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III Re vi sã o: G us ta vo - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 19 /0 5/ 20 15 FISIOLOGIA Autora: Profa. Daniella do Carmo Buonfiglio Colaboradoras: Profa. Fernanda Torello de Mello Profa. Cristiane Jaciana Furlaneto Profa. Claudia Ferreira dos Santos Ruiz Figueiredo Profa. Paula Juliana Ferreira Albero Fisiologia IV Re vi sã o: G us ta vo - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 19 /0 5/ 20 15 Unidade I Professora conteudista: Daniella do Carmo Buonfiglio Daniella do Carmo Buonfiglio é licenciada e bacharel em Ciências Biológicas pela Universidade Metodista de São Paulo e doutora em Ciências (na área de fisiologia humana) pela Universidade de São Paulo. Seu interesse em neurofisiologia e, particularmente, na cronobiologia conduziu‑a a realizar o doutorado com o professor doutor José Cipolla‑Neto, do Instituto de Ciências Biomédicas, da USP. Durante seu doutorado, desenvolveu um projeto paralelo como parte de um estágio na Université Louis Pasteur, em Strasbourg, França, na qual aprendeu novas técnicas que seriam utilizadas posteriormente em seu trabalho no Brasil. Já pós‑graduada, decidiu continuar sua linha de pesquisa, no doutorado, sobre os ritmos circadianos na retina de animais diabéticos, aprofundando nos mecanismos de ação. Durante seu pós‑doutorado, começou a experiência docente com a orientação de alunos de iniciação cientifica. Atualmente, ministra aulas de fisiologia humana, citologia e histologia na Universidade Paulista (UNIP), para os cursos de graduação em Biologia, Farmácia e Biomedicina. Recentemente, retornou à pesquisa, realizando um novo pós‑doutorado na Universidade de São Paulo, estudando o impacto da obesidade no comportamento maternal e lactação. © Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) B943f Buonfiglio, Daniella do Carmo. Fisiologia. / Daniella do Carmo Buonfiglio. – São Paulo: Editora Sol, 2015. 176 p., il. Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP, Série Didática, ano XXI, n. 2‑121/15, ISSN 1517‑9230. 1. Fisiologia. 2. Sistema muscular. 3. Sistema cardiovascular. I. Título. CDU 612 V Re vi sã o: G us ta vo - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 19 /0 5/ 20 15 FISIOLOGIA Prof. Dr. João Carlos Di Genio Reitor Prof. Fábio Romeu de Carvalho Vice-Reitor de Planejamento, Administração e Finanças Profa. Melânia Dalla Torre Vice-Reitora de Unidades Universitárias Prof. Dr. Yugo Okida Vice-Reitor de Pós-Graduação e Pesquisa Profa. Dra. Marília Ancona‑Lopez Vice-Reitora de Graduação Unip Interativa – EaD Profa. Elisabete Brihy Prof. Marcelo Souza Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar Prof. Ivan Daliberto Frugoli Material Didático – EaD Comissão editorial: Dra. Angélica L. Carlini (UNIP) Dra. Divane Alves da Silva (UNIP) Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR) Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT) Dra. Valéria de Carvalho (UNIP) Apoio: Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos Projeto gráfico: Prof. Alexandre Ponzetto Revisão: Gustavo Guiral Lucas Ricardi Re vi sã o: G us ta vo - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 19 /0 5/ 20 15 Sumário Fisiologia APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................9 INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................................9 Unidade I 1 SISTEMA RENAL ............................................................................................................................................... 11 1.1 Morfologia funcional do rim ........................................................................................................... 11 1.2 Filtração glomerular ............................................................................................................................ 16 1.3 Absorção, excreção e formação da urina ................................................................................... 19 1.4 Túbulo proximal .................................................................................................................................... 20 1.5 Alça de Henle ......................................................................................................................................... 22 1.6 Túbulo distal e túbulo coletor ......................................................................................................... 24 2 REGULAÇÃO DO SISTEMA RENAL ............................................................................................................. 25 2.1 Regulação da reabsorção de NaCl e água .................................................................................. 25 2.2 Regulação do volume e osmolaridade pelo rim ...................................................................... 25 3 SISTEMA ENDÓCRINO ................................................................................................................................... 30 3.1 Classificação dos hormônios ........................................................................................................... 30 3.2 Regulação da secreção hormonal ................................................................................................. 33 3.3 Sistema hipotálamo‑hipófise .......................................................................................................... 34 3.4 Neuro‑hipófise (posterior) ................................................................................................................ 35 3.5 Adeno‑hipófise (anterior) ................................................................................................................. 35 3.6 Glândula tireoide .................................................................................................................................. 42 3.6.1 Síntese dos hormônios tireoidianos ................................................................................................ 43 3.6.2 Secreção dos hormônios tireoidianos ............................................................................................ 44 3.6.3 Funções dos hormônios tireoidianos .............................................................................................. 45 3.7 Glândula paratireoide ......................................................................................................................... 47 3.8 Pâncreas endócrino ............................................................................................................................. 48 3.9 Glândula adrenal .................................................................................................................................. 51 3.9.1 Medula adrenal ........................................................................................................................................ 52 4 GÔNADAS – SISTEMAS REPRODUTORES MASCULINO E FEMININO .......................................... 56 4.1 Sistema reprodutor masculino ....................................................................................................... 56 4.2 Sistema reprodutor feminino ..........................................................................................................62 Unidade II 5 SISTEMA CARDIOVASCULAR ....................................................................................................................... 79 5.1 Circulação do sangue (circulação pulmonar e sistêmica) ................................................... 81 Re vi sã o: G us ta vo - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 19 /0 5/ 20 15 5.2 Ciclo cardíaco ......................................................................................................................................... 83 5.2.1 Bulhas cardíacas ...................................................................................................................................... 85 5.3 Débito cardíaco ..................................................................................................................................... 85 5.4 Automatismo cardíaco ....................................................................................................................... 86 5.5 Potencial de ação cardíaco ............................................................................................................... 87 5.6 Ritmicidade cardíaca e o sistema de condução ....................................................................... 90 5.7 Eletrocardiograma (ECG) ................................................................................................................... 91 5.8 Regulação da pressão arterial ......................................................................................................... 92 5.9 Regulação neural da pressão arterial ........................................................................................... 94 5.10 Regulação humoral da pressão arterial .................................................................................... 96 6 SISTEMA SANGUÍNEO.................................................................................................................................... 99 6.1 Composição do sangue (porção líquida e celular) .................................................................. 99 6.2 Funções dos eritrócitos, leucócitos e plaquetas ....................................................................102 6.3 Tipos sanguíneos ................................................................................................................................107 6.4 Hemostasia............................................................................................................................................109 Unidade III 7 SISTEMA RESPIRATÓRIO .............................................................................................................................117 7.1 Vias aéreas – porção condutora e respiratória .......................................................................117 7.2 Mecânica ventilatória, volumes e capacidades pulmonares ............................................121 7.3 Difusão dos gases, transporte dos gases pelo sangue e pressões de trocas gasosas .............................................................................................................................................126 7.4 Transporte de oxigênio no sangue ..............................................................................................128 7.5 Controle nervoso da respiração ....................................................................................................132 8 SISTEMA DIGESTÓRIO ..................................................................................................................................132 8.1 Estrutura geral do sistema digestório: processos de mastigação, deglutição, digestão, absorção e defecação ...........................................................................................................132 8.2 Resposta integrada a uma refeição ............................................................................................140 8.3 Glândulas anexas: fígado e pâncreas .........................................................................................152 8.4 Digestão e absorção dos carboidratos .......................................................................................154 8.5 Digestão e absorção das proteínas .............................................................................................155 8.6 Digestão e absorção dos lipídios ..................................................................................................156 8.7 Secreção e absorção de água e eletrólitos ...............................................................................157 9 Re vi sã o: G us ta vo - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 19 /0 5/ 20 15 APRESENTAÇÃO A disciplina de Fisiologia pretende demonstrar o desempenho e a disposição dos diversos órgãos, abordando aspectos fisiológicos, anatômicos e moleculares de cada sistema estudado, para que o aluno possa integrar esse conhecimento à sua área de atuação profissional. Iniciaremos nossos estudos abordando os aspectos fisiológicos do sistema renal, responsável pela depuração do organismo. Em seguida, trataremos do sistema endócrino, o qual, por meio dos hormônios, modula e integra todas as funções do organismo. Posteriormente serão estudados os sistemas cardiovascular e sanguíneo, responsáveis pelo transporte e pela distribuição de substâncias para todo organismo; bem como o sistema respiratório, especializado na captação do oxigênio (O2) e na eliminação do gás carbônico (CO2). Por fim analisaremos o sistema digestório, que trata dos eventos relacionados à mastigação, à digestão e à absorção dos nutrientes oriundos da alimentação. INTRODUÇÃO A palavra “fisiologia” origina‑se de dois termos gregos: physis (natureza) e logos (estudo). Então, de forma literal, significa o estudo da natureza. Entretanto, o termo refere‑se aos estudos dos fenômenos naturais de origens biológicas, tanto animal quanto vegetal. O presente livro abordará a fisiologia como a ciência que investiga as funções naturais do organismo vivo e, também, os mecanismos pelos quais ocorrem os diversos fenômenos biológicos essenciais à vida. As pesquisas sobre fisiologia humana interrogam as características e os mecanismos do funcionamento do corpo humano. Para que ele funcione adequadamente, é necessário que todos os sistemas (cardiovascular, respiratório, digestório, renal, endócrino e nervoso) trabalhem de forma integrada, com o propósito de manter o equilíbrio do meio interno, denominada “homeostase”. Quando um dos sistemas deixa de funcionar de forma natural, ou seja, não fisiológica, determinado sistema pode perder total ou parcialmente a função; nesse momento, entramos em outro campo de estudo: a patofisiologia. Porém, para entendermos os mecanismos das doenças, antes, precisamos entender como é o funcionamento de um organismo saudável, e isso é responsabilidade da fisiologia. O estudante sabe, baseado em experiência de vida (de forma empírica), o que é fisiologia. Ao decorrer das unidades, ele perceberá que diversos eventos fisiológicos, aqui descritos, são observáveis em seu dia a dia. Ele entenderá, por exemplo, porque salivamos quando sentimos o cheiro de comida apetitosa ou porque nossas avós estavam corretas quando diziam que, para crescer, precisávamos dormir. O corpo funciona a partir de diversos processos complexos, que serão abordados neste livro de forma clara e bastante harmoniosa para facilitar a aprendizagem do estudante de ciências biológicas. Pretendemos, com este livro, não apenas contribuir para a formação de futuros biólogos, mas também despertar a disposição, em cada aluno, ao aprofundamento na investigação dessa poderosa máquina, que é o corpo humano. 11 Re vi sã o: G us ta vo - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 19 /05/ 20 15 FISIOLOGIA Unidade I 1 SISTEMA RENAL 1.1 Morfologia funcional do rim O organismo humano apresenta dois rins, órgãos com a forma de feijão situados na região lombar, de ambos os lados da coluna vertebral (figura 65). Os rins são órgãos que filtram o sangue e produzem a urina, uma solução aquosa que contém grande número de substâncias dissolvidas, muitas delas produtos do metabolismo celular que são excretados, como ureia, ácido úrico, creatinina e outros, mas também eletrólitos como NaCl, KCl, ácidos, bases como o bicarbonato, íons cálcio, fosfato, sulfato, entre outros, cuja excreção urinária contribui para a regulação da constituição hidrossalina do meio interno, particularmente do meio extracelular. Portanto, a partir da filtração sanguínea, as duas funções principais do rim são: • a eliminação de produtos tóxicos provenientes da degradação de moléculas do metabolismo celular; e • a regulação da constituição do meio interno, por meio da regulação da reabsorção ou secreção de vários componentes desse meio (CURI; PROCOPIO, 2009). Veia cava inferior Rim Rim Ureter Bexiga urinária Artéria aorta Uretra Próstata Figura 1 – Anatomia do aparelho excretor 12 Re vi sã o: G us ta vo - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 19 /0 5/ 20 15 Unidade I O rim é composto por uma parte mais externa ou superficial, o córtex renal, e a porção interna, a medula renal, constituída por pirâmides, cuja ponta está envolvida pelos cálices; eles, por sua vez, vão juntar‑se na pélvis renal, estrutura membranosa que vai coletar a urina liberada na ponta das pirâmides e levá‑la ao ureter (figura 66). Os dois ureteres, um proveniente de cada rim, terminam na bexiga, e de lá a urina será levada ao exterior pela uretra, cujo meato ou abertura externa está localizado na ponta da glande do pênis, no homem (figura 67), e na região vulvar, na mulher (CURI; PROCOPIO, 2009). Cápsula Córtex Medula Artéria renal Veia renal Pélvis ou bacinete Cálice maior Cálice menor Árvore cortical Artéria interilobular Duto coletor maior (ou duto de Bellini) Corpúsculo renal (ou corpúsculo de Malpighi) Cápsula glomerular (ou cápsula de Bowman) Duto coletor Glomérulo Néfron Pirâmide Papila da pirâmide Rim completo Veia interiobular Glomérulos Glomérulos justamedulares Ureter Sangue Hilo Figura 2 – Anatomia interna do rim humano A circulação renal é iniciada com a artéria renal, entrando no rim pelo hilo, em proximidade ao ureter, e daí divide‑se em artérias interlobares e arqueadas. Dessas artérias, originam as artérias interlobulares, das quais partem as arteríolas aferentes dos glomérulos renais, estruturas responsáveis pela ultrafiltração do sangue. As arteríolas eferentes dos glomérulos dão origem aos capilares peritubulares, que vão irrigar os túbulos renais, e por fim vão originar as vênulas e veias renais. As arteríolas e os capilares mais profundos, próximos à medula renal, podem dar origem a longas alças capilares que se aprofundam na medula, podendo atingir a ponta das pirâmides renais. Somente depois de completar esse percurso, de volta ao córtex, é que essas alças vão formar vênulas e veias. Tais vasos capilares longos são chamados vasos retos (vasa recta) e têm grande importância no sistema contracorrente da medula renal, responsável pela concentração da urina e formação de urina hipertônica. Há também vasos retos formados diretamente a partir das artérias interlobulares, que não passam pelo glomérulo. Cada um dos glomérulos, por sua vez, dá origem a um néfron (figuras 68 e 69): uma estrutura tubular que vai modificar o ultrafiltrado do sangue por reabsorção da sua maior parte e por secreção de algumas substâncias. A urina final formada será levada pelos ductos coletores até a ponta das pirâmides renais e daí à pélvis renal, ureter, bexiga e, por meio da uretra, ao exterior. Em seu conjunto, os dois rins contêm 13 Re vi sã o: G us ta vo - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 19 /0 5/ 20 15 FISIOLOGIA cerca de 2 milhões de néfrons, tendo cada néfron a capacidade de formar urina por si só. Por conseguinte, na maioria dos casos, não é necessário considerar todo o rim, mas apenas a função de um único néfron, para explicar a função do rim. O néfron é constituído basicamente por: • um glomérulo, pelo qual o líquido é filtrado do sangue; e • um longo túbulo no qual o líquido filtrado é transformado em urina no seu trajeto até a pélvis renal (GUYTON; HALL, 2011; CURI; PROCOPIO, 2009). Arteríola eferente Cápsula glomerular Túbulo contorcido proximal Túbulo contorcido distal Glomérulo renal Arteríola aferente Duto coletor Alça néfrica Figura 3 – Estrutura do néfron: a unidade funcional do rim As características dos néfrons diferem ligeiramente, dependendo de sua profundidade no interior da massa renal. Os néfrons cujos glomérulos ficam situados próximo à superfície do rim são denominados néfrons corticais. Esses néfrons possuem segmentos delgados muito curtos em suas alças de Henle (alça néfrica), e as alças penetram apenas por uma distância muito pequena na porção externa da medula. Cerca de um quinto a um terço dos néfrons apresenta glomérulos localizados na profundidade do córtex renal, próximo à medula; esses néfrons são denominados néfrons justamedulares. Possuem alças de Henle muito longas com segmentos delgados especialmente longos que penetram profundamente na zona interna da medula; algumas seguem até as pontas dos cálices renais. A primeira estrutura que faz parte do néfron é o glomérulo, em que ocorre o processo de ultrafiltração; em seguida, o ultrafiltrado penetra em um sistema de túbulos renais, o primeiro dos quais é o túbulo contorcido proximal, repleto de convoluções que lhe aumentam o comprimento e a área. Segue‑se a parte reta do túbulo proximal, aprofundada linearmente em direção à medula renal. Essa parte reta já integra a alça de Henle, seguindo‑se o ramo descendente delgado dessa alça, que é longa nos néfrons justamedulares, percorrendo a faixa interna da medula externa e toda a medula interna, mas que é quase inexistente nos néfrons corticais, nos quais não penetra na medula interna. Após a dobra da alça, inicia‑se o ramo ascendente delgado da alça de Henle, seguido pelo ramo ascendente grosso ou espesso da alça. A alça de Henle é a estrutura mais importante na geração da hipertonicidade urinária, que é baseada na disposição em contracorrente 14 Re vi sã o: G us ta vo - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 19 /0 5/ 20 15 Unidade I desta alça. Esse ramo ascendente aproxima‑se novamente ao glomérulo renal, e é nesse local que se situa a mácula densa, estrutura diferenciada do túbulo que funciona como um detector de variações na concentração iônica do lúmen tubular, sendo parte de um mecanismo de regulação da reabsorção de sal. Em seguida, já de volta ao córtex renal, inicia‑se o túbulo contorcido distal, ao qual se segue um curto segmento denominado túbulo conector. Começa em seguida o duto coletor cortical, que é formado pela junção de vários néfrons, e que se aprofunda em direção à medula renal. Seguem‑se o duto coletor medular externo, na medula externa, e o coletor medular interno, na medula interna, o qual se abre na ponta da pirâmide renal. O coletor medular externo pode ser subdividido em segmentos da faixa externa e da faixa interna da medula renal (GUYTON; HALL, 2011; CURI; PROCOPIO, 2009). Uma característica fundamental da circulação renal é a capilarização na própria circulação arterial, isto é, entre as arteríolas aferente e eferente do glomérulo. A arteríola aferente subdivide‑se em um tufo capilar, um novelo de capilares, e essescapilares juntam‑se novamente para formar a arteríola eferente, sendo que esta agora vai formar os capilares peritubulares, equivalentes aos capilares dos outros tecidos do organismo. A consequência dessa disposição é que a pressão nos capilares glomerulares é muito mais elevada (45‑50 mmHg), que aquela nos capilares peritubulares (10‑15 mmHg). Isso possibilitará a ultrafiltração do plasma nos capilares glomerulares. Esses capilares são cobertos por uma camada de células epiteliais, que constituem o folheto visceral da cápsula de Bowman (figura 68), estrutura que envolve o tufo capilar. O ultrafiltrado que é formado nesse local permanecerá inicialmente entre este folheto visceral e a parede externa da cápsula de Bowman, o seu folheto parietal, também constituído por uma camada de células epiteliais. O glomérulo também consta de uma membrana filtrante que, de dentro do capilar para fora, consta do endotélio capilar, que não é contínuo, mas fenestrado, com espaços livres entre suas células. Abaixo dessas células encontra‑se a membrana basal, estrutura constituída de material fibroso, predominantemente de proteínas ligadas a hidratos de carbono. Por fora, estão as células epiteliais, denominadas podócitos, que apresentam prolongamentos em forma de pés (pedicélios), que se inserem na membrana basal (CURI; PROCOPIO, 2009). Glomérulo de Malpighi Cápsula de Bowman Arteríola eferente Arteríola aferente Túbulo proximal Túbulo coletor Alça de Henle Veia renal Artéria renal Túbulo distal Figura 4 – Detalhe das estruturas que compõem o néfron 15 Re vi sã o: G us ta vo - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 19 /0 5/ 20 15 FISIOLOGIA Em volta dos capilares e na base em que se começa a formar o tufo capilar há um conjunto de células, as células mesangiais, que têm características contráteis e apresentam fibrilas musculares semelhantes àquelas das células do músculo liso, e são sensíveis a peptídeos como angiotensina e peptídeo atrial natriurético, que podem elevar a sua contração ou dilatação, respectivamente, modificando a dinâmica do filtrado glomerular. Por outro lado, no ângulo entre as arteríolas aferente e eferente, está um conjunto de células denominado aparelho justaglomerular, composto pela mácula densa, conjunto de células especializadas da parede do início do túbulo contorcido distal, que se opõe ao glomérulo nesse local. Fazem parte do aparelho justaglomerular também as células situadas no ângulo entre as arteríolas, constituindo a almofada polar, e células musculares lisas modificadas da parede da arteríola aferente, portadoras de grânulos de renina, uma enzima que participa da formação do peptídeo angiotensina, regulador do tônus vascular que causa a elevação da pressão arterial por constrição de arteríolas em todo o organismo, por exemplo, quando há perda de sangue ou retração do volume extracelular. O aparelho justaglomerular, apesar de não se conhecerem ainda todos os mecanismos de sua atuação, é um importante componente da regulação da função renal, incluindo a magnitude do ritmo de filtração glomerular (RFG) e da reabsorção de água e sal ao longo do néfron. O túbulo contorcido proximal é constituído de três segmentos principais, S1, S2, e S3, com características celulares próprias. A porção inicial do túbulo, S1, é constituída por células ricas em mitocôndrias e com orla em escova bem desenvolvida, demonstrando uma grande capacidade de reabsorção de fluido. O segmento S2 constitui a maior parte do túbulo contorcido proximal (cortical), e o S3 principalmente a porção reta descendente deste segmento tubular. Esses segmentos tendem a ter cada vez menos mitocôndrias em direção à alça de Henle, e orla em escova menos desenvolvida (CURI; PROCOPIO, 2009). Os ramos delgados da alça de Henle têm células muito achatadas, com poucas mitocôndrias, demonstrando assim pouca atividade metabólica e de transporte. Mas têm, mesmo assim, muita importância no sistema de concentração e diluição da urina. O segmento mais importante desse sistema é o ramo ascendente grosso, de células cuboides, ricas em mitocôndrias, e responsáveis por uma parcela importante da reabsorção de sal, embora esse segmento seja impermeável à água. Na região medular, na faixa externa, está o coletor medular externo e, na interna, o coletor medular interno. Na porção terminal da pirâmide renal, denominada papila, está o coletor papilar, mais grosso que os demais devido à junção de vários coletores mais externos. A partir do segmento de conexão situam‑se pelo menos dois tipos celulares, as células principais, responsáveis pela absorção de NaCl e pela secreção de K+, e as células intercaladas, responsáveis pela acidificação da urina, por meio da secreção de H+ e da reabsorção ou secreção de bicarbonato. Nos coletores medulares interno e papilar, a atividade de transporte torna‑se mais limitada, ocorrendo no fim somente um tipo celular responsável pelos vários tipos de transporte. Uma característica interessante das células do duto coletor é sua permeabilidade à água, que, na ausência do hormônio antidiurético, é muito baixa, levando à produção de uma urina muito diluída (hipotônica). No entanto, sua permeabilidade à água eleva‑se significativamente na presença desse hormônio, o que causa reabsorção de água e formação de urina hipertônica (concentrada). A permeabilidade à água dos segmentos 16 Re vi sã o: G us ta vo - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 19 /0 5/ 20 15 Unidade I tubulares deve‑se à presença de canais de água em suas membranas celulares, que são moléculas proteicas, denominadas aquaporinas, inseridas nessas membranas. As modificações de permeabilidade devem‑se à remoção ou inserção desses canais de água. Uma característica importante do epitélio tubular renal é a densidade de ligação entre as células, que depende da presença das zônulas de oclusão (tight junctions), que são moléculas proteicas localizadas próximas à superfície apical e que ligam células adjacentes. Tais complexos limitam o movimento de fluido e substâncias entre as células, pela assim denominada via paracelular, cuja permeabilidade varia consideravelmente nos vários segmentos do néfron (CURI; PROCOPIO, 2009). Cerca de 20‑25% do volume de sangue bombeado pelo coração passa pelos rins por unidade de tempo. Eis uma magnitude de irrigação tecidual muito maior que aquela de todos os demais tecidos, e reflete a característica particular dessa circulação; o sangue que irriga o rim não tem unicamente a função nutriente, mas majoritariamente uma função de depuração desse sangue, além de regular a constituição do meio interno. Sendo, no humano, o fluxo sanguíneo renal (FSR) de cerca de 1200 ml/min, e o debito cardíaco de 5000 ml/min, em aproximadamente 4 minutos todo o sangue do organismo será distribuído pelos aproximadamente 2 milhões de néfrons dos dois rins, onde será filtrado. A partir da pressão média da artéria renal, da ordem de 100 mmHg, igual à pressão sistêmica, há uma queda desta pressão ao longo da arteríola aferente, um vaso de resistência, até 50 mmHg no capilar glomerular. Ao longo dele, há pouca modificação da pressão, que cai novamente ao longo da arteríola eferente até cerca de 15 mmHg, valor agora semelhante aos dos capilares de outros tecidos, decrescendo depois para os valores venosos. A característica fundamental dessa circulação é a interposição de uma capilarização entre duas arteríolas, que mantém a pressão elevada, base para a formação do ultrafiltrado glomerular. A formação desse ultrafiltrado depende essencialmente das forças descritas por Starling, isto é, do equilíbrio de pressão hidrostática intracapilar, empurrando o fluido por meio da sua parede e da pressão oncótica ou coloidosmótica, que tende a mantero fluido (água e solutos dissolvidos) dentro dos capilares. As proteínas são as únicas moléculas que mantêm pressão osmótica em relação à parede capilar por terem uma massa molecular elevada, não sendo a parede dos capilares permeável a elas, ao contrário das demais moléculas, bem menores, como íons, glicose, aminoácidos etc. Em consequência, o ultrafiltrado é uma solução de características semelhantes ao plasma, porém quase sem proteínas. 1.2 Filtração glomerular A filtração glomerular é o processo que inicia a formação da urina. Nesse evento, cerca de 20% do plasma que entra no rim e alcança os capilares glomerulares são filtrados, atingindo o espaço de Bowman. Os 80% de plasma restante, que não foram filtrados, circulam ao longo dos capilares glomerulares, atingindo as arteríolas eferentes, dirigindo‑se para a circulação capilar peritubular e retornando à circulação geral (figura 69) (AIRES, 2008; CURI; PROCOPIO, 2009). 17 Re vi sã o: G us ta vo - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 19 /0 5/ 20 15 FISIOLOGIA Arteríola eferente Glomérulo Filtrado Arteríola aferente Cápsula de Bowman Túbulo proximal Figura 5 – Filtração glomerular O fluido filtrado é um ultrafiltrado do plasma e contém todas as substâncias existentes no plasma, exceto a maioria das proteínas e substâncias que se encontram ligadas a elas, como é o caso dos cerca de 40% do cálcio circulante. As células do sangue também não passam pelo processo de filtração glomerular. Como água e soluto são filtrados em proporções iguais, a composição e a concentração do filtrado glomerular são quase iguais às plasmáticas. Consequentemente, a composição e a concentração do fluido que atinge a arteríola eferente também são iguais às plasmáticas, porém sua concentração proteica é mais elevada. Em humanos, o valor da filtração glomerular é cerca de 120 ml/min (CURI; PROCOPIO, 2009). A barreira de filtração glomerular determina a composição do ultrafiltrado plasmático, restringindo a filtração de moléculas com base em seu tamanho e carga elétrica. Em geral, moléculas neutras, com raio menor a 20 Å, são filtradas livremente, moléculas com mais de 42 Å não são filtradas e moléculas com raios entre 20 e 42 Å são filtradas em graus variáveis. Por exemplo, a albumina plasmática, proteína com raio de 35.5 Å, é pouco filtrada, e normalmente é reabsorvida com avidez pelo túbulo proximal – na prática, não se nota albumina na urina. Para qualquer raio molecular, as moléculas catiônicas são filtradas com mais facilidade que as aniônicas. A menor intensidade de filtração das moléculas aniônicas explica‑se pela presença de glicoproteínas com carga negativa na superfície de todos os componentes da barreira de filtração glomerular. Essas glicoproteínas com carga negativa repelem moléculas com carga semelhante. Como a maior parte das proteínas plasmáticas tem carga negativa, as cargas negativas da barreira de filtração restringem a filtração de proteínas, com raio molecular de 20 a 40 Å ou mais (KOEPPEN; STANTON, 2009). As forças responsáveis pela filtração glomerular do plasma são as mesmas que estão presentes em todos os leitos capilares. A ultrafiltração ocorre porque as forças de Starling (pressões hidrostática e oncótica) impulsionam o líquido da luz dos capilares glomerulares por meio da barreira de filtração, para o espaço de Bowman. A pressão hidrostática do capilar glomerular (PCG) está orientada para promover o movimento de líquido do capilar glomerular para o espaço de Bowman. Como o ultrafiltrado glomerular é desprovido de proteínas, a pressão oncótica do espaço de Bowman (πEB) aproxima‑se a zero. Portanto, a PCG é a única força que favorece à filtração. A pressão hidrostática no espaço de Bowman (PEB) e a pressão oncótica do capilar glomerular (πCG) se opõem à filtração (KOEPPEN; STANTON, 2009). 18 Re vi sã o: G us ta vo - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 19 /0 5/ 20 15 Unidade I Existe uma pressão efetiva de ultrafiltração (PUF) de 17 mmHg na extremidade aferente do glomérulo; já, na extremidade eferente, seu valor é de 8 mmHg (em que PUF = PCG – PEB – πCG). É importante frisar dois pontos adicionais com relação às forças de Starling e a essa variação de pressão. Em primeiro lugar, a PCG diminui ligeiramente ao longo do capilar, devido à resistência ao fluxo, causada pelo comprimento do capilar. Em segundo, a πCG aumenta ao longo do capilar glomerular. Como a água é filtrada e as proteínas continuam no capilar glomerular, aumenta a concentração de proteínas no capilar e também a πCG (KOEPPEN; STANTON, 2009). A intensidade de filtração glomerular (IFG) é proporcional à soma das forças de Starling existentes por meio dos capilares da seguinte forma: IGF = Kf [(PCG – PEB) – (πCG – πEB)] em que Kf é o produto da permeabilidade intrínseca do capilar glomerular pela área de superfície glomerular disponível para a filtração. A intensidade da filtração glomerular é consideravelmente maior nos capilares glomerulares que nos sistêmicos, principalmente, porque o Kf é cerca de 100 vezes maior nos capilares glomerulares. Além disso, a PCG é em torno de duas vezes maior que a pressão hidrostática nos capilares sistêmicos. A IFG pode ser alterada modificando‑se o Kf ou qualquer uma das forças de Starling. Em pessoas saudáveis, a IFG é regulada por alterações na PCG, mediadas, principalmente, por alterações na resistência das arteríolas aferente ou eferente. A PCG pode ser afetada por três maneiras: • variações da resistência da arteríola aferente, em que a redução da resistência aumenta a PCG e a IFG e o aumento da resistência as reduz; • variações da resistência da arteríola eferente, em que a redução da resistência reduz a PCG e a IFG, e o aumento da resistência as eleva; e • variações da pressão arteriolar renal, em que o aumento da pressão arterial aumenta, transitoriamente, a PCG (o que eleva a IFG), e a redução da pressão arterial diminui, transitoriamente, a PCG (o que reduz a IFG). O fluxo sanguíneo renal (FSR) executa diversas funções importantes: • determina, indiretamente, a IFG; • modifica a intensidade da reabsorção de solutos e de água pelo túbulo proximal; • participa da concentração e da diluição da urina; • fornece O2, nutrientes e hormônios às células do néfron e devolve CO2, bem como o líquido e os solutos reabsorvidos à circulação geral; e • transporta substratos que serão excretados na urina (KOEPPEN; STANTON, 2009). 19 Re vi sã o: G us ta vo - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 19 /0 5/ 20 15 FISIOLOGIA As arteríolas aferentes e eferentes e as artérias interlobulares são os principais vasos de resistência dos rins, determinando, dessa forma, a resistência vascular renal. Assim como na maioria dos órgãos, os rins regulam seu fluxo sanguíneo, ajustando a resistência vascular, em resposta às alterações da pressão arterial. Esses ajustes são tão precisos que o fluxo sanguíneo permanece relativamente constante enquanto a pressão varia entre 90 e 180 mmHg. A IFG também é regulada ao longo dessa mesma faixa de pressões arteriais. O fenômeno pelo qual o FSR e a IFG se mantêm relativamente constantes, chamado autorregulação, é executado por modificações de resistência vascular, principalmente pelas arteríolas aferentes dos rins. A autorregulação do FSR e da IFG se dá por meio de dois mecanismos. Um deles responde a alterações da pressão arterial, e outro a alterações da concentração de NaCl no líquido tubular. Ambos regulam o tônus da arteríola aferente. O mecanismo sensível à pressão, chamado mecanismo miogênico, está relacionado à propriedade intrínseca da musculatura lisa vascular de se contrair quando distendida. Da mesma forma, quando a pressão arterialse eleva e a arteríola aferente se distende, a musculatura lisa se contrai. Como o aumento da resistência arteriolar contrabalança o aumento da pressão, o FSR e a IFG permanecem constantes. O segundo mecanismo é conhecido como feedback tubuloglomerular. Esse mecanismo envolve uma alça de feedback na qual a mácula densa do aparelho justaglomerular afere a concentração de NaCl no líquido tubular, convertendo‑a em um ou mais sinais que afetam a resistência da arteríola aferente e, portanto, a IFG. Quando a IFG aumenta, elevando a concentração de NaCl no líquido tubular, mais NaCl penetra nas células da mácula densa, o que leva ao aumento da formação e liberação de ATP e adenosina (um metabolito do ATP) por essas células, provocando a vasoconstrição da arteríola aferente. Essa vasoconstrição, por sua vez, faz com que a IFG retorne ao nível normal. Por sua vez, quando a IFG e a concentração de NaCl no líquido tubular diminuem, menos NaCl penetra nas células da mácula densa, reduzindo a produção e liberação de ATP e adenosina. A queda da concentração de ATP e adenosina causa a vasodilatação da arteríola aferente, normalizando a IFG. O oxido nítrico (NO), vasodilatador produzido pela mácula densa, atenua o feedback tubuloglomerular, e a angiotensina II estimula‑o. Por tanto, a mácula densa pode liberar vasoconstritores e um vasodilatador que executam ações opostas sobre a arteríola aferente (KOEPPEN; STANTON, 2009). 1.3 Absorção, excreção e formação da urina A formação de urina envolve três processos básicos: • a ultrafiltração do plasma pelo glomérulo; • a reabsorção de água e eletrólitos do ultrafiltrado; e • a secreção dos solutos selecionados para o fluido tubular. Após a sua formação, o filtrado glomerular circula pelos túbulos renais e a sua composição e volume são modificados pelos mecanismos de reabsorção e secreção tubular, existentes ao longo do néfron. É chamado de reabsorção tubular renal o processo de transporte de uma substância do interior tubular para o capilar sanguíneo que envolve o túbulo; o mecanismo no sentido contrário é denominado secreção tubular. Pelos processos de reabsorção e secreção, os túbulos renais modulam o volume e a composição da urina, que, por sua vez, permitem que os túbulos controlem precisamente o 20 Re vi sã o: G us ta vo - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 19 /0 5/ 20 15 Unidade I volume, osmolaridade, composição e pH dos compartimentos dos fluidos extracelular e intracelular. Finalmente, a excreção renal é o processo pelo qual a urina é eliminada pela uretra (AIRES, 2008; KOEPPEN; STANTON, 2009). Portanto, o processo de depuração renal, além de se dar pela filtração glomerular, pode também ser feito por meio da secreção tubular, já que o sangue que passou pelos glomérulos e não foi filtrado atravessa uma segunda rede capilar, peritubular. Por outro lado, graças à reabsorção tubular, muitas substâncias depois de filtradas voltam ao sangue que percorre os capilares peritubulares entrando na circulação sistêmica pela veia renal que sai do órgão. A reabsorção e a secreção dos vários solutos por meio do epitélio renal são feitas por mecanismos específicos, passivos ou ativos, localizados nas membranas da célula tubular. Todos os sistemas de transporte são interdependentes. Por exemplo, um mecanismo importante como a reabsorção de Na+, que utiliza uma fração significativa de energia, exerce uma grande influência no gradiente eletroquímico através do epitélio tubular, o que acaba afetando o transporte dos demais solutos pela parede tubular. Além disso, a reabsorção de sódio e cloreto, os mais abundantes solutos existentes no filtrado glomerular, estabelece gradientes osmóticos através do epitélio tubular que permitem a reabsorção passiva de água. Ela passa do interstício para a circulação peritubular por meio de um balanço entre as pressões oncótica (exercida pelas proteínas plasmáticas) e hidrostática (existentes no interior dos capilares peritubulares). A reabsorção de água aumenta a concentração dos solutos dentro do túbulo; portanto, a reabsorção de água modifica o gradiente químico que medeia o transporte passivo de determinados solutos por meio do epitélio, como no caso da ureia (AIRES, 2008). Quantitativamente, a reabsorção de NaCl e água representa a principal função dos néfrons. Aproximadamente 25000 mEq/dia de Na+ e 179 l/dia de água são reabsorvidos nos túbulos renais. Além disso, o transporte renal de muitos outros solutos importantes está ligado direta ou indiretamente à reabsorção de Na+ (KOEPPEN; STANTON, 2009). 1.4 Túbulo proximal O túbulo proximal reabsorve em termos aproximados 67% da água filtrada, Na+, Cl‑, K+, e outros solutos. Além disso, o túbulo proximal reabsorve quase toda a glicose e aminoácidos, filtrados pelo glomérulo. O elemento‑chave na reabsorção no túbulo proximal é a Na+‑K+‑ATPase (bomba de sódio e potássio) na membrana basolateral (membrana em contato com os capilares) que transporta ativamente três íons sódio para fora da célula e dois íons potássio para dentro dela. O Na+ é reabsorvido por diferentes mecanismos na primeira e segunda metade do túbulo proximal. Na primeira metade, o Na+ é reabsorvido, principalmente, com bicarbonato e diversos outros solutos (glicose, aminoácidos, fósforo e lactato). Em contrapartida, na segunda metade, o Na+ é reabsorvido, em sua maior parte, com Cl. Tal disparidade é mediada pelas diferenças nos sistemas de transporte, na primeira e segunda metades do túbulo proximal e nas diferenças da composição do fluido tubular, nessas regiões (KOEPPEN; STANTON, 2009). Qualquer Na+ que entre na célula por meio da membrana apical (a que está em contato com os túbulos) deixa a célula e entra no sangue via Na+,K+‑ATPase. Resumidamente, a reabsorção de Na+ na 21 Re vi sã o: G us ta vo - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 19 /0 5/ 20 15 FISIOLOGIA primeira parte do túbulo proximal é acoplada à do bicarbonato e a diversas moléculas orgânicas. A reabsorção de muitas moléculas orgânicas é tão ávida que elas são quase completamente removidas do fluido tubular na primeira metade do túbulo proximal. A reabsorção de bicarbonato de sódio e do sódio com solutos orgânicos estabelece um gradiente osmótico transtubular (onde a osmolaridade do fluido intersticial que banha o lado basolateral das células é mais alto que a osmolaridade do fluido tubular), o que gera a força que impulsiona a reabsorção passiva de água por osmose. Como mais água do que Cl‑ é reabsorvido na primeira metade do túbulo proximal, a concentração de Cl‑ no fluido tubular aumenta ao longo do comprimento no túbulo proximal. Na segunda metade do túbulo, o Na+ é reabsorvido em sua maior parte com Cl‑ pelas vias transcelular (através das células) e paracelular (entre as células). O Na+ é, em sua maioria, reabsorvido com Cl‑, em vez de ser reabsorvido com os solutos orgânicos ou bicarbonato como ânion que o acompanha, porque os mecanismos de transporte de Na+, na segunda metade diferem dos da primeira (KOEPPEN; STANTON, 2009). O túbulo proximal reabsorve 67% de água filtrada. A força propulsora para a reabsorção de água é o gradiente osmótico transtubular estabelecido pela reabsorção de solutos (NaCl, glicose‑Na+). A reabsorção de Na+ com os solutos orgânicos, bicarbonato e Cl‑ do fluido tubular no espaço lateral intercelular reduz a osmolaridade do fluido tubular e aumenta a osmolaridade do espaço intercelular lateral. Como as membranas apical e basolateral das células do túbulo proximal expressam canais de água (aquaporinas), a água é principalmente reabsorvida através das células do túbulo proximal. Uma pequena porcentagem de água também é reabsorvida através das junções fechadas (via paracelular). O acúmulo de fluidos e de solutos no espaço intercelularlateral aumenta a pressão hidrostática nesse compartimento. A pressão hidrostática aumentada força o fluido e os solutos para os capilares. Assim, a reabsorção de água segue a reabsorção de solutos no túbulo proximal. Observação O nome da doença diabetes mellitus deve‑se à presença de açúcar na urina (mellitus, em latim, significa “mel”), pela saturação do transporte renal glicose‑Na+, em decorrência da hiperglicemia. As poucas proteínas filtradas pelo glomérulo são reabsorvidas no túbulo proximal. Os hormônios peptídicos, pequenas proteínas e pequenas quantidades de proteínas grandes, como a albumina, são filtrados pelo glomérulo. Assim, apenas uma pequena porcentagem de proteínas passa pelo glomérulo e entram no espaço de Bowman. Entretanto, a quantidade de proteína filtrada por dia é significativa, porque a IFG é alta (KOEPPEN; STANTON, 2009). As proteínas entram nas células por endocitose intactas ou sendo parcialmente degradadas pelas enzimas na superfície de células do túbulo proximal. Uma vez que as proteínas e peptídeos estão na célula, as enzimas as digerem nos aminoácidos constituintes, que, então, deixam a célula, por meio da membrana basolateral, pelas proteínas de transporte e são devolvidas para o sangue. Normalmente, esse mecanismo reabsorve quase todas as proteínas filtradas, e, assim, a urina fica livre de proteínas. 22 Re vi sã o: G us ta vo - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 19 /0 5/ 20 15 Unidade I Entretanto, devido a esse mecanismo ser facilmente saturado, o aumento das proteínas filtradas causa proteinúria (presença de proteínas na urina). A ruptura da barreira de filtração glomerular às proteínas aumenta a filtração de proteínas e resulta em proteinúria, um quadro visto com frequência nas doenças do rim. As células do túbulo proximal também secretam cátions e ânions orgânicos. A secreção de cátions e ânions orgânicos pelo túbulo proximal desempenha um papel‑chave na limitação do corpo aos compostos tóxicos derivados de reservas endógenas e exógenas (isto é, xenobióticos). Muitos dos ânions e cátions secretados pelo túbulo proximal são os produtos finais do metabolismo, que circulam no plasma. O túbulo proximal também secreta numerosos compostos orgânicos exógenos, incluindo numerosos fármacos e compostos tóxicos. Muitos desses compostos orgânicos podem ligar‑se às proteínas plasmáticas, e não são prontamente filtrados. Portanto, apenas, uma pequena proporção dessas substâncias potencialmente toxicas são eliminadas do corpo via excreção após apenas sua filtração. Tais substâncias são também secretadas dos capilares peritubulares para o fluido tubular. Esses mecanismos secretórios são muito potentes e removem quase todos os ânions e cátions orgânicos do plasma que entram nos rins. Assim, essas substâncias são removidas do plasma por filtração e secreção (KOEPPEN; STANTON, 2009). 1.5 Alça de Henle A alça de Henle reabsorve aproximadamente 25% do NaCl filtrado e 15% da água filtrada. A reabsorção de NaCl, na alça de Henle, ocorre em ambos os segmentos ascendente fino e ascendente grosso. O ramo descendente fino não reabsorve NaCl. A reabsorção de água ocorre exclusivamente no ramo descendente fino via aquaporinas. O ramo ascendente é impermeável à água. Além disso, Ca2+ e bicarbonato são também reabsorvidos na alça de Henle. O segmento ascendente fino reabsorve NaCl por um mecanismo passivo. A reabsorção de água, mas não de NaCl no ramo descendente fino, aumenta a NaCl no fluido tubular que entra pelo ramo ascendente fino. Como o fluido rico em NaCl move‑se em direção ao córtex, o NaCl difunde‑se para fora do fluido tubular, por meio do ramo ascendente fino, para o fluido intersticial medular, ao longo do gradiente de concentração, dirigido do fluido tubular para o interstício. O elemento‑chave para a reabsorção de soluto pelo segmento ascendente espesso é a Na+‑K+‑ATPase, na membrana basolateral. Como ocorre com a reabsorção no túbulo proximal, a reabsorção de cada soluto pelo ramo ascendente espesso é ligado à Na+‑K+‑ATPase. Essa bomba mantém baixa a concentração de Na+ intracelular, o que gera um gradiente químico favorável para o movimento de Na+ do fluido tubular para a célula. O movimento de Na+ através da membrana apical a célula é mediado pelo simporte 1Na+‑1K+‑2Cl‑ (NKCC2) que acopla o movimento de um Na+ aos de um K+ e dois Cl‑. Usando a energia liberada pelo movimento descendente de Na+ e Cl‑, esse simporte direciona o movimento K+ para o interior da célula. O canal de K+ na membrana plasmática apical desempenha um papel importante na reabsorção de NaCl pelo ramo ascendente espesso. Esse canal de K+ permite que o K+ seja transportado para a célula via o NKCC2 para reciclá‑lo de volta no fluido tubular. Como a concentração de K+ no fluido tubular é relativamente baixa, esse K+ é necessário para a operação continua do NKCC2. Um antiporte de Na+‑K+ (saída de Na+ e entrada de K+ na célula) na membrana apical da célula também medeia a 23 Re vi sã o: G us ta vo - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 19 /0 5/ 20 15 FISIOLOGIA reabsorção de Na+, assim como a secreção H+ (por meio da reabsorção de bicarbonato) no segmento ascendente espesso. O Na+ deixa a célula por meio da membrana basolateral via a Na+‑K+‑ATPase, enquanto o K+, Cl‑ e o bicarbonato deixam a célula pela membrana basolateral, por vias distintas (KOEPPEN; STANTON, 2009). A voltagem no decorrer do ramo ascendente espesso é importante para a reabsorção de diversos cátions. O fluido tubular tem carga positiva, em relação ao sangue, devido à localização única das proteínas de transporte, nas membranas apical e basolateral. Dois pontos são importantes: • o transporte aumentado de NaCl pelo ramo ascendente espesso aumenta a amplitude da voltagem positiva no lúmen; e • essa voltagem é uma força impulsionadora importante para a reabsorção de diversos cátions, incluindo Na+, K+, Mg2+ e Ca2+, pela via paracelular (KOEPPEN; STANTON, 2009). Em resumo, a reabsorção de NaCl no ramo ascendente espesso ocorre pelas vias transcelular e paracelular. Cinquenta por cento da reabsorção de NaCl é transcelular e 50% é paracelular. Como o segmento ascendente espesso não reabsorve água, a reabsorção de NaCl e de outros solutos reduz a osmolaridade do fluido tubular para menos de 150 mOsm/kg de água. Assim, devido ao ramo ascendente espesso produzir um fluido que é diluído em relação ao plasma, o segmento ascendente da alça de Henle é chamado de segmento diluidor. Lembrete A osmolaridade fisiológica no fluido tubular é de 300 mOsm/kg de água. Dependendo do segmento do néfron, essa osmolaridade pode ser aumentada (hipertonicidade) ou diminuída (hipotonicidade). Resumidamente, as características funcionais específicas de cada ramo da alça de Henle são: • O ramo descendente fino: — é altamente permeável à água, que é reabsorvida passivamente a favor do gradiente osmótico existente entre o fluido tubular e o interstício hipertônico que o envolve; — por estar envolto em um interstício hipertônico e por ter uma alta permeabilidade a sais e ureia, a concentração do fluido no lúmen aumenta em direção às papilas, tanto por saída de água como por entrada passiva de solutos. • Os ramos ascendentes fino e grosso: — têm baixa permeabilidade à água; 24 Re vi sã o: G us ta vo - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 19 /0 5/ 20 15 Unidade I — possuem alta reabsorção de sais gerada pela alta atividade da Na+‑K+‑ATPase; e — o fluido no interior desses ramos é diluído à medida que sobe para a região cortical, daí serem chamados segmentos diluidores (AIRES, 2008). 1.6 Túbulo distal e túbulo coletor O túbulo distal e o túbulo coletor reabsorvem cerca de 8% do NaCl filtrado,secretam quantidades variáveis de K+ e H+ e reabsorvem quantidades variáveis de água (de 8 a 17%). O segmento inicial do túbulo distal (começo do túbulo distal) reabsorve Na+, Cl‑ e Ca2+ e é impermeável à água. A entrada de NaCl na célula por meio da membrana apical é mediada por um simporte de Na+‑Cl‑. O Na+ deixa a célula via ação da Na+‑K+‑ATPase e o Cl‑ deixa a célula via difusão pelos canais de Cl‑. Assim, a diluição do fluido tubular começa no segmento ascendente espesso da alça de Henle e continua no segmento inicial do túbulo distal. O último segmento do túbulo distal e do ducto coletor são compostos por dois tipos de células: as células principais e as células intercaladas. As células principais reabsorvem NaCl e água e secretam K+. As células intercaladas secretam H+ ou bicarbonato e são desse modo, importantes na regulação do balanço ácido‑base. As células intercaladas também reabsorvem K+ pela H+‑K+‑ATPase, localizada na membrana apical. A reabsorção de Na+ e a secreção de K+ pelas células principais dependem da atividade da Na+‑K+‑ATPase, na membrana basolateral. Pela manutenção de baixa concentração de Na+ intracelular, essa bomba gera um gradiente químico favorável para o movimento de Na+ do fluido tubular para a célula. Como o Na+ entra na célula através da membrana apical via difusão pelos canais seletivos ao Na+ nas células epiteliais (ENaCs), na membrana apical, a carga negativa dentro da célula facilita a entrada de Na+. O Na+ deixa a célula por meio da membrana basolateral e entra no sangue via ação da Na+‑K+‑ATPase. A reabsorção de Na+ gera voltagem negativa no lúmen no final do túbulo distal e do ducto coletor que gera uma força propulsora para a reabsorção de Cl‑, pela via paracelular. Quantidade variável de água é reabsorvida pelas células principais, no final do túbulo distal e do ducto coletor. A reabsorção de água é mediada por aquaporinas (diferentes daquelas que agem na alça de Henle), localizados na membrana plasmática apical e pelos canais aquaporinas localizados na membrana basolateral das células principais. Na presença do hormônio antidiurético (ADH), a água é reabsorvida. Em contrapartida, na ausência do hormônio ADH, o túbulo distal e o ducto coletor reabsorvem pouca água (KOEPPEN; STANTON, 2009). O K+ é secretado do sangue para o fluido tubular pelas células principais, em duas etapas: • a captação de K+ por meio da membrana basolateral é mediada pela ação da Na+‑K+‑ATPase; • o K+ deixa a célula via difusão passiva. Como a concentração de K+ no interior das células é alta (150 mEq/l) e no fluido tubular é baixa (10 mEq/l), o K+ difunde‑se, diminuindo seu gradiente de concentração, por meio dos canais de K+, na membrana apical das células, para o fluido tubular. Embora o potencial negativo nas células tenda a reter o K+ na célula, o gradiente eletroquímico, por meio da membrana apical favorece a secreção de K+ da célula para o fluido tubular. A reabsorção de K+ pelas células intercaladas é mediado por H+‑K+‑ATPase, localizadas na membrana apical da célula (KOEPPEN; STANTON, 2009). 25 Re vi sã o: G us ta vo - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 19 /0 5/ 20 15 FISIOLOGIA 2 REGULAÇÃO DO SISTEMA RENAL 2.1 Regulação da reabsorção de NaCl e água Existem vários hormônios que regulam a reabsorção de NaCl e, portanto, a excreção urinária de NaCl. Entre eles, estão: a angiotensina II, a aldosterona, as catecolaminas e os peptídeos natriuréticos. Outros mecanismos que participam da reabsorção e excreção do NaCl são as forças de Starling e o fenômeno do balanço glomérulo‑tubular. O ADH é o único hormônio que regula diretamente a quantidade de água excretada pelos rins. A angiotensina II é um hormônio que age como um potente estimulador da reabsorção de NaCl e água, no túbulo proximal. Ele também é encarregado de estimular a reabsorção de Na+ no ramo ascendente fino da alça de Henle, assim como no túbulo distal e no ducto coletor. A diminuição do volume do fluido extracelular (LEC) ativa o sistema renina‑angiotensina‑aldosterona, aumentando a concentração plasmática de angiotensina II. A aldosterona é sintetizada pelas células da camada glomerulosa do córtex da suprarrenal e estimula a reabsorção de NaCl. Atua sobre o ramo ascendente espesso da alça de Henle, o túbulo distal e o ducto coletor. A maioria de seus efeitos sobre a reabsorção de NaCl reflete sua ação sobre o túbulo distal e o ducto coletor. A aldosterona também estimula a secreção de K+ pelo túbulo distal e ducto coletor e aumenta a quantidade de transportadores simporte Na+‑Cl‑ no começo do túbulo distal. Ela aumenta a reabsorção de NaCl pelas células principais, no túbulo distal e no ducto coletor por quatro mecanismos: • aumento da quantidade de Na+‑K+‑ATPase na membrana basolateral; • aumento da expressão dos canais de Na+ (ENaC) na membrana apical da célula; • aumento indireto da expressão de ENaCs na membrana apical da célula através de uma enzima estimuladora de glicocorticoides no soro; e • expressão de serina protease que também ativa ENaCs por proteólise. Esses mecanismos aumentam a captação de Na+ pela membrana apical da célula e facilita a saída de Na+ da célula para o sangue. O aumento da reabsorção de Na+ gera voltagem negativa no lúmen do túbulo distal e ducto coletor. Essa voltagem negativa do lúmen origina a força propulsora eletroquímica para a reabsorção de Cl‑ por meio das vias paracelulares no túbulo distal e ducto coletor. A secreção de aldosterona é aumentada pela hipercalemia (aumento da concentração de K+) e pela angiotensina II (após ativação do sistema renina‑angiotensina‑aldosterona). Pela sua estimulação da reabsorção de NaCl no ducto coletor, a aldosterona também aumenta indiretamente a reabsorção de água nesse segmento do néfron (KOEPPEN; STANTON, 2009). 2.2 Regulação do volume e osmolaridade pelo rim O íon sódio é o principal cátion do meio extracelular e ele exerce pressão osmótica efetiva, estando diretamente relacionado ao volume desse compartimento. Como o controle do balanço corporal de sódio é fundamental para a manutenção do volume do LEC, ele também é importante 26 Re vi sã o: G us ta vo - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 19 /0 5/ 20 15 Unidade I para o controle da pressão arterial. O organismo possui diferentes receptores para a detecção de alterações da volemia. Eles são: • receptores de volume localizados nas paredes das grandes veias; • receptores de pressão, localizados nas paredes das grandes artérias; e • receptores de pressão intrarrenais, localizados nas arteríolas aferentes, junto ao aparelho justaglomerular, que detectam alterações na perfusão sanguínea renal. Em situações de hipovolemia e queda da pressão arterial, ocorre o estímulo para a liberação de renina na circulação, ativando a cascata do sistema renina‑angiotensina‑aldosterona, o que aumenta a pressão arterial tanto pela intensa vasoconstrição sistêmica que provoca como pelo aumento da reabsorção renal de sódio e consequente elevação do LEC. Em situações de hipervolemia, a liberação de renina é inibida (CURI; PROCOPIO, 2009). Lembrete Quando aumenta a pressão arterial, também aumenta o volume urinário excretado. Os processos de natriurese (excreção de sódio) e diurese (excreção de água) ocorrem em paralelo. Frente às alterações do LEC, em resposta aos sinais dos receptores descritos, são ativados diferentes sistemas efetores que podem causar aumento da volemia (mecanismos antinatriurétricos) ou a sua diminuição (mecanismos natriuréticos): O sistema renina-angiotensina-aldosterona é ativado a partir da liberação de renina pelas células do aparelho justaglomerular. Os principais estímulos para a liberação de renina são: hipoperfusão (diminuição do volume de sangue) ou isquemia (diminuiçãoda quantidade de oxigênio) renal; estimulação adrenérgica (pela ativação do sistema simpático) e diminuição da concentração de NaCl no lúmen do túbulo distal reto percebida pelas células da mácula densa (mecanismo de autorregulação renal ou balanço túbuloglomerular). Na circulação, a renina cliva o angiotensinogênio (peptídeo produzido no fígado), dando origem a angiotensina I. A angiotensina I, pela ação da enzima conversora de angiotensina (ECA), é clivada, originando a angiotensina II. A angiotensina II age nos seus receptores e provoca: • vasoconstrição arterial sistêmica; • vasoconstrição arterial renal; • aumento da reabsorção renal de sódio. Isso pode ocorrer diretamente, por aumento na reabsorção tubular de sódio no túbulo proximal, ou indiretamente, por estímulo da síntese e secreção de aldosterona, que promove a reabsorção distal de sódio; e • indução da proliferação celular, por exemplo, dos fibroblastos. Esse efeito de substituição do tecido normal por fibroblastos prejudica o funcionamento de diversos tecidos, contribuindo para o estabelecimento de doenças (como as glomerulonefrites) (CURI; PROCOPIO, 2009). 27 Re vi sã o: G us ta vo - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 19 /0 5/ 20 15 FISIOLOGIA O hormônio antidiurético (ADH) ou arginina‑vasopressina está primariamente relacionado à regulação da osmolaridade do LEC, atuando nos mecanismos de concentração e diluição da urina. Nas situações de grande hipovolemia, pela ação da angiotensina II no sistema nervoso central, ocorre estimulação não osmótica para a liberação de ADH. Esse hormônio atua em seus receptores levando a vasoconstrição arterial sistêmica, diminuindo o ritmo de filtração glomerular e aumentando a reabsorção renal de água. Observação O álcool age inibindo a secreção de ADH, levando a diminuição da reabsorção de água (aumento da diurese) e a formação de uma urina mais diluída. A endotelina, o tromboxano A2 e a adenosina são substâncias produzidas nos rins que atuam nas células vizinhas ou na própria célula. Seus efeitos antinatriurétricos podem ser mediados por vasoconstrição ou por ação tubular direta, modulando a atividade de transportadores iônicos (CURI; PROCOPIO, 2009). O peptídeo natriurético atrial (ANP) é o mais importante. É sintetizado nos miócitos cardíacos e secretado em resposta ao estiramento do átrio decorrente do aumento do retorno venoso, que pode estar associado ao aumento da volemia. Hormônios como ADH, glicocorticoides e adrenalina também estimulam a secreção de ANP. Seus principais efeitos são: • aumento da natriurese/diurese por vasodilatação da arteríola aferente, levando ao aumento do ritmo de filtração glomerular, além da diminuição da hipertonicidade medular por vasodilatação dos vasos retos; • inibição do sistema renina‑angiotensina‑aldosterona, do ADH e da endotelina, antagonizando seus efeitos antinatriurétricos; • vasodilatação sistêmica, favorecendo a hipotensão arterial e aumentando a permeabilidade vascular, o que leva à formação de edema (CURI; PROCOPIO, 2009). As prostaglandinas e o óxido nítrico são moléculas produzidas localmente com ação natriurética por relaxamento das células mesangiais, vasodilatação dos vasos retos levando à diluição do interstício medular com perda da hipertonicidade, e diminuição da reabsorção de sódio por meio da modulação dos transportadores. Em situações em que o sistema renina‑angiotensina‑aldosterona está ativado, causando intensa vasoconstrição sistêmica, as prostaglandinas são essenciais para manter a adequada irrigação sanguínea renal, agindo localmente no rim, garantindo a função desse órgão (CURI; PROCOPIO, 2009). A formação de urina concentrada ou diluída depende dos segmentos distais do néfron, pois a reabsorção proximal de água é isosmótica. O plasma é ultrafiltrado no glomérulo aproximadamente a 300 mOsm/kg. No final do túbulo proximal, o fluido tubular mantém a 28 Re vi sã o: G us ta vo - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 19 /0 5/ 20 15 Unidade I mesma osmolaridade, em decorrência da reabsorção isosmótica de água, o que ocorre graças à presença de aquaporinas na membrana luminal dessas células. Na porção descendente da alça de Henle, altamente permeável à água, pela presença das mesmas aquaporinas, o fluido tubular vai se concentrando em equilíbrio com o meio hipertônico do interstício medular até alcançar seu valor máximo na dobradura da alça. No ramo fino ascendente e no túbulo distal reto, todavia, a membrana luminal é impermeável à água, onde não tem aquaporinas. Por causa disso, a reabsorção dos solutos nessa região faz com que o fluido tubular seja progressivamente diluído até alcançar 50‑100 mOsm/kg no final do túbulo distal reto. Por essa razão, são denominados segmentos diluidores do néfron. Se não houver reabsorção de água no túbulo coletor, a urina terá a mesma osmolarilade final em torno dos 50‑100 mOsm/kg, ou seja, hipotônica em relação ao plasma. Para a urina ser concentrada, a água deverá ser reabsorvida no túbulo coletor, e para isto é necessário tanto a hipertonicidade do meio intersticial como o túbulo cortical ser permeável à água. Nessas condições, a osmolaridade urinária pode atingir seus valores máximos, em torno de 1200 mOsm/kg, ou seja, hipertônica ao plasma. A formação de um meio hipertônico na medula renal em decorrência da reabsorção de solutos que ocorre nos segmentos diluidores é fundamental para a reabsorção passiva de água no túbulo coletor. Esse segmento do néfron pode ser impermeável ou permeável à água, o que depende da inserção de aquaporinas nas membranas luminais por meio da ação do hormônio antidiurético (ADH). Quando isso ocorre, a água é reabsorvida osmoticamente da luz tubular para o interstício hipertônico, retornando daí à circulação sistêmica pelos vasos retos. Esse sistema é conhecido como sistema contracorrente multiplicador da alça de Henle. Tal modelo é baseado no fato da estrutura da alça proporcionar a possibilidade do fluido tubular percorrer a segunda parte desse caminho em sentido oposto ao primeiro: a urina se concentraria no ramo descendente (permeável à água e impermeável aos solutos) e se diluiria no ramo ascendente (impermeável à água e permeável aos solutos). Esse modelo leva em consideração dois gradientes osmóticos: um gradiente vertical de osmolaridade observado no eixo córtico‑medular e um gradiente horizontal entre o ramo ascendente da alça de Henle e o interstício (CURI; PROCOPIO, 2009). A ureia concentra‑se na luz do túbulo coletor cortical graças à reabsorção de água pelas aquaporinas sujeitas à ação do ADH. Uma vez concentrada no túbulo coletor, ao atingir as regiões medular interna e papilar, pode ser reabsorvida para o interstício a favor de gradiente de concentração. Assim, estando concentrada no interstício medular a ureia é secretada no ramo fino ascendente da alça de Henle. Na medida em que o sódio vai sendo reabsorvido ao longo da alça de Henle, a ureia vai tornando‑se um osmólito importante na luz tubular. Portanto, a recirculação de ureia não só contribui na geração de hipertonicidade medular por meio de seu transporte passivo, como permite uma maior reabsorção de sódio, também passivamente, a favor do seu gradiente de concentração, no ramo fino ascendente da alça de Henle, o que contribui igualmente para a formação da hipertonicidade medular. Esses mecanismos multiplicadores são diretamente dependentes do efeito unitário, derivado da reabsorção de NaCl, por meio do epitélio do túbulo distal reto, impermeável à água, pela associação do transportador na membrana luminal, à Na+‑K+‑ATPase na membrana basolateral. 29 Re vi sã o: G us ta vo - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 19 /0 5/ 20 15 FISIOLOGIAA concentração de NaCl no fluido tubular no ramo fino ascendente da alça seria maior que no interstício, devido à absorção de água verificada ao longo do ramo fino descendente pela hipertonicidade do interstício. Isso é possível devido à alta permeabilidade à água desse epitélio, pela presença de aquaporinas na membrana luminal, associada à baixa permeabilidade à ureia. Por outro lado, a concentração de ureia seria maior no interstício do que no fluido tubular no interior do ramo ascendente fino da alça de Henle. Essa maior concentração de ureia deve‑se à sua recirculação. Assim, ocorre reabsorção passiva de NaCl para o interstício e secreção de ureia na luz tubular. Os vasos retos possuem papel importante na manutenção da hipertonicidade medular. Além do baixo fluxo sanguíneo direcionado à medula (menos de 10% do fluxo total), sua organização em ramos descendente e ascendente, semelhante à alça de Henle, também funciona como um sistema de contracorrente. Esse sistema denominado contracorrente permutador funciona da seguinte maneira: o sangue no ramo descendente perde água para o interstício hipertônico (por meio das aquaporinas) e ganha solutos, aumentando progressivamente a concentração de solutos no plasma, equilibrando‑se com o interstício. Então, no ramo ascendente, ocorre o inverso, com entrada de água no vaso e saída e solutos para o interstício. Como a entrada de água no ramo ascendente é maior que a saída no ramo descendente, a resultante do processo é a remoção de água e solutos para a circulação sistêmica, com manutenção do interstício hipertônico (CURI; PROCOPIO, 2009). Em resumo, ao longo do néfron uma série de forças atua no sentido de modificar a concentração das substâncias presentes no filtrado glomerular, variando a quantidade de solutos que são excretados na urina final. A reabsorção de água tende a aumentar a concentração de todos os solutos do fluido tubular, havendo alguns cuja concentração intratubular varia apenas em função desse processo, não sendo reabsorvidos nem secretados. Nesse caso, a quantidade de soluto filtrado é igual à excretada na urina final. Entretanto, a maioria dos solutos encontrados no filtrado é reabsorvida ao longo do túbulo e volta ao sangue, sendo sua quantidade filtrada maior que a excretada, porém sua concentração na urina final pode ser maior ou menor que a encontrada no filtrado glomerular, dependendo da quantidade de água que for reabsorvida nos túbulos. Poucos solutos, como o potássio e o ácido úrico, além de serem filtrados são reabsorvidos e secretados pelo epitélio tubular; dessa forma, suas quantidades excretadas apresentam grandes variações. A composição da urina difere da do fluido extracelular em vários aspectos. Enquanto 95% dos solutos do fluido extracelular são constituídos por íons, a urina tem altas concentrações de moléculas sem carga, principalmente ureia. Um indivíduo normal excreta mais sódio na urina quando sua dieta salina é elevada do que quando é baixa; porém, em ambas as situações, o equilíbrio entre ingestão e excreção de sódio é mantido. Similarmente, o volume urinário é maior em condições de sobrecarga de água em comparação com o quadro de restrição hídrica. Essas relações indicam que não existem valores normais absolutos para a excreção urinária de água e solutos, havendo uma gama de variações que reflete a ingestão diária (AIRES, 2008). 30 Re vi sã o: G us ta vo - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 19 /0 5/ 20 15 Unidade I Saiba mais A fim de propiciar inter‑relações entre os conteúdos da unidade, leia o artigo a seguir: BASTOS, M. G.; BREGMAN, R.; KIRSZTAJN, G. M. Doença renal crônica: frequente e grave, mas também prevenível e tratável. Rev. Assoc. Med. Bras. [online]. 2010, v. 56, n. 2, p. 248‑253. Disponível em: <http://www.scielo.br/ pdf/ramb/v56n2/a28v56n2.pdf>. Acesso em: 2 jul. 2015. 3 SISTEMA ENDÓCRINO O sistema endócrino, assim como o nervoso, ajusta e integra as atividades dos vários sistemas corporais, tornando‑as apropriadas às demandas relativas aos ambientes externo e interno. O sistema endócrino atua por meio de sinais químicos que são secretados na corrente sanguínea por glândulas que não possuem ductos. Essas moléculas sinalizadoras são denominadas hormônios e regulam diversos processos metabólicos. Um hormônio, produzido por uma célula secretora e liberado na corrente sanguínea, age em uma célula alvo que é capaz de reconhecer tal hormônio e alterar funções em resposta a esse hormônio. Uma célula alvo é capaz de reconhecer um hormônio a partir do momento em que expressa um receptor específico para esse hormônio. O receptor hormonal é fundamental para que haja uma resposta endócrina (CURI; PROCOPIO, 2009; GANONG, 2006). Um hormônio pode agir em uma célula alvo que está distante do seu local de produção, nesse caso, ele chega através do sangue. Esse sistema de ação hormonal é denominado endócrino. No sistema de ação parácrino, o hormônio difunde‑se no interstício agindo em células‑alvo vizinhas da célula secretora e, no sistema de ação autócrino, o hormônio, uma vez secretado, volta a agir na própria célula secretora (CURI; PROCOPIO, 2009). 3.1 Classificação dos hormônios Os hormônios podem ser classificados de acordo com a sua natureza química. Dependendo da composição química de um hormônio, ele pode ser classificado como hidrossolúvel ou lipossolúvel. Os hormônios hidrossolúveis são hidrofílicos, ou seja, possuem afinidade por moléculas polares, como a água, já os hormônios lipossolúveis são lipofílicos e possuem afinidade por moléculas apolares, como os lipídios presentes na membrana plasmática das células. A membrana plasmática representa uma barreira à passagem de moléculas hidrofílicas e, opostamente, moléculas que são lipofílicas solubilizam‑se na membrana plasmática, podendo atravessá‑la facilmente. Compreende‑se então que, dependendo da composição química de um hormônio, ele pode ser hidrossolúvel ou lipossolúvel e, consequentemente, o mecanismo de ação nas células alvo decorrerá dessa propriedade (CURI; PROCOPIO, 2009). 31 Re vi sã o: G us ta vo - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 19 /0 5/ 20 15 FISIOLOGIA Os hormônios hidrossolúveis, os mais abundantes, são proteicos ou peptídicos. Variam desde um único aminoácido modificado, passando por peptídeos simples até grandes proteínas, que podem formar cadeias de proteínas glicosiladas (possuem um radical açúcar ligado a um aminoácido) ou fosforiladas (possuem um grupo fosfato ligado a um aminoácido). Os menores hormônios hidrossolúveis são os aminoácidos modificados, por exemplo: a tirosina dá origem à adrenalina e à noradrenalina; a histidina dá origem à histamina; e o triptofano origina a serotonina. A síntese desses hormônios depende da disponibilidade intracelular do aminoácido precursor e da atividade das enzimas que são responsáveis pelo processo de modificação dos aminoácidos. Os demais hormônios, peptídicos e proteicos, são expressos por genes específicos e envolvem os mecanismos básicos de síntese proteica (transcrição gênica e tradução). Devido à característica polar dos hormônios hidrossolúveis, eles solubilizam‑se facilmente no interstício e no sangue, de forma que podem circular livres. Entretanto, algumas exceções são encontradas, como o hormônio do crescimento que circula ligado a uma proteína carregadora. A ligação de um hormônio a uma proteína circulante tem ao menos duas vantagens, além de propiciar o transporte até a célula alvo: • garante um reservatório hormonal circulante, minimizando flutuações nas concentrações plasmáticas do hormônio; e • prolonga a meia vida de um hormônio na circulação (CURI; PROCOPIO, 2009). Lembrete Meia vida de uma molécula é definida como o tempo necessário para que sua concentração
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