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AULA 1 ÉTICA, DIREITOS HUMANOS E DIREITOS DA CIDADANIA Profª Juliana Bertholdi 2 TEMA 1 – BREVE INTRODUÇÃO AO TEMA A presente aula tem por escopo investigar a interação entre a ética, os direitos humanos e os direitos da cidadania, relacionando como tais matérias podem auxiliar na gestão pública e na construção de políticas públicas assertivas e funcionais. Conforme assente mais adiante, é preciso pensar não só políticas públicas que garantam o acesso de todos aos direitos assegurados pela Constituição Federal, como também uma cidadania eticamente comprometida com a realidade e a transformação social. Uma Política de Direitos Humanos, com base na ética e na participação cidadã, que garanta aos indivíduos a condição de ser, no plano econômico, um cidadão sadio, no plano político, um cidadão participante, no plano intelectual, um cidadão consciente das relações de poder, e, no plano da ética, um cidadão comprometido com a realidade social. TEMA 2 – O QUE É ÉTICA? 2.1 Conceito Desde sua origem, o ser humano, ser social que é, aderiu à convivência em comunidade para preservar sua vida e minimizar as agruras com a manutenção de sua sobrevivência: primitivamente, a vida coletiva significava a permanência da espécie. Como consequência da vida do ser humano em comunidade, a aquisição e a construção de valores acerca do bem e do mal, do justo e do injusto, do certo, do incerto e do errado, por força da habitualidade, tornaram-se costumes, regras aceitas, obedecidas por toda a comunidade e transmitidas por meio das gerações, constituindo o domínio da ética e da moral (Felizardo, 2012, p. 3). Nesse sentido, Cortella (2009, p. 102) ensina que a ética é o que marca a fronteira da nossa convivência – em suas palavras, “é aquela perspectiva para olharmos os nossos princípios e os nossos valores para existirmos juntos [...], é o conjunto de seus princípios e valores que orientam a minha conduta”. No que concerne a um assunto clássico dos filósofos e pensadores, Chauí (1998, p. 25) afirma que a filosofia existe há 25 séculos, e que, nesse período, a ética como um dos seus principais ramos esteve sempre presente e continua viva. 3 A ética é compreendida atualmente como parte da filosofia, cuja teoria estuda o comportamento moral e relaciona a moral como uma prática, entendida por Cortella (2009, p. 103) como o “exercício das condutas”. Além disso, é entendida como um tipo ou qualidade de conduta que é esperada das pessoas como resultado do uso de regras morais no comportamento social. Academicamente, a ética é uma disciplina filosófica que estuda três famílias de problemas, dividindo-se por isso em três áreas, conforme ensinamentos de Murcho (2009): A metaética estuda problemas relacionados com a natureza da própria ética, como a questão de se saber se os valores éticos são relativos ou não – tema que abordaremos em seguida. A ética normativa estuda o problema de se saber o que é o bem último, isto é, o bem que não é meramente instrumental para outros bens, e o problema de se saber o que faz uma ação ser boa – o deontologismo, o consequencialismo, a ética das virtudes e o contratualismo são as quatro grandes famílias de teorias éticas normativas. Finalmente, a ética aplicada ou prática estuda problemas como a permissibilidade do aborto, a relevância moral dos animais inumanos, a obrigatoriedade de ajudar as populações mais pobres ou a moralidade da guerra. Em suma, a ética discute os valores que se traduzem em existências humanas mais felizes, mais realizadas, com mais bem-estar e qualidade de vida. Além disso, busca os valores que signifiquem dignidade, liberdade, autonomia e cidadania. Conforme pontua Cortina (2003, p. 18), inobstante a palavra ética ter passado a fazer parte do vocabulário cotidiano, demonstrando a vigência de uma preocupação urgente e universal: “ninguém chega realmente a acreditar que ela seja importante, e mesmo essencial para viver”. Há de se questionar, portanto, por que a ética se tornou tema ao mesmo tempo recorrente e banalizado, superficial. À medida que entendemos a importância da ética para a sobrevivência humana com qualidade e integridade, compreendemos também a complexidade envolvida em suas relações com outros campos do saber e da prática, incluindo os Direitos Humanos e os Direitos à Cidadania, fundamentais à vida humana em sociedade. 4 TEMA 3 – FUNDAMENTOS DA ÉTICA O vocábulo ética tem sua origem no grego ethos, vernáculo que se refere ao modo de ser do indivíduo ou ao caráter do ser humano. Na Grécia antiga (século IV a.C.), os filósofos foram os primeiros a pensar o conceito de ética, associando a tal palavra a ideia de moral e cidadania. Precisavam de honestidade, fidelidade e harmonia entre cidadãos, uma vez que as cidades-estado estavam em desenvolvimento. Nesse sentido, Sócrates, Platão e Aristóteles são os pensadores gregos mais estudados e citados no campo da ética. Pregavam virtude, firmeza moral e outras atitudes pautadas nos conceitos advindos de ethos. Com o passar dos séculos, diferentes escolas de pensamentos e filósofos construíram e aperfeiçoaram os conceitos, e é fulcral que se faça uma breve incursão histórica. 3.1 Grécia Antiga 3.1.1 Sócrates Nascido em Atenas provavelmente no ano 740 a.C., Sócrates veio a se tornar um dos principais pensadores da Grécia Antiga. Afeiçoado à música e à literatura, dedicou-se à meditação e ao ensino filosófico, debatendo e dialogando longamente com as pessoas de sua região. Assim, não fundou propriamente uma escola de pensamento, mas, realizou trabalhos em locais públicos, principalmente em praças e ginásios. Costumava agir de forma descontraída e descompromissada nesses espaços, fascinando a todos. A ética socrática tem por base o conhecimento e conjeturar a felicidade como o fim de toda ação. O objetivo dessa ética é preparar o homem para o autoconhecimento, a base do agir ético. A filosofia socrática prima pela submissão, pela ética do coletivo sobre a ética individual. Nesse sentido, a obediência à lei era o limite entre a civilização e a barbárie: onde existem as ideias de ordem e coesão, podem-se dizer garantidas a existência e a manutenção do corpo social. Trata-se, assim, da ética do respeito às leis por bondade, conhecimento e felicidade. Sobre o pensamento do filósofo, Vázquez (1997, p. 231) esclarece: “Resumindo, para Sócrates, bondade, conhecimento e felicidade se entrelaçam 5 estreitamente. O homem age retamente quando conhece o bem e, conhecendo- o, não pode deixar de praticá-lo; por outro lado, aspirando ao bem, sente-se dono de si mesmo e, por conseguinte, é feliz”. Para Sócrates, “virtude é sabedoria (sofia) e conhecimento. Já o vício é o resultado da ignorância. Assim, o saber fundamental é o saber a respeito do homem. Sobre essa ideia, o pensador teria dito suas frases mais conhecidas como ‘conhece-te a ti mesmo’ e ‘sei que nada sei’” (Egg, 2012, p. 6). Desse modo, “o homem enquanto integrado ao modo político de vida deve zelar pelo respeito absoluto às leis comuns a todos, mesmo em detrimento da própria vida” (Bittar, 2017, p. 6). Assim, “o ato de descumprimento da sentença imposta pela cidade representava para Sócrates a derrogação de um princípio básico do governo das leis, qual seja, a eficácia”. Segundo Sócrates, com a eficácia das leis comprometida, a desordem social reinaria (Bittar, 2017, p. 6). Devido à sua liberdade de expressão e às fortes críticas que fazia à política da Grécia, foi acusado de corromper os jovens da época e condenado a beber cicuta. Morreu no ano 399 a.C. 3.1.2 Platão Platão viveu entre os anos 428 a.C. e 347 a.C. e foi um destacado filósofo grego, considerado um dos principais pensadores de sua época. Discípulo de Sócrates, procurava transmitir uma profunda fé na razão e na verdade,adotando o lema “o sábio é o virtuoso” do referido filósofo. Escreveu diversos diálogos filosóficos, entre eles “A República”, obra dividida em dez volumes. Ele propõe uma ética transcendente: o fundamento de sua proposta ética não é a realidade empírica do mundo, nem mesmo as condutas humanas ou as relações humanas, mas, sim, o mundo inteligível. O filósofo centra suas indagações na ideia perfeita, boa e justa que organiza a sociedade e dirige a conduta humana. As ideias formam a realidade platônica e são os modelos segundo os quais os homens têm seus valores, leis, moral. Conforme o conhecimento das ideias, das essências, o homem obtém os princípios éticos que governam o mundo social. O uso reto da razão é entendido como o meio de alcançar os valores verdadeiros que devem ser seguidos pelos homens. No mito da caverna, o filósofo expõe a condição de ignorância na qual se encontra o homem ao lidar com o conhecimento das aparências. 6 Somente pelo conhecimento racional o homem pode elevar-se até as ideias, até o ser e conhecer a verdade das coisas. Isso se dá por meio do método dialético, o qual elimina as aparências e encontra as essências, a verdade no conhecimento das coisas. Esse método filosófico tem por finalidade libertar os homens da ignorância e levá-los ao conhecimento de ideia em ideia, até alcançar o conhecimento da ideia suprema: o bem. As outras ideias participam desta e devem sua existência a ela (Vaz, 2017). Nesse sentido, a virtude platônica é entendida como a capacidade de realizar a tarefa que lhe é inerente [...]. No caso do governante da cidade e da alma racional, a virtude inerente aos mesmos é a sabedoria; no caso dos guerreiros e da parte irascível da alma, a virtude que lhes é própria é a coragem; por fim, no caso da parte concupiscente da alma e dos produtores de bens da cidade, a virtude própria é temperança. (Vaz, 2017) Portanto, o sentimento de justiça é “a virtude maior cujo valor ético guia as condutas dos homens, o bem em si mesmo”, uma vez que ele realiza o ideal de justiça, com relação tanto ao bem individual quanto ao bem social (Vaz, 2017). Assim, para a ética platônica, é possível definir a justiça como cada parte fazendo o que lhe compete, conforme suas aptidões próprias, estabelecendo- se, portanto, uma analogia entre a sociedade e o indivíduo que levaria à conceituação da ética. A ética platônica, então, está intimamente ligada ao correto modo de agir dos indivíduos e suas objetivações de alcance da felicidade: nos diálogos de “A República”, Platão afirma ser a ética uma organização funcional dentro da alma humana. Assim que harmoniosamente organizadas as almas humanas, a relação do homem com a polis pode ser ética e coesa. 3.1.3 Aristóteles O filósofo Aristóteles nasceu no ano 384 a.C., na cidade de Estágira, na Macedônia, Grécia. Filho de Nicômaco, médico do rei Amintas III, Aristóteles formou-se em Ciências Naturais. Aos 17 anos mudou-se para Atenas, a fim de estudar na “Academia” de Platão. Com sua extraordinária inteligência, logo se tornou o discípulo bem-amado de seu mestre, que observou: “minha Academia se compõe de duas partes: o corpo dos alunos e o cérebro de Aristóteles” (Frazão, 2018). 7 A ética aristotélica, em oposição à ética de seu mestre, é imanente, tendo suas bases na realidade empírica do mundo, no questionamento acerca das condutas humanas e na organização social. As exigências com relação à vida na polis e a realidade do homem formam o conteúdo das ideias, e são ambas as responsáveis pela escolha dos valores, pela moralidade e pelas leis, pela definição das condutas dos homens. Sua teoria ética era realista e empirista, em contrapartida à visão idealista e racionalista de Platão, devendo ser lida dentro de sua teoria política. A ética aristotélica inicia-se com o estabelecimento da noção de felicidade. Nesse sentido, pode ser considerada eudemonista por buscar o que é o bem agir em escala humana, o agir segundo a virtude – diferentemente de Platão, que buscava a essência das ideias de felicidade e da ideia do bem sem relacioná-las diretamente à prática. A felicidade é definida como uma certa atividade da alma que vai de acordo com uma perfeita virtude: a busca do sumo bem. Partindo dessa definição, faz-se necessário um estudo sobre o que é uma virtude perfeita e, assim, também sobre a natureza da virtude moral. A virtude é definida pelo estagirita como hábito ou disposição racional constante, sendo um hábito que torna o homem bom e o capacita para a boa execução de sua função. Essa definição se mostra oposta à de Platão: a virtude é definida como capacidade de realizar uma função determinada, inerente a alguma parte da alma humana ou da cidade ideal (Vaz, 2017). Por sua vez, a virtude moral seria a disposição de agir de forma deliberada, com a ação de acordo com a reta razão. Assim, a virtude moral é adquirida como resultado do hábito, que determina nosso comportamento como bom ou ruim. Para Aristóteles, diferentemente da lógica platônica, nenhuma das virtudes morais surge nos homens por natureza, pois o que é natural não pode ser alterado pelo hábito. Assim, “virtudes e artes são adquiridas pelo exercício, ou seja, a prática das virtudes é um pré-requisito para que se possa adquiri-las. Sem a prática, não há a possibilidade de o homem ser bom, de ser virtuoso” (Vaz, 2017). A virtude intelectual, por sua vez, seria aquela “adquirida através do ensino, e, assim, necessita de experiência e tempo” (Vaz, 2017). É devido ao hábito que tomamos a justa medida com relação a nós. Logo, a mediania é 8 imposta pela razão com relação às emoções e é relativa às circunstâncias nas quais a ação se produz. Nesse sentido, Medeiros (2016) destaca: Trata-se de um homem ‘essencialmente destinado à vida em comum na polis e somente aí se realiza como ser racional. Ele é um zoon politikón por ser exatamente um zoon logikón, sendo a vida ética e a vida política artes de viver segundo a razão’”. (Lima Vaz, 2004, p. 38-39, citado por Pansarelli, 2009, p. 13) E Hélcio Corrêa afirma que na polis grega o cidadão só é reconhecido como tal a partir de sua inserção na comunidade política e a razão prática que norteia a ação do cidadão grego está intimamente ligada ao ethos “[...] entendido este como um conjunto de tradições, costumes e valores próprios da vida na polis” (2011, p. 77) e, no caso de Aristóteles, “[...] as noções de ética e política se completam reciprocamente na teoria da justiça. (2011, p. 77) Desse modo, a ética aristotélica está intimamente ligada à felicidade, pois todos a buscamos, devendo-se atentar à justa medida, que nada mais é que saber agir sem exageros ou extremos. Uma pessoa ética e feliz é aquela que age com prudência e equilíbrio entre suas virtudes e em relação à polis. TEMA 4 – ÉTICA AO LONGO DA HISTÓRIA 4.1 Ética na Antiguidade – a ética romana Como é consabido, o direito brasileiro e, consequentemente, nossa lógica jurídica, dogmática e hermenêutica têm fortes raízes no direito romano, permeado de matrizes éticas muitas vezes olvidadas por estudiosos. Boa parte dos caracteres romanos está intrinsecamente conectada ao pensamento filosófico grego, sobretudo ao estoicismo – cuja ética é fundamentalmente conectada à teoria do uso prático da razão com o fim de estabelecer o acordo entre ela e a natureza. Reportando-se à definição de Celso, filósofo romano, o também pensador Ulpiano define o direito como a arte do bom e do justo. Trata-se da única definição romana de ius. A partir dela, podemos inferir a estreita correlação entre o direito e a ética constantemente afastada nos tempos atuais (Böttcher, 2013, p. 157). Böttcher (2013, p. 157) ensina: A natureza é a ordem racional, perfeita e necessária, que é o destino ou o próprio Deus. E a ação, que se projeta conforme a ordem racional,é o dever. Portanto, a ética estoica é, fundamentalmente, uma ética do dever e a noção do dever torna-se pela primeira vez a ideia fundamental da ética. Porém, o dever não é o bem. O bem começa a existir quando a escolha aconselhada pelo dever é repetida e consolidada, mantendo 9 sempre sua conformidade com a natureza até se tornar no homem uma disposição uniforme e constante, ou seja, uma virtude, a qual é verdadeiramente o único bem. Além dos bens (virtudes), existem outras coisas que são dignas de serem escolhidas. Para indicar o conjunto desses bens e coisas, os estoicos adotaram a palavra valor (axia). Entre os filósofos romanos da Antiguidade, destaca-se Marco Túlio Cícero, que nasceu em 106 a.C. e morreu em 43 a.C. Além de filósofo, foi também orador, escritor, advogado e político romano (Egg, 2012, p. 10). Defendia que a vida era pautada segundo as prescrições da natureza, o que significa, em última análise, servir o interesse geral da coletividade em detrimento de seu próprio, como destaca de trecho da obra de Cícero o autor Comparato (2016, p. 117): Cada qual deve, em todas as matérias, ter um só objetivo: conformar o seu próprio interesse com o interesse geral; pois se cada um chamar tudo a si, dissolve-se a comunidade humana. Se a natureza determina que devemos respeitar um homem pelo só fato de as condições humanas, é inegável que, sempre segundo a natureza, há algo que é de interesse comum a todos os homens; se assim é, somos todos sujeitos a uma só mesma lei natural, que proíbe atentar contra direitos alheios. Bem resume Egg (2012, p. 9): os filósofos romanos dessa época, de um modo geral, convergiam para a mesma preocupação com a conduta humana, com o caráter do indivíduo e com seus costumes. Todos esses aspectos em conjunto recebem o nome de moral. Esses filósofos também acreditavam que o principal objetivo das ações humanas está na própria virtude, pela sua retidão ou honestidade. A moral foi para os romanos um conjunto de deveres que a natureza impôs ao homem, seja pelo respeito a si próprio, seja pela relação com outros homens. 4.2 Ética cristã na Idade Média Por volta do século III a.C., o Império Romano passou por uma enorme crise econômica e política que culminou em corrupção sem precedentes instalada no Senado, agravada pelos gastos exorbitantes com artigos de luxo que escassearam os recursos a serem investidos no exército romano. Assim, “com o enfraquecimento da instituição militar romana, somado à crise política avassaladora, no ano de 395 a.C., o império Teodósio resolveu dividir os limites de seu império” (Egg, 2012, p. 10). Dava-se, com isso, o fim da Antiguidade e o início da Idade Média. Na Idade Média, com a ascensão do catolicismo na Europa Ocidental, a ética passa a se vincular à religião e aos dogmas cristãos, dominando a epistemologia entre os séculos XI e XIX, a despeito de mudanças significativas 10 com o renascimento e, depois, a entrada na modernidade e o iluminismo (Egg, 2012, p. 10). Desta feita, como se passará a desenhar, ganham ênfase as revelações dos livros sagrados traduzidos pelo clero e, a partir deles, passam a ser determinadas as regras de condutas sociais. A figura de Jesus de Nazaré ganha espaço central para a construção dessa nova ética: a do amor ao próximo. A igreja católica e seus dogmas se mantiveram por muitos anos (Egg, 2012, p. 10). 4.2.1 São Tomás de Aquino Tomás de Aquino (1.125-1.274) foi um frade dominicano responsável pela orientação e proteção religiosa da sociedade. Uma de suas maiores façanhas foi aplicar a visão aristotélica na doutrina cristã, sendo sua obra permeada das categorias aristotélicas (as quatro causas, atos e potências, substância e acidente), fato que colaborou para o surgimento da Escolástica. Para o filósofo e teólogo, era a união do corpo com a alma que formava a identidade e a dignidade de uma pessoa, sendo apenas por meio do exercício da razão humana aliado à revelação divina que o homem poderia atingir a perfeição das virtudes. Sua vertente afirma que “Deus era o legislador, e os padres, intérpretes da lei” (Egg, 2012, p. 10). Para o pensamento tomista, a fé e a razão estavam unidas e não poderia haver contradição entre ambas, pois estavam sempre dirigidas rumo a Deus. Esse pensador também afirmou que toda criação é boa, tudo o que existe é quando se está sob a orientação dos mandamentos de Deus. Ele também pontuou que o mal é a ausência de uma perfeição divina (Egg, 2012, p. 10). 4.3 Idade Moderna Durante a transição da Idade Média para a Idade Moderna, a igreja católica começou a cair no descrédito da população devido ao protestantismo e a outros movimentos que eclodiram com a Reforma Religiosa do século XVII, época em que ocorreu a formação e a consolidação dos estados-nação europeus, precedendo a Revolução Francesa e Industrial, quando a separação entre Estado e igreja se tornou definitiva, com a ascendência do antropocentrismo e a aceleração do avanço da ciência (Egg, 2012, p. 10). 11 Nesse contexto, destaca-se Martinho Lutero, religioso que viveu entre os séculos XV e XVI e lutou pela reforma da igreja católica, sendo responsável pela Reforma Protestante, que acabou por gerar as quebras de paradigma que possibilitaram a queda do catolicismo. Lutero, no seu movimento reformista, promoveu a educação para todos, inclusive para camponeses e mulheres. Traduziu a bíblia do latim para o alemão, dando a oportunidade para que todos a conhecessem. O aperfeiçoamento da imprensa por Gutenberg também ajudou a divulgar a sagrada escritura dos cristãos (Egg, 2012, p. 10). Vale enfatizar que, na Idade Moderna, foram consideráveis as transformações de “ordem social, econômica e política, como as viagens às Índias e às Américas e a Revolução Científica, proporcionada por Nicolau Copérnico, Galileu Galilei, Newton, dentre outros” (Egg, 2012, p. 10), evolução que gerou novas reflexões e visões das interações humanas, impactando diretamente na leitura da ética até então centrada nas lógicas cristãs. Assim, “os filósofos modernos resgataram aspectos do pensamento filosófico greco-romano no tocante à necessidade de toda a humanidade alcançar a sabedoria e a felicidade, principalmente pautando-se no equilíbrio e na razão” (Egg, 2012, p. 10), afastando, então, a ética cristã até então posta. A exemplo, cita Egg (2012, p. 10): Immanuel Kant (1724-1804) foi um filósofo prussiano, considerado o último grande filósofo dos princípios da Era Moderna. Kant teve um grande impacto no Romantismo alemão e nas filosofias idealistas do século XIX. Para Kant, a ética é autônoma, ou seja, corresponde à lei ditada pela própria consciência moral. Esse filósofo deu prosseguimento à construção da própria ideia moral, afirmando que aquilo que o homem procura está dentro dele mesmo. TEMA 5 – RELAÇÃO ENTRE A ÉTICA E OUTRAS CIÊNCIAS 5.1 Ética e política Uma marca característica da ética na Antiguidade, quando de seu nascimento, é sua indissociabilidade da política. Desde Platão e seu discípulo Aristóteles, a ideia de constituição da polis é perpassada pelo princípio de que a cidade deve ser dirigida por governantes sábios, justos e virtuosos. É de Aristóteles, por exemplo, a afirmação de que o homem é um animal político – zoon politikon. “Trata-se de um homem ‘essencialmente destinado à vida em comum na polis e somente aí se realiza como ser racional. Ele é um zoon 12 politikón por ser exatamente um zoon logikón, sendo a vida ética e a vida política artes de viver segundo a razão’” (Lima Vaz, 2004, p. 38-39, citado por Pansarelli, 2009, p. 13). Nesse sentido, Cachichi (2011) afirma que, na polis grega, o cidadão só é reconhecido como tal a partir de sua inserção na comunidade política, e a razão prática que norteia a ação do cidadão grego está intimamente ligada ao ethos, entendido como “[...] umconjunto de tradições, costumes e valores próprios da vida na polis” (p. 77). No caso de Aristóteles, “[...] as noções de ética e política se completam reciprocamente na teoria da justiça” (Cachichi, 2011, p. 77). Assim, tais esferas estão relacionadas pela natureza do poder. Quando falamos em democracia, como nos ensina Zajdsznajder (1994, p. 96), a grande preocupação das pessoas que elegem o político refere-se ao uso indevido do poder, quando o eleito coloca seus interesses particulares acima dos interesses do povo, desviando os recursos em benefício próprio ou para pagar promessas feitas durante a campanha eleitoral. É uma das questões éticas mais relevantes do campo da política. 5.2 Bioética Os estudiosos da bioética empreendem esforços para debater questões referentes à vida humana e às melhorias na qualidade de vida do homem. É uma área composta de estudos multidisciplinares da biologia, da medicina e da filosofia. Egg (2012, p. 12) destaca que: com o notável avanço da Medicina, em especial na pesquisa genética, surgiram grandes preocupações no campo da ética. A clonagem humana e a fecundação artificial são exemplos de práticas genéticas que vêm alterar conceitos e realidades da sociedade e hoje. Por exemplo, com as descobertas da biociência, passou-se a questionar muitos pilares da ética médica, impactando diretamente as diretrizes e políticas públicas voltadas à saúde. 5.3 Ética e sociologia Tais matérias estão intimamente ligadas, pois a sociologia trata das leis que regem o desenvolvimento e a estrutura das sociedades humanas. Notoriamente, a ética sociológica impacta diretamente na construção das gestões públicas e, igualmente, na idealização e na implementação de políticas públicas. Segundo Egg (2012, p. 12): 13 A sociologia estuda o indivíduo inserido no meio social, de quem se espera um comportamento ético para o bem coletivo. As transformações sofridas nos tempos modernos atingem o homem em sociedade. A evolução das máquinas no campo e na indústria causam o alto índice de desemprego, a evasão rural e a superpopulação das cidades. A sociologia por sua vez está cada vez mais próxima da ética para encontrar soluções para esses problemas presentes na vida do indivíduo contemporâneo. 5.4 Ética e direito Acerca da íntima relação entre direito e ética, bem coloca Egg (2012, p. 13): a relação entre estas áreas refere-se ao próprio fato de que o homem está sujeito às normas que regulamentam as condutas sociais. Os homens necessitam das leis e de sanções para manterem a ordem na sociedade. A sociedade depende de estatutos para determinar regras de convívio, deveres e direitos. 5.4.1 Ética e Direitos Humanos Descobrir formas de nos tornar sujeitos de práticas éticas em nosso dia a dia sem nos reduzirmos aos códigos e às restrições existentes em qualquer sociedade é um dos grandes desafios da atualidade. Mendonça Filho e Nobre (2009, p. 12) questionam: Como discernir entre atitudes passivas de submissão, subserviência e constrangimento das atitudes ativas das práticas de liberdade? Como, em meio às relações de poder que, muitas vezes, nos oprimem e tornam esse mundo insuportável, estabelecer relações de cuidado de si e dos outros (Foucault, [1982-1983] 2008), sem esperar recompensa ou castigo? Um devir ético da imanência não se processa apenas nas lutas contra forças negativas do mundo: o abuso de poder, a menorização e desqualificação do outro, todo tipo de racismo que nos atravessa liquida a vida. Assim, direitos humanos precisam ser constantemente conquistados, e não simplesmente resgatados, sendo as práticas éticas faróis que os iluminam. 5.4.2 Ética e Direito da Cidadania O termo cidadania vem se tornando paulatinamente mais popular. A tendência à universalização dos “Direitos Humanos”, ostentados em declarações internacionais, faz com que a noção de cidadania ultrapasse as fronteiras dos estados nacionais e consagre a noção do homem como “cidadão do mundo”. Esse conjunto de circunstâncias possibilitou à esfera pública um espaço de debates com a função política de transformar pessoas privadas em sujeitos da esfera pública: nasce, assim, o cidadão, sujeito de Direitos Humanos que interatua 14 com a ordem estatal e participa dos debates públicos, espaço em que a ética ganha especial relevância. Tais relações serão melhor exploradas futuramente. LEITURA COMPLEMENTAR MURCHO, D. Ética e direitos humanos. Cadernos da Escola do Legislativo, Belo Horizonte, v. 12, n. 19, p. 37-56, jul./dez. 2009. Disponível em: <https://criticanarede.com/valoresrelativos.html>. Acesso em: 27 nov. 2018. 15 REFERÊNCIAS BITTAR, E. C. B. Curso de Ética Jurídica. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. BÖTTCHER, C. A. O legado ético e universalista do Direito Romano. Revista da Faculdade de Direito – Universidade de São Paulo, São Paulo, v. 108, p. 155- 167, 2013. Disponível em: <http://www.revistas.usp.br/rfdusp/article/view/67981>. Acesso em: 27 nov. 2018. CACHICHI, R. C. D. As relações entre ética e política na concepção de justiça em Aristóteles. Revista CEJ, Brasília, v. 15, n. 55, p. 76-85, out./dez. 2011. Disponível em: <http://www.jf.jus.br/ojs2/index.php/revcej/article/viewFile/1483/1524>. Acesso em: 27 nov. 2018. CHAUÍ, M. Convite à filosofia. São Paulo: Ática, 1998. COMPARATO, F. K. Ética: direito, moral e religião no mundo moderno. 3. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2016. CORTELLA, M. S. Qual é a tua obra? Inquietações, propositivas sobre gestão, liderança e ética. Petrópolis: Vozes, 2009. CORTINA, A. O fazer ético. São Paulo: Moderna, 2003. EGG, R. F. R. Ética nas Organizações. Curitiba: IESDE Brasil, 2012. FELIZARDO, A. R. Ética e direitos humanos: uma perspectiva profissional. Curitiba: InterSaberes, 2012. FOUCAULT, M. Le gouvernement de soi et des autres: Cours au Collège de France. Paris: Seuil; Gallimard, 2008. FRAZÃO, D. Biografia de Aristóteles. Ebiografia, 24 jul. 2018. Disponível em: <https://www.ebiografia.com/aristoteles/>. Acesso em: 27 nov. 2018. MARTINS, M. F. Uma “catarsis” no conceito de cidadania: do cidadão cliente à cidadania com valor ético-político. Revista de Ética, Campinas, v. 2, n. 2, p. 106- 118, jul./dez. 2000. MEDEIROS, A. M. Ética e política. Sabedoria Política, abr. 2016. Disponível em: <https://www.sabedoriapolitica.com.br/etica-e-politica/>. Acesso em: 27 nov. 2018. MENDONÇA FILHO, M.; NOBRE, M. T. (Org.). Política e afetividade: narrativas e trajetórias de pesquisa. Salvador: EDUFBA; São Cristóvão: EDUFES, 2009. 16 MURCHO, D. Ética e direitos humanos. Cadernos da Escola do Legislativo, Belo Horizonte, v. 12, n. 19, p. 37-56, jul./dez. 2009. Disponível em: <https://criticanarede.com/valoresrelativos.html>. Acesso em: 27 nov. 2018. PANSARELLI, D. Para uma história da relação ética-política. Revista Múltiplas Leituras, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 9-24, jul. /dez. 2009. Disponível em: <file:///c:/users/letic/downloads/1264-2230-1-pb.pdf>. Acesso em: 27 nov. 2018. VAZ, M. 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De fato, os direitos humanos jamais se erguem todos de uma única vez ou mesmo de uma vez por todas (Bobbio, 1988); em realidade, surgem progressivamente, como reinvindicação moral, quando precisam surgir e no momento em que encontram terreno fecundo para tanto (Piovesan, 2011), necessitando, portanto, de constante atenção e manutenção. Não se trata, assim, de um dado, mas de uma edificação paulatina, uma invenção humana em constante processo de construção e reconstrução (Arendt, 1979), sendo devotada a necessidade de sua reafirmação e racionalização de resistência, formando processos que criam e consolidam espaços na luta pela dignidade humana. Dessa forma, os direitos humanos são produzidos com base na dinâmica social “em defesa de novas liberdades contra velhos poderes”, frutos de uma racionalidade de resistência (Flores, 2009). Os direitos humanos crescem, então, como um contrapoder (Ferrajoli, 2007), que marca o processo constante de lutas contra a lei do mais forte, tônica que bem se amolda aos direitos humanos que visam equilibrar as relações assimétricas de poder como insurreições contra os despotismos, sejam provenientes dos campos público ou privado (Fachin, 2015). É contra essas assimetrias de poder, inclusive, que atuam boa parte das políticas públicas. 1.1 Conceituação básica A contemporânea concepção de direitos humanos foi inaugurada pela Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, avançando para explorar a universalidade e integralidade de tais direitos, conceitos fundamentais para compreensão dos entendimentos mais atuais acerca dos direitos humanos. 3 Nesse sentido, destaca-se o art. 5º da Declaração e Programa de Ação de Viena, de 1993: Todos os direitos humanos são universais, indivisíveis interdependentes e inter-relacionados. A comunidade internacional deve tratar os direitos humanos de forma global, justa e equitativa, em pé de igualdade e com a mesma ênfase. Embora particularidades nacionais e regionais devam ser levadas em consideração, assim como diversos contextos históricos, culturais e religiosos, é dever dos Estados promover e proteger todos os direitos humanos e liberdades fundamentais, sejam quais forem seus sistemas políticos, econômicos e culturais. 1.2 Características dos direitos humanos 1.2.1 Universalidade Sobre essa fundamental característica, bem aponta Fábio Comparato (2004) que é a partir do período axial que, pela primeira vez, o ser humano passa a ser considerado, em sua igualdade essencial, como ser dotado de liberdade e razão, não obstante as múltiplas diferenças de sexo, raça, religião ou costumes sociais. Conclui-se, assim, serem os fundamentos intelectuais para compreensão do que é a pessoa humana e para afirmação da existência de direitos universais, porque inerentes à pessoa – independentemente de suas múltiplas diferenças. Assim, os direitos humanos passam a adquirir esses contornos de universalidade, descolando-se da dependência das culturas locais para serem entendidos como amplos e inafastáveis, independentemente da moral local. Nesse aspecto, Henkin (1990) esclarece a característica em questão: Direitos Humanos são universais: eles pertencem a todos os seres humanos em toda sociedade humana. Eles não diferem geografia ou história, cultura ou ideologia, política ou sistema econômico ou estágio de desenvolvimento social. Chamá-los de humanos implica que todos os seres humanos têm esses direitos, igualmente e em igual medida em virtude da sua humanidade – sem discriminação de sexo, raça, idade; sem discriminação de bom ou mau nascimento, classe social, origem nacional, étnica ou filiação tribunal; sem discriminação de riqueza ou pobreza, ocupação, talento, mérito, religião, ideologia ou outro comprometimento. Arion Romita (2009) nos informa que esses direitos são variáveis, a depender de cada sociedade, porém há o reconhecimento no mundo da existência de um mínimo de direitos conferidos a todas as pessoas. Existe uma corrente chamada de relativismo cultural a qual contesta a universalidade dos direitos humanos, considerando que não há direitos universais, e defende o pluralismo cultural, pois cada povo teria uma ótica diferente acerca do que seriam os direitos 4 fundamentais os quais dependeriam da sua cultura e da época para tal definição. Dessa forma, a universalidade dos direitos humanos significaria a imposição da cultura ocidental pelo mundo, causando a extinção da diversidade cultural (Piovesan, 2009). Porém, na Primeira Parte da Declaração de Viena de 1993, o art. 5º demonstra claramente as características dos direitos humanos, afirmando o seu caráter universal ao adotar a teoria universalista. Dessa maneira, “apesar de não existir uma unanimidade a respeito da característica da universalidade, entende-se a maioria dos doutrinadores, inclusive as declarações, como a Declaração de Viena, a universalidade dos Direitos Humanos” (Almeida, 2017). 1.2.2 Irrenunciabilidade, inalienabilidade e imprescritibilidade Os direitos humanos são irrenunciáveis, inalienáveis e imprescritíveis. Assim, como bem ensina Almeida (2017), “afirmar que os Direitos Humanos são irrenunciáveis, significa que tais direitos não podem sofrer a denominada renúncia, isto é, os titulares não podem desistir de tais direitos em decorrência deles serem essenciais a todas as pessoas, eles se configuram como direitos personalíssimos”. Ainda, afirma a autora serem os direitos humanos inalienáveis, não sendo possível transferi-los por meio de título gratuito ou oneroso. Luigi Ferrajoli (2017) assevera que: [...] a inalienabilidade fundamenta-se no fato de que os direitos fundamentais são normativamente direitos de todos os membros de uma coletividade, por isso não são alienáveis ou negociáveis, já que correspondem a prerrogativas não contingentes e inalteráveis de seus titulares e a outros tantos limites e vínculos inarredáveis para todos os poderes, tanto públicos como privados. E, nesse sentido, conclui Almeida (2017): A imprescritibilidade também é uma das características dos Direitos Humanos, isto é, a não utilização de algum direito não impõe a sua perda, esses direitos são intrínsecos ao ser humano, desta forma, perduram ao longo de sua vida, desde o seu nascimento até a sua morte, uma vez que são direitos extrapatrimoniais. A prescrição é a perda da pretensão punitiva em decorrência do decurso do tempo, ou seja, é a impossibilidade de ajuizar uma ação judicial para que o juiz condene aquele que violou ou ameaçou a lesar o seu direito. Esse instituto atinge a provável indenização que se obteria em um processo de conhecimento para reparar dano ou ameaça de dano a algum direito, haja vista a indenização possuir cunho patrimonial. 5 TEMA 2 — DIREITOS HUMANOS DE PRIMEIRA DIMENSÃO Os direitos humanos de primeira dimensão aludem à liberdade. Bobbio (1988) afirma que, no início da Era Moderna, houve a luta pela concessão de garantias de liberdades fundamentais frente às opressões do Estado, como a concessão de liberdade religiosa, a partir de guerras de religião, e das liberdades civis e políticas, com o parlamento combatendo o monarca. Por meio das revoluções liberais advindas nos séculos XVII e XVIII, a exemplo das Revoluções Americana e Francesa, apresentando como norte o liberalismo político (limitação do Estado pelo Direito) e o individualismo jurídico, exigiam do Estado principalmente uma abstenção, ou seja, a não interferência do poder estatal nas relações privadas (Romita, 2009). Os direitos civis correspondem aos direitos individuais, como o direito à vida, à liberdade e à propriedade. Já os direitos políticos são relacionados à vida política do Estado, isto é, o direito de votare o de ser votado, porém, eles não tinham a mesma amplitude que possuem modernamente, pois eram direitos restritos a determinada classe econômica. Assim, só teria a capacidade ativa (votar) e a capacidade passiva (ser votado) quem tivesse certa quantia de bens e, além disso, as mulheres e os analfabetos não eram titulares desses direitos. Arion Romita (2009) ilustra em outra ótica os direitos de primeira geração: [...] os direitos fundamentais do primeiro naipe podem ser classificados em: direitos pessoais (vinculados à autonomia, à liberdade e a à segurança da pessoa) e direitos políticos (ajustados à ideia de participação). Os primeiros são os direitos voltados à proteção da expansão da personalidade sem interferência do Estado. Os outros são os direitos da pessoa em face do Estado ou no Estado, vale dizer, direitos de tomar parte na vida pública e na vida política, correspondentes ao status activae civitatis de Jellinek. Nesse sentido, por fim, diz Almeida (2017): Os direitos civis e políticos são basicamente individuais, porquanto são direitos oponíveis somente ao Estado, pretendia-se uma abstenção apenas das autoridades estatais, logo, são direitos de resistência ou oposição. Fernando Barcellos de Almeida [1996] posiciona que esses direitos foram universalizados pela Revolução Francesa, atualmente eles estão reconhecidos no Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, 1966, cuja aprovação foi feita pela XXI Assembleia Geral da ONU, enfatizando que tal pacto entrou em vigor em 23 de março de 1976. 6 TEMA 3 — DIREITOS HUMANOS DE SEGUNDA DIMENSÃO A segunda dimensão dos direitos humanos relaciona-se à igualdade. Os direitos reconhecidos por essa família são chamados de direitos sociais, econômicos e culturais (Novelino, 2011). São direitos que exigem a atuação do Estado nas relações sociais, econômicas e culturais, assim como traduzem a ideia de igualdade material ou substancial, como corrobora Rúbia Alvarenga (2009): Os direitos de segunda geração são aqueles que cobram atitudes positivas do Estado para promover a igualdade entre as categorias sociais desiguais. Não se referem à mera igualdade formal de todos ante a lei, mas à igualdade material e real de oportunidades, protegendo juridicamente os hipossuficientes nas relações sociais de trabalho e os padrões mínimos de uma sociedade igualitária. Esses direitos incidiram sobre a relação de trabalho assalariado para proteger a classe operária contra a espoliação patronal e a desigualdade social desencadeada pelos abusos do capitalismo desenfreado. O ensejo à mudança de status negativo para positivo exigida pela sociedade frente ao Estado decorreu da ampla desigualdade provocada pela Revolução Industrial do século XIX. Essa dimensão, como explana Bonavides (2010), foi dominada pelo século XX. Já Arion Romita (2009) afirma que são chamados direitos sociais, “porque não assistem ao indivíduo como tal, considerado abstratamente, mas sim à pessoa em sua vida de relação do grupo em que convive, ao indivíduo considerado em concreto”. E é por essa razão que, de acordo com alvarenga (2009), o “Estado deveria agir na saúde, na educação, no trabalho, na assistência social”. Os direitos humanos de segunda dimensão também estão previstos no art. 22 da Declaração Universal dos Direitos: Artigo XXII Toda pessoa, como membro da sociedade, tem direito à segurança social e à realização, pelo esforço nacional, pela cooperação internacional e de acordo com a organização e recursos de cada Estado, dos direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento da sua personalidade. Tais direitos estão previstos ainda no Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de 1966. Sobre isso, Bonavides (2010) nos faz saber que tais direitos foram proclamados nas Declarações marxistas, na Constituição de Weimar de 1919; com o constitucionalismo socialdemocracia, 7 após a Segunda Guerra Mundial, tais direitos foram introduzidos em todas as Constituições. TEMA 4 — DIREITOS HUMANOS DE TERCEIRA DIMENSÃO Os direitos humanos de terceira dimensão “relacionam-se à fraternidade (ou solidariedade). Esse foi um movimento ocorrido após a Segunda Guerra Mundial, quando a humanidade passou a buscar a solidariedade entre as pessoas” (Almeida, 2017). Nesse período, a sociedade mundial percebeu a necessidade da internacionalização dos direitos humanos, especialmente em decorrência das barbaridades cometidas pelos nazistas, pois não bastaria a proteção de tais direitos apenas no âmbito nacional (Piovesan, 2009). Essa dimensão de direitos “abrange o direito ao desenvolvimento, ao meio ambiente, à paz, à propriedade sobre o patrimônio comum da humanidade, à comunicação, previstos na Declaração Universal das Nações Unidas, 1948 e nas demais convenções internacionais do séc. XX” (Almeida, 2017). Bonavides também tratou do assunto com bastante propriedade: Dotados de altíssimo teor de humanismo e universalidade, os direitos da terceira geração tendem a cristalizar-se no fim do século XX como direitos que não se destinam especificamente à proteção dos interesses de um indivíduo, de um grupo ou de um determinado Estado. Têm primeiro por destinatário o gênero humano mesmo, num momento expressivo de sua afirmação como valor supremo em termos de existencialidade concreto. Os publicistas e juristas já os enumeram com familiaridade, assinalando-lhe o caráter fascinante de coroamento de uma evolução de trezentos anos na esteira da concretização dos direitos fundamentais. Emergiram eles da reflexão sobre temas referentes ao desenvolvimento, à paz, ao meio ambiente, à comunicação e ao patrimônio comum da humanidade. Nesse contexto, a solidariedade, como afirma Romita (2009): “Assume a feição de um dever assumido pelos indivíduos que tomam consciência de suas obrigações recíprocas como membros do mesmo grupo, a ser observado por todo homem diante de seus semelhantes”. Em relação à fraternidade, os revolucionários franceses entenderam que teria como finalidade unir as pessoas, rompendo as diferenças entre elas. 8 TEMA 5 — SISTEMA INTERNACIONAL DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS 5.1 Antecedentes históricos Não obstante os primeiros passos rumo à construção de um Direito Internacional dos Direitos Humanos tenham se dado logo após o fim da Primeira Guerra Mundial, com o advento da Liga das Nações e da Organização Internacional do Trabalho, a consolidação desse novo ramo do Direito ocorre apenas com o fim da Segunda Guerra Mundial. Assim, forjada a Declaração Universal em 1948, consolidou-se o Direito Internacional dos Direitos Humanos. Igualmente, ocorreu a sua universalização a partir da legislatura de pactos e tratados que trouxeram normatividade e positivação aos já consagrados direitos, reafirmados globalmente em Conferências Mundiais sobre Direitos Humanos. Tal processo redefiniu o conceito tradicional de soberania estatal, até então tido como absoluto e ilimitado, reconhecendo que o indivíduo também, e não apenas o Estado, é sujeito de Direitos Internacionais. Nesse sentido, explicou Almeida (2017): Com efeito, à medida que se passa a admitir intervenções internacionais em prol do indivíduo por ocasião de violação aos direitos humanos no âmbito interno dos Estados, a noção tradicional de soberania absoluta dos Estados resulta prejudicada. A contribuição destes órgãos ao processo de universalização dos direitos humanos é inegável. Afinal, ao proteger os direitos fundamentais em época de guerra, promover a paz e a segurança internacionais, e estabelecer um padrão global mínimo para as condições de trabalho, deu-se o primeiro passo rumo ao reconhecimento de que os direitos humanos devem ser protegidos independentemente de raça, credo, cor ou nacionalidade, podendo a comunidade internacional intervir no casodos Estados furtarem-se a fornecer tal proteção a seus nacionais. Com o advento daqueles institutos, prenuncia-se o fim da era em que a forma pela qual o Estado tratava os seus nacionais era concebida como um problema de jurisdição doméstica, restrito ao domínio reservado do Estado, decorrência de sua soberania, autonomia e liberdade. 5.2 A internacionalização dos direitos humanos: o pós-guerra A Segunda Guerra Mundial foi que fez mais vítimas e provocou mais mudanças na história mundial, com o início da era atômica e a dizimação de mais de 50 milhões de seres humanos. Tais situações, de gravidade sem precedentes, 9 significou verdadeira ruptura da ordem internacional com os direitos humanos. A violação desses direitos durante a guerra foi tamanha que, com seu fim, a comunidade internacional se viu obrigada a novamente voltar os olhos para o tema. Sobre isso, afirmou Almeida (2017): Entendeu-se com o fim da Segunda Guerra Mundial, que, se houvesse um efetivo sistema de proteção internacional dos direitos humanos, capaz de responsabilizar os Estados pelas violações por eles cometidas, ou ocorridas em seus territórios, talvez o mundo não tivesse tido que vivenciar os horrores perpetrados pelos nazistas, ao menos não em tão grande escala. Os direitos humanos passam, então, a ser uma verdadeira preocupação em escala mundial, o que impulsionou o processo da sua universalização e o desenvolvimento do Direito Internacional dos Direitos Humanos, por meio de uma estrutura normativa que veio a permitir a responsabilização internacional dos Estados quando estes falharem em proteger os direitos humanos dos seus cidadãos. Passou- se a compreender que a soberania estatal, de fato, não pode ser compreendida como um princípio absoluto, devendo ser limitado em prol da proteção aos direitos humanos, haja vista esta ser um problema de relevância internacional. 5.3 O Tribunal de Nuremberg de 1945-1946 Marco importante no mencionado processo de universalização dos direitos humanos, a constituição e o funcionamento dos Tribunais de Nuremberg e de Tóquio (1945-1949), ainda que permeados por intensa polêmica atinente a sua qualidade de tribunal de exceção, significaram um grande avanço no desenvolvimento do Direito Internacional dos Direitos Humanos. Aponta Flávia Piovesan (2009) sobre o significado do Tribunal de Nuremberg: “O significado do Tribunal de Nuremberg para o processo de internacionalização dos direitos humanos é duplo: não apenas consolida a ideia da necessária limitação da soberania nacional, como também reconhece que os indivíduos têm direitos protegidos pelo Direito Internacional”. 5.4 A Carta das Nações Unidas Ainda com o mesmo sentimento de urgência após a Segunda Guerra Mundial, diversas foram as organizações internacionais que surgiram com a finalidade de promoção de cooperação internacional, dentre as quais destaca-se a Organização das Nações Unidas (ONU), criada em 26 de junho de 1945 pela Carta das Nações Unidas, considerada “a mais ambiciosa experiência em organização internacional até os nossos dias” (Almeida, 2017). Dentre os 10 objetivos da ONU, destacam-se a manutenção da paz e da segurança internacionais, o alcance da cooperação internacional nos planos econômico, social e cultural, a proteção internacional dos direitos humanos. Dessa forma, inaugura-se, então, uma nova ordem internacional, preocupada não só com a manutenção da paz entre os Estados, mas também em grande escala com a promoção universal dos direitos humanos (Almeida, 2017). Assim, consolidou-se a universalização dos direitos humanos, promovida e protegida não apenas pela própria ONU, mas também por diversos organismos e mecanismos de proteção dos direitos humanos e das liberdades fundamentais, “direcionados a todas as pessoas, independente de raça, sexo, religião e nacionalidade” (Piovesan, 2012). 5.5 Mecanismos não convencionais de proteção dos direitos humanos Sistema Global de Proteção dos Direitos Humanos Declaração Universal dos Direitos Humanos Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais 5.6 O sistema especial de proteção dos direitos humanos no âmbito das Nações Unidas Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher e seu Protocolo Facultativo Convenção sobre os Direitos da Criança Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio Estatuto de Roma referente ao Tribunal Penal Internacional 11 LEITURA COMPLEMENTAR BENVENUTO, J. Manual de direitos humanos internacionais: acesso aos sistemas global e regional de proteção dos direitos humanos. Disponível em: <https://www.uniceub.br/media/181730/Texto4.pdf>. Acesso em: 13 dez. 2018. 12 REFERÊNCIAS ALMEIDA. F. B. de. Teoria geral dos direitos humanos. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris Editor, 1996. ALMEIDA, K. Direitos humanos no ordenamento jurídico brasileiro. Jus. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/61538/direitos-humanos-no-ordena mento-juridico-brasileiro>. Acesso em: 4 dez. 2018. ALVARENGA, R. Z. de. O direito do trabalho como dimensão dos direitos humanos. São Paulo: LTr, 2009. ARENDT, H. As origens do totalitarismo, trad. Roberto Raposo, Rio de Janeiro: Documentário, 1979. BOBBIO, N. Era dos direitos, trad. Carlos Nelson Coutinho, Rio de Janeiro: Campus, 1988. COMPARATO, F. K. Afirmação histórica dos direitos humanos. São Paulo: Saraiva, 2004. FACHIN, M. G. Direitos humanos e desenvolvimento. Rio de Janeiro: Renovar, 2015. FERRAJOLI, L. 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AULA 3 ÉTICA, DIREITOS HUMANOS E DIREITOS DA CIDADANIA Profª Juliana Bertholdi 2 TEMA 1 – DIREITOS HUMANOS E INSTITUCIONALIZAÇÃO DOS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS Nas últimas aulas pudemos entender como se deram os fundamentos históricos dos direitos humanos, suas principais características, classificações e como se deu a construção de seu sistema internacional de proteção. Como pudemos observar, os direitos humanos exsurgem no direito internacional de forma paulatina, contínua, sendo fulcral a atenção constante a sua aplicação e manutenção. De fato, conforme já apontado, os direitos humanos surgem “progressivamente, como reinvindicação moral, quando precisam surgir e no momento em que encontram terreno fecundo para tanto” (Piovesan, 2011, p. 63). Nesta aula, abordaremos como se deu o movimento histórico de abrangência dos Direitos Humanos na legislação brasileira, sua importância na constituição das lutas sociais e na compleição de novos sujeitos de direito, bem como os conceitos e concepções sobre Direitos Humanos e Direitos Fundamentais, à luz dos tratados internacionais, da Constituição Federal e dediplomas legais correlatos ao tema. 1.1 Distinção entre Direitos Humanos e Direitos Fundamentais A fim de retomar conteúdo anterior e aclarar uma significativa distinção, buscando sempre uma melhor compreensão da presente temática, faz-se necessária a distinção entre as expressões “direitos humanos” e “direitos fundamentais”, que comumente – e não por acaso – são utilizadas como sinônimos. Nesse sentido, tem-se que a diferença básica entre direitos humanos e direitos fundamentais se assenta justamente no sistema legal a que se encontram vinculados. Vejamos: o conjunto de direitos e liberdades do ser humano institucionalmente reconhecidos e positivados no âmbito do direito constitucional positivo de determinado Estado, enquanto que os direitos humanos estão abarcados pelo direito internacional, porquanto extensivos a todos os seres humanos, independentemente de sua vinculação a determinada ordem constitucional, apresentando validade universal e caráter supranacional”. (Moraes, 2003) 3 Nesse sentido, o professor Ingo Wolfgang Sarlet (2006, p. 35) vai além ao valer-se do espaço e a efetividade como significativos fatores responsáveis pela diferença terminológica: Em que pese sejam ambos os termos (“direitos humanos” e “direitos fundamentais”) comumente utilizados como sinônimos, a explicação corriqueira e, diga-se de passagem, procedente para a distinção é de que o termo “direitos fundamentais” se aplica para aqueles direitos reconhecidos e positivados na esfera do Direito Constitucional positivo de determinado Estado, ao passo que a expressão “direitos humanos”, guardaria relação como os documentos de Direito Internacional por referir-se àquelas posições jurídicas que se reconhecem ao ser humano como tal, independentemente de sua vinculação com determinada ordem constitucional, e que, portanto, aspiram à validade universal, para todos os povos e tempos, de tal sorte que revelam um inequívoco caráter supranacional. Cumpre destacar que, muito embora haja diferenças entre direitos humanos e direitos fundamentais, essas duas categorias não são antagônicas. Importa, por hora, deixar aqui, devidamente consignado e esclarecido o sentido que atribuímos às expressões “direitos humanos” e “direitos fundamentais”, reconhecendo, ainda mais uma vez, que não se cuida de termos reciprocamente excludentes ou incompatíveis, mas, sim, de dimensões íntimas e cada vez mais inter-relacionadas, o que não afasta a circunstância de se cuidar de expressões reportadas a esferas distintas de positivação, cujas conseqüências práticas não podem ser desconsideradas. (Sarlet, 2006, p. 42) Desta feita, até o presente momento nos referíamos aos Direitos Humanos por estarmos tratando de direitos abarcados pelo direito internacional, sendo que, doravante, ao abordar direitos e garantias similares, porém dentro do ordenamento jurídico nacional, vamos nos referir a Direitos Fundamentais. Assim, em apertada síntese, “enquanto os direitos humanos são aqueles declarados como inerentes ao ser humano, com pretensões de universalidade”, os direitos fundamentais são “apenas daqueles direitos os reconhecidos e positivados na Constituição de um determinado Estado, havendo, assim, pretensões de territorialidade, ou seja, de âmbito nacional” (Moreira, 2011), relacionando-se profundamente, mas não confundindo-se. De tal modo, os direitos fundamentais se desenvolvem e se firmam com a Constituição na qual foram reconhecidos e assegurados: aqui no Brasil, com o advento da Constituição Federal de 1988. 4 TEMA 2 – DIREITOS FUNDAMENTAIS NA HISTÓRIA BRASILEIRA Como é consabido, o desenvolvimento dos direitos fundamentais no Brasil aconteceu sob a influência do movimento constitucionalista europeu que exsurgiu no final do século XVIII. Assim, em maior ou menor importe, todas as constituições brasileiras possuíram em seus textos a consideração pelos direitos fundamentais; não obstante, só foi possível identificá-los de forma expressa e sólida na Constituição Federal de 1988. 2.1 Constituição Imperial A Constituição do Império, datada de 1824, carregava em seu texto, ainda que de forma bastante tímida, os direitos fundamentais de primeira dimensão, no Título 8º, sob a nomenclatura de Garantia dos Direitos Civis e Políticos dos Cidadãos Brasileiros. Como informa José Afonso da Silva, é a primeira Constituição, no mundo, a subjetivar e positivar os direitos do indivíduo, dando-lhes concreção jurídica efetiva (Silva, 2007, p. 170). Em seu texto, a constituição imperial previa direitos individuais como liberdade, segurança individual e propriedade. A Constituição de 1824 ainda reconheceu direitos sociais que só seriam constitucionalizados em outros países no final do século XIX (Pestana, 2017). É o que nitidamente se extrai da leitura dos incisos XXI, XXII e XXIII do art. 179, que, sucessivamente, garantem os “socorros públicos”, a instrução primária universal e gratuita e a existência de colégios e universidades. Assim, não obstante a parcimônia de tais disposições, havia relativa e significante abertura para a ideia de direitos sociais para a época em que cunhada (Nunes Junior, 2017, p. 4). Há de se anotar, conforme cita Nunes Junior (2017), que à época, a Constituição apresentava o chamado “poder moderador”, o que representava, na prática, a limitação do exercício dos direitos por meio da própria discricionariedade do governo. Desta feita, ainda que Constituição de 1824 tenha trazido superficialmente os direitos fundamentais de primeira e segunda dimensão, havia um claro impedimento que tais direitos fossem efetivamente exercidos pelos cidadãos. 5 2.2 Constituição de 1981 Infelizmente, “a abertura parcialmente promovida pela Constituição anterior não influenciou significativamente a Constituição republicana, datada de 1891, que deixou de flertar com direitos fundamentais e sociais para limitar-se ao reconhecimento dos direitos de liberdade” (Nunes Junior, 2017). A Reforma de 1926 integrou o direito do trabalho à Constituição. Tal modificação, embora significativa, não teve o poder de mudar acentuadamente, mesmo no plano hipotético, a natureza da ordem jurídica estabelecida, como ensina Nunes Junior (2017, p. 4). 2.3 Constituição de 1934 De acordo com Pestana (2017), “a Constituição de 1934 sofreu grande influência das constituições europeias, como a da República de Weimar (1919) e é produto do movimento de 1930” – que levou Vargas ao poder, bem como do movimento constitucionalista ocorrido dois anos depois, em que foram “fincadas as pedras fundamentais do assim chamado Estado Social de Direito” (Nunes Junior, 2017, p. 4). Assim, ao reconhecer movimentos sociais, a Constituição de 1934 inaugurou o Estado Social brasileiro, assegurando direitos como a liberdade, a justiça e o bem-estar social e econômico, adindo caráter fundamental aos direitos sociais. Com relação à ordem social trabalhista, “o novo ordenamento constitucional também trouxe grandes e relevantes conquistas” (Pestana, 2017). Desse modo, refletindo sobre os movimentos internacionais da época, que buscavam incorporar aos países capitalistas premissas de um Estado Social, nossa Carta de 1934, de efêmera vigência, foi, dentre as Constituições brasileiras de até então, a que efetivamente se preocupou com a identificação de um Estado fortemente marcado pela presença institucional dos direitos sociais, como aponta Nunes Junior (2017, p. 4). Segundo Pestana (2017), sua revogação foi determinada pela superveniência da Constituição de 1937, que pôs termo ao curto período de institucionalidade democrática então vivenciada. A mesma supressão foi também encontrada nas constituições de 1967 e 1969 [...] Assim, entende-se que a partir de 1934, ressalvados os períodos ditatoriais, houve a previsão de direitos e garantias individuais, direitos de nacionalidade, direitospolíticos e direitos econômicos e sociais do homem. 6 2.4 Constituição de 1946 A Constituição de 1946 deu azo à espécie de repúdio ao espírito autoritário que imbuía sua predecessora. Influenciada pelos “ventos de renovação democrática que varriam o país, com o anúncio do fim do Estado Novo, recuperou as liberdades formais, colocando-as à margem de qualquer controle autoritário do Estado”, denotando forte “vontade constituinte de reorganização dos poderes, sobretudo no que se refere a um fortalecimento do Legislativo e do Judiciário, que, no regime político anterior, haviam se quedado enfraquecidos pela automática expansão do poder Executivo em tempos ditatoriais”. Do ponto de vista dos direitos sociais, a Constituição de 1946 buscou, ainda uma vez, fortalecer a noção de Estado Social. Exemplifica-se: A previsão de participação dos trabalhadores nos lucros das empresas (art. 157, IV); A instituição do repouso semanal remunerado (art. 157, VI); O reconhecimento do direito de greve (art. 158); A ampliação do direito à educação (art. 168); A aposentadoria facultativa do servidor com 35 anos de serviço (art. 191, parágrafo 1º); A inserção formal da Justiça do Trabalho no poder Judiciário (arts. 122 e 123). Conforme bem ressalta o autor utilizado na presente construção histórica, a Constituição de 1946, “entusiasmando os defensores do Estado Democrático Social de Direito, acabou confinada a um difícil papel histórico, o de ficar situada entre duas Cartas ditatoriais: a de 1937 e a de 1967” (Nunes Junior, 2017, p. 4). 2.5 Ditadura Militar Caudatária do golpe militar de 1964 (Nunes Junior, 2017, p. 4), é exemplo típico de Constituição outorgada, apesar do consentimento formal do Poder Legislativo. Como é consabido, o Ato Institucional nº 4 convocou o Congresso Nacional “para se reunir extraordinariamente, de 12 de dezembro de 1966 a 24 de janeiro de 1967”, para “discussão, votação e promulgação do projeto de 7 Constituição apresentado pelo Presidente da República” – em um procedimento inelutavelmente autoritário de outorga da Constituição. Por sua vez, tanto o rol de direitos individuais (art. 150) quanto o rol de direitos sociais (art. 158) não foram modificados em suas estruturas, não obstante a recorrente menção à necessidade de lei para sua implementação implicasse, na prática, dicotomia entre a ordem normativa e a realidade. No que concerne aos direitos sociais, não houve alteração estrutural dos dispositivos anteriormente vigentes, com a mesma nota de que muitos deles tinham sua eficácia condicionada a uma futura eventual legislação integradora. 2.6 Constituição de 1988 De acordo com Nunes Junior (2017), “reconhecida como Constituição Cidadã, trata, em seu texto, dos direitos e garantias fundamentais, merecendo incursão mais detalhada nos módulos que se seguem”. TEMA 3 – CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1988 E CONCEPÇÃO CONTEMPORÂNEA DE DIREITOS HUMANOS Como já debatido no correr deste curso, a Constituição democrática – também conhecida como Constituição cidadã – ratificada em 1988 expandiu consideravelmente o campo dos direitos e garantias fundamentais, colocando-se dentre as Constituições mais avançadas da atualidade no que diz respeito à matéria. Já em seu preâmbulo, a Carta de 1988 pugna pela consolidação do Estado Democrático de Direito: destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias [...]. (art. 1º da CF/1988) Assim, dentre os fundamentos do Estado Democrático de Direito brasileiro destacam-se a cidadania e dignidade da pessoa humana (art. 1º, incisos II e III). Verifica-se, assim, que “os direitos fundamentais constituem o elemento 8 básico para a realização do princípio democrático, uma vez que exercem uma função democratizadora” (Moraes, 2003). Nesse sentido, aduz Flavia Piovesan (2019): A Carta de 1988 pode ser concebida como o marco jurídico da transição democrática e da institucionalização dos direitos humanos no Brasil. Introduz indiscutível avanço na consolidação legislativa das garantias e direitos fundamentais e na proteção de setores vulneráveis da sociedade brasileira. A partir dela, os direitos humanos ganham relevo extraordinário, situando-se a Carta de 1988 como o documento mais abrangente e pormenorizado sobre os direitos humanos jamais adotado no Brasil. Por sua vez, construir uma sociedade livre, justa e solidária, garantir o desenvolvimento nacional, erradicar a pobreza e a marginalização, reduzir as desigualdades sociais e regionais e promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação, constituem os objetivos fundamentais do Estado, conforme consta do art. 3º da Constituição Brasileira. Como bem aponta Moraes (2003): tais objetivos visam à concretização da democracia econômica, social e cultural, implicando a efetivação da dignidade e do bem-estar da pessoa humana. É nesse contexto que o valor da dignidade da pessoa humana revela-se como núcleo básico e informador de todo o ordenamento, imprimindo-lhe uma feição particular. Ainda, entende-se que o sistema jurídico apresenta, ao lado das normas positivadas, “princípios que incorporam valores, este define-se como uma ordem axiológica ou teleológica de princípios jurídicos que possuem função ordenadora, na medida em que salvaguardam valores fundamentais”, de modo que “a interpretação das normas constitucionais ocorre tendo-se por base critérios valorativos que emergem do próprio sistema constitucional” (Moraes, 2003). À luz dessas premissas, constata-se que “os valores da dignidade da pessoa humana, bem como o valor dos direitos e garantias fundamentais, constituem os princípios constitucionais que incorporam as exigências de justiça e dos valores éticos, refletindo o suporte axiológico de todo o sistema jurídico brasileiro” (Moraes, 2003). Nesse sentido: Inova, ainda, a Carta de 1988, ao ampliar a dimensão dos direitos e garantias, incluindo no rol de direitos fundamentais, além dos direitos civis e políticos, os direitos sociais. Nesta ótica, o texto constitucional acolhe o princípio da indivisibilidade e interdependência dos direitos 9 humanos, pelo qual o valor da liberdade se conjuga ao valor da igualdade, não sendo possível dissociar o elenco desses direitos. Importante referir que a Carta de 1988 prevê, ao lado dos direitos individuais, os direitos coletivos, pertinentes a determinada classe ou categoria, e os direitos difusos, pertinentes a todos e a cada um. Assim, a Constituição Brasileira, ao mesmo tempo em que consolida a extensão de titularidade de direitos a novos sujeitos de direitos, também consolida o aumento da quantidade de bens merecedores de tutela, com a ampliação de direitos sociais, econômicos e culturais. (Moraes, 2003). Em síntese, extrai-se do sistema constitucional de 1988 os delineamentos de um Estado intervencionista, voltado ao bem-estar social. Consagra-se a preeminência ao social. Com o Estado Social, como observa Paulo Bonavides, o Estado-inimigo cede lugar ao Estado-amigo, o Estado-medo ao Estado-confiança, o Estado-hostilidade ao Estado-segurança. As Constituições tendem a se transformar num pacto de garantia social. Assim, o Estado Constitucional Democrático de 1988 não se identifica com um Estado de direito formal, reduzido à simples ordem de organização e processo, mas visa a legitimar-se como um Estado de justiça social, concretamente realizável. Como é consabido, os direitos fundamentais sociais, na sua grande maioria, estão expressamente previstosno art. 6º da CRFB/1988: “Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.” Além disso, várias medidas foram previstas no texto constitucional para conferir uma eficácia maior a esses direitos sociais, por exemplo, percentuais mínimos de investimentos para a saúde e educação (arts. 198, parágrafo 2º e 212 da CRFB/1988). Os direitos fundamentais podem ser identificados sob o ponto de vista formal e material. Bonavides (2005, p. 234) apresenta dois critérios elaborados por Carl Schimitt para identificar um direito como fundamental, sob a ótica formal: Pelo primeiro, podem ser designados por direitos fundamentais todos os direitos e garantias nomeados e especificados no instrumento constitucional. Pelo segundo, tão formal quanto o primeiro, os direitos fundamentais são aqueles que receberam da Constituição um grau mais elevado de garantia ou de segurança ou são imutáveis (Unabaenderliche) ou pelo menos de mudança dificultada (Erschwert), a saber, direitos unicamente alteráveis mediante lei de emenda à Constituição. 10 Nitidamente perceptível que somente o aspecto formal não é suficiente para uma identificação de todos os direitos fundamentais previstos na CRFB/1988, uma vez que há direitos fundamentais fora do seu Título II; por essa razão, o aspecto material é basal para a identificação dos direitos fundamentais alheios ao catálogo expresso do Título II da CRFB/1988. Nesse sentido: o prisma do art. 5º, §2º da CRFB/1988, o princípio da dignidade da pessoa humana é um excelente critério material para a identificação dos direitos fundamentais. Nessa perspectiva, Mendes (2008, p. 227) arremata que “os direitos e garantias fundamentais, em sentido material, são, pois, pretensões que, em cada momento histórico, se descobrem a partir da perspectiva do valor da dignidade da pessoa humana (Moreira, 2011) Nesse aspecto, que combina a análise formal e material, é que se deve considerar os dispositivos constitucionais referentes à proteção internacional dos direitos humanos (Moreira, 2011). 3.1 Classificação dos Direitos Fundamentais Para J. J. Gomes Canotilho (2003), os direitos fundamentais podem ser classificados em dois grupos principais: direitos de defesa e direitos a prestações. Enquanto os primeiros exigem que o Estado se abstenha de praticar condutas contrárias a tais direitos, os direitos fundamentais a prestações exigem do Estado a realização de certas prestações positivas, por exemplo, saúde e educação. Como bem aponta Moreira (2011), não se pode olvidar que esses direitos “não são antagônicos, mas sim complementares, uma vez que os direitos fundamentais a prestações fornecem as condições necessárias para que a cidadania e a liberdade sejam usufruídas em sua plenitude”. Nesse aspecto, Pinheiro (2008, p. 25) assevera que “não adiantaria ter liberdade sem saúde para gozá-la, ou, então, sem alimentação adequada que propicie energia suficiente para usufruí-la”. Cumpre então analisar os principais Direitos Fundamentais. 11 TEMA 4 – DIREITOS FUNDAMENTAIS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL: ANÁLISE EM ESPÉCIE Neste tema, realizaremos uma breve incursão nos direitos e nas garantias fundamentais previstos constitucionalmente (Título II), que foram divididos em cinco capítulos: direitos individuais e coletivos, direitos sociais, nacionalidade, direitos políticos e partidos políticos. Assim, tem-se, conforme extração realizada por Pestana (2017) sobre os direitos individuais e coletivos: Por se tratarem de direitos intrínsecos à condição humana, tais direitos estão intimamente ligados ao conceito de pessoa humana e personalidade jurídica. Representam o direito à vida, à igualdade, à dignidade, à segurança, à honra, à liberdade e à propriedade. Estes direitos encontram-se no artigo 5º da Constituição Federal: os direitos individuais são aqueles que tem por escopo se opor ao arbítrio estatal em favor dos indivíduos. Por sua vez, os direitos coletivos ultrapassam o âmbito estritamente individual, pertencendo a uma coletividade que se vincula juridicamente, como, por exemplo, o direito a um governo honesto e eficiente, o direito ao meio ambiente equilibrado e os direitos trabalhistas. (Pestana, 2017) Quanto aos direitos sociais, de acordo com Pestana (2017): constituem obrigações positivas do Estado, ou seja, garantias de liberdades positivas aos indivíduos, como, por exemplo, direito à educação, trabalho, lazer, previdência social, saúde, segurança, à maternidade e à infância e assistência aos desamparados. Tais direitos encontram-se dispostos a partir do artigo 6º da Constituição Federal. Sobre os direitos de nacionalidade, segundo Pestana (2017): “relacionam- se com o vínculo jurídico-político entre o indivíduo e determinado Estado, assim, o indivíduo passa a integrar o Estado.” A respeito dos direitos políticos, para Pestana (2017), “têm por escopo o exercício de sua cidadania, participando de forma ativa dos negócios políticos do Estado, elencados no artigo 14 da Constituição Federal.” Por fim, no que se refere aos direitos relacionados à existência, organização e a participação em partidos políticos, Pestana (2017) entende que “tais direitos asseguram a autonomia e a liberdade plena dos partidos políticos para preservar e proteger o Estado Democrático de Direito, encontrando-se artigo 17 da Constituição Federal.” 12 4.1 Conclusões A Constituição Federal de 1988 expandiu os direitos fundamentais, reconhecendo aqueles advindos da primeira e segunda dimensões (individuais e sociais), e aqueles advindos da terceira dimensão (direitos de solidariedade). Clarividente, no entanto, que não basta apenas a previsão formal desses direitos na Constituição e nas leis. É preciso que o Estado os consolide, permitindo à sociedade o aproveitamento real dessas previsões (Pestana, 2017). TEMA 5 – TRATADOS INTERNACIONAIS DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS NO DIREITO INTERNO Finalmente, cumpre abordar o impacto jurídico dos tratados internacionais de direitos humanos no Direito interno brasileiro. Como ensina Moraes (2013), levando-se em conta a hierarquia constitucional desses tratados, pode-se visualizar três situações em que o direito enunciado no tratado: a) coincide com o direito assegurado na Constituição, reproduzindo-o; b) integra e complementa a gama de direitos previstos na Constituição; ou c) contraria disposição do ordenamento interno. Não por acaso, a Constituição Federal brasileira contém inúmeros dispositivos que replicam fielmente as normas constantes dos tratados internacionais de direitos humanos, como exemplificado a seguir. Princípio de que “todos são iguais perante a lei”, consagrado no art. 5º da Carta de 1988, que também está previsto no art. VII da Declaração Universal, no art. 26 do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e no art. 24 da Convenção Americana. Princípio da inocência presumida, constante do art. 5º, LVII, da Constituição Federal, que teve inspiração no Direito Internacional dos Direitos Humanos, nos termos do art. XI da Declaração Universal, art. 14 do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e art. 8º da Convenção Americana. Assim, ao reproduzir normas de tratados internacionais de direitos humanos, a ordem jurídica brasileira demonstra que, muito além de buscar orientação e inspiração nesse instrumento, o legislador igualmente se preocupa em ajustar o Direito interno às obrigações internacionais contraídas pelo Brasil. 13 Nesse contexto, os direitos constitucionalmente previstos robustecem o valor jurídico de tratados internacionais de direitos humanos, de modo que uma possível violação do direito acarretará responsabilização nacional e internacional.
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