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CIÊNCIA POLÍTICA: UMA INTRODUÇÃO1 Armando Albuquerque 2 1 INTRODUÇÃO Esse trabalho tem como objetivo propiciar um contato inicial com o universo da construção da Ciência Política como uma ciência positiva. Não é fácil falar de uma “ciência da política” sem tratar da história do pensamento político que remonta pelo menos ao século IV a. C. No entanto, escolheu-se um outro caminho, o de tratá- la na qualidade de um construto do final do século XIX e mais propriamente do século passado. Essa escolha procura evitar um percurso feito pela grande maioria dos autores que abordam esse tema. Não obstante o reconhecimento do importante papel dos filósofos, historiadores e juristas na reflexão da problemática política, optou-se por uma perspectiva da construção da Ciência Política como uma ciência social e, como tal, a partir de uma metodologia e de uma abordagem muito semelhantes às daquela ciência. Três seções constituem esse artigo. A primeira delas consiste em fazer uma distinção entre as abordagens normativa e positiva da política. A segunda seção procura, inicialmente, estabelecer à luz da distinção anterior, uma definição de Ciência Política como uma investigação empírica do político, para posteriormente, discorrer sobre a relação entre a mesma e outras ciências sociais, em particular, a psicologia política e a sociologia política. Finalmente, a terceira e última seção objetiva esquematizar a temática da Ciência Política e fazer referência as suas principais obras e autores contemporâneos. 2 DA REFLEXÃO NORMATIVA À INVESTIGAÇÃO CIENTÍFICA DA POLÍTICA Nesta primeira seção pretende-se desenhar um esboço do percurso realizado pela reflexão sobre o âmbito da esfera política desde os seus primórdios até os dias atuais. Para tanto, necessário se faz que tal esboço apresente uma determinada perspectiva desse percurso. Escolheu-se, nesse sentido, tratar da investigação sobre a política tomando duas das abordagens capazes de cobrir, em larga medida, o longo período histórico que constitui a sua investigação: a normativa e a empírica. A primeira remonta aos pensadores gregos, cuja filosofia se configurou como o primeiro momento do pensamento racional e sistemático sobre a política. A segunda surge no final do dezenove e durante o século passado superando o caráter meramente normativo da reflexão política, dando- lhe 1http:// www.armandoalbuquerque.kit.net/ 2 Professor Adjunto do Departamento de Ciências Jurídicas do UNIPÊ. 2 um conteúdo empírico e um arcabouço teórico-metodológico que permitiu falar de uma investigação propriamente científica da política. 2.1 Abordagem normativa da política Não obstante o pensar sobre a política date de longínquos tempos, é no período da filosofia grega conhecido como socrático3 que se inicia uma reflexão mais sistematizada das questões relativas à polis. O século V a. C., também conhecido como o “século de Péricles”, foi marcado na Grécia, particularmente em Atenas, por uma profunda efervescência dos temas relacionados à moral, à política e ao direito, decorrência natural da forma de governo instaurada naquela Cidade- Estado, a democracia 4. Sócrates, Platão e Aristóteles, principalmente este último, são os precursores de uma investigação filosófica sobre a política que terá como tarefa precípua a teorização da ótima república, ou seja, do modelo ideal de Estado. Não apenas os gregos, mas pensadores medievais, tais como Agostinho e Tomás de Aquino, e mesmo modernos, a exemplo de Hobbes, Locke, Montesquieu, Rousseau e Kant, também constituíram essa vertente do pensamento político normativo. Para Fernandes (1995:13) “Toda a escola liberal que doutrinou o Estado árbitro e neutro, teve, de facto uma doutrina normativista sobre os fins que lhe compete realizar, e que seriam a liberdade e a igualdade”. Assim, temos uma grande parcela do pensamento político na qual estão incorporados elementos de cunho moral que são relativos, portanto, à esfera dos valores ou à do dever ser. Esta relação entre política e moral que advém desde os filósofos socráticos e que perdura até os modernos, denota a investigação acerca da política um cunho mais propriamente filosófico do que científico. É preciso observar, no entanto, que a passagem de uma abordagem normativa para uma abordagem empírica da política se deu de forma gradativa. É possível já observar entre Platão e Aristóteles uma primordial distinção, a despeito dos dois serem pensadores moralistas da política. O primeiro, um idealista, tem na dedução a metodologia através da qual escreverá a sua principal obra política “A República”. O segundo, um realista, fundamenta-se na observação e, portanto, utiliza-se de uma perspectiva metodológica indutivista, com a qual escreverá a sua obra seminal intitulada “Política”. Uma outra conquista fundamental no sentido da construção de uma investigação mais empírica da política se deu com Maquiavel, pensador florentino da Renascença que lançando mão da observação como método, acresceu- lhe um elemento que redundaria numa mudança fundamental 3 O período socrático antropológico tem seu início no século V a.C. e permanece por todo século IV a.C. 4 As principais instituições da democracia na Grécia foram instauradas por Clístenes através da reforma da constituição grega realizada em 508 a. C. 3 das investigações no âmbito da política: a objetividade. Esta estabeleceu uma nítida distinção entre a política e a moral. Agora o que importa não é mais procurar estabelecer a ótima república, mas, ao contrário, trata-se de descrever como o poder político é factualmente. Assim, passo a passo, a reflexão política vai cedendo espaço a abordagens empíricas cada vez mais alicerçadas em uma metodologia indutiva. Montesquieu, Tocqueville, Marx e Comte são pensadores que contribuirão enormemente nesse sentido. Para Duverger (1981:44) “Talvez a contribuição essencial de Montesquieu esteja em sua vontade de sistematizar as observações, isto é, de extrair delas uma visão coerente e coordenada da realidade, baseada na indução e não no raciocínio dedutivo”. Tocqueville, por seu turno, realizou através do que hoje se denomina de técnica de entrevistas, aquele que foi provavelmente o primeiro trabalho monográfico a utilizar a observação em profundidade da qual resultou a sua principal obra “Da democracia na América” (1835-1840). Comte deu uma grande contribuição para todas as ciências particulares de um modo geral e, especialmente para as ciências sociais, àquela época abrigadas sob a sua “física social”, posteriormente denominada pelo próprio Comte de “sociologia”5. Um dos seus principais objetivos era o de estabelecer uma investigação da dinâmica social que leva em consideração a evolução histórica da humanidade por meio da sua “lei dos três estados”: o teológico, o metafísico, e o positivo. Foi com base nesta idéia que ele procurou trazer para a investigação dos fatos sociais uma metodologia análoga à das ciências da natureza, o que se constituiu, a despeito do distinto caráter dessas ciências, numa grande contribuição para o avanço das ciências sociais empreendida pelo autor de “Sistema de política positiva” (1822). Finalmente, a contribuição de Marx à ciência política foi, segundo Duverger (1981:48), “[...] ter fornecido uma nova explicação dos fenômenos do poder, de ter elaborado uma nova ‘cosmogonia ”’ Marx, por assim dizer, transformou as análises jurídicas do Estado (que caracterizou a cosmogonia de Aristóteles-Montesquieu), em investigações das forças sociais e econômicas. Como afirma ainda Duverger (1981) Marx “desjuridicizou” o Estado, o poder e a Ciência Política. Dessa forma, deixa-se de olhar o Estado na sua perspectiva superestrutural e passa- se a analisá- lo a partir da sua infra-estrutura.Assim, os ordenamentos moral, jurídico e político não são mais analisados a partir de si mesmos, mas tomando os fenômenos de ordem econômicas que, segundo o próprio Marx, em última instância, determinam aqueles ordenamentos. 5 Para Comte as ciências se tornaram “positivas” em uma ordem que contempla do mais abstrato ao mais concreto, do mais simples ao mais complexo. Assim, sua classificação das ciências positivas possui a seguinte ordem: matemática, astronomia, física, química biologia e sociologia. 4 As últimas décadas do século XIX e mais propriamente o século XX, constituem o momento da construção, desenvolvimento e consolidação da Ciência Política como ciência positiva. O que precede imediatamente a isso é uma construção de várias abordagens dos fenômenos políticos através de outras disciplinas tais como a filosofia política, a sociologia política, a economia política, a história política, o direito político. Assim, de acordo com Fernandes (1995:29) “O que constituía a Ciência Política passa a pertencer prioritariamente a outras ciências então mais evoluídas e, por conseqüência, em melhor situação para promoverem o estudo e fazerem progredir o conhecimento”. Ainda segundo ele, esse é o momento em que a Ciência Política cede o seu lugar às “ciências políticas”. No entanto, como afirma Almond (1996) houve no final do século XIX e nas primeiras décadas do século XX um link entre a teoria política européia e a ciência política americana propiciado pelo conceito de “pluralismo”. O fato é que ocorreu uma profunda discussão sobre o conceito de soberania do Estado associado à ideologia da monarquia absolutista. Por um lado, estudiosos como o alemão Gierke (1868) e o francês Düguit (1917) questionaram a completa autoridade do Estado. Por outro lado, Figgis (1896) afirmava a autonomia da igreja e das comunidades, enquanto Laski (1919) pretend ia a mesma autonomia para os grupos profissionais e os sindicatos. Por isso segundo Almond (1996:64) “Com as seminais figuras de Max e Freud e os grandes teóricos da sociologia da passagem do século XIX – Pareto, Durkheim e Weber – e com a polêmica entre a soberania e o pluralismo, nós já nos encontramos imediatamente no cenário intelectual da ciência política do século XX”. 2.2 Abordagem empírica da política Em que momento poder-se-ia considerar o surgimento de uma investigação efetivamente científica da política? Sem dúvida alguma esse momento é o século XX. Somente nele as metodologias e as técnicas mais rigorosas das ciências começaram a ser utilizadas pelos que se debruçam sobre a problemática política, principalmente, na América. Para efeito de exposição dessa subseção tomar-se-á aqui as duas abordagens fundamentais para desenvolvimento da Ciência Política como uma investigação empírica do fenômeno político, quais sejam, o behaviorismo e o neo- institucionalismo. 2.2.1 Behaviorismo Antes de 1900 existiam nos EUA apenas dois cursos de ciência política, o primeiro, no Columbia College e o segundo na Johns Hopkins University. No entanto não havia ainda departamentos autônomos de ciência política, pois em sua grande maioria eles estavam associados a outras disciplinas a exemplo do direito, da filosofia, e da história (Khodr, 2005). A criação desses 5 departamentos nas universidades americanas6 refletiria certo reconhecimento da autonomia da Ciência Política. Segundo Almond (1996) as primeiras décadas do século XX propiciaram um “substancial mergulho” na noção de um estudo efetivamente cientifico da política. Para ele os estudos empíricos do governo e dos processos políticos tinham feito algum progresso nas universidades americanas, não obstante, na maior parte delas a política ainda permanecia sendo investigada a partir de um viés essencialmente legal, filosófico e histórico. Uma mudança significativa na investigação da disciplina surgiu nos anos vinte através do Departamento de Ciência Política da Universidade de Chicago7 que conseguiu incorporar a análise política por meio de uma “[...] estratégia de pesquisa interdisciplinar, da introdução de metodologias quantitativas e através de um apoio organizado à pesquisa” 8, (Almond:65). Uma segunda mudança ocorreu no segundo pós-guerra com o surgimento da chamada “behavioural revolution”. O behavioural movement assumiu uma importante posição nas ciências sociais das décadas de cinqüenta e de sessenta. A sua origem filosófica remonta à Comte no século XIX e ao positivismo lógico do início do século XX. Para Khodr (2005:83) “O behaviorismo pode ser considerado um forte movimento intelectual que tem influenciado as ciências sociais desde o início do século XX”. Do ponto de vista historiográfico ele considera que o behaviorismo é um descendente do movimento “science of politics” iniciado por Burgess, Lowell e Benttley que floresceu na Universidade de Chicago durante o reitorado de Charles Merriam. Uma definição do political behavior pode ser tomada de Truman (apud Immergut, 1998:6) como “[...] uma orientação ou um ponto de vista que trata todo fenômeno do governo em termos de comportamento observado e observável dos homens”. Em meados do século passado, principalmente nos anos sessenta e setenta, o behaviorismo passou a ser o novo paradigma da Ciência Política, num momento em que a crença na possibilidade dessa ciência não ser apenas descritiva, mas também poder estabelecer predições era algo bastante presente. Era preciso que ela fosse mais interdisciplinar, mais ciente de si mesma e crítica acerca da sua metodologia. De acordo com Somit & Tanenhaus (apud Khodr, 2005:85) “Os pesquisadores deveriam fazer um maior uso de instrumentos tais como análises multivariadas, pesquisa surveys, modelos matemáticos e simulações”. 6 Foram criados departamentos autônomos de ciência política nas universidades de Columbia (1903), Illinois e Wisconsin (1904) e Michigan (1911). No final de 1914 já havia 40 departamentos autônomos de ciência política nos EUA. Em 1903 surge a primeira associação profissional de ciência política a American Political Science Association. 7 Os principais nomes desse período são os de Merria m “The Presente State of the Study of Politics” (1931) e Lasswell “Politics: Who Gets what, When, and How “(1936). 8 Não obstante, a denominada Escola de Chicago (Department of Political Science of University of Chicago) tenha sido aquela que primeiro revolucionou a metodologia no âmbito da ciência política, é importante lembrar que já em 1880 havia sido criada por John W. Burgess a School of Political Science at Columbia University, considerada a primeira escola formal de ciência política. 6 As três principais temáticas do behaviorismo, de acordo com Farr (1995) são: 1) a pesquisa sobre o comportamento político; 2) uma argumentação metodológica para a ciência; e 3) uma mensagem política sobre o pluralismo liberal. Assim, as questões centrais da abordagem behaviorista da ciência política é, em primeiro lugar, investigar o comportamento dos grupos, dos processos e dos sistemas dentro dos quais os comportamentos podem ser explicados; em segundo lugar, tratar de um novo conjunto de técnicas científicas que devem ser adotadas e acompanhadas das explicações teóricas; e, em terceiro lugar, descobrir, explicar e confirmar o delineamento de um sistema político pluralista. No final da década de sessenta e início dos anos setenta o movimento behavio rista começa a decair. Várias críticas foram impetradas contra o mesmo desde a sua incapacidade de descobrir verdades gerais ou contrastar regras da vida política de grupos culturais distintos. A despeito disso o behaviorismo ainda permaneceu influenciando grande parte da literatura da década de setenta, período em que surge o neo-institucionalismo que irá se expandir pelos anos oitentae noventa. Para este, o comportamento não é suficiente para explicar todos os fenômenos do governo, pois comportamentos ocorrem dentro de contextos institucionais e só assim podem ser compreendidos. 2.2.2 Neo-institucionalismo O novo institucionalismo constitui uma perspectiva teórica da Ciência Política que surge nas últimas décadas do século passado em reação ao behaviorismo. Diversamente do institucionalismo clássico9 (que se caracteriza por uma tradição formal legalista que leva em consideração instituições políticas tais como, as legislaturas, o sistema legal, os partidos políticos, o Estado, etc.), o novo institucionalismo incorpora não apenas estruturas formais, mas também as informais tais como as normas e os papéis (Khodr, 2005). Segundo Peters (1996:206) o neo- institucionalismo “[...] difere do seu precursor intelectual de diversos modos e todos eles refletem o seu desenvolvimento depois da behavioral revolution na ciência política”. O que há de “novo” no neo-institucionalismo? É importante aqui elencar algumas das suas principais características: a) como já dito anteriormente, o neo- intitucionalismo muda o foco das instituições formais para as informais; b) das organizações para as regras; c) de uma concepção estática, para uma concepção dinâmica da sociedade; d) de uma concepção holística para uma concepção desagregada das instituições. Além disso, o neo- institucionalismo lançou mão de análises quantitativas e embora seja uma abordagem preocupada em focar as estruturas e organizações mais do que o comportamento individual, o neo-institucionalismo procura compartilhar a sua preocupação da teoria e dos métodos analíticos com a abordagem comportamental da política. Diferentemente do velho institucionalismo, que apenas descrevia as instituições, o novo procura explicá- las como sendo uma 9 O institucionalismo tradicional se constituiu na abordagem dominante dentro da Ciência Política até 1950. 7 variável dependente e os outros fenômenos como sendo variáveis independentes, de modo que esta nova visão permite configurar a política com o comportamento administrativo. Peters (1996:206) afirma que “A análise institucional contemporânea olha muito mais para o comportamento concreto do que para os aspectos formal e estrutural das instituições”. Isso significa que é preciso observar as instituições, tanto formais quanto informais, sem o que não se compreende grande parte das sociedades políticas contemporâneas. Por fim, diferentemente do velho institucionalismo, a nova abordagem foca sobre os resultados em forma de políticas públicas e outras decisões e, portanto, como assevera Peters (1996:206-207) o neo- institucionalismo “[...] reflete o movimento de políticas públicas na ciência política e as suas preocupações com os benefícios e os encargos governamentais produzidos na realidade para os seus cidadãos”. Por seu caráter meramente introdutório, não se pretende aqui delongar-se em nenhum dos temas que deverão ser tratados apenas esquematicamente. Assim, passa-se agora a apresentar com base em Hall e Taylor (2003) um esboço das diferentes versões do neo-institucionalismo. Para os autores, existem pelo menos três métodos de análise distintos que reivindicam o seu caráter neo- institucional. São eles o institucionalismo histórico, o institucionalismo da escolha racional e o institucionalismo sociológico. O institucionalismo histórico define as instituições “De modo global, como os procedimentos, protocolos, normas e convenções oficiais e oficiosas inerentes à estrutura organizacional da comunidade política ou da economia política” (Hall e Taylor, 2003:196). A questão central no institucionalismo é saber de que modo as instituições determinam as ações dos indivíduos. Ainda segundo os autores, duas respostas são oferecidas a essa questão pelos neo- institucionalistas: a primeira provém de uma “perspectiva calculadora” e a segunda de uma “perspectiva cultural”. Os institucionalistas históricos lançam mão dessas duas perspectivas. A vertente histórica do institucionalismo propugna o path dependent, isto é, defende a existência de uma causalidade social dependente da trajetória percorrida. Assim, “Os primeiros teóricos enfatizaram o modo como as ‘capacidades do Estado’ e as ‘políticas herdadas’ existentes estruturam as decisões ulteriores” (Hall e Taylor, 2003:200-201). Não obstante, os institucionalistas históricos reconhecem outros fatores importantes nas suas análises além das instituições como, por exemplo, o desenvolvimento socioeconômico e a difusão das idéias. O institucionalismo da escolha racional tem como ponto de partida o pressuposto de que os atores sociais são racionais e se comportam de forma utilitária, ou seja, buscam maximizar as suas ações reduzindo ao máximo as suas perdas. Assim, em primeiro lugar, os atores possuem um conjunto determinado de preferências e procuram maximizá- las; em segundo lugar, a vida política é concebida como diversos dilemas de ação coletiva “[...] definidos como situações em que os indivíduos que agem de modo a maximizar a satisfação das suas próprias preferências o fazem com 8 o risco de produzir um resultado subótimo para a coletividade” (Hall e Taylor, 2003:205); em terceiro lugar, a teoria da escolha racional “[...] enfatiza o papel da interação estratégica na determinação das situações políticas” (id., ibid:205). Duas são as instituições fundamentais: a) o comportamento de um ator é determinado por um cálculo estratégico; b) a expectativa do comportamento dos outros atores influencia esse cálculo estratégico. Finalmente, no que concerne à origem das instituições, os teóricos da escolha racional atribuem-na ao acordo voluntário entre os atores interessados em realizar determinados valores, a exemplo do que afirmam Hall e Taylor (ibid:206) “As disposições constitucionais adotadas na Inglaterra em 1688 são explicadas com referência às vantagens que oferecem aos proprietários”. Por fim, o institucionalismo sociológico se configura a partir de três características fundamentais: a primeira delas consiste em conceber as instituições de maneira mais ampla, incluindo além das regras e procedimentos formais, sistema de símbolos, esquemas cognitivos e modelos morais que são também condutores da ação humana; a segunda característica diz respeito a uma dimensão cognitiva do impacto das instituições sobre os atores sociais, isto é, o “[...] modo como as instituições influenciam o comportamento ao fornecer esquemas, categorias e modelos cognitivos que são indispensáveis à ação, mesmo porque, sem eles, seria impossível interpretar o mundo e o comportamento dos outros atores” (id., ibid:210); e a última delas se refere à origem das instituições e, nesse ponto, diferentemente dos teóricos da escolha racional, os institucionalistas sociológicos afirmam que as mudanças das práticas institucionais estão muito mais relacionadas aos valores que a legitimam do que propriamente das questões relacionadas ao aumento da sua eficiência. Ao concluir esta seção é possível afirmar que a reflexão sistematizada sobre os fenômenos da política remonta aos pensadores socráticos e percorre um longo caminho até os dias atuais. Ela tem início com a especulação filosófica e chega ao nosso século munida das mais complexas metodologias e técnicas das ciências empíricas. Assim, a passagem de uma investigação normativa da política para uma investigação científica da mesma demandou uma mudança de abordagem de uma perspectiva filosófica para uma perspectiva empírica, o que culminou com a distinção entre a Filosofia Política e a Ciência Política. Esta, tratando os fenômenos políticos como eles são, aquela, tratando a política como ela deve ser. 3 CIÊNCIA POLÍTICA: DEFINIÇÃO E RELAÇÃO COM OUTRAS CIÊNCIAS SOCIAIS Nesta segunda seção pretende-se, em primeiro lugar,definir a Ciência Política como uma investigação empírica do político e, em segundo, estabelecer a sua relação com outras ciências sociais. 9 3.1 Definindo Ciência Política Nesse momento, faz-se necessário que o primeiro conceito a ser explicitado seja o de “ciência”, palavra originada do termo latino scientia, que designa um conhecimento adquirido através de estudo. Para Stoker (1995:18-19) podemos entender sumariamente por ciência “[...] uma produção organizada de conhecimento que exige dos que a praticam certas disciplinas intelectuais, especialmente, coerência lógica e dados adequados”. Assim, uma ciência da política consiste em uma investigação sistematizada desse âmbito da realidade alicerçada, por um lado, em um conjunto teórico-metodológico e, por outro, em dados empíricos. Mas o que é política? Defini- la, portanto, é o próximo passo. A palavra política pode contemplar um grande número de significados. Poder-se- ia apresentar aqui uma infinidade de conceitos da mesma, principalmente, oriundos dos grandes filósofos da política a exemplo de Aristóteles, Maquiavel e Hobbes, entre outros. No entanto, optou- se por uma compreensão mais contemporânea que possa expressar de forma mais efetiva em que consiste a política nos dias atuais. Essa opção decorre do fato desse conceito ter sido gradativamente ampliado, e com ele o objeto formal de investigação da Ciência Política. Segundo Stoker (1995) no Reino Unido dos anos cinqüenta, a ciência política estava voltada para os estudos institucionalistas clássicos cujo foco estava situado nas questões relativas ao parlamento, à administração pública, às eleições, aos partidos políticos e aos grupos de pressão. Duas décadas depois tem início uma ampliação na definição da esfera política. Agora ela irá abranger não apenas as ins tituições públicas, mas também boa parte da esfera privada: Para Chapman (Apud Stoker, 1995:16) “A política trata de todas as decisões que configuram nossa vida e não apenas daquelas que se tomam no âmbito restrito que tradicionalmente se define como político”. Assim, os assuntos privados se convertem em assuntos públicos. Finalmente, nos anos noventa a definição de política é ainda mais ampliada: “A política é uma atividade generalizada que tem lugar em todos os âmbitos nos quais os seres humanos se ocupam de produzir e reproduzir suas vidas. Esta atividade pode contemplar tanto enfrentamento quanto cooperação, de forma que os problemas se apresentam e se resolvem através de decisões tomadas coletivamente”. (Stoker, 1995:19) Assim, utiliza-se o termo política no sentido mais amplo possível do termo, ou seja, significando não apenas a esfera tomada convencionalmente como pública das relações humanas, mas as diversas esferas onde ocorrem relações de poder e de deliberação coletiva. Uma vez estabelecida a definição de ciência e de política, passa-se agora à definição de Ciência Política. Inicialmente é preciso que se diga que a possibilidade da existência de uma Ciência Política não é ponto pacífico. Para Goodin e Klingemann (2000:9) “Muita tinta tem sido derramada sobre a questão da existência e, em que sentido, o estudo da política é verdadeiramente uma ciência”. Esta 10 questão não será aqui tratada, pois isso demandaria uma outra discussão acerca do estatuto de cientificidade de uma “ciência” da política. Diversamente, decidiu-se adotar uma definição de Ciência Política que deverá ser aceita por este trabalho. Analogamente a tantas outras definições, pode-se conceber a Ciência política de diversas maneiras. Uma possível é a de Stoker (1997:19): “Sem embargo, a ciência política deveria prestar uma especial atenção ao âmbito coletivo que conforma as atividades da administração pública no Estado moderno, dada a amplitude e o caráter coercitivo da autoridade que as ditas atividades representam”. Assim, a ciência política está fortemente relacionada com as questões pertinentes ao poder, à autoridade e à coerção. 3.2 Relação entre a Ciência Política e outras ciências sociais Como situar a Ciência política em relação às outras ciências sociais? Havia sido dito anteriormente que em dado momento, disciplinas como a filosofia política, a história política, o direito político, haviam ocupado um espaço na explicitação de fenômenos concernentes à esfera política. Assim, a Ciência Política importou uma série de conceitos advindo de outras ciências sociais tais como a sociologia a psicologia, a economia, a antropologia, entre outras. No entanto, para Dogan (1996:97) “A relação entre a ciência política e as outras ciências sociais são na realidade relações entre alguns setores das diversas disciplinas e não entre as disciplinas na sua totalidade”. Portanto, temos aqui uma relação de interdisciplinaridade de subcampos das diversas ciências sociais, pois uma vez que o progresso requer especialização esta relação não poderia ser outra, aliás, grande parte do progresso científico nas ciências sociais pode ser explicado a partir dessa hibridização dos diversos segmentos dessas ciências. Aqui serão citadas duas relações entre esses domínios híbridos. O primeiro deles é o da psicologia política. Segundo Dogan (1996) a psicologia política tem duas irmãs, uma mais velha, a psicologia social, e uma mais nova, a ciência cognitiva. A psicologia política se encontra em permanente contato com a primeira. Harold Lasswell é considerado o fundador da psicologia política americana. Esta forneceu para a Ciência Política categorias tais como as de alienação, ambivalência, aspiração, atitude, comportamento, estereótipo, empatia, entre outras. O segundo domínio híbrido é o da sociologia política. Para Smelser (apud Dogan, 1996:112- 113) “O mais novo ramo da ciência política tem-se agrupado livremente sob a abordagem comportamental, os métodos de pesquisa são, exceto para relativas ênfases, quase indistintamente de métodos da sociologia [...] os cientistas políticos têm empregado uma vasta ordem de métodos e dados, tratamento estatístico e métodos comparativos que são também comumente empregados pela sociologia”. 11 Sartori (1969) afirma que é possível fazer uma distinção entre sociologia e Ciência Política a partir da diferenciação na ênfase sobre a variável dependente ou sobre as variáveis independentes. Diz Sartori (apud Dogan, 1996:113) “As variáveis independentes – causas, determinantes ou fatores – dos sociologos são, basicamente, estruturas sociais, enquanto as variáveis independentes dos cientistas políticos são basicamente estruturas políticas”. Igualmente à psicologia, a sociologia propiciou uma série de categorias à Ciência Política tais como: classe social, estrutura social, comportamento coletivo, socialização, acomodação, segregação, hierarquia, coesão, agregação, etc. Obviamente uma série de outras disciplinas se relacionaram e continuam se relacionando com a Ciência Política, entre as quais é possível citar a economia política, a cuja metodologia os cient istas políticos recorrem fartamente, a geografia política que trata das relações entre espaço e poder político e a filosofia política, responsável ainda por boa parte da teoria normativa da política e que tem em Rawls e na sua obra “Uma teoria da Justiça” (1971) um momento emblemático dessa relação. 4 TEMAS RECORRENTES E OBRAS RELEVANTES DA CIÊNCIA POLÍTICA Esta última seção será dedicada a esquematizar a temática e citar obras relevantes da Ciência Política no século XX. Não há aqui a pretensão em negar a importância do pensamento político dos grandes clássicos que precederam ao período em questão, por demais ressaltadas em grande parte da literatura sobre ciência política. No entanto, fez-se uma opção pelo tratamento da temática e das obras relativas a uma Ciência Política stricto sensu. No que concerne à temática é possível elencar diversas nomenclaturas, no entanto, aqui serãorelacionadas três delas. A primeira, estabelecida sob a égide da UNESCO em 1948, a segunda, adotada pela American Polítical Science Association (APSA) e, finalmente, a terceira, aquela que constitui o diretório dos comitês de pesquisa da International Political Science Association (IPSA). 4.1 Temática da Ciência Política A primeira temática sistematizada da Ciência Política adveio de especialistas que, sob os auspícios da UNESCO, elaboraram a seguinte nomenclatura: 1. Teoria Política a) Teoria Política b) História das Idéias 2. Instituições Políticas a) Constituição 12 b) Governo Central c) Governo Regional e Local d) Administração Pública e) Funções Econômicas e Sociais do Governo f) Instituições Políticas Comparadas 3. Partidos, Grupos e Opinião Pública a) Partidos Políticos b) Grupos e associações c) Participação do Cidadão no Governo e na Administração d) Opinião Pública 4.Relações Internacionais a) Política Internacional b) Organização Internacional c) Direito Internacional Uma segunda temática bem semelhante à da UNESCO foi elaborada pela American Political Science Association que se apresenta da seguinte forma: a) Teoria e Filosofia Políticas b) Partidos Políticos c) Opinião Pública d) Grupos de Pressão e) Poder Legislativo e Legislação f) Direito Constitucional e Administrativo g) Administração Pública h) Economia Política i) Relações Internacionais j) Instituições Políticas Comparadas Finalmente, para que se possa ter uma visão mais detalhada das várias temáticas que são objeto de investigação da Ciência Política contemporânea, seguem abaixo os diversos comitês de pesquisas da International Political Science Association. “DIRECTORY OF RESEARCH COMMITTEES (RC) 1. Committee on Concepts and Methods 2. Political Elites 3. European Unification 4. Public Bureaucracies in Developing Societies 5. Comparative Studies on Local Government and Politics 6. Political Sociology 7. Women, Politics and Developing Nations 8. Legislative Specialists 9. Comparative Judicial Systems 10. ----- 11. Science and Politics 12. Biology and Politics 13 13. Democratization in Comparative Perspective 14. Politics and Ethnicity 15. Political and Cultural Geography 16. Socio-Political Pluralism 17. Globalization and Governance 18. Asian and Pacific Studies 19. Gender and Politics 20. Political Finance and Political Corruption 21. Political Socialization and Education 22. Political Communication 23. ----- 24. Armed Forces and Society 25. Comparative Health Policy 26. Human Rights 27. Structure and Organization of Government 28. Comparative Federalism and Federation 29. Psycho-Politics 30. ----- 31. Political Philosophy 32. Public Policy and Administration 33. The Study of Political Science as a Discipline 34. Comparative Representation and Electoral Systems 35. Technology and Development 36. Political Power 37. Rethinking Political Development 38. Politics and Business 39. Welfare States and Developing Societies 40. New World Orders? 41. Geopolitics 42. System Integration of Divided Nations 43. Religion and Politics 44. Role of the Military in Democratization 45. Quantitative International Politics 46. Global Environmental Change 47. Local-Global Relations 48. Administrative Culture 49. Socialism, Capitalism and Democracy 50. Language and Politics 51. Political Studies on Contemporary North Africa 52. Gender, Globalization and Democracy”10 4.2 Obras relevantes da Ciência Política Quanto às principais obras da Ciência Política, como já dito anteriormente, não se fará aqui menção aos grandes clássicos que constituíram e constituem o pensamento político universal, mas apenas aquelas obras que contemporaneamente têm se configurado como as mais relevantes da Ciência Política e que contribuíram enormemente para a sua construção como uma ciência positiva. Também não se ousaria classificar tão grande número de obras em um artigo. Para tanto, utilizou-se 10 Fonte: International Political Science Association. 14 como fonte A New Handbook of Political Science (Goodin e Klingemann, 1996:32), que traz no seu Apêndice 1D as obras e os autores mais referenciados naquele manual. São eles: a) Anthony Downs, An Economic Theory of Democracy (1957); b) Mancur Olson, The Logic of Colletive Action (1965); c) Elinor Ostrom, Governing the Commons (1990); d) Douglass North, Institutions, Institutional Change and Economic Performance (1990); e) Gabriel Almond e Sidney Verba, The Civic Culture (1963); f) Angus Campbell et alii, The American Voter (1960); g) James G. Marsh e Johan P. Olsen, Rediscovering Institutions (1989); h) John Rawls, A Theory of Justice (1971); i) Brian barry, Sociologist, Economists and Democracy (1970/1978) j) Morris P. Fiorina. Retrospective Voting in American National Elections (1981); k) Seymour Martin et alii, Party Systems and Voter Alignments (1967); l) John Rawls, Political Liberalism (1993); m) William Riker e Peter C. Ordeshook, An Introduction to Positive Political Theory (1973);” n) Theda Skocpol States and Social revolutions (1979). 5 CONCLUSÃO A Ciência Política compreendida como uma investigação empírica do fenômeno político é uma construção muito recente. Não obstante muitas outras áreas do saber tais como a filosófica, a histórica e a jurídica tenham dado uma importante contribuição na investigação das questões acerca da problemática política, somente no século XX é possível falar de uma Ciência Política propriamente no sentido de uma ciência positiva. Ao longo de vários séculos, portanto, procurou-se explicar os fatos políticos à luz das diversas formas de conhecimento. No entanto, com o surgimento das ciências modernas era de se esperar que nascesse também no âmbito da investigação política uma ciência capaz de explicar os problemas políticos de um ponto de vista estritamente científico. Surge, assim, entre outras ciências sociais, a Ciência Política. Mas, é preciso que se diga que o caráter de cientificidade de quaisquer ciências não se dá de pronto. Ao contrário, toda ela passa por um rigoroso crivo que tem nas ciências exatas e nas da natureza o seu mais vigoroso modelo. A Ciência Política, analogamente às demais ciências sociais passou e passa por essa constante busca de sua identidade e reconhecimento como ciência positiva. 15 Assim, traçar um objeto próprio de investigação e estabelecer uma metodologia que lhe confiram tal caráter permanece sendo uma busca incessante da mesma. 6 REFERÊNCIAS ALMOND, Gabriel. (1996). Political Science: The History of the Discipline in: GOODIN, Robert E. e KLINGEMANN, Hans-Dieter. A New Handbook of Political Science. Oxford: Oxford University Press. DOGAN, Mattei. (1996) Political Science and the Other Social Science in: GOODIN, Robert E. e KLINGEMANN, Hans-Dieter. A New Handbook of Political Science. Oxford: Oxford University Press. DUGUIT, Leon. (1917). The Law and the Stat. Cambridge, Mass: Harvard University Press. DUVERGER, Maurice. (1981) Ciência Política: teoria e método. 3. ed. Tradução de Heloísa de Castro Lima. Rio de Janeiro: Zahar. FERNANDES, Antonio José. (1995) Introdução à Ciência Política. Porto: Porto. FIGGIS, John Neville. (1896). The Divine Right of Kings; Cambridge: Cambridge University Press. GIERKE, Otto. (1868). Die Deutsche Genossenschaftsrecht. Berlim: Weidman. GOODIN, Robert E. e KLINGEMANN, Hans-Dieter. (1996). A New Handbook of Political Science. Oxford: Oxford University Press. LASKI, Harold. (1919). Authority in the modern State. New Haven, Conn.: Yale University Press. HALL, Peter A. e TAYLOR, Rosemary C. R. As três versões do neo- institucionalismo. Lua Nova, 2003, n. 58, pp. 193-223. http://www.ipsa.ca/en/research/directory.asp. IMMERGUT, Ellen. The Theoretical Core of the New Institutionalism.Politics and Society, 1998, vol. 26 no. 1, pp. 5-34. KHODR, Hiba. (2005) Public Administration and Political Science: An Historical Analysis of Relation Between the Two Academic Disciplines. PETERS, B. Guy. (1996). Political Institutions, Old and New in: GOODIN, Robert E. e KLINGEMANN, Hans-Dieter. A New Handbook of Political Science. Oxford: Oxford University Press. STOKER, Gerry. (1995). Introdução in: MARSH, David e STOKER, Gerry. Teoría e método de la ciência política. Madrid: Alianza.
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