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Fisiologia Básica São Cristóvão/SE 2009 Lucindo José Quintans Júnior Márcio Roberto Viana dos Santos Flavia Teixeira Silva Leonardo Rigoldi Bonjardim Projeto Gráfico e Capa Hermeson Alves de Menezes Diagramação Nycolas Menezes Melo Ilustração Elisabete Santos Elaboração de Conteúdo Lucindo José Quintans Júnior Márcio Roberto Viana dos Santos Flavia Teixeira Silva Leonardo Rigoldi Bonjardim Quintans Júnior, Lucindo José, Fisiologia Básica / Lucindo José Quintans Júnior...[et al]. -- São Cristóvão: Universidade Federal de Sergipe, CESAD, 2009. 1. Fisiologia . I Quintans Júnior, Lucindo José. II. Santos, Márcio Roberto Viana dos. III Silva, Flavia Teixeira. IV Bonjardim, Leonardo Rigoldi. Copyright © 2009, Universidade Federal de Sergipe / CESAD. Nenhuma parte deste material poderá ser reproduzida, transmitida e grava- da por qualquer meio eletrônico, mecânico, por fotocópia e outros, sem a prévia autorização por escrito da UFS. Fisiologia Básica CDU 612 F537 Hermeson Menezes (Coordenador) Jean Fábio B. Cerqueira (Coordenador) Baruch Blumberg Carvalho de Matos Christianne de Menezes Gally Edvar Freire Caetano Fabíola Oliveira Criscuolo Melo Gerri Sherlock Araújo Isabela Pinheiro Ewerton Jéssica Gonçalves de Andrade Lara Angélica Vieira de Aguiar Lucílio do Nascimento Freitas Luzileide Silva Santos Neverton Correia da Silva Nycolas Menezes Melo Péricles Morais de AndradeJúnior Taís Cristina Samora de Figueiredo Tatiane Heinemann Böhmer Diretoria Pedagógica Clotildes Farias (Diretora) Hérica dos Santos Matos Diretoria Administrativa e Financeira Edélzio Alves Costa Júnior (Diretor) Núcleo de Serviços Gráficos e Audiovisuais Giselda Barros Núcleo de Tutoria Rosemeire Marcedo Costa (Coordenadora) Carla Darlem Silva dos Reis Amanda Maíra Steinbach Luís Carlos Silva Lima Rafael de Jesus Santana NÚCLEO DE MATERIAL DIDÁTICO Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva Ministro da Educação Fernando Haddad Secretário de Educação a Distância Carlos Eduardo Bielschowsky Reitor Josué Modesto dos Passos Subrinho Vice-Reitor Angelo Roberto Antoniolli Chefe de Gabinete Ednalva Freire Caetano Coordenador Geral da UAB/UFS Diretor do CESAD Itamar Freitas Vice-coordenador da UAB/UFS Vice-diretor do CESAD Fábio Alves dos Santos Coordenador do Curso de Licenciatura em Ciências Biológicas Silmara de Moraes Pantaleão Núcleo de Tecnologia da Informação Fábio Alves (Coordenador) André Santos Sabânia Daniel SIlva Curvello Gustavo Almeida Melo João Eduardo Batista de Deus Anselmo Heribaldo Machado Junior Luana Farias Oliveira Rafael Silva Curvello Núcleo de Formação Continuada Andrezza Maynard (Coordenadora) Elisabete Santos Assessoria de Comunicação Guilherme Borba Gouy UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE Cidade Universitária Prof. “José Aloísio de Campos” Av. Marechal Rondon, s/n - Jardim Rosa Elze CEP 49100-000 - São Cristóvão - SE Fone(79) 2105 - 6600 - Fax(79) 2105- 6474 AULA 1 Introdução à Fisiologia, noções de Eletrofisiologia e Sinapses...........07 AULA 2 Receptores sensoriais e Sistema Somatossensorial.......................41 AULA 3 Sentidos especiais.......................................................................75 AULA 4 Sistema Nervoso Motor.......................................................................................93 AULA 5 Contração muscular...........................................................................111 AULA 6 Sistema Endócrino.........................................................................125 AULA 7 Sistema Digestório.............................................................................................171 AULA 8 Sistema Respiratório...........................................................................................195 AULA 9 Fisiologia do Sistema Cardiovascular.....................................................215 AULA 10 Fisiologia do Sistema Urinário..........................................................................247 Sumário INTRODUÇÃO À FISIOLOGIA, NOÇÕES DE ELETROFISIOLOGIA E SINAPSES Lucindo José Quintans Júnior Márcio Roberto Viana Dos Santos META Apresentar os conceitos básicos de fisiologia, os fundamentos em homeostase, eletrofisiologia e as principais características das sinapses. OBJETIVOS Ao final da aula, você deverá: identificar os principais mecanismos fisiológicos para manutenção da homeostase, os componentes eletrofisiológicos das células excitáveis e como ocorre uma sinapses (químicas e elétrica). PRÉ-REQUISITO Noções de biologia molecular e de biofísica básica. Aula 1 (Fonte: http://www.megabook.com.br). 8 Fisiologia Básica INTRODUÇÃO Caro aluno, a presente aula tratará dos conhecimentos funcionais básicos para manutenção da homeostase e dos componentes eletrofisiológicos das células excitáveis e das sinapses. Podemos definir fisiologia como uma ciência que trata da função dos organismos, nos vá- rios estágios da organização, do nível subcelular ao organismo como um todo. No ser humano apesar de estar constantemente em contato e interagindo com o meio que o cerca muitas variáveis fisiológicas são mantidas dentro de limites estreitos. Pode-se citar como variáveis fisiolo- gicamente controladas a temperatura corpórea, pressão sanguínea, com- posição iônica nos fluidos extra e intracelular, níveis séricos de glicose e os gradientes de oxigênio e de dióxido de carbono no sangue. Essa capa- cidade de manter a constância relativa dessas variáveis críticas, mesmo frente a modificações substanciais do meio ambiente, é conhecido como homeostase. Um dos principais objetivos da pesquisa e do ensino é a elucidação dos mecanismos homeostáticos. A aula também abordará os principais componentes eletrofisiológicos das células excitáveis, princi- palmente dos neurônios e sua capacidade em se comunicar com outros neurônios realizando sinapses. (Fonte: http://www.afh.bio.br). 9 Introdução à Fisiologia, Noções de Eletrofisiologia e Sinapses Aula 1INTRODUÇÃO AO ESTUDO DA FISIOLOGIA E CONTROLE DO “MEIO INTERNO” Prezado aluno, vamos começar o estudo da Fisiologia descrevendo alguns importantes personagens da história dessa ciência que como as demais ciências ocidentais, nasceu na Grécia há mais de 2500 anos. A origem da palavra fisiologia vem do termo grego phýsis, que significa natureza. Este termo deu origem tanto à palavra física quanto à fisiologia. A mais influente figura fisiológica da Antigüidade foi certamente o médico Cláudio Galeno (129-200 d.C.) que tratou gladiadores do Império Romano e chegou a tratar o próprio imperador Marco Aurélio. Pode-se dizer que Galeno julgava-se herdeiro intelectual de Hipócrates e da ciência grega, e sua fisiologia baseava-se na doutrina dos quatro humores (os humores são o sangue, a fleuma, a bile amarela e a água). Para as idéias preconizadas por Galeno, vale salientar que bastante modernas para o conhecimento da época, os três principais órgãos do corpo humano seriam o fígado, o coração e o cérebro. O sangue seria produzido no fígado a partir dos alimentos absorvidos no intestino, e daí distribuído para todo o organismo, passando pelo lado direito do coração. No ventrículo direito, uma pequena parte do sangue atraves- saria o septo interventricular através de minúsculos canais, penetran- do o ventrículo esquerdo, local em que o sangue se misturaria ao ar trazido dos pulmões. Dessa maneira, Galeno e os fisiologistas que o sucederam não concebiam a circulação sangüínea: o sangue seria continuamente produzido no fígado. O esquema galênico dominou os estudos fisiológicos até ser derrubado por William Harvey (1578- 1657), no século XVII. 10 Fisiologia Básica Harvey realizou várias pesquisas sobre o coração e o sistema circula- tório. Elas forampublicadas, após duas décadas de estudos, no tratado Exercitatio Anatomica de Motu Cordis et Sanguinis in Animalibus (Estudo Anatômico sobre o Movimento do Coração e do Sangue nos Ani- mais), em 1628. Nesse livro, Harvey propôs a teoria de que o sangue circula pelo organismo, impulsionado pelos movimentos de contração muscular do coração. A partir dessa teoria, a concepção do funcionamen- to do corpo animal foi radicalmente alterada; desde então a fisiologia começou a tomar a forma que conhecemos hoje. Na época contemporânea grande parte dos fisiologistas atribui ao médico experimentalista Claude Bernard (1813-1878) o título de “pai da fisiologia experimental”. Bernard publicou, em 1865, o livro Introduction à l’étude de la Médecine Expérimentale (Introdução ao Estudo da Medici- na Experimental), em que lançou as bases metodológicas da nova fisio- logia experimental. Dois pontos fundamentais foram insistentemente res- saltados por Bernard: a autonomia da fisiologia e a importância da expe- rimentação. A fisiologia, segundo ele, deveria constituir-se numa ciência autônoma. Ao invés de submeter-se, ou reduzir-se, à física, à química ou à anatomia, como defendiam alguns; o fisiologista deveria preocupar-se O conceito de humor (khymós, em grego), na escola hipocrática, era de uma substância existente no organismo, necessária à manutenção da vida e da saúde. No livro Das doenças os humores são o sangue, a fleuma, a bile amarela e a água. A doutrina dos quatro humores encaixava-se perfeitamente na concepção filosófica da estrutura do universo. Estabeleceu-se uma correspondência entre os quatro humores com os quatro elementos (terra, ar, fogo e água), com as quatro qualidades (frio, quente, seco e úmido) e com as quatro estações do ano (inverno, primavera, verão e outono). O estado de saúde dependeria da exata proporção e da perfeita mistura dos quatro humores, que poderiam alterar-se por ação de causas externas ou internas. O excesso ou deficiência de qualquer dos humores, assim como o seu isolamento ou miscigenação inadequada, causariam as doenças com o seu cortejo sintomático. Segundo a concepção hipocrática da patologia humoral, quando uma pessoa se encontra enferma, há uma tendência natural para a cura; a natureza (Physis) encontra meios de corrigir a desarmonia dos humores (discrasia), restaurando o estado anterior de harmonia (eucrasia). Na atualidade, com o avanço das técnicas diagnósticas e laboratoriais, as idéia de humor não são mais utilizadas na prática clínica, mas esses conceitos permearam, por muito tempo, nas escolas de medicina européias. 11 Introdução à Fisiologia, Noções de Eletrofisiologia e Sinapses Aula 1primordialmente com fenômenos fisiológicos por natureza. Assim, o fisiologista deveria, nas palavras de Bernard, “começar a partir do fenô- meno fisiológico e procurar sua explicação no organismo”. Bernard insis- tiu também na importância que os experimentos realizados no laborató- rio têm na formulação de novas teorias. A experimentação fisiológica deve ser um processo ativo; o pesquisador deve provocar a ocorrência do fenô- meno que deseja investigar: “experimentação é observação provocada”, nos ensina. E foi por meio de experimentos rigorosamente controlados que Bernard realizou descobertas fundamentais, como o efeito do vene- no curare*, a participação do pâncreas na digestão e a função glicogênica do fígado, dentre muitas outras. O QUE É CURARE? Curare é um nome comum a vários compostos orgânicos venenosos conhecidos como “venenos de flecha”, extraídos de plantas da América do Sul, utilizados pelos índios americanos para imobilizar suas caças. Possuem intensa e letal ação paralisante, embora seja utilizado medicinalmente como relaxante muscular ou anestésico. Seus principais representantes são plantas dos gêneros Chondrodendron e Strychnos, da qual um dos alcalóides extraídos é a estricnina. ORGANIZAÇÃO FUNCIONAL BÁSICA DO CORPO E HOMEOSTASIA Estimado aluno, ao iniciar o nosso estudo de fisiologia humana é preciso relembrar que as células do organismo humano se associam e for- mam níveis diferentes de organização: célula, tecidos, órgãos e siste- mas de órgãos. Pode-se dizer que a célula é considerada a unidade básica da vida do corpo e cada tecido é um agregado de muitas células diferentes, mantidas unidas por estruturas intercelulares de sustentação. Cada tipo de célula realiza atividades metabólicas essenciais para a sua própria sobrevivência e, ao mesmo tempo, desempenha a função especifica do tecido de cujo órgão faz parte. Por exemplo: Os hepatócitos são células encontradas no fígado capazes de sintetizar proteínas, usadas tanto para exportação como para sua própria manutenção, por isso torna-se uma das células mais versáteis do organismo. Um tecido deve ser sempre interpretado morfo-funcionalmente como o produto da interação entre grupos de células e de substâncias 12 Fisiologia Básica intercelulares, formando diferentes tecidos, que desempenham uma ou mais tarefas especificas. Já um órgão é constituído por mais de um tipo de tecido em diferentes proporções e padrões. Um sistema de órgãos envolve mais de um órgão interagindo física, química e funcionalmente para que uma determinada tarefa seja efetuada. Para que a vida das células e tecidos seja possível é essencial que ocor- ra, constantemente, mecanismos para ofertar nutrientes e energia e, ao mes- mo tempo, se livrar dos dejetos gerados a partir do próprio metabolismo des- sas estruturas. Ou seja, é necessário manter a constância do meio interno. O QUE É MEIO INTERNO? Meio interno refere-se ao fluido entre as células, chamado de líquido intersticial ou líquido extracelular. No líquido extracelular estão os íons e os nutrientes necessários às células para a manutenção da vida celular. Portanto, devemos considerar que todas as células do corpo vivem em um mesmo ambiente, que é o líquido extracelular, razão pelo qual é cha- mado de meio interno. O conceito de meio interno foi inicialmente introduzido por Claude Bernard que disse: “O corpo vivo, embora necessite do ambiente que o circunda, é, apesar disso, relativamente independente do mesmo. Esta independência do organismo com relação ao seu ambiente externo deriva do fato de que, nos seres vivos, os tecidos são, de fato, removidos das influências externas diretas, e são protegidos por um verdadeiro ambi- ente interno, que é constituído, particularmente, pelos fluidos que circulam no corpo”. Claude Bernard Claude Bernard, nasci- do em 12 de julho de 1813 em Saint-Julien (França), graduou-se em Medicina em 1843, tendo trabalhado com o famoso experimentalista François Magendie, ca- tedrático do Collège de France, sendo conside- rado o “pai da fisiologia c o n t e m p o r â n e a ” . Bernard foi o responsá- vel por uma descoberta revolucionária quanto ao entendimento dos princípios fundamentais da vida orgânica, o qual continua válido até hoje. É o conceito de homeostase, ou da es- tabilidade controlada do ambiente interno, com- posto pelas células e tecidos. Ele propôs que a “fixidez do ambiente interno é a condição para a vida livre” CARACTERÍSTICAS FISIOLÓGICAS DAS MEMBRANAS CELULARES E TRANSPORTE DE ÁGUA E SOLUTOS ATRAVÉS DA MEMBRANA Uma das principais estruturas para melhor compreensão da homeostasia são as membranas celulares (Membrana Plasmática) porque elas funcionam como uma barreira entre os componentes da célula e o ambiente externo. A membrana celular não só é responsável por criar uma parede entre meio interno (intracelular) e o meio externo (extracelular) da célula, como tem que selecionar quais moléculas podem entrar ou sair da célula quando necessário (permeabilidade seletiva). OBS.: Não confundir a membrana celular com a parede celular (das células vegetais, por exemplo), que tem uma função principalmente de proteção mecânica da célula. Como elanão é muito forte, as plantas pos- suem a parede celular, que é mais resistente. 13 Introdução à Fisiologia, Noções de Eletrofisiologia e Sinapses Aula 1A membrana celular é constituída por uma bicamada fina e altamente estruturada de moléculas de lipídios e proteínas, organizadas de forma a manter o potencial elétrico da célula e a controlar o que entra e sai da célula (permeabilidade seletiva). O constituinte mais abundante das membranas celulares são as proteínas e os fosfolipídios. A molécula de fosfolipídio é constituída por um grupo polar terminal e de duas cadeias apolares (não- polares), hidrofóbicas, de ácidos graxos. Os fosfolipídios tendem, em meio aquoso, que é o meio extracelular (meio interno), a orientar as suas cadeias hidrofóbicas de ácidos graxos para longe do contato com a água (Figura 3). A maioria das moléculas de fosfolipídios encontradas nas membranas bio- lógicas apresenta a estrutura de bicamada lipídica. É importante que o modelo do Mosaico Fluido (apresentado na Figu- ra 3) seja memorizado e que faça parte do seu conhecimento básico, pois esse modelo será explorado em várias questões fisiológicas expressas no decorrer da aula. O modelo do Mosaico Fluido para a estrutura de mem- brana é coerente com as muitas propriedades das membranas biológicas. Portanto, vamos considerar a expressão modelo do mosaico fluido líquido (Figura 3), sugerindo que as membranas celulares são estruturas fluidas. Muitos dos constituintes moleculares de membranas celulares estão livres para se difundirem no plano da membrana, ou seja, a maioria das proteínas e lipídios se movem livremente no plano da bicamada lipídica. Contudo, alguns componentes são de difundem livremente pelo plano da bicamada, por exemplo: os receptores para acetilcolina (proteínas inte- grais de membrana). Figura 3 - Esquema de mosaico fluido da menbrana celular (Fonte: http:// recursos.cnice.mec.es) 14 Fisiologia Básica De maneira geral podemos dividir a composição das membranas ce- lulares em: a) Composição Lipídica - Fosfolipídios principais ð Nas membranas de células animais a bicamada fosfolipídica é primariamente responsável pelas propriedades de permeabilidade passiva das membranas. Apenas para substâncias lipofílicas (gordurosas). - Colesterol ð É o principal componente das membranas biológicas. - Glicolipídios ð Os domínios de carboidratos dos glicolipídios funcionam, com freqüência, como receptores ou antígenos. b) Composição protéica A composição protéica pode ser simples ou complexa. As proteínas de membrana incluem enzimas, proteínas de transporte, receptores para hormônios e para neurotransmissores. - Glicoproteínas ð O domínio carboidrato das glicoproteinas e dos glicolipídios de membrana têm funções importantes. Por exemplo: as glicoproteínas de membrana dos vírus envelopados são essenciais para ligação do vírus com o hospedeiro. TRANSPORTE ATRAVÉS DA MEMBRANA Vamos raciocinar juntos, prezado aluno, sobre umas das principais funções da membrana celular: funcionar como uma barreira seletiva. Como a membrana é constituída principalmente por lipídios e proteínas você acha que é fácil atravessar essa barreira? Como grandes partículas/ substâncias, tais como a glicose (substância hidrofílica), podem atraves- sar essa barreira? Bem, a bicamada lipídica serve como barreira, permitindo que a cé- lula mantenha as concentrações de solutos no citosol (no citoplasma da célula), que são diferentes do meio extracelular. Para isso, a membrana desenvolveu mecanismos de transporte (proteínas carregadoras e de ca- nal), ou tornando-se permeável em favor do gradiente de concentração. Muitas das substâncias (gases, íons, açúcares, etc.) dissolvidas em nosso compartimento intracelular ou extracelular podem atravessar a membrana celular e passar de um compartimento a outro. Existem várias formas através das quais as diversas substâncias podem atravessar a membrana celular. As principais e mais bem conhecidas são: DIFUSÃO SIMPLES Neste tipo de transporte a substância passa de um meio a outro (do intracelular para o extracelular ou do extracelular para o intracelular), sim- plesmente devido ao movimento aleatório e contínuo da substância nos 15 Introdução à Fisiologia, Noções de Eletrofisiologia e Sinapses Aula 1líquidos corporais, devido a uma energia cinética da própria matéria. Em tal meio de transporte não ocorre gasto de ATP intracelular nem ajuda de carreadores. Esse transporte é caracterizado por respeitar um gradiente de concentração: a substância sai de um meio mais concentrado para um meio menos concentrado. Exemplo: Gases como oxigênio (O2) e dióxido de carbono (CO2) atravessam a membrana celular com grande facilidade, simplesmente se dissolvendo na matriz lipídica desta membrana (oxigênio e dióxido de carbono são lipossolúveis). Figura 4 - Esquema de Difusão Simples (Fonte: http://fam3static.flickr.com). CANAIS IÔNICOS Algumas estruturas protéicas, chamadas de canais iônicos, quan- do abertos, permitem a passagem de certos íons. Assim, os canais iônicos são seletivos e permitem que íons com características específicas se mo- vam entre eles. Essa seletividade se baseia tanto no tamanho do canal quanto nas cargas que o revestem. Os canais iônicos são controlados por comportas (Gates) e, de- pendendo de sua posição, os canais podem abrir ou fechar. Quando um canal abre, os íons para os quais ele é seletivo podem fluir por ele, movi- dos pelo gradiente eletroquímico existente. Quando um canal se fecha, os íons não podem fluir por ele, não importando a grandeza do gradiente eletroquímico. A condutância de um canal depende da probabilidade de ele se abrir. Quanto maior a probabilidade do canal estar aberto, maior será sua condutância ou permeabilidade. Dois tipos principais de comportas controlam a probabilidade de abertura de um canal iônico, formando duas grandes famílias de canais: 16 Fisiologia Básica a) Canais dependentes de voltagem ð têm comportas que são controladas por alterações do potencial de membrana (como veremos mais adiante). Por exemplo, a comporta de ativação do canal iônico de Na+ no nervo é aberto pela despolarização da membrana celular do nervo; a abertura desse canal é responsável pelo curso ascendente do potencial de ação. De modo interessante, outra comporta do canal de Na+, a comporta de inativação, é fechada pela despolarização. Como a comporta de ativação responde à despolarização mais rapidamente que a comporta de inativação, o canal de Na+ primeiro se abre e a seguir se fecha. Essa diferença nos tempos de resposta de duas comportas é responsável pela forma e pelo curso tempo- ral do potencial de ação. b) Canais dependentes de ligantes ð têm comportas que são controladas por hormônios, por neurotransmissores e por segundos mensageiros (mensagei- ros intracelulares). Por exemplo, o receptor nicotínico da placa motora é real- mente um canal iônico que se abre quando a acetilcolina (ACh) se liga a ele, em locais específicos; quando abertos, ele é permeável aos íons Na+ e K+. DIFUSÃO FACILITADA Neste tipo de transporte a substância se utiliza também de seus mo- vimentos aleatórios e contínuos nos líquidos corporais e passa também de um lado a outro da membrana celular. Porém, por ser insolúvel na matriz lipídica (não lipossolúvel) e de tamanho molecular grande demais para passar através dos diminutos “poros” que se encontram na membra- na celular, a substância apenas se dissolve e passa através da membrana celular ligada a uma proteína carreadora específica para tal substância, encontrada na membrana celular. Em tal transporte também não há gasto de ATP intracelular. Exemplos: A glicose, importante monossacarídeo, atravessa a mem- brana celular de fora para dentro da célula (do meio de maior concentra- ção para o meio de menor concentração de glicose) ligada a uma proteína carreadora específicapara glicose. O transporte de proteínas através da membrana pode ser mediado por uma proteína carreadora chamada de permease (Figura 5) 17 Introdução à Fisiologia, Noções de Eletrofisiologia e Sinapses Aula 1 Figura 5 - Esquema de Difusão Facilitada (Fonte: http://cliente.netvisão.pt). TRANSPORTE ATIVO No transporte ativo a substância é levada de um meio a outro através da membrana celular por uma proteína carreadora que é capaz, inclusive, de transportar esta substância contra um gradiente de concentração, de pressão ou elétrico (a substância pode, por exemplo, ser transportada de um meio de baixa concentração para um de alta concentração da mesma), ou seja, contra um gradiente de concentração. Para tanto, o carreador liga-se quimicamente à substância a ser transportada através da utiliza- ção de enzima específica, que catalizaria tal reação. Além disso, há um consumo de ATP intracelular para transportar a substância contra um gradiente de concentração. Exemplo: A bomba de sódio (também designada bomba de sódio- potássio, Na+/K+-ATPase ou bomba Na+/K+) é uma proteína com capacidade enzimática (desfosforila ATP, convertendo-o em ADP, e ge- rando energia) que se localiza na membrana plasmática de quase todas as células do corpo humano. É também comum em todo o mundo vivo. Para manter o potencial elétrico da célula, a Na+/K+-ATPase preci- sa de uma baixa concentração de íons de sódio (Na+) e de uma elevada concentração de íons de potássio (K+), dentro da célula. Fora das células existe uma alta concentração de sódio e uma baixa concentração de po- tássio, pois existe difusão destes componentes através de canais iônicos existentes na membrana celular. Para manter as concentrações ideais dos dois íons, a Na+/K+-ATPase bombeia Na+ para fora da célula e K+ para dentro dela. Prezado aluno note que este transporte é realizado contra os gradientes de concentração destes dois íons, o que ocorre graças à energia liberada com a clivagem de ATP (transporte ativo). 18 Fisiologia Básica O mecanismo pelo qual a Na+/K+-ATPase atua é o seguinte (Ver Figura 6): Figura 6- Esquema do transporte Ativo (Fonte: http://veja.abril.com.br). 1) A bomba, ligada ao ATP, liga-se a 3 íons de Na+ intracelulares. 2) O ATP é hidrolizado, levando à fosforilação da bomba e à liberação de ADP. 3) Essa fosforilação leva a uma mudança conformacional da bomba, ex- pondo os íons de Na+ ao exterior da membrana. A forma fosforilada da bomba, por ter uma afinidade baixa aos íons Na+, liberta-os para o exteri- or da célula. 4) À bomba ligam-se 2 íons de K+ extracelulares, levando à desfosforilação da bomba. 5) O ATP liga-se e a bomba reorienta-se para libertar os íons de K+ para o interior da célula: a bomba está pronta para um novo ciclo. O bombeamento NÃO é eqüitativo: para cada (03) três íons Na+ bombeados para o líquido extracelular, apenas (02) dois íons K+ são bom- beados para o líquido intracelular. Há ainda dois processos em que, não apenas moléculas específicas, mas a própria estrutura da membrana celular é envolvida no transporte de matéria para dentro e para fora da célula: Endocitose – em que a membrana celular envolve partículas ou flui- do do exterior e a transporta para dentro, na forma duma vesícula; e Exocitose – em que uma vesícula contendo material que deve ser expe- lido se une à membrana celular, que depois expele o seu conteúdo. 19 Introdução à Fisiologia, Noções de Eletrofisiologia e Sinapses Aula 1 CARACTERÍSTICAS DO POTENCIAL ELÉTRICO DA MEMBRANA CELULAR O mais importante exemplo de transporte ativo presente na membrana das células excitáveis é a Bomba de Sódio e Potássio (Na+/K+-ATPase). Como vimos anteriormente, tal bomba transporta, de forma ativa e constantemente, íons Na+ de dentro para fora da célula e, ao mesmo tem- po, íons K+ em sentido contrário, isto é, de fora para dentro das células. Mas, os íons (Na+ e K+) não são transportados com a mesma velocidade: A Na+/K+-ATPase transporta mais rapidamente íons Na+ (de dentro para fora) do que íons K+ (de fora para dentro). Para cada cerca de 3 íons Na+ transportados (para fora), 2 íons K+ são transportados em sentido inverso (para dentro). Ou seja, isso acaba criando uma diferença de cargas positivas entre o exterior e o interior da célula, pois ambos os íons transportados pela Na+/K+-ATPase são cátions (com 1 valência positiva), e a Na+/K+-ATPase transporta, portanto, mais carga positiva de dentro para fora do que de fora para dentro da célula. Portanto, prezado aluno, cria-se assim um gradiente elétrico na mem- brana celular: No seu lado externo acaba se formando um excesso de cargas positivas enquanto que no seu lado interno ocorre o contrário, isto é, uma falta de cargas positivas faz com que o líquido intracelular fique com mais cargas negativas do que positivas. Diz-se que a Na+/ K+-ATPase é ELETROGÊNICA, pois cria uma diferença de cargas elé- tricas nos dois lados da membrana (lado intra- e extracelular). existe entre o interior e o exterior de uma célula. Esse fato é causado por uma distribuição de íons desigual entre os dois lados da mem- brana e da permeabilidade da membrana a esses íons (Ver Figura 8). Nesse sentido, é importante salientar que as diferenças iônicas, pelo menos dos principais íons, devem ser fixado pelo aluno. Em condições Figura 7 - Esquema da Endocitose e Exocitose (Fonte: http://clientes.netvisao.pt). 20 Fisiologia Básica fisiológicas o meio extracelular é mais concentrado em: Na+(sódio), Ca+2 (cálcio) e Cl- (cloreto). Por outro lado, o meio intracelular é mais concentrado em: K+ (potássio). Essas diferenças iônicas criam um gradiente eletroquímico. A voltagem de uma célula inativa permanece em um valor negativo — considerando o interior da célula em relação ao exterior ¯ e varia mui- to pouco. Quando a membrana de uma célula excitável é despolarizada além de um limiar, a célula dispara um potencial de ação, comumente chamado de espícula. Figura 8 - Concentrações dos principais ìons nos meios intra- e extracelulares. (Fonte: http:www.mamuaisdecardiologia.med.br). O gradiente elétricoquímico então formado é conhecido como Po- tencial de Membrana Celular. Para facilitar a sua compreensão do po- tencial de membrana e do potencial de ação vamos utilizar como exem- plo um neurônio motor onde o potencial de membrana (da célula em repouso) equivale a algo em torno de -70mv. POTENCIAL DE AÇÃO Poderíamos definir potencial de ação (PA) como sendo uma alteração rápida na polaridade da voltagem, de negativa para positiva e de volta para negativa, na membrana celular. Esse ciclo completo dura poucos milisegundos (ms). Cada ciclo e, portanto, cada PA, possui uma fase ascendente, uma fase descendente e, ainda, uma curva de voltagem inferior a do potencial de re- pouso de membrana. Em fibras musculares cardíacas especializadas, como por exemplo as células do marcapasso cardíaco, uma fase de platô, com vol- tagem intermediária, pode preceder a fase descendente. 21 Introdução à Fisiologia, Noções de Eletrofisiologia e Sinapses Aula 1CURIOSIDADE Atualmente, pode-se medir o PA através de técnicas de registro de eletrofisiologia e, mais recentemente, por meio de neurochips que contêm EOSFETs (transistores de efeito de campo de semicondutor eletrólito- óxido). Um osciloscópio que esteja registrando o potencial de membrana de um único ponto em um axônio mostra cada estágio do potencial de ação à medida que a onda passa. Suas fases traçam um arco que se assemelha a uma senóide distorcida. Sua ordenada depende se a onda do PA atingiu aquele ponto da membrana, ou se passou por ele e, se for o caso, há quanto tempo isso ocorreu. Continuando o raciocínio, o PA não permanece em um local da célula, ele percorre a membrana (fenômeno chamado de propagação – ver adiante). Ele pode percorrer longas distâncias no axônio; por exem- plo, paratransmitir sinais da medula espinhal para os músculos do pé. Em grandes animais, como as girafas e baleias, a distância percorrida pode ser de vários metros. Tanto a velocidade quanto a complexidade do PA variam entre di- ferentes tipos de células. Entretanto, a amplitude das alterações de vol- tagem tende a ser rigorosamente a mesma. Dentro da mesma célula, PAs consecutivos são tipicamente indistinguíveis. Os neurônios trans- mitem informação gerando seqüências de PAs, chamadas trens de pul- sos (“spike trains” em inglês). Ou seja, variando a freqüência ou o inter- valo de tempo dos disparos de potencial de ação gerados, os neurônios podem modular a informação que eles transmitem. MECANISMOS BÁSICOS DO POTENCIAL DE AÇÃO Portanto, quando a membrana de uma célula excitável realmente se excita, uma sucessão de eventos fisiológicos ocorrem através da mem- brana celular. Tais fenômenos, em conjunto, produzem aquilo que cha- mamos de PA. Como pode uma membrana celular ser excitada? Geralmente a excitação ocorre no momento em que a membrana recebe um determinado estímulo. - Tipos de estímulos: calor, frio, solução salina hipertônica ou hipotônica, ácidos, bases, corrente elétrica, pressão, etc. O PA é disparado quando uma despolarização inicial atinge o po- tencial limiar excitatório (Figura 9). Esse potencial limiar varia, mas normalmente gira em torno de 15 mV acima do potencial de repouso de 22 Fisiologia Básica membrana da célula e ocorre quando a entrada de íons Na+ na célula excede a saída de íons K+. O influxo líquido de cargas positivas devido aos íons Na+ causa a despolarização da membrana, levando à abertura de mais canais Na+ dependentes de voltagem (controlados por alterações no potencial de membra- na). Por esses canais passa uma grande corrente de entrada de Na+, que causa maior despolarização, criando um ciclo de realimentação positiva (“feedback po- sitivo”) que leva o potencial de membrana a um nível bastante despolarizado. O potencial limiar pode ser alcançado ao alterar-se o balanço entre as correntes de Na+ e K+. Por exemplo, se alguns canais de Na+ estão em um estado inativado (comportas de inativação fechadas), então um dado nível de despolarização irá ocasionar a abertura de um menor número de canais de Na+ (os que não estão inativados) e uma maior despolarização será necessária para iniciar um potencial de ação. Essa é a explicação aceita para a existência do período refratário (Veja adiante). Potenciais de ação (PA) são determinados pelo equilíbrio entre os íons de Na+ e K+ (embora haja uma menor contribuição de outros íons como Cl- e Ca+2, este último especialmente importante na eletrogênese miocárdica), e são usualmente representados como ocorrendo em células contendo apenas dois canais iônicos transmembrana (um canal de Na+ voltagem-dependente e um canal de K+, não-voltagem-dependente). Por outro lado, algumas células desencadeiam o PA sem a necessida- de de receberem estímulos, devido a uma alta excitabilidade que as mes- mas apresentam. Tais células são denominadas auto-excitáveis, e os po- tenciais por elas gerados são denominados de potenciais espontâneos, por exemplo, as células das fibras de Purkinje no coração (que formam o marca-passo cardíaco, Veja na aula do sistema cardiovascular). Podemos utilizar como exemplo prático de um típico PA, em uma típica célula excitável (um neurônio motor), dura apenas alguns poucos milésimos de segundo, e pode ser dividido nas seguintes fases (Ver Figura 9): despolarização, repolarização e repouso. Figura 9 - fase do potencial de ação (Fonte: pt.wikpedia.org). 23 Introdução à Fisiologia, Noções de Eletrofisiologia e Sinapses Aula 1 Figura 10- Corrente de Na+ e k+ nna geração do potencial de ação. (Fonte: http: curlygirl.naturlink.pt). DESPOLARIZAÇÃO É a primeira fase do potencial de ação (Fase ascendente). Durante esta fase ocorre um significativo aumento na permeabilidade aos íons Na+ na membrana celular. Isso propicia um grande fluxo de íons Na+ de fora para dentro da célula através de sua membrana, por um processo de difusão simples. Ou seja, o líquido intracelular se torna com grande quantidade de íons de carga positiva (cátions) e a membrana celular passa a apresentar agora um potencial inverso daquele encontrado nas condições de repou- so da célula: Mais cargas positivas no interior da célula e mais cargas negativas no seu exterior. O potencial de membrana neste período passa a ser, portanto, positi- vo (algo em torno de +40 mV) (Figura 9 e 10). REPOLARIZAÇÃO É a segunda fase do potencial de ação e ocorre logo em seguida à despolarização (Fase descendente). Durante este curtíssimo período, ocorre uma diminuição da permeabilidade na membrana celular aos íons Na+ e, simultaneamente, ocorre agora um significativo aumento na permeabilidade aos íons K+. Isso provoca um grande fluxo de íons K+ de dentro para fora da célula (devido ao excesso de cargas positivas encon- tradas neste período no interior da célula e à maior concentração de po- tássio dentro do que fora da célula). 24 Fisiologia Básica Enquanto isso ocorre, os íons Na+ (cátions) que estavam em grande quantidade no interior da célula, vão sendo transportados ativamente para o exterior da mesma, pela Na+/K+-ATPase (bomba de sódio-potássio). Tudo isso faz com que o potencial na membrana celular volte a ser negativo (mais cargas negativas no interior da célula e mais cargas positi- vas no exterior da mesma). Portanto, o potencial de membrana neste período passa a ser algo em torno de -75 mV. (ligeiramente mais negativo do que o potencial mem- brana em estado de repouso da célula (Figura 9 e 10). REPOUSO É a terceira e última fase: “É o retorno às condições normais de repouso encontradas na membrana celular antes da mesma ser excitada e despolarizada”. Nesta fase a permeabilidade aos íons potássio retorna ao normal e a célula rapidamente retorna às suas condições normais. O potencial de membrana celular retorna ao seu valor de repouso (cerca de -70 mV.). Todo o processo descrito acima dura, aproximadamente, 2 a 3 milésimos de segundo na grande maioria das células excitáveis encontradas em nosso corpo. Mas algumas células (excitáveis) apresentam um potencial bem mais longo do que o descrito acima: células musculares cardíacas, por exemplo, apresentam potenciais de ação que chegam a durar 0,15 a 0,3 segundos (e não alguns milésimos de segundo, como nas outras células). Tais potenci- ais, mais longos, apresentam um período durante o qual a membrana ce- lular permanece despolarizada, bastante prolongado. Estes potenciais são denominados Potenciais em Platô (Figura 9 e 10). PERÍODO REFRATÁRIO O período refratário acompanha o PA na membrana. Tem como efei- to limitar a freqüência de PA, além de promover a unidirecionalidade da propagação do PA, o que pode ser entendido como conseqüência da limi- tação de salvas de PA. O período refratário divide-se em absoluto e relativo. No absoluto, qual- quer estímulo para gerar PA é inútil, pois os canais de Na+ estão em estado inativo (comporta de inativação fechada). No relativo, alguns destes canais já estarão de volta ao repouso ativável (comporta de inativação inativadas), mas nem todos. Portanto, parte dos canais de Na+ podem se abrir e outros não. Estímulos supralimiares conseguem gerar PA no período refratário relativo. A transição entre os dois períodos ocorre aproximadamente quando a repolarização do PA atinge o potencial limiar excitatório, que é quando as comportas lentas do canal de sódio voltagem-dependente começam a abrir. 25 Introdução à Fisiologia, Noções de Eletrofisiologia e Sinapses Aula 1Nas células miocárdicas, o período refratário é estendido por um platô, que é mantido pelo influxo de íons cálcio na célula. Esse alargamento do período refratário permite um maior descanso destas células, além departicipar na sincronização dos batimentos. Quando há um estímulo des- tas células na hiperpolarização pós-potencial, também conhecida como período de supra-normalidade, pode ocorrer fibrilação. PROPAGAÇÃO DO ESTÍMULO A célula excitável utilizada como exemplo para propagação do impulso é o neurônio. O neurônio é a célula do sistema nervoso responsável pela con- dução do impulso nervoso. Há cerca de 100 bilhões de neurônios no sistema nervoso humano. O neurônio é constituído pelas seguintes partes: corpo ce- lular (onde se encontra o núcleo celular), dendritos e axônio (Figura 11). Nos neurônios o PA se propaga para que ocorra a comunicação entre neurônios (essa comunicação entre neurônios é chamada de sinapse, veja com mais detalhes ainda nessa aula). Na parte mais alongada do neurônio, chamada de axônio, o PA se propaga de modo misto, alternando entre duas fases: uma passiva e outra ativa. 26 Fisiologia Básica O QUE VOCÊ ENTENDE POR SINAPSE? Sinapses nervosas são os pontos onde as extremidades de neurônios vizinhos se encontram e o estímulo passa de um neurônio para o seguinte por meio de mediadores químicos, os neurotransmissores. A sinapse é considerada uma estrutura formada por: membrana pré- sináptica, fenda sináptica e membrana pós sináptica. As sinapses ocorrem no “contato” das terminações nervosas chamadas axônios, com os dendritos de outro neurônio. O contato físico não existe realmente, pois há um espaço entre elas, denominado de fenda sináptica, onde ocorre a ação dos neurotransmissores. a) Transporte passivo Íons de carga positiva (principalmente Na+ e Ca+2) se propagam perimembranalmente e bidirecionalmente de encontro à negatividade (lei de Coulomb). Contudo, somente os íons que vão na direção imposta da propagação criam um PA nesta membrana, pois a membrana anterior está em período refratário (Figura 12); já a membrana posterior está em poten- cial de repouso de membrana, o que permite que nela haja o PA. Se hou- ver estímulo artificial (um eletrodo) no meio de um axônio, o potencial se propagará bidirecionalmente, pois não haverá períodos refratários impe- dindo-o. Com a propagação, a fase passiva perde parte de seus íons, o que acarreta uma menor energia. Esta perda dá-se de dois modos: choques físicos dos íons com moléculas citoplasmáticas e saída dos íons para o meio extracelular por canais de vazamento de membrana. Deste modo, quanto mais distantes os canais de Na+ voltagem-dependentes estiverem, mais perda de energia ocorre. b) transporte ativo Compreende o PA propriamente dito. Ocorre quando os íons positi- vos da fase passiva despolarizam a membrana adjacente de modo rápido e suficiente para despertar a avalanche de íons Na+ (por feedback positivo), através dos canais de Na+ voltagem-dependentes. Estes íons ganham o meio intracelular, e participarão da fase passiva da propagação. O forne- cimento de íons sódio para a fase passiva é abundante. Como a variação da voltagem nesta fase é sempre constante, não ocorre perda de energia considerável. Os mecanismos desta fase já foram explicados anteriormente. 27 Introdução à Fisiologia, Noções de Eletrofisiologia e Sinapses Aula 1 Os cátions, dentro da célula, são conseguidos a partir de um PA. Passivamente, eles se difundem para outro nódulo de Ranvier, onde gera- rão um novo potencial de ação (Figura 12). VELOCIDADE A velocidade de propagação do PA pode ser variada ao se variar o tempo de duração de alguma das duas fases da propagação. Contudo, a fase ativa costuma ser constante nas células, durando em torno de 4 ms. Deste modo, a célula varia a duração da fase passiva, havendo dois mo- dos básicos: - Aumento ou diminuição do calibre do axônio ou célula. - Maior ou menor isolamento da membrana (ao variar a espessura da mielina, se houver). O aumento do calibre do axônio ou célula provoca um aumento da ve- locidade de propagação do PA, pois há diminuição da resistência longitudi- nal, provocada por uma maior área de secção transversal. Em alguns axônios do polvo Atlântico Loligo pealei, a veloci- dade de propagação do PA alcança velocidades superiores a 100 m/s, em virtude do calibre elevado e da mielina espessa. 28 Fisiologia Básica BAINHA DE MIELINA E NÓDULO DE RANVIER A bainha de mielina é uma membrana lipídica modificada e espessa- da. Ela pode ser sintetizada por duas células: oligodendrócitos, no siste- ma nervoso central, e células de Schwann, no sistema nervoso periféri- co. A espessura da bainha de mielina é de acordo com o número de voltas que a membrana das células de Schwann ou dos oligodendrócitos dão em torno do axônio (Figura 11 e 13). Em axônios de calibre pequeno, não há mielina envolvendo; já em axônios de calibre grande, a mielina é mais espessada que os outros menores que a possuem. A bainha de mielina fornece um aumento do isolamento celular (au- mento da resistência de membrana), em virtude de não haver canais de vazamento de membrana onde há mielina, deste modo, a fase passiva perde menos íons, o que aumenta a chance do potencial de ação ter sucesso. Além de não haver canais de vazamento de membrana, não há também praticamente nenhum tipo de canal de membrana quando há bainha de mielina (ex.: Na+/K+-ATPase), o que provoca para a célula uma menor necessidade de síntese protéica, ou seja, menos gasto energético. A bainha de mielina permite uma maior velocidade da fase passiva da propagação do potencial de ação (diminui a capacitância de membra- na e aumenta a resistência de membrana). Além disso, diminui o número de fases ativas da propagação do potencial de ação, tornando a propaga- ção mais veloz ainda. As fases ativas da propagação ocorrem em máculas da bainha de mielina, os nódulos da Ranvier (Figura 11 e 13). Neles, diferentemente da zona cercada por bainha de mielina, há abundância de canais de íon sódio voltagem-dependentes (densidade até quatro ordens de magnitude a mais que nas membranas amielínicas), o que permite a ocorrência do potencial de ação, que corresponde à fase ativa da propaga- ção do potencial de ação. A distância entre os nódulos de Ranvier deve ser muito bem calculada pelas células, de modo que o potencial passivo chegue com íons suficientes para provocar o potencial de ação. A conseqüência de a bainha de mielina queimar etapas na propagação (condução saltatória – Figura 13), ao diminuir o número de potenciais ativos, são os movimentos saltatórios, que possuem este nome em virtude de haver a impressão de que os potenciais de ação saltam de nódulo em nódulo. SINAPSE E NEUROTRANSMISSORES Para o normal funcionamento do SNC é necessário que as células que o constituem, os neurônios, se comuniquem entre si, isto é, transmi- tam o seu PA. Essa comunicação faz-se através de estruturas designadas por sinapses. Existem dois tipos de sinapses: sinapse química a grande maioria, e sinapse elétricas. 29 Introdução à Fisiologia, Noções de Eletrofisiologia e Sinapses Aula 1SINAPSE QUÍMICA Acontece quando o PA, ou seja, impulso é transmitido através mensa- geiro químico, ou seja, neurotransmissores (NT), que se liga a um recep- tor (proteína presente, normalmente, na mambrana celular do neurônios pós-sináptico), o impulso é transmitido em uma única direção, podendo ser bloqueado e, em comparação com sinapse elétricas, a sinapse química é muito mais lenta. Quase todas as sinapses do SNC são químicas. Exemplo: neurotransmissores (histamina, acetilcolina, noradrenalina, serotoniana, etc.) A Figura 15, de forma sintética e didática, descreve as principais fa- ses de uma sinapse química. Portanto, é importante o aluno ir acompa- nhando as fases que descreveremos da sinapse química através dessa fi- gura e das outras que descreveremos no texto. Existem 3 tipos de sinapses químicas de acordo com a estrutura pós- sináptica: axodendrítica (normalmente excitatória, entre o terminal axonal e dendritesou suas dilatações chamadas espinhas dendríticas), axossomática e axoaxonal (normalmente inibitórias). A transmissão do impulso através de uma sinapse química envolve 4 passos principais: 1. Síntese e armazenamento do NT 2. Libertação do NT 30 Fisiologia Básica 3. Ligação NT aos receptores 4. Inativação do NT 1. Síntese Todos os NT, com exceção dos NT peptídicos, são sintetizados e armazenados em vesículas no terminal pré-sináptico (no botão sináptico). Os NT peptídicos são sintetizados e armazenados em vesículas no soma (corpo do neurônio), as quais são depois transportadas até ao terminal pré-sináptico pelo fluxo axonal rápido. 2. Liberação dos NT A liberação do NT se dá por um processo de exocitose (ver Figura 7) em que, após a fusão da membrana vesicular com a membrana pré- sináptica, o NT é libertado para a fenda sináptica. As vesículas que con- tém NT peptídicos podem fundir-se em múltiplos locais da membrana pré-sináptica. Por outro lado, as vesículas que contém NT não peptídicos (noradrenalina, serotonina, etc.) fundem-se apenas em locais especializados da membrana pré-sináptica chamados zonas ativas. A fusão das vesículas com a membrana sináptica e a posterior libera- ção do NT na fenda sináptica dependente do aumento da concentração citoplasmática local de Ca+2. Este aumento resulta da entrada de Ca+2 proveniente do meio extracelular através de canais de Ca+2 dependentes da voltagem e ativados pela chegada do PA (como visto anteriormente nessa aula) ao terminal pré- sináptico. Após a libertação do NT, a vesícula vazia é rapidamente internalizada por um processo de endocitose (ver Figura 7). 3. Ligação NT aos receptores Após a liberação, o NT vai ligar-se a receptores pós-sinápticos pre- sentes, geralmente, na membrana celular do neurônio pós-sináptico. Em alguns casos liga-se também a receptores pré-sinápticos, ou autoreceptores, que regulam a sua própria secreção, muitas vezes inibindo-a (por exem- plo; receptores a2 adrenérgicos). A ligação do NT ao seu receptor resulta, em última instância, numa alteração da permeabilidade da membrana a íons, isto é, do seu potencial de membrana, gerando PAs. Provavelmente, essa parte molecular da sinapse poderá causar algu- mas dúvidas no aluno, portanto, aconselho que a leitura seja realizada com paciência e anotando os principais pontos. Alguns receptores são os próprios canais iônicos (chamados de Receptoresionotrópicos) e, como tal, a alteração da permeabilidade membranar resulta diretamente da ligação do NT ao receptor (que é um canal iônico). Os efeitos da ativação desses receptores são normalmente rápidos e transitórios, gerando despolarização (excitando) ou hiperpolarização (inibindo) do neurônio pós-sináptico (Figura 16). 31 Introdução à Fisiologia, Noções de Eletrofisiologia e Sinapses Aula 1 Por outro lado, outros receptores estão ligados a sistemas de 2º men- sageiros (mensageiros intracelulares) através dos quais influenciam na permeabilidade membranar (RECEPTORES METABOTRÓPICOS), gerando despolarização (excitando) ou hiperpolarização (inibindo) do neurônio pós-sináptico. A grande diferença desses receptores para os ionotrópicos é que necessitam da formação de mensageiros intracelulares (2º mensageiros) para excitarem ou inibirem os neurônios pós-sinápticos. Por isso, os efeitos destes receptores são mais lentos e duradouros. Uma propriedade interessante dos receptores metabotrópicos é que eles estão concentrados em grupos na membrana pós-sináptica. 4. Inativação do NT Após a ligação do NT ao receptor segue-se a sua inativação. Esta pode se dar por 3 mecanismos que ocorrem isoladamente ou em conjun- to: difusão, degradação e recaptação do NT. Este último é talvez o mecanis- mo mais importante de inativação dos NT, sendo realizado por transpor- te ativo secundário em que o NT é recaptado, por co-transporte com Na+ e Cl- ou co-transporte com Na+ e contra-transporte com K+, para dentro do neurônio pré-sináptico e re-armazenado em vesículas. SINAPSES EXCITATÓRIAS E INIBITÓRIAS Como falamos anteriormente, a ligação do NT ao receptor pós- sináptico resulta, em última análise, numa alteração do potencial de mem- brana da célula pós-sináptica. A essa alteração chamamos potential pós- sináptico, o qual pode ser excitatório ou inibitório. (Figura 16) 32 Fisiologia Básica O primeiro corresponde a um deslocamento do potencial de mem- brana no sentido de valores menos negativos (despolarização), tornando a célula mais excitável e resulta de um aumento da permeabilidade aos íons Na+ e/ou Ca+2, ou seja, gerando um PA. O segundo corresponde a um deslocamento do potencial de membrana no sentido de valores mais negativos (hiperpolarização), deprimindo o neurônio, tornando a célula menos excitável e resulta de um aumento da permeabilidade aos íons Cl- ou K+ ou da diminuição da permeabilidade ao Na+ ou Ca+2. A excitação do neurônio pós-sináptico gera, normalmente, PEPS (Po- tenciais Excitatórios Pós-Sinápticos) e a inibição (hiperpolarização) gera PIPS (Potenciais Inibitórios Pós-Sinapáticos). Ao contrário do potencial de ação (PA), que é uma resposta de tudo ou nada e tem condução preservada, ou seja, a amplitude do PA que se propa- ga por toda fibra não muda (por exemplo, se for 70 mV, permanecerá até o final da fibra com a mesma amplitude. Isso é verdade em condições fisioló- gicas), o potencial pós-sináptico tem intensidade variável de acordo com a freqüência e número de estímulos e tem condução decremental (condução decremental significa que a amplitude do potencial pós-sináptico vai diminu- indo à medida que é conduzido pela membrana celular e resulta do fato do potencial pós-sináptico ser conduzido eletronicamente). Assim quanto maior for o número de impulsos que simultaneamente atingem uma célula ou maior freqüência com que um impulso atinge uma célula, maior será a am- plitude do potencial pós-sináptico. Ao primeiro processo chamamos somação espacial e ao segundo somação temporal. Outro conceito importante que deve ser entendido é a distinção en- tre neurotransmissor (NT) de um neuromodulador. O primeiro é uma subs- tância capaz de alterar o potencial de membrana da célula pós-sináptica, enquanto o segundo é uma substância capaz de modular a transmissão sináptica, alterando a quantidade de NT libertado ou modificando a res- posta a esse NT. Para que uma substância (X) seja considerada um NT tem, no entanto, que satisfazer determinados critérios: 1. O neurônio pré-sináptico deve conter e sintetizá-la; 2. A estimulação do neurônio pré-sináptico deve resultar na libertação de X; 3. A microaplicação de X à membrana pós-sináptica deve provocar os mesmos efeitos que a estimulação do neurônio pré-sináptico; 4. Os efeitos da microaplicação de X e da estimulação do neurônio pré- sináptico devem ser alterados da mesma forma por drogas (fármacos); Existem várias classificações dos NT. A mais aceita é aquela que os divide nos seguintes grupos: 1. Moléculas de baixo peso: acetilcolina; 2. Aminas: catecolaminas (dopamina, noradrenalina, adrenalina), serotonina e histamina; 33 Introdução à Fisiologia, Noções de Eletrofisiologia e Sinapses Aula 13. Aminoácidos: excitatórios (glutamato e aspartato) e inibitórios (GABA e glicina); 4. Gases: óxido nítrico (NO) e monóxido de carbono (CO); 5. Peptídeos: substância P e NPY ACETILCOLINA (ACH) A ACh é um importante NT que participa no controle motor, na for- mação da memória, etc. Só para se ter uma idéia da importância da ACh, a inativação dos seus receptores musculares é a base da miastenia grave (doença caracterizada por paralisia muscular). A Doença de Alzheimer é outra patologia causada por distúrbios no sistema colinérgico (sistema que tem a ACh como principal NT). CATECOLAMINAS Deste grupo fazem parte a dopamina, noradrenalina (NA) e adrenalina (AD); são assim chamadas porque possuem na sua estruturaum grupo catecol. A NA é o principal NT dos neurônios pós-ganglionares simpáticos, e, portanto, responsável pelos efeitos da ativação do Sistema Nervoso Sim- pático (SNS). Está também presente nas células da medula supra-renal e em neurônios dos SNC. Adrenalina é a principal hormônio libertado pela medula da supra-renal em situações de estresse (stress), em conjunto com a ativação do SNS. A dopamina está presente em neurônios do SNC e também nos gânglios vegetativos. A sua função é ainda mal conhecida, mas várias doenças têm sido associadas a alterações do sistema dopaminérgico. A doença de Parkinson está associada a uma deficiência de dopamina (é uma patologia neurodegenerativa que destrói os neurônios dopaminérgicos da via nigro-estriatal). AMINOÁCIDOS Os NT aminoácidos podem ser divididos em excitatórios (glutamato e aspartato) e inibitórios (GABA e glicina) GLUTAMATO (GLT) GLT é o principal neurotransmissor excitatório no SNC. Vários acha- dos científicos sugerem que o GLT é o NT envolvido na aquisição de memória: 1) elevada concentração de receptores NMDA no hipocampo 34 Fisiologia Básica (zona relacionada com a aquisição de memória); 2) inibição da potenciação a longo prazo (processo fisiológico subjacente à aquisição de memória) por antagonistas dos receptores NMDA (N-metil-D-aspartato, principal receptor de membrana do GLT). Uma propriedade interessante do GLT é que ele, em concentração muito elevada, pode provocar um aumento das concentrações de Ca+2 intracelular que provoca a morte dos neurônios (neurotoxicidade). As- sim, o GLT, juntamente com a isquemia, tem sido implicado na morte neuronal que ocorre no acidente vascular cerebral (AVC). Além disso, a hiperatividade do sistema glutamatérgico tem sido associada à epilepsia, justificando o uso de antagonistas dos receptores do GLT no tratamento desta doença. Ácido gama aminobutírico (GABA) É o principal NT inibitório do cérebro, estando presente em 25% das sinapses do SNC. Está presente também na retina e é o mediador respon- sável pela inibição pré-sináptica. A função inibitória do GABA tem várias implicações: patológicas e terapêuticas. Uma diminuição de GABA por inibição da enzima responsá- vel pela sua síntese pode provocar uma doença caracterizada por rigidez e espasmos musculares dolorosos. Em termos terapêuticos, vários fármacos utilizados na prática clínica atuam potenciando o efeito inibitório do GABA. São eles os benzodiazepínicos (por exemplo, diazepam) utilizadas com ansiolíticos, hipnóticos e antiepilépticos e os barbitúricos (por exemplo, gardenal e tiopental) utilizados como antiepilépticos e anestésicos. ÓXIDO NÍTRICO (NO) Em nível do SNC parece que o NO pode intervir no processo de aqui- sição de memória (libertação pré-sináptica de GLT), inibir o SNS, por me- canismos centrais e periféricos, e alterar a motilidade do trato digestório. PEPTÍDEOS Os peptídeos neuroativos são um conjunto de 25 a 30 peptídeos que po- dem funcionar como NT, co-transmissores, neuromoduladores e/ou hormônios. O quadro abaixo apresenta algumas diferenças importantes entre os NT não peptídeos e os peptídeos: 35 Introdução à Fisiologia, Noções de Eletrofisiologia e Sinapses Aula 1Quadro: Diferenças entre NT não peptídeos e os peptídeos Os exemplos mais importantes de NT peptídicos são a substância P, o NPY e os peptídeos opióides. SUBSTÂNCIA P A substância P é um polipeptídio com 11 aminoácidos, presente no intestino, nos nervos periféricos e no SNC. Está presente em grandes concentrações nos terminais dos neurônios aferentes primários (veja a Aula 2) e é provavelmente o mediador da 1º sinapse na via da dor. A injeção de substância P na pele provoca inflamação, e provavelmente é o mediador da chamada inflamação neurogênica. No intestino está envol- vido na regulação do peristaltismo. SINAPSE ELÉTRICA Já neste tipo de sinapse as células possuem um íntimo contato atra- vés junções abertas ou do tipo GAP (junções comunicantes) (Figura 17) que permite o livre transito de íons de uma membrana a outra, desta maneira o PA passa de uma célula para outra muito mais rápido que na sinapse química não podendo ser bloqueado. Ocorre em músculo liso e cardíaco, onde a contração ocorre por um todo em todos os sentidos. A resposta de uma célula pós-sináptica a um PA isolado na célula pré-sináptica é relativamente constante na amplitude e duração. No en- tanto, a estimulação repetida da célula pré-sináptica pode alterar a res- posta da célula pós-sináptica, aumentando-a ou diminuindo-a. 36 Fisiologia Básica CONCLUSÃO Após a extensa aula nos podemos concluir que: - O termo homeostase é utilizado para definir a manutenção de condições quase constantes no meio interno; - O transporte de substâncias através da membrana celular, uma bicamada lipídica, pode ser realizado por transporte passivo (sem gasto de energia) ou ativo (com gasto de energia); - Os canais iônicos têm papel importante na manutenção da homeostase e no controle do gradiente eletroquímico; - O gradiente eletroquímico dos íons Na+, K+ e Ca+2 é essencial para manutenção e geração de alterações nos potenciais elétricos da membra- na; - Os potenciais de ação, alterações rápidas do potencial de membrana, produzem a propagação do estímulo em células excitáveis, tais como os neurônios e células musculares; - As sinapses que podem ser químicas ou elétricas, permitem a comunica- ção entre neurônios; - Os neurotransmissores têm constituição distinta, mas produzem res- postas apreciáveis em neurônios pós-sinápticos. 37 Introdução à Fisiologia, Noções de Eletrofisiologia e Sinapses Aula 1RESUMO A fisiologia é uma ciência baseada em evidências e busca explicar os fatores físicos e químicos que são responsáveis pela origem, desenvolvi- mento e progressão da vida. Cada tipo de vida, desde um simples vírus até o complicado ser humano, possui características próprias funcionais. O conceito de homeostasia é importante, afinal mostra que, em condi- ções fisiológicas, o meio interno basicamente não se altera, e essa cons- tância é essencial para manutenção da vida. O transporte ativo e passivo permite que solutos, tais como glicose e íons, passem pela membrana através de poros (canais iônicos) ou com o auxílio de proteínas carreadoras. De acordo com as particularidades das muitas células presentes no corpo humano, a presente aula mostrou que existem células com capacidade elétrica, chamadas de células excitáveis, e algumas delas geram impulsos eletroquímicos que se modificam com grande rapidez em suas membra- nas, e esses impulsos são utilizados para transmitir sinais elétricos. Den- tre as células excitáveis destacamos especial descrição sobre o funciona- mento dos neurônios e suas sinapses. Destacamos que as sinapses podem ser química (através de neurotransmissor) ou elétrica (através da propa- gação do estímulo pela abertura de junções comunicantes). Por fim, des- tacamos que alguns destes neurotransmissores participam de processos fisiológicos, tais como a acetilcolina na placa motora; ou patológicos, tais como a ausência de dopamina na Doença de Parkinson. PRÓXIMA AULA Após você ter aprendido os conceitos básicos sobre homeostase, trans- porte através da membrana, potenciais de membrana e características das sinapses químicas e elétricas; a próxima aula falará sobre o sistema somatossensorial. AUTO-AVALIAÇÃO 1. A concentração intracelular de Na+ varia após a inibição da Na+/ K+ATPase? Por que? 2. Qual a fase do potencial de ação nervoso é responsável pela propaga- ção do potencial de ação para as regiões vizinhas? 3. O potencial de ação (PA) pode ser definido como uma rápida variação do potencial de membrana (PM). Sobre as principais características do PA marque a alternativa INCORRETA: a) Na etapa de repouso do PM diz-se que a membrana está polarizada. 38 Fisiologia Básica b)Na despolarização a membrana se torna muito permeável ao Na+ e pouco permeável ao K+ c) A repolarização caracteriza-se pelo fechamento dos canais de Na+ do tipo operado por voltagem (VOCs) e pelo aumento da ativação dos ca- nais de K+ do tipo VOCs (canais operados por voltagem). d) O período refratário relativo ocorre porque parte dos canais de Na+ encontram-se na forma inativada. e) Mudanças na permeabilidade dos canais de K+ do tipo VOCs (canais operados por voltagem) e o canais de Ca+2 (Ionotrópicos) são os princi- pais fatores na manutenção do platô do PA. 4. A inativação da bomba Na+/K+ causa: a) Aumento do volume intracelular b) Aumento da concentração intracelular de potássio c) Hiperpolarização do potencial de membrana d) Aumento da abertura dos canais para IP3 e) Aumento do fluxo de sódio para fora da célula 5. A regulação de canais protéicos representa um meio para o controle da permeabilidade desses canais. Quais os principais mecanismos de controle? a) Regulação pela ativação da bomba Na+-K+ e pela cinética iônica de Na+ e K+ b) Regulação pela cinética iônica de Na+ e K+ e pela voltagem c) Regulação pelo aumento intracelular do Na+ e pela redução intracelular do K+ d) Regulação por voltagem e por ligante e) Regulação metabotrópica e ionotrópica 39 Introdução à Fisiologia, Noções de Eletrofisiologia e Sinapses Aula 1REFERÊNCIAS BERNER RM, LEVY MN, KOEPPEN BM, STANTON BA. Fisiolo- gia. 5 ed. Editora Elsevier, Rio de Janeiro: 2004. GUYTON AC, HALL JE. Tratado de Fisiologia Médica. 11 ed. Edito- ra Elsevier, Rio de Janeiro: 2006. KANDEL ER, SCHWARTZ JH. Princípios da Neurociência. 4 edi- ção. Editora Manole, São Paulo: 2002. NISHIDA SM. Apostilas do Curso de Fisiologia 2007. Aulas: Sentido Somestésico e Sistema Nervoso Sensorial, 2007. Acessado em: 10.02.2009. Site: www.ibb.unesp.br/departamentos/Fisiologia/ material_didatico RANG HP, DALE MM, RITTER JM. Farmacologia, 5 ed, Editora Elsevier, Rio de Janeiro: Brasil, 2004. RYAN JP. TUMA RF. Fisiologia – Testes preparatórios. 9 ed. Editora Manole. São Paulo: 2000. SOARES JB, MOREIRA AL. Aula teórica nº 4: Neutransmissores. Fa- culdade de Medicina, Universidade do Porto – Portugal, 2006. Acessado em: 13.02.2009. Site: fisiologia.med.up.pt/Textos_Apoio/outros/ Neurotransmissores.doc META Mostrar ao aluno que as informações sensoriais que são enviadas para o sistema nervoso central (SNC) são fornecidas pelos receptores sensoriais espalhados por todo corpo humano e que detectam estímulos como tato, som, luz, dor, frio e calor. Discutiremos os mecanismos básicos pelos quais estes receptores transformam estímulos sensoriais em sinais neurais que serão processados, pelo Sistema Nervoso Central (SNC), e interpretados como sensações específicas. OBJETIVOS Ao final da aula, o aluno deverá: identificar os principais mecanismos fisiológicos na transmissão das informações; somatossensoriais e qual sua inter-relação com as sensações. Compreender as; particularidades da ativação dos receptores sensoriais, as vias centrais, o processo de transdução e a geração das sensações, tais como a sensação tátil e dolorosa. PRÉ-REQUISITO Noções de biologia celular, bioquímica, anatomia e eletrofisiologia. Aula 2RECEPTORES SENSORIAIS E SISTEMA SOMATOSSENSORIAL Lucindo José Quintans Júnior Márcio Roberto Viana Dos Santos (Fonte: http://http://www.afh.bio.b). 42 Fisiologia Básica INTRODUÇÃO Prezado aluno, provavelmente você já ouviu falar de sensibilidade, in- clusive experimenta esta sensação todo tempo, mas o que é sensibilidade? Podemos definir sensibilidade como sendo “a capacidade de detectar e pro- cessar a informação sensorial que é gerada por um estímulo proveniente do ambiente interno ou externo ao corpo”. O responsável pelo processamento dessas informações é sistema nervoso sensorial. Portanto, é ele que realiza a análise dos estímulos oriundos dos diversos tecidos e órgãos do organis- mo. As informações sensoriais são usadas para atender quatro grandes fun- ções: percepção e interpretação, controle do movimento, regulação de fun- ções de órgãos internos e a manutenção de consciência. Para que os estí- mulos sejam percebidos e transformados em respostas apropriadas é neces- sário a ativação dos receptores sensoriais. Como veremos mais adiante a natureza desses receptores varia de uma modalidade sensorial para outra (dor, tátil, calor, etc.). O processo de conversão, chamado de transdução sensorial, é uma das principais etapas da percepção dos diversos tipos de sensibilidade. Após a transdução e a geração do potencial receptor a infor- mação é transmitida ao SNC, por vias sensoriais, onde é convertida em uma sensação e interpretado pelos centros cerebrais superiores. A presente aula tentará levá-lo ao universo da fisiologia somatossensorial, afinal sem esse sistema não poderíamos sentir a vida que nos cerca: o cheiro, o sabor e até mesmo a textura de todos os objetos. (Fonte: http://www.projetos.unijui.edu.br). 43 Receptores Sensoriais e Sistema Somatossensorial Aula 2Iniciaremos a aula descrevendo o que são receptores sensoriais, quais suas funções e seus principais circuitos neuronais. A primeira pergunta a ser formulada é: o são receptores sensoriais? Podemos dizer que os Receptores Sensoriais são como uma série de “janelas” abertas para o meio e que essas estruturas colocam o sistema nervoso em contato com os estímulos provenientes do ambiente. É atra- vés dos resceptores sensoriais que podemos “perceber” e sentir a textura, pressão, cheiro, imagens, sons, etc. Ou seja, interagir com o meio que nos cerca. Essas estruturas são os chamados órgãos sensoriais (Figura 1). Na verdade, os receptores sensoriais são terminações nervosas mo- dificadas especialmente preparadas para “perceber” estímulos específi- cos: por exemplo, os Corpúsculos de Pacini (veremos com mais detalhe ainda nessa aula) são estruturas que se encontram nas camadas logo abai- xo da pele e que permitem informar o SNC sobre qualquer tipo de defor- mação mecânica causada na pele, tipo tocar em um lápis, uma flor, ou mesmo, perceber que fortes correntes de ar estão deformando, por mais leve que seja, a pele. 44 Fisiologia Básica RECEPTORES SENSORIAIS E CIRCUITOS NEURONAIS Caro aluno, as terminações sensitivas do sistema nervoso periférico são encontradas nos órgãos dos sentidos: pele, ouvido, olhos, língua e fossas nasais. Esses órgãos têm a capacidade de transformar os diversos estímulos do ambiente em impulsos nervosos. Estes são transmitidos ao SNC, de onde partem as “ordens” que determinam as diferentes reações do nosso organismo. Por exemplo: ao tocarmos com as mãos em uma superfície muito fria de forma reflexa, quase que imediatamente, retira- mos a mão da superfície, pois um contato com essa superfície por um tempo prolongado poderá causar uma lesão. Podemos classificar os receptores sensoriais de acordo com a nature- za do estímulo que são capazes de captar, sendo classificados em: a) Quimiorreceptores - Detectam substâncias químicas. Exemplo: na lín- gua e no nariz, responsáveis pelos sentidos do paladar e olfato; b) Termorreceptores - Capta estímulos de natureza térmica, distribuídos por toda pele e mais concentrado em regiões da face, pés e das mãos; c) Mecanorreceptores - Capta estímulos mecânicos. Nos ouvidos, por exemplo, capazes de captar ondas sonoras, e como órgãos de equilíbrio; d) Fotorreceptores - Capta estímulos luminosos, como nos olhos. Por exem- plo: os cones e bastonetes. Outra classificação é baseada de acordo com o local onde captam estímulos: a) Exterorreceptores - Localizadas na superfície do corpo, especializadas em captar estímulos provenientes do ambiente, como a luz, calor, sons e pressão. Exemplo: os órgãos de tato, visão, audição, olfato e paladar; b) Propriorreceptores - Localizadas nos músculos, tendões, juntas e ór- gãos internos. Captamestímulos do interior do corpo; c) Interorreceptores - Percebem as condições internas do corpo (pH, pres- são osmótica, temperatura e composição química do sangue). Depois de tudo que foi explicado, você poderia pensar: Como é que dois tipos de receptores sensoriais detectam tipos dife- rentes de estímulos sensoriais? 45 Receptores Sensoriais e Sistema Somatossensorial Aula 2 A resposta é simples, pela “sensibilidade diferencial”, isto é, cada tipo de receptor é altamente sensível a um tipo de estímulo para qual foi desenvolvido e é quase insensível às inten- sidades normais dos outros tipos de estímulos sensoriais. É importante que o aluno fixe que os receptores sensoriais são seleti- vos (ou parcialmente seletivos) em relação aos estímulos que traduzem. Cada um dos receptores possui uma peculiaridade na maneira de responder aos estímulos adequados (freqüência de estimulação) e possui campos recep- tivos de tamanhos diferentes. Ou seja, mecanorreceptores são sensibili- zados por estímulos mecânicos, os nociceptores são sensibilizados por estímulos dolorosos e assim sucessivamente. Para melhor compreensão vamos descrever os principais tipos de re- ceptores sensoriais. TIPOS DE RECEPTORES SOMATOSSENSORIAIS: a) MECANORRECEPTORES: Os mecanorreceptores são subdivididos em diferentes tipos de re- ceptores, dependendo do tipo da pressão ou qualidade proprioceptiva que codificam (“percebem”). Alguns tipos de mecanorreceptores são en- contrados na pele glabra (sem pêlos) e outros na pele pilosa (com pêlos). A Tabela 1 descreve os principais mecanorrecepores. Veja as característi- cas morfológicas na Figura 2. Tabela 1 - Principais tipos de mecarreceptores * (isto é, formando um relevo de pontos altos e baixos). 46 Fisiologia Básica 1. Corpúsculo de Meissner: são receptores encapsulados encontrados na pele glabra, mais precisamente nas pontas dos dedos, lábios e outras loca- lizações onde a discriminação tátil é especialmente apurada. Eles têm campos receptivos pequenos e podem ser usados para discriminação de dois pontos (veremos adiante). Ver Figura 2. 2. Corpúsculo de Pacini: são também receptores encapsulados, semelhante ao Corpúsculo de Meissner, encontrados na pele glabra e no músculo. Eles são os de mais rápida adaptação entre os mecanorreceptores. Devi- do a sua rápida resposta “liga-desliga”, ou seja, ativação e desativação do receptor, podem detectar variações na velocidade do estímulo e codificar a sensação de vibração. 3. Folículo Piloso: os receptores ligados aos folículos pilosos são feixes de fibra nervosas que envolvem os folículos pilosos na pele com pêlos. Quan- do o pêlo é deslocado, ele excita (estimula) o receptor do folículo piloso. 4. Corpúsculo de Ruffini: Estão localizados na derme, camada abaixo da epiderme, em regiões pilosas e glabras, e nas cápsulas das articulações. Eles têm grandes cam- pos receptivos e são estimulados quando a pele é estirada. 5. Receptores de Merkel e discos táteis: Os receptores de Merkel são de adaptação lenta, encontrados principalmente na pele glabra, e têm cam- pos receptivos muito pequenos. Esses receptores detectam indentações da pele. Suas respostas são proporcionais à intensidade do estímulo. Os discos táteis são similares, mas são encontrados apenas na pele glabra Para melhor compreensão vamos descrever com mais detalhes os mecanorreceptores da pele. 47 Receptores Sensoriais e Sistema Somatossensorial Aula 2A pele nos protege do meio ambiente externo contra a continua perda de água e a invasão de microrganismos indesejáveis e também nos propor- ciona muitas informações sensoriais. A pele é um órgão sensorial com uma infinidade de terminações nervosas. Levando-se em consideração as regi- ões com pêlos e sem (glaba, como nas mãos e nos pés), Os principaiis mecanorreceptores estão ilustrados nas Figuras 1 e 2. Estes nos possibili- tam reconhecer sensações como tato, pressão, adejo e vibração. Cada um dos receptores mecânicos possui uma peculiaridade na manei- ra de responder aos estímulos adequados (freqüência de estimulação) e possui campos receptivos de tamanhos diferentes. Veja nas Figuras 9 e 10 que os tamanhos dos campos receptivos é importante para o tato discriminativo. Os estímulos mecânicos abrem canais iônicos mecano-dependen- tes (dependentes de deformação mecânica), geram potenciais receptores (PR) graduados e excitatórios de baixa voltagem na região do terminal sensitivo. Ou seja, se a despolarização atingir o limiar na zona de gatilho dos potenciais de ação (PA) (alterando o comportamento dos canais iônicos permeáveis aos Na+ e os canais permeáveis aos íons K+ dependentes de voltagem) serão desencadeados os PAs com freqüências características (Figura 3 e 6). Os impulsos nervosos são conduzidos ao longo das fibras aferentes dos neurônios aferentes de primeira ordem até o SNC, seja atra- vés dos nervos espinhais ou cranianos, conforme a origem no corpo. 48 Fisiologia Básica Experimentamos constantemente a necessidade de examinar ativa- mente os objetos com as mãos para verificar características como textura, forma e peso. A pele proporciona ainda sensações agradáveis que uma leve brisa nos provoca ou de um simples “cafuné” carinhoso. As sensações mecânicas oriundas da pele dependem de como os dife- rentes receptores estão espalhados pelo corpo e como respondem aos estímulos. Uma maneira muito simples permite a pesquisa sobre a sensi- bilidade dos mecanorreceptores da pele. Com um estimulador mecânico, são pesquisadas as freqüências dos PA desencadeados nas fibras aferentes correspondentes ao campo de inervação. Sobre a palma da mão observa- se que os campos receptivos dos corpúsculos de Pacini são amplos e os de Meissner, bem pequenos (Figura 3). A tabela 1 mostra comparativamente as respostas para os demais receptores. Aplicando-se estímulos que au- mentam progressivamente de intensidade, depois se torna constante e em seguida, removido rapidamente, observa-se que os receptores de Pacini e de Meissner respondem APENAS quando o estimulo está sendo aplicado e removido e durante a sustentação do estimulo, param de responder. Isto significa que a principal propriedade destes receptores é o de detectar a presença/ausência de estímulos e ignorar aqueles que se tornam constan- tes (receptores de adaptação rápida) (Figura 4). Tal propriedade os quali- fica como excelentes detectores da freqüência com que um estimulo me- cânico é aplicado na pele. Por outro lado, os discos de Merkel respondem melhor a taxa de varia- ção com que o estimulo está sendo aplicado. Quando a intensidade do estimulo para de variar, a freqüência dos PA diminui, ou seja, adaptam-se a estímulos constantes, porém, mais lentamente (Figura 4). Os corpúscu- los de Ruffini respondem tanto à aplicação como à manutenção do esti- mulo, quase sem nenhuma alteração na freqüência dos PA. Estes recep- tores de adaptação mais lenta têm como propriedades, detecção da dura- ção e intensidade dos estímulos mecânicos sobre a pele. 49 Receptores Sensoriais e Sistema Somatossensorial Aula 2 TERMORRECEPTORES Os termorreceptores são receptores de adaptação lenta que detec- tam a temperatura da pele. Os dois tipos são: os receptores de frio e os receptores de calor. Cada tipo de receptor funciona em um ampla faixa de temperatura, com alguns se sobrepondo na faixa de temperatura modera- das (por exemplo: aos 36 ºC, os dois tipos de receptores estão ativos). No Quadro 1 está descrito a sobreposição no eixo das temperatura. Veja na Figura 19 que os eixos da temperatura estão sobrepostos em várias faixas. Devido essa sobreposição o corpo humano tem dificuldade em referenciar temperatura com exatidão. Por exemplo: Sem a ajuda de um termômetro, me diga qual a temperatura exata do ambiente, nesse exato momento? Dificilmente você irá acertar, visto que os eixos dos recepto- res que percebem
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