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ALMANAQUE H ISTÓR ICO O Projeto Memória — uma parceria entre a Fundação Banco do Brasil e a Odebrecht — vem, desde 1997, resgatando, difundindo e preservando a história de fatos e personalidades que, nas mais diversas áreas, tenham contribuído para formar a identidade cultural do país. São iniciativas como exposições, montadas em centenas de cidades; edição de livros de arte e material pedagógico, distribuídos em escolas, bibliotecas e instituições culturais nos 26 estados brasileiros e no Distrito Federal; produção de videodocumentários, também exibidos em todo o país; e edição de páginas na internet, que reúnem todo o material pesquisado sobre os personagens que já foram tema do projeto: Castro Alves, Monteiro Lobato, Rui Barbosa, Pedro Álvares Cabral e Juscelino Kubitschek. O Almanaque histórico “Oswaldo Cruz — o médico do Brasil”, elaborado com base em pesquisa rigorosa e ilustrado com imagens de época, faz parte da edição 2003 do Projeto Memória, que homenageia o grande cientista. Além de garantir leitura prazerosa e informativa para quem deseje conhecer melhor a vida e o tempo de Oswaldo Cruz, este almanaque é uma fonte de pesquisa segura para estudantes e professores, pois foi concebido para ser usado em sala de aula. Com ele, será distribuído um guia de orientação destinado a professores da quinta à oitava séries do ensino fundamental, para enriquecer o trabalho pedagógico nas cerca de 17 mil escolas públicas em que vai circular. Em 2003, o Projeto Memória conta com a colaboração fundamental da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), entidade centenária que o sanitarista pôs de pé, e à qual dedicou seus mais generosos esforços. ODEBRECHT FUNDAÇÃO BANCO DO BRASIL Oswaldo Cruz está na memória da maio- ria dos brasileiros como o grande médico e sa- nitarista que enfrentou as epidemias da passa- gem do século XIX para o século XX no Bra- sil, momento crucial no processo de moderni- zação do país. Poucos, no entanto, conhecem seus reais feitos na área de saúde pública, os embates políticos em que se engajou, as pres- sões que recebeu da imprensa e da sociedade de seu tempo. Por querer implantar uma política séria de saúde e saneamento para o Rio de Janeiro, to- mando a capital federal como modelo para o resto do país, Oswaldo foi duramente ironiza- do em charges, piadas e críticas de todo tipo. Enfrentou o Congresso Nacional, os oposito- res do regime republi- cano e até mesmo a ira do povo, que transbor- dou tragicamente na Revolta da Vacina, em 1904. A princípio, as “ações de guerra” que empreendeu contra a febre amarela, a peste bubônica e a varíola não foram compreen- didas pela população. Seu espírito de homem da ciência, porém, fa- lou mais alto. Mesmo com os grandes reveses que enfrentou, Oswaldo Cruz conseguiu se tor- nar “o médico do Brasil”, cuidando desse pa- ciente com obstinada perseverança. Percorreu o país em inéditas e custosas ex- pedições sanitárias. Como um bandeirante da modernidade, desvendou o Brasil sertanejo, tão distante e desconhecido da numerosa e então mais desenvolvida população da faixa litorânea. Foi com base nesse trabalho que se iniciou a desmistificação da idéia de que os proble- mas do Brasil poderiam ser explicados pela composição racial do povo, pelo clima quen- te dos trópicos e até mesmo pela preguiça. As conclusões tiradas do trabalho de Oswaldo Cruz e sua equipe levaram os brasileiros a olhar para o país com novos olhos. É nesse novo con- texto que Monteiro Lobato, alguns anos mais tarde, se sentirá obrigado a repensar uma de suas criações mais conhecidas, o Jeca Tatu, cai- pira indolente e ignorante que simbolizaria o espírito do homem do interior. “Ele não é as- sim porque é preguiçoso”, af irmará Lobato. “Ele está assim porque está doente!” O saldo do trabalho de Oswaldo e seus par- ceiros também foi extremamente positivo para o desenvolvimento da ciência. À frente de um instituto precário, loca- lizado na distante Fa- zenda de Manguinhos, nas imediações do Rio de Janeiro, Oswaldo Cruz transformou a es- cassez em abundância. Construiu um grande castelo, com o que ha- via de mais moderno em termos de pesquisa experimental, e deu à ciência um merecido templo, ainda hoje em atividade. Contratou grandes pesquisadores brasileiros e estrangei- ros, criou cursos de es- pecialização e expan- diu as fronteiras do co- nhecimento. Infelizmente, Oswaldo Cruz não viveria para ver os desdobramentos de suas iniciativas. Morreu cedo, aos 44 anos — mas deixou em seu lugar uma legião de cientistas e intelec- tuais que deram continuidade ao seu trabalho. Neste almanaque, a vida do sanitarista pode ser conhecida em detalhes, tanto do ponto de vista científico como no plano pessoal. Pois Oswaldo Cruz, além de se dedicar de maneira irrestrita à ciência, o que lhe garantiria um lugar especial na memória brasileira, fez de sua vida uma extraordinária experiência hu- mana, em que não faltaram afeto, coragem e entusiasmo. OSWALDO CRUZ 2 JANEIRO 01 Dia Mundial da Paz 11 Dia do Controle da Poluição por Agrotóxicos 20 Dia do Farmacêutico 24 Dia da Constituição FEVEREIRO 06 Dia do Agente de Defesa Ambiental 11 Morte de Oswaldo Cruz (1917) MARÇO 08 Dia Internacional da Mulher 19 Dia da Escola 20 Início do Outono 21 Dia Internacional Contra a Discriminação Racial 22 Dia Internacional da Água 27 Dia da Inclusão Digital ABRIL 08 Dia Mundial do Combate ao Câncer 15 Dia da Conservação do Solo 18 Dia do Livro Infantil 19 Dia do Índio 21 Tiradentes 22 Dia do Descobrimento do Brasil Dia da Terra 24 Dia da Família na Escola 28 Dia da Educação Efemérides da cidadania OUTUBRO 01 Dia Internacional das Pessoas da Terceira Idade 04 Dia da Natureza 12 Dia de Nossa Senhora Aparecida (padroeira do Brasil) Dia da Criança 15 Dia do Professor 18 Dia do Desarmamento Infantil Dia do Médico 29 Dia do Livro NOVEMBRO 02 Dia de Finados 14 Dia da Alfabetização 15 Proclamação da República 19 Dia da Bandeira Nacional 20 Dia Nacional da Consciência Negra 30 Dia do Estatuto da Terra DEZEMBRO 01 Dia Mundial da Luta Contra a Aids 08 Dia da Justiça 09 Dia da Criança Defeituosa 10 Dia Universal dos Direitos Humanos 21 Início do Verão 25 Natal 31 Dia da Esperança MAIO 01 Dia do Trabalho 13 Dia da Abolição da Escravatura 05 Dia do Campo 12 Dia da Enfermagem 27 Dia da Mata Atlântica 31 Dia de Combate ao Fumo JUNHO 04 Dia Mundial contra a Agressão Infantil 05 Dia Mundial do Meio Ambiente 17 Dia Mundial da Luta Contra a Desertificação 21 Início do Inverno JULHO 01 Dia da Vacina BCG 02 Dia do Bombeiro 17 Dia da Proteção às Florestas 20 Dia Internacional da Amizade AGOSTO 05 Dia da Saúde Nascimento de Oswaldo Cruz (1872) 22 Dia do Folclore SETEMBRO 03 Dia do Biólogo 05 Dia da Amazônia 07 Dia da Independência do Brasil 21 Dia da Árvore 22 Início da Primavera CARTA ENIGMÁTICA – L +p – m +f – b +c+eiro n + – r – a +í – le Q A A AE E – b– v+r – da – ia +u – c – ão +or – e + i – l + f – co – f +n – c Respostas na p.60 – de – bo O MÉDICO DO BRASIL 3 Sumário Louros e glórias 40 Uma luta perdida 42 O senhor do castelo 44 Tempo de formação 4 Encontro com a cidade-luz 8 Uma grande parceria 12 O Rio no tempo de Oswaldo Cruz 14 Saneamento: palavra de ordem 18 Guerra aos mosquitos 20 Caça aos ratos 24 Em busca da saúde dos portos 28 Abaixo a vacina obrigatória 30 A Revolta da Vacina 32 Página literária 36 Últimas ações 50 O legado de Oswaldo Cruz 52 O novo Rio 38 Caricaturas 54 Cronologia 58 OSWALDO CRUZ 4 Tempo de formação Certo dia, o menino Oswaldo foi retirado da aula e enviado às pressas para casa. Lá chegando, encontrou o pai à sua espera: tinha esquecido de arrumar a cama antes de sair. Nasce Oswaldo Gonçalves Cruz Era 5 de agosto de 1872 quando dona Amália Taborda Bulhões deu à luz seu primei- ro f ilho, Oswaldo, em São Luís do Paraitinga, pequena O jovem médico Morando no bairro da Gá- vea, Oswaldo entrou na esco- la aos cinco anos, já alfabeti- zado pela mãe. Aos catorze, ingressou na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro.Formou-se médico aos vinte, horas antes da morte do pai, a quem dedicou sua tese de doutorado, “A veiculação mi- crobiana pelas águas”. Nesse trabalho, Oswaldo já mostra interesse especial pela micro- biologia, ramo da biologia que estuda os microrganismos. Aquela nova ciência ganhava importância graças aos estu- dos feitos pelo francês Louis Pasteur. cidade na Serra do Mar pau- lista. O pai, Bento Gonçalves Cruz, começava a carreira de médico. O casal se mudara da cidade imperial do Rio de Ja- neiro para o interior de São Paulo em busca de uma boa clientela para o dr. Bento. Desde a segunda metade do século XIX, os agricultores de São Luís do Paraitinga, em vez de plantar o café que do- minava as terras da região, cultivavam feijão, milho e mandioca. O “celeiro do Vale do Paraíba” tornara-se um im- portante centro agrícola e já abrigava uma das primeiras fábricas de tecidos do Brasil. O dr. Bento estabeleceu-se como médico de prestígio na cidade, guardou um bom di- nheiro e cinco anos depois voltou para o Rio de Janeiro, com dona Amália e o garoto Oswaldo. Oswaldo Cruz aos doze anos de idade Oswaldo Cruz aos vinte anos Respostas na p.60 PROBLEMA DE LÓGICA Um marinheiro, cujo navio afundou, viu-se só em uma ilha, com febre altíssima. Do naufrágio sobraram duas garrafas de remédio. Uma delas estava cheia até 3/4 do total, e a outra, vazia. As instruções de como tomar o remédio prescreviam uma dose de metade da garrafa, nem mais, nem menos. Como ele conseguiu resolver o problema? O MÉDICO DO BRASIL 5 Casa onde nasceu Oswaldo Cruz, em São Luís do Paraitinga Bento Gonçalves Cruz O pai de Oswaldo Cruz nasceu no Rio de Janeiro, filho de um comerciante que morreu prematuramente. Bento e sua irmã foram criados por um tio, que log o perdeu a herança deixada pelo irmão. M esmo com dificuldades, Bento entrou para a Faculdade de Medicina. Após uma interrupç ão nos estudos, para lutar como voluntá rio na Guerra do Paraguai, formou-se m édico e foi morar no interior de São Paulo , como faziam muitos recém-formados. C asou-se com sua prima-irmã Amália e tev e seis filhos. Cinco anos depois, voltou a morar no Rio de Janeiro com a família e instalou consultório em casa, na Gávea, en tão um bairro afastado do centro. Cultivo u numerosa clientela, formada principalmente por operários das fábricas instaladas na região, como a Teci dos Corcovado, onde trabalhava no ambulatório. Em 1886, dom Pedro II o nomeo u membro da Junta Central de Higie ne Pública. Quatro anos depois, já na Repúbl ica, tornou-se inspetor-geral de Saúde Pública. Ocupou esse cargo por apenas oi to meses: uma grave doença renal o matari a em 8 de novembro de 1892, exatam ente no dia da formatura do filho Oswald o. Museu Histórico-Pedagógico Oswaldo Cruz Construída em taipa de pilão e pau-a-pique, a casa onde Oswaldo Cruz nasceu e passou parte da infância foi transformada em museu e centro cultural, reunindo a biblioteca municipal, salas para exposições e um auditório. No acervo, há uma coleção de fotografias antigas de São Luís do Paraitinga, porcelanas e objetos de arte sacra, além de algumas pinturas. São Luís do Paraitinga Fundada em 1769, São Luís do Paraitinga deve seu nome ao padroeiro da localidade, São Luís, e ao rio Paraitinga, em cujas margens havia um en- treposto comercial utilizado pelos bandeirantes. Seus habitantes – cerca de 10 mil – orgulham- se da cultura caipira e das festas tradicionais que acontecem na região. A mais famosa é a do Divi- no, comemorada no dia de Pentecostes (cinqüenta dias depois da Páscoa), quando se apresentam gru- pos de danças folclóricas como moçambique, jon- go e congada, além de procissões, rezas e missas. No centro histórico, antigos casarões compõem um dos maiores conjuntos arquitetônicos dos sé- culos XVIII e XIX do estado de São Paulo. Lá encontra-se preservada e transformada em mu- seu a casa em que nasceu Oswaldo Cruz. QUEM FOI? “O único progresso verdadeiro é o progresso moral. O resto é simplesmente ter mais ou menos bens.” José Saramago, escritor português OSWALDO CRUZ 6 Conta Gastão Pereira da Silva, no livro Romance de Oswaldo Cruz: “Um dia o dr. Bento surpreendeu Oswaldo fumando. Fez-lhe ver, delicadamente (pois usava sempre boas maneiras) que o fumo era prejudicial à saúde. Narrou, em cores vivas, todos os prejuízos do vício. Oswaldo ouviu-o calado. Olhos baixos. Terminada a advertência, disse-lhe a meia-voz o menino: — Mas se é assim, por que o senhor fuma? O argumento seria decisivo se o dr. Bento continuasse a fumar. Entretanto, nunca mais fumou. Nem Oswaldo!” Quando Oswaldo Cruz freqüentou a escola... � Os colégios secundários eram cursos preparatórios para o ensino superior, para que os filhos da classe dominante entrassem na categoria dos “homens cultos”. � Havia 250 mil estudantes para uma população de 14 milhões de habitantes (censo de 1888), o que correspondia a menos de 2% do total da população brasileira. � Não havia freqüência mínima. Os alunos podiam se inscrever em disciplinas, e não em séries. � Naquela época, os pais que não enviassem seus filhos à escola pagavam multa de 20 mil a 100 mil réis. Na legislação federal, porém, a instrução primária era livre, gratuita e laica, mas não obrigatória. A obrigatoriedade só aconteceu a partir de 1930. � A palmatória já era proibida, mas, na prática, esse castigo ainda foi usado até o início do século XX. � As escolas primárias eram chamadas de “escolas de primeiras letras”. � A educação já era laica, isto é, o ensino religioso não era mais praticado nas escolas públicas. Crendices populares do início do século XX Se o galo cantar quando for para o poleiro, é porque algo ruim vai acontecer à família. Para evitar mordida de cachorro, virar a roupa pelo avesso quando o cachorro está se aproximando. Para prevenir infecções, cortar o umbigo ou cordão umbilical do recém-nascido com uma tesoura virgem e enterrá-lo, imediatamente, debaixo de uma moita, onde ninguém passe. Não se põe galinha para chocar na época das chuvas, pois os ovos poderão gorar. Para evitar que os ovos gorem quando há trovoada, colocar três pedaços de carvão no ninho da galinha ou fazer três cruzes, com carvão, sobre cada ovo. Entre dois garotos: — Estou indignado! A cada dose de óleo de rícino que tomo, minha mãe coloca uma moeda em meu cofre! — E isso te dá raiva? — Claro! Quando o cofre está cheio ela tira o dinheiro e compra outra garrafa de óleo de rícino. � — Mamãe, por que é que o papai é careca? — Ora, filhinho... Porque ele tem muitas coisas para pensar e é muito inteligente! — Então, por que é que você tem tanto cabelo? — Cale a boca e tome a sopa, menino. Anedotas O MÉDICO DO BRASIL 7 Oswaldo e Emília Dois meses depois de for- mado, Oswaldo Cruz casou- se com Emília da Fonseca, a Miloca, com quem viveria até morrer, em 1917. Ela era fi- lha do comendador Manoel José da Fonseca, um abastado comerciante português que te- ria papel fundamental na car- reira do genro. Oswaldo e Mi- loca tiveram seis filhos: Elisa, Bento, Hercília, Oswaldo, Zahra e Walter. Todos eles (menos o quar- to, que já tinha o nome do pai), receberam o sobrenome Oswaldo Cruz. A prática se estende a toda a descendência do sanitarista, desdobrada hoje em treze netos e nume- rosos bisnetos e trinetos. Os três filhos homens se- guirão os passos do pai, for- mando-se em medicina. Dois deles trabalharão na Fundação Oswaldo Cruz, a Fiocruz — que, como adiante se verá, foi o grande legado do cientista. Oswaldo Filho será diretor da casa entre 1970 e 1972. O ca- çula, Walter, fará renome na comunidade científica inter- nacional. Bento, o mais velho, não exercerá a profissão. Emília da Fonseca Cruz Mulher inteligente e espirituosa, avançada para o seu tempo, Emília gostava de vestir-se bem, de passear e de apostar nas corridas do Jockey Club do Rio de Janeiro. Andava de tílburi, carro com dois assentos puxado por um cavalo — a mesma condução que tomava para ir buscar o marido no centroda cidade. No caminho de volta, enchia de beijos e abraços o tímido Oswaldo. Sem ser exatamente uma virtuose, Miloca tocava piano. Pour Élise, de Beethoven, era uma de suas peças prediletas. Miloca viveu por quase oitenta anos. Minha querida Miloca Venho de joelhos pedir-te perdão pela irreparável f alta de não te ir visitar hoje; acr edita, anjo meu, que é po r força maior, porque além de eu estar muito resfriado, co m dores de cabeça e de dentes (o que , aliás, não me impediria de passar um dia sem ver-te), acres ce o estares só, em casa; e parece- me que concordarás com igo que a minha visita ho je seria muito inconveniente. Esp ero, meu bem, que serei perdoado. Manda-me dizer como te ns passado e se vais ama nhã à cidade. Fizeste muito bem em qu ereres descer hoje porque o burro está aqui. Do teu, para sempre, Oswaldo 12/7/1889 Oswaldo Cruz manteve o hábito de escrever cartas à esposa Miloca. Muitas delas serviram aos historiadores como documento de seus feitos em saúde e pesquisa. Entre elas, porém, encontram-se exemplos de uma terna relação de amor, como nesta, que ele, aos dezessete anos, escreve à sua ainda noiva: Emília da Fonseca com os filhos Ercília, Walter e Elisa (sentados), Bento e Oswaldo (em pé) “Pensar é mais interessante do que saber, mas não mais do que olhar.” Johann Wolfgang von Goethe, escritor alemão OSWALDO CRUZ 8 Oswaldo Cruz em Paris Com o apoio financeiro do sogro, em 1897 Oswaldo Cruz mudou-se para Paris com a fa- mília. Seu objetivo era aper- feiçoar-se em microbiologia no Instituto Pasteur. Naquele momento, cresciam as desco- bertas sobre doenças patogê- nicas (transmitidas por mi- crorganismos) e sorologia (o estudo de tratamento de doen- ças com anticorpos obtidos no sangue de animais). Em Paris, aproveitou para especializar-se em urologia, área cada vez mais importante devido ao aumento das doen- ças venéreas, e estudar medi- cina legal. Encontro com a cidade-luz Apaixonado por lentes Paris também apresentou a Oswaldo um outro tipo de la- boratório: o de fotografia. A descoberta se tornaria uma grande paixão em sua vida. Seduzido pela possibilidade de registrar em imagens tudo o que estava vivendo, Oswal- do Cruz comprou uma câme- ra capaz de fazer fotos este- reoscópicas. Vistas através de um visor especial, elas davam o efeito de três dimensões. Surgiu então um entusias- mado fotógrafo amador, que registraria fatos importantes de sua atividade científica e da vida familiar. Anos mais tarde, em casa, no Rio de Janeiro, montaria um pequeno labora- tório fotográfico. Ao saber que um jovem médico brasileiro estava inscrito como aluno, o diretor do Instituto Pasteur, Émile Roux, o presenteou com uma bolsa de estudos. Era uma forma de homenagear o Brasil e seu antigo imperador, dom Pedro II, que fizera doações e patrocinara estudos no instituto. Oswaldo Cruz no Instituto Pasteur No destaque, Oswaldo Cruz com sua turma do Instituto Pasteur Ao voltar ao Brasil, em 1899, trouxe na bagagem, além da ex- periência da modernidade eu- ropéia, o conhecimento de mi- crobiologia que será fundamen- tal em sua atuação nas áreas de saúde e saneamento. Entre pipetas e provetas Em Paris, Oswaldo Cruz im- pressionou-se com os labora- tórios do Instituto Pasteur, mui- to diferentes dos que havia no Rio de Janeiro. Estagiou em uma fábrica de vidros para la- boratório, para conhecer a téc- nica de vidraria e trazê-la ao Brasil. Aprendeu a confeccio- nar ampolas, provetas, pipetas e outros instrumentos afins. Anos depois, fabricaria as pri- meiras ampolas brasileiras, além de ensinar a técnica aos funcionários do Instituto Soro- terápico Federal, no Rio de Ja- neiro, que viria a dirigir. O MÉDICO DO BRASIL 9 Pasteurização Processo químico simples, para eliminar micróbios nocivos de bebidas, que consiste em elevar sua temperatura a um nível não muito alto (57oC para vinho e cerveja e 63oC para leite) por alguns minutos e resfriá-los rapidamente, sem alterar o gosto. Dicas para fazer uma boa foto Segure a câmara com firmeza Aproxime-se do assunto a ser fotografado Escolha um fundo neutro e simples Cuide para que a luz do sol não incida diretamente sobre a lente Componha um cenário Procure um ângulo interessante “Capture” sentimentos O microscópio é um dos instrumentos mais importantes da história da medicina. Ele revolucionou o estudo das doenças contagiosas e permitiu os estudos em mi- crobiologia, histologia e patologia. A invenção do microscópio composto, que utiliza diversas lentes, é controvertida. A maioria dos historia- dores acredita que o instrumento foi inventado na Ho- landa, em 1590, pelo fabricante de óculos Zacarias Jan- sen. Outros dão o crédito a Antonie van Leeuwenhoek, o cientista holandês que difundiu seu uso no século XVII. Ao longo do tempo, a tecnologia dos micros- cópios avançou muito. Os modernos microscópios ele- trônicos ampliam um microrganismo até 1 milhão de vezes, enquanto um microscópio óptico convencio- nal consegue aumentá-lo apenas 2 mil vezes. O hábito de andar com uma enorme pasta, onde carregava sua máquina fotográfica, fez com que os alunos de Oswaldo Cruz lhe dessem o apelido de “Dr. Fotógrafo”. Louis Pasteur (1822-1895) Cientista francês, estudou física e química, fez pesquisas na área d e cristalografia e tornou-se célebre por suas descobertas no mundo dos micro rganismos. Elaborou o processo que ficaria c onhecido como pasteurização, que elimina microrganismos que contaminam alimentos e bebidas. A pasteurização causo u uma revolução na indústria da alimen tação. Seu maior feito, porém, foi a ela boração de vacinas contra raiva para cães e seres humanos (vacina anti-rábica). A grande repercussão levou à criação, em 1888, do Instituto Pasteur, em Paris, dedica do à produção de vacinas em grande e scala. Louis Pasteur foi seu primeiro diretor. O instituto logo se transformaria num dos m ais importantes centros de pesquisa d o mundo. QUEM FOI? � O imperador Pedro II foi um grande amante de fotografia. Sua coleção é um dos maiores acervos de fotos do século XIX, e está preservada na Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro. � A máquina fotográfica é uma invenção francesa. Nicéphore Niepce (1765-1833) foi o primeiro a fixar uma imagem em um filme rudimentar. Seu sócio, o pintor Louis Jacques Mandé Daguerre (1787-1851), desenvolveu a primeira câmera fotográfica e deu nome a uma técnica primitiva de fotografia: o daguerreótipo. OSWALDO CRUZ 10 Na época em que Oswaldo Cruz viveu em Paris — final do século XIX —, a França já ditava a moda para mulheres e homens em todo o Ocidente. E a indústria francesa de perfumes já era a mais avançada do mundo. Veja como passeavam as belas moçoilas e os elegantes homens franceses naqueles tempos: A moda em Paris E aqui no Brasil? Como a moda vinha de Pa- ris, por incrível que pareça as mulheres e os homens da so- ciedade usavam esses mesmos modelitos. A diferença é que, no Brasil, o clima tropical tor- nava essas peças extremamen- te inadequadas em cidades como Rio de Janeiro ou Salva- dor, por exemplo. Dama — Enfeitada com rendas, sedas e babados, para deixar suaves os contornos da roupa. Usa espartilhos e ligas. Nos trajes de passeio, os qua- dris ganham enfeites drapea- dos de curvas fechadas e a maioria leva chapéus e som- brinhas. Cavalheiro — Veste ternos pesados e sóbrios, sempre acompanhados de chapéu e bengala; cuida especialmente da costeleta, da barba e do bi- gode. Para dormir, não dispen- sa o camisolão e a “máscara de bigodes”, para torná-los apontados e elegantes. Qual a origem da “água-de-colônia”? Conta-se que na Guerra dos Sete Anos, entre França e Grã Bretanha (1756 a 1763), durante a ocupação da cidade alemã de Colônia pela França, alguns oficiais franceses compravam uma água de cheiro agradável, tipo loção, e mandavam para as parisienses. Em Paris, o líquido foi batizado “eau de Cologne” (água de Colônia). Interior de loja de tecidos, Rio de Janeiro, início do século XXIC O N O G R A P H IA O baralho foi criado no século XVI pelo francês Grinconneur. As cartas eram pintadas à mão. Copas (�) simbolizava o clero; espadas (�), a nobreza; paus (�), o povo; e ouros (�), o comércio. IC O N O G R A P H IA IC O N O G R A P H IA O MÉDICO DO BRASIL 11 Conta-se, na França, que Napoleão, durante uma viagem para o Sul com seus exércitos, decidiu pernoitar numa pequena hospedaria da cidade de Bessières. Para o jantar, o dono preparou uma deliciosa omelete, que deixou o imperador extasiado! Napoleão não teve dúvidas: no dia seguinte, ordenou aos moradores que juntassem todos os ovos da cidade e preparassem uma grande omelete para seus soldados! Paris e seus sabores Em Paris, Oswaldo Cruz pôde conhecer a culinária francesa, diferenciada por seus mo- lhos, suas misturas de pratos doces e salgados e a cremosidade das mousses e cremes. A in- fluência da cozinha francesa no Brasil se es- tende até os dias de hoje. A Belle Époque teve início por volta de 1880, estendendo-se até a Primeira Guerra Mundial, na Europa, e até meados da década de 20, no Brasil. Foi um período de intenso progresso material, sob a égide da ciência e da evolução tecnológica. Inovações revolucionaram de forma abrupta o modo de ser do cidadão burguês, provocando um clima de euforia e de confiança nos avanços empreendidos pelo homem e nos benefícios que proporcionavam. A emergente burguesia industrial e a classe média gozavam de todos os prazeres materiais que a vida poderia lhes oferecer. A Belle Époque foi um período de intensa atividade artística, principalmente em Paris e em Viena. A pintura era marcada pelo predomínio da figura humana. Em um clima leve, descontraído e de exaltação à vida, pintavam-se cenas agradáveis, mulheres e crianças belas exprimindo felicidade. Abusava-se das cores e dos brilhos. Encontre no caça-palavras algumas expressões de origem francesa que fazem parte da nossa linguagem culinária: mousse, chantili, brioche, omelete, crepe, vinagrete, filé mignon, quiche, pavê, glacê, croissant, ovo pochê, cassoulet, patê, consomê, molho rosé. M C T M O L H O R O S E A Q A C O N S O M E H C N P E U Z A N T O V O P O C H E V I I S O E G B U L N R E R I C J S N T N A S S I O R C N H T O G E H N S R R I P L A E N U I L J S E V A P R I G O N L M E A S T E H C O I R B C E E M A I C M T C H R E N A T L O C A L R O A S S T V D F I T L A T N I M P C E I E R F G C H A N T I L I B R CAÇA-PALAVRAS Respostas na p.60 A D A P T A D O D E A L P H O N S E M U C H A – W AT ER -L IL Y. P A N N EA U D ÉC O R A TI F. P A R IS 1 9 0 3 UMA RECEITA FRANCESA Omelete com tomate à provençal Ingredientes: 4 colheres (sopa) de manteiga 2 colheres (sopa) de óleo 1 colher (sopa) de salsa picada 6 ovos 4 tomates maduros, sem as sementes, picados grosseiramente 2 rodelas de cebola picadas 1 dente de alho picado sal e pimenta-do-reino a gosto Modo de preparo Aqueça o óleo e junte todos os ingredientes, exceto os ovos e a manteiga, e refogue até que os tomates estejam macios. Reserve. Numa tigela, bata os ovos, tempere com sal e pimenta. Numa frigideira, derreta duas colheres (sopa) de manteiga e despeje metade da mistura de ovos. Incline a frigideira de um lado para outro para distribuir a massa uniformemente. Levante as bordas com um garfo e tire do fogo quando a omelete ficar cremosa. Ponha num prato, recheie com metade do refogado de tomate e dobre-a ao meio. Repita o procedimento com o restante dos ingredientes. Rendimento três porções Uma grande parceria A peste aporta em Santos Em 1899, ano em que Os- waldo Cruz retornou de Paris, houve uma grande mortanda- de de ratos no porto de San- tos, litoral paulista, logo após a chegada de um vapor da ci- dade portuguesa do Porto. Vi- tal Brazil e Adolfo Lutz, pes- quisadores do Instituto Bacte- riológico do Estado de São Paulo, diagnosticaram: peste bubônica. A cidade foi posta em quarentena e, a pedido do governo federal, Oswaldo via- jou a Santos. Cinco dias mais tarde, telegrafava ao ministro da Justiça, Epitácio Pessoa: “Os critérios clínico, epide- miológico e bacteriológico permitem afirmar categorica- mente ser a peste bubônica a moléstia reinante”. Nascia uma importante par- ceria científica — e uma ami- zade duradoura — entre Oswaldo Cruz, Vital Brazil e Adolfo Lutz. Os três troca- riam longa correspondência sobre questões de saúde públi- ca e pesquisas, além de co- mentários pessoais. No futu- ro, trabalhariam juntos em vá- rios projetos científicos. O soro à la brésilienne O soro contra a peste era fabricado apenas na França, pelo Instituto Pasteur, cuja produção era insuf iciente para a demanda mundial. Para produzir o soro no Bra- sil, o governo criou o Institu- to Soroterápico Federal, no Rio de Janeiro, sob a direção do barão de Pedro Affonso. Instalado na Fazenda de Man- guinhos, o instituto ficaria po- pularmente conhecido como “Instituto de Manguinhos”. A direção técnica foi entregue a Oswaldo Cruz. Era o início do que viria a ser um dos maiores centros brasi- leiros de pes- quisa, ensino e produção de va- cinas e medica- mentos: a atual Fundação Os- waldo Cruz (Fio- cruz). O governo de São Paulo tam- bém começou a produzir soro an- tipestoso no la- boratório do Ins- tituto Bacterioló- gico, dirigido por Vital Brazil. Em 1901, o laborató- rio ganharia auto- nomia, rebatizado Instituto Soroterá- pico do Estado de São Paulo — que daria origem ao Instituto Butantan. Barco equipado com aparelho Clayton espalha fumaça contra mosquitos no porto de Santos, por volta de 1905 QUEM FOI? OSWALDO CRUZ 12 Adolfo Lutz (1855-1940) Nascido no Rio de Janeiro, cursou medicina na Suíça, onde foi mora r ainda pequeno. Estudou e trabalhou em diversos países, como a Alemanha, onde f ez pesquisas sobre o bacilo de Hans en, transmissor da hanseníase (lepra) , e os Estados Unidos, onde dirigiu um hospital no Havaí durante três anos. No Brasil, participou, em 1892, da criação do Instituto Bacteriológico do Est ado de São Paulo, tornando-se seu direto r no ano seguinte. Convidado por Oswaldo Cruz para chefiar um dos setores do In stituto de Manguinhos, lá permaneceu por 32 anos. Após sua morte, em 6 de outubr o de 1940, o Instituto Bacteriológico d o Estado de São Paulo foi rebatizado Instit uto Adolfo Lutz, que até hoje é um d os centros de pesquisa mais importantes do país. Vital Brazil Mineiro da Campanha (1865-1950) Nascido no município de Campan ha, em Minas Gerais, fez os estudos preparatórios em São Paulo e curs ou a Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. No Instituto Bacteriológico de São Paulo, atual Instituto Adolfo Lutz , pesquisou os soros antiofídicos e fez os primeiros experimentos com vene no de serpentes. Ajudou a criar o Institu to Soroterápico de São Paulo, que p roduziria diversas vacinas e soros. Começou suas pesquisas na Fazenda Butantan (o nde hoje funciona o Instituto Butanta n), desenvolvendo técnicas de imuni zação de cavalos para fazer a vacina contra a peste, e produziu as primeiras ampolas de soro contra veneno de jararaca e casca vel. Criou um centro de pesquisas bio lógicas em Niterói (RJ), o futuro Instituto Vital Brazil. Era diretor desse instituto quando morreu, em 1950. Em 1915, Vital Brazil já era bastante conhecido no mundo científico por seu trabalho no Instituto Butantan. Durante uma viagem a Nova York, foi chamado a socorrer um empregado do Jardim Zoológico do Bronx Park, que havia sido picado por uma cobra “prima” da cascavel, a Crotalus atrox, e já passara por vários tratamentos, sem resultado. Com o soro antiofídico, Vital Brazil o salvou da morte. Instalações do Instituto Soroterápico Federal, em 1903 No primeiro plano, dois jovens cientistas do Instituto Soroterápico: Henrique da Rocha Lima (à esquerda) e Ezequiel Dias QUEM FOI? Da força: dobrar a esquina. Da rapidez: fechar a gaveta, trancar e jogar a chave dentro. Da velocidade: dar a volta na mesa e pegar a si mesmo. Darevolta: morar sozinho e fugir de casa. Da sorte: ser atropelado por uma ambulância. Do azar: ser atropelado por um carro funerário. Da lerdeza: cuidar de quatro tartarugas e deixar uma delas escapar. Da magreza: deitar na agulha e se cobrir com a linha. Cúmulos O MÉDICO DO BRASIL 13 OSWALDO CRUZ 14 O Rio no tempo de Oswaldo Cruz O caos urbano Com o fim da monarquia, em 1889, o país entrou numa fase de mudanças. A maioria da população ainda se concen- trava no campo, uma vez que a agricultura dominava a eco- nomia brasileira; entretanto, a abolição da escravatura e uma indústria nascente ajudavam a acelerar a urbanização caóti- ca das cidades. A capital federal sofreu de forma acentuada as conseqüên- cias dessa desorganização ur- bana, pois recebia trabalhado- res braçais sem instrução nem qualificação profissional, na maioria negros e mulatos mar- ginalizados pelo preconceito racial e social. Nos primeiros anos do sé- culo XX, a cidade era conhe- cida como “túmulo dos es- trangeiros”. Navios de outras esse comércio intenso, alguns quiosques de madeira e zinco ajudavam a compor a paisa- gem caótica. O jogo do bicho e o bilhete da loteria eram ven- da certa. Na zona portuária, um ou- tro tipo de atividade aconte- cia: aquele era o reduto dos malandros, dos marinheiros, das prostitutas, videntes e ci- ganas. Casas de ópio escondi- am-se no beco do Ferreiro. O comércio dos abastados Nas ruas do centro, o bur- burinho vinha do comércio da aristocracia. Lojas, confeita- rias, cafés e prédios de escri- tórios eram freqüentados por elegantes cavalheiros que, nos finais de tarde, reuniam-se nas calçadas. Lá ficavam à espe- ra das senhoritas que voltavam das compras, com suas blusas rendadas, saias compridas e armadas, ostentando cinturas afinadas por espartilhos. Elas usavam graciosos chapeuzi- nhos que lhes enfeitavam o rosto, na esperança de com- pensar, acreditavam, a falta da maquiagem tão usada pelas francesas, aqui considerada pecado. Afinal, Nossa Senho- ra não se pintava! Ignorando os gracejos dos rapazes, en- travam em suas charretes para voltar às mansões dos bairros de Botafogo e Laranjeiras. bandeiras evitavam atracar no porto do Rio, temendo a morte de seus tripulantes por febre amarela, peste bubônica, varío- la, malária ou outras doenças. Um cenário de contrastes Emoldurado por uma natu- reza exuberante, o Rio de Ja- neiro era, no entanto, uma ci- dade suja e maltratada. A po- pulação convivia com lixo e su- jeira nas ruas estreitas, que mal davam vazão ao tráfego das charretes, bondes e carrinhos, puxados por carregadores ape- lidados de “burros-sem-rabo”. Nas calçadas, igualmente estreitas, vendedores ambulan- tes espalhavam suas mercado- rias: cestos, verduras, panelas, doces, leite, aves, empadinhas de milho, bacalhau, sardinhas, café, cachaça... Em meio a Praia de Botafogo, Rio de Janeiro, início do século XX IC O N O G R A P H IA O MÉDICO DO BRASIL 15 Fato trágico Em 1895, o navio italiano Lombardia atracou no porto do Rio para uma visita de cortesia. A tripulação foi recebida pelo presidente da República, Prudente de Morais, numa grande festividade. A visita terminaria em tragédia. Dos 340 tripulantes, 333 pegaram febre amarela. Morreram 234 doentes. O fato teve péssima repercussão no exterior, e o Rio de Janeiro ganhou o apelido de “túmulo de estrangeiros”. Aos pobres, os morros Além de ocupar os cortiços, abundantes no centro, os po- bres se espalhavam pelos bair- ros da Saúde, Gamboa e de Santo Cristo, região que num passado ainda recente sediara o mercado de escravos da ci- dade. Uma legião de desem- pregados e de trabalhadores pouco qualificados da indús- tria nascente vivia em precá- rias condições de moradia. Muitos iam para as favelas, que já começavam a surgir nas encostas dos morros. Ali tam- bém foram morar escravos al- forriados que lutaram na Guerra do Paraguai e solda- dos vindos da campanha de Canudos. A ocupação desordenada dos morros e cortiços, sem nenhuma forma de sanea- mento, e a convivência com lixo, esgoto e água contami- nada favoreceram as sucessi- vas epidemias de febre ama- rela, varíola, peste bubônica, cólera e outras doenças que vitimavam milhares de pes- soas. Naquele tempo, no Rio, a taxa de mortalidade era tra- gicamente ascendente. ORIGEM DA PALAVRA “CARIOCA” A palavra “carioca” surgiu quando o português Gonçalo Coelho, que foi morar no Rio de Janeiro em 1503, vindo de uma expedição com Américo Vespúcio, construiu uma casa quadrada — forma bem curiosa para o padrão dos índios. A casa de Gonçalo, às margens do rio Maracanã, foi chamada por eles de carioca, união de branco (cari) e casa (oca), em tupi. Cabeça-de- porco Para os cariocas, o termo “cabeça-de- porco” é sinônimo de “cortiço”. O nome foi emprestado da maior casa de cômodos de aluguel da capital. Construída pelo conde d’Eu, marido da princesa Isabel, seus enormes aposentos eram subdivididos por placas de madeira; 2 mil pessoas moravam ali! Sobre os portões, em vez das habituais estátuas de leões, havia uma enorme cabeça de porco. Cortiço no Rio de Janeiro, no início do século XX PROPAGANDA DE UMA COMPANHIA DE VIAGEM EUROPÉIA DO INÍCIO DO SÉCULO XX “Viaje direto para a Argentina sem passar pelos perigosos focos de epidemias do Brasil.” ! Impressionante! Entre 1872 e 1890, a população do Rio passou de 274 mil para 502 mil almas, como se dizia na época. Em 1906, chegaria a mais de 800 mil habitantes! OSWALDO CRUZ 16 Em 1900, a cidade ainda guarda o cunho desolador dos velhos tempos do rei, dos vice-reis e dos governadores, com ruas estreitas, vielas sujíssimas, becos onde se avoluma o lixo. O novo regime não teve ainda tempo para modernizar o Rio. Mesmo as artérias principais (Ou- vidor, Ourives, Uruguaiana, Gonçalves Dias, 1o de Março) são muito pouco es- paçosas. E as outras ruas, mais distan- tes do centro, como as que cercam o lar- go da Misericórdia, não passam de vie- las curvas e malcheirosas. Nas praças mais amplas, quase não existem árvores, permitindo que o sol torne abrasador o calçamento de para- lelepípedos e os passeios de lajes altas. Pavimento e calçada apresentam-se es- buracados. Dentro dos sobrados centenários, re- manescentes ou cópias dos tempos co- loniais, as senzalas do rés-do-chão se transformam em bares, lojas e oficinas. Sem esgoto e sem janelas nos quartos, os outros andares dos sobrados do cen- tro da cidade são um “dédalo de corre- dores e alcovas”. Por ruas de muito movimento, que li- gam bairros, esticando-se para as La- ranjeiras ou São Cristóvão, um par de trilhos cruza o calçamento. São os bon- dinhos. Alguns são elétricos, que desde 1892 fazem a linha entre o Flamengo e a Carioca. A imprensa afirma: os “nos- sos elétricos, que, sem o menor favor, são os melhores do mundo...”. Mas a maioria dos veículos, chacoalhando fer- ragens, velhos e incômodos, ainda é pu- xada pelo tradicional par de burrinhos. Afora os bondes, o tráfego da cidade constitui-se de raros caleches e charre- tes, e mais freqüentes carroças puxadas por um ou dois cavalos. Mais comuns ainda são os carros puxados por bra- ços humanos. As ruas estão cheias de vendedores; alguns puxam pela calça- da carroças, com mercadorias: são os “burros-sem-rabo”. Nas carroças, no lombo dos animais, nas costas ou nos braços, homens e mulheres, antigos es- cravos, imigrantes portugueses, ale- mães, turcos vão trazendo suas merca- dorias. Passa o leiteiro conduzindo atrás de si uma vaca tuberculosa e um bezerro faminto. E o vendedor de aves, as galinhas presas em cestos atados a um burro: cabo de vassoura às costas para equilibrar a carga, vêm o cestei- ro, o ceboleiro, o papeleiro, o verdurei- ro; um oferece mocotó, o outro doces; um negro traz carvão, ou sorvete; as mu- lheres vendem doces ou miudezas. A cidade é uma imensa feira. O JORNALISTA LUÍS EDMUNDO, AUTOR DE SABOROSAS CRÔNICAS, FEZ O SEGUINTE RELATO SOBRE A VIDA URBANA DO RIO DE SUA ÉPOCA Rua do Ouvidor, Rio de Janeiro,início do século XX O MÉDICO DO BRASIL 17 Preenchao diagrama com os ingredientes e acompanhamentos e encontre o nome de um típico prato da culinária brasileira, que teve sua origem nas senzalas das antigas fazendas. Mulher Você vai fritar Um montão de torresmo pra acompanhar Arroz branco, farofa e a malagueta A laranja-baía ou da seleta Joga o paio, carne-seca, toucinho no caldeirão E vamos botar água no feijão Mulher Depois de salgar Faça um bom refogado, que é pra engrossar Aproveite a gordura da frigideira Pra melhor temperar a couve mineira Diz que tá dura, pendura a fatura no nosso irmão E vamos botar água no feijão A saborosa feijoada carioca tem sua origem nas senzalas. Os escravos cozinhavam, junto com feijão preto, as carnes desprezadas pelos senhores. Ao comer, espalhavam farinha de mandioca por cima. O prato tornou-se o símbolo da culinária brasileira, sempre acompanhado da tradicional caipirinha. Mulher Você vai gostar Tô levando uns amigos pra conversar Eles vão com uma fome que nem me contem Eles vão com uma sede de anteontem Salta cerveja estupidamente gelada prum batalhão E vamos botar água no feijão Mulher Não vá se afobar Não tem que pôr a mesa, nem dá lugar Ponha os pratos no chão, e o chão tá posto E prepare as lingüiças pro tira-gosto Uca, açúcar, cumbuca de gelo, limão E vamos botar água no feijão FEIJOADA COMPLETA Chico Buarque de Hollanda PALAVRAS CRUZADAS Respostas na p.60 1. principal ingrediente da receita 2. couro de porco frito 3. tripa recheada com carne moída e temperos 4. fruta descascada, cortada em pedaços 5. verdura refogada em tiras finas 6. cereal em grão, principal acompanhamento do prato 7. tipo de farinha usada para a farofa 8. tradicional bebida brasileira servida com a feijoada 9. carne salgada e exposta ao sol para secar 10. tempero, usado em folha seca 11. condimento picante, típico da culinária brasileira 12. carne de porco ensacada em tripa seca 13. pedaço de carne da região lombar do porco 14. parte cartilaginosa da cabeça do animal 15. gordura do porco subjacente à pele, com o respectivo couro 16. carne da parte traseira, cauda OSWALDO CRUZ 18 Saneamento: palavra de ordem O início das reformas Quando assumiu a presi- dência do Brasil, em 1902, sucedendo Campos Sales, Rodrigues Alves mudou-se para o Rio de Janeiro. Leva- va na bagagem um audacio- so plano de modernização urbana, que consistia em sa- near a cidade, pôr fim às do- enças, alargar as ruas, cons- truir novas e amplas avenidas, remodelar o porto e derrubar os incontáveis cortiços. O presidente nomeou o amigo e engenheiro Pereira Passos para a prefeitura, e Oswaldo Cruz para a Direção Geral de Saúde Pública. O plano de saneamento de Oswaldo Cruz Em 1903, acumulando a função de diretor do Instituto Soroterápico Federal, Oswal- do Cruz foi empossado na Di- reção Geral de Saúde Pública com uma missão gigantesca: promover campanhas sanitá- rias para erradicar três das principais doenças que perio- dicamente atingiam a popula- ção, de forma epidêmica: a febre amarela, a peste bubô- nica e a varíola. Seu plano de ação começou com a reforma da legislação vigente para os serviços de Saúde Pública, que continha contradições entre os planos Pereira Passos: o Haussmann brasileiro Pereira Passos, o prefeito escolhido por Rodrigues Alves para implantar a remodelação urbana, transformou o Rio num imenso canteiro de obras. O projeto teve como parâmetro as obras promovidas por Georges Eugène Haussmann, prefeito de Paris no período de 1853 a 1870. Quando morou na capi- tal francesa, Pereira Passos pôde assistir a uma das fases mais difíceis dessa reforma, em que bairros populares fo- ram arrasados, construindo-se um novo padrão de metrópole moderna, modelo para várias cidades do mundo. A rua da Carioca em reforma A avenida Central (hoje Rio Branco) em obras “Não basta ter um espírito bom, é essencial aplicá-lo bem.” René Descartes, filósofo francês A R Q U IV O G E R A L D A C ID A D E D O R IO D E J A N E IR O A R Q U IV O G E R A L D A C ID A D E D O R IO D E J A N E IR O O MÉDICO DO BRASIL 19 federal e municipal. Escreveu um novo código sanitário, que incluía um artigo sobre a va- cinação obrigatória contra a varíola. Iniciou-se, então, uma longa negociação no Congres- so para aprovar o código, o que só aconteceria em novem- bro de 1904. Para a imprensa, o povo e os adversários políti- cos, esse código sanitário fi- cou conhecido como “Código de torturas”. O Bota-Abaixo Apelidada de Bota-Abaixo pelo povo, a reforma da cida- de começou com a remoção da população dos cortiços, considerados focos de prolife- ração das doenças. No entan- to, nenhuma política de habi- tação foi pensada para os de- salojados. Acostumados a vi- ver no centro, esses morado- res se recusavam a mudar para os subúrbios, preferindo subir os morros e formar inúmeras favelas. Enquanto os engenheiros mudavam a paisagem urbana, alargando ruas e derrubando prédios, as brigadas sanitárias invadiam casas para espalhar inseticida à base de petróleo e demoliam as que não obede- ciam aos preceitos higiênicos exigidos. Mais de cem corti- ços foram destruídos. OLAVO BILAC, EM MARÇO DE 1904, ESCREVE SOBRE A REFORMA DO RIO DE JANEIRO NO PRIMEIRO NÚMERO DA REVISTA KÓSMOS AS PICARETAS REGENERADORAS Há poucos dias as picaretas, entoando um hino jubiloso, iniciaram os trabalhos da construção da Avenida Central, pondo abaixo as primeiras ca- sas condenadas. Bem andou o governo, dando um caráter solene e festivo à inauguração desses tra- balhos. Nem se compreendia que não fosse um dia de regozijo o dia em que começamos a caminhar para a reabilitação. No aluir das paredes, no ruir das pedras, no es- farelar do barro, havia um longo gemido. Era o gemido lamentoso do Passado, do Atraso, do Opró- brio. A cidade colonial, imunda, retrógrada, em- perrada nas suas velhas tradições, estava soluçan- do no soluçar daqueles apodrecidos materiais que desabavam. Mas o hino claro das picaretas abafa- va esse protesto impotente. Com que alegria cantavam elas — as picaretas regeneradoras! E como as almas dos que ali esta- vam compreendiam bem o que elas diziam, no seu clamor incessante e rítmico, celebrando a vitória da higiene, do bom gosto e da arte! “Veja ilustre passageiro o belo tipo faceiro que o senhor tem a seu lado. No entanto, acredite, quase morreu de bronquite. Salvou-o o Rum Creosotado.” CÉLEBRE ANÚNCIO AFIXADO NO INTERIOR DOS BONDES DO RIO DE JANEIRO, NO INÍCIO DO SÉCULO XX “Tudo quanto puderes fazer ou creres poder, começa. A ousadia tem gênio, poder e magia.” Johann Wolfgang von Goethe, escritor alemão OSWALDO CRUZ 20 Guerra aos mosquitos A teoria dos miasmas O plano de modernização do Rio levava em conta a teo- ria dos miasmas, defendida por muitos médicos da época. Essa teoria sustentava que as doenças vinham dos “maus ares” provenientes das águas paradas e dos focos de lixo pu- trefatos. Acreditava-se que a inalação dos miasmas era a causa das doenças epidêmicas. Segundo os defensores da teoria, para dar fim às epide- mias bastava acabar com os cenários de sujeira, constru- ções pouco arejadas e ruas estreitas, onde não havia cir- culação de vento e sol. A construção de largas avenidas e outras obras de porte, além de facilitar o acesso, visavam combater os miasmas. A teoria cubana Só no ano de 1902 a febre amarela matou 984 pessoas na cidade do Rio de Janeiro. Oswaldo Cruz, opondo-se à teoria dos miasmas, traçou um plano de trabalho que buscava acabar com o mosquito trans- missor. Ele se baseava na teo- ria cubana formulada em 1881 por Carlos Juan Finlay (1833- 1915), que combatera a doen- ça em Cuba exterminando o mosquito Stegomyia fasciata e isolando os doentes. Tendo corrido a notícia de que Oswaldo Cruz iria a Havana para conhecer de perto os métodos do dr. Juan Carlos Finlay no combate ao mosquito transmissor da febre amarela, surgiu e fez sucesso no Rio esta canção, cujo autor, diziam os gozadores, era o próprio mosquito: ESPERE UM POUCO... EU VOU A CUBA Letra de CulicídioExógeno Música de Stegomyia fasciata Embora moço, eu sou sabido, Muito talento em mim se incuba, Os livros todos tenho lido... Espere um pouco... eu vou a Cuba. Desta cidade malfadada Quero que o nome cresça e suba, Sem febres, vai ficar amada: Espere um pouco... eu vou a Cuba. Quando estiver saneada e limpa Há de ostentar, airosa, a juba, E levantar bem alto a grimpa; Espere um pouco... eu vou a Cuba. Verão meu nome celebrado, Por mim soar da fama a tuba, E até então, ó povo amado, Espere um pouco... eu vou a Cuba. Parto, mas quero à minha volta Palmas ganhar... de carnaúba, Ter de micróbios uma escolta, Ao meu regresso lá de Cuba. Ser em triunfo recebido Entre ovações que o gênio aduba; Mostra-te, povo, agradecido, Quando eu regresse ali... de Cuba. Para desengasgar com espinha de peixe, chamar São Brás três vezes, dizendo: “São Brás do altar, me faz desengasgar”. Pronunciada a frase, jogar um punhado de farinha na boca e engolir sem mastigar. O mosquito era o vilão do Rio O MÉDICO DO BRASIL 21 Os mata-mosquitos Para levar a cabo a emprei- tada, Oswaldo Cruz precisaria de 1200 homens para compor as brigadas de mata-mosqui- tos. Mas a burocracia e a pou- ca verba limitaram a ação a apenas 85 homens. Em um tra- balho abnegado, os mata-mos- quitos percorriam jardins, quintais, porões e telhados, desinfetando alagados, ralos e bueiros, limpando calhas, la- vando caixas-d’água e remo- vendo depósitos de larvas de mosquito. Dentro das casas lo- calizadas nas zonas dos focos, queimavam piretro de enxofre para desinfecção. Os doentes eram isolados com telas e mosquiteiros ou removidos para o Hospital de Isolamen- to São Sebastião. O Stegomyia fasciata daquele tempo, perseguido sem trégua por Oswaldo Cruz, é muito conhecido por todos os brasileiros. Trata-se do Aedes aegypti, o mosquito da dengue. Mudou de nome, mas continua a nos causar problemas. Ao retornar das inspeções, os mata-mosquitos relatavam todas as ocorrências de molés- tias. Assim Oswaldo Cruz pôde mapear a febre amarela na cidade e atualizar as esta- tísticas epidemiológicas. Re- cebeu, no entanto, duras críti- cas da imprensa, do povo e da comunidade médica, insufla- das pelos adversários políticos do presidente, que chamavam o cientista de “czar dos mos- quitos”. Os “Conselhos ao povo” Oswaldo Cruz lançou mão de todas as alternativas de que dispunha para esclarecer o povo e convencê-lo a preve- nir as epidemias: folhetos edu- cativos para a população em geral, outros dirigidos aos pro- fissionais de saúde, e até mes- mo medidas de coerção, como a notificação compulsória dos casos de doença. Publicou na imprensa seus famosos “Con- selhos ao povo”, textos que explicavam à população como eram os mosquitos transmis- sores da febre amarela, os cui- dados que cada cidadão devia tomar para acabar com os cria- douros, como se proteger das picadas e evitar o contágio, e como os doentes deviam ser tratados. Mesmo com toda a resistên- cia e as dificuldades técnicas, em 1907 a epidemia de febre amarela foi considerada erradi- cada do Rio de Janeiro. Oswal- do Cruz finalmente ganhara a guerra contra os mosquitos. Brigadas de mata-mosquitos Mata-mosquitos vedam residências para aplicação de veneno contra o transmissor da febre amarela OSWALDO CRUZ 22 A FEBRE AMARELA HOJE O número de casos registrados no Brasil atualmente indica que a febre amarela está controlada. A vacina usada nos nossos dias, que imuniza a pessoa por dez anos, não é mais obrigatória. Devem ser vacinados apenas os habitantes das regiões onde ainda há casos — os estados do Acre, Amapá, Amazonas, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins, e o Distrito Federal — e quem viaja para lá. Mas existe a possibilidade de que a febre amarela volte em forma de epidemia. Isso porque o Aedes aegypti, que a transmite, é também o transmissor da dengue, doença para a qual ainda não existe vacina e que é epidêmica no país. A tabela abaixo, publicada em 28 de dezembro de 1908 no jornal The Times, de Nova York, faz parte do artigo “The sanitation of Rio”, em que Oswaldo Cruz expõe o sucesso do trabalho que empreendeu na capital brasileira. Dengue, uma doença tropical Desde 1986 o Brasil vem enfrentando surtos epidêmicos de dengue, que atingiram, em 2002, o patamar de epidemia. O mosquito transmissor, a fêmea do Aedes aegypti, encontra no clima tropical as condições ambientais favoráveis para proliferar-se, o que acontece em tempo de chuva e em lugares que tenham água limpa e temperatura ambiental entre 24° e 26°C. O Aedes só ataca durante o dia e pode picar por volta de trezentas pessoas antes de morrer. A dengue clássica é benigna. A forma hemorrágica, porém, pode causar a morte. Sintomas Febre alta, dores musculares, nas juntas, na cabeça e atrás dos olhos, manchas avermelhadas na pele, fraqueza, enjôo e falta de apetite. Tratamento Como não há vacina para a moléstia, o melhor é fazer repouso, beber muita água e tomar medicamentos para dor e febre, sempre receitados por um médico. Prevenção A única forma de acabar com a epidemia da dengue é evitar a proliferação dos mosquitos, combatendo seus focos. Alguns cuidados fundamentais: � Lavar sempre com bucha e sabão as vasilhas de água dos animais. � Colocar areia nos pratinhos das plantas e xaxins. � Tampar bem caixas d’água, latões de lixo e nunca conservar água parada, como em pneus velhos, latas abertas etc. � Manter as folhas das bromélias secas ou cobertas com pó de café. � Usar repelente no corpo quando estiver em lugar onde haja muito mato ou que seja conhecido como foco do mosquito. MORTALIDADE POR FEBRE AMARELA NO RIO DE JANEIRO 1903-1909 ano janeiro fevereiro março abril maio junho julho agosto setembro outubro novembro dezembro total 1903 133 142 151 99 24 10 9 4 4 2 2 4 584 1904 2 7 7 8 10 4 4 1 1 - 3 1 48 1905 3 13 23 59 64 61 26 9 6 5 8 12 289 1906 6 9 6 8 2 1 2 - 1 3 1 3 42 1907 1 1 6 14 6 4 4 1 1 - 1 - 39 1908 - - 1 - - 3 - - - - - - 4 1909 - - - - - - - - - - - - - O MÉDICO DO BRASIL 23 JOGO DOS SETE ERROS O original do caricaturista Raul (desenho de cima), publicado no Jornal do Brasil em 13 de agosto de 1904, serviu de inspiração para o jogo. Encontre as diferenças. Na escola: — Joãozinho, você pode me explicar como a sua redação está absolutamente igual à que seu irmão fez no ano passado? — Posso sim: temos a mesma irmã. � Zezinho está visitando o Museu Imperial, quando um guarda bronqueia: — Não pode sentar aí, moleque! É a cadeira do dom Pedro! — Quando ele chegar eu saio! � O caipira ganhava todas as apostas das brigas de galos daquele vilarejo, quando um sujeito da cidade, cansado de perder, chega para ele e pergunta: — Meu amigo, vejo que o senhor é um grande entendido em brigas de galos. — É... – responde timidamente o caipira. — Pois eu já perdi quase todo meu dinheiro. Não acertei uma aposta... pode me ajudar e dizer qual é o galo bom da próxima luta? — O bom é o galo branco – responde o caipira. O sujeito da cidade, rapidamente, aposta todo o resto do seu dinheiro no galo. Quando acaba a luta, ao ver o galo branco derrotado, ele vai ter novamente com o caipira: — Você não me disse que o galo branco é que era o bom? — Pois entonce... o branco era o bom... o preto é que era o marvado!Respostas na p.60 Anedotas OSWALDO CRUZ 24 A campanha contra a peste bubônica Organizar uma campanha para erradicar a peste bubô- nica foi outra missão que cou- be a Oswaldo Cruz como di- retor geral de Saúde Pública. Esse combate foi mais fácil que a luta contra a febre ama- rela: todos reconheciam que os transmissores da doença eram as pulgas dos ratos. Oswaldo Cruz já enfrentara um surto em Santos, e o Insti- tuto Soroterápico Federal já produzia o soro antipestoso. Ainda assim, a imprensa criticava duramente a campa- nha. Mesmo achincalhado em Caça aos ratos piadas, caricaturas, crônicas e músicas satíricas, Oswaldo Cruz conduziu com firmeza seu plano de vacinação da po- pulação, e não desistiu da luta contraos ratos. Os compradores de ratos A campanha contra a peste aconteceu ao mesmo tempo em que se combatia a febre amarela. Para a nova tarefa, Oswaldo Cruz criou um es- quadrão de cinqüenta homens vacinados que saíam à caça de ratazanas em armazéns, casas, cortiços, becos, hospedarias e onde mais pudessem encon- trá-las. Espalhavam raticida e removiam o lixo. O médico chegou a criar a f igura do “comprador de ratos”: um funcionário público que pas- sava pelas ruas pagando até trezentos réis por rato apanha- do pela população. Não demo- rou para que espertinhos co- meçassem a se dedicar a uma atividade inusitada: criar ratos e vendê-los à Saúde Pública. Os índices da doença de- moraram a cair. Mesmo as- sim, quando Oswaldo Cruz deixou a Diretoria Geral de Saúde Pública, em 1909, os casos de infecção já eram muito baixos. Fonte: Fontenele, J.P. Relatório do Serviço de Saúde Pública do Distrito Federal, 1939 MORTALIDADE POR PESTE BUBÔNICA NO RIO DE JANEIRO por 100 mil habitantes M O RT A LID A D E ANO Peste bubônica A peste bubônica é uma doença infecciosa de roedores selvagens, causada pela bactéria Yersinia pestis. Transmitida ao homem pela picada da pulga do roedor, ou por gotículas de saliva de pessoas contaminadas que tenham contraído a forma pneumônica da doença, apresenta como sintoma o aumento dos gânglios linfáticos, provocando ínguas ou bubões, de onde vem o adjetivo “bubônica”. Atualmente, o tratamento é feito com antibióticos específicos. O suspeito sr. Amaral – O caso mais famoso desses novos criadores de rato é o do sr. Amaral, que pôs seus empregados nas ruas, avisando que compravam ratos da população. Em pouco tempo tinha direito a receber quase dez mil contos de réis, o que não era pouco! O fato levantou suspeitas das autoridades, e o sr. Amaral foi preso. Em seu depoimento, porém, deixou claro que comprava apenas os legítimos ratos da terra, nenhum deles “importado” de outros lugares. Está vendo, seu Amaral, como são as coisas?! Ontem eu, hoje você! É a sorte! O MÉDICO DO BRASIL 25 FATO CURIOSO Por incrível que pareça, comprar ratos para combater doenças ainda é um recurso usado pelas autoridades em campanhas sanitárias. Em novembro de 2001, a imprensa noticiou um programa da prefeitura de Nova Iguaçu, na baixada Fluminense, que pagava cinco reais por quilo de ratos. O objetivo era diminuir a superpopulação de roedores e dar fim à leptospirose na cidade. JOÃO DO RIO E OS “RATOEIROS” O JORNALISTA JOÃO DO RIO (PSEUDÔNIMO DE PAULO BARRETO), QUE DESCREVEU A CIDADE DO RIO DE JANEIRO EM DELICIOSAS CRÔNICAS, REGISTROU NA GAZETA DE NOTÍCIAS “AS PEQUENAS PROFISSÕES” QUE EXISTIAM NA CIDADE, COMO A DOS TRAPACEIROS (CATADORES DE TRAPOS), SELISTAS, APANHADORES DE GATOS ETC. É ASSIM QUE ELE DESCREVE OS “RATOEIROS”: [...] A mais nova, porém, dessas profissões, que saltam dos ralos, dos buracos, do cisco da grande ci- dade, é a dos ratoeiros, o agente de ratos, o entreposto entre as ratoeiras das estalagens e a Diretoria de Saú- de. Ratoeiro não é um cavador — é um negociante. Passeia pela Gamboa, pelas estalagens da Cidade Nova, pelos cortiços e bibocas da parte velha da ur- bes, vai até o subúrbio, tocando uma cornetinha com a lata na mão. Quando está muito cansado, senta-se na calçada e espera tranqüilamente a freguesia, so- prando de espaço no cornetim. Não espera muito. Das rótulas há quem os chame; à porta das estalagens afluem mulheres e crianças. — Ó ratoeiro, aqui tem dez ratos! — Quanto quer? — Meia pataca. — Até logo! — Mas, ó diabo, olhe que você recebe mais do que isso por um só lá na higiene. — E o meu trabalho? — Uma figa! Eu cá não vou na história de micró- bio no pêlo do rato. — Nem eu. Dou dez tostões por tudo. Serve? — Hein? — Serve? — Rua! — Mais fica! E quando o ratoeiro volta, traz seu dia fartamente ganho... A PESTE BUBÔNICA HOJE As doenças provocadas pelos ratos ainda causam muitos problemas para a população e a saúde pública. A peste continua presente no Brasil, nos Andes e nos Estados Unidos, além de diversos países africanos e alguns asiáticos. Segundo a Fundação Nacional de Saúde (Funasa), há focos naturais de peste bubônica em áreas dos estados de Pernambuco, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Alagoas, Bahia, Minas Gerais e Rio de Janeiro. O controle desses focos é fundamental para manter a população a salvo de novas epidemias. Entre 1980 e 1993, foram notificados 736 casos de peste humana no país. O maior número de casos (151) foi registrado em 1982, e o menor (dez) em 1991. A peste, quando não é tratada, chega a matar 50% dos infectados. OSWALDO CRUZ 26 Se você gosta de soltar a voz e cantar, como a maioria dos brasileiros, ou se pretende cultivar um belo timbre vocal para falar em público, fazer um discurso ou dar aulas, preste atenção nestes conselhos, da fonoaudióloga Ana Paula D. Pellosini, para preservar e embelezar sua voz: � Só cante quando estiver com a saúde em dia. � Tome muita água e evite ambientes com ar- condicionado ligado ou com fumaça. � Na apresentação, use roupas confortáveis. � Jamais consuma bebidas alcoólicas antes de cantar: apenas água em temperatura ambiente e chás leves. O saneamento promovido por Oswaldo Cruz foi tema de muitas músicas que animavam os salões de baile da época. Uma das mais conhecidas é “Rato, rato”, cujo título foi inspirado nos gritos dos compradores de ratos nas ruas. Lançada no Carnaval de 1904, a letra demonstra a ojeriza do povo pelo animal, e ainda traz uma triste marca da época: o preconceito contra os judeus. Vale apenas pelo registro histórico da manifestação popular. RATO, RATO Casimiro G. Rocha e Claudino M. da Costa � Evite leite e seus derivados. Restos de gordura costumam se depositar nas cordas vocais, influindo no som da sua voz. � Abuse de alimentos como maçã e gengibre, ótimos adstringentes para as cordas vocais. � Durma bem e tenha uma alimentação balanceada. � Acostume-se a preservar seu aparelho vocal: não grite, fale em tom de voz baixo, tenha cuidado até na forma de tossir. � Não fume e só tome remédios indicados por um médico. Dicas para cantar bem A A6 A Rato, rato, rato, A#º E7/B E7 Por que motivo tu roeste meu baú? E7(9) E7 E7(9) Rato, rato, rato, A Audacioso e malfazejo gabiru. A6 A F#7 Rato, rato, rato, Bm D7/F# Eu hei de ver ainda o teu dia final Fº A/E F#7 B7 A ratoeira te persiga e consiga E7 A... Satisfazer meu ideal. ...A Quem te inventou? A#º E7/B E7 Foi o diabo, não foi outro, podes crer. E7(9) Quem te gerou? A Foi uma sogra pouco antes de morrer. F#7 Quem te criou? Bm Foi a vingança, penso eu. D/F# Fº A/E F#7 B7 Rato, rato, rato, rato, E7 A A7 Emissário do judeu D Quando a ratoeira te pegar, D#º Monstro covarde, não me venhas E7 A gritar, por favor. A7 Rato velho, descarado roedor D Rato velho, como tu faz horror! Nada valerá o teu cui-cui. D#º E7 Tu morrerás e não terás quem chore por ti. G#º D/A Vou provar-te que sou mau B7 E7 Meu tostão é garantido, A7 D Não te solto nem a pau. O MÉDICO DO BRASIL 27 A convivência entre homens e roedores é antiga. Onde existe gente, existem ratos para buscar restos de comida. Extremamente adaptáveis aos ambientes mais diversos, se proliferam mesmo sob condições desfavoráveis. Provocam grandes perdas de alimentos, pois além de comê-los, deixam urina, fezes, pêlos e pulgas em grãos, rações e farelos. A peste bubônica é apenas uma das doenças trazidas pelos ratos. Estima-se que os roedores sejam responsáveispela perda de um quinto da produção mundial de alimentos. O uso de microrganismos como armas biológicas é registrado desde os primórdios da humanidade. Gregos, romanos e persas contaminavam o campo inimigo com cadáveres infectados. Na Idade Média, os mortos por peste bubônica eram arremessados por catapultas contra os O COMÉRCIO DE RATOS, NA ÉPOCA UMA HABITUAL CENA DE RUA, TAMBÉM FOI CONTADO POR PEDRO NAVA, EM BAÚ DE OSSOS Logo depois passava gritando ou- tro verdugo. Rato, rato, rato! Corria de dentro das casas o tropel das mu- latas, meninos, patroas e crioulas com suas ratoeiras e todos despejavam o conteúdo das armadilhas dentro de uma espécie de sorveteira enorme que continha um líquido que dava fuma- ça sem ferver. Os bichos mortos iam logo para o fundo e os vivos ficavam nadando, em círculo, até que a potas- sa os descascasse. O homem, em vez de receber, pagava. Duzentos réis a ra- tazana, um tostão por camundongo. Pagava, tampava, punha na cabeça e seguia soltando o pregão que virou música de rato, rato, rato, / camun- dongo, percevejo, carrapato — que fi- camos devendo ao empresário da com- pra que era o dr. Oswaldo Gonçalves Cruz. Infelizmente a providência, em vez de acabar com a bicharia, indus- trializou sua criação. Havia especia- listas que os tinham em viveiros e que só os vendiam adultos e gordos, por- que assim eram mais bem cotados. Duzentão. “Se os teus projetos forem para um ano, semeia o grão. Se forem para dez anos, planta uma árvore. Se forem para cem anos, instrui o povo.” Provérbio chinês Charge publicada em Paris, em 1911 adversários. Eles desconheciam o princípio da transmissão da doença, que não se dá de pessoa para pessoa, mas passa por vetores, como a pulga do rato. OSWALDO CRUZ 28 A viagem de inspeção Durante as campanhas de saneamento e de moderniza- ção do Rio de Janeiro, Oswal- do Cruz ainda planejou uma política nacional de defesa sa- nitária dos portos marítimos e fluviais de todo o país. Para isso, precisava conhecer as condições de cada porto. Em busca da saúde dos portos Durante a expedição aos portos era comum Oswaldo Cruz reclamar dos enjôos que sentia por causa do balanço do navio. Ele chegou a dizer à esposa Miloca, numa carta: “Há dois dias que o terrível enjôo não me tem absolutamente permitido de te escrever. Ainda agora estou-o fazendo na iminência de ser por ele assenhorado”. Em outro trecho, ele conta os maus bocados por que passava: “O navio inteiramente à mercê dos vagalhões fazia as maiores diabruras. Este mar infame tivemo-lo durante perto de oito horas seguidas até Cabo Frio. Para cúmulo de caiporismo enjoei atrozmente, vomitando tudo quanto sem poder mover-me”. Entre setembro de 1905 e fevereiro de 1906, acompa- nhado pelo secretário João Pe- droso, Oswaldo Cruz partici- pou de uma expedição a trin- ta portos, de Norte a Sul do país. Em todos os lugares em que atracava, era recebido com homenagens e jantares. Durante a expedição, co- letou rico material de pesqui- sa, principalmente sangue de enfermos e mosquitos de di- ferentes procedências. Pela primeira vez, Manguinhos recebia elementos para ma- pear a saúde nos sertões bra- sileiros. Alguns anos mais tarde, Oswaldo e outros cien- tistas do instituto fariam mais viagens para completar a tarefa. NOTA PUBLICADA EM 30 DE SETEMBRO DE 1905, NO JORNAL A TRIBUNA, DO RIO DE JANEIRO, SOBRE A CHEGADA DE OSWALDO CRUZ AO PORTO DE SANTOS “O jovem e dedicado funcio- nário acaba de dar um exemplo proveitoso: pela primeira vez, desde que o Brasil possui um ser- viço regular de higiene, o diretor da repartição competente em- preende uma viagem aos portos da República, para verificar de visu as necessidades sanitárias dos estados. Ninguém, certa- mente, deixará de aplaudir um funcionário que assim rompe com os hábitos burocráticos, e procura desempenhar conscien- ciosamente o importante cargo que lhe foi confiado, em vez de satisfazer-se com apresentar bri- lhantes e palavrosos relatórios.” O MÉDICO DO BRASIL 29 A náusea marítima é um mal que acomete quatro em cada cinco pessoas. Os navios modernos contam com médicos e medicação apropriada para aliviar essa sensação desagradável, capaz de tirar o prazer da viagem. Os sintomas mais comuns são palidez, suor frio, dores de cabeça, tontura, náusea e vômito. A palavra “náusea” é derivada do grego naus, “navios”. Quem for desbravar os mares pode se prevenir observando algumas dicas: � Evite ingerir alimentos gordurosos e bebidas alcoólicas dois a três dias antes de viajar. � Durma bem, relaxe, e não vá a festas na noite anterior. � Raiz de gengibre pode prevenir enjôo e seus efeitos colaterais. � Para maior segurança, antes de viajar consulte um médico, que lhe indicará o melhor princípio ativo para seu caso. Se o enjôo vier: � Sente-se num assento firme, num lugar bem arejado e olhe para um ponto fixo no horizonte. � Tome água ou bebida que contenha um pouco de açúcar, mas sem gás, como isotônicos e sucos, para não se desidratar. � Evite ficar na cabine. CHARADINHAS 1. Em uma casa moram duas mães e duas filhas e cada uma delas está acompanhada de duas pessoas. Quantas pessoas há na casa? 2. O que tem orelhas mas não escuta nada do que você diz? 3. O que é que quando se mata, todos ficam contentes? 4. Qual a cidade mais explosiva do mundo? 5. Qual a palavra com cinco letras que, tirando duas, fica uma? 6. O que é menor do que a boca de uma formiga? 7. O que tem debaixo do tapete do hospício? 8. O que o livro de matemática disse para o livro de português? 9. O que é ave mas não voa, tem lã mas não é carneiro? 10. Quando foi que 1/4 da população da Terra foi morto de uma vez? 11. Uma mulher que dirigia e lia um livro ao mesmo tempo bateu o carro e morreu. Qual era o seu nome? ! Galinhas, cavalos, cachorros e gatos também podem sentir enjôo com o movimento dos barcos. O francês Jacques Cousteau, grande explorador do universo submarino, por não saber qual a melhor solução para o enjôo, recomendava que, se o problema for grave, é melhor ficar em terra firme mesmo. Respostas na p.60 Diz-se que a jararaca gosta de leite materno. Por isso, quando uma mulher tem criança pequena, deve, antes de dormir, olhar debaixo da cama e dos travesseiros, para verificar se a cobra não está lá. Embora ela não faça mal à criança, pode roubar-lhe o leite, mamando na mãe. OSWALDO CRUZ 30 Abaixo a vacina obrigatória Entre uma epidemia e uma lei Em 1904, mais uma epide- mia de varíola assolou o Rio de Janeiro. As campanhas contra a febre amarela e a peste bubônica empreendidas por Oswaldo Cruz estavam em pleno curso. Mata-mos- quitos e brigadas de desrati- zação cruzavam a cidade. Era necessário que o combate à varíola se fizesse ao mesmo tempo, para que o saneamen- to da cidade se completasse. Uma lei de 1837 já insti- tuíra a obrigatoriedade da va- cina antivariólica, mas nun- ca fora cumprida. Oswaldo Cruz mandou ao Congresso um projeto de lei que refor- çava a obrigatoriedade com mais rigidez. O projeto provocou um de- bate fervoroso sobre o assun- to. Enquanto isso, o cientista enfrentava 1706 casos de in- ternações por varíola no Hos- pital de Isolamento de São Sebastião. Tomou medidas profiláticas, isolando os in- fectados, fazendo desinfec- ções e vacinando aqueles que, voluntariamente, aceitavam a imunização. Os voluntários diminuíam à medida que o debate toma- va conta da imprensa. As 23 mil aplicações em julho bai- xaram para 6 mil em agosto. Prós e contras Os defensores da vacina obrigatória e do Código Sani- tário, batizado pelo povo de “Código de torturas”, argu- mentavam que a vacinação havia sido implantada anterior- mente em países como Alema- nha (1875), Itália (1888) e França (1902), com sucesso. Já os opositores argumen- tavam que os métodos de aplicação da vacina eram truculentos e seus aplicadores demonstravam brutalidade no trato das pessoas. Além disso, não confiavam na qualidade da vacina. A maioria não era exatamente contra a vacina- ção, mas contraa sua obriga- toriedade. Defendia que cada um optasse por tomar ou não a vacina. O decreto impunha que as brigadas sanitárias entrassem nas casas e vacinassem as pes- soas à força. A reação da po- pulação foi imediata. Os pais de família não admitiam que suas esposas e filhas mostras- sem as coxas ou os braços aos funcionários da saúde. Além disso, temiam-se os eventuais efeitos negativos do líquido injetado. Fato complicador Em julho de 1904, em meio a essa discussão, uma mulher morreu pouco depois de ter sido vacinada contra a varío- la. O médico-legista, adepto da resistência à vacina, rela- tou infecção generalizada de- corrente da imunização como causa mortis. O fato teve am- pla repercussão nos jornais. A opinião pública voltou-se con- tra o governo e sua política sa- nitária. Em 5 de novembro, re- presentantes dos diferentes segmentos sociais instituíram a Liga Contra a Vacina Obri- gatória. Charge ironizando a obrigato riedade da vacina O MÉDICO DO BRASIL 31 Varíola O que é Hoje extinta em todo o mundo, a varíola é uma doença infectocontagiosa causada pelo vírus Orthopoxvírus variolae. Exclusiva dos seres humanos, foi uma das enfermidades mais antigas e devastadoras da história. Acredita-se que tenha surgido há mais de 3 mil anos, provavelmente na Índia ou no Egito. Transmissão Ocorria de uma pessoa para outra, pelas vias respiratórias. O vírus ficava incubado no organismo de sete a dezessete dias. Sintomas Ao se alojar nas fossas nasais e na garganta, os vírus causavam febre alta, mal-estar, dor de cabeça, dor nas costas e abatimento. Após alguns dias, a doença ficava mais violenta: a febre abaixava e erupções vermelhas surgiam na boca, garganta e no rosto, espalhando-se depois por todo o corpo. Antes de a vacina ser descoberta, o máximo que se fazia era torcer para que o corpo conseguisse reagir ao vírus e vencer a moléstia. Os que sobreviviam ficavam com cicatrizes no rosto e corpo. A VACINA OBRIGATÓRIA Autor desconhecido Anda o povo acelerado Com horror à palmatória Por causa dessa lambança Da vacina obrigatória Os panatas da sabença Estão teimando dessa vez Querem meter o ferro a pulso Bem no braço do freguês. E os doutores da higiene Vão deitando logo a mão Sem saberem se o sujeito Quer levar o ferro ou não Seja moço ou seja velho Ou mulatinha que tem visgo Homem sério, tudo, tudo, Leva ferro que é servido. Bem no braço do Zé do Povo Chega o tipo e logo vai Enfiando aquele troço A lanceta e tudo mais Mas a lei manda que o povo E o coitado do freguês Vá gemendo na vacina Ou então vá pro xadrez. [...] Eu não vou nesse arrastão Sem fazer o meu barulho Os doutores da ciência Terão mesmo que ir no embrulho Não embarco na canoa Que a vacina me persegue Vão meter ferro no boi Ou no diabo que os carregue. Fonte: Memória da Pharmácia, disco Emi/Odeon, Roche. Crendices acerca da vacina antivariólica Acreditava-se que o sangue dos ratos comprados para o combate à peste bubônica serviria de matéria-prima para a vacina. Como a vacina era fabricada com líquidos extraídos de vacas doentes — pústulas da varíola do gado —, quem a tomasse correria o risco de ficar com cara de vaca. Em vez de imunizar as pessoas, a vacina provocaria a varíola. Os médicos não sabiam nada a respeito da doença. A medicina não devia interferir na doença, deixando-a seguir seu curso normal. OSWALDO CRUZ 32 O povo se agita A publicação do plano que regulamentou a aplicação da vacina obrigatória, denomi- nada pelo Congresso de “Hu- mana Lei”, em 9 de novem- bro de 1904, foi o pretexto que faltava para uma grande revolta popular. A Revolta da Vacina A descoberta da vacina No dia 14 de maio de 1796 o médico inglês Edward Jenner inoculou, num menino de oito anos, uma pequena quantidade de sangue de uma camponesa que fora infectada anteriormente pela varíola bovina. O menino adquiriu imunidade contra a varíola humana. Jenner já observara que os camponeses que se infectavam primeiro pela varíola bovina, mais branda, nunca desenvolviam a forma humana da doença. Estava descoberta a vacina, que mudou a história da imunologia no mundo. E HOJE, A VARÍOLA EXISTE NO BRASIL? E NO RESTO DO MUNDO? Em 1973, o Brasil recebeu a certificação internacional de erradicação da varíola. A vacinação foi suspensa no país em janeiro de 1980, ano em que a Organização Mundial de Saúde declarou a doença erradicada em todo o planeta. Isso significa que poucas pessoas nascidas após essa data são imunes à moléstia. Há, no entanto, amostras do vírus em laboratórios nos Estados Unidos e na Rússia. Especialistas acreditam que elas também existam no Iraque e na Coréia do Norte. Teme-se que esses vírus, contagiosos e fatais, venham a ser utilizados como armas biológicas. Depois dos ataques terroristas de 11 de setembro de 2001, a ameaça cresceu e os laboratórios americanos voltaram a produzir a vacina. perdido o controle da manifes- tação popular, decidiram não aparecer. Gestos solitários, discursos espontâneos e gritos de revolta surgiram da multi- dão descontrolada. O tumulto tomou o Rio de Janeiro, e o governo ordenou a interven- ção policial. A reação popular A reação à chegada da polí- cia veio na forma de pedradas e confrontos generalizados. Carroças e bondes foram tombados e incendiados, lo- jas foram saqueadas, postes de iluminação destruídos. Bonde virado na praça da República, no Rio de Janeiro, durante a Revolta da Vacina, em novembro de 1904 IC O N O G R A P H IA Pelotões policiais dis- paravam contra a mul- tidão; eram muitos os mortos e feridos. Du- rante uma semana, o centro da cidade vi- rou uma praça de guerra. Os manifestantes enfrentavam a polícia armados com o que viam pela frente — em geral, o próprio material usado na re- forma das avenidas: No dia seguinte, o povo tomou as ruas; as multidões se agitavam na rua do Ouvidor, no largo São Francisco e na praça Tiradentes. Os integrantes da Liga Contra a Vacina Obri- gatória, que tanto in- suflaram a multidão a se rebelar, marcaram um comício para a manhã seguinte. Ao perceber que haviam O MÉDICO DO BRASIL 33 pedras, vigas, ferros e ferra- mentas. Entre gritos de pâni- co e dor, a massa entoava pa- lavras de ordem contra o go- verno, a vacina obrigatória e a polícia. Um outro movimento acontece O motim popular criara as condições ideais para um mo- vimento de outra natureza — um levante militar —, com o objetivo de depor o presiden- te Rodrigues Alves. Partindo da Escola Militar da Praia Ver- melha, sob a liderança do ge- neral Travassos, comandantes de alta patente aliaram-se aos revoltosos e armaram um gol- pe de Estado. O encontro com as forças federais, enviadas às pressas pelo governo, aconteceu na rua da Passagem, onde o ge- neral Travassos foi atingido Introduzido na América do Norte pelos europeus, o vírus da varíola teve efeitos trágicos. Matou 90% dos astecas e vários nativos do nordeste do continente. Também foi usado como arma biológica no século XVIII, durante a conquista das novas terras americanas, disputadas entre franceses e ingleses. Ao saber que os índios tinham se unido aos franceses, os ingleses distribuíram lençóis que haviam sido usados por doentes de varíola, provocando uma violenta epidemia naquelas tribos, o que minou o apoio indígena aos franceses. e morto. Em pouco tempo os alunos da Escola Militar es- tariam rendidos. Atracado na ponte do Catete, um barco aguardava o presidente, que devia embarcar num navio de guerra. Rodrigues Alves recusou-se a fugir, alegando que não sairia da capital, nem deixaria o comando do país. A revolta popular continua- va intensa pelas ruas. Bancos, comércio e repartições públi- cas fecharam suas portas. A polícia não conseguiu assu- mir o controle da situação. O povo pedia a demissão do di- retor geral de Saúde Pública. O presidente não cedeu: con- fiava no trabalho de Oswal- do Cruz e sabia que a vacina obrigatória era um pretexto para o povo expressar seu descontentamento com o go- verno e a situação social da cidade. O Rio em estado de sítio Em 17 de novembro foi
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