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2011 SociolinguíStica Prof.ª Fabíola Sucupira Ferreira Sell Prof. Alberto Gonçalves Copyright © UNIASSELVI 2011 Elaboração: Prof.ª Fabíola Sucupira Ferreira Sell Prof. Alberto Gonçalves Revisão, Diagramação e Produção: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. 306.44 S4671s Sell, Fabíola Sucupira Ferreira. Sociolinguística / Fabíola Sucupira Ferreira Sell [e] Alberto Gonçalves. Centro Universitário Leonardo da Vinci –: Indaial, Grupo UNIASSELVI, 2011.x ; 201.p.: il Inclui bibliografia. ISBN 978-85-7830-317-4 1. Sociolinguística 2. Etnografia – Etnologia Cultural I. Centro Universitário Leonardo da Vinci II. Núcleo de Ensino a Distância III. Título III apreSentação Prezado aluno! Este Caderno de Estudos traz a você um panorama dos estudos da Sociolinguística. A questão principal que nos ajudou a organizar a estrutura deste caderno é como o profissional de Letras pode lidar com a diversidade linguística. E aqui estamos pensando a diversidade linguística a partir da variação que se estabelece entre línguas diferentes, bem como a variação que se percebe dentro de uma mesma língua. Antes de explicar a você como este Caderno de Estudos está organizado, gostaríamos de agradecer às professoras Edair Görski e Izete L. Coelho, da Universidade Federal de Santa Catarina, que deram muitas dicas e sugestões para a organização deste material. Nosso Livro de Estudos está, pois, organizado da seguinte forma: na primeira unidade estudaremos as relações entre língua e sociedade, viajaremos por uma breve história da Sociolinguística e teremos um primeiro contato com suas áreas de estudo: a Dialetologia, a Sociolinguística Variacionista, o Sociointeracionismo, a Análise da Conversação, a Etnografia da Fala, a Política Linguística e os conceitos de Bilinguismo, Diglossia e Multilinguismo. Na segunda unidade estudaremos mais detalhadamente a Sociolinguística Variacionista, a partir de seus principais conceitos e de um estudo de caso variacionista. Na terceira unidade vamos estudar questões atuais em Sociolinguística, as quais levam em conta as definições de língua, língua padrão e dialeto, comportamentos e atitudes linguísticos, preconceito linguístico, bem como ensino de línguas e suas possíveis relações com a Sociolinguística. Ao final de cada unidade propusemos para você uma atividade de autoavaliação, que o ajudará a se apropriar dos conteúdos deste campo de estudo. Você está convidado a entrar agora neste estudo sobre Sociolinguística. Boa leitura, bons estudos! Prof.ª Fabíola Sucupira Ferreira Sell Prof. Alberto Gonçalves IV Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há novidades em nosso material. Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura. O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo. Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente, apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador. Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto em questão. Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa continuar seus estudos com um material de qualidade. Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes – ENADE. Bons estudos! NOTA Olá acadêmico! Para melhorar a qualidade dos materiais ofertados a você e dinamizar ainda mais os seus estudos, a Uniasselvi disponibiliza materiais que possuem o código QR Code, que é um código que permite que você acesse um conteúdo interativo relacionado ao tema que você está estudando. Para utilizar essa ferramenta, acesse as lojas de aplicativos e baixe um leitor de QR Code. Depois, é só aproveitar mais essa facilidade para aprimorar seus estudos! UNI V VI VII UNIDADE 1 – SOCIOLINGUÍSTICA: ASPECTOS GERAIS ................................................... 1 TÓPICO 1 – INTRODUÇÃO À SOCIOLINGUÍSTICA .............................................................. 3 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................. 3 2 A RELAÇÃO ENTRE LÍNGUA E SOCIEDADE ......................................................................... 4 3 HISTÓRICO DOS ESTUDOS SOCIOLINGUÍSTICOS ........................................................... 6 RESUMO DO TÓPICO 1 .................................................................................................................... 10 AUTOATIVIDADE ............................................................................................................................. 11 TÓPICO 2 – ÁREAS DOS ESTUDOS SOCIOLINGUÍSTICOS ............................................... 13 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................. 13 2 DIALETOLOGIA .............................................................................................................................. 14 3 SOCIOLINGUÍSTICA VARIACIONISTA .................................................................................. 18 4 SOCIOLINGUÍSTICA INTERACIONAL ................................................................................... 20 4.1 ANÁLISE DA CONVERSAÇÃO .............................................................................................. 23 4.2 ETNOGRAFIA DA COMUNICAÇÃO .................................................................................... 30 RESUMO DO TÓPICO 2 .................................................................................................................... 33 AUTOATIVIDADE ............................................................................................................................. 34 TÓPICO 3 – BILINGUISMO, MULTILINGUISMO E DIGLOSSIA: AS LÍNGUAS EM CONTATO ...................................................................................................................... 35 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................. 35 2 BILINGUISMO E MULTILINGUISMO ...................................................................................... 35 3 LÍNGUAS EM CONTATO .............................................................................................................. 37 RESUMO DO TÓPICO 3 .................................................................................................................... 44 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................45 TÓPICO 4 – POLÍTICA LINGUÍSTICA E O MULTILINGUISMO .......................................... 47 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................. 47 2 MULTILINGUISMO ........................................................................................................................ 47 LEITURA COMPLEMENTAR ........................................................................................................... 50 RESUMO DO TÓPICO 4 .................................................................................................................... 55 AUTOATIVIDADE ............................................................................................................................. 56 UNIDADE 2 – A SOCIOLINGUÍSTICA VARIACIONISTA ...................................................... 57 TÓPICO 1 – TIPOS DE VARIAÇÃO LINGUÍSTICA .................................................................. 59 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................. 59 2 VARIAÇÃO DIACRÔNICA ........................................................................................................... 60 3 VARIAÇÃO DIATÓPICA ............................................................................................................... 64 4 VARIAÇÃO DIASTRÁTICA .......................................................................................................... 67 5 VARIAÇÃO DIAMÉSICA .............................................................................................................. 72 Sumário VIII LEITURA COMPLEMENTAR ........................................................................................................... 75 RESUMO DO TÓPICO 1 .................................................................................................................... 77 AUTOATIVIDADE ............................................................................................................................. 78 TÓPICO 2 – VARIAÇÃO LINGUÍSTICA: ASPECTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS ... 79 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................. 79 2 A VARIÁVEL E AS VARIANTES LINGUÍSTICAS ................................................................... 79 3 LEVANTAMENTO/COLETA DE DADOS .................................................................................. 83 RESUMO DO TÓPICO 2 .................................................................................................................... 90 AUTOATIVIDADE ............................................................................................................................. 91 TÓPICO 3 – AS VARIÁVEIS SOCIAIS ........................................................................................... 93 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................. 93 2 GÊNERO/SEXO ................................................................................................................................. 93 3 IDADE/FAIXA ETÁRIA .................................................................................................................. 94 4 ESCOLARIDADE ............................................................................................................................. 97 5 CONTEXTO DE INTERAÇÃO SOCIAL ..................................................................................... 99 RESUMO DO TÓPICO 3 .................................................................................................................... 101 AUTOATIVIDADE ............................................................................................................................. 102 TÓPICO 4 – AS VARIÁVEIS LINGUÍSTICAS .............................................................................. 103 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................. 103 2 AS VARIÁVEIS FONOLÓGICAS E MORFOSSINTÁTICAS ................................................. 103 3 VARIAÇÃO LINGUÍSTICA: EXEMPLO DE ANÁLISE ........................................................... 106 LEITURA COMPLEMENTAR ........................................................................................................... 121 RESUMO DO TÓPICO 4 .................................................................................................................... 125 AUTOATIVIDADE ............................................................................................................................. 126 UNIDADE 3 – QUESTÕES ATUAIS EM SOCIOLINGUÍSTICA .............................................. 127 TÓPICO 1 – LÍNGUA E DIALETO .................................................................................................. 129 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................. 129 2 LÍNGUA E DIALETO ...................................................................................................................... 130 RESUMO DO TÓPICO 1 .................................................................................................................... 139 AUTOATIVIDADE ............................................................................................................................. 140 TÓPICO 2 – NORMA PADRÃO, NORMA CULTA, NORMA POPULAR OU VERNACULAR ............................................................................................................................. 141 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................. 141 2 NORMA PADRÃO, NORMA CULTA, NORMA POPULAR OU VERNACULAR ............. 141 RESUMO DO TÓPICO 2 .................................................................................................................... 152 AUTOATIVIDADE ............................................................................................................................. 153 TÓPICO 3 – COMPORTAMENTOS E ATITUDES LINGUÍSTICOS ....................................... 155 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................. 155 2 PRECONCEITO LINGUÍSTICO ................................................................................................... 155 3 O CÍRCULO VICIOSO E A DESCONSTRUÇÃO DO PRECONCEITO LINGUÍSTICO . 161 4 ESTRANGEIRISMOS ...................................................................................................................... 164 LEITURA COMPLEMENTAR ........................................................................................................... 169 RESUMO DO TÓPICO 3 .................................................................................................................... 173 AUTOATIVIDADE ............................................................................................................................. 174 IX TÓPICO 4 – ENSINO DE LÍNGUA E SOCIOLINGUÍSTICA ................................................... 175 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................. 175 2 SOCIOLINGUÍSTICA E LÍNGUA MATERNA .......................................................................... 176 3 SOCIOLINGUÍSTICA E ENSINO: TEXTOS PARA REFLEXÃO E DEBATE ....................... 185 LEITURA COMPLEMENTAR ...........................................................................................................188 RESUMO DO TÓPICO 4 .................................................................................................................... 194 AUTOATIVIDADE ............................................................................................................................. 195 REFERÊNCIAS ..................................................................................................................................... 197 X 1 UNIDADE 1 SOCIOLINGUÍSTICA: ASPECTOS GERAIS OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PLANO DE ESTUDOS A partir desta unidade, você será capaz de: • refletir e discutir sobre as relações entre língua e sociedade, a partir dos estudos sociolinguísticos; • identificar e discutir os vários campos de investigação dos estudos socio- linguísticos. Esta primeira unidade está dividida em quatro tópicos. No final de cada tópico, você encontrará atividades que possibilitarão a apropriação de conhecimentos na área. TÓPICO 1 – INTRODUÇÃO À SOCIOLINGUÍSTICA TÓPICO 2 – ÁREAS DOS ESTUDOS SOCIOLINGUÍSTICOS TÓPICO 3 – BILINGUISMO, MULTILINGUISMO E DIGLOSSIA: AS LÍNGUAS EM CONTATO TÓPICO 4 – POLÍTICA LINGUÍSTICA E O MULTILINGUISMO Assista ao vídeo desta unidade. 2 3 TÓPICO 1 UNIDADE 1 INTRODUÇÃO À SOCIOLINGUÍSTICA 1 INTRODUÇÃO “Toda ordem tende a ser ‘desordem’ ou ‘simplicidade’ aos olhos dos portadores de uma ordem diferente”. (José Carlos Rodrigues, Antropologia da comunicação: princípios radicais) Nesta unidade você tomará contato com os principais conceitos e as principais correntes da sociolinguística. A primeira pergunta que você deve estar se fazendo é: o que é a sociolinguística? Vejamos uma definição: A sociolinguística é uma área que estuda a língua em seu uso real, levando em consideração as relações entre a estrutura linguística e os aspectos sociais e culturais da produção linguística. Para esta corrente, a língua é uma instituição social e, portanto, não pode ser estudada como uma estrutura autônoma, independente do contexto situacional, da cultura e da história das pessoas que a utilizam como meio de comunicação. (CEZARIO; VOTRE, 2009, p. 141). Em outras palavras, a sociolinguística preocupa-se com a língua falada em contextos socialmente construídos. Tais contextos estão relacionados com outro conceito importante para esta área, o conceito de comunidade de fala ou linguística, a qual pode ser definida como um “[...] conjunto de pessoas que interagem verbalmente e que compartilham um conjunto de normas com respeito aos usos linguísticos”. (ALKMIM, 2005, p. 31). Entretanto, isso não significa dizer que em uma comunidade de fala todos falam da mesma maneira. O que veremos é que os indivíduos de uma mesma comunidade linguística vão escolhendo, de acordo com cada situação comunicativa, maneiras diferentes de interagir e essas escolhas não são aleatórias, elas dependem de fatores sociais e culturais previamente colocados. Isso acontece porque as línguas variam em muitos aspectos: as línguas variam de região para região, as línguas variam de acordo com a idade, o sexo, e a posição social dos falantes, as línguas variam de acordo com a situação sociocomunicativa, as línguas variam historicamente. Durante nossos estudos, faremos um passeio por várias abordagens sociolinguísticas que procuram mostrar como e por que essas variações ocorrem e os conflitos que podem estar envolvidos na diversidade linguística. E para começar nossa conversa, na próxima seção estudaremos um pouco desta relação entre língua e sociedade que norteia os estudos sociolinguísticos. UNIDADE 1 | SOCIOLINGUÍSTICA: ASPECTOS GERAIS 4 FIGURA 1 – TORRE DE BABEL FONTE: Disponível em: <http://www.diaadia.pr.gov.br/tvpendrive/arquivos/Image/conteudos/ imagens/portugues/babel.jpg>. Acesso em: 24 jul. 2010. Você conhece a história da Torre de Babel e sua relação com as línguas do mundo? Faça uma pesquisa sobre este tema. AUTOATIVIDADE 2 A RELAÇÃO ENTRE LÍNGUA E SOCIEDADE A relação existente entre língua e sociedade tem interessado muitos autores – filósofos e linguistas, uma vez que é a partir dessa relação que a humanidade vem se constituindo. Segundo Alkmim (2005, p. 21), “[...] a história da humanidade é a história de seres organizados em sociedade e detentores de um sistema de comunicação oral, ou seja, uma língua”. TÓPICO 1 | INTRODUÇÃO À SOCIOLINGUÍSTICA 5 Embora essa relação entre língua e sociedade seja inegável, ela não é tão óbvia e pode ser compreendida sob diversos pontos de vista. Assim, a maneira como cada estudo da linguagem vê a relação entre língua e sociedade depende de diversos fatores sócio-históricos, decorrentes do tempo-espaço em que cada estudioso se insere. A constituição das nações do mundo como tal teve como um dos pontos principais a ideia de uma língua nacional, a qual identifica um determinado povo. Essa ideia dá origem também à ilusão de que as línguas são uniformes e de cada nação tem sua única e soberana língua. Ocorre que é só olhar mais demoradamente para as nações e perceberemos que essa ideia da homogeneidade é apenas uma abstração. Assim, se pedirmos para você dizer qual é a língua falada no Brasil, prontamente você responderá: é o português! Bom, mas sabemos que no Brasil coexistem muitas línguas indígenas, línguas dos nossos colonizadores e ainda muitas variedades do próprio português, não é mesmo? É aqui que entra a ideia de dialeto. De modo geral, para a sociolinguística, as variações regionais são dialetos. No senso comum, esta palavra expressa uma língua de menor prestígio, se comparada com a língua oficial da nação. Para a sociolinguística, por outro lado, veremos que não há língua, ou dialeto, mais importante que o outro. O que há são variedades diferentes, cada qual com suas características próprias, que precisam ser descritas e analisadas. É claro que esta questão não é tão simples assim. Se pensarmos, por exemplo, nos dialetos do Sul e do Norte do país, teremos diferenças marcantes entre eles que sustentam a classificação em dois dialetos distintos. Entretanto, pode acontecer de termos falares com menos diferenças entre regiões contíguas, e aí talvez tenhamos um problema em separar estes falares em dois dialetos distintos, não é verdade? Você pode estar se perguntando: mas então qual é a diferença entre uma língua e um dialeto? Vejamos o que nos diz McCleary (2008, p. 7): Os dialetos são idênticos às línguas, do ponto de vista linguístico. Eles têm tudo o que as línguas têm. Não são menores ou mais simples ou menos perfeitos. Os dialetos, do ponto de vista linguístico, são línguas. Mas do ponto de vista da sociolinguística, são línguas que não atingiram a autonomia na imaginação popular. UNI Durante nossos estudos de sociolinguística, voltaremos a essas questões novamente sob vários pontos de vista, como, por exemplo, a questão do preconceito linguístico envolvido na definição de dialeto e de língua padrão. Na Unidade 3 deste caderno discutiremos em mais detalhes os conceitos de língua e dialeto. UNIDADE 1 | SOCIOLINGUÍSTICA: ASPECTOS GERAIS 6 Para obter informações sobre as línguas no mundo, acesse o site: <www.ethnologue.com>. Você pode pesquisar sobre a língua portuguesa e descobrir que países falam português no mundo. Segundo o Ethnologue, existem cerca de 6.900 línguas catalogadas no mundo. AUTOATIVIDADE 3 HISTÓRICO DOS ESTUDOS SOCIOLINGUÍSTICOS Antes de a sociolinguística se estabelecer como área de estudo da linguística, já havia pesquisadores preocupados com a questão da diversidade linguística. Um destes autores foi Antoine Meillet (1866-1936). FIGURA 2 – ANTOINE MEILLET (1866-1936) FONTE: Disponível em: <http://titus.uni-frankfurt.de/personal/ galeria/meillet.jpg>. Acesso em: 24 jul. 2010. Meillet estudoua mudança linguística na França a partir da relação entre a estrutura social e as relações nas quais a linguagem se desenvolve, afirmando assim a forte ligação entre língua, cultura e sociedade. Calvet (2002) observa que, embora Meillet tenha ficado conhecido como discípulo de Saussure, após a publicação póstuma do Curso de linguística geral deste, os estudos sobre a linguagem feitos por Meillet podem ser considerados como opostos ao que Saussure propunha para o entendimento de língua como fato social: “[...] enquanto Saussure busca elaborar um modelo abstrato de língua, Meillet se vê em conflito com o fato social e o sistema que tudo contém: para ele não se chega a compreender os fatos da língua sem fazer referência à diacronia, à história.” (CALVET, 2002, p. 15). TÓPICO 1 | INTRODUÇÃO À SOCIOLINGUÍSTICA 7 Ainda como precursores da sociolinguística, temos os dialetólogos que na década de 1930 trabalharam no Atlas Linguístico dos Estados Unidos e do Canadá, buscando associar informações sociais e geográficas na descrição dos dialetos. (CEZARIO; VOTRE, 2009). Na próxima seção abordaremos em mais detalhes a dialetologia como uma subárea da sociolinguística. De fato a sociolinguística surge como uma área da linguística, e sob tal termo, em 1964, a partir de um congresso organizado pelo linguista William Bright (1928-2006), na Universidade da Califórnia, em Los Angeles (UCLA), em oposição aos estudos gerativistas de Noam Chomsky, os quais se encontravam em plena ascensão. FIGURA 3 – WILLIAM BRIGHT FONTE: Disponível em: <http://www.ncidc.org/bright/bill.jpg >. Acesso em: 24 jul. 2010. Os estudos apresentados nesse congresso foram posteriormente organizados e publicados em 1966 sob o título Sociolinguistics, no qual consta o clássico trabalho de Bright intitulado As dimensões da sociolinguística, publicado no Brasil pela Editora Eldorado, Rio de Janeiro, em 1974, e no qual o autor define e caracteriza esta nova área de estudo. (ALKMIM, 2005; CALVET, 2002). UNIDADE 1 | SOCIOLINGUÍSTICA: ASPECTOS GERAIS 8 Nesse trabalho clássico e introdutório, Bright procura definir o campo da sociolinguística, tarefa que ele mesmo considera nada fácil de definir com precisão (CALVET, 2002), e propõe que o objeto de estudo da sociolinguística seja a diversidade linguística, devendo demonstrar as variações linguísticas em uma comunidade e correlacioná-las com as diferenças na estrutura social dessa mesma comunidade. O conjunto de fatores sociais que podem estar relacionados com a diversidade linguística são definidos por Bright da seguinte maneira, nas palavras de Alkmim (2005, p. 28-29): a) Identidade social do emissor ou do falante – relevante, por exemplo, em estudos dos dialetos de classes sociais e das diferenças entre falas femininas e masculinas; b) identidade social do receptor ou ouvinte – relevante, por exemplo, no estudo das formas de tratamento, da baby talk (fala utilizada por adultos para se dirigirem aos bebês); c) o contexto social – relevante, por exemplo, no estudo das diferenças entre a forma e a função dos estilos formal e informal, existentes na grande maioria das línguas; d) o julgamento social distinto que os falantes fazem do próprio comportamento linguístico e sobre o dos outros, isto é, as atitudes linguísticas. Alkmim (2005) ressalta também que os estudos sociolinguísticos inaugurados em 1964 são na verdade uma continuação dos estudos tradicionais da chamada Antropologia Linguística, que teve início no começo do século XX com pesquisadores como Franz Boas (1911) e seus discípulos Edward Sapir (1921) e Benjamin Lee Whorf (1941). Esses estudos tradicionais consideram linguagem, cultura e sociedade como fenômenos inseparáveis, por isso o trabalho conjunto entre Antropologia e Linguística. Além disso observa que a sociolinguistica surge, portanto, como uma área de estudos interdisciplinares, a partir das pesquisas de vários autores que buscavam explicar as relações existentes entre a linguagem e os aspectos de ordem sociocultural. Dentre tais pesquisadores, a autora destaca dois: Dell Hathaway Hymes, que, em 1962, propõe em um artigo a Etnografia da Fala, hoje conhecida como Etnografia da Comunicação; e William Labov que, em meados de 1960, publica suas pesquisas clássicas em que demonstra o papel decisivo dos fatores sociais como idade, sexo, ocupação, origem étnica e atitude na diversidade linguística estabelecida em cada comunidade. A metodologia utilizada por Labov dá origem à sociolinguística variacionista, a qual veremos em mais detalhes adiante. O autor lembra também que nesse mesmo ano em que a sociolinguística surge como uma nova área da linguística, acontece em Bloomington, Indiana, um outro congresso que reúne linguistas e cientistas sociais os quais debatem sobre questões relacionadas à dialetologia social, à escolarização de camadas pobres e de origem estrangeira da sociedade. Dessas pesquisas surgem obras como Directions in Sociolinguistics: report on a interdisciplinar seminar, de Ferguson (1965), Explorations in Sociolinguistics, editado por Lieberson (1966), e Social dialects and language learning, editado por Shuy (1964). TÓPICO 1 | INTRODUÇÃO À SOCIOLINGUÍSTICA 9 Calvet (2002) observa que, enquanto Bright em seus estudos via a sociolinguística como subordinada às grandes áreas como a linguística, a antropologia e a sociologia, para Labov a sociolinguística é a própria linguística, como mostra o extrato do capítulo 8 de seu livro Sociolinguistic Patterns: Para nós nosso objeto de estudo é a estrutura e a evolução da linguagem no seio do contexto social formado pela comunidade linguística. Os assuntos considerados provêm do campo normalmente chamado “linguística geral”: fonologia, morfologia, sintaxe e semântica […]. Se não fosse necessário destacar o contraste entre este trabalho e o estudo da linguagem fora de todo contexto social,eu diria de bom grado que se trata simplesmente de linguística. (LABOV citado por CALVET, 2002, p. 32). ATENCAO Para saber mais, leia o capítulo 1, intitulado “A luta por uma concepção social da língua”, da obra Sociolinguística: uma introdução crítica, de Louis-Jean Calvet. 10 Neste tópico nós vimos que a Sociolinguística surgiu como uma área interdisciplinar, levando em conta estudos sociológicos, antropológicos e linguísticos. Vimos também seus principais expoentes, como Antoine Meillet e William Bright, que contribuíram para a constituição da área, já delineando as relações entre língua e sociedade. No próximo tópico, faremos uma breve exposição das áreas de estudos sociolinguísticos para que você tenha contato com os fundamentos de cada uma delas. Chamamos de breve exposição porque cada uma destas áreas tem se desenvolvido de forma surpreendente, com excelentes trabalhos, e certamente um estudo mais aprofundado daria um Caderno de Estudos como este para cada uma delas. RESUMO DO TÓPICO 1 11 Escreva um texto de 5 a 10 linhas colocando nele o que você entendeu sobre a relação entre língua e sociedade. AUTOATIVIDADE Assista ao vídeo de resolução desta questão 12 13 TÓPICO 2 ÁREAS DOS ESTUDOS SOCIOLINGUÍSTICOS UNIDADE 1 1 INTRODUÇÃO Os estudos sociolinguísticos podem abordar a diversidade linguística a partir de uma macroanálise das variedades linguísticas ou ainda a partir de uma microanálise dessas variedades. Para Calvet esta distinção não é imediatamente visível e nem tampouco elas são opostas. Isso porque, na verdade, dizer que uma análise é macro ou micro depende do ponto sob o qual a estamos encarando, já que não há um binarismo tão evidente entre elas. O que Calvet pretende mostrar é que a primeira abordagem é inseparável da segunda: A análise da comunicação em uma família, por exemplo, parece mais ‘macro’ que do idioleto de umfalante e mais micro que a de um bairro ou de uma cidade, que por sua vez é mais ‘micro’ que a análise da situação sociolinguística de uma região ou de um país. Aqui o que está posto é o problema da comunidade linguística e sociológica estudada, mas não se pode esquecer que se, entre a análise de uma conversação e a de uma cidade, por exemplo, existe uma escala contínua que vai da atenção dispensada ao pormenor à atenção dispensada aos conjuntos, essas duas abordagens ainda estão ligadas. (CALVET, 2002, p. 123-124). ESTUDOS FU TUROS Nas próximas seções veremos as principais correntes da sociolinguística: a dialetologia, a sociolinguística variacionista e o sociointeracionismo, o qual tem como desdobramento a análise da conversação e a etnografia da comunicação. UNIDADE 1 | SOCIOLINGUÍSTICA: ASPECTOS GERAIS 14 2 DIALETOLOGIA Uma das áreas dos estudos sociolinguísticos que estuda os efeitos entre língua e sociedade é a Dialetologia, a qual tem como foco de estudo a variação linguística que surge em regiões geográficas diferentes. Já mencionamos que as línguas variam no tempo, ou seja, diacronicamente. Essas variações acabam por constituir as mudanças linguísticas. Vejamos um exemplo disso: No português arcaico (entre os séculos XII e XVI), ocorriam construções impessoais em que a indeterminação do sujeito era indicada pelo vocábulo “homem”, com o mesmo sentido que, atualmente, usamos o pronome “se”. Por exemplo: E pode homem hyr de Santarem a Beia [Beja] em quatro dias“, que corresponde, modernamente, a “E pode-se ir da Santarém a Beja em quatro dias”. (ALKMIM, 2005, p. 34). Além da variação diacrônica, temos a variação sincrônica, a qual pode ser determinada por diferentes fatores tais como idade, sexo, região geográfica etc. Esse tipo de variação pode ser descrito diatopicamente, ou seja, de acordo com a região geográfica em que ocorre, e diastraticamente, isto é, em relação à variação social, a qual tem relação com um conjunto de fatores que identificam o falante em uma determinada comunidade de fala: classe social, sexo, idade, situação ou contexto social. FIGURA 4 – VARIAÇÃO DIATÓPICA E DIASTRÁTICA FONTE: Os autores A dialetologia tem por objetivo principal estudar a variação linguística diatópica. Se pensarmos nas variações regionais que podemos encontrar num país de dimensões continentais como o Brasil, podemos ter uma ideia do campo de estudo que se abre para a dialetologia. Com o intuito de descrever e analisar a diversidade linguística brasileira é que surgiram tantos estudos dialetológicos no Brasil, os quais formam o Projeto do Atlas Linguístico Brasileiro (ALiB). No Brasil, uma das obras que dá início aos estudos dialetais é a publicação do livro O Dialeto Caipira, de Amadeu Amaral, na década de 1920, bem como O linguajar carioca, de Antenor Nascentes (1922). TÓPICO 2 | ÁREAS DOS ESTUDOS SOCIOLINGUÍSTICOS 15 FIGURA 5 – O DIALETO CAIPIRA, DE AMADEU AMARAL (1920), MARCO DOS ESTUDOS DIALETAIS NO BRASIL FONTE: Disponível em: <http://www.seboantigo.com.br/ livraria%20site/mostrafoto.php?idfoto=857>. Acesso em: 24 jul. 2010. FIGURA 6 – AMADEU ATALIBA ARRUDA AMARAL LEITE PENTEADO (1875-1929) FONTE: Disponível em: <www.capivari.sp.gov.br/.../amadeu_ amaral.jpg>. Acesso em: 24 jul. 2010. FIGURA 7 – ANTUNES NASCENTES FONTE: O linguajar carioca, 1953, p. 25. Disponível em: <http://www.alib.ufba.br/ grandesnomes.asp>. Acesso em: 1 jun. 2010. Dividi o falar brasileiro em seis subfalares que reuni em dois grupos a que chamei de norte e sul. O que caracteriza estes dois grupos é a cadência e a existência de pretônicas abertas em vocábulos que não sejam diminutivos, nem advérbios em mente. [...] Eles estão separados por uma zona que ocupa uma posição mais ou menos equidistante dos extremos setentrional e meridional do país. UNIDADE 1 | SOCIOLINGUÍSTICA: ASPECTOS GERAIS 16 Há ainda O vocabulário pernambucano, de Pereira da Costa (1937), A língua do Brasil, de Gladstone Chaves de Melo (1934), dentre outros, trabalhos de abordagem essencialmente gramaticais, mas que já pesquisavam aspectos lexicais. No Brasil os estudos dialetológicos têm sido desenvolvidos a partir do Atlas Linguístico do Brasil – ALiB – coordenado pelos professores: Suzana Cardoso (UFBA) que preside o Comitê, Jacyra Andrade Mota (UFBA), Maria do Socorro Silva de Aragão (UFPB), Mário Roberto Lobuglio Zágari (UFJF), Vanderci de Andrade Aguilera (UEL) e Walter Koch, representando os atlas em andamento: O Projeto ALiB – Empreendimento de grande amplitude, de caráter nacional, em desenvolvimento, o Projeto Atlas Linguístico do Brasil (Projeto ALiB) tem por meta a realização de um atlas geral no Brasil no que diz respeito à língua portuguesa. Desejo que permeia a atividade dialetal no Brasil, durante todo o desenvolvimento dos estudos linguísticos e filológicos, ganha corpo nesse final/começo de milênio, a partir de iniciativa de um grupo de pesquisadores do Instituto de Letras. Mais uma vez a UFBA assume atitude pioneira ao empreender a concretização dessa proposta que se realiza como projeto conjunto que envolve hoje doze Universidades. (PROJETO ALIB, 2010). FIGURA 8 – ATLAS LINGUÍSTICO DO BRASIL FONTE: Disponível em: <http://www.alib.ufba.br/images/Jovens%20 pesquisadores.gif>. Acesso em: 2 jun. 2010. TÓPICO 2 | ÁREAS DOS ESTUDOS SOCIOLINGUÍSTICOS 17 As pesquisas realizadas pelo ALiB possuem uma metodologia própria, a qual segue as seguintes orientações, apresentadas em Aragão (2005 apud SOUSA; CHAVES, 2007, p. 5): a) perfil dos informantes (faixa etária e sexo): 18 a 30 anos e 45 a 60 anos, homens e mulheres. b) nível de instrução: no máximo a 4ª série (Ensino Fundamental), e superior, nas capitais. c) localidades e número de pontos: Região Norte: 23 pontos; Região Nordeste: 71 pontos; Região Sudeste: 79 pontos; Região Sul: 41 pontos; Região Centro-Oeste: 21 pontos. d) tipos de questionário e quantidade de questões: Semântico- Lexical, com 15 áreas semânticas e 207 questões; Morfossintático, com 121 questões; Fonético-fonológico, com 159 questões; Pragmático, com 5 questões; Prosódico, com 4 questões; Temas para discursos semidirigidos, 4 temas. Além disso, a pesquisa dialetal deve seguir determinadas etapas de realização, descritas da seguinte forma: Etapas principais que devem observadas na pesquisa dialetal: 1) preparação da pesquisa; 2) execução dos inquéritos; 3) exegese e análise dos materiais recolhidos; e 4) divulgação dos resultados obtidos. (FERREIRA; CARDOSO,1994, p. 23-36 apud SOUSA; CHAVES, 2007, p. 8). Vejamos alguns dos atlas regionais em andamento em várias regiões do país, sobre os quais você pode conhecer mais no site da ALiB: • Projeto Atlas Linguístico do Acre - ALAC. • Atlas Linguístico do Ceará - ALECE. • Projeto Atlas Linguístico do Maranhão - AliMA. • Atlas Linguístico do Rio Grande do Norte – AliRN. • Atlas Linguístico do Estado de São Paulo – ALESPO. • Atlas Geossociolinguístico do Pará – ALIPA. • Atlas Linguístico de Mato Grosso – ALiMAT. • Atlas Linguístico do Espírito Santo – ALES. • Atlas Linguístico da Rondônia – AliRO. • Atlas Linguístico contactual das minorias alemãs na Bacia do Prata (ALMA-H): Hunnsruckisch. UNIDADE 1 | SOCIOLINGUÍSTICA: ASPECTOS GERAIS 18 DICAS Consultando o site do projeto (http://www.alib.ufba.br/index.asp), você poderá obter informações sobre o seu funcionamento, seus objetivos, histórico, bem como terá acesso às publicações relacionadas ao Atlas Linguístico Brasileiro e aos eventos que acontecem em torno do tema. Recomendamos também a leitura do Atlas Linguístico-Etnográfico da Região Sul do Brasil (ALERS), organizado por Walter Koch, Mário Silfredo Klassmann e Cléo Vilson Altenhofen. Coeditado pelas editoras da UFRGS, UFSC e UFPR e dividido em 2 volumes(Introdução e Cartas fonéticas e morfossintáticas), o ALERS apresenta a diversidade linguística dos três estados da Região Sul do Brasil. Para maiores informações sobre o ALERS, consulte: <http:// www.alers.ufsc.br/projeto_alers.htm>. FIGURA 9 – ALERS FONTE: Disponível em: <http://www6.ufrgs.br/letras/index.php?option=com_ content&view=article&id=72:alers&catid=43:padrao&Itemid=83>. Acesso em: 24 jun. 2010. 3 SOCIOLINGUÍSTICA VARIACIONISTA A sociolinguística variacionista, a qual veremos em mais detalhes na Unidade 2, tem como enfoque o exame da linguagem no contexto social a fim de encontrar no uso social da linguagem as explicações para as variedades inerentes aos sistemas linguísticos. Surgiu a partir dos estudos de William Labov, nos Estados Unidos, a partir da década de 1960. TÓPICO 2 | ÁREAS DOS ESTUDOS SOCIOLINGUÍSTICOS 19 FIGURA 10 – WILLIAM LABOV FONTE: Disponível em: <http://1.bp.blogspot.com/__ BgJTIcm_qg/SNAzd-J_GFI/AAAAAAAADrI/rkqHd-nT5mQ/ s200/William+Labov.jpg>. Acesso em: 24 jun. 2010. Essa corrente da sociolinguística apresenta uma metodologia específica de coleta e codificação dos dados que permitem ao pesquisador analisar a diversidade linguística, aparentemente caótica na comunicação do dia a dia. Trabalha a partir de dois conceitos principais: variação e mudança. Em termos gerais, podemos definir variação o conjunto de variantes que coexistem numa dada comunidade de fala para um mesmo significado. As variantes podem aparecer nos níveis sintático, morfológico, fonológico, ou ainda pode ter uma caracterização regional e/ou social: já a mudança linguística está associada à ideia de que as línguas variam no tempo e no espaço. Os estudos de Labov sobre a variação fonológica na pronúncia das semivogais na população da ilha de Martha’s Vineyard, Massachusetts, é que dão início aos trabalhos voltados para a explicação das variantes. (CALVET, 2002). Como bem colocam Cezario e Votre (2009, p. 142): Uma das contribuições da pesquisa sociolinguística [variacionista] foi a constatação de que muitas formas não-padrão também ocorrem na fala de pessoas com nível superior, principalmente em momentos mais informais. Graças à sua metodologia de análise da língua em situação real de comunicação, a sociolinguística consegue medir o número de ocorrências de uso em relação a essa variante. Assim, por exemplo, num estudo sobre a concordância verbal que se iniciou com a fala de analfabetos adultos do Rio de Janeiro na década de 1970, constatou- se que, ao lado da variante “As meninas brincam no quintal”, os analfabetos privilegiaram o uso de “As menina brinca no quintal”. No Brasil as pesquisas de cunho variacionista começaram a se desenvolver a partir da década de 1970, com os projetos Mobral Central, o Projeto da Norma Urbana Culta (NURC) e o Projeto Censo de Variação Linguística no Estado do Rio de Janeiro (CENSO), coordenados, respectivamente por Miriam Lemle, Celso Cunha e Anthony Naro. Esses projetos tiveram continuidade em diversas universidades do Brasil, dando origem ao Programa de Estudos sobre o Uso (Peul); à continuidade do NURC (UFRJ) e ao projeto Variação Linguística da Região Sul (Varsul - UFSC/UFRGS) (conforme CEZARIO; VOTRE, 2009). UNIDADE 1 | SOCIOLINGUÍSTICA: ASPECTOS GERAIS 20 Uma das obras de leitura obrigatória no curso de Letras é A Pesquisa sociolinguística, do linguista Fernando Tarallo, obra que retomaremos na Unidade 2: FIGURA 11 – A PESQUISA SOCIOLINGUÍSTICA, DE FERNANDO TARALLO FONTE: Disponível em: <http://i.s8.com.br/images/books/ cover/img8/50618.jpg>. Acesso em: 24 jun. 2010. ESTUDOS FU TUROS Caro acadêmico, na Unidade 2 estudaremos em mais detalhes os pressupostos teóricos e a metodologia própria da sociolinguística variacionista. A sociolinguística interacional foi proposta por Gumperz na década de 1970 e tem uma base interdisciplinar apoiada nas áreas da linguística, da antropologia e da sociologia. Tem, é claro, como objeto de estudo enunciados produzidos em situações reais de interação e investiga a relação entre as interações linguístico- sociais e as interpretações resultantes dessa relação. Oliveira (2003) observa que a base teórica da sociolinguística interacional foi formulada por John J. Gumperz e Erving Goffman em seus primeiros trabalhos. Segundo Figueroa (1994 apud OLIVEIRA; SILVA, 2003, p. 25-26), podemos definir a teoria de Gumperz por três palavras-chave: (a) intencionalidade – de natureza racional, baseada em regras e convenções sociais; (b) interpretação – relacionada com a negociação de significados, com a partilha de conhecimento e de intenções entre os falantes; (c) significado social – pertinente ao sentido da comunicação, alcançado pelo participante do processo interacional por meio de seus conhecimentos socioculturais. 4 SOCIOLINGUÍSTICA INTERACIONAL TÓPICO 2 | ÁREAS DOS ESTUDOS SOCIOLINGUÍSTICOS 21 Já a noção de contexto aparece nas análises de Gumperz associado às inferências que os interlocutores fazem quando interpretam os enunciados, sejam inferências ligadas a traços línguísticos, sejam a traços não-linguísticos, tais como gestos, expressões faciais, pausas etc. Veja como começa seu clássico artigo Convenções de contextualização, em que o autor deixa claro como as pistas de contextualização entram nas análises sociointeracionais: Tenho defendido a ideia de que a diversidade linguística é mais do que uma questão de comportamento. (GUMPERZ, 1982, capítulo 1-5). A diversidade linguística funciona como um recurso comunicativo nas interações verbais do dia a dia no sentido de que, numa conversa, os interlocutores – para categorizar os eventos, inferir intenções e apreender expectativas sobre o que poderá ocorrer em seguida – se baseiam em conhecimentos e estereótipos relativos às diferentes maneiras de falar. Esse conjunto de informações internalizadas é crucial para a manutenção do envolvimento conversacional e para o uso eficaz de estratégias persuasivas. Apresentando o problema desta maneira, podemos evitar o dilema inerente às abordagens tradicionais da sociolinguística, que veem os fenômenos sociais como generalizações a respeito de grupos precisamente isolados por critérios não-linguísticos, tais como residência, classe, profissão, etnia e aspectos semelhantes, e que, então, usam tais fenômenos para explicar comportamentos individuais. Esperamos poder encontrar um meio de lidar com aquilo que normalmente se denomina fenômenos sociolinguísticos, um meio tal que se baseie em evidências empíricas de cooperação social e não dependa da identificação a priori de categorias sociais. Para tanto, estenderemos os métodos linguísticos tradicionais, de testagem criteriosa e recursiva de hipóteses com informantes representativos, à análise dos processos interativos pelos quais os participantes negociam as interpretações. (GUMPERZ, 1982, tradução de J. L. Meurer e V. Heberle apud RIBEIRO; GARCEZ, 2002, p. 150-151). Repare também que Gumperz aponta nesse trecho para a diferença entre a análise sociointeracional e as análises sociolinguísticas tradicionais. A esse respeito, no clássico artigo de Goffman A situação negligenciada, o autor discute a ideia de que o estudo da situação social no que diz respeito à comunicação face a face tem sido fator negligenciado pelos estudos sociolinguistas. Neste trabalho, Goffman define situação social como “[...] um ambiente que proporciona possibilidades mútuas de monitoramento, qualquer lugar em que um indivíduo se encontra acessível aos sentidos nus de todos os outros que estão ‘presentes’, e para quem os outros indivíduos estão acessíveis de forma semelhante”. (GOFFMAN, 1964, tradução de Pedro Garcez apud RIBEIRO; GARCEZ, 2002, p. 17). UNIDADE 1 | SOCIOLINGUÍSTICA: ASPECTOS GERAIS 22 UNI Nas próximas seções, veremos desdobramentosdestas ideias apresentadas pelos fundamentos da sociolinguística interacional quando estudarmos a análise da conversação e a etnografia da comunicação, correntes abrigadas nos pressupostos teóricos dos estudos sociointeracionistas. DICAS Você poderá ler traduções dos textos clássicos Convenções da contextualização, de Gumperz, e A situação negligenciada, de Goffman, bem como outros trabalhos escritos entre 1960 e 1980, que apresentam os fundamentos da sociolinguística interacional, no livro Sociolinguística Interacional, organizado por Bianca T. Ribeiro e Pedro M. Garcez (2002), Edições Loyola. FIGURA 12 – SOCIOLINGUÍSTICA INTERACIONAL, ORGANIZADO POR BIANCA T. RIBEIRO E PEDRO M. GARCEZ (2002), EDIÇÕES LOYOLA FONTE: Disponível em: <https://www.livrarialoyola.com.br/ images/produtosg/8515025167.jpg>. Acesso em: 24 jun. 2010. Nesta obra você encontrará também um glossário conciso da sociolinguística interacional, organizado por Pedro Garcez e Ana Cristina Ostermann. Caso você queira ter acesso a textos clássicos da sociolinguística interacional em inglês, há o livro intitulado Language and social context, organizado por Pier Paolo Giglioli (1972). Nessa edição você encontrará o texto original de Goffman, The negliected situation, bem como trabalhos de outros autores como Gumperz, Fishman, Hymes, Labov, e outros. TÓPICO 2 | ÁREAS DOS ESTUDOS SOCIOLINGUÍSTICOS 23 Na próxima seção, veremos dois desdobramentos da sociolinguística interacional: a análise da conversação e a etnografia da comunicação. 4.1 ANÁLISE DA CONVERSAÇÃO Dentro dos estudos sociolinguistas há uma área de estudo chamada Análise da Conversação que parte da constatação de que a língua é nada mais do que um conjunto que se forma a partir de atos individuais de interação entre falantes/ ouvintes, escritores/leitores que realizam ações individuais e sociais. Essa área de estudo teve sua origem na década de 1960, a partir de estudos sociológicos de Harold Garfinkel, Harvey Sacks, Emanuel Schegloff e Gail Jefferson (DIONÍSIO, 2003). O primeiro livro lançado no Brasil sob esta perspectiva foi Análise da conversação, de Luiz Antônio Marcuschi: FIGURA 13 – LIVRO ANÁLISE DA CONVERSAÇÃO, DE LUIZ ANTÔNIO MARCUSCHI FONTE: Disponível em: <http://www.livrariaresposta.com. br/tbs/sp/9788508107872.jpg>. Acesso em: 24 jun. 2010. FIGURA 14 – PROFESSOR LUIZ ANTÔNIO MARCUSCHI FONTE: Disponível em: <http://img.submarino.com.br/img/ artistas/88019.jpg>. Acesso em: 24 jun. 2010. UNIDADE 1 | SOCIOLINGUÍSTICA: ASPECTOS GERAIS 24 Dionísio (2003) observa que o trabalho conjunto de sociólogos e linguistas parte de duas perguntas básicas: como nós conversamos? e como a linguagem é estruturada para favorecer a conversação?. A partir dessas questões, sociólogos e linguistas buscam mostrar o que a conversação pode nos dizer sobre a relação entre língua e sociedade. Utilizam a Etnometodologia, termo cunhado por Harold Garfinkel (sociólogo norte-americano, Studies in Ethnomethodology, 1967), e que pode ser definida como “[...] a abordagem que procura descrever os processos que caracterizam ou constituem a comunicação interpessoal, analisando o modo como os indivíduos interagem e se comportam em meio a diferentes situações específicas da vida cotidiana.” (MORATO, 2004, p. 320). A estrutura conversacional pode ser estudada a partir de três níveis: o macronível (fases conversacionais, tema central e subtemas), o nível médio (turnos e sequências conversacionais, atos de fala e marcadores conversacionais) e o micronível (elementos internos dos atos de fala). Dionísio (2003) elenca as razões que justificam o estudo da conversação: 1) é a prática social mais comum do ser humano; 2) desempenha um papel privilegiado na construção de identidades sociais e relações interpessoais; 3) ‘exige uma enorme coordenação de ações que exorbitam em muito a simples habilidade linguística dos falantes’ (MARCUSCHI, 1996, p. 5) apud DIONÍSIO, 2003, p. 71); 4) permite que se abordem questões envolvendo ‘a sistematicidade da língua presente em seu uso e a construção das teorias para enfrentar essas questões’. (MARCUSCHI, 1998, p. 6 apud DIONÍSIO, 2003, p. 71). A análise da conversação vai trabalhar com a ideia de tópico discursivo, ou seja, os assuntos que vão se encadeando durante a conversação e que podem estar relacionados ou não. O encadeamento destes tópicos é que vai constituir o texto oral. Nesse sentido, Dionísio (2003) nos chama a atenção para o fato de que a análise da conversação tem como objeto de estudo a conversação natural que vai acontecendo entre dois ou mais interlocutores em situação de interação. A autora nos dá dois exemplos que mostram claramente a diferença entre uma conversação natural e uma conversação artificial. Vejamos os exemplos para depois delinearmos as diferenças entre ambos: Exemplo 1: conversação artificial Josué: Eu vou sozinho. Dora: Eu já disse que eu vou com você. Josué: Eu não quero ir com você. Dora: E por quê? Josué: Porque eu não gosto de você. Dora (aflita): E por quê? Josué: Já te falei. Porque você não vale nada. Dora: Como é que você vai chegar lá, quer me explicar? Josué: Deixa um pouco de dinheiro pra eu comer. FONTE: Central do Brasil (1998, p. 44-45 apud DIONÍSIO, 2003, p. 73) TÓPICO 2 | ÁREAS DOS ESTUDOS SOCIOLINGUÍSTICOS 25 Exemplo 2: conversação natural Contexto: Três alunos (duas mulheres (M33 e M34) e um homem (H28)) universitários do Curso de Letras conversando em uma sala, esperando começar a aula. Sabem da gravação. 01 H28 bora gente...tenho aula... ( ) daqui a ( ) minutos 02 M33 sinceramente... se fosse uma oculta era muito melhor 03 H28 não... isso é besteira... o papo rola... a gente já falou aqui quem 04 é feminista...[M.H. 05 M33 [M.H.... é ((rindo)) 06 H28 é você 07 M34 não tem nada a ver 08 H28 [do-minadora 09 M34 [dominadora não... é o seguinte... eu acho que...é um assunto 10 que não se entra em discussão porque são direitos iguais e 11 acabou-se se... então não tem o que discutir... 12 H28 mas... mas eu noto assim... 13 M33 [[mas eu garanto que muita coisa 14 H28 [[eu acho eu acho é a autoridade 15 M33 você você você é a favor do machismo 16 por isso eu digo por isso eu digo que eu sou meio feminista 17 H28 você é uma feminista machista 18 M34 isso não existe 19 H28 é... existe... [você ( ) do homem 20 M33 [pera aí... você acha... pera aí... pera aí 21 H28 você acha machismo do homem... mas você é assim...veja 22 bem... você acha assim o machismo do homem... mas você tem que analisar 23 assim a mulher pode ser machista pelo lado dela [tá entendendo? 24 M34 [lógico... admito 25 ser que a mulher pode machista só que eu tô querendo dizer é o 26 seguinte que [eu não sou feminista 27 M33 [mas ela é contra a mulher machista... sabia? 28 M34 eu sou a favor de direitos iguais... com isso eu não tô querendo 29 é dizer que... é: o homem num deva... num possa ser cavalheiro [porque... 30 M33 [mas 31 M34 isso aí ele tá deixando... tá... não.... 32 M33 isso faz parte do machismo... 33 M34 o cavalheirismo num faz parte do machismo FONTE: Projeto linguagem da mulher. Elisabeth Marcuschi e Judith Hoffnagel (apud DIONÍSIO, 2003, p. 74-75) UNIDADE 1 | SOCIOLINGUÍSTICA: ASPECTOS GERAIS 26 Você reparou na diferença entre as duas conversas do exemplo 1 e do exemplo 2? Faça uma listinha em suas anotações das diferenças que você consegue perceber antes de continuar a leitura. AUTOATIVIDADE Agora que você já parou para pensar nos doisexemplos, repare que é justamente para essas diferenças entre as duas conversações que Dionísio (2003) nos chama a atenção: na conversa do exemplo 1 cada falante fala no seu turno, não há sobreposição de vozes, o diálogo corre dentro de uma simetria que nem sempre é obedecida na conversação do exemplo 2. Isso porque o exemplo 1 é uma conversa montada, é artificial. NOTA Turno conversacional é a intervenção que cada um dos interlocutores faz na conversação. Mais adiante veremos em mais detalhes como os interlocutores podem tomar o turno conversacional. Já no exemplo 2, a conversação ocorre de maneira natural entre as pessoas envolvidas nela e a interação vai sendo planejada a cada momento de acordo com o rumo que a conversa toma. Você deve ter percebido que nesta conversação natural houve interrupções, sobreposições de vozes, lacunas não preenchidas nas falas etc. Você deve ter percebido também que o diálogo do exemplo 2 está transcrito de maneira diferenciada, não é verdade? Como a análise da conversação analisa textos orais, de conversações naturais, faz-se necessário utilizar uma metodologia apropriada de transcrições desses dados que seja capaz de preservar certos aspectos próprios das situações naturais de interação, procurando ser o mais fiel possível no que de fato ocorreu durante a interação. Dessa metodologia constam a gravação ou filmagem dos dados e a posterior transcrição, a partir de um sistema de transcrição para textos falados, que em geral seguem as orientações do Projeto de Estudo Coordenado da Norma Urbana Culta (Projeto NURC) (DIONÍSIO, 2003, p. 75). No quadro a seguir, retirado de Dionísio (2003), você encontra uma síntese dessas regras de transcrição: TÓPICO 2 | ÁREAS DOS ESTUDOS SOCIOLINGUÍSTICOS 27 QUADRO 1 – NORMAS PARA TRANSCRIÇÃO EM ANÁLISE DA CONVERSAÇÃO Ocorrências Sinais Exemplificação 1. Indicação dos falantes Os falantes devem ser indicados em linhas, com letras ou alguma sigla convencional H28 M33 Doc. Inf. 2. Pausas ... Não... isso é besteira... 3. Ênfase MAIÚSCULAS Ela comprou um OSSO 4. Aglomeramento de vogal : (pequeno) :: (médio) ::: (grande) Eu não to querendo é dizer que... é: o eu fico :: o: tempo todo 5. Silabação - do-minadora 6. Interrogação ? Ela é contra a mulher machista... sabia? 7. Segmentos incompreensíveis ou ininteligíveis ( ) (ininteligível) Boa gente... tenho aula... ( ) daqui 8. Truncamento de palavras ou desvio sintático / eu... pre/ pretendo comprar 9. Comentário do transcritor (( )) M. H.... é ((rindo)) 10. Citações “ ” “mai Jandira Ru vô dizê a Anja agora que ela vai a apanhá a profissão de madrinha agora mesmo” 11. Superposição de vozes [ H28. É... existe... [você ( ) do homem... M33. [pera aí... você acha... pera aí... pera aí 12. Simultaneidade de vozes [[ M33. [[mas eu garanto que muita coisa H28. [[eu acho eu acho é a autoridade 13. Ortografia tô, tá, vô, ahã, mhm FONTE: Dionísio (2003, p. 76) Repare que a transcrição dos dados de fala na análise da conversação deve levar em conta não somente o que é dito de fato, mas outras nuanças da comunicação, como gestos, expressões faciais e corporais, as entonações e inclusive o silêncio. Esses recursos não-verbais podem ser sistematizados da seguinte maneira, conforme apresentado em Dionísio (2003): a) paralinguagem: sons emitidos pelo aparelho fonador, mas que não fazem parte do sistema sonoro na língua usada; b) cinésica: movimentos do corpo como gestos, postura, expressão facial, olhar e riso; c) proxêmica: a distância mantida entre os interlocutores; d) tacêsica: o uso de toques durante a interação; e) silêncio: a ausência de construções linguísticas e de recursos de paralinguagem. (STEINBERG, 1988, p. 3 apud DIONÍSIO, 2003, p. 77). UNIDADE 1 | SOCIOLINGUÍSTICA: ASPECTOS GERAIS 28 Agora voltemos a falar de turnos conversacionais. Marcuschi (1986 apud DIONÍSIO, 2003, p. 79) define turno como “[...] a produção de um falante enquanto ele está com a palavra, incluindo a possibilidade de silêncio”, mas exclui desta definição a intervenção que o ouvinte faz no turno do falante. Dionísio observa que no exemplo 2, apresentado anteriormente, temos 22 turnos, os quais podem ser nucleares (turnos 02, 03, 07, 08, 11-15, 17-21), pois dão continuidade ao tópico, ou inseridos (turnos 04, 05, 06, 09, 10 e 16), pois são intervenções marginais ao tópico conversacional e podem ser de esclarecimento, de concordância, de discordância, de avaliação etc. QUADRO 2 – TURNOS CONVERSACIONAIS 01 H28 bora gente...tenho aula... ( ) daqui a ( ) minutos → turno 01 02 M33 sinceramente... se fosse uma oculta era muito melhor → turno 02 03 H28 não... isso é besteira... o papo rola... a gente já falou aqui quem → turno 03 04 é feminista...[M.H. 05 M33 [M.H.... é ((rindo)) → turno 04 06 H28 é você → turno 05 07 M34 não tem nada a ver → turno 06 08 H28 [do-minadora → turno 07 09 M34 [dominadora não... é o seguinte... eu acho que...é um assunto → turno 08 10 que não se entra em discussão porque são direitos iguais e 11 acabou-se se... então não tem o que discutir... 12 H28 mas... mas eu noto assim... → turno 09 13 M33 [[mas eu garanto que muita coisa → turno 10 14 H28 [[eu acho eu acho é a autoridade → turno 11 15 M33 você você você é a favor do machismo → turno 12 16 por isso eu digo por isso eu digo que eu sou meio feminista 17 H28 você é uma feminista machista → turno 13 18 M34 isso não existe → turno 14 19 H28 é... existe... [você ( ) do homem → turno 15 20 M33 [pera aí... você acha... pera aí... pera aí → turno 16 21 H28 você acha machismo do homem... mas você é assim...veja → turno 17 22 bem... você acha assim o machismo do homem... mas você tem que analisar 23 assim a mulher pode ser machista pelo lado dela [tá entendendo? 24 M34 [lógico... admito → turno 18 25 ser que a mulher pode machista só que eu tô querendo dizer é o 26 seguinte que [eu não sou feminista 27 M33 [mas ela é contra a mulher machista... sabia? → turno 19 28 M34 eu sou a favor de direitos iguais... com isso eu não tô querendo → turno 20 29 é dizer que... é: o homem num deva... num possa ser cavalheiro [porque... 30 M33 [mas → turno 21 31 M34 isso aí ele tá deixando... tá... não... 32 M33 isso faz parte do machismo... 33 M34 o cavalheirismo num faz parte do machismo → turno 22 FONTE: Dionísio (2003, p. 79-80) TÓPICO 2 | ÁREAS DOS ESTUDOS SOCIOLINGUÍSTICOS 29 Durante uma conversa, os interlocutores precisam utilizar estratégias de gestão de turnos, ou seja, precisam de algum modo tomar a palavra para que a interação se concretize através das trocas de turno e da sustentação da fala. Dionísio (2003) observa que há duas maneiras de tomar a palavra nas trocas de turno: passagem de turno e assalto ao turno. Na passagem de turno, pode ou não haver a indicação à entrega explícita do turno pelo falante: este pode passar o turno ou simplesmente consentir na passagem. Já o assalto ao turno acontece quando o ouvinte toma a palavra, invadindo o turno do falante e desrespeitando, assim, a regra básica da conversação que implica cada qual falar no seu turno. O assalto ao turno pode se dar com deixa ou sem deixa. O assalto com deixa ocorre quando o interlocutor invade o turno nas pausas, hesitações, alongamentos, entonação descendente etc. Você pode encontrar este tipo de assalto ao turno com deixa em entrevistas no rádio e na televisão, quando os repórteres invadem o turno do entrevistado a fim de dar continuidadeà entrevista ou para evitar que esse último se alongue demasiado em sua exposição, por exemplo. Por outro lado, o assalto sem deixa vai se caracterizar essencialmente pela sobreposição de vozes e pela intervenção brusca. DICAS Caro acadêmico: volte ao nosso exemplo 2 e observe que nas linhas 13 e 14 há assalto de turno sem deixa, com a sobreposição de vozes, transcrita com o símbolo [[. Dionísio (2003) observa que no assalto sem deixa pode acontecer: a) de o falante abandonar o turno para o interlocutor assaltante; b) de o interlocutor assaltado não abandonar o turno e continuar no comando; c) de o interlocutor perder o turno e recuperá-lo em seguida. Quanto à segunda estratégia de gestão de turnos, a sustentação da fala, o interlocutor vai sinalizar de alguma maneira que deseja continuar comandando o turno. Para isso, utilizará marcadores conversacionais, alongamentos, repetições e elevação da voz, dentre outros. No final desta seção você encontrará exemplos de trabalhos realizados no Brasil a partir de abordagens que levam em conta as estratégias de trocas de turnos. Os marcadores conversacionais linguísticos, por exemplo, são expressões estereotipadas, sinalizadoras de conversa, tais como uhm, sabe?, certo?, ok?, entendeu?, não é?, ahã..., ah sim, mhm, peraí, aí etc. Há também os marcadores conversacionais paralinguísticos que utilizamos para manter e regular a interação, tais como gestos, risos, olhares, maneios de cabeça etc. UNIDADE 1 | SOCIOLINGUÍSTICA: ASPECTOS GERAIS 30 Para que você tenha uma ideia mais clara da abordagem utilizada pela análise da conversação, sugerimos que você grave/filme (pode ser com o seu celular) ou salve uma conversa pelo MSN e transcreva a partir do sistema de transcrição apresentado no Quadro 2 anterior. Procure transcrever a conversa o mais fiel possível e você terá uma ideia mais clara do quão complexa é uma conversação. AUTOATIVIDADE 4.2 ETNOGRAFIA DA COMUNICAÇÃO Em linhas gerais, podemos dizer que a etnografia da comunicação estuda a linguagem a partir dos comportamentos culturais: A etnografia da comunicação interessa-se em descrever e analisar as formas dos ‘eventos de fala’, especificamente, as regras que dirigem a seleção que o falante opera em função dos dados contextuais relativamente estáveis, como a relação que ele contrai com o interlocutor, com o assunto da conversa, e outras circunstâncias do processo de comunicação, como espaço e tempo e, sobretudo, as regras que dirigem o modo como cada participante sustenta a interação verbal em curso. (CAMACHO, 2005, p. 49-50). Os estudos desta corrente têm início com os trabalhos de Dell Hymes (sociolinguista e antropólogo), das décadas de 1960 e 1970, inspirados nas abordagens socioculturais de Edward Sapir, na década de 1930. Boa parte dos trabalhos de Hymes foram reunidos no livro Foundations in Sociolinguistics: an Ethnographic Approach, lançado em 1974 (OLIVEIRA E SILVA, 2003). FIGURA 15 – FOUNDATIONS IN SOCIOLINGUISTICS: AN ETHNOGRAPHIC APPROACH, DE DELL HYMES FONTE: Disponível em: <http://www.upenn.edu/pennpress/ img/covers/934.jpg>. Acesso em: 24 jun. 2010. TÓPICO 2 | ÁREAS DOS ESTUDOS SOCIOLINGUÍSTICOS 31 FIGURA 16 – DELL HYMES FONTE: Disponível em: <http://mi-cache.legacy.com/legacy/ images/Cobrands/DailyProgress/Photos/0001673139-01- 1_20091116.jpg>. Acesso em: 24 jun. 2010. Oliveira e Silva (2003) observa que a metodologia de pesquisa dos estudos etnográficos pressupõe que o pesquisado participe intensamente da comunidade pesquisada, que faça um registro cuidadoso sobre o que acontece a partir de anotações ou documentação audiovisual, e que proceda na reflexão analítica e na descrição detalhada sobre os dados coletados, levando em conta ‘os significados imediatos ou locais das ações sociais do ponto de vista dos interagentes’. (OLIVEIRA E SILVA, 2003, p. 28). Como exemplos de estudos sociointeracionistas no Brasil, temos os trabalhos de Dino Preti, alguns reunidos na obra Estudos de língua oral e escrita (2004). Nessa obra, há trabalhos do autor com a fala dos idosos em que ele leva em conta para a análise dos dados fatores psicofísicos decorrentes do processo natural de envelhecimento e as condições socioculturais em que estes falantes se encontram. A partir da análise qualitativa de dados de conversação dos idosos, o autor observa, dentre outras coisas, que as repetições, os gaguejamentos, as autocorreções que aparecem como características de suas falas podem estar vinculadas à situação psicofísica dos idosos, bem como a determinadas estratégias interacionais. Trabalhos de Deborah Tannen, por exemplo, também indicam que a repetição na conversação pode ser usada como uma estratégia de interação que cria um envolvimento interpessoal, passando a ideia de que o ritmo conversacional está sendo compartilhado e estabelecido sem esforço. (BARROS, 2003, p. 45). UNIDADE 1 | SOCIOLINGUÍSTICA: ASPECTOS GERAIS 32 ATENCAO Caro acadêmico, abordamos brevemente nesta seção alguns dos principais aspectos dos estudos em sociolinguística interacional. A partir do que vimos aqui, essa é uma área de estudos que procura explicar a diversidade linguística a partir da análise de conversações reais, levando em conta aspectos sociais e culturais envolvidos na interação. Se você se interessou por esta área de estudos sociolinguísticos e deseja continuar conhecendo mais, poderá começar com as indicações de leitura que demos aqui, que certamente o levarão a outras e outras leituras. 33 RESUMO DO TÓPICO 2 Neste tópico vimos as principais correntes da sociolinguística e suas maneiras particulares em abordar a diversidade linguística: a dialetologia, a sociolinguística variacionista e o sociointeracionismo, o qual tem como desdobramento a análise da conversação e a etnografia da comunicação. A primeira área dos estudos sociolinguísticos que estudamos foi a Dialetologia, que estuda a variação linguística que surge em regiões geográficas diferentes, tendo por objetivo principal estudar a variação linguística diatópica. Vimos também que no Brasil os estudos dialetológicos têm sido desenvolvidos a partir do Atlas Linguístico do Brasil – ALiB. Já a sociolinguística variacionista, cujo fundador é o linguista William Labov, tem como enfoque o exame da linguagem no contexto social a fim de encontrar no uso social da linguagem as explicações para as variedades inerentes aos sistemas linguísticos. Voltaremos a estudar em mais detalhes este ramo da sociolinguística na Unidade 2. A sociolinguística interacional, proposta por Gumperz na década de 1970, tem uma base interdisciplinar apoiada nas áreas da linguística, da antropologia e da sociologia. Seu objeto de estudo são os enunciados produzidos em situações reais de interação e investiga a relação entre as interações linguístico-sociais e as interpretações resultantes dessa relação. Como desdobramento dos estudos sociointeracionistas, vimos a análise da conversação e a etnografia da comunicação. A análise da conversação parte da constatação de que a língua nada mais é do que um conjunto que se forma a partir de atos individuais de interação entre falantes/ouvintes, escritores/leitores que realizam ações individuais e sociais. Estes estudos partem de duas perguntas básicas: como nós conversamos? e como a linguagem é estruturada para favorecer a conversação?. A partir dessas questões, buscam mostrar o que a conversação pode nos dizer sobre a relação entre língua e sociedade. Já a etnografia da comunicação estuda a linguagem a partir dos comportamentos culturais. 34 Faça uma pesquisa na internet sobre o método da Etnografia. Você pode começar dando uma olhada na Wikipédia. AUTOATIVIDADE Assista ao vídeo de resolução desta questão 35 TÓPICO 3 BILINGUISMO, MULTILINGUISMO E DIGLOSSIA:AS LÍNGUAS EM CONTATO UNIDADE 1 1 INTRODUÇÃO Neste tópico vamos estudar o contato entre línguas a partir dos fenômenos de bilinguismo/multilinguismo, diglossia e também veremos uma introdução à questão de política linguística, à qual voltaremos na Unidade 3 deste caderno. Vamos lá! 2 BILINGUISMO E MULTILINGUISMO O conceito de bilinguismo tem como base a ideia de um indivíduo que fala duas línguas. No entanto, chamar de bilíngue uma pessoa que fala duas línguas pode estar associado a diversas situações de aquisição/aprendizagem dessas duas línguas. Por exemplo, podemos estar falando de uma criança que adquiriu duas línguas simultaneamente durante a primeira infância; podemos ainda estar falando de uma pessoa que aprendeu a falar uma segunda língua em um processo de imigração, ou, ainda, através de ensino formal. Além disso, quando falamos de bilinguismo também temos que pensar na questão dos graus de conhecimento que o indivíduo bilíngue tem em cada uma das línguas que adquiriu/aprendeu, já que são situações diferentes se pensarmos em um indivíduo que adquiriu duas línguas maternas ou ainda um indivíduo que aprendeu outra língua depois de adquirir sua língua materna. Para você ter uma ideia da abrangência que pode alcançar o conceito de bilinguismo entre os estudiosos, vejamos os conceitos de bilinguismo em vários autores discutidos em Megale (2005): ‘Ser capaz de falar duas línguas igualmente bem porque as utiliza desde muito jovem’. Na visão popular, ser bilíngue é o mesmo que ser capaz de falar duas línguas perfeitamente; esta é também a definição empregada por Bloomfield que define bilinguismo como “[...] o controle nativo de duas línguas”. (BLOOMFIELD, 1935 apud HARMERS e BLANC, 2000, p. 6 apud MEGALE, 2005, p. 27). 36 UNIDADE 1 | SOCIOLINGUÍSTICA: ASPECTOS GERAIS Segundo a autora, esta visão de bilíngue perfeito se opõe à visão de Macnamara, citada a seguir: [...] um indivíduo bilíngue é alguém que possui competência mínima em uma das quatro habilidades linguísticas (falar, ouvir, ler e escrever) em uma língua diferente de sua língua nativa. (MACNAMARA, 1967 apud HARMERS e BLANC, 2000, p. 6 apud MEGALE, 2005, p. 28). Repare que os conceitos de bilinguismo vão desde aquele que considera bilíngue apenas o indivíduo que tem fluência completa em duas línguas, até aquele em que bilíngue é qualquer pessoa que possua alguma habilidade linguística em outra língua que não a sua língua materna. O bilinguismo pode ser individual ou social. O primeiro se refere a pessoas que falam duas línguas porque aprenderam/adquiriram em condições individuais e particulares. Por exemplo, quando um brasileiro aprende inglês em uma escola de idiomas com vistas a fazer uma viagem a um país de língua inglesa ou ainda por motivos profissionais etc. Já o bilinguismo social é aquele que envolve uma determinada comunidade em que duas ou mais línguas estão em contato. Segundo Appel e Muysken (1996, p. 10), quase todas as sociedades são bilíngues, embora existam diferenças quanto ao grau ou à forma de bilinguismo. O bilinguismo social pode ser reconhecido ou não. Por exemplo, há países que têm duas (ou mais) línguas oficiais, como o Paraguai, por exemplo, onde se fala espanhol e guarani. Por outro lado, existem comunidades bilíngues que não são reconhecidas oficialmente, como, por exemplo, as comunidades de imigrantes que falam português/alemão, português/italiano, português/japonês etc. Segundo Appel e Muysken (1996, p. 10), é possível distinguir três situações de bilinguismo social, como mostra o gráfico a seguir: GRÁFICO 1 – SITUAÇÕES DE BILINGUISMO FONTE: Appel e Muysken (1996, p. 10) A partir do gráfico anterior, os autores mostram que na situação I as duas línguas são faladas por grupos diferentes e cada grupo é monolíngue. Nesse caso, a comunicação entre os grupos é feita por alguns falantes bilíngues. Na situação II TÓPICO 3 | BILINGUISMO, MULTILINGUISMO E DIGLOSSIA: AS LÍNGUAS EM CONTATO 37 DICAS A Comunidade Surda brasileira é considerada bilíngue (LIBRAS/português) e muitos surdos têm a LIBRAS como sua primeira língua e o português falado/escrito como sua segunda língua. Existem ouvintes que também são sinalizantes de LIBRAS, como os familiares e amigos de surdos e os intérpretes de Língua de Sinais, mas há uma boa parte da população brasileira que não sinaliza (incluindo ouvintes e surdos). Pensando no gráfico anterior, em qual situação de bilinguismo social LIBRAS e português se encaixam melhor? Um outro conceito ligado ao de bilinguismo é o de multilinguismo, o qual abrange, de modo geral, as pessoas que falam três ou mais línguas. O multilinguismo pode ser estudado sob vários enfoques, mas é importante destacar que estamos vivendo o desabrochar de uma consciência acerca do multilinguismo no mundo e suas consequências. Sobre esta questão, veja o que nos diz Orlandi: O Brasil é um país multilíngue como acontece com os países em geral. Também como todo país, o Brasil tem a sua língua oficial, ao lado das muitas línguas indígenas, falares regionais, línguas de imigração, etc. Isso porque ao lado da multiplicidade concreta de línguas há, nos Estados, a necessidade da construção de uma unidade imaginária. A língua oficial é um dos lugares de representação de nossa unidade e soberania em relação a outras nações. Isso acontece mesmo em um momento como o atual em que a questão da mundialização, das nacionalidades e do multilinguismo está posta enfaticamente. O modo de refletir sobre estas questões é que pode diferir teórica e politicamente. (ORLANDI, 2007, p. 59). Voltaremos às questões políticas envolvidas no multilinguismo na próxima seção. Por ora, nos concentremos no fato de que os fenômenos do bilinguismo/multilinguismo podem gerar o contato entre as línguas envolvidas, como veremos na próxima seção. 3 LÍNGUAS EM CONTATO O contato entre as línguas produzirá, inevitavelmente, empréstimos e interferências. No livro Languages in contact, Uriel Weinrich (apud CALVET, 2002, p. 35) define interferência como “[...] um remanejamento de estruturas resultante da introdução de elementos estrangeiros nos campos mais fortemente estruturados da língua, como o conjunto do sistema fonológico, uma grande parte da morfologia e da sintaxe e algumas áreas do vocabulário (parentesco, cor, tempo, etc.)”. (WEINRICH apud CALVET, 2002, p. 35). todos os falantes são bilíngues. Já na situação III um grupo é monolíngue e outro grupo é bilíngue; em geral este último é o grupo minoritário na comunidade. 38 UNIDADE 1 | SOCIOLINGUÍSTICA: ASPECTOS GERAIS FIGURA 17 – INTERFERÊNCIA LINGUÍSTICA FONTE: Os autores Calvet (2002) distingue três tipos de interferência: as interferências fonológicas, as interferências sintáticas e as interferências lexicais. Um exemplo de interferência fonológica é a distinção entre o /i:/ longo e o /i/ breve do inglês, em palavras como ship (navio) e sheep (ovelha), respectivamente, cuja diferenciação é em geral difícil para brasileiros, uma vez que não há em português essa distinção longo-breve no sistema vocálico. Não realizar essa distinção pode trazer problemas de interpretação para os enunciados. Já as interferências sintáticas consistem em transferir para a língua B alguma estrutura sintática da língua A. Em geral isso pode acontecer em falantes aprendendo uma segunda língua. Assim, transfere-se a estrutura da língua materna para a segunda língua, por desconhecimento da daquela estrutura na segunda língua. Por exemplo, imaginemos um americano aprendiz de português brasileiro que queira fazer uma pergunta do tipo Can you help me?; se ele não souber como produzir essa pergunta em português brasileiro, provavelmente produzirá uma pergunta como Pode você me ajudar?, ou seja, uma pergunta com inversão verbo-sujeito, estrutura que não é comum
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