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A Psicologia Elisabeth Demont Professora de Psicologia do Desenvolvimento na Universidade de Estrasburgo r História r Conceitos r Métodos r Experiências # i,n0PSts Esta obra teve o apoio dos programas de ajuda à edição do Instituto Francês. ¡f Synopsis m a n u a S O caminho do conhecimento percorre-se da pergunta à resposta, do problema à solução, do plantar ao colher. Esta coleção pretende auxiliar o leitor nesse percurso, através da exposição de temas, disciplinas, ramos e departamentos do saber, contribuindo para a sua sistematização e consoli- dação. São livros que pretendem apresentar um panorama geral e enriquecer o conhecimento particular, recuperando, assim, de forma dinâmica, a noção tradicional de manuais. Título original: La PsYchologie Tradução: Hélder Viçoso Revisão: Gabinete Editorial Texto & Grafia Capa e paginação: Vito¡ Pedro @ Sciences Humaines Éditions, 2009 Todos os direitos desta edição reservados para Edições Texto & Grafia, Lda. Calçada do Tijolo, N." 28, 1.'Esq. 1200-465 Lisboa Telefone: 21 797 70 66 E-mail: texto.grafi a@gmail.com http: / I texto - gr afra.blo g spot.c om Impressão e acabamento: Papelmunde, SMG, Lda. Outubro de 2015 Depósito legal: 398585/15 ISBN: 978-989-8811-12-7 Esta obra está protegida pela lei. Não pode ser reproduzida no todo ou em parte, qualquer que seja o modo utilizado, sem a autorização do Editor. Qualquer transgressão à lei do Direito de Autor será passível de procedimento judicial. O texto deste livro segue as normas do Acordo Ortográfrco da Língua Portuguesa de 1990. indice 1lIntrodução - O que é a Psicologia? . . . . Uma psicologia ou psicologias?; O que é um psicólogo?; Os grandes domínios da psicologia; Métodos e práticas diversificados, escolhos a evitar; As teorias em psicologia CapítuloI-UmaHistóriadaPsicologia.... 23 OSPRECURSORES: OSFILÓSOFOS ... 23 Uma tradição antiga; O empirismo dos tempos modernos O ADVENTO DA PSICOLOGIA CIENTÍFICA 26 Nascimento da psicologia experimental na Alemanha; A psicologia cientíûca em Inglaterra; A psicologia científica em França AS GRANDES CORRENTES TEÓRICAS EM PSICOLOGIA . . . 3I O behaviorismo e o condicionamento dos comportamentos; A teoria da Gestalt ou psicologia da forma; A revolução da psicologia cognitiva: abrir a caixa negra Capítulo II - Os Métodos em psicologia o MÉToDo CLÍNICO As entrevistas clínicas; Os testes psicológicos; A observação O MÉToDo EXPERIMENTAL Enunciado de uma problemática e pesquisa bibliográfica; A formulação de hipóteses; A experimentação; Análise, interpretação e publicação dos resultados Capítulo III - O Desenvolvimento Humano'- O ESTUDO DO DESENVOLVIMENTO HUMANO Estudo no tempo; Mudanças quantitativas e qualitativas; Diferentes abordagens do estudo do desenvolvimento humano 39 39 50 59 59 As palavras-chave da psicologia são explicadas no final desta obra. v IO .{ PSICOLOGI.\ CapítuloVIII-APersonalidade . . . DA PERSONALIDADE AO TEMPERAMENTO: DEFINIÇÕES . . História de um conceito; O conceito de personalidade; Personalidade, c ar âcter, temperamento A PSICOLOGIA DA PERSONALIDADE E SEU ECLETISMO TEÓRICO Divergências teóricas; Divergências metodológicas ANEXOS Código Deontológico dos Psicólogos em França Palavras-Chave .... Bibliografia Índice de Noções Índice Onomástico . O EXEMPLO DAS TEORIAS DE TRAÇOS DE PERSONALIDADE 176 Das teorias de tipos às teorias de traços; A teoria de Cattell; A teoria de Eysenck; O modelo dos cinco fatores (ou Big Five); Descrição das facetas do domínio Neuroticismo TNTRODUçÃO OqueéaPsicologia? l^ momento, aimpressão de I pelo contrário, <Tþns falta \r ouvimos ou empregámos um dia. <<Ser psicólogo> significa, nesta aceção comum, possuir certas qualidades pessoais tais como empatia e compreensão pelos outros; a contrario, um indivíduo que não apresente tais qualidades <terá falta de psicologia>. Esta sensação de familiaridade com a psicologia é reforçada pelo facto de os psicólogos serem atualmente cadavezmais solicitados pela sociedade - seja para auxiliar uma criança em dificuldades, seja para intervir no âmbito de células de apoio psicológico por ocasião de acontecimentos dramáticos ou ainda para treinar empresários. contudo, apsicologia, enquanto disciplina científica, continua a ser desconhecida em larga medida. Aqueles que a exercem devem adquirir uma sólida formação universitária sancionada por diplomas específicos e respeitar regras definidas por um código deontológico. o objetivo desta obra é definir os contornos teóricos e científicos de uma disciplina muito diversificada e em constante evolução. Uma psicologia ou psicologias? Etimologicamente,psicologta significa <ciência da alma>: do grego psykhé (<almo>) + lógos (<<discurso, ciência>>). Classicamente, a psicologia é, portanto, definida como (a ciência dos factos psíquicos>> (Dictionnaire usuel de psychologie, Bordas). Abordagens mais precisas definem-na como <<o estudo científico dos factos psíquicos, o conhecimento empírico ou intuitivo dos sentimentos, das ideias, dos comportamentos próprios e alheios, o conjunto de maneiras de pensar, sentir e agir que caracterizam uma pessoa, um animal, um grupo, uma personagem>r. euanto à Sociedade Francesa de Psicolog ia2, realça o aspeto simultaneamente experimental e científico de uma <<ciência que tem por objetivo ' Wikipedia.2 Site da Société Française de Psychologie: <http://www.sfpsy.org>. 169 169 173 191 199 205 209 213 12 ,\ PSICOLOGI-,\ compreender a estrutura e o funcionamento da atividade mental e dos comportamentos associados. Como em qualquer ciência, os conhecimentos psicológicos são estabelecidos mediante observações e experimentações>. De um modo geral, a psicologia pode, pois, ser definida como o estudo científico do comportamento dos indivíduos e dos seus processos mentais. <A psicologia é mais difícil do que a física!>> teria dito Einstein a Jean Piaget: observação espirituosa ou realidade? A exemplo das outras disciplinas científicas, a psicologia requer não só conhecimentos teóricos específicos, mas também um grande rigor metodológico. No entanto, ao contrário das outras ciências, a psicologia exige igualmente certas qualidades pessoais. Com efeito, como interessar-se pelo funcionamento dos seres humanos e compreender o seu comportamento, se não se sentir empatia nem respeito pelos outros e se não se tiver um equilíbrio psí- quico e uma certa abertura de espírito? Tornar-se psicólogo, no sentido profissional do termo, pressupõe, portanto, em simultâneo, disposições pessoais e uma complexa formação específica. O que é um psicólogo? Um psicólogo pode exercer em setores profissionais muito variados (saúde, educação, trabalho, investigação, etc.). Todavia, em França, seja qual for o setor em que evolua, deve ter seguido um curso universitário (de nível bac3+5) organizadoa em duas grandes etapas: aprimeira, com duração de três anos, corresponde à licence; a segunda é sancionada pela obtenção de um mqster que confere um título profissional protegido pela lei5. A AEPU6 enumera no seu sitei o conjunto de masters franceses certificados pelo Ministério do Ensino Superior e da Investigação. É obrigatória a frequência de um curso completos (licence e master) para obter o título de psicólogo: em França, existe apenas um, seja qual for o setor de atividade. Em virtude das importantes responsabilidades assumidas pelos psicó- logos junto dos indivíduos e da sociedade -uma simples conversa entre uma criança ou um adulto e um psicólogo nunca é neutra ou anódina! -, i Abreviatura de baccalauréal (consultar nota 11) [N. T.].I Desde a reforma LMD (Licence, Master, Doutoramento). 5 Lei n.o 85-772 de 25 dejulho de 1985. ó Association des Enseignants-Chercheurs de Psychologie des Universités (Associação de P¡ofessores-Investigadores de Psicologia das Universidades) [N. T.].7 <http://www.aepu.org> [N. T.].3 Verno fim desta introdução um exemplo. o qun É ^ PSIcoLocr/\? t3 a profissão é, desde 1961, regidae por um Código Deontológicolo, cuja finalidadeé <<proteger o público e os psicólogos contra as más práticas da psicologia e contra o uso dos métodos e técnicas que se valem abu- sivamente da psicologiu (Preâmbulo do Código). Os grandes domínios da psicologia A psicologia, longe de constituir uma disciplina única, caracteriza-se por uma extrema diversidade -psicologia infantil, psicologia do desenvolvi- mento, psicologia social, psicologia do desporto, da saúde, neuropsicolo- gia, etc. Está dividida em diversas subdisciplinas. Alain Lieury propõe a representação dos diferentes domínios da psicologia, situando-os num esquema organizado em torno de dois eixos - do normal ao patológico e do social ao biológico: Normal Experimental Cognitiva Geral Diferencial do Desenvolvimento da Criança do Desporto Animal Etologia Soclal Psicobiologia-> Biológica da Educação do Trabalho Ergonomia Social da Saúde Criminologia Neuropsicologia Psicofarmacologia Psiquiatria Psicopatologia Clínica Psicanálise Patológica Panorama dos grandes setores da psicologia (segundo Alain Lieury, La Psychologie cognitive, Paris: Dunod, 2OO5) e O primeiro Código Deontológico foi redigido em 196l pela Sociedade Francesa de Psicologia e foi depois modificado (nomeadamente em 1996).r0 Consultar em anexo o texto completo do Código Deontológico francês de 1996. 11 A PSICOLOGI-{. Eixo I: do normal ao pøtológico A psicopatologia interessa-se pelo estudo das perturbações psicológicas. Este campo dapsicologia, indubitavelmente o mais conhecido do grande público, é muitas vezes confundido com a psicanálise. A psicanálise (consultar adiante 'As bases da psicanálise") não é, porém, a única a interessar-se pelas questões suscitadas pela psicopatologia. Existe igual- mente uma psicologia clínica mais quantitativa. De um modo geral, pode aceitar-se que a psicopatologia se interessa pelo indivíduo que apresente perturbações psicológicas particulares (perturbações esquizofrénicas, por exemplo), mas também pelo indivíduo confrontado, num determinado momento da vida, com uma situação de grande sofrimento que exija apoio psicológico adaptado mais ou menos longo (após a morte brutal do cônjuge ou de um filho...). A psicologia cognitiva, que se dedica a compreender os fenómenos ligados à cognição, situa-se no lado oposto, no eixo 1. o termo genérico cognição designa o conjunto de processos cognitivos que contribuem para aformação dos nossos conhecimentos (a memória, o raciocínio, a linguagem...). A psicologia diferencial constitui um ramo da psicologia que se interessa pelo estudo das diferenças entre os indivíduos (diferenças intelectuais, diferenças de personalidade, diferenças observadas durante o desenvolvimento...). Quanto à psicologia do desenvolvimento, estuda as alterações de desenvolvimento observadas nos diferentes aspetos do funcionamento psicológico (cognitivo, afetivo ou social) do indivíduo ao longo da vida. Ainda que muitas vezes se dê ênfase ao estudo do desenvolvimento infantil, a disciplina preocupa-se igualmente em conhecer o conjunto de mudanças que ocorrem até ao fim da vida (perspetiva lifespan ou <<ciclo vitab), ou seja, tem em conta não só as importantes alterações que se registam no decorrer da infância, mas também a evolução no decurso da idade adulta e durante o envelhecimento. Esta nova perspetiva lifespan explica a distinção feita no gráfico entre psicologia do desenvolvimento e psicologia infantil. Eixo II: do social øo biológico A psicologia social interessa-se pelo estudo das interações dos indiví- duos em grupo, em sociedade e nas organizações, considerando-os na sua dupla dimensão psicológica e social. A psicologia social encontra-se assim na interface da psicologia e da sociologia. Foi sobretudo o ascen- dente <invisíveb> da sociedade sobre os indivíduos que chamou a atenção dos investigadores (e menos o inverso, i.e., a ação do indivíduo sobre o QUE E ,\ PSICOLOGI.{.? ls a sociedade). De facto, a disciplina constituiu-se em torno de alguns temas-chave: as atitudes e as normas sociais, a identidade e os papéis sociais, os mecanismos de influência, a formação das representações sociais. Nos anos 1930, a psicologia social tornou-se uma verdadeira ciência experimental consagrada à análise das interações entre os indi- víduos e os grupos a que pertencem. O campo da psicologia do trabalho restringe-se, por seu turno, ao estudo das relações do indivíduo no seu ambiente de trabalho, interes- sando - s e a er go no mi a mais em particular p ela adaptação das condiçõe s de trabalho. A psicologia da saúde, situada na figura na interseção do social e do patológico, debruça-se sobre as causas e consequências psicológicas do surgimento de algumas perturbações psicossociais (como, por exemplo, o stress).Integrando as dimensões psicológicas e sociais, visa uma melhor compreensão da saúde e da doença. Em sentido oposto, no eixo 2, do lado do biológico, são mencionadas a psicobiologia, a neuropsicologia ou a psicologia animal e a etologia. A psicobiologia situa-se na interface das neurociências, da etologia e da psicologia. Interessa-se pela compreensão das necessidades e dos comportamentos humanos, recorrendo principalmente à biologia e à neurobiologia. A neuropsicologia estuda,junto de pacientes que apresentam lesões cerebrais (acidentais ou congénitas), as relações entre as funções mentais superiores e o funcionamento cerebral. Neste sentido, encontra-se na interface da psicologia e da neurologia. Enfim, colocada na interseção entre o biológico e o patológico, a psicofarmacologia pode ser definida como o estudo dos agentes químicos que atuam no psiquismo, no humor ou no comportamento. Por último, a psicologia animal (também chamada psicologia comparada nos países anglo-saxónicos) tem por objetivo determinar as diferenças e as semelhanças entre as diferentes espécies animais, assim como entre o animal e o homem. A etologia é um ramo da psicologia animal que se interessa pelo estudo do comportamento dos animais no seu habitat natural ou num ambiente próximo desse. Métodos e prát¡cas diversificados, escolhos a ev¡tar Tal como não há uma psicologia mas psicologias em função dos domí- nios estudados, não existe apenas uma préûica da psicologia. Assim, a psicologia caracteriza-se igualmente pela diversidade de métodos utili- zados (consultar Capítulo II), locais de exercício (liberal ou no seio de 16 r\ PSICOLOGTA instituições como serviços hospitalares, serviços de geriatria, centros de reeducação e readaptação) e práticas da profissão (especialmente ao nível das técnicas de intervenção ou de tratamento). A formação uni- versitária e o referencial teórico determinam, em linhas gerais, aprâtica profissional de um psicólogo (um psicólogo clínico do desenvolvimento e um psicanalista não reagirão forçosamente da mesma maneira face às dificuldades de linguagem de uma criança, por exemplo). A psicologia tem como objeto de estudo os comportamentos ou condutas do homem (por vezes, do animal) colocado num ambiente, num meio, em interação com objetos. A ambição da psicologia é, como vimos, descrever, explicar e conceptualizar o funcionamento humano. Tal projeto não está isento de dificuldades nem de riscos. Uma dificuldade específica da psicologia é, sem sombra de dúvida, o facto de os grandes conceitos provirem da linguagem quotidiana e beneficiarem da polissemia dos termos (inteligência, por exemplo, é uma noção com duplo sentido: se, para o grande público, remete para uma qualidade pessoal, para os cientistas, em contrapartida, refere-se a um conjunto de processos que convém descrever com precisão). A psicologia deve obviamente ir além da significação corrente dos ter- mos para propor-lhes definições exatas e rigorosas que permitam uma conceptualização teórica e metodológica. Todos estamos em condições de fazer um certo número de observações da nossa vida quotidiana e de nos servirmos delas para explicar - e até prever - o nosso próprio comportamento (ou o dos outros). Os conhecimentos oriundos das nossas observações de nóspróprios (ou dos outros) formam aquilo que é classi- camente denominado <psicologia do senso comum)). No entanto, esses conhecimentos revelam-se frequentemente incompletos, insuficientes e até contraditórios. Correm, por outro lado, o risco de ser deturpados pela nossa subjetividade, pelas nossas expetativas ou pelas nossas crenças. Somos amiúde mais propensos a observaro que está em conformidade com as nossas expetativas ou crenças. E indispensável descrever e observar com precisão os factos estudados. Porém, essas observações devem ser imperativamente independentes de quem observa, de modo a garantir a sua objetividade. Não é possível ser juiz em causa própria! Tal como um médico dificilmente pode tratar a sua própria família, parece dificilmente concebível que o observador seja parte interessada na situação a observar. A objetividade da sua observação poderá ser legitimamente posta em causa. Por outro lado, importa ir além da mera descrição e identificar as causas do comportamento para explicar o que é observado. A dificuldade advém de não haver apenas uma explicação para os factos observados. Muito pelo contrário! o eun, ú À PSlcoLocL\? t1 Enfim, convém acautelar-se para não cair no <<psicologismo)) que consistiria em privilegiar a explicação psicológica dos factos humanos em detrimento de qualquer outra explicação. Seria demasiado redutor não ter em conta outros fatores suscetíveis de intervir em graus diversos na explicação (fator económico, sociológico, biológico...). Da mesma maneira, é necessário estar atento para não cair no erro contrário e querer explicar tudo por fatores biológicos ou sociológicos. O psicologismo, tal como o biologismo ou o sociologismo, equivaleria a redtzir a uma única dimensão a compreensão de um fenómeno tão complexo quanto o comportamento humano. Para explicar o comportamento é imperativo que se tome em consideração um grande número de fatores, alguns dos quais são individuais (por exemplo, o património genético do indivíduo), enquanto outros provêm do exterior (fatores ambientais). As teorias em ps¡colog¡a Qualquer disciplina científica visa elaborar modelos teóricos com vista a explicar e compreender determinado(s) fenómeno(s). A psicologia enquanto disciplina científica elabora teorias que visam dar conta do funcionamento humano. Por outro lado, está centrada num objeto de estudo complexo (o ser humano) que pode ser abordado de maneira muito diferente. Hoje em dia, não existe - felizmente! - apenas uma teoria do funcionamento humano.. . A palavra teoria tem etimologia grega que significa <<visão de um espetáculo>>, <<visão intelectual>> ou <<especulação>. É frequentemente utilizada na linguagem corrente numa aceção pejorativa que remete quer para uma visão da mente extremamente simplificada, quer para uma conceção individual ligada ao preconceito do indivíduo. Na sua aceção científica, o termo teoria designa as sínteses dos conhecimentos cientí- ficos que, estabelecidos num determinado momento, permitem analisar um conjunto de factos. Um modelo teórico corresponde, portanto, a um sistema explicativo que permite dar conta de um grande número de factos com a ajuda de um pequeno número de princípios e que é aceite como hipótese verosímil pela maior parte dos investigadores em dado momento. A exemplo das outras disciplinas científicas, a investigação em psicologia articula-se em torno de teorias que os investigadores procuram verificar empiricamente e que servem paraorganizar os conhecimentos de forma coerente e integrada. Importa sempre ter em mente que não existe uma teoria geral uni- versal. Uma teoria científica não aspira à verdade absoluta! Propõe um modelo de interpretação considerado pela comunidade científica como v18 ]\ PSICOLOGIIT o mais verosímil em dado momento. Uma teoria deve não só permitir explicar e interpretar o que é observado, mas também permitir ir mais além, gerando novas hipóteses que devem, por sua vez, ser submetidas à prova dos factos. Compreender o funcionamento humano requer teorias e modelos, mantendo-se, porém, consciente da sua incerteza. Com efeito, por defi- nição, qualquer modelo teórico corre o risco de ser invalidado em dado momento e progressivamente substituído por outra construção teórica. Por outras palavras: uma teoria caracteriza-se pela sua refutabilidade; caso contrário, não é científica. Neste sentido, as teorias distinguem-se das certezas, crenças ou dogmas. <A teoria é a hipótese verificada após ter sido submetida ao controlo do raciocínio e da crítica. Para ser boa, uma teoria deve sempre modifi- car-se com o progresso da ciência e permanecer constantemente sujeita à verificação e à crítica dos novos factos que aparecem. Se se conside- rasse perfeita uma teoria, e se se deixasse de verificá-la pela experiência científi ca, tornar-se-ia uma doutrina.> (Claude Bernard). <Qualquer teoria é incerta, não só porque não pode excluir a possi- bilidade de refutação por uma nova teoria, mas também porque assenta em postulados indemonstráveis e princípios inverificáveis que dizem respeito ànattrezaprofunda do real e à relação entre a mente e o real.>> (Edgar Morin, O Método,1986). As teorias devem sempre evoluir, permanecer vivas, mesmo após o desaparecimento dos seus autores. Evoluem a uma velocidade variável consoante o contexto científico, quer apurando ou ajustando os seus conceitos, quer integrando-se numa nova teoria mais explicativa. A existência de modelos teóricos e o facto de os pôr continuamente em causa constituem o motor do avanço dos conhecimentos científicos em psicologia, assim como em qualquer outro domínio científico. O QUE E ,\ PSICOLOGI.-\? 19 França: organ¡zaçáo dos estudos universitários em Psicologia Qualquer estudante liceal com um baccalouréatrr (seja qualfor) pode inscre- ver-se no primeiro ano do curso de Psicologia. Embora muitos alunos de liceu o iniciem, só uma pequena percentagem obterá o título de psicólogo, uma vez que o curso é longo e exigente. O sistema LMD (licence, master, doutoramento) prevê um dispositivo de forma- ção articulado em semestres, cada um dos quais organizado em unidades de ensino (UE). Cada UE dá lugar à concessão de créditos ECTS (Europeon Credit Tra n sfe r Sy stem) ca pita I izáveis. Licence de Psicologia (3 anos) A licence é validada pela obtenção de 180 ECTS (60 ECTS por ano). A tabela seguinte apresenta a organizaçäo adotada na Faculdade de Psicologia da U niversidade de Estrasburgo. Total ECTS UE Livre UE Ciências e tecnologias em sociedade UE Descoberta UE Metodologia do trabalho universitário UE Acompanhamento do projeto do estudante UE Línguas UE Disciplinares 60 6 3 3 6 42 L¡cence 1P ano 60 3 3 3 51 Licence 2.o ano 60 3 3 54 Licence 39 ano As UE disciplinares compreendem três tipos de aulas: . Preceitos fundamentais em psicologia: psicologia clínica e patológica, psicologia cognitiva, psicologia do desenvolvimento, psicologia social, neuropsicologia. . Estudo dos métodos utilizados em psicologia (especialmente a psicometria e os métodos da investigação científica em psicologia: observaçáo, investigação, entrevista, experimentação). . Liçoes que incidem sobre disciplinas conexas à psicologia (anatomia, fisio- logia, neurociências). . Ensino de estatística. Devido à forte percentagem de disciplinas científicas, os titulares de um bac- calauréat em Ciências obtêm frequentemente melhores resultados. O domínio do inglês é fortemente desejável, na medida em que a maior parte dos artigos publicados são nessa língua. Diploma do sistema educativo francês concedido no final do ensino secundário, possibilitando o acesso ao ensino superior [N. T]. 72I) A PSICOLOGTA Master de Psicologia (2 anos) No início do ano lectivo de 2005/2006, trinta e uma universidades públicas francesas lecionavam m asters de Psicologia. O maste4 cujo ensino está dividido em dois anos, tem por vocação especializar o estudante num dos campos da psicologia que escolher. As especialidades de master correspondem às grandes especialidades da psicologia.Para voltar ao exemplo de Estrasburgo, são propostas quatro especialidades de moster; Psicopatologia e Psicologia Clínica; Psicologia do Desenvolvimento - Evolução, lnvolução & Deficiência; Neuropsicologia Cog nitiva Clínica; Organização e Trabal ho. Cada um dos dois anos do master esLá dividido em dois semestres. Atualmente, qualquer estudante que tenha obtido uma licence em Psicologia (numa uni- versidade francesa) pode inscrever-se de jure no 1.o ano do masfer. A validação dos dois semestres de M1 não dá, porém, acesso de plêno direito ao 2.o ano. O acesso ao 2.o ano do master é regido por um numerus clausus, estando, pois, sujeito a uma seleção (por avaliação curricular e até por entrevistas ou exames suplementares em certas universidades). A obtenção do título de psicólogo é condicionada pela validação desse 5.o ano de estudo e pela realização de um estágio profissional (de 500 horas) controlado por um orientador psicólogo. As profissöes da psicologia Devido às diversificadas condiçöes de exercício de atividade dos psicólogos, revela-se mais pertinente falar não da profissão de psicólogo mas antes das profissöes da psicologia, que podem ser agrupadas em quatro categorias principais (segundo a nomenclatura PCSl2). 1. Os psicólogos clín¡cos Os psicólogos clínicos estão virados para a saúde dos pacientes. Podem exer- cer em regime liberal ou na função pública hospitalar (serviço de pediatria, serviço de psiquiatria, serviço de pedopsiquiatria, serviço de neurologia...), na função territorial (proteção materna infantil, por exemplo), na funçáo de Estado (proteção judicial da juventude, meio prisional) e, como é óbvio, em numerososserviços dos setores privado e convencionado.Trabalham em estreita colaboração com a equipa médica, paramédica, socioeducativa (educadores especializados, docentes) e as equipas de assistentes sociais. O papel dos psicólogos clínicos consiste essencialmente em apoiar os pacien- tes em situação de sofrimento, em ajudá-los a superar as suas dificuldades. Diferentemente do psiquiatra, não pode receitar medicamentos. Em função da sua formação e especialização, pode utilizar diferentes tipos de métodos de ajuda, análise e avaliaçáo. A nomenclatura das <<profissões e categorias socioprofissionais> (PCS), resultado de uma reformulação completa do sistema de nomenclaturas de empregos, é uti- lizada pelo INSEE flnstitut National de la Statistique et des Études Économiques (Instituto Nacional de Estatística e de Estudos Económicos)]. O QUE E A PSICOLOGI.\? 2I Por exemplo: O psicólogo-psicoterapeuta pode recorrer a diferentes terapias, utilizando um mediador de tipo verbal ou corporal (psicodrama), de tipo material (arte- -terap¡a, musicoterap¡a) ou investigando os processos psíquicos inconscientes (psicanálise). O psicólogo-psicoterapeuta seguiu uma formação complementar e uma aprofundada terapia pessoal e participa num sistema de controlo e acompanhamento. O neuropsicólogo está incumbido de realizar aprofundados exames neu- ropsicológicos de pacientes que sofrem de lesöes cerebrais e eventualmente propor uma reeducação neuropsicológica das funçöes deficitárias. O psicólogo do desenvolvimento apo¡a-se nos modelos de desenvolv¡mento normal e patológico, podendo tratar e acompanhar pacientes em diferentes momentos da sua vida (criança, adolescente, adulto ou idoso). 2. Os psicólogos do trabalho Os psicólogos do trabalho exercem em domínios variados, tais como os recursos humanos, a inserção profissional, o aconselhamento, a prevenção e a segurança. O seu papel consiste em apreender os problemas inerentes à gestão de recursos humanos, à organização do trabalho e à gestäo de mudanças organizacionais. Neste âmbito, podem participar na elaboração de programas e planos de for- mação, animar as equipas pedagógicas que asseguram as formaçöes. Podem igualmente realizar avaliação de competências, seguir o percurso profissional ou acompanhar o indivíduo nos seus esforços de mudança. 3. Os psicólogos da educaçåo e da formaçáo Desempenham um papel de orientação e aconselhamento e, se necessário, de despistagem de inadaptação, em meio escolar e profissional. 4. Os professores-¡nvestigadores e investigadores O título de doutor em Psicologia permite aceder, por concurso, às funções de professores-investigadores (maître de conférences e, posteriormenTe, professeur des universités). Estas funçoes consistem em lecionar na Universidade, näo dei- xando de realizar investigaçoes no seio de um laboratório universitário (cujo financiamento provém quer do ministério, quer de instituiçöes como o CNRS'3, quer ainda de acordos científicos oriundos de fundos privados ou públicos). Um doutor em Psicologia pode igualmente obter - sempre por concurso - um cargo de investigador em instituiçöes públicas (por exemplo, CNR5, lnserm'a), mas também trabalhar em empresas privadas. 13 Centre national de la recherche scientifque (Centro Nacional de Investigação Cientffica) lN.T).ta Institut National de la Santé et de la Recherche Médicale (Instituto Nacional de Saúde e de Investigação Mëdica) lN. T.l. l2 CAPÍTULO I Uma História da Psicologia <... Todas as ciências particulares que existem hoje em dia brotaram de uma dupla fonte: da filosofia e da arte.>> (Théodule Ribot, 1870) <A Ciência e a Filosofia foram confundidas durante muito tempo. O que caracteriza a Ciência é o apelo à verificação, a subordinação da teoria aos factos, o espírito experimental, enquanto a Filosofia se satisfaz numa coerência lógica interna e se limita progressivamente aos problemas que não podem ser submetidos ao controlo da expe- riência.> (Henri Piéron, 1942) OS PRECURSORES: OS FILÓSOFOS Uma tradiçåo antiga O interesse pelo estudo da alma e dos factos humanos não é recente: os filósofos gregos - como Platão (nos seus Diálogos) ou Aristóteles (no seuTratodo da Alma), só para citar dois exemplos - interessaram-se pela îa|rÍeza da alma humana (apsique). Aristóteles, em particular, estabe- lece uma tripartição da alma que reproduz arepartiçäo do mundo vivo entre vegetais, animais e seres humanos; põe a questão da autonomia do pensamento em relação ao corpo e procura definir as faculdades da alma (o juízo, a memória...). Os médicos gregos também se interessaram pela psicologia: Hipócrates (c. 460 a.C.470 a.C.) tentou fazer uma classificação das perturbações mentais (melancolia, paranoia, epilepsia...), associando-as à sua teoria dos humores, exposta no tratado Da Natureza do Homem. Segttndo Hipó- crates, anatttrezahumana é constituída por quatro elementos: o sangue, a fleuma, a bílis amarela e a bílis negÍa, que estão em equilíbrio quando o homem está de boa saúde, e em desequilíbrio quando está doente. Galiano (131-201) apoiar-se-á na classificação hipocrática para propor uma análise dos comportamentos humanos, associando, por analogia, os temperamentos aos quatro elementos. Estabeleceu assim as bases de um método experimental: por exemplo, o excesso de sangue dá um 21 \ PSICOLOGI,\ temperamento impulsivo; o excesso de bílis negÍa, um temperamento melancólico. Esta medicina dos humores conhecerá grande êxito na Idade Média. Quanto ao vocabulário daí extraído, sabe-se que irrigou durante muito tempo uma autêntica literatura, dos tratados sobre bem-estar aos manuais de dietética, passando por algumas obras de morfopsicologia. Este tipo de análise de temperamentos encontrar-se-á mais tarde nos estudos de caracterologia de René Le Senne (1882-1954). O empirismo dos tempos modernos Os filósofos dos tempos modernos influenciaram notavelmente o advento de uma nova maneira de gerar interesse pelas questões psicológicas. Em Itália, Galileu (1564-1642), baseando as suas investigações na observação e na experimentação, estabelecia as bases do método cien- tífico. Opunha-se aos métodos de estudo em vigor até então, que assen- tavamessencialmente na leitura de Aristóteles. Segundo Galileu, apenas um método científico garante a objetividade, permitindo considerar as coisas do exterior. A conceção galileana impôs-se progressivamentea todas as ciências: ciências (ditas) exatas, como a física e a astronomia, posteriormente, ciências naturais, como a biologia, a botânica e, muito mais tarde, a psicologia tal como a conhecemos. Em França, um contemporâneo de Galileu, René Descartes (1596- -1650), deixou igualmente uma forte marca. Descartes afirma a dualidade entre a alma e o corpo. Restringe a explicação científica dos fenómenos - que consiste em descrever os mecanismos do seu aparecimento e do seu desenrolar - ao funcionamento do corpo humano e do corpo dos animais. Segundo ele, a alma, fonte do pensamento e darazão, escapa a qualquer conceção mecanicista. Em contrapartida, os animais, não tendo alma, seriam apenas máquinas que poderiam ser estudadas da mesma maneira que os outros engenhos mecânicos! No seu Discurso do Método, em 1637, Descartes admite apenas a razão em ciências. As ideias, fruto da razão, são inatas, porque têm origem divina (o homem que desarrazoa só pode estar possesso). O <ego>> - i.e., a almapela qual eu sou o que sou - é inteiramente distinto do corpo. A razão é a única coisa que nos distingue dos animais. Uma etapa decisiva é transposta no século xvIII: a filosofia empirista associacionista substitui o estudo da alma pelo dos factos de consciência considerados como a vertente observável. Importa entender o termo consciência como o estudo do conjunto das sensações, das perceções, dos sentimentos, das emoções e das ideias que cada indivíduo pode experimentar. O estudo dos factos de consciência é realizado com a uxL\ flISTORt-.\ D.\ PSICOI.OGI^ 25 ajuda da introspeção, método subjetivo que pode ser definido como uma auto-observação (consultar Capítulo II). Evidenciando o papel principal das sensações na formação da mente, a escola empirista associacionista postula que a experiência sensorial é a única a permitir conhecimentos sobre o Universo. Esta escola filosófica é essencialmente representada por filósofos ingleses tais como John Locke (1632-1704) e David Hume (\tÍ-r776). John Locke, rejeitando o inatismo das ideias tanto de Platão como de Descartes, considera que a mente é, a princípio, uma tábua rasa (tabula rasa): são as influências exteriores que completam e modelam gradualmente um organismo-recetor passivo. Defendendo o empirismo dos conhecimentos, Locke distingue-se como precursor entre aqueles que invocam o papel primordial daaprendizagem e do condicionamento. E um dos primeiros a sublinhar a importância dos reforços. Para Locke, a apr endízagem faz- se pela ob serv ação, r ealizando novas experiências. Segundo ele, as sanções positivas aumentam a probabilidade de surgi- mento dos comportamentos, e as sanções negativas reduzem-na (con- sultar Capítulo III). Será a variedade das experiências que determinará a evolução do indivíduo. As diferenças entre as ideias das pessoas não advêm de diferenças entre as suas capacidades para perceber ou libertar as respetivas ideias inatas, mas de diferenças de experiência. No entanto, não bastam as experiências sensoriais para adquirir um saber; a mente também deve atuar ativamente nelas. As ideias combi- nam-se entre si para dar ideias mais gerais e complexas com a ajuda de um único mecanismo: a associação. As informações alcançadas pelos sentidos vão em seguida associar-se entre si de acordo com princípios e leis que os filósofos vão procurar explanar. David Hume explicitou três leis de associações: l. As associações por contiguidade espacial e temporal: a perceção ou a evocação mental de um objeto provoca a evocação de outro(s) obje- to(s), tendo estes sido antes apresentados amiúde próximos um do outro. 2. As associações por semelhança segundo o adágio <<cada qual com seu igual>>rs estão na base da criação de conceitos e classes abstratas de objetos. 3. As associações por causalidade que permitem estabelecer relações de causa e efeito entre diferentes acontecimentos. A implementação dos princípios defendidos pelos filósofos empiris- tas associacionistas só se fará durante a segunda metade do século xlx, especialmente sob a influência dos progressos da fisiologia na origem dos rs No original: <qui se ressemble s'assemble> [N- T.] 26 A PSICOLOGI_A estudos sobre as sensações, pelo emprego de um método experimental e de fer¡amentas de observação objetiva, específicas da ciência. Se o associacionismo destacou o ambiente como fator determinante do comportamento, uma segunda teoria, igualmente desenvolvida no século xx sob a designação de psicologia das faculdades, postulava o caúrcter inato das faculdades mentais distintas e independentes (pensar, sentir, querer). Esta teoria alimentou a frenologia, cujo corpo doutrinário foi proposto pelo médico Franz Joseph Gall (1758-1828), que examinava atentamente os crânios e tentava situar as faculdades particulares de cada um em diferentes regiões do cérebro. Esta oposição entre essas duas teorias encontrar-se-á posteriormente nos debates sobre os papéis respetivos da hereditariedade e do ambiente, do iñato e do adquirido. O ADVENTO DA PSICOLOGIA CIENTíFICA Em finais do século xrx, a psicologia desliga-se da filosofia e constitui-se enquanto disciplina autónoma. Contudo, só o conseguirá verdadeiramente apafür do momento em que, para abordar as questões tratadas até então pelos filósofos, utilizar o mesmo método usado pelas ciências (tais como a fisiologia ou a física): o método experimental. Daí o nome de psicologia experimental. Aplicando ao estudo do psiquismo humano os métodos das ciências exatas, a psicologia deseja escapar à introspeção, considerada demasiado subjetiva, votada ao inobservável e ao não quantificável. Nascimento da psicologia exper¡mental na Alemanha O nascimento da psicologia científica é geralmente datado de 1879, com a criação do primeiro laboratório de psicologia por Wilhelm V/undt (1832-1920), em Lípsia, na Alemanha. Filósofo convertido à física e à fisiologia, Wundt está na origem das primeiras tentativas para tornar científico o estudo do comportamento humano. No âmbito das suas inves- tigações diretamente inspiradas na filosofia empirista associacionista, interessou-se pelo estudo dos processos elementares da sensação e da perceção, assim como pela velocidade dos processos mentais simples. Para esse fim, efetuou estudos sobre os diferentes sentidos (audição, visão, tato...) e sobre os tempos de reação com a ajuda de diferentes aparelhos de medição. Em 1881, editou aprimeira revista (Philosophische Studien) destinada ao desenvolvimento do pensamento filosófico pela psicologia e na qual publicará os trabalhos experimentais realizados no seu laboratório, alguns dos quais incidiam igualmente sobre a atenção, a emoção ou ainda a memória. unr HIstónI.4. DA PSrcoLocIA 27 O método desenvolvido por Wundt apoia-se na introspeção, método subjetivo desenvolvido pelos filósofos para o estudo dos fenómenos psicológicos, embora se diferencie dela pelo carâcher sistemático e con- trolado das variações das estimulações introduzidas em laboratório na situação experimental que permite recolher os factos introspetivos. É por estas razões que o método de Wundt pode ser qualificado de abor- dagem experimental introspetiva. Baseando-se nos trabalhos do físico Gustav TheodorFechner (1801-1887), tendo mostrado que os fenómenos mentais podem ser sistematicamente manipulados pela experimentação, Wundt propôs que se fizesse variar de modo sistemático certas dimen- sões físicas de um estímulo, recorrendo simultaneamente à introspeção para determinar o modo como as mudanças modificavam a consciência. Eis um exemplo de experiência subjetiva associada à escuta de um metrónomor6: Wundt relata que, após ter ouvido várias sequências de sons nesse instrumento, algumas pareceram-lhe mais agradáveis do que outras. Daí concluiu que um sentimento de prazer-desprazer acom- panha qualquer audição e que qualquer sequência de batimentos pode situar-se nesta dimensão. Além disso, deteta que, consoante a cadência do metrónomo, experimenta sensações de tensão ou relaxamento que constituem uma segunda dimensãoda sua experiência subjetiva, assim como impressões de excitação ou calma (terceira dimensão). Na sequência desta análise, a impressão global ligada à escuta do metrónomo resulta da combinação de três sensações elementares conscientes, tendo cada uma delas um valor específico sobre o continuum das dimensões. Pequena história da psicologia Os primeiros psicólogos: o século xtx A psicologia constitui-se de modo autónomo no final do século xlx. Nasce na interseção dos estudos médicos sobre as perturbaçoes psiquiátricas e dos primeiros estudos científicos laboratoriais sobre as <funçöes psíquicas>. . A psicofísica. No prolongamento dos trabalhos de Ernst Webe¡ (1795-1878), Gustav Fechner (1801-1887) fundou a psicofísica, que estuda os laços entre estimulações e as reaçóes do organismo. - Wilhelm Wundt (1832-1920) cria o primeiro laboratório de psicologia experimental em 1879, em Lípsia, na Alemanha. Wundt é também um dos precursores da psicologia social. Procura especialmente decompor os 16 Síntese de um estudo de Wundt, citado por Claudette Mariné e Christian Escribe in Histoire de la psltchologie gënérale. Du behaviorisme au cognitivisme,Paris: Éditions In Press, 1998 (2.^ ed., 2010). v' 28 .T PSICOt,OGI,\ fenómenos conscientes para isolar elementos simples como as sensaçóes, os sentimentos e as imagens. . William James (1842-1910), autor d'Os Princípios de Psicologiol' (1890), é o pioneiro da psicologia anglo-saxónica. Simu ltaneamente médico, fi lósofo e psicólogo, irmão do escritor Henry James (1843-'1916), intenta, como este, explorar a subjetividade dos indivíduos. . A mediçäo da inteligência. Francis Galton (1822-1911) foi um pioneiro no estudo das diferenças individuais e no aperfeiçoamento dos questionários psicoló9icos. Deve-se a Alfred Binet (1857-1911) o primeiro teste de inteligência. Dos anos 1920 aos anos 1960 . O behaviorismo encara os comportamentos humanos como o produto de condicionamentos que se podem estudar de modo.puramente objetivo a partir das reações exteriores do sujeito. Os seus dois grandes teóricos foram John B. Watson (1878{958) e Burrhus F. Skinner (1904-1990). Esta corrente foi tão poderosa que a psicologia foi durante muito tempo assimilada à ciência do comportamento (ou Behavoriol Science\. . A psicofogia da forma (Gestalttheorie) nasceu na Alemanha nos anos 1920 sob o impulso de Max Wertheimer (1880-1943), Kurt Koffka (1886-1941) e Wol- fgang Köhler (1887-1967). As <formas> são as representaçöes organizadas que o psiquismo projeta sobre a realidade para lhe dar sentido. A perceção não procede por agregação de elementos isolados, mas compÕe-se primeiro de nformas> e configurações globais. . A psicanálise, fundada por Sigmund Freud em 1896, desenvolve-se a partir de 1910. Pretende ser uma psicologia dinâmica que explora a personalidade profunda e os fenómenos inconscientes pelos seus próprios métodos. A psicanálise conhece uma considerável audiência mundial a part¡r dos anos 1920 e 1930. . A psicologia do desenvolvimento. Grande época para os psicólogos que se interessam pelo desenvolvimento intelectual, moral e afetivo da personalidade, da infância à adolescência: Jean Piaget (1896-1980), Erik Erikson (1902-1994), Lev S. Vigotski (1896-1934). . A escola humanista é dominada pela personalidade de Carl Rogers (1902- -1987), psicólogo clínico americano que considera a pessoa como um ser em busca da autorrealização. . A inserção social da psicologia concretiza-se com a sua implantação na universidade. Propaga-se ao público (divulgaçäo da disciplina). Torna-se também um método terapêutico e de aconselhamento. Desde os anos 1980 . A psicologia cognitiva conhece considerável incremento. Encara os factos psíquicos como dispositivos de (tratamento da informação) que elaboram estratégias mentais e resolvem problemas. O paradigma cognitivo destituiu ulr-,r tttstónt.\ D,\ pstcolocrA zg o behaviorismo. o desenvolvimento da psicologia cognitiva está ligado aos avanços da informática e das neurociências. . No limiar do século xxr, a psicologia é uma disciplina muito diversificada: das neurociências à psicologia clínica, da psicologia do desenvolvimento à ergonomia. Enriqueceu-se com novas abordagens (como a psicologia evolu- cionista), reinvestiu novos domínios (as emoções, a consciência). No plano das psicoterapias, também é tempo de diversidade e ecletismo. A psicologia científica em lnglaterra outras influências marcaram igualmente o advento da psicologia científica, especialmente a teoria da evolução de Darwin, de crucial importância. Opondo-se à conceção de Descartes, para quem existe uma des- continuidade entre o homem e o animal, Darwin (1309-18S2) introduz a ideia de evolução e de continuidade filogenética entre as diferentes espécies, particularmente entre os animais e os seres humanos. par- tindo da constatação da existência de semelhanças morfológicas entre o homem e os outros mamíferos, postula uma semelhança ao nível das faculdades mentais que seria o reflexo de uma gradação da inteligência entre as espécies. Darwin defende a ideia de que os animais dão provas de comportamentos inteligentes (como ilustração, poderíamos dar o exemplo da úllizaçã,o de utensílios pelos chimpanzés). As diferenças entre as faculdades mentais dos animais e dos seres humanos seriam diferenças de grau mas não de natureza. O modelo é denominado gra- dualista, visto que as mudanças se realizaram de forma progressiva durante a evolução das espécies. A teoria da evolução de Darwin está na origem dos estudos compara- dos em psicologia, favorecendo assim o desenvolvimento dapsicologia comparada, também chamadapsicologia animal. O termo comparada traduz bem a ambição da psicologia de estabelecer a existência - ou não - de uma continuidade psicológica do animal até ao homem. No plano filogenético, parece mesmo existir uma continuidade parcial entre o animal (sobretudo os primatas) e os humanos, especialmente com uma continuidade ao nível das capacidades de processamento ligados à perceção, à memória ou à resolução de problemas. No entanto, há também descontinuidades (por exemplo, ao nível da linguagem ou dos conhecimentos) que irão, por seu turno, no sentido de uma teoria dos equilíbrios pontuais. Os trabalhos de Francis Galton (1822-1911), primo de Darwin, vão igualmente ter uma influência notável no desenvolvimento da psicologia científica em Inglaterra, por dois motivos. F 17 The Principles of Psychology fN. T.l 30 .4. PSICOLOGL{ Por um lado, Galton instaurou o uso da estatística em psicologia. Charles Spearman (1863-1945) utilizou também os métodos estatísticos e inventou a técnica estatística das correlações, concebendo o índice conhecido pela designação de coeficiente de correlação (consultar Capítulo VII). Por outro, Galton interessou-se pela hereditariedade da inteligência: está na origem dos estudos sobre as diferenças individuais e sobre o desenvolvimento dos testes de inteligência. Baseando-se nateoria da evolução, procurou correlacionar diversos índices antropométricos (tamanho do cérebro...) com a inteligência. Defende um ponto de vista inatista e exalta o eugenismo. A psicologia científica em França No final do século xIX, os investigadores em França, nomeadamente Jean-Martin Charcot (1825-1893), estavam interessados acima de tudo pela psiquiatria e pela psicopatologia. O pai da psicologia científica em França é o filósofo Théodule Ribot (1839-1916). Em 1889, o Collège de France criou para ele uma cártedra de psicologia experimental e comparada. Ribot preconizou, em 1870, que se implementasse um método especificamente experimental e se abandonasse o estudo dos fenómenos invisíveis: <A psicologia de que se trata aqui será puramente experimental: Terâ apenas por objeto os fenómenos, suas leis e causas imediatas; não se ocupará nem da alma, nem da sua essência, porque essa questão, estando fora da verificação, pertence à metafísica18.> Ribot editou, em 1876, uma revista (La Revue philosophique de la France et de l'étrangerre), mas não criou nenhumlaboratório. O primeiro laboratório francês de psicologia foi fundado em 1889 por Henry Beaunis (1830-1921), que teve como sucessores Alfred Binet (i857-1911), Henri Piéron (1881-1964), de l9I2 a 1952, e Paul Fraisse (1911-1996). A primeira revista francesa de psicologia, LAnnée psychologique2Ù, foi criada em 1894 por Binet. Enquanto o primeiro laboratório de psicologia foi fundado em França em 1889, contavam-se já dezassete laboratórios de psicologia nos Estados Unidos em i892. É, pois, forçoso constatff que a psicologia experimental conheceu um impulso muito mais rápido nos países anglo- -saxónicos. Uma das razões que permite explicar esse desenvolvimento r3 Comentário citado por Paul Fraisse, <L évolution de la psychologie expérimentale>>, in Paul Fraisse e Jean Piaget (e ds.), Trailë de psychologie expërimentale. I. Histoire et mëthode, Paris: PUF, 1981. le A Revista Filosofca de França e do Estrangeiro [N. T.].20 O Ano Psicologico lN.T.]. UIIA HISTORIA DA PSICOLOGI.A. 3I menos importante em França é talvez uma tradição filosófica muito mais marcada neste país. AS GRANDES CORRENTES TEÓRICAS EM PSICOLOGIA O behavior¡smo e o cond¡cionamento dos comportamentos Corrente nascida nos Estados Unidos, o behaviorismo teve grande influência na psicologia científica durante a primeira metade do século xx. O seu pai fundador, John Broadus Watson (1878-1958), preocupado em situar a psicologia enquanto ciência, preconizaque os trabalhos dos psi- cólogos devem ser consagrados ao estudo científico do comportamento. No seu texto fundador de l9l32t, escreve a este respeito: <A psicologia, tal como o behaviorislaavê, é um ramo experimental puramente objetivo das ciências naturais. O seu objetivo teórico é o prognóstico e o controlo do comportamento.>> A psicologia torna-se assim uma ciência do comportamento (animal e humano). Daí o nome de behaviorismo (do americano behavior'. (compor- tamento>). O behaviorismo tem a ambição de analisar o comportamento humano a todos os níveis, <<desde o nível do reflexo orgânico parcial até ao nível da resposta profissional e social>>22. Segundo ele, para se tornar uma ciência, a psicologia deve libertar-se da introspeção e fornecer dados acessíveis a uma análise exterior como os dados de qualquer outra ciência. Nestas condições, o estudo do compor- tamento só se pode fazer apartir dos factos observáveis. A observação objetiva apenas se pode aplicar a duas espécies de dados verificáveis: os acontecimentos (denominados estímulos) e o comportamento (i.e., as reações ou as respostas, único modo de acesso objetivo à compreensão do indivíduo), com vista a estabelecer uma relação de causa e efeito. A corrente behaviorista dá assim ênfase às interações entre o organismo e o ambiente: o organismo modifica o seu comportamento em função do ambiente com o qual interage. O objetivo principal dos behavioris- tas é a análise funcional do comportamento: os comportamentos são funções dos estímulos presentes ou passados (devendo o fermo função 2r <Psychology as a behaviorist views it>, Psy chological Review,vol.XX,1913, citado por Mariné e Escribe, op. cit. r2 Pierre Naville, La Psychologie du comportement,Paris'. Gallimard, 1963, citado por Claudette Mariné e Christian Escribe, op. cit. V -12 ,\ PStCOt_OCt.\ ser entendido no seu sentido matemático). Isso pode ser simbolizado da segurnte manelra: Comportamento : f (Estímulos) Por conseguinte, se se conhecem os estímulos, torna-se possível prog- nosticar os comportamentos e vice-versa. A representação esquemática E -t R modeliza a relação causal entre estímulos e comportamentos. A psicologia tem por objetivo principal estabelecer, conhecer e predizer tais relações de causa e efeito, com vista a facilitá-las (se parecerem positi- vas) ou, pelo contrário, inibi-las (se forem entendidas como negativas). Na perspetiva behaviorista, quase todos os nossos comportamentos são o resultado de um condicionamento, e o ambiente molda o nosso comportamento, reforçando os hábitos particulares. Distinguem-se dois tipos de condicionamento: o condicionamento clássico, pavloviano, também chamado condicionamento respondente, e o condicionamento operante, instrumental, de tipo II (consultar Capítulo III). O behaviorismo estuda a associação entre uma resposta comporta- mental (saída) e um estímulo (entrada), sem se preocupar com o funcio- namento interno do indivíduo. O sujeito é considerado como uma <<caixa negra)) à qual é impossível aceder, o que equivale a dizer que não se pode ter acesso aos estados mentais dos indivíduos (tais como as suas crenças, aspirações, intenções ou motivações). A teoria daGestalt ou psicologia da forma A Gestalttheorie ot psicologia da forma (do vocábulo alemão Gestalt: <<forma, configuração>) surge na Alemanha também no início do século xx. É proposta em l9l2 por Max Wertheimer (1380-1943) em oposição à tradição empirista associacionista herdada dos filósofos e de Wundt, desenvolvendo-se depois em reação ao behaviorismo. Considerando que fenómenos psicológicos não podem ser decom- postos em elementos mentais simples (as sensações), nem em meras relações associativas estímulos-respostas, a Gestalt interessa-se pela sua organização. Os defensores desta teoria postulam que os fenómenos p sicológico s c onstituem entidade s or ganizadas (G e s t a I t en) diferente s da adição de sensações elementares. <<O todo é superior à soma das partes)), <<o conjunto prevalece sobre os elementos que o compõem>>... Várias fórmulas resumem assim o espírito da teoria da forma. A ideia central é a de que a perceção de um objeto passa primeiro por uma visão de conjunto, e não pela soma dos pormenores. Os gestaltistas procu- ram determinar experimentalmente a que organizações correspondem UII \ HISTORÍ,\ I),\ PSICOLOCI,\ 33 totalidades psicológicas, interessando-se mais em particular pelos fenó- menos percetlvos. Os primeiros estudos incidiram sobre a perceção do movimento, especialmente o fenómeno phi, uma <<ilusão de movimento produzida por dois objetos (ou figuras) fixos, de forma semelhante: quando um se apresenta pouco tempo depois do outro (que desapareceu) e noutro lugar, percebe-se (se as condições de tempo de distância e de intensidade permitirem essa assimilação) apenas um objeto a passar rapidamente de um lugar para o outro>. A aplicação mais conhecida do fenómeno phi é a do cinema e suas 24 imagens por segundo percebidas como um movimento contínuo. Os psicólogo s da Gestalt mostraram que o todo é muitas vezes diferente da soma das partes e formularam um conjunto de leis, nomeadamente a lei de proximidade ou a lei de semelhança. Segundo eles, os fenómenos psicológicos não podem ser decompostos em unidades básicas, sob pena de perderem a sua significação. Exemplo de lei de proximidade que nos leva a perceber os elementos mais próximos uns dos outros. No exemplo seguinte, isso explica porque é que vemos cinco colunas de pontos em vez de quatro linhas de pontos. Exemplo de semelhança que nos leva a agrupar os elementos mais seme- lhantes. No exemplo seguinte, isso explica porque é que vemos um quadrado de O rodeado de X em vez de colunas de X e de O misturados. XXXXX XOOOX XOOOX XOOOX XXXXX Ainda que, a exemplo dos behavioristas, rejeitassem a psicologia introspetiva, os gestaltistas reintrodu ziramuma espécie de introspeção livre, inspirando-se na fenomenologia, corrente filosófica fundada por Edmund Husserl (1859-1938). Para este filósofo, a fenomenologia é o estudo das <essências>. Qualquer consciência se vira para as coisas. extraindo-lhes essências. A essência de uma ârvore,por exemplo, não é uma representação exata desta ou daquela árvore concreta com os seus 7 73.' .\ PSICOLO(;IA pormenores. A ideia de árvore, a sua forma geral tal como a mente a concebe, está despida dos atributos desta ou daquela árvore em particular. O que opõe igualmente gestaltistas e behavioristas diz respeito às modalidades de descoberta da solução. Essa descoberta faz-se por tentativa e erro, por seleção progressiva segundo osbehavioristas, enquanto para os gestaltistas se faz por reestruturação dos dados e surge de repente (tal descoberta brusca é denominada Einsicht emalemão ot insight em inglês)- <Paradigma alternativo ao behaviorismo, a psicologia da forma poderia ter conhecido um destino completamente diferente, se um acontecimento, que tem pouco a ver com a história estrita das ideias, não fosse mudar o seu curso. Quando Hitler toma o poder em 1933, os intelectuais judeus, destituídos dos seus cargos, têm de emigrar em massa. A América vai acolher muitos deles. Mas a enxertia teórica dá-se mal em solo americano, onde o behaviorismo é então rei e senhor. Os psicólogos da Gestalt vão ficar dispersos e isolados. Apenas algumas individualidades - como Kurt Lewin (1890-1947). fundador da dinâmica de grupos, ou Frederick Perls (1893-1970), fundador da Gestalt Therapy - vão conseguir impor a sua doutrina. Porém, os pioneiros do grupo de Berlim - e, com eles, a psicologia da Gestalt - serão marginalizados23.>> A revolução da psicologia cogn¡t¡va: abrir a ca¡xa negra Pode situar-se o nascimento da psicologia cognitiva nos anos 1955-1960, nomeadamente com a fundação - por Jerome Bruner (n. 1915) e George Armitage Miller (1920-2012) - de um Centro de Estudos Cognitivos na Universidade Harvard. O seu projeto é então criticar as conceções behavioristas no que concerne à explicação do comportamento humano. Pretendem mostrar que o mero conhecimento do comportamento obser- vado é insuficiente, sendo indispensável conhecer as modalidades pelas quais se elaboram os comportamentos. Vão, pois, mostrar interesse pelos processos de tratamento da informação, pela planificação dos compor- tamentos ou pelas representações mentais. Nesta perspetiva, a psicologia cognitiva (do latirn cognitio'. <<conhe- cimento, ação de aprendeo) é uma resposta alternativa às teorias beha- vioristas. Segundo a teoria behaviorista, a mente humana (e animal) era considerada como uma caixa negra cujas respostas (o comportamento) deviam ser analisáveis como uma função das estimulações, sem que fosse necessário aventar hipóteses suplementares sobre os mecanismos rr Jean-François Dortier, "La Gestalt. Quand la psychologie découvrait les formes",Ia grande hisloît'e de la psy¿þslsgie, número especial da revista Sciences Hznnaittes (n.o 7, setembro-outubro de 2008). UùI-\ IIIST()RI \ D\ ì}SICOLOGI,\ 35 implicados. A psicologia cognitiva opõe-se a esta atitude. ao estudar o que há entre o estímulo e o comportamento. procura dar ênfase ao pen- samento humano, estudando todos os fenómenos de cognição. o termo cognição é geralmente utilizado para designar qualquer forma de conhe- cimento. Engloba tanto os conteúdos como os processos. os conteúdos correspondem àquilo que se sabe (os conceitos, os factos, as regras. as recordações), e os processos cognitivos cobrem todo um conjunto de atividades mentais (tais como a linguagem, a inteligên cia, a afenção, a memória, a perceção ou ainda a representação e a resolução de problemas) que permitem a constituição dos nossos conhecimentos. centrada nas atividades mentais do indivíduo e nas estruturas que as sustentam e já não apenas nas variações do ambiente, a psicologia cognitiva pretende ser, acima de tudo, uma psicologia do conhecimento. A metáfora do cérebro-computador é frequentemente utilizada por analogia com o funcionamento do computador. Segundo a corrente cognitivista, as informações serão objeto de um tratamento sequencial ou paralelo que poderá ser esquematizado da seguinte maneira: Entradas (perceção) -; Tratamento cognitivo + Saídas (comportamento). A psicologia cognitiva tenta responder a perguntas tão diversas como estas: como é que as informações provêm do ambiente? como são tra- tadas as informações sensoriais? como são armazenadas, organizadas na memória e modificadas por aprendizagem? como as utilizamos (linguagem, raciocínio, tomada de decisão, resolução de problemas, cálculo)? Como são abstraídas (consciência)? A partir dos anos 7970, a psicologia cognitiva evoluirá fortemente sob a influência das neurociências e das novas técnicas de neuroimagio- logia que permitem o estudo do <cérebro em ação>, segundo a fórmula de Stanislas Dehaene (1997). Nos anos 1980, surgirão novos métodos de imagiologia cerebral, com a tomografia por emissão de positrões (TEP); nos anos 1990, a imagiologia por ressonância magnética funcio- nal (IRMf), que permite estudar as diferentes regiões implicadas numa determinada tarefa experimental (consultar capíturo II). Neste caso, o principal objetivo é identificar as bases neurobiológicas dos módulos pos- tulados pela psicologia cognitiva. As neurociências cognitivas nascerarn da utilização dos métodos das neurociências no âmbito experimental da psicologia cognitiva. Täis invenções constituem uma verdadeira revolução cujas consequên- cias sobre o estudo do comportamento humano ainda estão por avaliar. 7 -16 .\ PSICOLO(ìI,\ As bases da Psicanálise Simultaneamente teoria dos processos mentais e terapia, a psicanálise é uma corrente de pleno direito que conheceu destinos diversos desde a sua criação' A verdade é que os conceitos que elaborou, quer sejam aceites ou criticados, fazem parte do património das ciências humanas e passaram em muitos casos para a linguagem corrente' . Uma psicologia das Profundezas Num verbete enciclopédico publicado em 1922, sigmund Freud (1856-1939) propunha esta definição: <Psicanálise é o nome: 1) de um procedimento para a investigação de processos mentais praticamente inacessíveis de outra maneira;2) de um método baseado nessa investigação para o tratamento de distúrbios neuróticos; 3) de uma série de conceçöes psicoló9icas adquiridas por este meio e que crescem juntas para formar progressivamente uma nova disciplina científica.> ("Psicanálise, teoria da libido", Encyclopædia Britannico). Esse texto mostra precisamente o campo de investigaçöes que Freud atribui à psicanálise. Segundo ele, a psicanálise comporta três facetas: - um método de análise das produçóes mentais (sonhos, atos falhados, ditos espirituosos), mas que se estende mais em geral a qualquer produção cultural (arte, religião), assim como à análise da maior parte das perturbaçóes mentais (neuroses e psicoses); - uma terapia destinada a tratar algumas neuroses. Freud fala mesmo de (tratamento de distúrbios neuróticos>; _ enfim, Freud considera que se trata de <formar progressivamente uma nova disciplina científica>, cujo objetivo é obviamente fornecer uma teoria do psiquismo a que ele chamará por vezes <metapsicologia>' A teoria freudiana articula-se em torno de algumas ideias-forças: - as pulsóes de origem sexual (Eros ou pulsáo de vida) são a mola de uma vida psíquica que fica, em larga medida, na sombra do inconsciente; - essas pulsóes só conhecem uma lei: o princípio de prazer (o id); - mas a procura de prazer colide com o princípio de realidade do qual são garantes o ego e o superego; - desde logo, as pulsöes social e psicologicamente inaceitáveis são objeto de um recalcamento; - mas a barreira oposta pelas instâncias psíquicas às forças pulsionais provoca conflitos: se estes forem muito perturbadores, surgem entáo as neuroses; - a cura é destinada a desbloquear esse conflito psíquico entre as exigências do id e do ego. Esse <núcleo duro> da teoria forma o corpus comum dos psicanalistas <orto- doxosr. Em torno desse núcleo, Freud forjou um enorme edifício teórico. U\I,\ I'ISTORI \ D.\ PSICOLOCI,\ 37 . A teoria das pulsóes A ideia central de Freud é a de que a nossa vida psíquica não se reduz aos fenómenos conscientes. A consciência näo é senão a parte imersa e visível de um iceberg. A psicanálise preocupa-se em explorar a <psicologia das pro- fundezasr, essa parte imersa do iceberg. segundo Freud, a vida psíquica organiza-se em torno de pulsöes inconscien- tes cujo cerne é a pulsão sexual (ou libido). Freud não reduz a pulsão sexual unicamente ao desejo de cópula realizado por via genital. Defende antes uma visão alargadada sexualidade, que se manifestará desde a primeira infância através da busca de prazeres corporais como a sucção do seio da mãe (fase oral da sexualidade) e, posteriormente, o controlo dos seus esfíncteres (fase anal). Para Freud, há uma dimensäo erótica em cada um desses atos. por volta dos seis anos, o desenvolvimento psicossexualentra, segundo ele, numa nova fase. A criança descobre as diferenças e interessa-se pelo seu próprio sexo: é a fase fálica. Na mesma altura, surge o complexo de Édipo, que designa as pulsões amorosas que uma criança sente em relação a um dos seus progenitores. A menina sente-se atraída pelo pai e considera a mãe como rival que ela queria eliminar. Da mesma forma, o menino deseja a mãe a ponto de querer suprimir o pai. É o argumento do drama de Édipo, personagem da mitologia grega que desposou a mãe (Jocasta) e matou o pai (Laio)... . Princípios de prazer e de realidade Essas pulsÕes sexuais, instintivas e arcaicas, são orientadas para um único obje- tivo: a sua satisfação. A sexualidade polimorfa nem sempre pode exprimir-se livremente. choca com interditos morais, representados no seio do psiquismo pelo superego e pelas forças de controlo do ego que procuram regular essas pulsöes, preservando a integridade da pessoa. Para Freud, essas pulsÕes eróticas (em relação ao pai, por exemplo) são recalcadas do campo da consciência. o recalcamento não faz desaparecer esses desejos, que vão manifestar-se de duas maneiras: quer sob as formas <desviadas> que säo os atos falhados da vida quotidiana, os sonhos; quer sob a forma de neuroses por causa de conflitos psíquicos. . Os sonhos e sua interpretação Para Freud, os desejos e pulsoes recalcados vão ressurgir de forma indireta na vida quotidiana: os sonhos, os atos falhados e os sintomas neuróticos säo prova disso. O mecanismo é, portanto, o seguinte: o sentido profundo do sonho é transformado, traduzido num conteúdo manifesto. A transposição faz-se por intermédio de um símbolo que dissimula, sob a aparência de um signo, de um objeto, de uma atividade ou de uma pessoa, um sentido oculto. caixa feita a partir da obra Les Sciences Humoines, panorama des connaissances, de Jean-François Dortier, Auxerre: Éditions Sciences Humaines, 2009. 38 .{ PSICOLOGI,\ .+ Sigmund Freud, o Conquistador <Não sou nem um verdadeiro homem de ciência, nem um experimentador, nem um pensador, mas um conquistador, um explorador (...) com a curiosidade, a audácia e a tenacidade que caracterizam esse género de homem.> (Carta endereçada a Wilhelm Fliess, 1 de fevereiro de 1890). 1856: Sigmund Freud nasce em Freiberg2a, na Morávia; quatro anos mais tarde, instalação da família Freud em Viena. 1873-1895: dos estudos de medicina à <descoberta> do inconsciente Freud entra na universidade onde enceta estudos de medicina e neuropsiquia- tria. Em 1876, encontra JosefBreuer. Em 1885, estada ern Paris, ondetrabalha no Hospital de La Salpêtrière junto de Jean-Martin Charcot, que pratica então a hipnose em casos de histeria. Em 1886, regressa a Viena, onde se casa com Martha Bernay e abre um con- sultório médico. Em 1889, durante uma viagem de aperfeiçoamento a Nancy, começa a conceber uma nova teoria do psiquismo: <Foi lá que recebi as mais fortes impressões relativas à possibilidade de poderosos processos psíquicos que permanecem, porém, escondidos da consciência humana.o 1896-1900: nasc¡mento da psicanálise Em 1896, Freud emprega pela primeira vez o termo psicanólise (psicoanálise). Enceta a sua <autoanálise>. Rejeita a hipnose e começa a analisar os seus pacientes, utilizando as associaçÕes livres. Em 1900, Freud publica A lnterpre' taçoo dos Sonhos, que será um fiasco comercial. Todavia, o pensamento do autor é alinhavado em traços gerais. 1900-1939: a irradiação da psicanálise Durante as quatro décadas de vida que lhe restam, Freud dedica-se a produ- zir uma obra imponente (livros, artigos e conferências em que desenvolve, reformula e divulga os conceitos da psicanálise) e a criar um movimento psicanalítico através de uma associação internacional. Quando Freud morre, em Londres, a 23 de setembro de 1939, aos 83 anos, a psicanálise já não é essa teoria estranha e escandalosa defendida por um original. Freud granjeou grande renome. Recebeu o prémio Goethe em 1930. Por ocasião do seu 80.o aniversário, Thomas Mann prestou-lhe homenagem. Freud foi nomeado para a Royal Society de Londres. A psicanálise constituiu-se como um forte movimento internacional com centenas de membros. Existem sociedades psicanalíticas nos Estados Unidos, em lnglaterra, em Paris. Caixa extraída da obra Les Sciences Humaines, panoramo des connaissances, de Jean-François Dortier, Auxerre: Editions Sciences Humaines, 2009. Piíbor (República Checa) é o topónimo atual [N. T] CAPíTULO II Os Métodos em Psicologia \ ^ pergunta <<O que é que ¡Lf <<escuta>>; outros dirão I \psicóiogo nào Tàz mais Não, como é óbvio! A proliferação em revistas ou na Internet de todo o género de testes pode levar a pensar que a prática deles está ao alcance de todos. Não é nada disso. como vimos, o psicólogo transmite conhe- cimentos sobre o funcionamento humano quer a outros profissionais (geralmente médicos), quer à comunidade científica a que pertence. Deve dedicar-se a recolher informações pertinentes, respeitando um grande rigor metodológico que garanta a credibilidade e a objetividade das informações transmitidas. O método pode ser definido como (o conjunto de procedimentos que a mente segue para descobrir e demonstrar a verdade nas ciências>, como ((o conjunto de passos elaborados e habitualmente seguidos no seio de determinada disciplinu25. Este capítulo propõe-se apresentar as especificidades dos dois grandes métodos em psicologia: o método clínico e o método experimental. O MÉTODO CLíNICO o psicólogo é um clínico. Na sua aceção inicial, a atividade clínica é a atividade de um médico que examina à cabeceira26 do paciente as mani- festações da doença, com vista a fazer um diagnóstico, um prognóstico e prescrever um tratamento. o método clínico permite que o psicólogo estude aprofundadamente os indivíduos com a ajuda das diferentes técnicas de investigação, algumas das quais podem estar normarizadas (por exemplo, os testes). O objetivo é fazer um diagnóstico, propor um tratamento, aconselhar ou ainda orientar. 25 André Rey (1990), citado por Pascal Sockeel e Françoise Anceaux, La Dëmarche expérimenÍale en psychologie, Paris: Éditions In press, 2002.26 o vocábulo clínica tem origem etimológica grega: klíne, que significa <leito> (<cama>>). I OS NIÉTODOS EM PSICOLOGI^ .11 A prática da entrevista requer não só uma aprofundada formação teórica, mas também uma longa prática. Neste sentido, teoria e prática são indissociáveis na maneira de realizar uma entrevista clínica. com efeito, o referencial teórico que serve de base ao psicólogo clínico para compreender o funcionamento humano determinará a sua maneira de conduzir a entrevista clínica com os seus pacientes. Durante as entrevistas psicológicas, o psicólogo deve adotar uma atitude neutral e benevolente, tendo o cuidado de adotar uma empatia o mais subtil possível. Deve procurar inspirar confiança ao paciente. Deve escutar sem a priori, e sem emitir juízo sobre o que é relatado pelo paciente. Deve dominar os aspetos técnicos da entrevista (especial- mente as técnicas de formulação e reformulação ou ainda os pedidos de explicitação). Em simultâneo, deve ser capaz de analisar o discurso do paciente, situando-o no quadro teórico que é o seu, não deixando de estar atento à singularidade do paciente. Enfim, deve estar em condições de orientar e reorientar a entrevista em função das informações procu- radas pela compreensão do funcionamento psicológico do paciente e/ou em função do estado do paciente no momento da entrevista (mais em particular, estando atento aos mecanismos de defesa apresentados pelo paciente nesse momento). Os testes psicológicos A expressão - um tanto desconcertantet - método clínicoarmctdo é fre- quentemente utilizada para designar a:utilização de testes psicológicos pelos psicólogos. Um teste2i é uma medida psicométrica. Neste sentido, constitui uma das técnicas de medição praticadas em psicologia e de- signadas pelo termo genéricopslcometria. O objetivo dos testes é obter, num tempo relativamente curto, informações precisas (quantificáveis) e objetivas (independentes da subjetividade do examinador) sobre certos aspetos do funcionamento mental do indivíduo. Um teste é: - uma prova padronizada, i.e., estritamente definida nas suas condições de aplicação e notação (por exemplo, a ordem deve ser clara, sem ambiguidade, idêntica para todos, a cotação faz-se com a ajuda de tabelas de referência normalizadas, a fim de evitar qualquer avaliação subjetiva das respostas por parte do psicólogo); - uma proya aferida que permita situar depois a(s) resposta(s) do indivíduo testado por comparação com a(s) dos indivíduos do grupo 27 Em francês antigo, o vocábulo /esf significava <pote de barro que serve para testar ouro em alquimia>. 40 A PSICOLOGI^ As entrevistas clínicas A entrevista clínica é porventura a ferramenta fundamental do psicólogo clínico. Trata-se de um método científico que responde a rigorosos critérios de implement ação e objetivos bem definidos. Existem diferentes tipos de entrevistas, em função do objetivo visado: a entrevista terapêutica (quando o psicólogo recebe um paciente no âmbito de um acompanha- mento terapêutico, por exemplo), a entrevista de aconselhamento ou a entrevista de orientação. Amaneiradeconduziraentrevistatambémpodevariar.Classica- mente, distinguem-se: - As entrevistas diretivas: o psicólogo preparou'as suas perguntas antecipadamente e fá-las por uma ordem que ele próprio predeflniu' faz pergwtas bastante precisas, deixando uma zona de livre expressão pu,uopaciente.Estetþodeentrevistasassemelha.Seaosquestionários ä" irrquerltos sociológicos ou de satisfação administrados por institutos especializados no que concerne a este ou àquele produto ou facto social. - As entrevistas semidiretivas: o psicólogo definiu as perguntas centrais que apresentarâ pela ordem que lhe parecer mais adequada durante a entrevista. Definiu os subtemas da entrevista, mas deixa livre o paciente patacadaum deles. -Asentrevistasnãodiretivas:opsicólogonãodefiniunemaordem, nemaformulação,nemsequeranatl¡rezadasperguntas.Issosignifica que deixa o paciente livre do conteúdo do seu discurso em relação ao assunto da entrevista. o psicólogo poderá ser levado a recapitular, incitar o paciente a aprofundar um ponto, pedirJhe que especifique certas coisas' Oobjetivo é levar a pessoa a exprtmir-se ao máximo' não deixando de ,espeitáJa, sem qualquer manifestação de julgamento' autoridade ou intårpretação. conduzir corretamente entrevistas não diretivas exige nao sO uma boa formação, mas também uma grande experiência neste tipo de entrevista. As entrevistas não diretivas são utilizadas preferencialmente pelos psicólogosclínicos,enquantoospsrcólogosdotrabalhoprivilegiarão,no ãmbito das suas atividades de orientação, recrutamento ou de estudos demotivação,asentrevistasdiretivasousemidiretivas(oquenãoos impede, porém, de utilizar por vezes também as entrevistas não diretivas). Uma das dificuldades das entrevistas, e particularmente da entre- vista não diretiva, reside na recolha de informações' Em certos casos' é preferívelqueopsicólogopossaregistaraentrevistanaíntegra.Deverá então tranqu \lizar apessoa interrogada sobre o papel do registo e tornar o mais discreto possível o sistema de registo' 42 A PSICOLOGIA a que pertence. A aferição consiste em obter junto de uma população estritamente definida (denominada população de aferiçõo) os valores de referência com os quais serão comparadas as respostas do indivíduo testado. A amostra deve ser representativa da população no seu conjunto, i.e., ter as características o mais próximas possível das da população tomada no seu conjunto. Os testes são instrumentos cuja priúica exige experiência e tecnici- dade28. A análise e a interpretação dos resultados obtidos nos testes exigem uma formação especíûca, náo só teórica, mas também metodológica. Assim, os conhecimentos teóricos do psicólogo sobre o funcionamento humano permitem-lhe interpretar de maneira pertinente os resultados obtidos nos testes escolhidos em função do objetivo visado, da patologia ou do tempo concedido parao exame do paciente. Atealização dos testes exige uma compreensão dos princípios que guiaram a sua elaboração, um domínio das escalas de resultados que servirão de referência para situar o desempenho do paciente. Podem distinguir-se dois tipos de escalas - escalas em quantis e escalas sigmáticas: , As escalas em quantis permitem situar o desempenho do indivíduo avaliado num dos níveis definidos na altura da aferição do teste. Trata-se, mais pre- cisamente, de ordenar num primeiro momento os desempenhos recolhidos junto da população de aferição segundo uma ordem crescente, agrupando-os depois em classes, de maneira que cada classe comporte a mesma percen- tagem de desempenhos. A divisão de uma distribuição estatística em decis é o exemplo de uma escala em quantis corrente: são definidas dez classes, cada uma das quais agrupando 10 % dos desempenhos da população de aferição, com a classe I agrupando 10 % das notas brutas mais fracas da amostra, a classe il agrupando os l0 % que se seguem e assim sucessiva- mente até à classe X, que agrtparâ,por seu turno, as melhores notas. Será, em seguida, possível determinar em que classe se situa o desempenho do indivíduo avaliado. As escalas sigmáticas, também denominadas escalas normalizadas, assentam na hipótese de uma distribuição normal de desempenhos cuja média e cujo desvio-tipo poderão ser calculados. Contrariamente às escalas em quantis, as classes definidas já não comportam, desta vez, a mesma percentagem de desempenhos, mas são definidas de maneira que os efetivos de cada classe estejam em conformidade com as frequências da distribuição normal. Será, 28 Esta exigência de experiência e tecnicidade explica porque é que os testes psico- lógicos só podem ser comprados por profissionais e/ou instituições. A principal editora de testes em França são as Éditions du Centre de Psychologie Appliquée: <http://www.ecpa.fr>. OS \{ETODOS EI\I PSICOLOGIA 43 em seguida, possível situar o desempenho do indivíduo testado na distri- buição dos desempenhos da sua população de referência. (Consultar diferentes exemplos no Capítulo VII, consagrado à inteligência.) As famílias de testes Podem distinguir-se três famílias de testes, cada uma das quais centrada na evolução de um aspeto particular do funcionamento psicológico do indivíduo. - Os testes cognitivos permitem avaliar a inteligência geral, as apti- dões ou os conhecimentos. Alguns destes testes permitirão obter índices como o quociente de desenvolvimento e/ou o quociente de inteligência (consultar Capítulo VII). - Os testes conativos permitem avaliar as componentes motivacio- nais (por exemplo, a necessidade de ter êxito ou o gosto pelo esforço), o interesse por esta ou aquela atividade escolar ou profissional. Não se trata de registar um desempenho, mas de avaliar o conhecimento que o indivíduo tem de si mesmo, dos seus gostos e das suas preferências. - Os testes afetivos, entre os quais é possível distinguir os inventá- rios de personalidade, os testes de personalidade ou as provas projetivas (teste de Rorschach, Pata Negra, etc). Estes testes permitem objetivar uma parte ou o conjunto das características afetivas ou relacionais de um indivíduo. Convém frisar o facto de os testes constituírem um complemento ao exame clínico propriamente dito, embora não possam, em hipótese alguma, substituilo ou precedê-lo. Por outras palavras: os testes cons- tituem apenas uma ferramenta de investigação entre outras. Tomados isoladamente, os resultados recolhidos em diferentes testes têm apenas um valor reduzido. Devem imperativamente
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