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1 E3C ON-LINE 2 E3C ON-LINE DIREITO PENAL TEORIA GERAL DO CRIME 3 E3C ON-LINE Sumário 1. Do crime ................................................................................................................................................ 4 1.1 Conceitos de Crime .............................................................................................................................. 4 1.2. Classificação das Infrações Penais ....................................................................................................... 4 1.2.1. Crime Doloso, Culposo ou Preterdoloso (ou Preterintencional) e de Ímpeto ..................................... 4 1.2.2. Crime Comissivo, Omissivo Próprio ou Comissivo por Omissão ......................................................... 6 1.2.3. Crime Instantâneo, Permanente, Instantâneo de Efeitos Permanentes, Eventualmente Permanente e de Fusão ................................................................................................................................................. 7 1.2.4. Crime de Dano e de Perigo ............................................................................................................... 7 1.2.4.1. Crimes de Perigo Abstrato: Aprofundamentos ............................................................................. 11 1.2.5. Crime Material, Formal e de Mera Conduta ou de Atividade .......................................................... 13 1.2.6. Crime Unissubjetivo e Plurissubjetivo ............................................................................................. 14 1.2.7. Crime Unissubsistente, Plurissubsistente e Pluriofensivo ................................................................ 14 1.2.8. Crime Comum, Próprio, Próprio Impuro, Bipróprio, de Mão Própria e de Acumulação ................... 14 1.2.9. Crime Impossível e Putativo ........................................................................................................... 16 1.2.10. Crime Vago, Remetido, Exaurido, Habitual e Habitualidade Criminosa .......................................... 18 1.2.11. Crime de Espaço Mínimo, Crime de Espaço Máximo ou Plurilocal e Crime à Distância .................. 19 1.2.12. Crimes de Tendência (Intenção Especial) e Crimes de Intenção .................................................... 20 1.2.13. Crime Acessório ou Parasitário ..................................................................................................... 20 1.2.14. Crime Transeunte e Não Transeunte ............................................................................................ 21 1.2.15. Crime de Consumação Atípica Impunível ...................................................................................... 21 1.3. Eficientismo Penal ............................................................................................................................. 21 1.3.1. O Eficientismo Penal como Direito Penal Máximo ........................................................................... 21 1.3.2. Direito Penal Simbólico .................................................................................................................. 22 4 E3C ON-LINE 1. Do crime 1.1 Conceitos de Crime O Brasil adotou, formalmente, a teoria bipartida do crime. De acordo com a Lei de Introdução ao Código Penal, crime é a infração penal a que a Lei comine pena de reclusão ou detenção e multa, alternativa, cumulativa ou isoladamente. Já contravenção é a infração a que a Lei comine pena de prisão simples e multa, alternativa, cumulativa ou isoladamente. Entretanto, tal conceito é extremamente precário, cabendo à doutrina seu desenvolvimento. O crime possui três conceitos principais, material, formal e analítico. a) Conceito material: crime seria toda a ação ou omissão humana que lesa ou expõe a perigo de lesão bens jurídicos protegidos pelo Direito Penal, ou penalmente tutelados. De acordo com o STF, O CONCEITO MATERIAL DE CRIME É FATOR DE LEGITIMAÇÃO DO DIREITO PENAL, pois, de acordo com ele, não será toda conduta que será penalmente criminalizada, mas somente aquelas condutas mais relevantes (princípio da adequação social); b) Conceito formal ou jurídico: é aquilo que a Lei chama de crime. Está definido no art. 1º da Lei de Introdução do Código Penal. Crime é toda infração a que a Lei comina pena de reclusão ou detenção e multa, isolada, cumulativa ou alternativamente. De acordo com este conceito, a diferença seria apenas quantitativa, relativa à quantidade da pena; c) Conceito analítico: aqui se analisa todos os elementos que integram o crime. Crime é todo fato típico, antijurídico (é melhor utilizar o termo ilícito, apesar de não fazer tanta diferença, já que fica mais fácil manejar o CP e as leis especiais quando há excludentes de ilicitude) e culpável (alguns autores não consideram a culpabilidade como elemento do crime, e sim como pressuposto da pena). Apesar de ser indivisível, o crime é estudado de acordo com essas três características para facilitar sua compreensão. Elas serão analisadas mais adiante, após vermos as classificações de crime existentes. 1.2. Classificação das Infrações Penais 1.2.1. Crime Doloso, Culposo ou Preterdoloso (ou Preterintencional) e de Ímpeto a) Crime doloso: é o crime em que o agente quis ou assumiu o risco de produzir o resultado. A regra geral é que todo crime seja doloso. 5 E3C ON-LINE b) Crime preterdoloso: é o crime em que o resultado delitivo é mais grave do que o querido pelo agente. Ele praticou uma conduta dolosa, entretanto o resultado final é culposo. Não se admite tentativa em crimes preterdolosos. Há dolo na ação e culpa na consequência. Deve haver uma expressa previsão legal do resultado culposo mais grave. Se não houver, punir-se-á apenas o crime doloso ou, se houver crime culposo após, haverá concurso formal, se este estiver previsto em Lei. Todos os crimes preterdolosos são qualificados pelo resultado, porém, nem todo crime qualificado pelo resultado é preterdoloso (visto que o resultado qualificador pode ter sido desejado). São elementos do crime preterdoloso: i. Conduta dolosa visando determinado resultado (lesão corporal); ii. Resultado culposo mais grave que o desejado (seguida de morte); iii. Nexo causal (artigo 129, § 3, CP); iv. Previsão na norma das elementares do consequente culposo. Quando o resultado mais grave advém de caso fortuito ou força maior não se imputa a agravação ao agente. O resultado mais grave tem que ser pelo menos culposo. Exemplos: v.g.1, pessoa em boate, discute e dá um soco na pessoa, que cai e bate a cabeça vinda a morrer. Que crime foi cometido pelo autor do soco? Basta a previsibilidade (e não ter sido previsto), ou seja, era possível conhecer o resultado num ambiente como aquele, de tal forma que se caracteriza, pois também há nexo. V.g.2, olimpíadas em luta, lutador se sentiu prejudicado pelo árbitro deu um ponta-fé na cabeça dele, mas não chutou para matar, queria apenas lesionar, mas pessoa por acaso bateu a cabeça num prego que estava no tatame próprio para luta. Ora o prego é um caso fortuito ou de força maior, não sendo possível imputar o resultado morte. c) Crime culposo: é o crime ao qual o agente deu causa por imprudência, negligência ou imperícia, não havendo em si qualquer desejo de praticar o resultado juridicamente reprovável. O crime culposo só é possível em tipos penais que expressamente o prevejam, como no homicídio. Quase de forma absoluta, não se admite a tentativa nos crimes culposos. d) Crime de ímpeto: é o praticado sem premeditação. A vontade delituosa é repentina, sem preceder deliberação, como ocorre com o homicídio praticado sob domínio de violenta emoção. 6 E3C ON-LINE1.2.2. Crime Comissivo, Omissivo Próprio ou Comissivo por Omissão a) Crime comissivo: crime comissivo é aquele em que o agente realiza uma ação positiva visando a um resultado ilícito. Crime comissivo não se confunde, por evidente, com crime material, já que pode não haver qualquer resultado naturalístico. Por exemplo, é comissivo o crime de injúria, mas não é material. O importante é uma conduta da pessoa livre e consciente que lhe retire do estado de inércia. b) Crime omissivo próprio ou puro: são crimes em que a própria omissão já é prevista no tipo penal, sendo ela uma elementar, a única forma de se realizar a conduta criminosa. Nesses crimes omissivos basta a abstenção, é suficiente a desobediência ao dever de agir para que o delito se consume. O resultado que eventualmente surgir dessa omissão será irrelevante para a consumação do crime, podendo apenas configurar uma majorante ou qualificadora. O agente desobedece a uma norma mandamental, norma esta que determina a prática de uma conduta subentendida no tipo, que não é realizada. V.g. “Deixar o médico de notificar doença...”. Ou seja, o tipo penal MANDA ao médico notificar a doença, sob pena de cominar à sua omissão uma sanção penal. c) Crime comissivo por omissão, omissivo impróprio ou impuro: são os crimes em que o agente produz o resultado pela própria omissão, após ter assumido o dever de evitá-lo ou outras das causas previstas no CP. É previsto no § 2º do artigo 13 do Código Penal, segundo o qual “a omissão é penalmente relevante quando o agente devia e podia agir para evitar o resultado. Poderão ser tanto dolosos quanto culposos, admitem tentativa etc. São pressupostos do crime omissivo impróprio: i. Poder agir: o agente precisa ter a possibilidade física de agir. ii. Evitabilidade do resultado: a conduta omitida pelo agente deve ser causa do resultado. Caso, mesmo com a conduta, o resultado tivesse se verificado, não haveria que se falar em evitabilidade. iii. Dever de agir e impedir o resultado: aqui surge a figura do garantidor: além de poder agir e da evitabilidade do resultado, é necessário que o agente tenha o dever de agir que surgirá nos seguintes casos: 7 E3C ON-LINE a. Ter, por Lei, obrigação de cuidado, proteção ou vigilância, como no caso do dever do policial, do dever de mútua assistência entre os cônjuges. b. Quando o agente, de outra forma, assumir a responsabilidade de impedir o resultado de forma voluntária. c. Quando o agente cria, com seu comportamento anterior, o risco da ocorrência do resultado, ou agrava um risco já existente, e não o evita. 1.2.3. Crime Instantâneo, Permanente, Instantâneo de Efeitos Permanentes, Eventualmente Permanente e de Fusão a) Crime instantâneo: é o crime que se consuma num momento único e determinado do tempo, sem se protrair. V.g, invasão de domicílio, injúria etc. b) Crime permanente: são os crimes que se perpetuam, protraem durante o tempo, mesmo que seja curto, como no caso do sequestro, estelionato previdenciário praticado pelo próprio segurado etc. Admitem flagrante enquanto não interrompida a consumação. c) Crime instantâneo de efeitos permanentes: é aquele crime que se consuma num momento determinado, mas seus efeitos perduram no tempo (v.g., homicídio). d) Crime eventualmente permanente: é o delito instantâneo que, em caráter excepcional, pode realizar- se de modo a lesionar o bem jurídico de maneira permanente. V.g.: lesão corporal de natureza grave com resultado de deformidade permanente (art. 129, § 2º, IV, CP). e) Crime de fusão: é o crime que pressupõe a prática de outro, como nos casos dos crimes de lavagem de dinheiro e de receptação. Assim, trata-se de delitos em que a ação criminosa neles prevista é iniciada após a ocorrência necessária de crime antecedente. 1.2.4. Crime de Dano e de Perigo a) Crime de dano: crime em que é necessário haver uma efetiva lesão ao bem jurídico (lesão perceptível no mundo fático) para se caracterizar, como no caso do furto. 8 E3C ON-LINE b) Crime de perigo: crime em que a simples ameaça ao bem jurídico já é abominada, justificando, assim, sua penalização. V.g, dirigir embriagado. O perigo da conduta é presumido por Lei. Subdivide-se em crime de perigo concreto, crime de perigo abstrato e crime de perigo concreto- abstrato. i. Crimes de perigo abstrato: Nos crimes de perigo abstrato, como o perigo não é elemento do tipo, não se precisa provar. Só se tem de provar o que é elementar do crime e o perigo não é elementar do crime porque ele não é requerido no tipo pelo legislador. Consequência: basta praticar a ação e se presume que ela é sempre perigosa. Haveria então uma presunção iure et de iure de perigo pela simples realização da conduta tipificada na norma. É o caso de dirigir embriagado em via pública. ii. Crimes de perigo concreto: e os crimes de perigo concreto? Neles o legislador faz referência no tipo ao perigo. Normalmente a forma de redigir um tipo de perigo concreto é assim: “expor a perigo iminente”. O perigo então é elementar do tipo e, por isso, tem que ser provado. Nesses crimes será possível que a conduta se realize e o perigo não seja causado. iii. Crimes de perigo abstrato-concreto, crimes de inidoneidade crimes de perigo idôneo crimes de perigo hipotético: são aqueles em que a conduta analisada ex ante pelo legislador é considerada perigosa ao bem jurídico segundo um juízo de probabilidade do dano. Não exige demonstração de risco ao bem. Também não coloca como elementar no tipo incriminador. Não coloca no tipo incriminador a exigência de perigo. Não se diferencia muito cabalmente dos crimes de perigo abstrato. Nos dois há ponto comum: periculosidade geral. Diferença: nos CPAC essa periculosidade geral é estabelecida pela probabilidade de dano. Nos outros, o legislador não faz esse juízo de probabilidade. Na verdade, são crimes de perigo abstrato, somente têm um pouquinho mais de probabilidade, são irmãos gêmeos: CPA e CPAC. Crime de perigo abstrato Crime de perigo concreto Perigo não é elementar do tipo – NÃO DEVE ser provado Perigo é elementar do tipo – DEVE ser provado 9 E3C ON-LINE O STJ conta com alguns precedentes tratando do tema: Cinge-se a controvérsia a definir a natureza jurídica do crime positivado no art. 56, caput, da Lei n. 9.605/1998, cujo preceito legal dispõe que está sujeito a pena de um a quatro anos de reclusão, e multa, aquele que "produzir, processar, embalar, importar, exportar, comercializar, fornecer, transportar, armazenar, guardar, ter em depósito ou usar produto ou substância tóxica, perigosa ou nociva à saúde humana ou ao meio ambiente, em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou nos seus regulamentos". Inicialmente, é de se ponderar que a conduta ilícita prevista no dispositivo supracitado é norma penal em branco, cuja complementação depende da edição de outras normas, que definam o que venha a ser o elemento normativo do tipo "produto ou substância tóxica, perigosa ou nociva à saúde pública ou ao meio ambiente". No caso específico de transporte de tais produtos ou substâncias, o Regulamento para o Transporte Rodoviário de Produtos Perigosos (Decreto n. 96.044/1988) e a Resolução n. 420/2004 da Agência Nacional de Transportes Terrestres – ANTT, constituem a referida norma integradora, por inequivocamente indicar os produtos e substâncias cujo transporte rodoviário é considerado perigoso. Outrossim, cumpre salientar que, por razões de política criminal, o legislador prevê, no Código Penal e em leis extravagantes, condutas tais cujo aperfeiçoamento se dá com a mera ocorrência do comportamento típico, independentemente da efetiva produção de risco ou dano dele decorrente. No que se refere ao art. 56, caput, da Lei n. 9.605/1998, o legislador foi claro em não exigir a geração concreta de risco na conduta ali positivada. Poderia fazê-lo, mas preferiu contentar-secom a deliberada criação de um risco para o meio ambiente ou mesmo a um número indeterminado de pessoas por quem transporta produto ou substância tóxica, perigosa ou nociva à saúde humana ou ao meio ambiente, em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou nos seus regulamentos. Em outras palavras, o conceito de nocividade no crime ambiental examinado se esgota na própria capitulação normativa do produto ou substância como tóxica, perigosa ou nociva ao ecossistema. Logo, o crime materializado no art. 56, caput, da Lei n. 9.605/1998, possui a natureza de crime de perigo abstrato, ou, de crime de perigo abstrato-concreto, em que, embora não baste a mera realização de uma conduta, não se exige, a seu turno, a criação de ameaça concreta a algum bem jurídico e muito menos lesão a ele. Basta a produção de um ambiente de perigo em potencial, em abstrato – in casu, com o transporte dos produtos ou substâncias em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou nos seus regulamentos, de modo que a atividade descrita no tipo penal crie condições para afetar os interesses juridicamente relevantes, não condicionados, porém, à efetiva ameaça de um determinado bem jurídico. Deste modo, desnecessária se faz a constatação, via laudo pericial, da impropriedade, perigo ou nocividade do produto transportado, bastando, para tanto, que o "produto ou substância tóxica, perigosa ou nociva para a saúde humana ou o meio ambiente", esteja elencado na Resolução n. 420/04 da ANTT. (REsp 1439150/RS, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 05/10/2017, DJe 16/10/2017) 10 E3C ON-LINE DIREITO PENAL. CARACTERIZAÇÃO DO CRIME DE ENTREGA DE DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR A PESSOA NÃO HABILITADA. RECURSO REPETITIVO (ART. 543-C DO CPC E RES. 8/2008-STJ). TEMA 901. É de perigo abstrato o crime previsto no art. 310 do Código de Trânsito Brasileiro. Assim, não é exigível, para o aperfeiçoamento do crime, a ocorrência de lesão ou de perigo de dano concreto na conduta de quem permite, confia ou entrega a direção de veículo automotor a pessoa não habilitada, com habilitação cassada ou com o direito de dirigir suspenso, ou ainda a quem, por seu estado de saúde, física ou mental, ou por embriaguez, não esteja em condições de conduzi-lo com segurança. Ao contrário do que estabelece o crime imediatamente anterior (art. 309), ou mesmo o posterior (art. 311), nos quais o tipo exige que a ação se dê "gerando perigo de dano", não há tal indicação na figura delitiva prevista no art. 310. Pode parecer uma incoerência que se exija a produção de perigo de dano para punir quem dirige veículo automotor, em via pública, sem a devida Permissão para Dirigir ou Habilitação (art. 309) e se dispense o risco concreto de dano para quem contribui para tal conduta, entregando o automóvel a quem sabe não habilitado ou, o que é pior, a quem notoriamente não se encontra em condições físicas ou psíquicas, pelas circunstâncias indicadas no tipo penal, de conduzir veículo automotor. Duas considerações, porém, enfraquecem essa aparente contradição. Em primeiro lugar, o legislador foi claro, com a redação dada aos arts. 309 e 311, em não exigir a geração concreta de risco na conduta positivada no art. 310. Poderia fazê-lo, mas preferiu contentar-se com a deliberada criação de um risco para um número indeterminado de pessoas por quem permite a outrem, nas situações indicadas, a condução de veículo automotor em via pública. Em segundo lugar, não há total identidade das situações previstas nos arts. 309 e 310. Naquela, cinge-se o tipo a punir quem dirige sem habilitação; nesta, pune-se quem permite, confia ou entrega a direção de veículo automotor tanto a pessoa não habilitada, com habilitação cassada ou com o direito de dirigir suspenso quanto a quem, por seu estado de saúde, física ou mental, ou por embriaguez, não esteja em condições de conduzi-lo com segurança. Trata-se, na verdade, de uma visão que deve repousar mais corretamente no incremento do risco ocasionado com a entrega da direção de veículo para pessoa não habilitada ou em quaisquer das outras hipóteses legais. Conforme entendimento doutrinário, em todas essas situações, a definição do risco permitido delimita, concretamente, o dever de cuidado para realizar a ação perigosa de dirigir veículo automotor em vias urbanas e rurais, explicando o atributo objetivo contido no dever de cuidado objetivo. A violação da norma constitui a criação de um risco não permitido, culminando, com o desvalor da ação, na lesão ao dever de cuidado objetivo. Por todo exposto, afigura-se razoável atribuir ao crime materializado no art. 310 a natureza de crime de perigo abstrato, ou, sob a ótica ex ante, de crime de perigo abstrato-concreto, em que, embora não baste a mera realização de uma conduta, não se exige, a seu turno, a criação de ameaça concreta a algum bem jurídico e muito menos lesão a ele. Basta a produção de um ambiente de perigo em potencial, em abstrato, de modo que a atividade descrita no tipo penal crie condições para afetar os interesses juridicamente relevantes, não condicionados, porém, à efetiva ameaça de um determinado bem jurídico. Embora seja legítimo aspirar a um Direito Penal de mínima intervenção, não pode a dogmática penal descurar de seu objetivo de proteger bens jurídicos de reconhecido relevo, assim entendidos, na dicção de Claus Roxin, como "interesses humanos 11 E3C ON-LINE necessitados de proteção penal", qual a segurança do tráfego viário. Não se pode, assim, esperar a concretização de danos ou exigir a demonstração de riscos concretos a terceiros para a punição de condutas que, a priori, representam potencial produção de danos a pessoas indeterminadas, que trafeguem ou caminhem no espaço público. O subsistema social do tráfego viário exige o respeito a regras de observância generalizada, sem o qual se enfraquece o princípio da confiança (aqui entendido, conforme o pensamento de Roxin, como princípio de orientação capaz de indicar os limites do cuidado objetivo esperado ou do risco permitido), indispensável para o bom funcionamento do trânsito e a segurança de todos. Não se exclui, por óbvio, a possibilidade de ocorrerem situações nas quais a total ausência de risco potencial à segurança viária afaste a incidência do direito penal, como se poderia concluir do exemplo de quem, desejando carregar uma caminhonete com areia, pede ao seu ajudante, não habilitado, que realize uma manobra de poucos metros, em área rural desabitada e sem movimento, para melhor posicionar a carroceria do automóvel. Faltaria tipicidade material a tal comportamento, absolutamente inidôneo para pôr em risco a segurança de terceiros. Portanto, na linha de entendimento de autorizada doutrina, o art. 310, mais do que tipificar uma conduta idônea a lesionar, estabelece um dever de garante ao possuidor do veículo automotor. Neste caso, estabelece-se um dever de não permitir, confiar ou entregar a direção de um automóvel a determinadas pessoas, indicadas no tipo penal, com ou sem habilitação, com problemas psíquicos ou físicos, ou embriagadas, ante o perigo geral que encerra a condução de um veículo nessas condições. Precedentes citados: RHC 48.817-MG, Quinta Turma, DJe 28/11/2014; e AgRg no RHC 41.922-MG, Quinta Turma, DJe 15/4/2014. (REsp 1485830/MG, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Rel. p/ Acórdão Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 11/03/2015, DJe 29/05/2015) 1.2.4.1. Crimes de Perigo Abstrato: Aprofundamentos1 Aqui será desenvolvido tema específico. Apesar da existência de ampla controvérsia doutrinária, os crimes de perigo abstrato podem ser identificados como aqueles em que não se exige nem a efetiva lesão ao bem jurídico protegido pela norma nem a configuração do perigo em concreto a esse bem jurídico. Nessa espécie de delito, o legislador penalnão toma como pressuposto da criminalização a lesão ou o perigo de lesão concreta a determinado bem jurídico. Baseado em dados empíricos, o legislador seleciona grupos ou classes de ações que geralmente levam consigo o indesejado perigo ao bem jurídico. Assim, os tipos de perigo abstrato descrevem ações que, segundo a experiência, produzem efetiva lesão ou perigo de lesão a um bem jurídico digno de proteção penal, ainda que concretamente essa lesão ou esse perigo de lesão não venham a ocorrer. O legislador, dessa forma, formula uma presunção absoluta a respeito da periculosidade de determinada conduta em relação ao bem jurídico que pretende proteger. O perigo, nesse sentido, não é concreto, mas apenas abstrato. Não é necessário, portanto, que, no caso concreto, a lesão ou o perigo de lesão venham a se efetivar. O delito estará consumado com a mera conduta descrita no tipo. Com isso, NÃO É DIFÍCIL ENTENDER AS CARACTERÍSTICAS E OS CONTORNOS DA DELICADA RELAÇÃO MANTIDA 1 Extraído do voto do Min. Gilmar Mendes prolatado no HC 104.410/RS. 12 E3C ON-LINE ENTRE OS DELITOS DE PERIGO ABSTRATO E OS PRINCÍPIOS DA EXCLUSIVA PROTEÇÃO DE BENS JURÍDICOS, DA LESIVIDADE OU OFENSIVIDADE, OU MESMO DA CULPABILIDADE E DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA, OS QUAIS, NÃO HÁ DÚVIDA, ESTÃO INTRINSECAMENTE RELACIONADOS COM O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. A atividade legislativa de produção de tipos de perigo abstrato, por isso, deve ser objeto de rígida fiscalização a respeito da sua constitucionalidade; especificamente, sobre sua adequação ao princípio da proporcionalidade. A criação de crimes de perigo abstrato não representa, por si só, comportamento inconstitucional por parte do legislador penal. A tipificação de condutas que geram perigo em abstrato, muitas vezes, acaba sendo a melhor alternativa, ou a medida mais eficaz, para proteção de bens jurídico- penais supraindividuais ou de caráter coletivo, como o meio ambiente, por exemplo. A antecipação da proteção penal em relação à efetiva lesão torna mais eficaz, em muitos casos, a proteção do bem jurídico. Portanto, pode o legislador, dentro de suas amplas margens de avaliação e de decisão, definir quais as medidas mais adequadas e necessárias para a efetiva proteção de determinado bem jurídico, o que lhe permite escolher espécies de tipificação próprias de um direito penal preventivo. Apenas a atividade legislativa que, nessa hipótese, transborde os limites da proporcionalidade, poderá ser tachada de inconstitucional. Cabe ao Supremo Tribunal Federal exercer o controle de constitucionalidade dessa atividade legislativa em matéria penal, de acordo com os parâmetros a seguir delineados. Em primeiro lugar, no âmbito de análise segundo a máxima da adequação, é possível constatar que não serão idôneos para a proteção de determinado bem jurídico os atos legislativos criadores de tipos de perigo abstrato que incriminem meras infrações administrativas, as quais não têm aptidão para produzir, sequer potencialmente, qualquer perigo em concreto para o bem jurídico em questão. Isso quer dizer que os crimes de perigo abstrato devem restringir-se aos comportamentos que, segundo os diagnósticos e prognósticos realizados pelo legislador com base em dados e análises científicas disponíveis no momento legislativo – e daí a importância da verificação de fatos e prognoses legislativos em sede de controle judicial de constitucionalidade – geralmente configuram perigo para o bem jurídico protegido, estando descartados aqueles que apenas de forma excepcional podem ensejar tal perigo. Conforme as lições de Aguado Correa: “Como conclusión, podemos afirmar que serán idóneos los delitos de peligro abstracto para la protección de bienes jurídicos cuando, según la forma y la intensidad de los ataques, sea necesaria su protección frente a peligros abstractos; cuando se trate de prohibir comportamientos que no afectan de modo alguno al bien jurídico correspondiente serán inidóneos. Por otra parte, únicamente será idónea la prohibición penal de acciones peligrosas en abstracto cuando las distintas formas de actuación que se prohiben normalmente supongan un peligro para el bien jurídico protegido y no cuando tan solamente em casos excepcionales puede suponer un peligro para el mismo”. Nesse sentido, segundo a máxima da necessidade, QUANDO HOUVER MEDIDAS MAIS EFICAZES PARA A PROTEÇÃO DO BEM JURÍDICO-PENAL, PORÉM MENOS GRAVOSAS PARA OS DIREITOS INDIVIDUAIS EM JOGO, OS CRIMES DE PERIGO ABSTRATO SERÃO CONTRÁRIOS AOS PRINCÍPIOS DA SUBSIDIARIEDADE E DA OFENSIVIDADE E, DESSA FORMA, AO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. Meros ilícitos que são objeto de responsabilização jurídica eficaz por meio do Direito Civil ou do Direito Administrativo tornam desnecessária a intervenção do Direito Penal, que deve operar apenas como ultima ratio. Assim, como explica Aguado Correa: 13 E3C ON-LINE “Para que los delitos de peligro abstracto resulten compatibles con el principio de ofensividad es necesario: por una parte, que a través de los mismos se intente proteger bienes jurídicos merecedores de pena, es decir, constitucionalmente legítimos y dotados de una especial relevancia social, puesto que implican una ampliación muy importante de la tutela penal; por otra parte, que a través de los delitos de peligro abstracto se tipifiquen aquellas conductas que aparezcan como generalmente peligrosas para el bien jurídico que se trata de proteger, y no aquellas conductas que sólo en algunos casos aparecen como peligrosas; en último lugar, que en el caso concreto el comportamiento sea efectivamente peligroso para el bien jurídico protegido”. No âmbito da proporcionalidade em sentido estrito, deverá ser verificado se a restrição a direitos fundamentais como resultado da incriminação de comportamentos perigosos em abstrato pode manter uma relação de proporcionalidade com a proteção do bem jurídico em questão alcançada pela medida normativa de caráter penal. Em outros termos, quanto maior for a intervenção penal em direitos fundamentais dos afetados, maior deverá ser a efetiva proteção do bem jurídico por ela almejada. Nas palavras de Aguado Correa: “el tercer nivel del principio de proporcionalidad em sentido amplio pretende ser un control de signo opuesto de aquellas medidas que han sido consideradas idóneas y necesarias, en el sentido de si los medios utilizados, que son los que causan esa restricción de derechos fundamentales en los afectados, se encuentran en una relación de proporción con la protección del bien jurídico que a través de los mismos se pretende alcanzar. Este examen puede llevar a la conclusión de que un medio en principio idóneo y necesario para la protección del bien jurídico, no debe ser utilizado porque el menoscabo de derechos fundamentales del afectado que conlleva supera el aumento de protección del bien jurídico, de manera que la utilización de dicho medio de protección puede ser reputado desproporcionado. Ello implica que bajo determinadas circunstancias se deja de proteger legítimamente el bien jurídico porque, de lo contrario, se produciría um menoscabo desproporcionado de los derechos fundamentales”. 1.2.5. Crime Material, Formal e de Mera Conduta ou de Atividade a) Crime material: é o crime cujo tipo penal descreve uma conduta e um resultado, o qual necessariamente deve ser verificado, sob pena de se constituir em mera tentativa. V.g, homicídio. A conduta é matar; o resultado é a morte. Caso a vítima não morra, não existe homicídio. b) Crime formal ou de consumação antecipada: é o crime em que, mesmo sendo possível um resultado naturalístico que lese o bem jurídico, o tipo penal adianta a punição aos atos de consumação. V.g.: extorsão: a simples prática da constrição já faz o delito se consumar, independentemente da pessoa auferir ou não a vantagem indevida. c) Crime de mera conduta ou de atividade: nesses crimes,não só não há resultado naturalístico como é impossível que este aconteça. O tipo penal descreve a conduta proibida, quase sempre de perigo abstrato. Exemplo clássico é o porte de arma sem autorização. O simples portar arma em nada 14 E3C ON-LINE modifica o mundo real. Por isso que, geralmente, os crimes de mera conduta serão absorvidos por crimes de resultado, como o homicídio mediante uso de arma, pois o crime de mera conduta será um antefato necessário. 1.2.6. Crime Unissubjetivo e Plurissubjetivo a) Crime unissubjetivo: é o crime que pode ser praticado por qualquer pessoa, sozinha, sem auxílio. Em regra, todo crime é unissubjetivo. b) Crime plurissubjetivo: é o crime para cuja realização necessita-se de pelo menos duas pessoas, como a bigamia e a formação de quadrilha. Pode ser de condutas convergentes, contrapostas ou paralelas. 1.2.7. Crime Unissubsistente, Plurissubsistente e Pluriofensivo a) Crime unissubsistente: é o crime cuja consumação ocorre mediante um único ato, não sendo admitido seu fracionamento, sendo impossível a tentativa. A conduta se esgota com a concretização do delito. V.g., injúria, calúnia e difamação na forma verbal. Neles não há um iter criminis perfeito, a pessoa não tem a possibilidade de arrependimento eficaz. b) Crime plurissubsistente: é o crime para cuja consumação podem ser realizados mais de um ato, como no homicídio. Entretanto, esse crime poderá ser realizado com apenas um ato. A diferença para o unissubsistente é que aquele somente poderá, necessariamente, ser realizado apenas com um ato. Logo, em regra os crimes são plurissubsistentes. Exatamente por isso, a conduta pode ser fracionada, permitindo a tentativa. c) Crime pluriofensivo: é o que lesa ou expõe a perigo de dano mais de um bem jurídico. 1.2.8. Crime Comum, Próprio, Próprio Impuro, Bipróprio, de Mão Própria e de Acumulação a) Crime comum: é o crime que pode ser praticado por qualquer pessoa, independentemente de alguma qualidade especial que ela tenha. b) Crime próprio: é o crime que somente pode ser praticado por uma pessoa que detenha determinada característica, como no caso do peculato, em que o agente deve, necessariamente, ser servidor público. Também se analisa a propriedade do crime com base numa característica especial do sujeito 15 E3C ON-LINE passivo. Essa classificação também é chamada de crimes especiais próprios. Se for exigida característica especial tanto do agente quanto da vítima, fala-se em crime duplamente próprio. c) Crime próprio impuro: o crime próprio impuro é aquele que, se desaparecer a qualidade particular do agente (que é exigida para configuração do crime próprio), desaparece também o crime especial. Entretanto, ocorrerá a desclassificação da conduta para outro delito, que terá natureza diversa. Assim, a falta de uma elementar torna o crime próprio puro absolutamente atípico, enquanto o crime próprio impuro, relativamente atípico. Essa classificação também é chamada de crimes especiais impróprios2. d) Crime bipróprio: aquele que exige uma especial qualidade, tanto do sujeito ativo como do sujeito passivo do delito. e) Crime de mão própria: é o crime em que o agente deve praticar a execução diretamente, não se admitindo a prática por interposta pessoa. Por exemplo, falso testemunho. d) Crimes de acumulação: fruto de uma controversa tendência de política criminal voltada à prevenção de ilícitos. Neles, o legislador incrimina uma conduta que, individualmente considerada, não encerra um risco jurídico ao bem tutelado, mas se vier a ser praticada por um conjunto grande de indivíduos, efetivamente lesará tal bem. O que importa não é o desvalor da conduta individual em si, mas apenas a probabilidade de que, em virtude da acumulação dessas condutas, haja ofensa ao bem penalmente tutelado. Representa de modo minudenciado os critérios que compõem aquelas ações que quando praticadas por um grande número de pessoas, de forma cumulada, presumivelmente terão um resultado danoso para o bem jurídico coletivo. Clássico exemplo ocorreria no crime ambiental: por exemplo, matar um espécime de peixe considerado exótico não deveria ser penalmente relevante. 2 Considera-se como crime especial impróprio, aquele que tem uma correspondência com um delito comum, quer dizer, existe um delito comum que castiga a mesma conduta prevista no delito especial, mas sem exigir a qualidade pessoal requerida por este. O crime de peculato previsto no art. 312, § 1º, do CP é um exemplo de crime especial impróprio, uma vez que se o agente não for funcionário público, o crime se amolda ao previsto no art. 155 do CP, o furto. 16 E3C ON-LINE Porém, caso tal conduta não fosse penalizada, todos os indivíduos estariam autorizados a praticar a conduta, o que poderia levar, no somatório das condutas individuais, à extinção da espécie. 1.2.9. Crime Impossível e Putativo a) Crime impossível, quase-crime, tentativa inidônea ou tentativa inadequada: ocorre quando o agente se utiliza de meio ABSOLUTAMENTE INEFICAZ ou objeto ABSOLUTAMENTE IMPRÓPRIO para consumar o crime. É o caso da tentativa de homicídio dando-se um copo de água à vítima na expectativa de que ela venha a morrer (meio absolutamente ineficaz) ou quando se tenta furtar a honra da vítima (objeto absolutamente impróprio, honra não pode ser furtada). A relativa ineficácia do meio e a relativa impropriedade do objeto não afastam a configuração do crime, geralmente dando azo à forma tentada. O crime impossível deve ser analisado após a realização do fato, visto que algo aparentemente inofensivo pode ter o efeito de efetivamente gerar o crime, v.g., quando se dá açúcar a pessoa com diabetes. Sobre o crime impossível há três teorias: i. Teoria objetiva pura: não distingue entre absoluta ou relativa impropriedade do objeto ou ineficácia do meio. Segundo a teoria objetiva pura, não interessa saber, por exemplo, se a arma não funcionou porque nunca funcionaria, ou a arma não funcionou naquele caso porque, por azar do autor, ela emperrou. Tanto um, quanto em outro caso, se estaria diante de um crime impossível. ii. Teoria objetiva temperada: prima pela distinção entre absoluta ou relativa impropriedade do objeto ou ineficácia do meio. Essa teoria sustenta que só há perigo ao bem jurídico apto a fundamentar a punibilidade do crime tentado quando o objeto ou o meio forem, em tese, aptos à produção do resultado, ainda que circunstancialmente não se consiga produzi-lo. Ou seja, em tese, no caso da teoria objetiva temperada, só seria de se reconhecer o crime impossível, por exemplo, após a arma utilizada para um roubo ser periciada. Se chegar à conclusão de que a arma que foi acionada não disparou e nunca dispararia por ser defeituosa, seria caso de crime impossível. Porém, se essa arma, uma vez apreendida e submetida à perícia, for revelada como apta a produzir disparos, tendo o insucesso do roubo decorrido 17 E3C ON-LINE unicamente de seu emperramento episódico, o meio será relativamente ineficaz, merecendo o agente, pois, punição pela tentativa. ESSA FOI CLARAMENTE A OPÇÃO ADOTADA PELO LEGISLADOR BRASILEIRO. iii. Teoria sintomática ou subjetiva: defende que o agente deve ser punido, mesmo em caso de crime impossível, porque demonstrou periculosidade, disposição para agredir um bem jurídico. Nesse caso, ele seria punido pela intenção, e não por algum fato. Não é adotada no Brasil. b) Crime putativo (delito de alucinação): no crime putativo, o agente pratica uma conduta acreditando estar praticando um ilícito penal, quando, de fato, sua ação não está tipificada. V.g., quando o agente adultera com o fito de cometer crime (o adultério não é mais considerado ilícito penal em nosso ordenamento, logo, não há crime). O crime putativo pode ocorrer nas seguintes hipóteses: i. Crime putativo por erro de proibição: o agente acredita ofender uma lei penal que nãoexiste realmente. A existência da lei incriminadora só existe na mente do agente, recaindo o erro, portanto, sobre a ilicitude do fato. ii. Crime putativo por erro de tipo: o crime imaginário se verifica quando o autor acredita ofender uma lei penal incriminadora, mas os fatos revelam faltar uma elementar do tipo. Ou seja, a lei penal existe, entretanto o fato não foi típico. Aqui, há um erro sobre uma circunstância fática, e não sobre uma questão jurídica. Por exemplo, o agente quer cometer um crime tributário declarando erroneamente dados na declaração; porém, ao invés de preenche-la, ele preenche um formulário qualquer, sem relevância jurídico-penal. iii. Crime putativo por obra do agente provocador: denominado crime de ensaio, crime de experiência ou flagrante provocado, ocorre quando uma pessoa induz o agente a cometer uma conduta criminosa e, simultaneamente, adota medidas para impedir a consumação. Aqui, incide a súmula 145 do STF: “Não há crime, quando a preparação do flagrante pela polícia torna impossível a sua consumação”. 18 E3C ON-LINE 1.2.10. Crime Vago, Remetido, Exaurido, Habitual e Habitualidade Criminosa a) Crime vago, multivitimários ou de vítimas difusas: crime praticado contra uma coletividade sem personalidade jurídica. Por exemplo, o crime de racismo. b) Crime remetido: ocorre quando a sua definição se remete a outros crimes, que passam a integrá-lo (v.g., art. 304 - fazer uso de qualquer dos papéis falsificados ou alterados a que se referem os arts. 297 a 302). c) Crime exaurido3: é aquele já consumado nos termos da lei, embora possa ter desdobramentos posteriores que não influenciam no fato típico. Nele, o agente, mesmo após ter consumado o delito, o leva a consequências mais lesivas. Ocorre o exaurimento, v.g., na extorsão, quando o agente obtém a vantagem indevida, o que é um indiferente penal (exceto para a reparação do dano). d) Crime habitual: é aquele crime que exige uma sequência de atos para se consumar, tem uma duração contínua, geralmente indefinida e casuística, no tempo. Crimes habituais não se confundem com crimes continuados. Caso a habitualidade cesse antes de findo o resultado, os fatos praticados não serão considerados crimes, podendo, no máximo, haver punição por tentativa. Ao contrário do que se defendo por aí, esses crimes admitem sim o flagrante, quando a prisão é feita após já se ter verificado o implemento da habitualidade e a configuração criminosa. É exemplo o rufianismo. i. Habitual próprio: habitual próprio é aquele crime cuja tipicidade depende da reiteração de condutas. No habitual próprio um único ato não é suficiente a dar tipicidade à conduta, pois a tipicidade decorrerá do somatório dos atos típicos praticados. ii. Habitual impróprio ou acidentalmente habitual: é aquele crime que, não obstante a regra seja sua perpetuação no tempo para se configurar, permite que um único ato seja suficiente para a consumação, em casos extremos, como ocorre no crime de gestão fraudulenta, em que um único ato pode dar causa à quebra de uma instituição financeira, atingindo diretamente o 3 Exaurimento é a produção do resultado lesivo a bem jurídico após o delito já estar consumado, ou seja, é o esgotamento da atividade criminosa, implicando outros prejuízos além dos já atingidos pela consumação. Em regra, o exaurimento tem como consequência a exasperação da pena. 19 E3C ON-LINE SFN (HC 89.365/PR). Não constituirá pluralidade de crimes a repetição de atos. Há de ser analisado perante o caso concreto. e) Habitualidade criminosa: a habitualidade criminosa ocorre quando o agente faz do delito seu meio de vida, sem que ele queira necessariamente e tenha em mente que um crime seja tido por continuação do outro, caso contrário haveria continuidade delitiva. Inclusive, o STJ reiteradamente tem decidido que a habitualidade criminosa impede o reconhecimento do benefício da continuidade delitiva, já que totalmente incompatível com o comportamento social do réu, que merece maior reprimenda. Nesse sentido: PENAL. HABEAS CORPUS. ROUBOS CIRCUNSTANCIADOS. CONCURSO MATERIAL. PLEITO DE RECONHECIMENTO DE CONTINUIDADE DELITIVA. ENTENDIMENTO DAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS NO SENTIDO DE QUE AS AÇÕES SÃO DISTINTAS. REEXAME DE PROVAS. INVIABILIDADE NA VIA ELEITA. PACIENTE CONTUMAZ NA PRÁTICA DE CRIMES. HABITUALIDADE CRIMINOSA COMPROVADA. 1. Infirmar os fundamentos das instâncias ordinárias, que afastaram a hipótese de continuidade delitiva por se tratar de ações distintas, pressupõe a necessidade de dilação probatória, incabível na via eleita do habeas corpus. 2. Ainda que superado esse óbice, esta Corte tem reiteradamente decidido que a habitualidade delitiva comprovada por meio da extensa folha de antecedentes criminais impede o reconhecimento da continuidade delitiva. 3. Ordem denegada. (STJ, HC 131.121/PR, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 22/08/2011, DJe 05/09/2011) 1.2.11. Crime de Espaço Mínimo, Crime de Espaço Máximo ou Plurilocal e Crime à Distância a) Crime de espaço mínimo: aquele que é cometido e consumado em um mesmo lugar. b) Crime de espaço máximo ou plurilocal: aqueles cometidos em território de duas ou mais comarcas ou seções judiciárias de um mesmo país. A comarca responsável pelo julgamento será, em regra, aquela onde ocorreu o resultado (teoria prevalente no processo penal), salvo se o crime for de menor potencial ofensivo ou tentado, caso em que a competência é fixada pelo local da conduta. c) Crime à distância: relacionado ao direito internacional, é aquele em que se pratica a conduta num país e ocorre o resultado num outro. 20 E3C ON-LINE 1.2.12. Crimes de Tendência (Intenção Especial) e Crimes de Intenção Crimes de tendência ou de intenção especial: neles, o tipo penal requer o ânimo de realizar a própria conduta legalmente prevista, sem necessidade de transcender tal conduta, como ocorre nos delitos de intenção. É aquele que condiciona a sua existência à intenção do sujeito, devendo necessariamente ser analisado um aspecto subjetivo. Em outras palavras, não se exige que o autor do crime deseje um resultado ulterior ao previsto no tipo penal, mas, apenas, que confira à ação típica um sentido subjetivo não previsto expressamente no tipo, mas dedutível da natureza do delito. Exemplo dado por LFG: pessoa chama um policial de “caro”. Se o sentido que ela quis dar à palavra é de que o policial é corrupto, configura-se em tese a injúria. Se o sentido desejado era o de chamá-lo de pessoa querida, não há crime. Crimes de intenção: são delitos de tendência interna transcendente, no sentido de que o autor busca um resultado compreendido no tipo, mas que não precisa necessariamente alcançar (crime formal). É o que exige do autor uma finalidade (intencionalidade) no sentido de causar um resultado transcendente (ulterior) que está previsto, mas que não é exigido pelo tipo objetivo para a consumação do delito. São espécies de delitos de intenção os delitos de resultado cortado e os delitos mutilados de dois atos (também denominados delitos de transcendência interna). Têm, em geral, a estrutura típica de atos de preparação ou tentados punidos como delitos consumados. Neles, é punida a mera periculosidade da conduta, sendo desnecessária a ocorrência do resultado efetivo, já que se consumam em momento anterior à lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico protegido (PRADO, Luiz Régis. Curso de direito penal brasileiro, vol.1: parte geral, arts. 1º a 120/ Luiz Régis Prado. - 7 ed. ver. atual. ampl. - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001. p.374). De acordo com LFG, Os delitos de intenção especial não se confundem com os delitos de intenção transcendental. O furto, por exemplo, é um delito de intenção especial (exige o animus furandi: intenção de ter a coisa para si ou para outrem), mas não de intenção transcendental. Não há no furto,uma finalidade especial de causar um ulterior resultado, situado além do tipo objetivo. No furto a intenção (o animus) do agente ilumina o dolo e está dirigida a um resultado que faz parte da consumação do crime. No furto, em suma, exige-se dolo com animus furandi. Na extorsão a intenção transcendental do agente vai além do dolo (porque visa a causar um resultado ulterior, não exigido para a consumação do crime). A clássica doutrina penal (naturalista ou ontologicista/finalista) diria que o furto é crime material enquanto a extorsão é crime formal. Os delitos de resultado cortado são aqueles onde o agente deseja que um resultado externo ao tipo se produza, porém, sem sua intervenção direta. Um exemplo é a extorsão mediante sequestro, tipificada no artigo 159 do CP, em que o agente sequestra a vítima para outrem pague pelo resgate. Nesses tipos penais, o legislador corta a ação em determinado momento do processo executório, consumando-se o crime independentemente do agente haver atingido o resultado pretendido. Os delitos mutilados de dois atos (ou vários atos) são aqueles nos quais o autor quer alcançar, após ter realizado o tipo, o resultado que fica fora dele e que depende de um ato próprio, seu. Mais claramente, o autor realiza esse delito já pensando em praticar outro. Pode ser ilustrado com o exemplo do crime de associação para o crime (288 do CP), em que se forma a pluralidade para praticar crimes. 1.2.13. Crime Acessório ou Parasitário É o crime que pressupõe, para a consumação, a prática de outro, como a receptação, o favorecimento real e a lavagem de dinheiro. http://www.wiki-iuspedia.com.br/article.php?story=20080508143147188 http://www.wiki-iuspedia.com.br/article.php?story=20080508143147188 21 E3C ON-LINE 1.2.14. Crime Transeunte e Não Transeunte Transeunte vem da palavra transitar; passa a ideia de algo que permanece ou não. É classificação adotada para os crimes que deixam ou não vestígios. Se deixarem vestígios, é não transeunte; não deixando, é transeunte. Como exemplo de crimes não transeuntes tem-se a apropriação indébita previdenciária, cujo vestígio é exatamente a diminuição da arrecadação de contribuição previdenciária do empregado. Crime transeunte clássico é a invasão de domicílio. 1.2.15. Crime de Consumação Atípica Impunível Diz-se consumação atípica impunível quando o fato consumado é indiferente penal e a forma tentada é punida pelo ordenamento jurídico. Embora possa parecer ilógico, à primeira vista, prever a punição abstrata de fato menos grave (tentativa) e desconsiderar a forma consumada, há razão para tal. Na Lei de Segurança Nacional (Lei 1.170/83), os artigos 9º (Tentar submeter o território nacional, ou parte dele, ao domínio ou à soberania de outro país.), 11 (Tentar desmembrar parte do território nacional para constituir país independente.), 17 (Tentar mudar, com emprego de violência ou grave ameaça, a ordem, o regime vigente ou o Estado de Direito.) e 18 (Tentar impedir, com emprego de violência ou grave ameaça, o livre exercício de qualquer dos Poderes da União ou dos Estados.) são exemplos de crimes em que somente se pune a forma tentada. Ao analisar detidamente os tipos penais referidos, verifica-se que se o agente conseguir seu intento, não será punido porque a alteração e subversão da ordem jurídica acabará por lhe favorecer, haja vista que passará a integrar outro Estado que ajudou a formar (arts. 9º e 11), ou porque se tornou um poderoso ditador após a realização de Golpe de Estado (arts. 17 e 18). Não confundir delito de atentado (em que a forma tentada é punida com a mesma pena da forma consumada), visto que nestes há sim punição da figura consumada. 1.3. Eficientismo Penal 1.3.1. O Eficientismo Penal como Direito Penal Máximo O Eficientismo (ou direito penal máximo) está incluso em um grande grupo denominado "políticas criminais autoritárias", antigarantistas, assim denominadas por desvalorizarem, em maior ou menor intensidade, o princípio da legalidade estrita ou um de seus corolários. Essa política busca dar uma eficácia absoluta ao Direito Penal, sendo que a certeza que ela pretende obter reside em que nenhum culpado fique impune. Fruto de uma orientação criminológica positivista, pleiteia a máxima efetividade do controle social, sendo máxima, também, a imunidade a comportamentos ilícitos, mas que são funcionais para o sistema. Este modelo, de índole autoritária, possui como elementos: a) substancialismo penal – parte de uma concepção ontológica de crime, desvalorizando o valor do princípio da legalidade pela intromissão de conceitos morais e pela maior necessidade de punição; b) decisionismo processual – juízo e pena irrogada o são por critérios potestativos, de verificabilidade inferior à política minimalista. A maior representação do Eficientismo na sociedade atual está no Movimento da Lei e da Ordem. Oriundo dos Estados Unidos da América, na década de 70, está em pleno funcionamento, com suas penas extremamente rígidas em regime fechado, aplicações desproporcionais, desprezo de direitos e garantias 22 E3C ON-LINE materiais e adjetivas de Direito, e utilização de práticas não-ortodoxas demonstrativas do desdém ao princípio da dignidade da pessoa humana. O Direito Penal que decorre dessa política criminal é, sobretudo, simbólico, posto somente buscar satisfazer a opinião pública, ainda quando venha a reduzir ou anular direitos fundamentais dos indivíduos que compõe essa sociedade. O Eficientismo penal identifica que o Estado seria incapaz de combater a criminalidade por meio de políticas criminais lato sensu, que são as políticas sociais, as quais teriam como foco os verdadeiros problemas criminógenos, e, desse modo, lança mão de políticas criminais estritas, se contentando com o punitivismo simbólico. 1.3.2. Direito Penal Simbólico A partir das definições acima especificadas, pode-se falar em Direito Penal Simbólico, em que, pelo viés simbólico, o Direito Penal se baseia no medo e na insegurança, tentando gerar uma falsa sensação de que o Estado consegue, por meio das leis penais, alterar subitamente a realidade social. Sobre o assunto, ROXIN especifica: “Assim, portanto, haverá de ser entendida a expressão "direito penal simbólico", como sendo o conjunto de normas penais elaboradas no clamor da opinião pública, suscitadas geralmente na ocorrência de crimes violentos ou não, envolvendo pessoas famosas no Brasil, com grande repercussão na mídia, dada a atenção para casos determinados, específicos e escolhidos sob o critério exclusivo dos operadores da comunicação, objetivando escamotear as causas históricas, sociais e políticas da criminalidade, apresentando como única resposta para a segurança da sociedade a criação de novos e mais rigorosos comandos normativos penais.” O Direito Penal simbólico quase sempre é um Direito Penal de urgência ou emergência, isto é, defende-se uma necessidade imperiosa de reformar pontualmente a legislação penal, ainda que sem os devidos debates. Parte-se da ideia de que o Legislativo deve dar uma resposta imediata ao povo, ainda que a resposta tenha traços de irracionalidade, o que gera erros crassos. Diante da busca de uma satisfação popular, dificilmente a legislação decorrente do Direito Penal simbólico terá alguma aparência de ressocialização. Nessas situações, a função retributiva da pena é invocada como única alternativa para resolver os problemas sociais. Podem ser citados como exemplo do Direito Penal Simbólico: Lei dos Crimes Hediondos (Lei n. 8.072/90); Lei Carolina Dieckmann (Lei n. 12.737/12); Lei da Inclusão do Porte de Armas de Uso Restrito como crime hediondo (Lei n. 13.497/17). Tais leis foram frutos de clamor popular e emergencial, com promessa de solução para a criminalidade, sem, contudo, alcançar o efeito prático desejado.
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