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IMAGEM PESSOAL Eliane Dalla Coletta Conceito do eu e da personalidade Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: � Reconhecer o processo de constituição do eu a partir dos estudos freudianos. � Definir personalidade e psicanálise. � Identificar as principais características do id, ego e superego. Introdução Neste capítulo, será abordada a psicanálise concebida por Sigmund Freud (1856–1939), que foi quem iniciou uma transformação para além do olhar médico, passando a considerar as teorias concebidas pelos próprios pacientes. Desse modo, a psicanálise pode ser compreendida como uma abordagem, um método terapêutico, um sistema de pensamento, um modo de transmissão e construção de saber (análise didática e supervisão). Os três pilares salientados por Freud são: o inconsciente, o complexo de Édipo e a sexualidade. A partir dos estudos freudianos, apresentaremos a constituição do eu, cuja gênese está relacionada com a questão do narcisismo primário e, na sequência, estudaremos o desenvolvimento da personalidade — que, segundo a psicanálise, é desenvolvida e constituída pelas três instâncias: id, ego e superego. Oportunizaremos o estudo das características do id, ego e superego mais profundamente — o id como reservatório pulsional desorganizado, o ego como instância do psiquismo que se relaciona com o mundo externo. A diferença fundamental entre o ego e o id é que o ego acata o princípio da realidade, diferenciando o que é da mente e o que do mundo externo, e o id segue o princípio do prazer, conhecendo somente a realidade subjetiva da mente. O superego, por fim, é a instância cuja característica assemelha-se a um juiz no tocante ao ego e também im- pede a passagem dos impulsos do id. Constituição do eu a partir dos estudos freudianos Freud, em O ego e o id, de 1923 (FREUD, 1996a, p. 17), refere: “o [eu] é, primeiro e acima de tudo, um [eu] corporal; não é simplesmente uma enti- dade de superfície”. Ao nascer, o ser humano não diferencia os limites de seu corpo, onde as sensações internas e externas encontram-se em completa desordem, posteriormente seguindo o seu desenvolvimento. A superfície do corpo começa a ser definida, iniciando assim a constituição do seu esquema e imagem corporal e a estruturação do seu eu. Este desenvolvimento ocorre numa ordem dialética, que envolve sempre ele e o outro. Há, também, um real insuperável na experiência inicial que marcará o corpo e permanecerá ao longo de toda a formação do aparelho psíquico, que Freud expressa através da palavra Spaltung, que pode ser traduzida por cisão, divisão, clivagem, fenda. O conflito que provoca esta cisão refere-se às exigências pulsionais que eram amplamente satisfeitas antes do nascimento e abruptamente enfrentam uma realidade que deverá ser confrontada, que possui limites. O eu necessita lidar e cessar ambas estimulações, tanto internas quanto externas, e fracassa, fica dividido, como uma falha que não se completa e permanecerá como um núcleo inacessível de caráter traumático onde se destinarão a formação dos sintomas e as fantasias (FREUD, 1996b). Essa cisão, Spaltung, significa que o aparelho psíquico já contém uma falha, que é a lógica do sujeito dividido do inconsciente. O eu é uma instância que não se conclui, pois em seu âmago possui esta divisão e se formará ao redor dela. Tudo que é externo, num julgamento inicial, será a consideração se é algo bom ou mal. Sendo bom deve ser incorporado e o que for ruim deve ser colocado para fora. Num segundo estágio de desenvolvimento, após haver uma diferenciação do que é interno e externo ao organismo, o que diz respeito a si e o que não lhe diz respeito, necessitará verificar ou não a presença real do que foi representado no psiquismo. Esse confronto com a realidade acontece somente à medida que os objetos perdidos se tornam objetos de desejo, por terem sido satisfeitos anteriormente. O que é subjetivo e objetivo só é diferenciado com o andamento do desenvolvimento, quando há a percepção do objeto e sua representação estiver contida na memória, sendo esta fiel em parte, pois o que fica inscrito no psiquismo são vestígios do objeto e não o objeto por inteiro, pois este foi transformado pela subjetivação (AMOR; CHATELARD, 2016). O eu, nesse sentido, forma-se a partir de um processo de modificação do id, que ocorre pelo contato com a realidade. Esse entendimento, Freud Conceito do eu e da personalidade2 esclareceu na segunda tópica, quando surge o id, ego e superego como instâncias da personalidade, conforme explica Moreira (2009, p. 233): O eu surgiria de um princípio de alteridade. A afirmação freudiana de que no id encontra-se nossa herança filogenética coloca esta instância no discursivo da alteridade. Assim, na segunda tópica, o id seria uma figura de alteridade por excelência e que, a partir de diferenciações, produziria diferentes instâncias como os atravessadores alteritários no eu, o ideal do eu e o supereu. Freud (1923) revela que o caráter do eu é um precipitado de catexias objetais aban- donadas e ele contém a história dessas escolhas de objeto. O eu é formado a partir de identificações que tomam o lugar de catexias abandonadas [pelo id]. Na fase em que as inscrições no eu são traços, ocorre o que Freud denomi- nou de identificação inaugural ou primordial, o recém-nascido encontra-se no estado de desamparo inicial (Hilflosigkeit), que é a abertura à estruturação do psiquismo, observando-se um desencontro entre este desamparo, o estado de urgência e o objeto original que se perdeu. A identificação é uma “[...] forma original de laço emocional com um objeto [...]” (FREUD, 1996c, p. 67) “a identificação esforça-se por moldar o próprio ego de uma pessoa segundo o aspecto daquele que foi tomado como modelo” (FREUD, 1996c, p. 66). Os traços são permanentes e estarão se instaurando e se inscrevendo no aparelho psíquico, criando a memória. Nesse estágio, o eu emerge das investidas no mundo externo, para obter satisfação, gerando uma identidade de memória, traços onde o eu é da mesma forma um objeto, aspecto tratado por Freud no texto Sobre o narcisismo: uma introdução (FREUD, 1996d). Esse narcisismo primário é contemporâneo da constituição do eu. A primeira predileção amo- rosa das crianças ocorre entre as pessoas que as cuidam, que se preocupam com a alimentação, promovendo a escolha narcisista, onde a criança busca a si mesma como um objeto de amor, numa etapa prematura à plena capacidade de se voltar para objetos externos. Ou seja, é pela via narcísica que nasce o “eu ideal”. É um narcisismo caracterizado por sua crença na magia das palavras e na onipotência do pensamento e pela autossuficiência (STENNER, 2004). Adicionalmente, com relação à segunda tópica, Roudinesco e Plon (1998, p. 531–532) explicam: No contexto da elaboração da segunda tópica, Freud retornou a essa questão da localização do narcisismo primário, que foi então situado como o primeiro estado da vida - anterior, portanto, à constituição do eu - característico de um período em que o eu e o id são indiferenciáveis, e cuja representação concreta poderíamos conceber, por conseguinte, sob a forma da vida intra-uterina. 3Conceito do eu e da personalidade Ao reconhecer a origem do eu na instância do id, Freud destaca a pecu- liaridade desta (eu) que é responsável pelos comportamentos plausíveis. Para lidar com as perdas insustentáveis para o id, o eu empreende e forma uma identidade ilusória com os vestígios dos outros que cruzaram a área pulsional do sujeito. Essas questões ocorrem de forma implacável no estado narcísico do eu ideal e do ideal do eu. O eu ideal surge pelo olhar do outro, na função narcizante, que se precipita libidinalmente no eu, posicionando-o na condição idealizada, e por meio do jogo especular, viabiliza a percepção do seu corpo. Não havendo a mediação desse outro, não existiria o reconhecimento e nem a idealização do eu (MOREIRA,2009). Segundo Feres (2009, p. 60), “o represamento da libido no eu é sentido como desprazeroso [...]” “quando acontece um excesso, ‘a vida psíquica se vê forçada a ultrapassar fronteiras do narcisismo e depositar a libido nos objetos’” (FREUD, 1914/2004, p. 105 apud FERES, 2009, p. 61). Passando assim a um narcisismo secundário, onde há a escolha de objeto. A partir do conceito do narcisismo, a imagem do eu é vista tanto como objeto de concentração de energias, como quanto ao posicionamento como sujeito de investimento. Ou como objeto, ou como sujeito, o movimento libidinal ocorre em torno do eu e a evolução se torna mais complexa. A criança abandona o narcisismo primário, o eu ideal, quando se enfrenta com outro ideal que necessita assemelhar-se, que é o ideal que foi concebido fora dela, que lhe é inevitável e é irrealizável, que é a idealização do filho perfeito para os pais, aquele filho que os pais desejariam ser ou que já foram. Nessa relação os pais amam uma criança idealizada (MOREIRA, 2009). Enquanto o eu-ideal se encontra (narcisismo primário) de forma perfeita e completa, coincide com o eu-prazer, há uma posse do deleite desse momento, o ideal do eu é baseado nos imperativos sociais. É um movimento de suplantação, e não de substituição, efetivo do eu-ideal pelo ideal do outro. Ambos os processos, demonstram intentos de preservação e recuperação da onipotência infantil num processo de idealização, que para Freud é o engrandecimento e exaltação do objeto sem que esse sofra alteração na sua natureza, ocorrendo uma ascensão do objeto ao estado de modelo, de uma imagem ideal (FERES, 2009). O narcisismo irá sinalizar que o eu se constitui alicerçado a um outro. Outro esse que, por seu intermédio, se institui e se forma a partir da imagem do outro, como um espelho. A relação entre a gênese do eu e do narcisismo, conforme Feres (2009, p. 230): A gênese do eu está referendada no conceito do narcisismo. O sentido particular da ideia de narcisismo dentro da obra freudiana: refere-se à construção de uma imagem a que chamamos de eu, uma armação que é determinada pelo Conceito do eu e da personalidade4 vínculo erótico com essa imagem. O narcisismo, contudo, não se encerra aí. Ele perdura por meio da manutenção do investimento nessa imagem idealizada de si. O narcisismo, em psicanálise, se refere, portanto, ao movimento da libido sobre si mesma, constituindo o eu como objeto e sujeito de investimentos. Na próxima seção estudaremos o surgimento da psicanálise e da noção de personalidade, sobretudo a partir dos estudos freudianos. Personalidade e psicanálise A psicanálise surgiu no final do século XIX e início do século XX, quando Sigmund Freud (1856–1939), iniciou uma transformação do olhar médico, que passou a considerar as teorias concebidas pelos próprios pacientes. No seu artigo A hereditariedade e a etiologia das neuroses, de 1896, Freud utiliza pela primeira vez a palavra “psico-análise” (FREUD, 1996e, p. 83), para denominar um método particular de psicoterapia (tratamento pela fala) pautado na investi- gação do inconsciente, com o auxílio da associação livre, por parte do paciente, e da interpretação, por parte do psicanalista. O termo psicanálise, abrange: 1) tratamento realizado conforme esse método; 2) abordagem fundada por Freud que compreende um método terapêutico, uma organização clínica, uma técnica psicanalítica, um sistema de pensamento e um modo de transmissão do saber (análise didática, supervisão) que se fundamenta na transferência e outorga formar praticantes do inconsciente; 3) uma escola de pensamento que engloba todas as correntes do freudismo. Mais tarde, em 1922, Freud salienta seus pilares teóricos: o inconsciente, o complexo de édipo, a resistência, o recalque e a sexualidade (ROUDINESCO; PLON, 1998). Na obra de Freud podem ser encontradas muitas modificações de constructos teóricos que foram edificados durante mais de 40 anos, e muitas vezes ele fez correções, discussões, retificações, supressões, melhorias e ampliações até o final da vida. Para entendimento dessa importante e grande abordagem, faz-se necessário o entendimento da sua metapsicologia e de seus principais princípios. Metapsicologia é um termo criado por Freud, onde estão os conceitos básicos de psicanálise, que corresponderia a um saber aberto à experiência, a revisões sistemáticas e decorrente do uso e da referência permanente desses conceitos. Ela se define pela consideração simultânea do ponto de vista tópico, dinâmico e econômico. Esse conceito surgiu na correspondência de Freud com Fliess, entre 1896 e 1898. O ponto de vista tópico se refere ao lugar, não anatômico, às regiões do mecanismo mental, onde quer que estejam situadas no corpo. O ponto de vista dinâmico se refere à noção de conflito, que pelo princípio de 5Conceito do eu e da personalidade constância: todo o aumento de energia deve ser resolvido para manter a energia do aparelho psíquico constante, senão será vivido como tensão e desprazer. Do ponto de vista econômico se refere à energia, libido ou pulsão que se põe em jogo e como esta energia se move dentro do aparelho psíquico. Grande parte da obra freudiana pode ser agrupada sob o título metapsi- cologia. Os escritos metapsicológicos estão em Projeto para uma psicologia científica (1895), quando tenta descrever o aparelho psíquico recorrendo so- mente a conceitos quantitativos e ao modelo físico de transmissão por impulsos dos neurônios e o funcionamento da memória, da percepção. No capítulo VII (1900) de Interpretação dos sonhos, Freud fala da realização do sonho como uma forma alucinada de um desejo infantil recalcado, processos primários da conversação e do deslocamento. Os trabalhos escritos entre 1914 e 1917 que estão no volume XIV, Artigos sobre metapsicologia, tratam das pulsões e seus destinos, recalcamento, inconsciente, luto e melancolia e introdução ao narcisismo. Em 1920, Freud em Mais além do princípio do prazer, introduz a noção de pulsão de morte, um novo dualismo pulsão de vida e pulsão de morte, noção de repetição (O QUE É..., 2017). Segundo Zimerman (2007, p. 131), “pode-se depreender a existência de vários e distintos princípios agindo simultaneamente e interagindo entre si, embora cada um mantenha uma autonomia conceitual, com regras e leis espe- cíficas” e dentre os vários princípios destaca oito mais importantes: existência do inconsciente; existência das pulsões; determinismo psíquico; princípio do prazer — desprazer e o princípio da realidade; da constância; ponto de vista econômico do psiquismo; compulsão a repetição, da negatividade e o princípio da incerteza. Analisaremos os dois mais significativos para o entendimento da psicanálise no nosso estudo: Princípio da existência do inconsciente Freud verificou que existia outra lógica agindo na estrutura psíquica, além da consciência. Com a sua questão sobre para que lugar seguiriam todos os objetos reprimidos pela mente humana e de que maneira operava o esquecimento em seus pacientes, passou a demarcar uma instância denominada inconsciente. O inconsciente, na psicanálise, é um lugar que a consciência desconhece. Na 1ª tópica, o inconsciente era uma instância ou sistema (Ics) formado por conteúdos recalcados que escapam às outras instâncias, o pré-consciente e o consciente. Na 2ª tópica, deixa de ser uma instância, passando a servir para qualificar o isso e em grande parte o eu e o supereu (ROUDINESCO; PLON, 1998, p. 375). Conceito do eu e da personalidade6 O inconsciente se revela à consciência por meio do sonho, dos lapsos, dos jogos de palavras e dos atos falhos. O inconsciente é simultaneamente interno ao sujeito (e a sua consciência) e externo no sentido de que não pode ser dominado pelo pensamento consciente. Princípio da existência das pulsões As pulsões, um grande conceito da psicanálise, são representações psicológicas das excitações provenientes do corpo e chegam ao psiquismo. Em 1915, emAs pulsões e suas vicissitudes, Freud (1996f) definiu quatro características das pulsões: 1. força ou pressão (âmago da pulsão e a posiciona como o motor da atividade psíquica; 2. alvo (a satisfação implica a eliminação da excitação que se encontra na gênese da pulsão; 3. objeto (é o meio dela atingir seu alvo); 4. fonte (é o processo somático, posicionado numa parte do corpo ou num órgão, cuja excitação é representada no psiquismo pela pulsão). Em 1920, em Além do princípio do prazer, Freud (1996f) introduziu um novo dualismo pulsional, opondo as pulsões de vida às pulsões de morte. Com relação à pulsão de morte freudiana, Roudinesco e Plon (1998, p. 631) explicam: [...] foi a partir da observação da compulsão à repetição que Freud pensou teorizar aquilo a que chamou de pulsão de morte. De origem inconsciente e, portanto, difícil de controlar, essa compulsão leva o sujeito a se colocar repe- titivamente em situações dolorosas réplicas de experiências antigas [...] como também relacionou-a igualmente com a tendência destrutiva e autodestrutiva que havia identificado em seus estudos sobre o masoquismo [...] A pulsão de morte tornou-se, assim, o protótipo da pulsão, na medida em que a especificidade pulsional reside nesse movimento regressivo de retorno a um estado anterior. Em 1933, nas Novas conferências introdutórias sobre psicanálise, Freud (1996g) refere que a pulsão de morte está presente em qualquer processo de vida, pois afronta-se com a pulsão de vida ou pulsões do eu. Para Dolto (2008), a pulsão de morte é caracterizada por não ter nenhuma representatividade, e predominam nos estados de sono profundo, nas ausências e no coma, onde a morte (não é a morte real) é um descansar, ou como quando a pessoa desmaia frente a uma emoção muito forte, é como retirar-se e ficar num estado semelhante à morte. 7Conceito do eu e da personalidade Personalidade Na psicanálise a personalidade é constituída pelos três grandes sistemas: o id, o ego e o superego. O id é o sistema originário da personalidade, é a instância inconsciente, sendo o reservatório das energias psíquicas, onde se localizam as pulsões, os instintos, os desejos. São impulsos com uma torrente de energia ilimitada que exerce pressão contínua sobre a personalidade, cujo objetivo é a satisfação imediata para reduzir a tensão, pois é regido pelo princípio do prazer, que a realidade impede esta descarga e está presente desde o nasci- mento. O ego representa a realidade, tenta equilibrar as demandas do id com as exigências da realidade do mundo externo e as ordens do superego. É a instância que busca manter a segurança do indivíduo e ajuda na integração com a sociedade. O ego é regido pelo princípio da realidade, sendo um regulador com as funções básicas de percepção, memória, sentimento e pensamento. O ego representa a personalidade, é o “eu” do indivíduo, que toma decisões e controla ações considerando as condições objetivas da realidade (sociedade) e se desenvolve desde o nascimento. O superego se forma no desenvolvimento da infância, quando ocorre a internalização das proibições, dos limites e da autoridade imposta pelos pais e professores — em conformidade com a rea- lidade. Quando as exigências sociais e culturais são internalizadas, ninguém mais necessita “dizer não”, a proibição já está dentro de si, o que gera muitos conflitos internos (FELDMAN, 2015). Complementarmente, Bock, Furtado e Teixeira (2001, p. 101) explicam a relação entre o id, o ego e o superego: O ego e, posteriormente, o superego são diferenciações do id, o que demonstra uma interdependência entre estes três sistemas, retirando a ideia de siste- mas separados. O id refere-se ao inconsciente, mas o ego e o superego têm, também, aspectos ou ‘partes inconscientes’. Estas instâncias comportam as experiências pessoais de cada um e expressam o estágio de desenvolvimento que está no momento. Para Freud, a personalidade se desenvolve por meio de cinco estágios (oral, anal, fálico, latência e genital), durante os quais as crianças enfrentam confli- tos originados pelas demandas da sociedade e os próprios impulsos sexuais (nessas fases a sexualidade é relacionada com a experiência do prazer; e, não do prazer das relações sexuais da fase genital). Esses conflitos, quando não solucionados em determinada fase, implicam numa fixação nesse estágio que persistem até a fase adulta. O entendimento e o conhecimento dessa estrutura, Conceito do eu e da personalidade8 com as experiências e dificuldades dos estágios, podem indicar características específicas na personalidade adulta. A dinâmica que ocorre no desenvolvimento da personalidade e os conflitos enfrentados geram ansiedade e, para dar conta do desconforto e desprazer, Freud atribuiu esse processo aos mecanismos de defesa, operado pelo ego que exclui da consciência os conteúdos indesejáveis, protegendo o aparelho psíquico. O ego movimenta esses recursos para suprimir ou dissimular a percepção de perigo interno, com estratégias de defesa inconscientes para reduzir a ansiedade, alterando a percepção da realidade, encobrindo a fonte de ansiedade de si mesmo. Os mecanismos utilizados são a repressão, regressão, deslocamento, racionalização, negação, projeção, sublimação e formação reativa, que podem ser utilizados de forma ampla e variada para defesa da ansiedade. As pessoas utilizam esses mecanismos de defesa em algum grau e, quando se tornam excessivos, para esconder e recanalizar os impulsos in- concebíveis, podem gerar transtorno mental produzido pela ansiedade — que Freud denominou de “neurose” (FELDMAN, 2015). Livro Teorias da personalidade Nesse livro, os autores mostram que a personalidade é amplamente estudada na psicologia. Especificamente, as abordagens que consideram que a personalidade é motivada por forças e conflitos internos de pouca consciência e controle pelo indivíduo são as abordagens psicodinâmicas, cujo pioneiro foi Sigmund Freud e, posteriormente, Carl Jung, Karen Horney e Alfred Adler. Para Hall, Lindzey e Campbell (2007, p. 32), “embora a diversidade no uso comum da palavra personalidade possa parecer considerável, ela é superada pela variedade de significados atribuídos ao termo pelos psicólogos”. Fonte: Hall, Lindzey e Campbell (2007). Principais características do id, ego e superego Segundo a psicanálise, o aparelho psíquico constitui-se de instâncias, no qual a atividade mental é instituída por um dinamismo psíquico, conduzido pelo conceito de um inconsciente dinâmico. Na 2ª tópica, os distintos estados da 9Conceito do eu e da personalidade consciência (inconsciente, pré-consciente e consciente) da 1ª tópica, foram suplantados pela teoria estrutural, quando desenvolveu o princípio do prazer (ligado fundamentalmente à libido-id) e o princípio da realidade (referente ao equilíbrio controlado pelo ego (LOBATO, 2013). O id é o reservatório pulsional desorganizado, constituído num legítimo caos, sendo sede das paixões indomesticáveis, sem a intervenção do eu, é sede da pulsão de vida e de morte. Representa o mundo interno da experiência subjetiva, que Freud chamou de “a verdadeira realidade psíquica”. Quando o nível de tensão do organismo intensifica-se, devido a estimulações externas ou de excitações internamente construídas, o id atua descarregando a tensão de imediato e faz o organismo retroceder a um nível de energia apropriado, constante e baixo. Esse preceito de atenuação de tensão realizado pelo id é chamado de princípio do prazer, ou seja, o id não suporta o desprazer (HALL; LINDZEY; CAMPBELL, 2007). Segundo Zimerman (2012, p. 155), a etimologia do termo id designa: O que está no inconsciente, a sede das pulsões instintivas, e foi escolhido por Freud porque em alemão o original é das es, que traduzido para o português é isso, o que designa um pronome da terceira pessoa do singular (es) neutro, sem gênero nem número, assim caracterizado a maneira impessoal, biológica, de como as desconhecidaspulsões instintivas agem sobre o ego. Para sentir prazer e livrar-se da dor, o id tem sob seu controle dois processos: as ações reflexas e o processo primário. As ações reflexas são respostas naturais e espontâneas, como tossir e bocejar, que eliminam a tensão imediatamente. O organismo é munido com vários desses reflexos que resolvem as excitações simples. O processo primário abrange ações mais complexas. Para aliviar a tensão, forma uma imagem de um objeto que irá afastar a tensão. Esse processo da experiência imaginária alucinatória em que o objeto desejado é apresentado através de uma imagem de memória é chamado de realização do desejo. Os sonhos, alucinações e visões dos psicóticos são exemplos do processo primário. Segundo Hall, Lindzey e Campbell (2007, p. 54), “essas imagens mentais de realização do desejo são a única realidade conhecida pelo id”. A perspectiva imaginária da vida psíquica manifesta-se na consciência em duas situações, como conteúdo manifesto e como conteúdo latente (in- consciente e dissimulado). Como conteúdo manifesto encontram-se os “atos falhos”, que compreendem além das ações específicas, todo tipo de erro, de lapsos na palavra e na atividade psíquica, como também são ocorrências não intencionais de um desejo reprimido no inconsciente, indicando um transtorno passageiro (LOBATO, 2013). Conceito do eu e da personalidade10 O ego é a instância mental que percebe e vigia todos os seus processos próprios e constituídos e que mesmo ao dormir à noite, ainda exerce uma dominação sobre os sonhos, é regido pelo princípio da realidade Nisso observa- -se a atuação da repressão, em razão disso busca excluir da mente certas disposições, não somente da consciência como também de outras formas de conhecimento e atividade. Freud reconhece que o inconsciente não corresponde ao reprimido; mas tudo o que é reprimido é inconsciente. Como também parte do ego pode ser inconsciente. “[...] o ego é aquela parte do id que foi modificada pela influência direta do mundo externo, por intermédio do [processo da percepção-consciência]” (Freud, 1996a, p. 16). Esse inconsciente que pertence ao ego não é oculto como o pré-consciente, pois se isso fosse verdade, não seria capaz de ser ativado sem ficar consciente, e o processo de transformar-se consciente não se depararia com grandes obstáculos (FREUD, 1996a). Para que algo se torne consciente e pré-consciente será necessário se co- nectar às representações verbais equivalentes. Representações estas que são vestígios de recordações, que foram anteriormente percepções e como todos os vestígios mnêmicos (relativo a memória), conseguem tornar-se conscientes. Ficou evidente para Freud que com esta descoberta o conteúdo que somente já foi uma percepção consciente pode tornar-se consciente, ou seja, qualquer objeto proveniente do interior (fora os sentimentos), para tornar-se consciente, necessitará converter-se em percepções externas e isto é possível por intermédio dos traços mnêmicos (FREUD, 1996a). No artigo Emoções inconscientes, Freud (1996h) explicita a expressão acima sobre os sentimentos. Faz parte da natureza que sentimentos, emoções e afetos sejam conhecidos pela consciência, ficando excluída a possibilidade de serem inconscientes. O impulso afetivo original é inconsciente, porém seu afeto nunca foi inconsciente, pois somente a sua ideia foi reprimida. Ou seja, afeto inconsciente e emoção inconsciente são transformações sofridas devido à repressão por motivos quantitativos no impulso instintual. E o que existe são ideias inconscientes. Porém, pode existir estruturas afetivas no sistema inconsciente, que podem tornar-se conscientes. O que diferencia as ideias dos afetos, é que as ideias são catexias (investimentos) - traços mnêmicos e os afetos e as emoções caracterizam-se por processos de descarga motora, e as manifestações finais percebidas como sentimentos (FREUD, 1996h). O ego é a instância do psiquismo que se relaciona com o mundo externo. A diferença fundamental entre o ego e o id é que o ego acata o princípio da realidade, diferenciando o que é da mente e o que do mundo externo e o id segue o princípio do prazer conhecendo somente a realidade subjetiva da mente. O princípio da realidade tem como objetivo livrar-se da descarga de 11Conceito do eu e da personalidade tensão até que possa encontrar um objeto adequado para a sua satisfação, interrompendo provisoriamente o princípio do prazer. Complementarmente, sobre o ego Hall, Lindzey e Campbell (2007, p. 57) explicam: O ego é o executivo da personalidade porque ele controla o acesso à ação, seleciona as características do ambiente às quais irá responder e decide que instintos (pulsões) serão satisfeitos e de que maneira. Ao realizar essas fun- ções executivas imensamente importantes, o ego precisa tentar integrar as demandas muitas vezes conflitantes do id, do superego e do mundo externo. Essa não é uma tarefa fácil e em geral coloca grande tensão sobre o ego. [..] o ego é a porção organizada do id, que passa a existir para atingir os objetivos do id e não para frustrá-los, e que todo o seu poder se deriva do id [...] nunca se torna completamente independente. O superego é a instância cuja característica assemelha-se a um juiz no tocante ao ego e visa também impedir a passagem dos impulsos do id. É o último a se desenvolver na estrutura da personalidade, sendo a força moral, representa as normas e valores, tendo internalizado os padrões morais dos pais e pelo sistema de punições (sentimento de culpa) quando a criança faz algo errado e recompensas quando realiza algo de forma satisfatória. Se desenvolve durante a fase fálica (dos três aos cinco anos) durante o complexo edípico. Busca mais a perfeição do que o prazer (HALL; LINDZEY; CAMPBELL, 2007). Ao estudarmos a constituição do eu, abordamos o narcisismo primário (eu ideal) que a criança abandona quando enfrenta outro ideal — o ideal do eu. Os conflitos entre o eu e o ideal representarão a oposição entre a realidade e o psíquico, o mundo externo e o mundo interno. Freud, em 1933, forneceu um quadro pormenorizado da formação do superego e suas funções. A formação do superego é correlacionada a extinção da estrutura edipiana. Num primeiro momento, o superego é constituído pela autoridade dos pais na evolução infantil, com a alternância as provas de amor e as punições. Num segundo momento, a criança abdica à satisfação edipiana, e as proibições externas são internalizadas. Esse é o momento que o superego substitui a instância parental por meio de uma identificação e a partir de então passa a ser a sede de auto-observação, como detentor da consciência moral, convertendo-se no portador do ideal do eu, da mesma forma que o eu se compara, almeja e empenha-se em buscar um aperfeiçoamento cada vez mais arrojado. Sobre a severidade do supereu, Roudinesco e Plon (1998, p. 745) acrescentam: A severidade e o caráter repressivo do supereu não devem ser concebidos como pura e simples repetição das características parentais. Essa severidade e essa Conceito do eu e da personalidade12 tendência repressora manifestam-se com força ainda maior, com efeito, nos casos em que o sujeito recebe uma educação benevolente que exclua toda e qualquer forma de brutalidade; essas características são produto do adestra- mento precoce das pulsões sexuais e agressivas por um superego colocado a serviço das exigências da cultura. Dessa forma, conhecemos os sistemas da estrutura da personalidade que dinamicamente se entrelaçam e se distanciam, como num trabalho de equipe, sob o comando do ego. 13Conceito do eu e da personalidade AMOR, A. R. de S.; CHATELARD, D. S. Considerações sobre tempo e constituição do sujeito em Freud e Lacan. Tempo psicanalítico, Rio de Janeiro, v. 48, n. 1, p. 65-85, jun. 2016. Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/pdf/tpsi/v48n1/v48n1a05.pdf>. Acesso em: 21 out. 2018. BOCK, A. M. B.; FURTADO, O.; TEIXEIRA, M. de L. T. Psicologias: umaintrodução ao estudo de Psicologia. 13. ed. 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