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Dedico este livro a você, que está lendo isto. Minha vida sempre teve o objetivo de entreter, esperando levar felicidade e alegria. Então, nestas páginas, você encontrará o seu livro. Ele representa o meu muito obrigado a todos por permitirem que eu faça parte de suas vidas para sempre. PREFÁCIO Já tendo lido o livro, cuja leitura você está prestes a começar, assim como tendo vivido muito do que está incluído nele, posso dizer com toda a honestidade que o Herman não deveria deixar seu trabalho nunca! Mas, falando sério, aqueles anos parecem ter feito parte de um sonho distante para mim. Quando li a retrospectiva feita pelo Herman, recebi o maravilhoso presente das lembranças. Tive a honra de ter trabalhado com vários artistas incríveis do mundo todo e, com certeza, o período em que passei com o Scorpions trará para sempre algumas das melhores memórias que terei na vida. Herman Rarebell é parte importante delas. Mais do que somente um baterista, Herman foi um dos responsáveis pelo desenvolvimento do que eventualmente se tornou conhecido como o som clássico do Scorpions. A música começa com o baterista. Não são muitas as pessoas que percebem isso. De qualquer modo, se você olhar o “sucesso” do grupo ou, talvez, mais apropriadamente, a falta de sucesso antes da chegada de Herman Ze German (The German, “O alemão”, dito com o sotaque típico, trocando o TH pelo Z), ou o sucesso que não tiveram da mesma forma depois que Herman deixou o Scorpions, poderá ver quão importante foi seu papel dentro da banda. As histórias contidas nestas páginas são mais do que a superglamorizada ficção que é lugar-comum nesse tipo de livro. Embora muitos certamente menosprezem de cara esse tipo de autobiografia, interpretando-a como mero relato berrante e espalhafatoso de comportamentos sexuais sem restrições e exageros na contracultura atual inspirados pelas drogas com o objetivo de chamar a atenção, Herman não se rebaixa a esse clichê sensacionalista. Ele prefere recontar as coisas como realmente se passaram e captura a real essência e o espírito da banda, assim como o espírito daquela era que ficou para trás. Felizmente, ele não tenta embelezar nada do que ocorreu no passado, e o mais importante disso tudo é que ele optou por não tirar nenhuma de suas roupas de Lycra de sua tumba cheia de traças. Não teria sido uma visão bonita! E assim, ao final, o que você tem é a história MUITO verdadeira de um homem que não só admite abertamente ter tido mais do que a sua cota de altos e baixos, mas que também não tem medo de falar o que pensa. Ele foi capaz de desbravar muitas tempestades e superar suas aflições e seus vícios. De forma franca, confessa suas fraquezas e não tenta justificar seu comportamento. Herman não se poupa ao atacar impiedosamente a si mesmo e as suas escolhas. Em vez de encontrar um bode expiatório apropriado, ele prefere passar sua vida olhando além do ontem, rumo ao amanhã. Essa é a parte do homem que é ao mesmo tempo revigorante e adorável. É a razão pela qual o considero até hoje um grande amigo. De qualquer forma, existe muito mais do que a história do Herman aqui. Não podemos ignorar ou marginalizar nem um pouco a história de um grupo incrível de músicos. O Scorpions é uma banda que não deveria ter sido bem-sucedida e não tinha chance de “estourar”. Eles foram discriminados e ridicularizados como sonhadores, zombados por aqueles que supostamente “sabiam das coisas”, quando disseram que queriam ir para a América. Mas não foram dissuadidos, tampouco se intimidaram. Eles acreditavam na banda e, juntos, chegaram a um lugar de importância sem paralelos na história do rock and roll. Esta é a história definitiva do Scorpions. Por si só, é uma história que vale o preço da entrada. Não nos esqueçamos daquele que está contando a história. O senso de humor leve, que por vezes se autoironiza, soma tanto à leitura que eu tenho certeza de que até aqueles que nunca ouviram falar do Scorpions vão achar o livro divertido e interessante. Estou muito orgulhoso por ter sido convidado a escrever este breve prefácio e ainda mais honrado por ser considerado o Sexto Scorpion, porque muito do trabalho que faço é esquecido a partir do momento em que a banda sai do estúdio. Não sou o tipo de pessoa que gosta de ficar bradando sobre os próprios êxitos, como tantos dos que desempenham a minha função. Mas, quando li as coisas maravilhosas que Herman disse a meu respeito, eu me senti profundamente tocado. Assim, é certo que é uma honra, e estou muito contente em dizer que este livro não é tanto sobre um homem ou uma banda, mas é uma desavergonhada celebração da vida e um convite a vivê-la. Para quem não conhece Herman Rarebell, prepare-se para desfrutar dos momentos e dos pensamentos de um dos verdadeiros cavalheiros dessa indústria, além de um dos grandes músicos de sua geração. Divirta-se! Dieter Dierks O Sexto Scorpion, produtor da banda de 1975 a 1988 APRESENTAÇÃO Lembro-me perfeitamente da primeira vez em que ouvi Scorpions: estava no meio de uma aula chata no colégio, quando peguei um walkman velho da minha irmã e comecei a ouvir uma estação de rádio da moda (como no início dos anos 1990 a base da música pop ainda era o rock, qualquer programação me agradava). A música era Wind of change. Fiquei chocado com a diferente voz anasalada de Klaus Meine e com a beleza criativa do som. Tempos depois, em uma loja de discos, notei uma capa muito curiosa – um cara gritando em uma camisa de força com um garfo em cada olho – e perguntei para o dono: “essa banda é legal?”. Ele, com uma cara de elementar, tirou o vinil da parede e pôs na pick-up: “BLACKOUT!!!”... Chapei. Aposto que você também tem a sua história... São momentos assim que fazem valer a pena ser fã de rock. Para nós, as músicas e as bandas nos acompanham pelo resto da vida. É muito legal conhecer mais a fundo um grupo do qual você é fã. Ainda mais quando essas histórias são contadas por um de seus integrantes. Este livro, traduzido com primor por Gus Monsanto, conta a trajetória de um dos maiores grupos de rock do mundo, mostrando que tudo se pode conseguir quando sonhamos juntos. Boa leitura! Bruno Sutter Músico, humorista e apresentador do programa Rocka Rolla, da MTV A história do Scorpions não foi igual às outras. Eles vieram da Alemanha, que até então nunca havia dado à luz uma grande banda de rock. Tiveram que aprender a cantar no idioma oficial do estilo, o inglês, lutando para esconder o forte sotaque. E nenhum de seus integrantes fazia o estilo “rock star galã”, daqueles que vendem discos só de colocar a foto na capa. Quando uma banda assim vende 100 milhões de discos, alguma coisa está muito errada. Ou muito certa. Contar essa história já valeria um livro, mas o mais notável em Scorpions: Minha história em uma das maiores bandas de todos os tempos, do baterista Herman Rarebell, não são os tradicionais excessos da tríade sexo, drogas e rock and roll, ingredientes sempre presentes nas autobiografias de roqueiros sessentões. Rarebell relembra fatos históricos, como a noite em que Gorbachev recebeu a banda no Kremlin, fala sobre a vida na estrada e ainda dá dicas para as novas bandas. Se a história do Scorpions é única, este livro também é – um relato honesto e divertido de sua experiência como baterista de uma das maiores bandas de rock do planeta. Felipe Machado Jornalista, escritor e guitarrista do Viper TERMO DE RESPONSABILIDADE (OU ALGO DO TIPO) A HISTÓRIA A SEGUIR TEM APENAS O OBJETIVO DE ENTRETER! DEIXE SUAS PREOCUPAÇÕES E PROBLEMAS DE LADO. NESTE LIVRO NÃO HÁ NADA ALÉM DE DIVERSÃO. ENTÃO, POR FAVOR, NÃO PROCURE NADA ALÉM DISSO. Bem-vindo ao mundo do Scorpions! Herman P.S.: Exceto onde houver indicação, todos os trocadilhos são propositais. 1 WIND OF CHANGE 1 O verão de 1989... Talvez pareça um lugar inusitado para começar o livro. Mas, dado o rito de passagem que veio como resultado de nossos esforços musicais e da imensa oportunidade colocada à nossa porta pelos poderes então vigentes, estou convicto de quevocê irá concordar que esse lugar pode ser perfeito para dar início à nossa jornada por uma das histórias mais improváveis do rock and roll. Tenho orgulho em dizer que fiz parte dela e, juntos, nas próximas páginas, iremos reviver os triunfos sobre a adversidade, a construção de um legado e, felizmente, até a morte da disco music! O último deles pode ser uma das maiores emoções que já tivemos! (Eu tenho vergonha de admitir, mas, com a passagem dos anos, a disco music se tornou muito mais palatável, o que talvez aconteça com a música nos dias de hoje...) Mas, como Jerry Garcia escreveu de maneira tão lúcida em Truckin, “what a long, strange trip it’s been...” [que viagem longa e estranha tem sido...]. Ou, ainda mais apropriado, “que viagem longa e estranha”. Nós realmente desafiamos as probabilidades e realizamos o impossível. Superamos as pessoas do contra e as que eram tidas como gurus, sem mencionar os obstáculos políticos persistentes e as barricadas do tamanho da indústria para realizarmos o que os ditos experts diziam ser fora de questão. Ninguém abriu porta alguma quando batemos (diabos, as pessoas preferiam receber testemunhas de Jeová a nós...). Tivemos de derrubar as portas sozinhos para conseguir atenção para nosso trabalho. Crescemos juntos. Brigamos como irmãos. Compartilhamos a vida de nômades. Conseguimos nem tanto por nós mesmos, mas por você, nosso fã. O objetivo sempre foi o prazer dos fãs. Definitivamente, nenhuma banda pode resistir muito tempo quando toca por meros motivos egoístas. E, assim, partimos do princípio do que se tornaria eventualmente parte de um novo começo para milhões de pessoas mundo afora. Tendo sido criado na Alemanha Ocidental pós-guerra como eu fui, a sensação do tempo passado sem dúvida nunca foi mais forte do que era para nós. Fomos expostos ao monumento onipresente e onipotente que fora concebido, construído e consagrado para ser o símbolo definitivo da opressão, assim como um lembrete cruel da diferença entre o Oriente e o Ocidente, o Muro de Berlim. Ao lembrar-me das palavras e ideias do então presidente dos Estados Unidos, o popular Ronald Reagan, que se referia ao lugar como o “Império do Mal”, você pode imaginar como me senti quando nosso avião começou a descer rumo ao Aeroporto Internacional de Sheremetyevo, nos arredores de Moscou, na União Soviética. Embora tenhamos tocado dentro das fronteiras da União Soviética no ano anterior, na cidade de Leningrado, que hoje é São Petersburgo, parecia que era tudo parte de um sonho que desde então se embaralhou com tantos de nossos destinos anteriores, assim como os lugares que visitamos no decorrer da jornada. Ainda era a Rússia, mas não parecia a mesma para mim. Havia, na verdade, uma vibração meio “ocidental” na cidade, pode acreditar. Tínhamos visto apenas fotografias do Hermitage, da catedral de São Isaac ou de outros pontos históricos da cidade. Assim, nós não os associávamos especificamente à Rússia. Era um contraste muito grande em relação à capital do país dos dias modernos que vimos milhares de vezes nos jornais e na TV. E meus sentimentos foram realmente justificados, porque, como descobriríamos mais tarde, Moscou era uma cidade, no mínimo, muito diferente. Bem mais parecida com o que tínhamos em mente. Para ser honesto, o clima no avião era de apreensão; um pouco tenso, dadas as circunstâncias de nossa chegada tardia. Todos nós éramos bem capazes de lembrar as razões da emenda rapidamente planejada em nossa agenda no ano de 1988. Deveríamos de fato tocar em Moscou naquela época, apesar de termos sido proibidos pelo que poderíamos chamar de “razões políticas”. Sendo apenas a segunda banda ocidental de hard rock a tocar na capital da Rússia (a Uriah Heep foi a primeira), estávamos ansiosos para descobrir o que nos aguardava por lá. Seria uma repetição de nossos shows no norte do país, onde as plateias eram bastante receptivas e genuinamente felizes em nos receber? Ou haveria a tensão esperada, que alteraria nossa agenda para uma visita abortada? Conforme eu olhava pela janela para tudo o que estava lá embaixo, vários pensamentos vinham à cabeça. Eu me perguntava como seria aterrissar em um lugar que havia passado tantos anos trancado em uma metafórica cobertura de aço. Também ponderei os pensamentos que deveriam estar na mente de pelo menos alguns de nossos compatriotas, que certamente nos consideraram traidores de uma forma ou de outra. Era justificável, ainda que injusto, do nosso ponto de vista. Não estávamos tentando fazer uma declaração formal. Não estávamos agindo de maneira traidora contra nosso próprio povo. Tentávamos apenas dar alguma coisa de volta aos fãs que, por acaso, viviam dentro da União Soviética. Era culpa deles? Seriam todos eles determinados em seu ódio pelo Ocidente e por tudo o que ele representava? À medida que o avião entrava e saía das nuvens em direção a seu rumo final, eu me encontrava buscando ansiosa e continuamente algum lugar familiar, como o Kremlin ou a Praça Vermelha. Não me dei conta de que ambos estavam a mais de trinta quilômetros a leste da pista do aeroporto. De onde eu estava, olhando para baixo, só enxergava uma pequena quantidade de casinhas não tão diferentes daquelas que havia em meu próprio país. Pensei: “Como pessoas que não somente representavam o inimigo por tantos anos, mas também dominavam a patinação artística de casais, com a ajuda de jurados ‘fantoches’, poderiam possivelmente viver de uma maneira que não fosse tão diferente da minha?”. Sim, era o ano de 1989 e a Perestroika estava florescendo por completo. Ainda assim, não fazia tantos anos que a aparência da União Soviética havia sido tão mais ameaçadora e sombria. No entanto, quanto mais pensava nisso, mais percebia que o nosso mundo, aquele no qual eu vivia, não era baseado em política, e sim em entretenimento. A música não era um elemento divisor, mas unificador. Eles podiam trancar as pessoas, mas não podiam trancar as ondas do rádio. Como eu havia dito, dificilmente teríamos sido os primeiros músicos ocidentais a invadir a “soberania” soviética. Nem éramos mesmo o primeiro grupo alemão desde que o Terceiro Reich andava com passos de ganso[2] rumo ao Volga. Tenho certeza de que houve bandas de polca que tocaram seus “umpa-pahs” direto ao coração dos fiéis (embora a expressão apropriada fosse “queimaram o coração dos fiéis”). Nós éramos a última e, definitivamente, a primeira banda da Alemanha Ocidental de qualquer gênero de rock na área. Ainda assim, à medida que nosso avião descia e começava a taxiar na direção do terminal, eu olhava ao redor as letras cirílicas que adornavam todos os prédios e descobri como Dorothy se sentiu quando adentrou o reino de Oz. Embora tenhamos visto a mesma coisa em Leningrado, por alguma razão senti algo bem diferente dessa vez. De repente, compreendi melhor as frustrações daqueles que não conseguiam ler no próprio idioma, como eu via palavras que deveriam ter significado e o que representavam para os que pertenciam ao lugar. Mas, para mim, nada daquilo significava algo que eu pudesse compreender. Você pode estar se perguntando: “Ah, Herman, vamos lá, que droga é essa? Nós queremos ler tudo sobre a mulherada na estrada em 1985. Em 1989, você já tinha passado dessa época”. Bem, posso dizer a mesma coisa que a maioria dos médicos diz todos os dias, milhares de vezes: “Me desculpe, mas eu não aceito American Express”. Não, não é isso. Os médicos deixam esse tipo de coisa para as gostosas que trabalham na recepção falarem. Ooops... desculpe... tive uma recaída. Quis dizer, as jovens e adoráveis secretárias que trabalham na recepção. Na verdade, caso eu deixe de fazer esses comentários, o restante do livro vai ser basicamente meio chato, pois muito do que éramos como banda, ou pelo menos do que éramos acusados de ser, verdade ou não (posso dizer a você que não era nosso objetivo), “por acaso” pisava com força no pedal hedonista. Aqueles que viram as capas de nossos álbuns ou gastaram tempo aprendendo as letras da maior parte de nossas músicas comcerteza vão entender (honestamente, nunca quisemos que nosso trabalho fosse considerado ou interpretado assim, mas é sempre bom ser lembrado, não importa como). Para os que não viram as capas nem ouviram as músicas, me indago por que estariam lendo este livro. Não estou reclamando, só estou curioso! Agora quero falar um pouco sobre o politicamente correto, se eu puder, porque essa questão será abordada várias vezes neste livro. Acho importante esclarecer meu posicionamento sobre o assunto. Qualquer um que conheça o Scorpions é capaz de entender por que estou dizendo isso. Realmente me surpreendo com esse conceito e como ele evoluiu ao longo das últimas décadas – fico mais chocado do que surpreso. Para mim, isso nada mais é do que uma maneira de ganhar dinheiro ferindo outras pessoas. Descobriram, obviamente, que há dinheiro a ser ganho sendo “sensível”. Acho que não é nada mais do que o sinal dos tempos. Quando eu era jovem, as pessoas diziam: “Paus e pedras podem quebrar meus ossos, mas palavras nunca vão me ferir”. (OK, elas não falavam exatamente isso, mas sim o equivalente em alemão.) Hoje, no entanto, paus e pedras ofendem muito menos as pessoas do que palavras. Não há dinheiro a ser ganho com eles, a não ser que você fabrique paus ou pedras. Isso é ofensivo para mim e é também ofensivo às pessoas de paus e pedras; muitas delas devem ter falido graças ao politicamente correto. Por falar nisso, continuo tocando com “paus” e durante vários momentos da minha vida estive “louco de pedra”. Mas não acho que seja a mesma coisa. Voltando à questão (caso eu de fato estivesse tentando abordar alguma em especial antes de subir todo valentão ao meu púlpito), eu não queria começar a despejar filosofias tão cedo, mas não consegui evitar. Levo esse assunto para o lado pessoal por vários motivos. Expressar minha opinião abertamente, de cara, seria uma boa maneira de ajudá-lo a entender o restante deste livro. Direi aqui e agora que nada foi escrito com o objetivo de machucar quem quer que seja. O objetivo é entreter. Por favor, tenha em mente que esse é o espírito que ofereço em meu texto. Você tem de admitir... Bem, você não TEM de admitir, mas espero que você admita, que eu me comportei muito bem nestas primeiras páginas. Aposto que você achou que eu fosse escrever um livro normal, seco e tolo sobre os acontecimentos da minha vida com o Scorpions, não? Bem, eu não posso fazer isso (não poderia fazer isso com ninguém). Quer dizer, quão interessante seria ler: “Então nós fomos a Omaha, Nebraska. Depois, tocamos em Helsinki, Finlândia. Em seguida, fizemos um show em Tóquio...”? (Que rota, hein? Não ria, porque certas pessoas organizam sequências ilógicas assim! Eu suspeito que elas também façam um seguro de vida muito alto em nome de cada um dos membros da banda...) Penso que livros assim são feitos para ajudar a combater a insônia – bem como o Código Penal, com certeza. E, na verdade, tais livros não dizem muito sobre quem a pessoa realmente é. Não acho que o Código Penal tenha algo a dizer a meu respeito. Logo, prefiro ser eu mesmo e me divertir enquanto conto a história da banda. Espero que você não se importe. Porém, eu gostaria de pedir um pouco de paciência para quem quiser que eu pule imediatamente no meio do colchão d’água, como tantos do gênero fazem. Prometo que vamos falar de tudo na hora certa. OK, talvez este livro não vá rivalizar com nada que Twain ou Pushkin tenham escrito, mas, por fim, acredito que você irá gostar deste nosso passeio conjunto, porque, honestamente, foi muito divertido e, sim, nós ainda vamos falar sobre tudo isso. Oh, quem é Pushkin, certo? Bem, você pode estar se perguntando também quem é esse tal de Twain (não se esqueça de que este livro foi escrito primeiro em inglês). Mark Twain foi um autor norte-americano muito famoso. Ele escreveu, entre outras obras, Tom Sawyer. Já Alexander Pushkin foi um autor russo do século XIX e, na opinião de muitos experts em literatura, o maior de todos os escritores russos. O que ele estaria fazendo num livro escrito por um alemão que reside na Inglaterra? Bem, além de ser um dos maiores mulherengos de sua era, comportamento que imitamos frequente e inadvertidamente, era russo, como mencionei, e era lá que estávamos em 1989. Você se lembra disso? De qualquer modo, embora as observações paralelas possam ser mais divertidas, vamos voltar à história para que eu possa seguir em outras direções. Agora, como mostram os fatos, uma história certificada, até o verão de 1989 o Scorpions já havia viajado ao redor do mundo. (Tenho certeza de que agora alguém, lendo isso, foi para a frente do computador para conferir em quantos lugares do mundo já havíamos tocado até 1989 para se certificar de que estou dizendo a verdade. Essa pessoa está provavelmente dizendo: “Ei, você não foi para a Antártida!”.) No entanto, naquela viagem ainda havia muitas emoções novas causadas e despertadas pela grandiosidade da experiência. Estávamos em um lugar sobre o qual somente havíamos lido a respeito. Um lugar que nunca achei que fosse visitar e, ainda mais, ser bem recebido, como uma celebridade visitante. Nem nós nem nossas músicas eram politizadas até aquele dia. Embora a maioria de nós tivesse crescido ouvindo e tocando canções de protesto sobre a Guerra do Vietnã, mesmo que não soubéssemos o que todas as letras queriam dizer até aquele momento, não estávamos inspirados a fazer o mesmo com nosso talento. Admito que eu sempre fui bem consciente do que acontecia no mundo e do que se passava ao meu redor. Mas nunca havia ido além daquilo. E mesmo sendo inocentes e despretensiosos como éramos, todos sentimos algo ao desembarcar e entrar no terminal pequeno e simples, que era o portal de entrada para o comunismo. Havia, definitivamente, um “wind of change” e não dava para negar que estávamos no meio de algo histórico. Como mencionei rapidamente, estávamos agendados para tocar em Moscou na primavera de 1988 – do final de abril ao começo de maio, para ser preciso. Mas aquelas datas foram canceladas devido à preocupação com os motins e com a alcoolização pública durante a celebração de um feriado importante em 1o de maio, tido oficialmente como o Dia do Trabalho. Como pude constatar, os russos raramente precisam de uma razão para beber vodca, assim como os alemães não precisam de muita inspiração para beber uma ou duas cervejas. A maioria brindaria uma rachadura na calçada ou colocaria a rachadura para brindar de volta. Então, nos feriados, você pode imaginar quão mais volátil era a atmosfera. Suspeito que as autoridades locais da época não quisessem arriscar uma enxurrada de publicidade negativa caso os ocidentais viessem a experimentar ou ver algo que não pintasse seu país com as melhores cores. (Como se nós nunca tivéssemos visto bêbados anteriormente. Diabos, todos nós conhecíamos o baixista da banda inglesa de rock UFO, Pete Way. Ha-ha! Isso aí, seu bastardo inglês desgraçado! – Que bom que ele é meu amigo... Ao menos, era até esse comentário.) Voltemos, então, ao verão de 1989, alguns meses antes de a história real se concretizar. Não história do tipo com alguns alemães com guitarras tocando música (nós éramos cheios de muita coisa, mas não cheios de si). Então, embora ainda faltassem alguns meses, não tínhamos ideia do que aguardava aos nossos conterrâneos no outono, quando mais do que folhas iriam cair. Claro que havia sinais de problemas. Fofocas e rumores eram o tipo de coisa para a qual a mídia vivia. Lembramo-nos de ter ouvido quando o presidente Reagan (novamente ele) fez uma forte declaração a seu correspondente soviético em 12 de junho de 1987, enquanto estava ao pé do muro que separava o Ocidente do Oriente: “Sr. Gorbachev, derrube este muro...”. Enquanto isso, pensávamos: “Ah, tá... Ele está enganando a quem? Isso nunca vai acontecer”. E, embora o milagre estivesse logo depois da curva, não imaginávamos que isso ocorreria tão rapidamente e a eventual reunificação de nosso país se tornaria uma realidade. Hoje, uma geração inteira não somentede alemães, mas de pessoas do mundo todo, conhece a separação entre Oriente e Ocidente dentro de nossas fronteiras somente lendo os livros de história. Apesar disso, em nosso país, o dia 9 de novembro de 1989 é uma data que todo cidadão alemão conhece de cor, assim como a data do próprio aniversário. E, se eles tivessem esperado algumas semanas mais, teria coincidido com a data do meu aniversário. Queria que alguém tivesse me consultado... Sim, na verdade, havia um “wind of change” no ar desde que iniciamos nossa viagem rumo ao centro da outrora cidade proibida ao leste. Ainda bem que o Klaus Meine havia escrito a letra antes de ocorrerem tantas mudanças. Isso poderia ter arruinado uma grande canção! No caminho entre o aeroporto e o hotel, observávamos quão diferente e, ao mesmo tempo, quão igual tudo parecia ao olharmos com maior cuidado. Acho que eu poderia ter sido um arquiteto na Rússia nesse período. Havia uma similaridade no design e na arquitetura simplistas que agraciavam as ruas pelas quais passávamos. Todos os prédios pareciam ter sido erguidos mais por praticidade do que por questões estéticas. Havia, em certos lugares, fileiras e fileiras de blocos de apartamentos construídos uniformemente. Alguns pareciam ter talvez trinta andares. Nem assim havia beleza alguma neles – somente praticidade. Parecia ser esse o tema familiar. Não havia sinal de pobreza; nem poderia haver, dada a teoria comunista! Mas não havia uma sensação de alegria ou prazer nos olhos dos muitos que vimos durante nossas horas iniciais na capital russa, o que pouco contribuiu para conter nossa curiosidade. Mais uma vez, era uma imagem extremamente diferente daquela que lembrávamos ter visto em Leningrado. Não veríamos olhares como aqueles até muito mais tarde, quando encaramos uma legião de fãs ardorosos que queriam nos ouvir tocar. No entanto, observando as pessoas em seu ambiente natural, começamos a nos indagar se as cenas das quais nos lembrávamos de nossa última viagem não haviam sido encenadas por objetivos de propaganda política. Gostaria de dizer algo, a esta altura do campeonato, àqueles que não tiveram a oportunidade de conhecer o Leste Europeu, mais especificamente a Rússia. Algumas das mulheres mais bonitas do mundo, em minha opinião, moram nos países que outrora fizeram parte da antiga União Soviética. Digo “algumas das”, porque você vai descobrir, mais adiante, que eu tenho uma cidade favorita no mundo no que diz respeito a mulheres bonitas. E posso dizer desde já que vou surpreendê-lo completamente! À medida que nos aproximávamos do centro da cidade, os edifícios se tornavam menos monótonos e mais individuais, até mesmo com uma aparência ocidental, sob alguns aspectos. Era como se houvesse uma paranoia consciente dentro dos comunistas de que eles estavam sendo observados e tinham que apresentar uma fachada positiva a todos os visitantes dignitários, e assim garantir que não haveria uma matéria menos que brilhante sobre a vida na “união” deles. Caso Moscou, que era o centro e definia o padrão do país, aparecesse antiquada ou arcaica, seria um olho roxo na máquina da propaganda política. Como mencionei, nós não tínhamos real conhecimento do que esperar das plateias, mesmo após nossos shows no ano anterior. Sabíamos que nossas baladas, como Still loving you e Holiday, eram populares na Europa Oriental e tocavam bastante nas rádios. Mas eu tinha a curiosidade de saber como era isso para os ouvintes que, predominantemente, não falavam inglês (se eu quisesse mesmo ter certeza, era só ter perguntado aos outros caras da banda...). A música sempre foi uma língua universal, mas o motivo pelo qual decidimos não cantar em alemão e optamos pelo inglês (que era mais complicado, da nossa perspectiva) foi porque o rock and roll era música inglesa. Caso tivéssemos alguma esperança de ir além de Hannover, na Alemanha Ocidental, teríamos de cantar em inglês. Então, qual seria a relação de nossa música com a plateia, e qual seria a novidade de haver músicos e canções ocidentais tocando em seu país? Nosso tempo passava. Começamos a ver uma fome nos olhos dos jovens. Alguns prestavam atenção em cada palavra que falávamos e mostravam ter sede de conhecimento falando uma de nossas línguas, mesmo que fosse um pouco apenas, fazendo todo o tipo de perguntas e traduzindo para aqueles que não falavam. Embora estivéssemos resguardados e protegidos de muita interação espontânea, como era o costume soviético, conseguimos trocar breves palavras em diversos locais, o que ajudou a matar nossa curiosidade de várias maneiras. Quando os adolescentes nos saudavam no hotel, era evidente que éramos uma novidade para muitos deles. Isso, apesar de já ter ocorrido havia muito tempo a época em que revistas, músicas e filmes do Ocidente não chegavam aos solos por trás da “cortina de ferro”. Mesmo os arcos dourados do McDonald’s já estavam instalados não muito longe de onde Lênin fora enterrado, o que, na verdade, fazia com que ele estivesse descansando com menos paz. Inicialmente, estávamos programados para tocar em cinco datas em Moscou, em 1989, mas esse cronograma foi alterado para que fizéssemos parte de algo muito maior: dois shows nos dias 12 e 13 de agosto de 1989 no estádio da cidade. O nome do festival era Moscow Music Peace Festival [Festival de Música e Paz de Moscou]. Ainda assim, uma única olhada na lista das outras bandas nos fez indagar sobre quão pacífico seria. Com bandas como o Motley Crüe e Ozzy Osbourne dividindo o palco, podíamos imaginar qual seria a definição de tranquilidade que eles estavam usando. Na verdade, dividir o palco pode não ser a melhor maneira de descrever a situação, porque soa pacífica demais, dada a miríade de egos envolvidos. Ozzy e o Crüe queriam ocupar um horário mais nobre no show, o que levou a um conflito nos bastidores. O Bon Jovi tinha a mesma posição. O próprio Jon, com quem falei, estava inalterável em seu desejo de ser a atração principal dos shows, mesmo sabendo que não havia muitas pessoas na Rússia que sabiam quem era ele. Tentei explicar isso, mas ele não cedeu. Logo, o cartaz e a ordem de apresentação das bandas foram distribuídos e provaram definitivamente o que eu suspeitava. Naquela altura do campeonato, o Scorpions era uma banda muito maior na Rússia do que o Bon Jovi, e a resposta da plateia provou isso. Mas eu tentei avisar. Realmente tentei. Quando subimos ao palco naquele verão, depois de alguns versos do nosso número de abertura, Blackout, a única coisa em que ainda pensávamos era que estávamos tocando para mais de 135 mil fãs histéricos e que todos pareciam conhecer nossa música. A felicidade e o prazer voltavam aos seus olhos e contavam toda uma história. Parafraseando meu amigo Justin Hayward, do Moody Blues, nós éramos a definição da “trilha sonora da história nos olhos deles”. Certamente, era o sinal mais evidente do que estava por vir. Mas, olhando para trás agora, nós não paramos para pensar em nada disso na época. Para nós, era o nosso mundo e ele havia acabado de crescer em mais de 250 milhões de pessoas que nem sabiam de nossa existência. Se errei a população soviética de 1989, não fique triste comigo. Sou músico, não trabalho para o censo! Depois do último show, em 13 de agosto, fomos levados ao Gorky Park [Parque da Cultura] e a um local que os promotores chamavam de Hard Rock Café, acho que como uma ilustração do que a União Soviética havia se tornado. Era exatamente igual a todos os outros Hard Rock Cafés do mundo. O cardápio apresentava hambúrgueres e a junk food padrão que se encontra na maioria desses estabelecimentos hoje, além da esperada memorabilia do rock. Faz-me pensar, no entanto, pois, pesquisando para este livro, descobri que a franquia ainda não havia chegado à Rússia em 1989 e, por todo esse tempo, achei que fosse um Hard Rock Café alinhado com todos aqueles que visitamos em outras metrópoles. Foi durante uma das viagens seguintes que tivemos a grande honra e o prazer de conhecer o grande líder soviético, Mikhail Gorbachev, que logo seriadeposto. Seus dias como governante estavam contados, embora naquele momento ele não o admitisse, mesmo que soubesse. Apesar do que outros possam pensar sobre o senhor Gorbachev, eu o achei um homem muito agradável, e ouso dizer, animado, e pude crer que falava com o seu coração. Na minha vida, poucos políticos que encontrei ou sobre o qual ouvi falar pareciam expressar o que realmente sentiam ou até mesmo acreditavam. Mas o senhor Gorbachev não me deixou dúvida de que era um homem realmente sincero. Tendo, desde então, aprendido muito sobre como o nosso mundo é administrado e sobre aqueles que tomam conta dele; hoje eu o respeito mais ainda. Gostaria de ter dito que comuniquei ao senhor Gorbachev a necessidade real de derrubar o muro de Berlim e de tê-lo convencido a fazê-lo, mas não vou inventar nada que qualquer pessoa com meio cérebro saberia tratar-se de mentira. Prefiro guardar minhas mentiras para coisas mais importantes, como as mulheres! Uma das características que achei interessante e surpreendente sobre o senhor Gorbachev foi seu senso de humor. A face da Rússia e da União Soviética sempre pareceu sombria e sinistra com homens como Leonid Brejnev e Nikita Khrushchev, sem mencionar o ameaçador e pomposo Joseph Stalin, desfilando estoicamente como um mau presságio diante das câmeras ocidentais. O senhor Gorbachev não tinha nada a ver com isso. Para começar, parecia saber quem éramos e não sei quão honesto ele estava sendo a esse respeito, mas ele até conhecia nossa música. Riu e brincou conosco, o que era bem diferente do que esperávamos. Ainda gastou tempo nos explicando o que era heavy metal de verdade. Segundo ele, a definição de metal pesado era o antigo premier Khrushchev batendo seu sapato na mesa da ONU em 1960. Ele também nos explicou que o maior erro dos americanos foi ter deixado que o Beatles entrasse em seu país em 1964, pois eles foram responsáveis por ter mudado a América. Ele achava que estava fazendo a mesma coisa nos deixando entrar na Rússia. Não sei se fomos diretamente responsáveis pela queda do comunismo e da União Soviética, mas isso dá uma boa história, não? Eu não me importaria em levar o crédito, caso ele desejasse nos dar... Ao final do dia, acreditamos que nossas viagens ao Leste possam ser consideradas um sucesso. Fomos pagos. Não muito... Mas fomos. Isso é sempre um sinal de sucesso no nosso negócio. Sei que você pode estar se perguntando como, mas, na verdade, algumas das histórias, que poderia e que até irei contar mais tarde, talvez irão surpreendê-lo completamente. Detalhes como contratos às vezes não significam muito para os envolvidos na organização de shows. Ao passarmos mais tempo com as pessoas, começamos a ver diferenças. Talvez estivéssemos nos acostumando ao comportamento russo mais tradicional, que é não sorrir o tempo todo e permanecer reservado. Ao menos, essa era a minha impressão. Mas eles não pareciam mais distantes ou frios. Talvez, como eu disse, esse tenha sido resultado de termos passado um tempo lá, conhecendo um pouco a cultura e nos sentindo mais à vontade com as adjacências. Talvez a política pudesse aprender algo com o rock and roll. Tendo encontrado muitos líderes em nossas viagens, como já disse, e tido a chance de ver mais do mundo do que eu já havia sonhado enquanto crescia na Alemanha Ocidental, sempre serei grato à minha mãe e ao meu pai por me deixarem bater nas panelas e nas caçarolas tantos anos atrás. 2 O PEQUENO HERMAN ZE GERMAN Eu não havia percebido, até que um amigo me chamou a atenção para o fato de eu ter nascido exatamente 21 anos depois de um ícone, em 18 de novembro de 1949. Não, eu não nasci em 1970 nem me considero um ícone. O ícone de que falo “nasceu” em 18 de novembro de 1928. Espero não ter de explicar tudo a você durante o livro ou a gente vai terminar com algo que rivalizaria em tamanho com Guerra e paz. Como você sabe, ninguém aguenta ler Guerra e paz até o fim. Agora, diga a verdade, quantas autobiografias sobre músicos de rock and roll fazem referência a Tolstói e Pushkin nas primeiras páginas? E eles dizem que rock and roll não é educativo. O “e” de Herman quer dizer educação! De qualquer maneira, posso ser um pouco presunçoso em me considerar no mesmo nível do Mickey Mouse, com quem divido a data de aniversário, e suspeito ainda que, para alguns neste mundo (assim como para a maioria que atinge certo nível de celebridade), ganhei um status dessa natureza sem merecer. Os que me conhecem sabem que dificilmente fico falando das coisas que já conquistei ou de mim. E que escrever um livro sobre como eu sou raramente está de acordo com o que eu acredito ser um início e uma vida muito humildes. Mas eu não estou escrevendo este livro para mim, e sim para aqueles que, como eu, se interessam por pessoas que tiveram impacto ou influência sobre sua vida. Não sei quanto impacto tive na vida de alguém, embora tenha certeza de que muitos caras transaram enquanto Still loving you tocava no rádio. E, por falar em transar, eu nasci na cidade de Lebach-Saarland, na Alemanha Ocidental (que tal esse gancho? Sei que foi fraco, mas, putz, não consegui resistir!). Tecnicamente, a região é na extremidade da fronteira com a França e o território frequentemente disputado da Alsácia-Lorena. Isso sem mencionar aquela maravilha da engenharia francesa (embora futilidade possa ser o termo apropriado), a Linha Maginot (bem, acabei de destruir o mercado francês para distribuição deste livro... paciência!). Quando nasci, a região estava sob controle francês, embora crianças como eu nunca tenham se dado conta disso. Sendo filho único, eu era um pouco mimado, mas pelos padrões dos dias de hoje acho que ninguém seria da mesma opinião. Minha família não morava em Lebach, mas em Huettersdorf, que fica a seis quilômetros de lá. Meu pai, Hermann Erbel, trabalhava no ramo da execução da lei. Em outras palavras, deixando de lado os eufemismos, ele era um policial. Como não éramos exatamente uma família musical (ao contrário do que alguns possam pensar, policiais só cantam em Amor, sublime amor), minha mãe, Kaetharina (Kaethe), e meu pai ficaram, compreensivelmente, um pouco surpresos com a minha inclinação a fazer barulho desde uma idade remota. Não realmente surpresos de um menino de cinco anos fazer barulho, mas de resolver fazê-lo com colheres, batucando em panelas e caçarolas. Eles foram bem tolerantes comigo, levando-se em conta que não entendiam qual lado da família tinha sido responsável por isso. Mas fico aliviado por eles não terem me castigado de forma dura demais pelo meu hobby. Meu pai era policial, como eu disse, apesar do fato de não haver lojas de donuts na Alemanha Ocidental. (Acho que também não existiam na Alemanha Oriental. Pensando bem, talvez não existissem lojas de donuts em nenhum outro lugar do mundo naquela época.) Acho que o problema era esse. Invejo as crianças americanas de hoje que têm pais policiais. Sei que não é a coisa mais saudável do mundo, mas eu não sou um guru das dietas. E não, não estou promovendo a obesidade. Só estou constatando um fato com o qual qualquer um que já tenha comido um donut irá concordar. De qualquer modo, levávamos o que poderia ser uma vida muito normal na Alemanha Ocidental do começo dos anos 1950. (OK, o que é normal se todos somos supostamente diferentes? O conceito de “normalidade” deve ser discutido eternamente.) No entanto, de maneira triste, porém cordial, meus pais se separaram em 1957. Apesar da aparência de disfunção, externamente, ao contrário de muitos casais de hoje, não houve baixaria alguma (em geral envolvendo dinheiro... Acho que a divisão causada pela ganância pode ser considerada universalmente “normal”), daquelas que destroem tantas relações entre pais e filhos, e sou muito grato por isso. Depois da separação, minha mãe e eu escolhemos (na verdade, a escolha foi feita pela minha mãe) voltar ao meu lugar de nascimento, Lebach-Saarland. É provável que a razão tivesse mais a ver com o fato de que era onde moravam os pais de minha mãe do que com aqualidade das escolas ou a importância do elenco do time de futebol local. Meus avós tinham um quarto extra, então foi lá que passamos a viver e onde permaneci até os meus 14 anos de idade. Em outras palavras, moramos com meus avós por todos os motivos óbvios. Pelo menos, eram óbvios para nós. Quando eu tinha 14 anos, minha mãe conseguiu um emprego na estação de trem Deutsche Bahn como telefonista, então nos mudamos para a cidade de Saarbrucken, onde teve início a lenda de Herman Ze German. Imagino que você esteja se perguntando por que estou gastando tanto tempo com isso. Bem, esta é a história da minha vida e, honestamente, você não acha que fui criado por algum cientista louco com o objetivo expresso de tocar bateria, não é? E, ainda assim, a impaciência daquele que está esperando para ler sobre sexo, drogas e libertinagem, sem falar do rock and roll, pode nunca ser recompensado à altura. Mas espere... Acabei de falar sobre sexo. Como eu disse, não fui apenas inventado. Tenho que ter passado pelo processo normal de concepção e nascimento, e também já falei sobre pessoas transando, o que acho ser muito significativo. Bem, não é o que você tem em mente. Mas ainda terá de aguardar um pouco e ceder nesse meio- tempo, porque, com toda a sinceridade, quem eu sou hoje tem muito a ver com quem eu era naquela época. Acho que é o mesmo para a maioria das pessoas neste mundo. O que você aprendeu quando era criança e a forma com que foi educado influenciam sua vida para sempre, quer perceba ou não. O fato de minha mãe e meu pai terem me permitido batucar em todos os utensílios de cozinha quando eu tinha cinco anos de idade me deu coragem de testar a paciência de todas as pessoas ao meu redor e de fazer barulho na frente de plateias enormes, mas também me fez aprender mais sobre o ritmo e a síncope, que pareciam fazer parte da minha alma. No entanto, tenho certeza de que naquela altura eles simplesmente achavam que eu tinha muita vontade de fazer barulho. Talvez tivessem preferido que fosse somente isso. Inicialmente, suspeito que meus pais tenham achado que essa fosse somente uma fase que eu atravessava na infância. Algumas crianças brincam com caixas. Outras, com pedras. Algumas escalam todos os móveis da casa. Eu? Batucava em panelas e caçarolas, o que deveria tê-los preocupado mais do que de fato preocupou. Estou convicto de que eles não esperavam ter um cozinheiro na família. Talvez tenha sido por isso que minha mãe me deu umas escovinhas para usar nas panelas. Mas, pensando bem, talvez as escovinhas fossem para limpar as panelas e não para criar o som lendário que me tornou tão conhecido hoje em dia. Talvez eu estivesse sendo treinado e encorajado a trabalhar numa cozinha e nem tenha me dado conta disso. Ela pode ter temido que eu começasse a usar salsichas em vez de colheres (ou é mais provável que ela tenha achado que as escovas fossem fazer bem menos barulho do que as colheres). Porém, independentemente da razão, caso meu final tivesse sido esse, você estaria lendo um livro de receitas em vez de uma autobiografia. Meu avô paterno foi o primeiro a ver o que estava “escrito”, eu acho. Depois de reclamar, por achar ter sido “mal escrito”, ele disse à minha mãe que ela teria, essencialmente, que “cortar a bateria pela raiz”, porque não queria que um músico vagabundo e ordinário desgraçasse sua família. Talvez ele tivesse preferido que eu seguisse carreira na culinária. Pelo menos, teria sido um trabalho honesto. Ele era um avô muito atencioso, sempre pensando nos outros e nos seus tímpanos. De qualquer maneira, falando sério, ele sabia que a música era infecciosa, embora eu não soubesse bem por quê. Queria mantê-la longe do meu sangue. Ele era uma pessoa pública, ocupava uma posição de muito destaque, pois era comissário da polícia (como se isso fosse trabalho honesto...) e tinha uma reputação a zelar. Disse à minha mãe que tirasse a bateria do meu organismo, para eu me focar em coisas mais importantes, como... Bem, na verdade, eu não conseguia pensar em nada mais importante do que ser o melhor baterista de todo o universo. Mas tenho certeza de que meu avô tinha uma série de profissões que ele considerava mais aceitáveis. Assim, não sei com que frequência aqueles que estudam para ser bancários ou contadores chegam a passar a noite com dez groupies entusiasmadas. Talvez eu pergunte ao meu contador uma hora dessas. Tenho de rir quando penso nisso. Você imagina o que uma groupie diria a um contador? “Venha cá, Herman, meu amor, faz mais uma vez... Faz como só você sabe fazer! Faça um balanço na minha poupança!” De qualquer maneira, suspeito que a conversa na casa dos Erbel... É isso mesmo, a casa dos Erbel. Eu acho que devo explicar isso. Nosso sobrenome é, na verdade, Erbel. E assim o foi até nos mudarmos para a Inglaterra, no começo dos anos 1970, quando o meu sobrenome fora alterado pelas circunstâncias. Por alguma razão, as pessoas no Reino Unido tinham dificuldade em pronunciar Erbel e ficavam me chamando de Rarebell. Até hoje, não sei explicar e não consigo entender. Mas eles tinham esse problema e, dali em diante, passei a ser chamado de Herman Rarebell. Sei que essa história foi tão divertida quanto ver tinta secando na parede. Ei! Talvez meu avô ficasse mais contente se eu tivesse me tornado um desses! Herman Erbel, o observador oficial de secagem de tinta! Parece algo de bastante prestígio, você não acha? Imagine, então, como teria sido minha autobiografia! Bem, você deve estar imaginando que seria tão entediante quanto este livro. Olhe, eu sou o escritor! Somente eu posso fazer comentários ofensivos a meu respeito. Assim, como eu ia dizendo, suspeito que a discussão na nossa pequena família fosse bem parecida com aquela da maioria dos lares. Quando terminassem de dizer como era difícil ganhar a vida, como não havia mais nada de bom nos jornais e como eu iria certamente cegar alguém com as minhas baquetas, eles conseguiriam chegar a discutir o meu futuro e a minha pessoa. Eu acho que, se alguém tivesse perguntado, teriam dito que tocar bateria seria um hobby e que antes de eu completar seis anos de idade teria superado essa fase. Então, minha batucada era encorajada, ou melhor, pelo menos, não era desencorajada. Diferente de tantos pais nos dias de hoje, eles queriam deixar que seu filho se divertisse. Você sabe... Bem, você não sabe, pois eu ainda não escrevi. Caso você soubesse, seria um vidente e não haveria necessidade de ler este livro, pois já saberia de tudo o que ele diz. Mas a questão não é essa. O que eu queria dizer é que se algo me entristece na minha vida é a paternidade. Tenho uma filha chamada Leah, que agora está com 21 anos de idade. Ela estuda em Glasgow, na Escócia, para ser fonoaudióloga (ei!, talvez ela possa ensinar as pessoas no Reino Unido a pronunciar Erbel) e quer trabalhar com deficientes. Eu a amo com todo o meu coração. Não estou nem um pouco desapontado com ela. Estou desapontado com as prioridades da minha própria vida enquanto ela estava crescendo. Eu vivia constantemente ausente, mas, dada a minha profissão, não poderia ter evitado. No entanto, para quem estiver lendo isto, saiba que se você vive como nômade, e tiver opções que lhe permitam passar mais tempo em casa, não irá se arrepender ao fazê-lo. É claro que ser parte de uma banda de rock é maravilhoso para os jovens. Parece bastante glamoroso para quem vê do lado de fora. Por outro lado, também é muito solitário em diversos aspectos. Muito vazio. E, para um casamento, normalmente representa uma sentença de morte. É impossível fazer vista grossa pelo resto da vida, como tantas esposas do mundo do rock and roll dizem fazer. O dinheiro pode aliviar as feridas abertas só por algum tempo. E para os filhos, embora seja provavelmente divertido ter um pai famoso, ele não pode ser substituído, e todo o dinheiro do mundo não pode comprar de volta aqueles anos perdidos. Quando minha filha for escolher um marido, vou encorajá-la a se casar com quem ela quiser. Não quero dissuadi-la de amar alguém combase somente em sua profissão. Ficarei feliz, então, com a pessoa que ela escolher para se casar, contanto que seja um homem de negócios. Tudo isso é apenas uma observação que gostaria de dividir com você. Entenda como quiser, mas, do meu ponto de vista, acredito que um dos maiores desserviços que um pai pode prestar a um filho é no que diz respeito à orientação. Vejo isso com muita frequência, pais que orquestram a vida de seus filhos do nascimento até o dia em que se casam. A vida da criança é aparentemente padronizada por decisões predeterminadas. A estrutura para as crianças se tornou tão grande que tirou a oportunidade de elas terem uma individualidade criativa. Na minha vida, meus pais permitirem batucar na cozinha além de me encorajar a tocar bateria, de forma intencional ou não, foi muito importante para meu desenvolvimento pessoal e para minha individualidade. Eles não me mandaram “largar o bagulho” que eu estava fazendo para sair de casa e jogar bola (até hoje, não larguei o bagulho, mas essa é outra história, totalmente diferente). Então, de pai para pai, pois suspeito que a maioria dos leitores deste livro já o seja, peço que deixe seus filhos serem eles mesmos e encoraje todas as atividades que eles resolvam seguir, especialmente as escolhidas por vontade própria. Assim como a água de um rio, o nível dela se ajusta um dia. Permita que eles tenham a chance de, sozinhos, descobrir quem são. Serei eternamente grato aos meus pais pela compreensão e pelo apoio. Eles sempre tiveram talheres maravilhosos. Acho que fui mal-acostumado desde cedo! Vamos adiantar a fita um pouco. Cara, mesmo no Novo Testamento eles meio que pulam do nascimento de Jesus e vão direto aos trinta anos de idade, dando só uma paradinha em torno dos 12 anos... Por favor, não tire isso do contexto. Não estou me comparando a Jesus ou comparando este livro à Bíblia, estou apenas usando-os como ponto de referência. Existem muito mais pessoas que procuram encontrar problemas do que simplesmente permitir que a vida seja vivida. Elas precisam entender que excesso de sensibilidade leva a poucas coisas boas na vida. Seja como for, vamos nos adiantar até o começo dos anos 1960. Eu tinha 12 anos de idade e me apaixonei pela primeira vez. Não, esta não será uma daquelas histórias. Minha virgindade ainda estava bem a salvo. Na verdade, não contem à minha esposa, mas, quando me apaixonei, pode ter sido a única vez em que me apaixonei de verdade. Desculpe-me, meu amor. Não quero te menosprezar. Eu estava numa festa de casamento e não conseguia tirar os olhos dela. A menina mais linda do mundo todo... Uma bateria branca e brilhante, da marca Trixon, que refletia e reluzia. Ela atraía minha atenção por completo durante toda a recepção, para a frustração das muitas garotas pré-adolescentes que lá estavam. Enquanto a maior parte delas estava focada em frivolidades, como o vestido da noiva, o bolo, as flores e todas as coisas típicas do universo feminino, o baterista me cativava. Opa, isso pode dar margem a um erro de interpretação. Por favor, entenda que alguns dos meus melhores amigos são gays, então não encaro isso de forma negativa. Na verdade, moro na cidade mais gay da Inglaterra, Brighton. E, para ser honesto, não consigo me lembrar da aparência do baterista, mas tenho bastante certeza de que ele não fazia o meu tipo. De qualquer forma, como baterista, ele provavelmente não era nenhum Gene Krupa e, ainda assim, para um garoto jovem e que se impressionava com as coisas, em 1962, ele estava à altura de Gene. Durante a recepção pude passar alguns minutos sentado por trás da bateria e, embora meus pais nem tivessem percebido, a coisa mais importante da minha vida daquele dia em diante dificilmente seria o que eu estivesse aprendendo na escola, o futebol ou até mesmo as garotas. Minha vida giraria em torno da música. Pensando nisso agora, é uma pena que meu foco tenha mudado. Desculpe-me de novo, meu amor. Depois daquela recepção, comecei a economizar e a guardar cada centavo que eu recebia para comprar a minha própria bateria. Eu sabia que tinha que ter uma e levei vários meses para juntar o dinheiro. Com cinco marcos alemães semanais que recebia de minha mãe, comprei minha primeira bateria quando completei 13 anos de idade. Era um kit bastante básico, que consistia em caixa, bumbo e um prato. Não tinha nem contratempo nem tom. Mas era o Santo Graal para mim. Rapidamente minha família começou a sentir a falta da minha batucada na cozinha. Não havia garagem para onde eu pudesse ser banido. Então, eles estavam fadados a me aguentar enfiando a mão na bateria, num quartinho, dentro de casa. Embora a bateria seja o instrumento mais lindo de todos em minha opinião, sua época de aprendizado é diferente da guitarra ou até mesmo da tuba. Esses outros instrumentos possibilitam que até iniciantes possam fazer sons melódicos, mas a bateria não costuma soar tão bem para os que não fazem parte do processo, até que outros instrumentos sejam adicionados. Num âmbito educacional, devo admitir, nunca fui confundido com Einstein na sala de aula. Embora minhas notas não tenham sido sensacionais (e, até onde sei, as de Einstein também não foram), de alguma maneira, o senso de lógica irônica, talvez sádica, dos meus pais deduziu que eu deveria frequentar a escola de economia, que na época era considerada a mais difícil de todas as instituições de ensino na Alemanha Ocidental. Acho que isso parece muito com o cara que, apesar de estar apanhando pra caramba de quem está na posição de número 148 do ranking, desafia arrogantemente o campeão mundial dos pesos-pesados! Mas, se você vai apanhar, que apanhe do melhor de todos! E, seguindo essa linha de raciocínio, falando da minha vida escolar, e não de levar uma surra, eu parti então para a escola de pesos-pesados, digo, de economia! Foi durante essa época, vivida na nova escola, que minha primeira banda passou a existir, e eu logo aprendi, em primeira mão, lições avançadas de economia. A banda se chamava The Mastermen e era simplesmente um grupo de caras que ia à escola comigo. Um grupo que com certeza vai entrar no Hall da Fama do Rock and Roll antes do Scorpions... Nem vou começar a falar disso agora... Vou ventilar minha frustração mais à frente no livro. De qualquer maneira, o The Mastermen não passava de um grupo de garotos tocando as músicas que ouviam nos discos ou no rádio, exatamente como eram. Suspeito que assim seja no mundo todo. Mas por que o nome The Mastermen [Os Homens Mestres]? Bem, foi o brainstorm do pai de um dos membros. Ele comprou camisas floridas para todos nós para que ficássemos combinando e passássemos a ideia de que éramos os “homens mestres”. Quando penso nisso, percebo que ainda não consegui entender o conceito por trás da coisa até hoje. E, se levar em conta que poucos anos haviam se passado desde o final do regime nazista, o conceito de uma “raça mestra” não parecia ser o nome mais diplomático para uma banda. Mas estávamos tocando música e isso era o que importava. Isso e os vários benefícios que vinham junto. Como estou certo de que você já sabe, muitos jovens entram em bandas para conhecer garotas. Eu não era exceção. Reconheci isso muito cedo e queria aproveitar essa vantagem oferecida pela oportunidade de estar numa banda. Nós tocávamos todo final de semana em algum lugar e ganhávamos o equivalente a 150 euros hoje. Na época, era muito dinheiro! E, quando você tem dinheiro para refrigerantes e sorvetes, e os outros meninos não têm, você atrai a atenção das garotas. Engraçado como isso funciona, não? Eu acho que é um tipo de instinto natural do sexo feminino também (por favor, damas, não fiquem zangadas comigo, eu só disse isso porque os caras adoram ler esse tipo de coisa). O mínimo que posso dizer é que essa era uma grande vantagem. Nós não somente atraíamos garotas porque fazíamos parte da banda, mas também porque podíamos levá-las a lugares onde outros caras não teriam condições. Acho que a minha primeira namorada de verdade (do tipo: nós transávamos) conhecinessa época, embora eu suspeite que ela sempre tenha achado que fosse pouco mais do que minha segunda opção, atrás da minha bateria. Não posso culpá- la, porque ela realmente era. Ela não conseguia fazer com que eu ganhasse 150 euros por fim de semana. Na verdade, até onde me lembro, ela deve ter me custado mais do que isso. Essa era uma lição que não ensinavam na escola de economia. Mas, para ser sincero, mesmo naquela idade (tinha 15 anos), eu me lembro de tentar me exibir para as meninas no palco, e elas pareciam mais atraídas por mim do que pelos outros membros da banda! Eu suspeito que seja da própria natureza da percussão. É bastante físico, beirando ao animalesco, talvez. Cantar e tocar guitarra são bem menos. Agora isso parecia atrair algumas garotas – a ideia do poder, a síncope e a agressividade do baterista. Ou seria somente o fato de eu ser, disparado, o cara mais bonito da banda! Quem sou eu pra dizer o contrário? Mas o que mais me lembro dessa época do The Mastermen é que foi realmente um dos melhores períodos da minha vida. Sem brincadeira... Sei que você não vai achar isso possível, tendo em vista tudo o que aconteceu na sequência, mas vou lhe contar: as memórias da juventude nunca poderão ser derrubadas, nem deverão ser. Ir à escola, da maneira que fosse, e tocar bateria nos fins de semana... Eu achava que estava no céu – pelo menos até sair em tour e ser cercado por groupies. Mas eu troquei feliz tudo isso por uma esposa maravilhosa e pela vida caseira (você ouviu um raio cair em algum lugar enquanto lia isso?). 3 ACHANDO O MEU CAMINHO Foi por volta dessa época, em meados dos anos 1960, que uma banda pouco conhecida de rapazes de Liverpool fora, de uma hora para outra, cercada por uma horda de garotas histéricas. O mais interessante é que ela era chamada The Beatles. A banda, não a horda de garotas! Agora, para falar a verdade, eu não era um garoto de muita imaginação e achava que a banda tinha sido batizada em homenagem a um inseto. Meu conhecimento de inglês na época não me equiparava a um Winston Churchill. Para ser honesto, ainda hoje, meu inglês não é maravilhoso. Provavelmente tão bom quanto o de Arnold Schwarzenegger, mas eu acho que consigo pronunciar Califórnia melhor do que ele, embora isso não importe. Pensando bem, acho que deveríamos ter batizado a banda de Scorepions! Você sabe, score é como eles chamam “partitura musical” em inglês. E ninguém era tão criativo assim na banda quando inventaram o nome (na verdade, dada a nossa reputação na estrada, score poderia ser apropriado para descrever nossas peripécias fora dos palcos: score, em inglês, também significa “pontuar” e é uma gíria para “fazer sexo com uma mulher”). O que importa é a impressão causada pelo Beatles num adolescente de Saarland em ebulição hormonal que percebeu que a bateria tinha suas limitações em questões de “amor”. Eu tentava abraçar minha bateria em diversas ocasiões, mas não era a mesma coisa que o corpo macio e maleável de uma linda adolescente. No entanto, a manutenção era muito mais simples – uma pele nova, de vez em quando, talvez dar uma polidinha... Admito ter ficado fascinado pelo Ringo Starr tocando bateria, não só porque as meninas gritavam e pareciam amá-lo, mas também por causa de sua levada constante, sólida e simplista, que parecia estar perfeitamente de acordo com o que os outros da banda estavam tocando. Passei a prestar atenção no que ele e muitos outros bateristas daquela geração estavam fazendo e comecei a apreciar e a entender a importância da percussão para estabelecer a identidade de uma banda. Isso soa tão impressionante, não? Na verdade, eu gostava de copiar o que eles tocavam. O resto é para aquele que vai examinar este livro por razões literárias. Preciso assegurar-me do uso correto dos adjetivos, dos advérbios e das referências metafóricas para mantê-lo feliz também. Como a maioria dos músicos, eu tinha muitos artistas que admirava e que me influenciavam. Algumas das minhas primeiras influências, além de Ringo, foram Charlie Watts, do Rolling Stones, e Peter York, do Spencer Davis Group. Em nenhum momento, no entanto, eu ousava imaginar que um dia pudesse encontrar algum desses ídolos ou até mesmo ser classificado com um nome dessa estatura por alguém que não tivesse bebido mais do que a cota normal de Heineken. Mas as horas que passei ouvindo os discos deles e tirando suas frases da melhor maneira que eu podia fazer são algumas das melhores lembranças que tenho na vida. Temo que hoje os garotos não podem sentir a mesma alegria. Com tudo disponível on-line e em DVD, os jovens músicos não têm que praticar sua habilidade e desenvolver o seu ouvido. Eles podem simplesmente assistir a seus ídolos por um ou outro tipo de mídia quando desejarem, ou comprar uma videoaula produzida por um deles, na qual mostre todos os seus truques. É tão difícil explicar a um jovem baterista ou, na verdade, a qualquer músico que o desenvolvimento do ouvido não tem preço. Ser capaz de ouvir permite a um músico ter a capacidade de tirar qualquer coisa e traduzi-la diretamente para o próprio trabalho, de uma maneira muito diferente de assistir outra pessoa e de aprender com ela. Quando você toca Satisfaction ou She loves you mil vezes junto com o disco, não somente aprende o que o baterista está tocando, mas até mesmo o que ele poderia ter feito melhor ainda. Assim é que alguém desenvolve o próprio estilo. Não tento tocar como Ringo, como Keith Moon, do The Who, ou como John Bonham, do Led Zeppelin. Tento tocar como Herman Rarebell. Aos 17 anos de idade, o The Mastermen chegou ao seu fim, e eu queria me tornar profissional. Decidi montar minha banda, a RS Rindfleisch, e escolhi todos os músicos. Em pouco tempo, estávamos tocando em todo o circuito. Como circuito, entendam-se os clubes e os bares da área em que eu morava. Depois de ter me visto tocando em um clube e, é claro, de ter consultado minha mãe, meu pai me disse que, se eu realmente estivesse a fim de levar a música a sério, deveria ao menos ter o background e o treinamento corretos. Ele achou que seria uma boa ideia se eu me matriculasse na Academia de Música de Saarbrucken. Ali, ele supôs que eu não teria apenas aulas de bateria e de percussão, mas que também iria receber a formação clássica apropriada, assim como aprenderia a tocar outros instrumentos “de verdade”, como piano. Tudo isso soou bem para mim, eu não ia discutir. Diabos, naquela altura do campeonato eu teria contraído icterícia, se isso me tirasse da escola infernal de economia. Refletindo sobre isso agora, pode ter havido outra razão para a sugestão deles: poderia ser somente para que eu desse o fora de casa com a minha bateria. Não posso dizer que eu os culparia, pois bateria não é todo mundo que aguenta. O que as pessoas têm de lembrar é que, até o século XX, não havia o conceito de bateria. Existiam tambores em bandas, é claro. Todas as bandas de polca tocavam com o suporte de um bumbo, caixa e pratos. No entanto, havia um músico para tocar cada uma das peças separadamente. Eu não consigo imaginar passar o dia todo tocando algo monótono e constante, como devia ser o caso daquele que tocava o bumbo. Mas eu acho que tem gente que também não imaginaria fazer parte de uma banda com o nome de um aracnídeo. Quando entrei na Academia de Música, continuei tocando no RS Rindfleisch. Sei que alguém pode se perguntar por que eu não levei em consideração tocar todo fim de semana por 150 euros, como fazia com o The Mastermen, como profissional. Bem, a diferença, pelo menos de acordo com nossa definição, era o tipo de situação em que tocávamos. Em vez de tocarmos somente nos fins de semana, estávamos nos apresentando sete noites por semana em boates e em outros estabelecimentos sórdidos. Fechávamos temporadas de um mês ou mais em cada lugar. O RS Rindfleisch durou pouco tempo e se transformou numa banda chamada Fuggs Blues (bonitinho o nome, não?). É importante mencionar como se soletra, pois algumas pessoas confundiam o nome com uma palavra da língua inglesa cujasonoridade é parecida e que, é claro, eu nunca uso![1] Basicamente, o trabalho do Fuggs Blues era fazer apresentações em clubes, onde tocávamos tudo o que se ouvia no rádio. Canções como It’s all over now e The last time, do Stones, além de músicas do Beatles, como She loves you, e o que mais fosse popular, tinha lugar em nosso repertório. Nos esforçávamos ao máximo para tocar tudo exatamente como faziam nossos ídolos britânicos. Lembre-se de que na época não havia nenhuma banda alemã para ser copiada. Esse dia levou anos para chegar. Rock and roll era música inglesa, pelo menos em termos de linguagem. À medida que a popularidade do Fuggs Blues crescia e tínhamos, pelo menos, uns seis fãs, nossos shows passaram a ser muito maiores do que os clubes locais. Eventualmente conseguíamos várias temporadas de um mês em clubes militares americanos, incluindo os de Frankfurt, de Schweinfurt e de Nuremberg, nos quais tocávamos quatro sets por noite. Estas, em particular, se destacam na minha cabeça. Não pelos motivos que alguns possam imaginar, mas porque, na verdade, eram histórias de dois clubes totalmente diferentes. Primeiramente, é preciso considerar que isso se passou na época da Guerra do Vietnã. Logo, os soldados iam e vinham de forma constante e as bases eram refúgios de atividades. Pensando nisso, hoje tenho certeza de que muitos dos soldados que conheci naqueles dias nunca voltaram da guerra. É uma realidade muito mais grave quando se pensa em quanto a vida pode ser frágil. Além disso, aqueles shows nas bases militares eram muito interessantes para nós, porque nos dez primeiros dias de cada mês ou nas duas primeiras semanas, os clubes ficavam lotados. Você não conseguia um lugar para sentar mesmo que dissesse que conhecia em pessoa o então presidente dos Estados Unidos, Richard Nixon (não se esqueça de que essas eram bases militares americanas... e que o presidente Nixon foi bastante popular no final dos anos 1960 e início dos anos 1970 por toda a parte, menos em Hanói e Moscou). Então, na primeira metade do mês, tocávamos para plateias cheias, não só de cerveja e salsicha, mas de dinheiro também. No entanto, até a metade do mês, a maior parte do dinheiro extra já havia acabado, assim como a nossa plateia, e tocávamos o restante dos quinze dias para mesas e cadeiras cordiais, embora bastante quietas. Não era tão ruim para nossa banda quanto imagino que fosse para os comediantes que eram eventualmente contratados como parte do entretenimento. Móveis não respondem muito a piadas – assim como a maioria dos críticos, devo dizer. Claro que os críticos são considerados maravilhosos em comparação a algumas das criaturas assustadoras, como lagartos conhecidos como “empresários”. (Perdoe-me, por favor, pela comparação. Não gostaria de ofender réptil algum.) Talvez você possa imaginar, mas mesmo que não consiga, ao menos tente... Naquela época, a Alemanha Ocidental era um país muito conservador e, embora o rock and roll fosse popular em cidades como Hamburgo (que, obviamente, se tornara o ponto de partida para a saga do Beatles no Star Club), a aparência, o estilo e o som não foram aceitos de imediato pelas massas. Felizmente, minha mãe trabalhava na estação de trem e conseguia passagens para irmos e voltarmos a Hamburgo de graça. Nós as usávamos para ir assistir a quaisquer bandas que tocassem por lá. Lembro-me de ter visto Yardbirds, Spooky Tooth, Remo Four e uma banda alemã chamada Rattles, o que nos dava vantagem sobre outros jovens músicos que estavam na mesma posição que nós. Suspeito que fosse uma situação bastante parecida à do início dos anos 1950 nos Estados Unidos, onde poucas emissoras de rádio ou clubes no país apoiavam o rock. Nosso contato era às vezes limitado ao que conseguíamos captar pelo rádio na BBC ou no rádio das Forças Armadas Americanas. Como você pode imaginar, ver bandas tocando ao vivo músicas que nós também tocávamos (não entenda mal essa ideia, nunca achamos que tocassem as músicas tão bem quanto nós... eu só quis dizer que também tocávamos as canções deles... mas até aí... não, teria sido presunção, mesmo que fosse verdade) e tendo a chance de ver como eles “trabalhavam a plateia” nos deu a oportunidade de realmente crescer e de nos desenvolver como músicos acima e além daquelas outras bandas. Seguindo esse mesmo raciocínio, acho que há várias coisas importantes que hoje os jovens perderam por completo, como resultado das mudanças da indústria fonográfica. Como eu havia mencionado, a disponibilidade de produtos de vídeo limitou o crescimento de uma audição musicalmente mais apurada. Também percebi que os músicos não parecem mais tão interessados em tocar ao vivo ou em fazer um som com os amigos por horas e horas. Com a democratização dos programas de computador, que possibilita a todos terem um estúdio de gravação completo em casa, por algumas centenas de dólares, tocar não importa tanto quanto gravar canções. Você, que é músico, concentra-se muito mais em gravar ou em fazer vídeos, porque é assim que é “descoberto”. Minha dica para todos os que sonham em um dia fazer parte de uma banda como o Scorpions é a seguinte: nada substitui tocar. Seja num porão, numa garagem, numa festa para amigos, seja diante de uma plateia na escola, quanto mais você tocar, mais “afiado” e esperto ficará. E parecerá muito mais experiente quando tiver a chance de se apresentar para 100 mil pessoas em um estádio. Independentemente de tocar para cinco pessoas ou para 5 mil, a performance nunca deve mudar! Como baterista, posso afirmar que existem grandes diferenças no modo como os bateristas se apresentam. Eu era, no mínimo, fascinado pelo Keith Moon. Ele sabia tocar com uma veracidade e uma ferocidade diferentes de tudo o que eu já havia visto. A força que ele levava para o som do The Who me atraiu à banda. Além disso, o fato de ele estar sempre propenso a destruir sua bateria ao encerrar o show de cada noite... Bem, posso dizer que isso era, honestamente, seu desempenho e sua apresentação. Embora ele fosse um pouco “exagerado”, me fez pensar em maneiras de me certificar de que eu seria notado e, assim, evitar ser estereotipado como “somente” o baterista de uma banda. Sem dúvida, posso afirmar que o The Who nunca se recuperou da perda de Keith Moon, em 1977. Ele era parte integral da constituição e do som da banda. O mesmo pode ser dito do papel de John Bonham no Led Zeppelin. Moon e Bonham eram, em minha opinião, insubstituíveis. Voltando à história, como você deve ter percebido na conservadora Alemanha Ocidental do fim dos anos 1960, nós, músicos, éramos vistos de maneira muito interessante pelas pessoas. Tínhamos de ter a aparência de rock stars e tocar como rock stars, independentemente de sermos ou não, caso quiséssemos convencer nossa plateia de que éramos verdadeiros. Então, assim, com nosso corte de cabelo beat, nossas botas “Beatles” e nosso figurino mod de poliéster, conseguíamos chamar a atenção. Suspeito que isso nos ajudava com as meninas, que se sentiam muito mais atraídas por nós do que pelos caras que usavam gravata e casacos esportivos e estudavam fissão nuclear na escola (provavelmente, achavam que precisássemos de ajuda com nosso gosto para moda, ou então poderia ser apenas piedade da parte delas). Tudo bem, é possível que, hoje, esses caras sejam muito mais bem-sucedidos do que a maioria daqueles com quem toquei. Mas, na época, não medíamos o sucesso em dólares ou marcos alemães. O sucesso era medido de acordo com a qualidade das garotas que conhecêssemos e saíssemos. Todo mundo queria conquistar a garota mais bonita. E tocar numa banda, ter uma aparência um pouco diferente e ter dinheiro nos bolsos nos dava uma vantagem tremenda. Você não pode culpar as garotas. Por que elas estariam com um cara que achasse excelente uma noite em que passaria a maior parte do tempo explicando as complexidades e as dificuldades dos cortes de impostos sobre altas rendas e as atividades de negócios na economia? Tudo bem, pode ser até que o caso não fosse esse, pois acho que o conceitoentrou na moda somente alguns anos depois nos Estados Unidos, não é mesmo, chéri? Não sei o que os intelectuais conversavam com as garotas, porque nunca me interessei muito por essas coisas, embora tenha ido à escola de economia (veja que tipo de impacto isso teve em mim!). Mas, o que quer que fosse, certamente parecia nos tornar – nós, músicos – mais populares. Agradeço a Deus por termos conseguido deixar isso tão mais claro para as moças. Talvez da próxima vez em que eu falar com meu contador, possa vê-lo de modo diferente, e lhe agradeça por ter contribuído para o meu amadurecimento. Embora você possa achar isso impossível de acreditar – depois de todas as evidências contrárias dadas por mim até agora –, eu não me interessei por música por causa das garotas. No entanto, me adaptei rapidamente. A quem será que estou enganando aqui? Eu vi a maneira como as meninas reagiam ao Beatles e ao Stones e pensei de imediato: “Isso é para mim!”. Qualquer um que fale o contrário está mentindo. Foi um ótimo subproduto da indústria, e mesmo assim tinha suas desvantagens depois de certo ponto. Como o filme norte-americano Rocky colocou de maneira muito sábia, as mulheres “enfraquecem as pernas” de um cara. Mas, mesmo em um patamar tão baixo quanto aquele onde nos encontrávamos na época (embora achássemos que estávamos arrebentando!), as garotas lá estavam, ajudando a ilusão que estávamos praticando, pelo bem de nossos egos. No entanto, como eu disse, espero que minha filha se interesse mais por um homem de negócios do que por um músico. Como você pode se lembrar, no final dos anos 1960, a música passou por mudanças enormes. Pelo menos, o rock atravessou. Dean Martin e Frank Sinatra não mudaram muito, o que é compreensível. No entanto, no rock and roll popular, poucos artistas conseguiram transpor as mudanças que estavam ocorrendo. Em 1967, o doo-wop com o qual cresci, não existia mais. (Doo-wop é o nome da música americana do período de 1950-1965. O termo vem do som frequentemente feito pelos cantores de apoio em um grupo de harmonia vocal, como Five Satins, The Platters ou The Drifters.) Ele havia sido substituído por uma música bem mais pesada. Bandas como Yardbirds, Cream e, mais tarde, Led Zeppelin, Deep Purple e Black Sabbath começaram a desenvolver um estilo de música que realmente atraiu minha atenção por completo. Como um grupo que tocava em bases militares, nossos shows começaram a incluir material mais pesado também. Nessa época, minhas influências tomaram esse rumo mais pesado. Mitch Mitchell, por exemplo, que tocava com o Jimi Hendrix Experience, era uma delas, assim como John Bonham, do Zeppelin. No minuto em que ouvi o Led Zeppelin, descobri qual tipo de música eu queria tocar. Eu queria fazer parte de uma banda de hard rock. 4 A INVASÃO BRITÂNICA 1 Como acabei aprendendo, a geografia não é enfatizada em todos os países, especialmente no que se aplica ao gênero e ao panorama do rock and roll. Mas, na época, e mesmo hoje, a Alemanha não era o país no qual se devesse estar caso se quisesse ser descoberto como músico ou fazer parte de uma banda de hard rock. Tudo bem, como você já sabe o final da história, talvez não acredite nisso. Mas não é qualquer um que pode viajar de quinhentos a mil quilômetros para um país totalmente diferente e terminar se juntando a um grupo de caras de sua terra natal. Você tem de admitir que seria preciso ter um tipo especial de talento! Existe uma desvantagem ao escrever um livro assim. Diferente de um romance, aqui estou contando a perspectiva interna de uma história sobre a qual você talvez conheça uma parte ou outra. Há muito pouco suspense em alguns aspectos. Você já sabe onde eu terminei e quais músicas fizeram sucesso mundialmente. Já sabe até o número dos meus sapatos. Não faço ideia do motivo, mas descobri que existem pessoas que curtem colecionar dados sobre quem está sob os holofotes do mundo, o que, às vezes, pode parecer um passatempo insignificante. Saber o que irá acontecer na história tira um pouco do mistério enquanto você a lê. Ao mesmo tempo, se quisesse mistério, você estaria lendo Agatha Christie... Mas, como já mencionei, suspeito que esteja lendo este livro – e espero que muitos leiam, não poucos – para descobrir o que acontecia atrás do palco enquanto nos via tocando no Los Angeles Forum, no Madison Square Garden ou no Hammersmith Odeon. Continuando, embora o período em que frequentei a Academia de Música de Saarbrucken tenha ajudado numa tremenda parte da minha educação – que eu não teria trocado por nada –, música clássica e bateria não são sinônimos. Não havia futuro para mim na música clássica, a não ser que eu quisesse tocar bumbo ou tímpano na Filarmônica de Berlim! Se esse tivesse sido o meu fim, eu teria eventualmente tocado com o Scorpions, embora isso tivesse acontecido cerca de trinta anos depois (quem perdeu o interesse pela banda depois que eu saí dela talvez não saiba que eles gravaram um disco com os nossos maiores sucessos com a Filarmônica de Berlim chamado “Moment of glory”). Eu posso ter sido o catalisador que lançou a carreira deles (estou tendo muita dificuldade em comprar toda essa ideia, então a ignorem), porém existe uma discussão real a meu respeito, nas mesmas linhas. Não a terei ainda, pelo menos agora. Mas que ela existe, existe. Eu, pessoalmente, amo “In trance” e “Virgin killer”, sem mencionar “Lonesome crow” e “Fly to the rainbow”. São discos ótimos. Mas, às vezes, dentro da estrutura de uma banda, existe uma química que não pode ser explicada – uma combinação dos elementos exatos que parecem coexistir perfeitamente. Eu acho que, se você traçar a história de várias bandas, verá isso. Para mim, o The Who nunca mais soou o mesmo depois do disco “Who are you”, que, por coincidência, foi o último no qual Keith Moon tocou. E Ted Nugent – com o qual excursionamos muitas vezes pela América, pois éramos empresariados pela mesma firma, Leber-Krebs – nunca pareceu atingir o mesmo patamar de sucesso depois do disco ao vivo “Double Live Gonzo”, que fora o último cuja formação da banda contava com Rob de la Grange, no baixo, o vocalista Derek St. Holmes e, provavelmente, o cara mais importante por trás de Ted, o baterista e produtor Cliff Davies. Acho que todo mundo conhece bandas e histórias similares ou pelo menos possui opinião semelhante. Talvez você tenha idolatrado a carreira de alguém em algum momento e perdido o interesse com a mudança no som e nos membros da banda. Existe algo especial, até mágico, que não pode ser explicado quando se trata de música e de criatividade. Uma vez que você encontra isso, logo reconhece. De muitas maneiras maravilhosas, é bem como o amor. No outono de 1971, finalmente me dei conta de que eu não iria muito longe no mundo da música caso permanecesse na Alemanha. Percebi, depois de quatro semestres na escola de música, que o único futuro que eu teria ali seria como parte de uma orquestra trabalhando numa estação de rádio ou televisão, ou talvez na filarmônica de alguma cidade. Eu era meio devagar e demorei muito. Como resultado dessa revelação, decidi que era hora de me aventurar fora do meu país atrás de fama e fortuna, em busca do estrelato. Na época, o rock, pelo menos do tipo que eu estava interessado em tocar, parecia estar todo em Londres. E armado do que eu achava ser meu vasto conhecimento da língua inglesa (sabia as letras de praticamente todas as músicas do Freddie and the Dreamers... Eram duas... bem, eram mais que duas, estou só brincando, não repare. Queria só dizer que eu sabia muito pouco inglês, embora achasse saber muito, OK?) parti rumo a Londres. Arrumei as minhas malas e deixei Saarbrucken com destino ao Magic Kingdom. Não, não era esse. “Kingdom” errado. Ainda iria demorar uns anos antes de finalmente conhecer a Disneylândia. Arrumei tudo e parti para o United Kingdom [Reino Unido], achando que chegaria lá e logo entraria em alguma das maiores bandas do lugar. Afinal de contas, havia sido o baterista do The Mastermen, do RS Rindfleisch e do Fuggs Blues!
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