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Antropologia cultural Aula 3: O social e o cultural Apresentação Nesta aula, veremos a distinção das categorias social e cultural. Para isso, estudaremos os conceitos de tradição, cultura e sociedade. Objetivos Identificar as diferenças entre as categorias social e cultural, de acordo com o pensamento de Roberto DaMatta. Reconhecer como essa diferenciação contribui para a reflexão e compreensão da realidade social humana, em uma perspectiva antropológica. Social versus cultural De acordo com Roberto DaMatta (2010), para que seja feita uma reflexão sobre a realidade social humana de forma mais fecunda, é necessária a distinção das categorias social e cultural. Embora sejam categorias de análise, e que podem ser vistas de forma complementar, as categorias social e cultural precisam ser aplicadas separadamente ao objeto de estudo. Assim, o primeiro passo consiste em descartar a visão eclética segundo a qual os dois fenômenos são a mesma coisa (a realidade humana), e que suas diferenças existem apenas em função da posição do investigador. A diferenciação entre o social e o cultural é fato na prática antropológica, seja ela erudita ou ingênua. DaMatta ainda nos traz um primeiro postulado: entre as formigas (e outros animais sociais) existe sociedade, mas não existe cultura. Não há cultura, porque não existe uma tradição viva, conscientemente elaborada, que passe de geração para geração, que permita individualizar ou tornar singular e única uma dada comunidade relativamente às outras. (Fonte: Myriam Zilles / Pixabay) Tradição "Sem uma tradição, uma coletividade pode viver ordenadamente, mas não tem consciência de seu estilo de vida. (...) E a consciência é um “armazém” de paradigmas e regras de ação, todas colocadas ali pelo meu grupo e minha biogra�a nesse grupo." DaMatta, 2010. Mas o que seria essa tradição? De acordo com o autor, uma tradição viva seria o conjunto de escolhas que necessariamente excluem formas de realizar tarefas e de classificar o mundo. Dessa forma, ter tradição significaria vivenciar as regras de forma consciente (e responsável), colocando-as dentro de uma forma qualquer de temporalidade. No caso das tradições culturais autênticas, o processo é dialético e existe uma interação complexa, recíproca, entre regras e o grupo que as realiza na sua prática social: as regras vivem o grupo, e o grupo vive as regras. Esse duplo vivenciar e conceber permite a singularização, valorização e preenchimento do tempo, tornando-o visível, significativo e, muitas vezes, precioso. Cultura Ainda de acordo com DaMatta, a tradição torna as regras passíveis de serem vivenciadas, abrigadas e possuídas pelo grupo que as inventou e adotou. De tal modo que, numa sociedade humana, seus membros acabam por perceber sua tradição como algo inventado especialmente para eles, uma coisa que lhes pertence. javascript:void(0); As sociedades de formigas e abelhas nada deixam que as individualize. Quando desaparecem, sobra apenas a ação violenta sobre o ambiente natural. E é impossível reconstruir o comportamento de seus indivíduos e de seus grupos a partir dessas sobras. Sociedades sem tradição são sistemas coletivos sem cultura. Estão submetidos às leis e às normas universais, impermeáveis à passagem do tempo das gerações. Podemos dizer que sociedades sem cultura apenas acontecem com “animais sociais”. (Fonte: Mantelinio / Shutterstock). Sociedade e cultura No caso do homem, cada sociedade corresponde a uma tradição que se assenta no tempo e se projeta no espaço. Podemos estabelecer a distinção entre sociedade e cultura como dois segmentos importantes na realidade humana: sociedade, indicando conjuntos de ações padronizadas e cultura, expressando valores e ideologias que fazem parte da outra ponta da realidade social. Pode haver cultura sem sociedade, mas nunca uma sociedade sem cultura. Uma se reflete na outra, uma é o espelho da outra, mas nunca uma pode reproduzir integralmente a outra. Cultura A cultura trabalha sempre com formas puras, perfeitas, que se ajustam ou não à sua reprodução concreta no mundo da sociedade, o mundo expressivo das realizações e realidades concretas, sendo que cada grupo humano situa o real e o ideal em seus esquemas conceituais. Sociedade A perspectiva da realidade humana a partir da noção de sociedade remete inevitavelmente a uma orientação sincrônica, integrada, sistêmica e concreta de pessoas, grupos, papéis e ações sociais que são muitas vezes vistos como um organismo ou uma máquina. DaMatta (2000) afirma que o conceito de sociedade foi o último a surgir no campo das Ciências Sociais e da Antropologia, pois é fácil ter-se uma perspectiva do universo humano como constituído de categorias e grupos necessariamente relacionados, todos tendo relação com todos num jogo complexo que constitui dinâmica da vida coletiva. O conceito de sociedade (e de social) parece prestar-se mais a uma percepção mecânica do mundo humano, pois esse conceito envolve, claramente, problemas de inter-relação entre grupos, segmentos pessoas, papéis sociais, etc. Afinal, é virtualmente impossível estudar uma sociedade concreta em pleno funcionamento, sem buscar interligar seus domínios e segmentos. (Fonte: tomertu / Shutterstock) Na discussão da realidade humana, o conceito de sociedade deve ser sempre complementado pela sua outra face: a noção de cultura. O “conteúdo” dos papéis sociais, que variam enormemente de grupo para grupo e de sociedade para sociedade, é dado pelas ideologias e pelos valores contidos nas relações sociais observáveis de um dado grupo. São essas ideologias e esses valores que irão nos ajudar a compor aquilo que é coberto pela noção de cultura. (Fonte: Rawpixel.com / Shutterstock). Não existe coletividade humana que não se utilize substantivamente de uma noção de sociedade ou de cultura para exprimir partes de sua realidade social. Pela perspectiva adotada – a distinção entre a realidade social e a realidade cultural –, pode-se dizer que: 1 O arqueólogo tem a cultura e, por meio do seu estudo detalhado, espera chegar à sociedade. 2 O antropólogo social tem o sistema social (ou a sociedade) e, observando-o e entendendo as motivações que o sustentam, por meio de entrevistas e conversas, espera-se chegar aos seus valores e ideologias. Atividade 1. Para Roberto Da Matta, é necessário distinguir o conceito de cultura do conceito de sociedade. Para tanto, o primeiro passo consiste em descartar a visão eclética segundo a qual os dois fenômenos são a mesma coisa. Nesse sentido, é correto afirmar que: a) em todo tipo de sociedade sempre haverá algum tipo de cultura. b) a cultura pode existir sem sociedade, embora não possa existir uma sociedade sem cultura. c) a sociedade humana pode existir sem cultura, mas não pode existir uma cultura sem sociedade. d) a cultura indica um conjunto de ações padronizadas; enquanto a sociedade expressa valores e ideologias. Referências DAMATTA, Roberto. Que faz o Brasil, Brasil? Rio de Janeiro: Rocco, 1984. DAMATTA, Roberto. Relativizando: uma introdução à antropologia social. 5. ed. Rio de Janeiro: Rocco, 2010. LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. 18. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2005. SANTOS, José Luiz dos. Que é cultura. 14. ed. São Paulo: Brasiliense, 2005. Próxima aula Características, período de surgimento e paradigmas das principais escolas do pensamento antropológico social; Apresentação, através de uma olhar linear, do avanço histórico dos métodos e pressupostos epistemológicos da Antropologia Social; Apresentação dos principais pensadores e suas obras, em cada uma das escolas do pensamento antropológico social. Explore mais Pesquise na internet, sites, vídeos e artigos relacionados ao conteúdo visto. Em caso de dúvidas, converse com seu professor online por meio dos recursos disponíveis no ambiente de aprendizagem.
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