer e aprofundar o conceito de lazer; • analisar a importância do lazer na sociedade contemporânea e; • pontuar as relações existentes entre lazer e sociedade, perpassando pelas principais correntes teóricas que tratam do assunto. Esta unidade está dividida em quatro tópicos, no decorrer dos estudos, você encontrará atividades que o ajudarão a fixar os conteúdos adquiridos. TÓPICO 1 – O LAZER NO CONTEXTO HISTÓRICO TÓPICO 2 – DISCUTINDO O CONCEITO DE LAZER TÓPICO 3 – A IMPORTÂNCIA DO LAZER NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA TÓPICO 4 – O LAZER NO CONTEXTO SOCIAL Assista ao vídeo desta unidade. 2 3 TÓPICO 1 UNIDADE 1 O LAZER NO CONTEXTO HISTÓRICO 1 INTRODUÇÃO Para muitas pessoas a palavra lazer parece trazer consigo um significado de supérfluo, “perfumaria” (diriam alguns), ou ainda, um antônimo de prioridade. Outros, já admitem sua importância para assegurar uma vida de qualidade e mais equilibrada. A discussão em torno do tempo é carregada de sentidos que se encontra atrelada a diferentes momentos históricos, isto é, dizem respeito a uma construção cultural. Nesse tópico, vamos analisar, de forma introdutória, como o tema lazer foi discutido ao longo da história. 2 UMA SOCIEDADE PAUTADA NO TRABALHO Em nosso modelo de sociedade atual, o trabalho é considerado por muitas pessoas a principal razão de existência. As crianças são desde cedo estimuladas a pensar sobre o seu futuro profissional. Algumas escolas, ainda na etapa do ensino fundamental, inserem disciplinas e conteúdos relacionados ao tema do empreendedorismo e línguas estrangeiras aclamando a necessidade de se preparar bons candidatos para ingressar no mercado de trabalho. Durante o ensino médio, é comum a realização de ‘aulões’ e simulados destinados a preparar muito bem os alunos para o vestibular, para que o ingresso no ensino superior seja possível. Por detrás de todas estas estratégias, é inerente a preocupação em fazer com que crianças, adolescentes e jovens tenham êxito em sua carreira profissional. Que encontrem um posto de trabalho que ofereça boa remuneração e, ainda, a expectativa é que o ofício lhe traga realização pessoal e prestígio. Na fase adulta, a profissão é algo que costuma ser tão importante, que o indivíduo, ao ser questionado “Quem é você?”, tende a responder, “Me chamo Maria, sou arquiteta” ou ainda, “Sou Promotor de Justiça, meu nome é Marcos Roberto”. Quer dizer, muito além de constituir uma forma de vender a força de trabalho ou de explorá-la, o trabalho da pessoa traz consigo um sentido de identidade, que para alguns, pode ser uma forma de status, reconhecimento e aceitação, isto é, extrapola o simples entendimento de ser uma maneira de se ganhar dinheiro. Neste cenário, a preocupação e as reflexões em torno do tema trabalho são comuns e fazem parte do nosso aparato cultural. UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO LAZER 4 Na contramão desse processo, somos pouco estimulados a meditar e ponderar a questão do lazer em nossas vidas. Não é intenção, de modo nenhum, negar a relevância de se planejar e de se organizar para ter um bom emprego, nem tampouco, deslegitimar o papel que cumpre o trabalho na sociedade capitalista que vivemos. Na atualidade, o que parece bastante necessário é amadurecer e clarear as ideias que permeiam o tema do lazer. É um assunto que sempre parece menos importante, que costuma ser relegado a segundo plano na vida cotidiana, na visão de alguns, um ‘capricho’ para quem pode. Este modo de enxergar o lazer está carregado de preconceitos e distorções e escondem o sentido legítimo do conceito, conforme iremos estudar ao longo do tópico. 3 AS MUDANÇAS NO TEMPO DE PRODUÇÃO E A EMERGÊNCIA DO TEMPO LIVRE O modo como as sociedades organizam seu tempo de trabalho e lazer não foi sempre igual. A modificação da forma de trabalho artesanal e predominantemente rural, típica da Idade Média, para o trabalho industrial, de modo geral urbano, gerou alterações significativas. Camargo (1999) explica que no decorrer da Idade Média, trabalhava-se em média de 700 a 1.000 horas por ano e demandando grande esforço físico. O trabalho era duro, mas adaptado ao clima e às estações, com momentos de descanso e festa ditados pela família e, sobretudo, pela religião, tendo um calendário composto por diversos dias santos. Passada a Revolução Industrial, os trabalhadores partem do campo para as fábricas e passam a ser submetidos a árduas jornadas de 3.500 a 4.000 horas anuais, em um ambiente bem diferente do contexto social do qual faziam parte. Nas sociedades pré-industriais, o lazer não existia e o trabalho inscreveu- se nos ciclos naturais das estações e dos dias, ou seja, era intenso durante a boa estação e esmorecia durante a estação má. Além disso, o ritmo do trabalho era natural, sendo interrompido por cantos, pausas, jogos e cerimônias, de modo que o corte entre o trabalho e o repouso não era nítido. (DUMAZEDIER, 1999). Nas cidades industrializadas do Brasil, no início do século XX, não havia tempo para se divertir, nem mesmo no domingo, que também passou a ser dia de trabalho. Neste período, a vida era ditada pelo trabalho. Após lutas e reivindicações da classe operária, a jornada de trabalho passou para os atuais patamares de 1.800 e 2.000 horas anuais, isto é, 40 ou 44 horas semanais. Por conseguinte, passaram a ter em média 30 a 35 horas na semana para o lazer. (CAMARGO, 1999). A maneira como o trabalho era encarado pelas pessoas também difere ao longo do tempo. Até o século XIX, a preocupação das sociedades centrava-se em organizar estruturas socioculturais e econômico-políticas destinadas a atingir TÓPICO 1 | O LAZER NO CONTEXTO HISTÓRICO 5 um nível de produção que ultrapassasse o consumo, até então, maior que o dos bens e serviços indispensáveis às famílias. Isto é, no início do período industrial, a luta pelo consumo e equipamentos eletrodomésticos e eletrônicos era grande, pois antes o contato com tais aparatos domésticos era raro, e, portanto, a referida etapa inicial, é marcada por um intenso consumo. Certamente que havia restrições de ordem financeira o que dificultava o acesso a alguns itens, mas o desejo em almejar tais produtos era grande. No Brasil, por exemplo, onde as condições de financiamento mais dificultosas do que atualmente, havia os chamados ‘consórcios’ para aquisição de vários equipamentos, desde veículos até televisores. Nessa corrida, pouco se falava sobre a usufruição do lazer e sobre a natural necessidade de repouso da sociedade em geral, pois durante essa fase, as pessoas sentiam seu valor pessoal reduzido a sua capacidade de produção. Em contrapartida, significativo era o papel da religião e da igreja, que incorporava um discurso quase dogmático segundo o qual homens nasceram para trabalhar e seu trabalho era considerado um modo de purificação dos pecados, ou seja, a ideia detrabalho se encontrava imbuída de sofrimento. (ANDRADE, 2001). Ainda sobre o papel desempenhado pela igreja na construção histórica do conceito de lazer, convém apontar que nem mesmo dentro do cristianismo havia um consenso construído. Camargo (1999) explica que no bojo do catolicismo, havia duas vertentes centrais que tratavam a questão do lazer dos fiéis, de modo que a primeira condenava o não fazer nada e o divertimento em geral, em que as atividades lúdicas eram consideradas ociosas e geradoras de desvios, originando ditos populares como “A ociosidade é mãe de todos os vícios” e “Para cabeça vazia, o diabo arruma serviço”. Uma segunda abordagem ditava que o trabalho era uma obrigação a que o homem estava condenado. No protestantismo, grande relevância foi atribuída ao trabalho e ao acúmulo de riquezas. A riqueza, fruto do trabalho, era vista como bênção divina, e a falta de dinheiro, a pobreza, como ausência de sintonia com Deus, um estado de doença espiritual. Esta abordagem apresenta-se de forma nítida e detalhada na obra do sociólogo Max Weber, intitulada “Ética protestante e o espírito capitalista”. De todo modo, nota-se que o lazer não foi valorizado e tratado adequadamente por nenhuma das vertentes religiosas referidas, pois ao invés de ser tratado como um direito fundamental manteve-se atrelado aos ideais de divindade, pecado, culpa, enfim, bem longe do seu sentido genuíno. Ainda nesta linha de considerações, vale lembrar que antes do século XIX aqueles que detinham o poder e que controlavam escravos, dependentes, empregados e devedores de favores e de bens, não costumam trabalhar. Autoridades, grandes senhores e credores importantes usualmente viviam longe das obrigações de trabalho, folgando na alegria. No bojo de tais parâmetros comportamentais, o lazer e o repouso eram privilégios apenas das pessoas livres. (ANDRADE, 2001). UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO LAZER 6 FIGURA 1 – TINTUREIROS NA IDADE MÉDIA FONTE: Cidade Medieval Blog spot. Disponível em: <http:// cidademedieval.blogspot.com/2009/04/o-paternalismo-nas-relacoes-de- trabalho.html>. Acesso em: 8 dez. 2011. A situação vivenciada na primeira etapa da industrialização, marcada por condições massacrantes de trabalho, não perdura por muito tempo, pois gradualmente os operários se organizaram e passaram a reivindicar o direito ao repouso e a condições mais dignas de trabalho. Como fruto de protestos, ocorreu o reconhecimento público da necessidade social de tempo livre e a busca de condições adequadas ao livre exercício do lazer e do repouso para os empregados, seus familiares e dependentes. (ANDRADE, 2001). No Brasil, a CLT – Consolidação das Leis do Trabalho representa um marco fundamental na conquista dos direitos dos trabalhadores. Trata-se da principal norma legislativa do direito do trabalho, tendo sido criada através do Decreto-Lei nº 5.452, em 1º de maio de 1943. De modo geral, a referida consolidação institui as normas que regulam as relações individuais e coletivas de trabalho (BRASIL, 2011). A CLT foi e continua sendo uma ferramenta indispensável para assegurar os direitos dos trabalhadores, incluindo o repouso e férias remuneradas. Conforme explica Viana (2011), a consolidação das leis trabalhistas esteve diretamente atrelada à visão de governo populista e dependente da aclamação popular e o surgimento da CLT coincide com a criação do Ministério do Trabalho. Assim, a consolidação das leis trabalhistas foi recebida como uma melhoria nas relações sociais do país e constitui-se de um passo importante para a evolução econômica nacional. Ademais, ainda de acordo com Viana (2011), até o fim do TÓPICO 1 | O LAZER NO CONTEXTO HISTÓRICO 7 século XX, a CLT sofreu alterações em tópicos como a remuneração das férias, merecendo destaque a equiparação gradual do trabalhador rural ao urbano. Conforme pode ser visto, a consolidação das leis trabalhistas foi um passo de suma importância para o trabalhador brasileiro, tendo sido criado inclusive a expressão “celetista” para se referir aos empregados enquadrados no referida lei. Tendo em vista que as leis trabalhistas são relativamente antigas em nosso país, já nos acostumamos e consideramos ‘normal’ o direito às férias remuneradas. A Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada a 10 de dezembro de 1948, assegura a todas as pessoas o direito ao repouso e ao lazer, contudo, o direito a férias pagas não existe em muitos países do mundo. (REVISTA FÓRUM, 2011). Especificamente, 34 nações possuem o direito a férias remuneradas regulamentadas, a saber: Alemanha, Armênia, Bélgica, Bósnia-Herzegovina, Brasil, Burkina Faso, Camarões, Chade, Croácia, Eslovênia, Espanha, Finlândia, Guiné, Hungria, Iêmen, Iraque, Irlanda, Itália, Letônia, Luxemburgo, Macedônia, Madagáscar, Malta, Moldávia, Noruega, Portugal, Quênia, República Tcheca, Ruanda, Sérvia, Suécia, Suíça, Ucrânia e Uruguai. (REVISTA FÓRUM, 2011). Nos Estados Unidos, por exemplo, as férias pagas não são obrigatórias, de tal forma que somente 67% dos servidores públicos e 80% dos trabalhadores do setor privado têm direito a férias pagas de duração variável. No Japão, outra potência econômica, os trabalhadores têm direito a 10 dias de férias não remuneradas. Na China, por sua vez, funcionários possuem atualmente o direito de gozar de até três semanas anuais de férias, mas este direito não se aplica em todos os setores. (REVISTA FÓRUM, 2011). Conforme foi possível observar, a concessão do direito a férias ainda é um desafio para alguns países. Neste sentido, é pertinente fazer uma breve reflexão sobre um paradoxo que parece se instalar em nossa sociedade atual. Se por um lado, o direito ao descanso e ao lazer é produto de um processo de reivindicação, nos dias de hoje, com o advento das novas tecnologias da informação, muitos possuem incutidos em suas mentes, a ideia de que é preciso estar constantemente checando e-mail, conferindo os últimos twets ou acompanhando o sobe e desce da bolsa de valores. E nesse sentido, o que não faltam são opções para se manterem conectados: celulares, tablets, smartphones, netbooks, enfim, a lista não para. Fato comum é que encontramos pessoas a nossa volta (ou quem sabe, você mesmo), tomando providências de trabalho fora do seu horário de trabalho, muitas vezes, à noite, aos finais de semana e durante as férias. De modo algum, me parece que o problema está nos novos aparatos da era informacional, talvez antes, na falta de preparo de lidar com eles, não no sentido técnico, mas sob uma ótica mais madura da gestão do tempo pessoal e de trabalho. Ao longo desse caderno, vamos tentar entender melhor porque se configura essa nova realidade social. UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO LAZER 8 4 ALGUNS PRECONCEITOS EXISTENTES SOBRE LAZER E LÚDICO Nas rodas de conversa e na mídia, é comum nos depararmos com uma série de impressões, opiniões e conceitos equivocados e distorcidos sobre lazer. Na sequência, apresenta-se uma síntese dos principais preconceitos inerentes ao tema, baseado em Camargo (1999, p. 16-20). Primeiro preconceito: diversão é preocupação dos ricos Esse talvez seja o preconceito mais disseminado sobre diversão e apresenta- se como uma desculpa constante. Muitas vezes reflete apenas a dificuldade em se divertir experimentada pela pessoa que o enuncia. Queixar-se da falta de dinheiro é um álibi que sempre funciona. Segundo Camargo (1999), esse preconceito está associado a certo pudor ao se falar de diversão em um país com tantos problemas sociais (fome, saúde, habitação etc.), algo como “falar de banquete na casa de quem passa fome”. Contudo, há nessa noção uma distorção, como se de fato, ser pobre significasse, além de falta de recursos, uma falta de desejo humano em se divertir. É evidente que perante a um cenário de limitação de recursos, algumas opções de lazer mais sofisticadas, tais como realizar viagens internacionais, jogar golfe ou frequentar cassinos, não serão possíveis.Entretanto, existem várias formas de se divertir gastando pouco ou nenhum dinheiro, dando uma caminhada, frequentando praças, visitando amigos, ouvindo música etc. FIGURA 2 – A CAMINHADA COMO OPÇÃO DE LAZER FONTE: Revista Veja. Disponível em: <http://veja.abril.com.br/noticia/saude/caminhada- rapida-pode-garantir-alguns-anos-a-mais-de-vida>. Acesso em: 8 dez. 2011. TÓPICO 1 | O LAZER NO CONTEXTO HISTÓRICO 9 Segundo preconceito: o trabalho é mais importante que o lúdico Não há dúvidas que ainda hoje, as pessoas consideram o trabalho mais importante que o lúdico, por mais que se fale em novos tempos. É sabido, porém, que ao invés da máxima “viver para trabalhar”, na atualidade vigora o “trabalhar para viver”, aceitando os múltiplos interesses que uma vida plena pode oferecer, no trabalho e fora dele. Por exemplo, enquanto antigamente, a imagem do político ideal era uma pessoa séria e sisuda, hoje, eles procuram temperar sua imagem austera com outras mais lúdicas, do esportista ou do artista entre outras. Neste limiar, diversas igrejas que mantinham suas celebrações e liturgias sérias inicialmente, passaram incorporar gestos e canções animadas para se tornarem mais atrativas. (CAMARGO, 1999). Ou seja, não faltam exemplos a nossa volta para demonstrar que é possível ser descontraído, alegre, sem deixar de ser responsável e comprometido. Terceiro preconceito: a diversão atrapalha o trabalho, o dever Diversos setores da sociedade e muitas pessoas ainda continuam a partilhar da crença de que o divertimento – o fácil – é o responsável pelo pouco empenho das pessoas no dever – o difícil. É claro que é preciso ter um equilíbrio entre o tempo dedicado ao lazer e aos compromissos, pois, exceto raríssimas exceções, não é possível construir uma vida exitosa e próspera, distanciado de todos os tipos de compromissos. Mas não é evitando o lúdico que pessoas vão se ocupar melhor de suas obrigações. (CAMARGO, 1999). No passado, talvez essa preocupação fizesse sentido, pois não poderia haver pausas e distrações que prejudicassem a produção. Hoje em dia, a maioria das ocupações exige posturas e atitudes responsáveis e criativas, isto é, demandam profissionais que tenham a capacidade de “arejar suas próprias ideias”. O lúdico, portanto, não é um obstáculo ao sério. Quarto preconceito: trabalhar é difícil, divertir-se é fácil A verdade dessa afirmativa certamente reside no fato de que o trabalho (seja ele braçal, intelectual, de cunho artístico etc.) exige disciplina, esforço, concentração, repetição, monotonia. O lazer, por sua vez, pode demandar esforço e disciplina, mas apenas na intensidade desejada pelo indivíduo que o pratica, e nesse sentido, divertir-se é mais fácil que trabalhar. Contudo, essa reflexão não se esgota tão facilmente, pois o que explicaria a expressão de tédio em uma criança perante uma montanha de brinquedos novos? Ou turistas que se deslocam para remotos lugares e não conseguem relaxar e aproveitar os passeios? Como explicar homens e mulheres num iate, entediados? (CAMARGO, 1999). Essas situações indicam o desfrute do lazer, não é tão simples como parece. Algumas pessoas possuem dificuldades para relaxar e se soltar, e estão sempre preocupadas e querendo controlar a situação. Esse tipo de atitude é maléfico e um grande empecilho para o desfrute do lazer. O que acontece, é que às vezes a própria pessoa não tem consciência de suas dificuldades para se divertir, possivelmente porque não foi educada e preparada para o desfrute. UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO LAZER 10 Diante desse cenário, crescem as ocupações profissionais relacionadas à missão de entreter as pessoas, tais como recreadores e animadores culturais que buscam proporcionar meios e condições para as pessoas se soltarem e aproveitarem melhor os equipamentos de lazer. ESTUDOS FU TUROS O tema recreação será estudado de forma mais aprofundada mais adiante nesta disciplina. 11 Olá acadêmico(a)! Vamos checar os pontos centrais desse tópico de abertura. • Em nosso modelo de sociedade atual, o trabalho é considerado por muitas pessoas a principal razão de existência. • Até o século XIX, pouco de falava sobre a usufruição do lazer e sobre a natural necessidade de repouso, pois durante essa fase, as pessoas sentiam seu valor pessoal reduzido a sua capacidade de produção. • Como fruto de protestos, ocorreu o reconhecimento público da necessidade social de tempo livre e a busca de condições adequadas ao livre exercício do lazer e do repouso para os empregados, seus familiares e dependentes. • No Brasil, a CLT – Consolidação das Leis do Trabalho representa um marco fundamental na conquista dos direitos dos trabalhadores. • Algumas nações desenvolvidas ainda não possuem regulamentado o direito a férias remuneradas. • Existem quatro grandes preconceitos com relação ao lazer e ao lúdico: diversão é preocupação dos ricos; o trabalho é mais importante que o lúdico; a diversão atrapalha o trabalho, o dever e, por fim, trabalhar é difícil, divertir-se é fácil. RESUMO DO TÓPICO 1 12 Vamos reforçar alguns pontos importantes respondendo às questões a seguir: 1 Qual a principal diferença entre o lazer antes e após a Revolução Industrial? 2 Qual a importância da CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas) para os trabalhadores brasileiros? 3 Cite cinco países que respeitam a Convenção 132, elaborada pela Organização Internacional do Trabalho que regulamenta o direito a férias remuneradas. 4 Algumas pessoas acreditam que a diversão atrapalha o trabalho, porém esse ponto de vista vem sendo alvo de críticas na atualidade. Explique quais os argumentos apresentados pela crítica. 5 Sobre a questão do lazer, existe um preconceito que consiste em afirmar que esta atividade é uma preocupação exclusiva dos ricos. Esta afirmativa é correta? AUTOATIVIDADE Assista ao vídeo de resolução da questão 5 Assista ao vídeo de resolução da questão 1 13 TÓPICO 2 DISCUTINDO O CONCEITO DE LAZER UNIDADE 1 1 INTRODUÇÃO 2 O QUE É LAZER? Conforme foi possível notar na seção anterior, o termo lazer carece de uma apreciação mais cuidadosa e precisa, para que possa ser tratado de maneira adequada, seja no setor privado, no setor público, ou ainda no âmbito de nossas vidas pessoais. Na sequência, você vai aprender como os estudiosos tratam o assunto. Isto lhe permitirá solidificar a compreensão do tema. Em seguida, os assuntos lazer e turismo serão aproximados para você entender as interfaces que se estabelecem entre os dois fenômenos. O termo lazer surgiu na antiga civilização greco-romana e deriva do latim licere, que significa ‘ser permitido’. Nesse período, o ideal de lazer estava atrelado à plena expressão de si mesmo nos planos físico, artístico e intelectual. (CAMARGO, 1999). Diversão, brincadeira e ludicidade sempre estiveram atreladas à cultura das sociedades, contudo o fenômeno do lazer, tal como o concebemos na atualidade, é um fenômeno que emergiu mais recentemente. Por isso, não é apropriado dizer que a história do lazer seria tão antiga como a história das civilizações. Na perspectiva de Dumazedier (1999, p. 26), “o tempo fora do trabalho é, evidentemente, tão antigo quanto o próprio trabalho, porém o lazer possui traços específicos, característicos da civilização nascida da Revolução Industrial”. Mascarenhas (2003) também concorda que o lazer é um fenômeno moderno, resultante das tensões entre trabalho e capital, que se materializa como um tempo e espaço de vivências lúdicas, culturais e de relações sociais. Por isso, o conceito de lazer está intimamente relacionado à questão do trabalho (sob forma de empresas e indústrias, com horários e rotinas próprias), pois é a partir desse novo contexto social que se começa pensar nas ocupações desempenhadas sem função produtiva. Dumazedier (1999, p. 28) faz uma distinção importante entre o tempo de ausência de trabalho e o de lazer: “o lazer não é a ociosidade, não suprime o trabalho; o pressupõe.Corresponde a uma liberação periódica do trabalho no fim do dia, da semana, do ano ou da vida de trabalho”. UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO LAZER 14 Outra característica relevante, é que com a Revolução Industrial o domínio da igreja em todas as esferas da vida social é diminuído, pois as atividades de trabalho passam a obedecer a outro código de poder, expresso pela figura do patrão e das relações contratuais de trabalho. Além, o domínio da natureza, também se altera nesse novo quadro. Afinal, os limites para os turnos de trabalho e as condições para a realização das atividades passa a não depender em sua totalidade das condições da natureza, pois o parque fabril dispõe de uma infraestrutura suficiente para não ficar à mercê das mudanças climáticas, por exemplo. O lazer diz respeito às atividades que permitem ao indivíduo entregar-se de livre vontade, seja para repousar, divertir-se, recrear-se, entreter-se, ou ainda aprender sobre determinado assunto sem que se estabeleça um compromisso, após desembaraçar-se das obrigações profissionais, familiares e sociais. (DUMAZEDIER, 1973). Taschner (2000) realça a presença de uma dimensão subjetiva na concepção de lazer de Dumazedier. Pois é o indivíduo que, em última instância, decide o que ele vive e o que ele não vive como lazer. Se admitirmos a dimensão da subjetividade intrínseca ao conceito de lazer, é possível compreender que não existe uma regra clara e rígida para determinar se uma atividade faz parte do lazer do indivíduo, pois além da ação em si, depende da condição em que ela é praticada. Cozinhar, por exemplo, pode ser uma prática de lazer, quando quem se dedica à atividade o faz por apreço, para relaxar, buscar informações de maneira despretensiosa sobre gastronomia e se entreter. A mãe de família, contudo, que prepara o almoço para crianças diariamente, na pressa de conciliar o horário da escola dos filhos com seu horário de trabalho, não está desfrutando de um momento de lazer. O mesmo raciocínio é válido para refletir se a prática religiosa se enquadra como um momento de lazer ou não na rotina do indivíduo. A este respeito, Andrade (2001) mostra que são os interesses imediatos, os gostos pessoais e as finalidades funcionais que determinam se as preces e as meditações costumeiras se constituem ou não, em trabalho sério, lazer devoto ou repouso descompromissado com qualquer outro tipo de produtividade ou de revigoramento voltado ao desenvolvimento da vida humana e cristã. Outro conceito válido para discussão encontra-se em Rolin (1989) que aborda a questão do lazer a partir de uma abordagem psicossocial, definindo-o como um tempo livre, empregado pelo indivíduo na sua realização pessoal como um fim em si mesmo, que permite recompor-se do cansaço, repousando; do aborrecimento, divertindo-se; da especialização funcional, desenvolvendo capacidades de seu corpo e espírito, diferente daquelas realizadas diariamente. Sintetizando a compreensão do tema, Andrade (2001) diz que lazer é um conjunto de atividades e circunstâncias isento de pressões e tensões. Faz-se necessário ainda, distinguir os conceitos de lazer e hobby, que são tratados, algumas vezes, de forma imprecisa. De acordo com o dicionário de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira (2009), hobby refere-se a um passatempo favorito; derivativo que TÓPICO 2 | DISCUTINDO O CONCEITO DE LAZER 15 serve para preencher o tempo em que se repousa de um trabalho habitual. Quer dizer, o hobby pode ser uma forma de lazer, mas é preciso lembrar que a definição de lazer situa-se em um arcabouço mais amplo, que inclui outras modalidades de atividades. É oportuno comentar ainda o conceito de lazer trabalhado por Marcelino (1990) que o define como a cultura vivenciada no tempo disponível, tendo como traço definidor o caráter desinteressado dessa vivência, ou seja, a recompensada reside na satisfação provocada pela situação. Para Edginton (2011), existem três abordagens clássicas para se definir o lazer, que foram utilizadas ao longo do processo histórico. A primeira é que ele representa o tempo livre, no qual não se tem que trabalhar para garantir a subsistência. A segunda é que ele é a série de atividades em que um indivíduo está envolvido. Futebol pode ser uma atividade de lazer para uma criança, mas é um trabalho para jogadores profissionais, recordando que o elemento chave é a circunstância em que a atividade se desenvolve. A terceira e mais recente definição considera-o como um estado da mente – isso significa que ele pode ocorrer a qualquer momento, em qualquer lugar. Além disso, temos que ter em mente que o lazer é definido culturalmente. Não é apropriado que um americano defina o que é lazer no Brasil, mesmo em um mundo tão globalizado. Visando clarificar a compreensão do tema lazer, permitindo uma distinção adequada entre trabalho, obrigações, repouso e diversão, Dumazedier (1999) elenca quatro aspectos fundamentais do lazer, a saber: a) Caráter liberatório: o lazer resulta de uma livre escolha e seria falso dizer que lazer é sinônimo de liberdade, ausentando qualquer possibilidade de obrigação que pudesse estar relacionado ao lazer. O lazer é a liberação de certo gênero de obrigações, mas depende, como toda atividade, das relações sociais e das obrigações interpessoais. Isto é, o lazer está sujeito às obrigações decorrentes da formação de um grupo. Por exemplo, um grupo de amigos que se reúne semanalmente para jogar pôquer, pode ter regras e obrigações, como chegar no horário combinado, não faltar mais que duas vezes ao mês, ter de avisar quando não puder comparecer etc. O aspecto liberatório do lazer está relacionado à ausência de obrigações institucionais, imposta pelas instituições profissionais, familiais, socioespirituais e sociopolíticas. Reciprocamente, quando a atividade de lazer se torna uma obrigação, tal como sair para passear com a família de forma imposta, ou quando o jogo de tênis semanal migra para a categoria profissional, sob o ponto de vista sociológico, mesmo que o conteúdo técnico da atividade não se altere, a atividade passa a ser uma obrigação e deixa de ser lazer. b) Caráter desinteressado: O lazer não está fundamentalmente submetido a fim lucrativo algum tal como o trabalho profissional e tampouco, a fim utilitário algum, como as obrigações domésticas (limpar a casa) e ainda, não possui finalidade ideológica, como os deveres políticos, por exemplo. Ou seja, o lazer UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO LAZER 16 não se coloca a serviço de nenhum fim material ou social, mesmo que tais aspectos perpassem indiretamente pela atividade escolhida, como por exemplo, entrar para o time de vôlei da empresa. Em primeiro lugar, pesa o desejo de se divertir e praticar o esporte, melhorar o contato com os colegas de labuta, não assume a razão de ser da atividade. c) Caráter hedonístico: o lazer é marcado pela busca de um estado de satisfação, tomado como um fim em si e essa busca é de natureza hedonística, trata-se da procura do prazer, da felicidade ou da alegria. Certamente, não se pode reduzir a felicidade ao lazer, pois ela pode acompanhar o exercício das obrigações sociais de base. Em suma, a busca de um estado de satisfação é a condição primeira do lazer, quando o indivíduo pode afirmar: ‘isso me interessa’. d) Caráter pessoal: cada pessoa busca a sua maneira atender a suas próprias necessidades de lazer. Ele oferece ao sujeito a possibilidade de libertar-se das fadigas físicas ou nervosas que contrariam os ritmos biológicos das pessoas, sendo uma fonte de recuperação. E ainda, permite a pessoa libertar-se do tédio cotidiano que brota da realização de tarefas repetitivas, abrindo caminho de uma livre superação de si mesmo e de uma liberação do potencial criador. Conforme vimos, a necessidade de repouso e lazer é regulamentada pela CLT no Brasil que estabelece a quantidade de dias e horas destinadas a essa necessidade. Contudo, é fácil imaginar que não existeuma tabela e padrões pré- determinados para assegurar que a pessoa esteja de fato descansada e relaxada. A complexidade do ser humano torna os indivíduos diferentes entre si e, portanto, é difícil estipular, por exemplo, a cota de duas horas diárias de lazer para assegurar o bem-estar físico e mental do sujeito. Quer dizer, as pessoas possuem necessidades distintas e, por conseguinte, buscam maneiras diferentes de relaxar e se entreter. Nesta linha de considerações, Andrade (2001) pontua que a ocupação apropriada do tempo para aliviar as tensões diárias que envolvem as pessoas, embora se trate de uma necessidade objetiva em si mesma, assume aspectos subjetivos em suas qualidades, pois as estruturas e circunstâncias nas quais vive cada pessoa são diferentes. Um exemplo claro do assunto, é que muitas pessoas associam o lazer ao sossego, quietude, calmaria e um pouco de preguiça, isto é, relaxar e se manter sem muitos planos. Para outros, o lazer está estreitamento relacionado ao movimento, aos esportes, a viagens, passeios etc. Reflexão interessante sobre este aspecto do lazer encontra-se no estudo de Featherstone (2000) que analisa porque algumas pessoas buscam elementos de aventura e risco em seus momentos de lazer. O autor comenta que quanto mais o mundo se torna racionalizado e os lugares, antes inóspitos se transformam em jardins cultivados, mais riscos as pessoas desejam correr. Por exemplo, se é permitido aos membros das classes mais baixas embarcarem em trens panorâmicos até o topo das montanhas locais, então os que buscam distinção precisam participar de passatempos mais excitantes e perigosos para se sobressair. TÓPICO 2 | DISCUTINDO O CONCEITO DE LAZER 17 3 TIPOS DE LAZER Do mesmo modo como ocorre com o turismo, é possível classificar o lazer em categorias para facilitar o entendimento das diferentes alternativas existentes. O tipo de categoria irá variar de acordo com o critério e a finalidade que se propõem. Inicialmente, apresenta-se uma divisão pautada no conteúdo da atividade realizada com base em Dumazedier (1999), acompanhe: a) Físico: envolve as atividades nas quais se enfatiza o movimento ou o exercício físico. Incluem-se as diversas modalidades esportivas, os passeios e a pesca. b) Manual: diz respeito à capacidade de manipulação, seja na transformação de objetos e materiais, ou na lida com a natureza, como a elaboração de artesanato, habilidade com a jardinagem ou o cuidado com animais. c) Intelectual: almeja o contato com o real, as informações objetivas e explicações racionais, destacando-se o conhecimento vivido, experimentado, como exemplo, cita-se a participação em cursos ou na leitura. d) Artístico: envolve o conteúdo estético associado a imagens, sentimentos e emoções. A dança, as artes plásticas, o teatro e o cinema são algumas dessas manifestações. e) Social: refere-se ao relacionamento, o convívio com outras pessoas. Pode-se mencionar o encontro em bailes, bares e cafés como exemplos dessa categoria. Como faz notar Andrade (2001), outra forma interessante de analisar o fenômeno é a partir da variável tempo. Nesta perspectiva, inicialmente, pode-se mencionar o lazer espontâneo, que é aquele que ocorre sem uma ação prevista anteriormente. É uma consequência de uma ação que revele espontaneidade e propicia uma surpresa. Normalmente, ocorre em conjunto com atos corriqueiros, pelo surgimento de circunstâncias inesperadas e por questões subjetivas. Por conta da espontaneidade, os diversos efeitos psicossomáticos da surpresa asseguram alta qualificação e maior durabilidade do efeito do lazer. Um exemplo dessa categoria seria um encontro ao acaso com um amigo antigo na hora do almoço seguida de uma boa conversa. No outro extremo, existe o lazer programado, que embora bastante conhecido e praticado, sob o ponto de vista de recomposição de energias físicas e psíquicas, não é tão eficiente. (ANDRADE, 2001). Uma expressão bem clara deste tipo de lazer são as viagens turísticas. Outro exemplo que incita a reflexão são os sítios, fazendas, casas de campos e praia, chamados de segunda residência, que obrigam os proprietários e seus familiares a frequentarem assiduamente o lugar e com o passar dos anos, por diversos fatores como o tempo de posse, a passagem das crianças para a fase da adolescência e alterações diversas na família, causam mais saturação do que lazer e repouso. Ou seja, não existe uma receita mágica que garanta níveis superiores de repouso. (ANDRADE, 2001). Por isso, cabe ao UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO LAZER 18 indivíduo se autoconhecer e buscar compreender um pouco do gosto de seus familiares e amigos para que de fato, o lazer programado nas férias ou nos finais de semana possa realmente revigorar os envolvidos. Existe ainda o chamado lazer esporádico, que abarca as atividades que se realizam conforme a disponibilidade de tempo, sem as características que exigem duração e periodicidade determinada. A inexistência de obrigação de um período específico para o lazer poupa os indivíduos do ônus do planejamento e lhes propiciam boas possibilidades de descontrair-se. (ANDRADE, 2001). Por fim, o autor elabora o conceito de lazer habitual, que se perfaz das sensações percebidas no intervalo das atividades cotidianas, à consciência do dever cumprido e simples expectativa de diversão. Trata-se de um estado psicológico ausente de preocupações. Como exemplo, seria a sensação de chegar a casa ao final do dia e repousar no sofá, sem preocupações, apenas relaxando e tendo em mente a sensação de que o dever daquele dia foi cumprido. Ainda quanto aos tipos de lazer, é possível dividir as práticas de lazer que acontecem dentro e fora de casa. É inegável que por uma série de fatores como financeiros, culturais, de transporte e até mesmo de acomodação, as pessoas passam uma parte importante do tempo livre e do tempo de lazer em casa. De maneira alguma, pode-se afirmar que o lazer dentro de casa é menos importante que o lazer que implica saídas. Ficar em casa ouvindo boa música, organizando uma coleção de moedas, cuidando de uma horta, pintando um quadro, bordando, enfim, realizando qualquer atividade que se tenha apreço, pode se constituir em uma excelente alternativa de lazer. O problema reside em dedicar o tempo de lazer em ações automatizadas e apáticas, que não contribuem para o bem-estar e desenvolvimento pessoal. Passar o final de semana inteiro assistindo a qualquer coisa na televisão, sem nenhum critério, recebendo tudo de forma passiva e apática, apenas para ‘ matar o tempo’, certamente está longe de ser uma boa alternativa de lazer. Um ponto importante, é que a pessoa tenha consciência da atividade que pretende realizar para desfrutar e se divertir com ela. Na atualidade cresce o número de opções para o chamado lazer doméstico, em decorrência de um conjunto de fatores, como por exemplo, a ampliação dos equipamentos destinados ao lazer, como os televisores de tela plana, TV a cabo, videogames, computadores pessoais, DVDs, Blu Ray’s, hidromassagens, saunas domésticas, CDs Players entre muitos outros. Existe uma tendência de alguns segmentos em transformar casas e apartamentos em locais aconchegantes, confortáveis, íntimos e acolhedores para desfrutar os períodos de lazer. (TRIGO, 2002). Outro exemplo são os variados itens disponíveis para a área de gastronomia, que em conjunto com alguns dotes culinários, transformam qualquer cozinha em um ponto de confraternização com os amigos e familiares. TÓPICO 2 | DISCUTINDO O CONCEITO DE LAZER 19 Dentre as modalidade de lazer que ocorrem fora das residências, além do turismo, pode-se mencionar as atividades físicas, as ‘baladas’, as idas aos cinemas, passeios no shopping, participação em shows e espetáculos, participação em grupos formais e associações (terceira idade, grupos de jovens, clubes esportivos etc.), ir ao clube, entre outras. 4 LAZER E CULTURA DO CONSUMO Conforme foi visto, o lazer é umproduto da sociedade moderna que teve como marco da construção do seu sentido atual, a industrialização capitalista, que alterou, significativamente, o estilo de vida nos centros urbanos, principalmente, pela ênfase na apropriação do consumo. Em decorrência disso, atualmente o segmento de lazer constitui-se em um mercado em ascensão. (ZINGONI, 2002). Com a ascensão do lazer, ocorre um largo crescimento do setor de serviços, destinados a atender as demandas do mesmo, como por exemplo, os empreendimentos turísticos. Todo esse processo de busca por formas de satisfazer as necessidades e desejos de distração e autorrealização alavanca a consolidação da chamada cultura do consumo. Antes de adentrar na discussão sobre a cultura do consumo, parece oportuno apresentar o conceito de cultura em si, embora não exista unanimidade no círculo das ciências sociais sobre o assunto. Por ora, nos serve a importante contribuição do antropólogo Roberto Da Matta (1981) que explica que a cultura, analogicamente, pode ser entendida como um mapa, um receituário, um código por meio do qual as pessoas de um dado grupo pensam, classificam, estudam e modificam o mundo e a si mesmas. Refere-se a um conjunto de regras que nos diz como o mundo pode e deve ser classificado. A cultura do consumo, por sua vez, envolve o conjunto de imagens, símbolos, valores e atitudes que se desenvolveram com a Modernidade, que se tornaram associados ao consumo (real ou imaginário) de mercadorias e que passaram a orientar pensamentos, sentimentos e comportamentos de segmentos crescentes da população. (TASCHNER, 2000). A relação entre cultura e consumo encontra-se imbricada na ideia de que uma vida boa é aquela baseada no consumo, tanto de mercadorias como de entretenimento, sugerindo que a felicidade e o bem-estar das pessoas estejam subordinados ao consumo. É bastante evidente que o lazer, assim como as demais esferas da vida, passa a ser vinculado ao mercado e ao consumo, e não somente às atividades de lazer tornam-se mercadorias, como o próprio tempo destinado ao lazer torna-se tempo para consumir mercadorias. (PADILHA, 2002). E na atualidade, os indivíduos são influenciados pelas constantes mudanças, típicas da sociedade pós-moderna, e passam a ter uma maior mobilidade na caracterização de sua identidade, propiciando então, a produção de simulacros UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO LAZER 20 da cultura e vivências imediatas, que resultam em produtos que são usados como respaldo na constituição das mesmas – desde sua personalidade (interior) até sua imagem (exterior) - e, rapidamente são substituídos, pois deixam de corresponder às necessidades dos consumidores. (FÉLIX, 2003). Nas palavras de Zingoni (2002), é suficientemente evidente que o capitalismo encontrou uma forma de se fazer presente também no lazer das pessoas, fazendo com que elas se transformem em potenciais consumidores de mercadorias lúdico-culturais. A cultura do consumo é um elemento nuclear na constituição da identidade de uma pessoa. Segundo Featherstone apud Félix (2003), o corpo, as roupas, o discurso, os entretenimentos de lazer, as preferências gastronômicas, a opção de férias entre várias outras formas de consumo, são vistos como indicadores da individualidade, dos gostos. Mais do que um ato de consumo em si, trazem consigo um símbolo, uma representação icônica daquilo que se é ou se pretende ser. Tais escolhas de consumo, incluídas aí a vasta gama de segmento de lazer, representa uma “segunda voz”, pois como sabemos o indivíduo não se apresenta apenas oralmente, mas também pelos seus gestos e significados implícitos em seus hábitos de consumo. Por exemplo, direta ou indiretamente, de modo consciente ou não, muitas vezes optamos por ir a determinado restaurante, pois é um lugar “bacana, de gente bonita e descolada”, pois gostaríamos de ser reconhecidos assim. É notável que os padrões de consumo são peculiares a cada classe social. Para Padilha (2002), o tempo livre possui dimensões que variam de acordo com o nível de renda (capital financeiro) e o nível de cultura (capital cultural), permitindo uma distinção social além da própria satisfação de necessidades. Em se tratando da relação lazer e consumo, é possível ainda citar o conceito de indústria cultural, que conforme Rocha (1995) engloba as produções simbólicas da atualidade e que são veiculas pelos meios de comunicação de massa. Padilha (2002) explica ainda que a cultura decorrente da indústria cultural é padronizada, pautada em gosto médio de um público que não questiona aquilo que consome. Os meios de comunicação procuram naturalizar as regras do jogo social, transmitindo em seus conteúdos códigos comuns para toda sua audiência. Especialmente no Brasil, este cenário é preocupante e apresenta cada vez mais indícios de sua decadência. Programas de humor com personagens usando trajes mínimos, com piadas e jargões exageradamente carregados de conotação sexual, parecem cada vez mais ultrapassar a linha do bom senso e do bom gosto, construindo um tipo de humor apelativo. Com relação aos comportamentos sociais desejáveis, é nítida em muitos folhetins a inserção de determinados temas que parecem estar na moda. Sempre polêmicos, a proposta é selecionar algum assunto, como por exemplo, homossexualismo, prostituição, ou algo que o valha, TÓPICO 2 | DISCUTINDO O CONCEITO DE LAZER 21 e explorá-lo nas novelas para que depois de tanto ouvir falar do tema, tudo se torne “normal”, “natural”. Não se pode negar que esse tipo de estratégia pode ter como impacto positivo, a desconstrução de alguns preconceitos e incita debates sobre o tema. O problema reside no fato, de que a proposta dos programas reside em apresentar uma resposta pronta, um ponto de vista que deve ser incorporado de forma alienada, sem que o indivíduo chegue por si só as suas impressões e opiniões sobre determinado tema. Ainda tratando da questão da indústria cultural, convém lembrar que a publicidade é o ponto de sustentação do universo simbólico da comunicação de massa, na medida em que é ela que financia e paga a conta daquilo que se recebe quase gratuitamente. (PADILHA, 2002). Sob a égide capitalista, é impossível desassociar o lazer ao consumo, fenômeno que cresce paulatinamente nos últimos anos. Santos (2000) discorre sobre o panorama da sociedade pós-industrial e comenta que os progressos tecnológicos e científicos prometeram alívio no trabalho, mediante mais produção por pessoa e por unidade de tempo, contribuindo também para o aumento do tempo livre, visando a uma realização mais completa da existência pessoal através do acesso a mais informação, comunicação e política. Mas o próprio autor reconhece que tal promessa não passou de um sonho, distanciado da realidade. Não há dúvidas que de fato ocorreu a revolução dos transportes, a conquista da velocidade e a diminuição virtual da distância (embora o custo de tais comodidades ainda mantenha afastada muitas pessoas). A ascensão de diversas mídias e utilização indiscriminada de propagandas que por vezes expressam conteúdo diverso do real contribuiu para a criação de estereótipos e manipulação de massas, sendo que a imagem estereotipada ameaça a tomar o lugar tão importante do gosto pela fantasia e pela descoberta. Tendo em vista a perspectiva geográfica do trabalho de Santos (2000), ele acrescenta ainda que o fenômeno da massificação das atividades de lazer sofre influência da própria emergência das massas, resignificadas com a explosão urbana e metropolitana. Quer dizer, a própria configuração de cidades com imensas zonas urbanas estimula a homogeneização dos gostos e das opções de lazer. Para Zingoni (2002), as metrópoles brasileiras demonstram em suas diferentes formas de organização, uma hierarquização social embasada nos fatores de localização e acessibilidade aos bens e serviços de lazer, que definirão os valores de uso e de troca dos espaços de lazer nas cidades e neste limiar,regiões, bairros, ruas e praças vão se hierarquizando pautadas em cargas valorativas de sentido. Atributos arquitetônicos e estéticos dos equipamentos de lazer, outdoors, áreas verdes no entorno e qualidade dos serviços prestados formam um conjunto de signos que balizam o imaginário urbano. Se pararmos para pensar sobre qual seria a principal característica da sociedade atual, certamente, o consumismo seria uma delas. Há um grande UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO LAZER 22 apelo para consumir e se antes, o consumo estava mais atrelado às necessidades elementares, hoje, sabe-se que as explicações não são tão simples. E como seria de imaginar, a prática do lazer também se altera nesse cenário. Um exemplo icônico da busca de lazer e entretenimento massificado, típico dos centros urbanos, são os passeios pelos Shopping Centers. Observem na matéria apresentada na sequência, algumas explicações apresentadas para o crescimento desta modalidade de empreendimento. TEMPLOS DE CONSUMO E LAZER Cinthia Scheffer Na era do hiperconsumo, busca por segurança e conforto faz dos centros comerciais as novas praças das cidades grandes. Mais de 350 milhões de pessoas circulam por mês nas centenas de shopping centers brasileiros. No mundo todo, pode se supor que, a cada 30 dias, o equivalente a toda a população chinesa – algo em torno do 1,35 bilhão – vá a algum desses “templos do consumo”. Mas, por quê? O que têm esses espaços para atrair e seduzir tanta gente ao redor do planeta? Concluir que essas pessoas vão até lá porque precisam comprar algo é tão óbvio quanto simplista. A sociedade que criou o “fenômeno shopping center” tem prazer em consumir. Vê nesses empreendimentos uma combinação de conforto, praticidade e segurança que se perdeu no centro das grandes cidades. “Não há chuva nem vento. As pessoas não cospem nem jogam tocos de cigarro no chão. Não há moscas. Não há cachorros. A vida sob o teto de um shopping é tranquila, segura e acolhedora”, diz o consultor Paco Underhill, autor do livro A Magia dos Shoppings (Best Books) e considerado um dos maiores especialistas do mundo em comportamento do consumidor. Os primeiros centros comerciais foram criados nos Estados Unidos no fim da década de 1950, período pós-guerra no qual as famílias de classe média começavam a povoar os subúrbios das cidades norte-americanas. No berço da sociedade de consumo, esses espaços reproduziam, mais perto das novas casas e com ampla opção de estacionamento, a região central das cidades. Na década de 70, eles já eram milhares e representavam metade do varejo norte-americano. Com algumas adaptações, os malls – como são chamados na terra natal – chegaram ao Brasil em 1966, quando foi inaugurado o Shopping Iguatemi, em São Paulo. Hoje, a associação que representa os empreendimentos, a Abrasce, tem 379 associados e a previsão de 20 novos ao longo deste ano. No Paraná, são 28 – 13 só na capital. TÓPICO 2 | DISCUTINDO O CONCEITO DE LAZER 23 Praças Uma das principais diferenças do modelo tupiniquim é a localização – aqui, os shoppings se instalaram principalmente em regiões mais centrais. Mas, nos dois casos, é comum a noção de que os shoppings passaram, em grande medida, a substituir as praças das cidades como espaços públicos – embora sejam privados. “Praças cobertas” que, muito mais no Brasil do que em qualquer outra parte do mundo, se consolidaram, sobretudo, pela oferta de segurança – natural, em uma sociedade que sofre com o aumento da criminalidade. A proteção, nesses casos, vai além de evitar furtos ou assaltos. Nessa cidade recriada entre paredes, fica de fora o que não agrada nos grandes centros – não se vê pobreza, gente sem teto e passando fome, por exemplo. “Mais do que um ‘guardião’, no shopping center você tem a segurança no sentido de andar sem ser incomodado ou abordado. E essa é uma característica dos nossos tempos: as pessoas não querem contato, não querem ser incomodadas”, diz a professora do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Olga Firkowski, estudiosa do assunto. Parte desse isolamento, diz Olga, é resultado de uma “barreira” natural. “As pessoas mais pobres têm receio de entrar nesses empreendimentos. Eles são intimidadores para elas porque, em geral, são bonitos, suntuosos e com guardas de terno em todos os cantos.” É o que Underhill chama de “mecanismo de autorregulagem capaz de manter a ordem na shoppinlândia”. No lado oposto, para os olhos de quem frequenta, entrar nesse ambiente isolado pode trazer a satisfação do “fazer parte” de um lugar destinado a “poucos”. “Embora ninguém fale isso claramente quando questionado, do ponto de vista da psicanálise, as pessoas vão até o shopping para se sentirem selecionadas”, analisa a professora Valquíria Padilha, doutora em Ciências Sociais e autora do livro Shopping Center: a Catedral das Mercadorias (Boitempo Editorial). “Mas os shoppings são um fenômeno mundial. E o porquê disso não é uma resposta simples de se dar. É um conjunto de fatores. É preciso pensar, por exemplo, que eles são parte do universo da sociedade de consumo.” Para a professora do curso de Psicologia da Universidade Positivo Andréia Schmidt, ir ao shopping é fazer parte de algo que a nossa cultura, ao longo dos últimos anos, valoriza como prazer. “Consumir não está mais relacionado com atender uma necessidade básica. É de fato entretenimento. Está cada vez mais ligado à busca de prazer”, diz. “E o shopping é planejado totalmente para essa busca. Ele não é só um ambiente protegido, com lugar para estacionar. É um espaço para ver e ser visto.” UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO LAZER 24 Naturalmente, os centros comerciais não criaram o hiperconsumo. Mas, de certa forma, são o símbolo de uma sociedade que tem prazer em comprar. Na tese defendida pelo sociólogo francês Gilles Lipovetsky, autor de A Felicidade Paradoxal (Companhia das Letras), na era do “hiperconsumismo”, ligar o entretenimento ao consumo é algo que marca o cotidiano de toda a pirâmide social e que mudou o relacionamento do indivíduo consigo e com os outros. Lipovetsky defende o consumo como forma de terapia contra as frustrações cotidianas. Algo que o pesquisador e professor da Faculdade de Comunicação da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Ricardo Ferreira Freitas, chama de “consumoterapia” – um jogo de palavras que brinca com a ideia de que, consumindo, é possível ser mais feliz. “Todas as pessoas, mesmo com pequeno poder aquisitivo, caem nessa armadilha: comprar para compensar frustrações. Se isso puder ser feito em um lugar seguro (como o shopping center), melhor ainda.” FONTE: Jornal Gazeta do Povo. Disponível em: <http://www.gazetadopovo.com.br/cadernog/ conteudo.phtml?id=900017>. Acesso em: 8 dez. 2011. A partir do exposto, relacionado à questão do consumo do lazer enquanto modalidade de negócio é possível lançar dois olhares sobre esse mercado em expansão. O primeiro concerne em admitir as inúmeras possibilidades de atuação profissional que se vislumbram para os profissionais desse segmento, conforme iremos estudar ao longo desse caderno. O segundo, diz respeito a aceitar, com uma postura crítica, que o excesso de atividades e programas ofertados pode ser sufocante e pouco prazeroso para o indivíduo e sua família. Se durante o final de semana, ao invés de se atentar para o que se tem vontade e interesse de fazer, seja ir ao cinema, passear no parque ou ficar ouvindo música, se cair na armadilha de grandes maratonas de programas e agendas, tentando encaixar a balada, com a apresentação teatral e o desfile no shopping, em meio a uma correria parecida com a dos escritórios, então, não existirá um ambiente propício para o desfrute do repouso e de um revigoramento físico e mental. 5 O BINÔMIO TURISMO E LAZER A esta altura, você já deve ter compreendido adequadamente a concepção de lazer. Vamos agora entender de que modo o fenômeno do lazer se relaciona com a atividadeturística. Para tanto, vamos retomar algumas definições elementares sobre o turismo apresentadas na disciplina Teoria Geral do Turismo. Vimos que o turismo, de acordo com a Organização Mundial do Turismo (GEE, 2003), é o fenômeno que abrange as atividades de pessoas que viajam para lugares afastados de seu ambiente usual, ou que neles permaneçam por menos de um ano consecutivo, a lazer, a negócios ou TÓPICO 2 | DISCUTINDO O CONCEITO DE LAZER 25 por outros motivos. Para Montaner (2001) turismo é um fenômeno vinculado ao tempo livre e a cultura do lazer. Trata-se de um fenômeno embasado em uma série de disciplinas relacionadas com as ciências sociais e humanas. Levando em conta o conceito de turismo, fica fácil entender de que forma ele se relaciona com o lazer. O turismo pode ser uma alternativa na busca do lazer pelas pessoas, uma forma de realizá-lo. Convém destacar que tanto o turismo como o lazer, apresentam aspectos subjetivos relacionados a sua motivação. Para melhorar o entendimento, retomamos a noção básica de tipologias de turismo, como por exemplo, a prática do turismo cultural, turismo ecológico entre outros. Entre todas essas modalidades, é a motivação da viagem que determina o tipo de turismo em questão. Nunca é demais reforçar que as pessoas possuem os mais variados gostos e interesses o que pode permitir a emergência de novas modalidades de turismo, como é o caso do turismo espacial. Desta forma, fica nítido que o turismo não se reduz ao lazer, já que parte significativa dos deslocamentos turísticos obedece a expectativas que vêm das esferas de saúde, profissionais, familiares, entre outras, logo, as viagens ocorrem por distintas motivações, ainda que estejam ligadas a valores e expectativas nascidas do lazer. (CAMARGO, 2001). No lazer, também são os elementos subjetivos que vão determinar se uma dada ação ou atividade pode ser considerada parte integrante do lazer do indivíduo. Acordar às 5 horas da manhã para ir pescar, pode ser muito estimulante e divertido para quem tem apreço pela atividade, ou um verdadeiro martírio para aqueles que não gostam de despertar tão cedo e participar de uma atividade junto à natureza. As práticas de lazer, sendo estas turísticas ou não, algumas vezes só fazem sentido para aqueles que realmente adoram um determinado passatempo, enquanto outras atividades, como ir ao cinema, por exemplo, acabam atendendo a um número maior de pessoas. Outro ponto importante é que no turismo o aspecto do entretenimento e dos atrativos constitui um aspecto fundamental para o turista, pois ao chegar à destinação, o que se espera (na maioria das vezes) são opções de lazer e diversão, evidenciando novamente a possibilidade de entrelaçamento dos dois fenômenos. Trigo (2002) destaca que apesar de o lazer ser notável em nosso país, ainda existem consideráveis lacunas na elaboração da problemática envolvendo o setor. Pormenorizando as debilidades existentes, verifica-se que o setor de lazer é relativamente recente no Brasil, de tal forma que as pessoas não têm consciência do que o setor supracitado pode representar em termos econômicos ou profissionais. Além disso, pesa o fato de não existirem programas e controles abrangentes de qualidade em lazer e ainda, a constatação de que alguns setores privados não UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO LAZER 26 conhecem profundamente o lazer e o turismo e por este motivo, não investem de maneira adequada em equipamentos, projetos e qualificação profissional. O autor acrescenta que vários setores da sociedade civil ainda não se sensibilizaram que o lazer é tão indispensável como a saúde e habitação, por exemplo. A partir da década de 1990, ficam gradualmente mais evidentes as preocupações e iniciativas destinadas à organização de uma “indústria de lazer e entretenimento”, replicando a tendência de outros países. Notadamente observou- se o crescimento das preocupações com o turismo, a consolidação do esporte como um importante produto de negócios, além do fortalecimento do mercado cultural e do crescimento dos parques temáticos. (ALVES JUNIOR; MELO, 2003). 27 RESUMO DO TÓPICO 2 Neste tópico, você viu que: • O termo lazer surgiu na antiga civilização greco-romana e deriva do latim licere, que significa ‘ser permitido’. • O lazer é um fenômeno moderno, resultante das tensões entre trabalho e capital, que se materializa como um tempo e espaço de vivências lúdicas, culturais e de relações sociais. • O lazer diz respeito às atividades que permitem ao indivíduo entregar-se de livre vontade, seja para repousar, divertir-se, recrear-se, entreter-se, ou ainda aprender sobre determinado assunto sem que se estabeleça um compromisso, após desembaraçar-se das obrigações profissionais, familiares e sociais. • O lazer é um produto da sociedade moderna que teve como marco da construção do seu sentido atual, a industrialização capitalista. • Cultura refere-se a um conjunto de regras que nos diz como o mundo pode e deve ser classificado. • A cultura do consumo envolve o conjunto de imagens, símbolos, valores e atitudes que se desenvolveram com a Modernidade, que se tornaram associados ao consumo de mercadorias e que passaram a orientar pensamentos, sentimentos e comportamentos. • O turismo pode ser uma alternativa na busca do lazer pelas pessoas, uma forma de realizá-lo. • No turismo, o aspecto do entretenimento e dos atrativos constitui um aspecto fundamental para o turista. • Tanto o turismo como o lazer estão relacionados pela subjetividade da motivação. 28 Olá acadêmico! Responda às questões a seguir, revendo pontos relevantes tratados nesse tópico. 1 Lazer e tempo fora do trabalho podem ser considerados sinônimos? 2 Explique com suas palavras o que é lazer. 3 Qual a diferença entre hobby e lazer? 4 A partir de uma perspectiva antropológica, o que é cultura? 5 O que significa a expressão ‘ cultura de consumo’ ? AUTOATIVIDADE Assista ao vídeo de resolução da questão 1 29 TÓPICO 3 A IMPORTÂNCIA DO LAZER NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA UNIDADE 1 1 INTRODUÇÃO 2 QUAL A IMPORTÂNCIA DO LAZER PARA AS SOCIEDADES? Qual a importância do lazer na atualidade? Seria sua contribuição para o bem-estar das pessoas? Um modo de recarregar as baterias para o trabalho e estudo? Ou seria importante por sua capacidade de movimentar o mercado enquanto modalidade de negócio? Nesse tópico, vamos nos aproximar dos temas citados a fim de compreender qual a contribuição deste importante fenômeno em nossa sociedade. A finalidade do lazer é conseguir a desaceleração das atenções pessoais, sejam estas de natureza profissional ou não, distanciando-se das atividades rotineiras. Como consequência, ocorre um relaxamento psicológico e físico que contribui para o bem-estar social. (ANDRADE, 2001). Os indivíduos buscam nas atividades de lazer alternativas para relaxar, se divertir e recarregar as sua energias. Conforme estamos aprendendo, cada pessoa possui singularidades e em decorrência disso, o modo como cada uma encontra no lazer a possiblidade de saciar suas necessidades físicas e psíquicas, também muda. Para Camargo (1999), de modo geral, as pessoas buscam quatro grandes motivações no lazer: a aventura, a competição, a vertigem e a fantasia. Vejamos na sequência cada uma delas com mais detalhes de acordo com Carvalho (1999): a) Aventura: está relacionada às descobertas, à busca por novidades que podem ser alcançadas pelo lazer. Uma demonstração clara dessa sensação está na experiência de viajar, conhecer novas cidades, pratos diferentes, culturas diferentes – ou seja, desfrutar de várias pequenas aventuras. A experiência lúdica da aventura tem por base a curiosidade. b) Competição: de início, convém esclarecer que competição não significa necessariamente disputa com outro, pode ser uma questão de superação pessoal, quer dizer, um confronto consigo mesmo. Tal situação, no âmbito do lazer, pode ser exemplificada pelo pescador que pretende fisgar um peixe
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