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Desenvolvimento Humano e Social 1ª edição 2017 Desenvolvimento Humano e Social 3 3Unidade 3 Choques Culturais Para iniciar seus estudos Você está iniciando o estudo de mais uma unidade da disciplina Desen- volvimento Humano e Social. Vamos a mais questões, apontamentos e reflexões? Esta unidade trata da compreensão dos choques culturais e de que, a partir das diferentes culturas, percebemos as diferenças sociais, políticas e religiosas entre as pessoas. O desafio que se coloca é entender essas diferenças culturais que fazem parte da visão sobre o ser humano, seu comportamento, sua cultura e sua religiosidade. Vamos começar? Objetivos de Aprendizagem • Retratar as diferenças sociais, políticas e religiosas entre pessoas que possuem uma determinada cultura e estilo de vida e que, por motivos diversos, têm de adaptar-se a uma nova sociedade com novas mentalidades e formas de vidas diferentes daquilo a que estavam habituadas. 4 Desenvolvimento Humano e Social | Unidade 3 - Choques Culturais 3.1 Conservadores e inovadores A cultura é um fenômeno gerado pelo ser humano. Ele não é herdado geneticamente, é coletivo e construído por uma sociedade, fazendo com que, em cada lugar e em cada tempo na história da humanidade, exista uma diversidade de regras e formas de viver coletivamente. A partir disso, temos uma diversidade cultural. Nesta uni- dade, vamos explorar as diferenças sociais, os choques que diferentes culturas podem ter umas sobre as outras, a influência religiosa em nossa cultura e como os processos migratórios se relacionam na formação cultural. Cada povo desenvolve formas diferentes de pensar e agir, e, com isso, busca as mais diversas soluções e julgamen- tos de valores para determinadas situações. O resultado é a formação de uma cultura desse determinado povo. Figura 3.1 – Cultura de um povo. Legenda: A imagem apresenta duas crianças com trajes específicos de uma cultura, representa sua religião Fonte: Plataforma Deduca (2018). Quando falamos de cultura, uma das primeiras coisas que vem em nosso pensamento é a cultura ocidental e, em contraste, a oriental. Mas, cumpre atentarmos, a cultura não está restrita apenas em ocidental ou oriental: ela pode mudar de região em região dentro de um mesmo país e é só olharmos para o nosso próprio país para visualizarmos isso. O Brasil, com seu tamanho continental, é fruto de uma colonização europeia, de povos nativos indígenas, da escravidão e da imigração. Cada região sofreu maior ou menor influência de cada um desses grupos, depen- dendo do povo que aqui se estabeleceu. Assim, notamos diferenças culturais, por exemplo, entre a região Nor- deste e a região Sul. Independentemente da região ou do país, quando a cultura de um povo muda, muda-se também a forma como o homem interfere em seu meio ambiente, na utilização de seus recursos, nas suas prioridades e nas suas atitudes. 5 Desenvolvimento Humano e Social | Unidade 3 - Choques Culturais Figura 3.2 - Grande composição de fast-food. Legenda: A imagem apresenta um vendedor de cachorro-quente representando uma cultura norte-americana que se expandiu pelo mundo. Fonte: Plataforma Deduca (2018). Temos, no Brasil e no mundo todo, uma forte influência da cultura norte-americana (EUA), com os fast-foods, hot-dogs, hambúrgueres e batatas fritas, que se tornaram um hábito cotidiano em nossas vidas, alterando nossa cultura alimentar. Hoje, não há um bairro ou esquina nas grandes cidades em que você não encontre uma grande lanchonete ou uma barraquinha de hot-dog. Se você quiser aprofundar mais sobre a cultura dos fast-foods, sugerimos a leitura da obra “Fast-food: um aspecto da modernidade alimentar”, de Nilce de Oliveira e Maria do Carmo Soares de Freitas, disponível em <http://books.scielo.org/id/9q/pdf/frei- tas-9788523209148-14.pdf>. A cultura é um conceito com diversos significados, sendo extremamente complexo determinar uma única defi- nição. Antropologicamente, a cultura foi conceituada por Edward Burnett Tylor (1832-1917) em 1871 como um conjunto de conhecimentos que envolve crenças, arte, moral, lei, costumes e diferentes capacidades e hábitos que são adquiridos pelo homem enquanto membro de uma sociedade. Dessa forma, a cultura faz parte de nosso dia a dia e é intrínseca à forma em como nós tratamos uns aos outros e de como reagimos em determinadas situações. Na Antropologia, a cultura é um dos cernes de estudo, pois é ela que possibilita ter uma visão mais profunda sobre a condição humana, as relações das pessoas entre si e com o meio ambiente, seus conceitos e preconcei- 6 Desenvolvimento Humano e Social | Unidade 3 - Choques Culturais tos, que podem definir a motivação de uma pessoa a ter determinadas reações, comportamentos e ideais. Além disso, é através do estudo e reflexão sobre a cultura que podemos confrontar e ultrapassar as barreiras e limites provocados pelo preconceito a que o senso comum pode nos conduzir. Em cada cultura, o homem desenvolve respostas e soluções novas e diferentes na sua vida social, transformando esses valores em um senso comum. Sabemos que a diversidade cultural gera consequências na humanidade e que, quando diferentes culturas entram em contato, surgem reações que vão desde admiração e aceitação até repúdio e ódio por aquilo que é diferente. Temos, dessa maneira, os choques culturais. Quando esses choques culturais suscitam o julgamento e preconceito, fazendo com que determinado povo se ache superior ao outro, denominamos isso como etnocentrismo. O etnocentrismo é uma visão de mundo em que se coloca o próprio grupo como o centro de tudo. Ou seja, seus valores, regras e modelos são a referência a ser seguida. Etimologicamente, etno vem da palavra etnia, que é o compartilhamento de uma mesma base cultural, como a língua, as tradições e a religião. Centrismo, por sua vez, significa colocar no centro. Logo, etnocentrismo é colocar uma cultura como centro de tudo – e é a partir dela que todas as outras são comparadas. O etnocentrismo pode ser um problema quando, no enfrentamento de uma situação ou na aceitação do dife- rente, somos incapazes de ser flexíveis, não aceitando novas formas de solucionar determinados problemas. Ou, ainda, quando nos tornamos radicais e intolerantes subjugando outras culturas, buscando até mesmo a domi- nação de outro povo. Em oposição ao etnocentrismo, temos o relativismo cultural. Dele advém o pressuposto de que, ao compa- rarmos outra cultura sem colocar a nossa como o centro de tudo, temos um olhar mais relativo, ou seja, é uma atitude em que a pessoa se coloca no lugar do outro para, assim, poder julgar determinada situação a partir de uma compreensão relacionada ao outro. E, para isso, exige-se uma coisa que chamamos de alteridade. Figura 3.3 – Ação humanitária. Legenda: A imagem apresenta um globo terrestre e várias mãos unidas, representando a realização de ação humanitária, onde todos ajudam. Fonte: Plataforma Deduca (2018). 7 Desenvolvimento Humano e Social | Unidade 3 - Choques Culturais A alteridade é a nossa capacidade de nos relacionarmos com o outro. É essa habilidade que faz com que nos tornemos mais compreensíveis e flexíveis em lidar com o diferente. Quanto mais fechados estamos em nossa própria cultura, menos possibilidades temos em compreender a diversidade e criar novas alternativas para solu- cionar um problema. Quanto maior são os choques culturais, mais exercício de alteridade uma pessoa precisa desenvolver, tendo em vista que julgamos o mundo a partir de nossos valores e crenças. É necessário ser mais tolerante, pois ninguém detém todo o conhecimento do mundo e nenhuma cultura é perfeita. Além disso, o ponto da questão não está em constatar as dife- renças, mas sim em aprender a lidar com elas. Com o tempo, o conjunto de regras e valores deuma cultura muda. Podemos entender melhor quando pensa- mos que esse conjunto de regras e valores é determinado pelo seu tempo. Por exemplo, os valores culturais de um povo da Idade Média não são os mesmos de um povo do século XXI. O conhecimento de mundo é outro, as tecnologias mudaram, modificando os hábitos das pessoas, e é só perceber que, com o uso de eletrônicos e da internet, o acesso à informação ficou disponível a todos e, com o passar das gerações, até os valores familiares de nossa sociedade mudaram. Podemos perceber, então, que as transformações geradas na sociedade são dinâmicas e estão relacionadas com o tempo. De acordo com Laraia (2006), as mudanças podem ser internas, sem a influência de comunidades externas, o que ocorre, por exemplo, nos choques entre as gerações; ou transformações com influências exter- nas, que são mais abruptas. Geralmente são aquelas em que se tem contato com um povo diverso do seu, como foi o caso das colonizações europeias. É interessante compreender essa dinâmica nas mudanças de regras e valores e perceber quais os impactos cada indivíduo pode sofrer com essas transformações. Cabe também salientar que as regras e valores se formam con- comitantemente e não é possível criar regras que ferem os valores de uma sociedade, assim como não é possível sustentar valores sem regras vinculadas. Hoje, essas influências parecem não ser mais tão nítidas, pois, devido à globalização, os valores culturais passa- ram a ser mais globais. Os cientistas sociais são os mais aptos a identificar esses processos de influências. Apesar, no entanto, dessa falta de transparência, as influências externas continuam a ocorrer, basta notarmos a influên- cia da cultura norte-americana a nível mundial. O que ocorre atualmente é que não há como afirmar com certeza se tal influência é apenas interna ou externa. Para ampliar seu conhecimento e reflexão sobre as consequências da globalização diante da cultura sugerimos a leitura o artigo “Novos horizontes antropológicos: indivíduo, cultura e globalização”, de Thaís de Oliveira Tessarotto, disponível no link a seguir: <http://www.cchla. ufpb.br/caos/thaisoliveira.pdf>. 8 Desenvolvimento Humano e Social | Unidade 3 - Choques Culturais O processo de globalização aumentou o contato de diversos povos e sociedades diferentes ao redor do mundo. O comércio internacional, as multinacionais, o turismo e a gastronomia são atividades que contribuíram para que as fronteiras geográficas fossem superadas, estreitando as relações culturais e políticas de diversos países pelo globo. Figura 3.4 – Diversidade de pessoas. Legenda: A imagem apresenta pessoas com diferentes características físicas, representando a diversidade entre as pessoas. Fonte: Plataforma Deduca (2018). A cultura norte-americana, nesse contexto, é muito disseminada, e tornou-se, para muitos, uma referência a partir da qual as outras sociedades deveriam se comparar e ter como modelo. Esse pensamento é muito discutido e criticado, mas, com a globalização, em termos de diversidade cultural, temos uma oportunidade de que outras culturas passem a ser conhecidas globalmente. Antes do processo de globalização, cada cultura fazia parte da história de uma determinada sociedade, era mais enraizada, formando a identidade de um povo. Agora, em tempos pós-modernos, as diferentes culturas acabam influenciando umas às outras e, com isso, temos os desafios do multiculturalismo. Sobre o multiculturalismo, sugerimos a leitura do artigo “Globalização e identidade: desafios do multiculturalismo”, de Joanildo Burit, disponível em <https://www.researchgate.net/publica- tion/242194229_GLOBALIZACAO_E_IDENTIDADE_DESAFIOS_DO_MULTICULTURALISMO>. 9 Desenvolvimento Humano e Social | Unidade 3 - Choques Culturais Vamos compreender melhor esses desafios. Antes da globalização, era mais claro identificar a forma cultural de um povo, seus hábitos, suas crenças, simbologias e até mesmo sua influência em outra cultura. Seria óbvio, portanto, que uma grande cultura como a dos EUA facilmente se difundiria por meio de seus filmes, produtos e fast-foods. É um fato que os norte-americanos impactavam – e ainda impactam – outros povos, mas agora, com a globali- zação, culturas antes desconhecidas também têm influenciado em algum grau o mundo todo. Vem ocorrendo, assim, o desenraizamento cultural, em que as crenças, hábitos e símbolos deixam de pertencer a um único lugar, influenciando outras culturas. A importação de modelos globais, em todas as dimensões da vida humana, pulveriza a dimensão simbólica de forma violenta, transformando os modos de produção, os hábitos, os valores etc., pro- movendo um desenraizamento cultural, gerando um mundo de incertezas e de riscos produzidos, o qual se desdobra na perda da liberdade e da identidade humana (ANDRADE; BOSI, 2003, p. 118). A Antropologia, como ciência, não se preocupa em julgar se as transformações nas tradições é algo bom ou ruim. O que se busca é uma reflexão sobre o papel da cultura e como a diver- sidade cultural pode influenciar em nossas vidas. As tribos urbanas são um fenômeno que nos ajuda a entender como os símbolos de muitas culturas se misturam e acabam se tornando uma expressão cultural. Você consegue identificar facilmente esses grupos pelas roupas, a linguagem e as atitudes caracterizam sua identidade própria. Os grupos políticos e religiosos igualmente se diferenciam, pois eles defendem uma tradição ou uma ideologia. Figura 3.5 – Diferentes culturas. Legenda: A imagem apresenta diferentes figuras que fazem referência às diferentes culturas que compõem o mundo. Fonte: Plataforma Deduca (2018). 10 Desenvolvimento Humano e Social | Unidade 3 - Choques Culturais No que se refere às tradições no mundo pós-moderno, elas não desapareceram, mas se transformaram. Em cada sociedade tem-se uma gama enorme de valores, regras e normas. Os valores vigentes ou predominantes, a princípio, são defendidos pela maioria da população de um determinado grupo ou sociedade, caracterizando a cultura desse povo. As transformações que ocorrem nessa cultura, por sua vez, podem levar a consequências negativas para deter- minados grupos de pessoas. Podemos, nesse sentido, identificar duas tendências relacionadas a essas mudan- ças: os conservadores, que são aqueles que defendem a conservação de uma determinada ordem de valores, e os inovadores, que confrontam valores e regras em busca de uma mudança. Por isso, quando há um processo de transformação de valores e regras, conservadores rejeitam a mudança, muitas vezes se respaldando da moral e dos bons costumes, e os inovadores aceitam e buscam as mudanças, podendo ser mais liberais em determinadas situações. Sempre que ocorrem transformações nos valores e regras de uma sociedade, dois grupos de reações distintas podem aparecer: os que rejeitam, que são os conservadores, e os que aceitam, sendo estes os inovadores. Os conservadores são aqueles que querem manter a ordem de valores vigentes e, a princípio, teriam um poder de inibir os inovadores. Por isso os inovadores geralmente enfrentam situações adversas até que sua conduta não seja mais vista como uma ameaça, sendo aceita pelo grupo. Podemos, ainda, verificar que a cultura e os valores possuem dois graus de existência: o ideal e o real. O ideal é algo abstrato, idealizado, uma construção mental, muitas vezes inatingível. O real é tangível, é a realidade de como os valores são vividos na prática. Vejamos um exemplo bem comum para entendermos melhor esse assunto. A sustentabilidade e preservação do meio ambiente passaram a ser um valor a ser protegido pela humanidade quando se percebeu que os recursos naturais são finitos. O plano ideal é que usaríamos os recursos e esses recursos não acabariam, mas a realidade é outra, pois usamos de forma abusiva os recursos domeio ambiente, causando desequilíbrio ecológico, poluição e danos irreparáveis ao ecossistema, contexto em que se percebe que a mentalidade atual é muito diferente das gerações passadas. Há diferentes situações que demonstram a ideia de real e ideal sobre as regras e valores de nossa sociedade. Faça um exercício mental e relacione outros aspectos que envolvam nossa cultura e perceba como os valores foram mudando com o passar do tempo. 11 Desenvolvimento Humano e Social | Unidade 3 - Choques Culturais Compreender esse movimento em nossas culturas é entender que toda cultura é dinâmica, viva e está, portanto, em constante transformação. 3.2 Religiões Estudar a cultura nos leva a estudar também a origem da humanidade, bem como os costumes e hábitos apren- didos e repassados de geração em geração, que são comportamentos relacionados à sobrevivência humana. Podemos compreender o comportamento do ser humano através de características biológicas, por experiências psicológicas (razão e emoção) e pelo meio social em que vivemos. A Antropologia, a Arqueologia, a Paleontologia e a História buscam compreender, através de suas pesquisas, a diferença do ser humano em relação aos outros animais a partir do comportamento e da vida em sociedade, mostrando o que nos torna tão diferentes de todos os outros seres vivos. Nessa perspectiva, nosso comporta- mento foi moldado durante as gerações em um longo processo histórico em que a biologia e a cultura foram responsáveis por consideráveis mudanças no ser humano. Em um contexto comportamental, é importante perceber que a relação entre cultura e religião é diferente. Nas relações religiosas a fé é o fundamento que se manifesta na crença. A religião trata do transcendente, do eterno e do absoluto. Essas perspectivas só podem ser abordas e compreendidas através do ponto de vista humano, considerando que as diferentes religiões nasceram das diversas culturas, das diferentes perspectivas humanas, e é isso que nos diferencia de tudo e de todos. Figura 3.6 – Templo budista. Legenda: A imagem representa um templo budista, ilustrando uma cultura proveniente da religião. Fonte: Plataforma Deduca (2018). Quando afirmamos que o ser humano é um ser religioso, queremos dizer que, na história da humanidade, o homem sempre buscou ultrapassar as concepções de sua existência. Historicamente, ele procurou de maneiras diversas, no tempo e no espaço, a relação com o transcendente. Nesse aspecto, a busca do absoluto, do eterno, moveu a humanidade ao entendimento de sua existência. Assim, o homem torna-se religioso de maneiras dife- rentes, na história e nos diversos lugares, dependendo de cada cultura. 12 Desenvolvimento Humano e Social | Unidade 3 - Choques Culturais Transcendência se refere à relação de Deus com o mundo. Transcendente significa, nesses termos, que Deus transpõe, ultrapassa os limites da compreensão humana. Esse significado tem origem na visão aristotélica de Deus como princípio criador, se opondo à ideia de que Deus é uma manifestação da humanidade. Os povos pré-históricos não deixaram registros escritos de que eles tinham religiosidade. Contudo, temos evi- dências como construções arquitetônicas, túmulos e pinturas rupestres, que levaram a Antropologia a concluir que aqueles povos possuíam religiosidade e que, de alguma forma, buscavam a transcendência. Entre os povos que sobreviviam da agricultura, os ritos mudavam seguindo o ciclo da vida: o nascimento, o desenvolvimento, a procriação e a morte. Esses povos percebiam que as sementes nasciam, se desenvolviam e, no ciclo de reprodução, voltavam a ser sementes de novo, para assim renascer. Essa percepção levou o homem à concepção de que também era assim com o ser humano: morrendo, ressuscitava em uma outra dimensão, como acontecia com a natureza. O ser humano, então, criou ritos e cultos, que podiam variar de acordo com cada cul- tura. Alguns eram até extravagantes e cruéis. O politeísmo foi mais intenso em povos da Antiguidade, como os do Egito, Grécia e Roma. Com cultos a inúmeros deuses, considerava-se um deus para cada elemento importante para a sobrevivência, como o deus da sexuali- dade, o deus da agricultura e os deuses da natureza (por exemplo, do fogo, das tempestades e dos trovões). No decorrer do tempo, independentemente da forma religiosa, o homem sempre esteve aberto ao transcen- dente, tendo, em decorrência disso, uma elevada moral no que diz respeito a questões como o roubo, assassinato e adultério, visto que, nesses pontos, as punições não eram somente sociais, mas também religiosas. Com a evo- lução da ciência moderna, o sentido das coisas passou a ser a experiência empírica, podendo ser quantificado, medido e provado cientificamente. Nessas transformações, a humanidade perdeu muito a sensibilidade pelo universal, pelo transcendente e o sen- tido das coisas começou a ser buscado pelo racionalismo. A concepção cientificista tentou ignorar a transcen- dência, a religiosidade e a plenitude da existência, principalmente nos períodos do Renascimento e da Moderni- dade, gerando uma crise a qual os pensadores denominaram de crise da modernidade. Dessa forma, ao ignorar a transcendência, a ciência moderna não conseguiu encontrar respostas aos questiona- mentos da dimensão religiosa do ser humano. É por isso que hoje, na pós-modernidade, a experiência religiosa retorna como uma necessidade do homem a ultrapassar suas concepções. Em que aspectos a humanidade progrediu e em que aspectos regrediu, na modernidade, tendo como referencial a ciência e a experiência do transcendente? 13 Desenvolvimento Humano e Social | Unidade 3 - Choques Culturais Podemos dizer que toda cultura desenvolveu um sistema religioso e é importante reconhecer que é partir da cultura que se formam os conceitos religiosos. Como consequência, um determinado povo tem uma mesma fé para enfrentar seus problemas e desafios. Figura 3.7 – Igreja cristã. Legenda: A imagem apresenta a região interna de uma igreja cristã, representando o Cristianismo, uma das religiões mais populares do mundo. Fonte: Plataforma Deduca (2018). Entre as principais religiões do mundo, temos as monoteístas, como o Judaísmo, o Cristianismo e o Islamismo; as religiões asiáticas, como o Hinduísmo, o Budismo, o Confucionismo, o Xintoísmo e o Taoísmo; e, no continente africano, se destacam o Vodu e o Candomblé. No Brasil, apesar de sermos um país predominantemente cristão católico, temos um grande número de cristãos protestantes, além de termos outras expressões religiosas como o Espiritismo, o Candomblé (herdado da África) e a Umbanda (oriunda do sincretismo entre o catolicismo popular e o Candomblé). O artigo “Religião, Diversidade e Valores Culturais: conceitos teóricos e a educação para Cida- dania”, escrito por Eliane Moura da Silva, é uma leitura que recomendamos para que possa refletir e ampliar seu conhecimento sobre o tema. Ele se encontra disponível em <http:// www.pucsp.br/rever/rv2_2004/p_silva.pdf>. 14 Desenvolvimento Humano e Social | Unidade 3 - Choques Culturais 3.3 Movimentos migratórios O deslocamento de pessoas de um local para outro é um movimento tão antigo quanto a humanidade. Os movi- mentos migratórios são complexos e ocorrem devido às adversidades de situações e causas que levam um povo a sair de sua terra e se instalar em outro lugar. Os motivos de uma migração podem ser das mais variadas situações. Por exemplo, aspectos econômicos, religio- sos, escassez de recursos naturais, política, guerra e fome podem levar um povo a abandonar sua terra de origem e a tentar encontrar um novo lugar para recomeçar sua vida, em busca de sobrevivência, com esperança de novas oportunidades. A migração sempre obedece a duas etapas: a emigração, que é a saída do povo de um lugar, correspondente à área repulsiva, e a imigração, queé a chegada do povo a algum lugar, cor- respondendo à área atrativa. As migrações podem ser classificadas de acordo com o tempo, espaço e organização. Os movimentos migratórios podem ser temporários, como acontece no nomadismo e nas migrações sazonais e diárias, ou permanentes. Os nômades são principalmente compostos por comunidades que vivem da caça, pesca e pequenos rebanhos. Geralmente, quando pensamos nos nômades, lembramos daqueles povos do deserto, além de comerciantes com suas caravanas, que cruzam desertos africanos e asiáticos vendendo seus produtos em feiras e mercados. Figura 3.8 – Nômades. Legenda: A imagem faz referência a um grupo de nômades, representando os movimentos migratórios. Fonte: Plataforma Deduca (2018). 15 Desenvolvimento Humano e Social | Unidade 3 - Choques Culturais A migração sazonal é aquela realizada em função das estações do ano, estando ligada à agricultura, ao plantio e à colheita de um produto. As comunidades se mudam, ainda, de acordo com a oferta de trabalho. Existe uma migração sazonal conhecida como transumância, que é o deslocamento periódico entre dois lugares determi- nados. Esse é um movimento muito antigo, geralmente feito por comunidades pastoreias que vivem em regiões com chuvas bem definidas, em que as áreas de planície alagam e essas comunidades são forçadas a mudar para o planalto. Acabando os períodos de chuva, esses povos voltam para a região de planície. É um movimento muito comum na região da Ásia das Monções. As migrações diárias, também conhecidas como movimentos pendulares, são os deslocamentos diários de tra- balhadores e estudantes entre duas cidades ou entre cidade e área rural. Os boias-frias são exemplos desse tipo de movimento. As migrações permanentes são aquelas em que o migrante se desloca definitivamente. Cabe notar que as gran- des correntes migratórias, ultrapassando fronteiras, é tão antiga quanto a humanidade. A história nos mostra como exemplo o povo de Israel migrando do Egito para Canaã ou os hindus se deslocando da Índia para o Vietnã. Nos últimos séculos, ocorreram dois grandes movimentos migratórios: o primeiro no período entre 1870 a 1930 e o segundo após a Segunda Guerra Mundial. No período entre 1870 a 1930, grandes migrações ocorreram da Europa e Ásia para América, África e Oceania. A migração europeia teve como causa a explosão demográfica, que se deu devido à melhoria da qualidade de vida e aos avanços da medicina e da ciência, aumentando a expec- tativa de vida das pessoas consideravelmente. As consequências das guerras anteriores e condições climáticas adversas causaram uma escassez de alimentos, forçando a população excedente a migrar para países coloniza- dos recentemente, como Brasil, Canadá, Estados Unidos, Argentina, Uruguai, Chile, Austrália, Nova Zelândia e África do Sul. Os movimentos migratórios que ocorreram após a Segunda Guerra e que continuam até os dias de hoje têm como uma das principais causas a pobreza decorrente das desigualdades sociais, que se agravaram nas últimas décadas em decorrência da globalização. Na Europa, a diminuição da taxa de natalidade, o aumento de idosos e a elevação da educação reduziram o contingente de trabalhadores braçais, estimulando as migrações de traba- lhadores oriundos da América Latina, África e Ásia, todos indo em direção aos Estados Unidos, Canadá, Europa, Japão e Austrália. Figura 3.9 – Imigrantes mulçumanos. Legenda: A imagem apresenta diferentes pessoas com trajes mulçumanos, representando os imigrantes. Fonte: Plataforma Deduca (2018). 16 Desenvolvimento Humano e Social | Unidade 3 - Choques Culturais Contudo, as vantagens, tratando-se de migração, já não são as mesmas do passado. Além de enfrentarem um cho- que cultural, esses povos migrantes sofrem com a xenofobia, as diferenças culturais e a concorrência no mercado de trabalho entre o povo local e os imigrantes, situação que gera uma tensão na população dos países mais ricos. Os filhos dos imigrantes que, em movimentos passados, conseguiram a cidadania europeia ou estadunidense e tiveram acesso à educação, hoje disputam melhores opções de emprego. Concorrem, assim, diretamente com os europeus, que, devido ao aumento do desemprego, culpam os imigrantes, sustentando a ideia de que, sem os imigrantes, eles teriam seus postos de trabalho recuperados. O terrorismo é outra causa de xenofobia, atingindo principalmente os imigrantes islâmicos. Recentemente, tive- mos casos de imigração como a dos haitianos e a dos refugiados sírios, aumentando ainda mais a política contra a imigração ilegal, com o endurecimento das leis de imigração e combate aos clandestinos como forma de pro- teger os interesses dos cidadãos naturais do país. 17 Considerações finais Nesta unidade, tivemos acesso a muitas informações e conteúdos impor- tantes, afim de identificarmos e refletirmos sobre as diversas culturas no mundo e como os choques culturais ocorrem. Vamos retomar alguns pontos principais estudados até aqui? • A cultura é fruto do ser humano. Em cada lugar e tempo na história da humanidade existe uma cultura diversa, em que cada povo tem seus costumes, regras, crenças e formas de resolver seus problemas. • Em determinados períodos históricos, tivemos culturas que pre- dominavam em seu tempo, como foram os casos das culturas grega, romana e europeia medieval. Atualmente, temos a cultura norte-americana como uma forte influência no mundo todo. • A globalização foi um fator fundamental para que as diferentes culturas entrassem em contato. Por meio do aumento do comér- cio internacional, do turismo e das migrações, foram superadas fronteiras geográficas, o que estreitou as relações culturais e polí- ticas de diversos países pelo mundo. • Verificamos que a diversidade cultural, com o tempo, gerou gran- des transformações nas sociedades e que essas mudanças pude- ram suscitar dois tipos de reações: a dos conservadores, em que as pessoas são resistentes às mudanças, e a dos inovadores, em que elas aceitam e buscam as mudanças. • Percebemos a importância das religiões nas diferentes culturas e como elas influenciaram e influenciam os pensamentos e ideais de um povo, tendo em conta que a busca pelo eterno e transcen- dente é uma forte característica em todas as culturas do mundo. • Os grandes deslocamentos de pessoas é um fenômeno muito antigo na humanidade. As migrações ocasionam o choque de culturas e, quando há falta de compreensão e não se aceita o dife- rente, gera-se, no contato das diferentes culturas, reações extre- mas como a xenofobia. Referências bibliográficas 18 ANDRADE, A.; BOSI, M. L. M. Mídia e subjetividade: impacto no comporta- mento alimentar feminino. Revista de Nutrição, Campinas, vol. 16, n. 1, p. 117-125, jan./mar., 2003. Disponível em <http://www.scielo.br/pdf/rn/ v16n1/a11v16n1.pdf>. Acesso em: 19 jan. 2018. BURITY, J. Globalização e Identidade: desafios do multiculturalismo. Disponível em: <https://www.researchgate.net/publication/242194229_ GLOBALIZACAO_E_IDENTIDADE_DESAFIOS_DO_MULTICULTURA- LISMO>. Acesso em: 27 jan. 2018. LARAIA, R. de B. Cultura: um conceito antropológico. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006. OLIVEIRA, N.; FREITAS, M. do C. S. de. Fast-food: um aspecto da moder- nidade alimentar. In: FREITAS, M. do C. S. de.; FONTES, G. A. V.; OLIVEIRA, N. (Org.) Escritas e narrativas sobre alimentação e cultura. Salvador: EDUFBA, 2008. Disponível em: <http://books.scielo.org/id/9q/pdf/frei- tas-9788523209148-14.pdf>. Acesso em: 27 jan. 2018. SILVA, E. M. da. Religião, Diversidade e Valores culturais: conceitos teóri- cos e a educação para a cidadania. Revista de Estudos da Religião, São Paulo, n. 2, p. 1-14, 2004. Disponível em: <http://www.pucsp.br/rever/ rv2_2004/p_silva.pdf>. Acesso em: 21 jan. 2018. TESSAROTTO, T. de O. Novos Horizontes Antropológicos: indivíduo,cul- tura e globalização. Revista Eletrônica de Ciências Sociais, João Pes- soa, n. 7, p. 55-64, 2004. Disponível em: <http://www.cchla.ufpb.br/caos/ thaisoliveira.pdf>. Acesso em: 27 jan. 2018.
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