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TCC Guilherme v 3

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COMPLEXO DE ENSINO SUPERIOR DE SANTA CATARINA - CESUSC 
FACULDADE CESUSC 
CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO 
 
 
 
 
 
 
GUILHERME HENRIQUE PEREIRA CANUTO 
 
 
 
 
 
 
 
RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PRIVADO 
NOS CRIMES CONTRA O MEIO AMBIENTE 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
FLORIANÓPOLIS 
JUNHO, 2020.
 
 
Guilherme Henrique Pereira Canuto 
 
 
 
 
 
 
 
Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica de Direito Privado nos Crimes 
Contra o Meio Ambiente 
 
 
 
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao 
Curso de Graduação em Direito da Faculdade 
Cesusc, exigido como requisito à obtenção do 
título de Bacharel em Direito. 
 
 
 
 
Orientador: Prof. Msc. Sandro Sell 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Florianópolis 
Junho, 2020.
 
 
Guilherme Henrique Pereira Canuto 
 
 
 
 
 
Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica de Direito Privado nos Crimes Contra o 
Meio Ambiente 
 
 
 
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Graduação em Direito da 
Faculdade CESUSC como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em 
Direito, sendo submetido à Banca Examinadora e considerado aprovado em 
__/__/____. 
 
 
 
_______________________________________________ 
Prof. Msc. Sandro Sell 
Professor Orientador 
 
 
_______________________________________________ 
Professor 
Membro da Banca Examinadora 
 
 
_______________________________________________ 
Professor 
Membro da Banca Examinadora 
 
 
 
RESUMO 
 
Esta pesquisa busca elucidar o conceito de pessoa jurídica de direito privado e seus 
fundamentos, analisar conforme a doutrina a visão em face do Direito Penal como 
mecanismo de tutela contra os crimes ambientais cometido pela pessoa jurídica de 
direito privado, os tipos de penalidade possíveis que se aplicam ao ente coletivo de 
acordo com os dispositivos que tratam da matéria, verificando a divergência 
existente na doutrina penal brasileira quanto a possibilidade de se adotar no 
ordenamento jurídico brasileiro a modalidade de responsabilidade penal da pessoa 
jurídica de direito privado em decorrência de crimes ambientais, bem como o 
posicionamento dos tribunais e cortes superiores em relação a temática que engloba 
esta pesquisa, elucidando por fim uma modalidade alternativa de mecanismo de 
tutela em face da problemática em que consiste a presente pesquisa, para então 
chegar as devidas conclusão sobre a possibilidade de responsabilizar penalmente a 
pessoa jurídica de direito privado pelo cometimento de crime ambiental no 
ordenamento jurídico brasileiro como também a exposição das hipóteses de solução 
para o problema. A metodologia utilizada para a realização desta pesquisa terá 
como base a aplicação de um método de abordagem teórico de caráter descritivo, 
tendo como procedimento a utilização do método monográfico com raciocínio 
dedutivo e dogmático-comparativo, consistindo em técnicas de pesquisa por meio da 
análise bibliográfica e documental de fontes primárias e secundárias, utilizando leis, 
doutrinas e decisões reiteradas dos tribunais e cortes superiores do ordenamento 
jurídico brasileiro. 
 
Palavras-chave: Responsabilidade Penal. Pessoa Jurídica. Dano Ambiental. 
 
 
 
ABSTRACT 
 
This research research seeks to elucidate the concept of legal entity under private 
law, analyze Criminal Law as a protection mechanism against environmental crimes 
committed by the legal entity under private law, the types of possible penalties that 
apply to the collective entity according to the provisions dealing with the matter, 
verifying the divergence existing in the Brazilian criminal doctrine as to the possibility 
of adopting in the Brazilian legal system the modality of criminal liability of the legal 
entity under private law as a result of environmental crimes, as well as the positioning 
of the courts and higher courts in relation to the theme that encompasses this 
research, finally elucidating an alternative modality of guardianship mechanism in the 
face of the problem that the present research consists of, to then arrive at the due 
conclusion on the possibility of criminally holding the legal entity of private law 
responsible for the commission of environmental crime does not order Brazilian legal 
framework as well as exposing the hypotheses for solving the problem. The 
methodology used to carry out this research will be based on the application of a 
method of theoretical approach of descriptive character, having as procedure the use 
of the monographic method with deductive and dogmatic-comparative reasoning, 
consisting of research techniques through the bibliographic analysis and 
documentary from primary and secondary sources, using laws, doctrines and 
repeated decisions of the courts and higher courts of the Brazilian legal system. 
 
Keywords: Criminal Responsibility. Legal Personal. Environmental Damage. 
 
 
 
 
SUMÁRIO 
 
1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 6 
2 RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PRIVADO . 7 
2.1 CONCEITO DE PESSOA JURÍDICA E SUA DISTINÇÃO DA PESSOA 
NATURAL FÍSICA ....................................................................................................... 7 
2.1.1 Conceito de responsabilidade ........................................................................ 8 
2.2 CONSIDERAÇÕES INICIAIS E FUNDAMENTOS ................................................ 9 
2.3 A (IM)POSSIBILIDADE DE CRIMINALIZAR A PESSOA JURÍDICA NO DIREITO 
PENAL BRASILEIRO CONFORME A DOUTRINA PENAL ...................................... 12 
2.3.1 Teoria da Ficção Legal ................................................................................... 15 
2.3.2 Teoria da Realidade (organicista) ................................................................. 18 
3 ANÁLISE A PARTIR DA CONSTITUIÇÃO E DA LEI INFRACONSTITUCIONAL 
BRASILEIRA ............................................................................................................ 24 
3.1 O INSTITUTO À LUZ DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 ........................ 24 
3.2 CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DA LEI 9.605 DE 1998 (LEI DE CRIMES 
AMBIENTAIS) ........................................................................................................... 27 
3.3 ANÁLISE QUANTO A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA CRIMINALIDADE 
EMPRESARIAL NA LEGISLAÇÃO CONSTITUINTE SOB A ÓTICA DA DOUTRINA30 
3.3.1 Ideias contrárias e favoráveis ....................................................................... 30 
4 APLICAÇÃO CONFORME A JURISPRUDÊNCIA BRASILEIRA E A PROPOSTA 
MODERNIZADORA DO DIREITO DE INTERVENÇÃO ........................................... 39 
4.1 A DISCUSSÃO SOBRE O TEMA NA JURISPRUDÊNCIA BRASILEIRA ........... 39 
4.2 O DIREITO DE INTERVENÇÃO COMO MECANISMO DE TUTELA ................. 50 
5 CONCLUSÃO ........................................................................................................ 53 
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 57 
 
 
 
6 
 
1 INTRODUÇÃO 
 
A pesquisa em face do tema que trata da responsabilidade penal da 
pessoa jurídica em decorrência de crime ambiental, demonstra a importância bem 
como a necessidade na realização de uma análise em relação ao problema que 
envolve o tema até os dias atuais, pois, possibilita-nos um entendimento mais 
exacerbado acerca do que tem levado outros países como até mesmo os de sistema 
jurídico romano-germânico que não reconhece como legítima a aplicação da 
responsabilidade penal da pessoa jurídica, a fazerem a adoção da referida 
modalidade, como apresenta-se neste caso o Brasil. 
A responsabilidade penal da pessoa jurídica tem se tornado nas últimas 
décadas um assunto frequentemente discutido em meio ao ordenamento jurídico, 
em razão do crescimentoacelerado da sociedade, que de certa forma acaba 
influenciando direta e indiretamente no crescente avanço da indústria e tecnologia. 
Neste sentido, é necessário que o desenvolvimento e a proteção aos 
bens jurídicos estejam em conformidade, servindo ao disposto constitucional da 
responsabilização penal juntamente da cível e administrativa, como sistema de 
controle. Entretanto, mesmo com o dispositivo constitucional que trata 
especificamente deste instituto, apenas com a criação da Lei Federal 9.605 de 1998 
que se obteve um aprofundamento maior quanto a discussão da imputabilidade 
penal da pessoa jurídica de direito privado. 
A referida lei regulamentadora, dispõe sobre as sanções penais e 
administrativas decorrentes de condutas e práticas que resultem lesão ao bem 
jurídico tutelado, advindas do ente coletivo. 
Dessa forma, importa-nos realizar um aprofundamento no estudo desse 
tema, afim de verificar se é possível aplicar a modalidade de responsabilização 
penal da pessoa jurídica no sistema jurídico brasileiro, em razão de crimes 
cometidos contra o meio ambiente. 
 
7 
 
2 RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PRIVADO 
 
2.1 CONCEITO DE PESSOA JURÍDICA E SUA DISTINÇÃO DA PESSOA 
NATURAL FÍSICA 
 
Inicialmente, importa-nos conceituar para melhor entendimento no 
decorrer deste trabalho, o que é a pessoa jurídica, especificamente as de direito 
privado. 
Dito isto, nada mais esclarecedor do que elucidarmos o conceito de 
pessoa jurídica de direito privado conforme Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo 
Pamplona Filho (2009, p. 182): 
[...] podemos conceituar a pessoa jurídica como sendo o grupo humano, 
criado na forma da lei, e dotado de personalidade jurídica própria, para a 
realização de fins comuns. Enquanto sujeito de direito, poderá a pessoa 
jurídica por seus órgãos e representantes legais, atuar no comércio e 
sociedade, praticando atos e negócios jurídicos em geral. 
 
De acordo com o aludido conceito, constata-se que a pessoa jurídica se 
funde através de uma sociedade, se for para fins econômicos ou associação se for 
para fins ideais, formada por uma ou um determinado grupo de pessoas físicas, 
sendo estas denominadas seus representantes legais, constituindo, assim, um ente 
coletivo que é dotado de personalidade jurídica, podendo ser responsabilizado pelos 
atos a que der causa. 
Consideram-se pessoas jurídicas, entidades com uma personalidade 
emprestada pela lei, tornando-as habilitadas para serem sujeitos de direitos e 
obrigações. Caracterizam-se por atuarem na vida jurídica com personalidade distinta 
dos demais indivíduos que as integram. O Código Civil de 2002 trata sobre as 
entidades coletivas em seu Livro I, Título II, do art. 40 ao 69. 
No mesmo contexto, conforme conceitua o autor Requião (2003, p. 365) 
“a sociedade se forma pela manifestação da vontade de duas ou mais pessoas, que 
se propõem unir os seus esforços e cabedais para a consecução de um fim comum”. 
Enfatiza-se que o atual Código Civil brasileiro, de forma resumida, 
relaciona em seu artigo 44 as pessoas jurídicas de direito privado como sendo: as 
associações, sociedades e fundações, as organizações religiosas, os partidos 
políticos e as empresas individuais de responsabilidade limitada. 
8 
 
Ainda de acordo com o Código Civil, o seu artigo 45 explica que como 
pressuposto para a existência legal da pessoa jurídica de direito privado, tal fato 
ocorre quando da sua averbação do contrato social no correspondente registro, 
antecedendo quando for preciso, de anuência ou concessão do Poder Executivo, 
fazendo constar ainda todas as alterações que ocorrerem no contrato social da 
empresa durante a sua existência. 
Conclui-se assim, que a pessoa jurídica de direito privado se funde 
através de um fato social definido em legislação específica, dependendo da vontade 
humana criadora, observando a licitude dos seus objetivos . 
Distintamente, temos a pessoa natural física, que para o Direito Civil é um 
ser dotado de personalidade jurídica, com direitos e obrigações. Como dispõe o 
Código Civil brasileiro, em seu artigo 1º, “Toda pessoa é capaz de direitos e deveres 
na ordem civil”, bem como seu artigo 2º elucida que “A personalidade civil da pessoa 
começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os 
direitos do nascituro”. 
O Código Civil também dispõe quando a mesma começa a exercer os 
atos da vida civil de forma relativa ou absoluta, na parte geral, que trata da pessoa 
natural, da personalidade e sua capacidade, elencados no artigo 3º e seguintes. 
Conforme o entendimento de Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona 
Filho (2012, p. 142), para o Direito Civil, essa personalidade jurídica “[...] é a aptidão 
genérica para titularizar direitos e contrair obrigação, ou, em outras palavras, é o 
atributo necessário para ser sujeito de direito”. 
Por fim, ainda segundo Gagliano e Pamplona Filho (2012, p. 143), “A 
pessoa natural, para o direito, é, portanto, o ser humano, enquanto 
sujeito/destinatário de direitos e obrigações”. 
 
2.1.1 Conceito de responsabilidade 
 
Antes de adentrar na temática em análise, de forma breve, demonstra-se 
essencial tecermos também o conceito de responsabilidade. Responsabilidade, 
conforme o dicionário, trata-se de um vocábulo concernente ao resultado de uma 
conduta praticada. 
9 
 
Sob a ótica jurídico-penal, significa um dever de arcar com os efeitos 
jurídicos advindos de um ato praticado, considerado crime. Por meio da 
responsabilidade, busca-se tornar determinada pessoa obrigada a reparar um dano 
ou atribuir-lhe uma penalidade, em razão daquele resultado a que deu causa. De 
acordo com Damásio de Jesus (2013, p. 514), a responsabilidade “[...]corresponde 
às consequências jurídicas oriundas da prática de uma infração”. 
Para concluir, na concepção de Magalhães Noronha (1980, p. 172): 
[...]é a obrigação que alguém tem de arcar com as consequências jurídicas 
do crime. É o dever que tem a pessoa de prestar contas de seu ato. Ele 
depende da imputabilidade do indivíduo, pois não pode sofrer as 
consequências do fato criminoso (ser responsabilizado) senão o que tem a 
consciência de sua antijuridicidade e quer executá-lo. 
 
2.2 CONSIDERAÇÕES INICIAIS E FUNDAMENTOS 
 
Com o passar dos anos em decorrência ao desenvolvimento econômico, 
tecnológico e social desordenado, aperfeiçoaram-se também as formas de praticar 
delitos, surgindo assim modalidades de crimes que agora incorporam também 
estruturas empresariais. 
Sabe-se que a problemática em torno de se adotar ou não tal 
responsabilidade no ordenamento jurídico pátrio é um assunto antigo, e um dos mais 
polêmicos no Direito Penal, sendo o motivo pelo qual até hoje existem juristas e 
constitucionalistas que divergem quanto a aplicação dessa modalidade de 
responsabilidade, mas que necessita de uma solução mais viável e de certa forma 
benéfica, levando em conta o crescente aumento da criminalidade empresarial 
(crimes financeiros, ambientais e industriais). 
Importante ressaltar que o tema em questão tem sido cada vez mais 
presente em discussões no âmbito jurídico, principalmente em se tratando de 
matéria ambiental, levando em conta o grande aumento de ocorrências que vem 
afetando o meio ambiente nas últimas décadas de maneira frequente. 
De acordo com Luiz Regis Prado (2007), essa temática está sendo 
bastante discutida sobretudo por conta da função significativa e influenciadora que 
nos dias atuais a pessoa jurídica vem desenvolvendo na sociedade moderna, 
vinculando-se aos chamados crimes econômicos de maneira abrangente. 
O momento histórico em que se vive, marcado pela passagem do Estado 
individual de Direito para o Estado social de Direito, pelo surgimento de 
10 
 
novos riscos e incremento dos já existentes – característicos de uma 
sociedade de alta tecnologia, complexa e volátil -, e a indiscutível relevância 
desses bens jurídicosde natureza transindividual – indispensáveis para a 
existência e o desenvolvimento do homem e da sociedade -, justificam 
plenamente a necessidade de interferência do Direito Penal – de forma 
seletiva, tecnicamente correta e limitada-, como verdadeira ultima ratio do 
ordenamento jurídico (PRADO, 2005, p. 7). 
 
Na medida que vem surgindo essa nova modalidade de crimes que 
alguns juristas tem denominado como fenômeno da criminalidade lato sensu (ordem 
econômica, relações de consumo, ambiente), identificou-se a necessidade de 
aperfeiçoamento nos mecanismos de tutela. 
No que se refere ao meio ambiente, por exemplo, a autora Márcia Elayne 
Berbich de Moraes (2004, p. 34) expõe que: 
A visão catastrófica da “realidade” ambiental levou às novas exigências que 
os grupos ecológicos fizeram para proteção do meio ambiente, as quais 
foram respondidas pelo Estado social, mas de uma forma que não abarca a 
complexidade do problema. Uma das maneiras de solução do problema, por 
parte do Estado, foi a modificação do direito na área penal para atender 
questões com relação à área do meio ambiente. 
 
A autora ainda descreve que essas imposições feitas pelos movimentos 
ecológicos trouxeram resultados dentro do direito, por meio da inserção de regimes 
no que diz respeito ao meio ambiente, entre os quais, o surgimento de novos delitos 
ambientais abrangendo as pessoas jurídicas (MORAES, 2004). 
No parecer de Viviani (2008), as pessoas jurídicas passaram a ter maior 
destaque em meio a coletividade, sobretudo as sociedades empresárias, em razão 
da importância dos empreendimentos que vem emitido em suas relações negociais. 
Essa delinquência econômica é corolário de uma nova espécie de Direito 
Penal, que Hassemer veio a chamar de Direito penal moderno, cujas 
características são diversas do Direito Penal tradicional (v.g., furto, 
homicídio, estupro etc), ultrapassando os direitos individuais universais [...] 
(VIVIANI, 2008, p. 38). 
 
Segundo essa nova espécie de mecanismo de tutela penal, levando em 
conta as modificações no âmbito da criminalidade, ou seja, crimes que vão além do 
domínio normal da pessoa física (estupro, homicídio) e que afetam a sociedade de 
forma ampla e coletiva, o legislador viu-se forçado a fazer uma alteração no sistema 
jurídico, “deixando de lado”, podemos assim dizer, os dogmas do direito penal e a 
aplicação de penalidades, descendentes de um direito penal tradicional, onde 
baseava-se, até o momento, que apenas a pessoa humana poderia integrar o polo 
ativo de um crime. 
11 
 
Um dos motivos foi pelo fato de que: 
[...] essas entidades, ao mesmo tempo em que beneficiam a coletividade, 
podem, em determinadas situações, causar-lhe danos de consideráveis 
proporções, como por exemplo, nas situações em que seus membros a 
utilizam para prejudicar o meio ambiente, classificado pelo constituinte 
brasileiro como “bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade 
de vida” (art. 225, caput, da Constituição) (VIVIANI, 2008, p. 38-39). 
 
A forma encontrada pelo legislador, em um primeiro momento, foi através 
da sua aplicação na lei constituinte, justamente por se tratar da proteção de bens 
transindividuais e danos de caráter difuso, reconhecendo a imputabilidade penal, 
cível e administrativa da pessoa jurídica. 
A instigação à responsabilização criminal do ente coletivo se deve, também, 
em razão das dificuldades dogmáticas encontradas no Direito Penal 
tradicional para combater essa nova espécie de criminalidade, cujas 
pessoas físicas causadoras do dano são dificilmente identificadas e punidas 
(VIVIANI, 2008, p. 39) 
 
Porém, como se vê até o momento, o problema demonstra-se mais 
complexo do que o imaginado, e longe de ser resolvido, levando em conta a 
reprovabilidade por parte de alguns juristas, em relação a essa aplicação no âmbito 
da norma penal e com uma discussão até hoje existente, quanto ao fato de ser 
considerado passível de aceitação a aplicação do instituto da responsabilidade penal 
da pessoa jurídica no Brasil. 
Vale ressaltar que os mecanismos de proteção ambiental e da ordem 
econômica, necessitam de um equilíbrio e compatibilidade das necessidades do 
desenvolvimento social, tecnológico e econômico com as de proteção e conservação 
dos direitos difusos. 
É fundamental ressaltar a importância da atividade empresarial no 
desenvolvimento sócio-econômico de um país. A tutela do meio ambiente, 
em sede de responsabilidade penal, deve conciliar a proteção desse direito 
difuso com o processo econômico, a partir da empresa como atividade 
organizada de produção e circulação de bens e serviços. Trata-se de buscar 
a efetivação do desenvolvimento sustentável (OSINSKI JÚNIOR, 2008, p. 
11). 
 
Isto posto, trataremos em momento oportuno desta pesquisa, de forma 
mais aprofundada, as teorias que englobam o tema, o preceito constitucional e as 
legislações específicas que englobam a responsabilização penal da pessoa jurídica 
de direito privado. 
 
12 
 
2.3 A (IM)POSSIBILIDADE DE CRIMINALIZAR A PESSOA JURÍDICA NO DIREITO 
PENAL BRASILEIRO CONFORME A DOUTRINA PENAL 
 
Até recentemente, em relação a responsabilização penal da pessoa 
jurídica, predominava na doutrina penal brasileira o princípio societas delinquere non 
potest (as sociedades não podem delinquir), advindo de um sistema de direito 
romano-germânico, onde não se reconhece esse tipo de responsabilidade, partindo 
do pressuposto de que essas entidades não constituem personalidade jurídica para 
serem imputáveis penalmente, sendo passíveis apenas de mera punição na esfera 
cível e administrativa. 
De acordo com o autor Luiz Regis Prado (2011, p. 131): 
2. Em termos científicos, tem-se como amplamente dominante, desde há 
muito, no Direito Penal brasileiro, como nos demais Direitos de filiação 
romano-germânica, a irresponsabilidade penal da pessoa jurídica, expressa 
no conhecido apotegma societas delinquere non potest, verdadeira 
reafirmação dos postulados da culpabilidade e da personalidade das penas. 
Isso quer dizer que os crimes praticados no âmbito da pessoa jurídica só 
podem ser imputados criminalmente às pessoas naturais na qualidade de 
autores ou partícipes. 
 
Para Rodrigo Sánchez Rios (2011, p. 204): 
A importância do ente coletivo empresarial é evidente no âmbito dos delitos 
econômicos, onde se propugna a aplicação de sanções diretamente ao 
mesmo. Sem fazer muito esforço redimensiona a discussão em torno do 
dogma societas delinquere non potest. 
 
A ideia desse princípio que se relaciona com a teoria da ficção criada por 
Savigny, decorre do tipo de sistema jurídico implantado no Brasil, o Civil Law. 
Conforme explicam Eugênio Pacelli e André Callegari (2017, p. 224): 
A problemática da definição da responsabilidade penal da pessoa jurídica 
se apresenta no cenário jurídico-penal atual, como um divisor de doutrinas. 
Ou seja, apresenta-se inalcançado um ponto comum em relação à 
possibilidade ou não de se proceder a essa responsabilização, justamente 
por não ser tarefa fácil a adequação da pessoa jurídica à teoria 
historicamente desenvolvida do Direito Penal. 
 
Ainda quanto ao princípio societas delinquere non potest, criado para 
estabelecer que as pessoas jurídicas não possuem capacidade no cometimento de 
crimes, o autor Cezar Roberto Bitencourt (2018, p. 273) expõe os argumentos em 
que se funda a sua criação e aplicação: 
A inadmissibilidade da responsabilidade penal das pessoas jurídicas – 
societas delinquere non potest – remonta a Feuerbach e Savigny. Os dois 
principais fundamentos para não se reconhecer a capacidade penal desses 
13 
 
entes abstratos são: a falta de capacidade “natural” de ação e a carência de 
capacidade de culpabilidade. 
 
Na mesma ideia, de acordo com Pierangeli (1999), visto que o 
mecanismo de tutela penal só dispõe sobre as ações praticadas pela pessoa 
humana, compreende-se que o ente coletivo não possui capacidade de agir por si 
só. 
Por outro lado,contrariando o apotegma societas delinquere non potest 
encontramos autores afirmando que “a pessoa jurídica não é um ser artificial, criado 
pelo Estado, mas sim um ente real, independente dos indivíduos que a compõe” 
(CAPEZ, 2008, p. 52). 
Corroborando com o mesmo raciocínio, Gomes (2015, p. 199) diz que, 
“[...] o Direito Penal, neste entendimento, trata a pessoa jurídica como ente 
autônomo, provido de vontade própria e capacidade de deliberação, estando 
portando suscetível a aplicação da norma penal”. 
A corrente contrária a responsabilidade penal das pessoas jurídicas 
também elenca alguns princípios que estariam sendo violados, sendo estes, o 
princípio da responsabilidade pessoal, que coíbe a penalização de um indivíduo 
pelas ações de terceiros, pois o mesmo só deveria ser responsabilizado penalmente 
pelos atos a que der causa. 
Outro princípio apresentado para fundamentar essa contrariedade é o 
princípio da intranscedência da pena e da culpa, formulado na ideia de que “a 
mesma não possa ser transmitida para terceiros, deixando claro que a pena não 
pode passar da pessoa do criminoso” (GOMES, 2015, p. 33). 
Dessa forma, vislumbra-se que os doutrinadores contrários à essa 
modalidade de responsabilidade, apresentam indagações em relação ao 
cumprimento da pena de prestação de serviços, sobre quem cumpriria a mesma (o 
representante legal ou a pessoa jurídica?), como também se essa pena não estaria 
ultrapassando o autor do fato criminoso. 
Essa parcela da doutrina que condena a criminalização da pessoa jurídica 
diz que os representantes legais é que seriam penalizados, caracterizando uma 
violação ao princípio constitucional (elencado no art. 5º, inciso XLV, da CF) da 
responsabilidade pessoal ou da personalidade da pena, visto que ficaria 
caracterizada essa violação caso fosse aplicada a pena de liquidação forçada da 
14 
 
sociedade, sob o argumento de estar atingindo terceiros, sendo estes, como 
exemplo, os funcionários e acionistas que integram o corpo da sociedade 
empresária. 
A responsabilização penal, contrária da civil e tributária por exemplo, só 
poderia incidir sobre quem praticou ou fez parte do fato juridicamente condenável 
(BIANCHINI; MOLINA; GOMES, 2009). Assim, faz-se mister dizer que o Código 
Penal, em seu artigo 13, que trata da relação de causalidade do crime, dispõe que 
somente é possível imputar um crime contra autor do fato, como também só é 
possível punir quem praticou materialmente esse mesmo fato juridicamente 
condenável. 
Os autores Alice Bianchini, Antonio García-Pablos de Molina e Luiz Flávio 
Gomes (2009, p. 363) ainda fazem uma análise mais aprofundada quanto ao 
princípio da responsabilidade pessoal: 
O princípio da responsabilidade pessoal significa a exigência de um 
autêntico injusto típico, de realização pessoal – direta ou mediata – ou de 
participação pessoal em um tipo de injusto (com seus aspectos objetivos e 
subjetivos). 
 
No mesmo sentido, encontramos autores que afirmam estar-se tentando, 
a partir da criminalização de pessoas jurídicas, o desconhecimento do princípio 
nullum crimen sine conducta do Direito Penal, princípio esse baseado na ideia de 
que sem uma conduta (ação humana) não há que se falar em crime consumado, do 
contrário, o delito poderia ser considerado qualquer coisa, “abarcando a 
possibilidade de penalizar o pensamento, a forma de ser, as características pessoais 
etc” (ZAFFARONI; PIERANGELI, 2013, p. 370). 
Entretanto, de acordo com Gomes (2015) o legislador, na verdade, teve a 
intenção de comprovar que as pessoas jurídicas cometem delitos, e por isso, 
deverão ser imputáveis e penalizadas. 
Como já dito anteriormente, outro fundamento aplicado a tese da 
irresponsabilidade penal das pessoas jurídicas baseia-se no princípio da 
personalidade das penas, entretanto, de acordo com Fausto Martin de Sanctis 
(1999, p. 41-42): 
[...] ao contrário do que se possa imaginar, esse princípio serve de 
argumento para justificar a reprimenda dos entes coletivos. Seria uma 
enorme injustiça punir os dirigentes por decisões que são, em verdade, fruto 
do grupamento. Assim, sancionar apenas os dirigentes por atos que 
socorrem todo o grupamento, deve ser caracterizado como um atentado ao 
princípio da personalidade das penas, já que é a pessoa jurídica que 
15 
 
deveria, inclusive, ser punida. O princípio da personalidade da 
responsabilidade deve ser entendido, apenas, como dever de 
responsabilização do autor de um ato ilícito, ou seja, deve obrigar a 
persecução criminal contra o verdadeiro culpado, seja a pessoa física que 
se esconde atrás de uma pessoa jurídica, seja esta que se oculta naquela. 
 
A doutrina brasileira trabalha com algumas teorias de pensamentos que 
divergem no que diz respeito ao reconhecimento da personalidade das pessoas 
jurídicas para que se possa aplicar-lhes sanções de natureza penal. 
As principais teorias são as negativistas, que partem de uma ideia que 
não reconhece a personalidade da pessoa jurídica e as teorias afirmativistas, que 
contrariando a teoria negativista, reconhece a personalidade do ente coletivo 
tornando-o capaz de ser imputável penalmente. 
Trataremos aqui, as de maior importância para a presente pesquisa, quais 
sejam, a teoria da ficção legal e a teoria da realidade (organicista), sendo estas, as 
principais que se contrapõem em seu pensamento quanto a responsabilidade penal 
da pessoa jurídica de direito privado, podendo-se dizer, as que se encontram na raiz 
do problema. 
 
2.3.1 Teoria da Ficção Legal 
 
Com relação a tese da irresponsabilidade penal da pessoa jurídica 
baseada na teoria da ficção, esta, sempre se fundou em três aspectos, sendo eles, a 
incapacidade de praticar uma ação, a incapacidade de adquirir culpabilidade e a 
incapacidade de sofrer uma pena. 
Conforme elucida o autor Luiz Regis Prado (2007, p. 269): 
A primeira, criada por Savigny, afirma que as pessoas jurídicas tem 
existência fictícia, irreal ou de pura abstração – devido a um privilégio lícito 
da autoridade soberana -, sendo, portanto, incapazes de delinquir (carecem 
de vontade e de ação). O Direito Penal considera o homem natural, quer 
dizer, um ser livre, inteligente e sensível: a pessoa jurídica, ao contrário, 
encontra-se despojada dessas características, sendo só um ser abstrato. 
 
Essa teoria afirma que o ente coletivo não possui motivação própria para 
agir, isso porque sua existência se dá através dos atos e decisões tomadas por 
terceiros, que no caso são os seus representantes legais, o que tornaria impossível 
a sua responsabilização penal. Como apontam Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo 
Pamplona Filho (2009, p. 185): 
16 
 
A teoria da ficção desenvolveu-se a partir da tese de WINDSCHEID sobre o 
direito subjetivo, e teve SAVIGNY como seu principal defensor. Não 
reconhecia existência real à pessoa jurídica, imaginando-a como abstração, 
mera criação da lei. Seriam pessoas por ficção legal, uma vez que somente 
os sujeitos dotados de vontade poderiam, por si mesmos, titularizar direitos 
subjetivos. 
 
De acordo com esse entendimento, a responsabilidade penal além de ser 
imputável apenas ao ser humano, trata-se de uma questão de imputabilidade 
subjetiva, diferentemente da responsabilidade civil onde aplica-se também de forma 
objetiva e independente da culpabilidade de quem pratica o ato. 
Na mesma ideia, a corrente contrária ainda leva em conta que caso haja 
uma imputação penal ao ente coletivo haveria, de certa forma, uma violação ao 
princípio da responsabilidade pessoal do direito penal, partindo do pressuposto de 
que não se pode penalizar alguém pelas ações de terceiros, pois quem executa os 
atos da pessoa jurídica são os seus representantes (pessoa física) que agem em 
seu nome. 
Sendo assim, nessa perspectiva, ficaria caracterizado a imputação por um 
crime que apenas teve como autores os representantes legais da pessoa jurídica. 
Em concordância com a teoriada ficção, os autores Eugênio Pacelli e 
André Callegari (2017, p. 223) explicam: 
Quanto aos fatos da natureza, não há dúvidas sobre a inexistência de 
conduta (ex.: avalanches, terremotos, que matam pessoas). Por isso se diz 
que, para fins de responsabilização penal, deve haver uma conduta 
humana, desinteressando, para o Direito Penal, os meros fatos da natureza. 
 
Nesse prisma, só poderia haver uma imputação penal ao indivíduo 
humano, que possui capacidade psíquica, de autodeterminação e vontade de ação, 
para que sejam responsáveis diretos pela conduta, ou seja, uma vontade objetivada. 
A pessoa jurídica seria no caso um mero ser abstrato, pois lhe falta 
consciência e vontade, não podendo atuar como autora ou partícipe de qualquer 
conduta punível em matéria penal. 
Portanto, se daria a entender que, a culpabilidade penal como juízo de 
reprovabilidade da conduta “[...] somente pode ter como objeto a conduta humana” 
(PRADO, 2007, p. 272). 
A realidade de sua existência se funda sobre as decisões de certo número 
de representantes que, em virtude de uma ficção, são consideradas como 
suas; e uma representação semelhante, que exclui a vontade propriamente 
dita, pode ter efeito em matéria civil, mas nunca em relação à ordem penal 
(PRADO, 2011, p. 130). 
 
17 
 
Assim, não seria possível fazer uma equiparação da vontade da pessoa 
jurídica com a vontade do ser humano, como aponta a teoria da ação do direito 
penal, isso porque a vontade do ente coletivo estaria vinculada com a do seu órgão 
ou representante. 
Corroborando com essa ideia, Eugênio Pacelli e André Callegari (2017, p. 
216-217) afirmam que: 
A lei da causalidade, que rege as ciências da natureza, baseia-se numa 
relação de causa e efeito. Ação é o movimento corporal voluntário que 
causa uma modificação no mundo exterior. A manifestação de vontade é 
toda conduta voluntária – ação ou omissão – resultante de um movimento 
do corpo. Deve-se entender a manifestação de vontade como toda 
realização ou omissão voluntária de um movimento corpóreo que, livre de 
qualquer violência, está motivada pelas representações mentais do agente; 
em suma, é a vontade objetivada. 
 
Dessa forma, a pessoa jurídica careceria desse impulso voluntário de 
tomar uma decisão e de ter a capacidade para agir, não podendo se enquadrar 
como sujeito ativo de crime, pois a conduta implicaria necessariamente vontade, e 
no caso, a vontade existiria apenas por parte do seu representante. 
[...] para saber se existe uma ação, bastaria comprovar a existência de uma 
conduta voluntária – no sentido de espontânea, e não forçada – e a 
causação ou não evitação de uma modificação danosa, perceptível pelos 
sentidos, no mundo exterior. Para a existência da ação é suficiente saber 
que o autor “queria algo” (PACELLI; CALLEGARI, 2017, p. 217). 
 
Com isso, as ações e decisões tomadas em nome da pessoa jurídica não 
seriam concluídas por ela mesma, apenas vinculando-a aos atos das pessoas que 
atuam em seu nome. 
Neste sentido, responsabilizar a pessoa jurídica significaria então uma 
culpabilidade baseada em um fato alheio, de forma presumida, o que traria também 
uma violação ao princípio da culpabilidade segundo alguns doutrinadores, pois, “[...] 
não se trata de uma autoria da própria pessoa jurídica” (PRADO, 2007, p. 271). 
Não se pode falar de uma vontade em sentido psicológico no ato da pessoa 
jurídica, o que exclui qualquer possibilidade de admitir a existência de uma 
conduta humana. A pessoa jurídica não pode ser autora de delito, porque 
não tem capacidade de conduta humana no seu sentido ôntico-ontológico 
(ZAFFARONI; PIERANGELI, 2013, p. 371). 
 
Seguindo a mesma ideia, em conformidade com a teoria da ficção: 
Consequentemente, sendo criação do Direito objetivo, elaborada pelo 
Estado ou uma concessão deste, às pessoas jurídicas faltam condições 
psíquicas de imputabilidade. Quem por elas atuam são os seus diretores ou 
representantes, que penalmente respondem por elas (PIERANGELI, 1999, 
p. 21). 
 
18 
 
Na concepção de Pierangeli (1999), é inalcançável que um ente coletivo 
possa agir de forma dolosa ou culposa, pois, não se pode confundir a vontade da 
pessoa jurídica com a de uma pessoa natural, caso contrário, o autor conclui que 
“Teríamos, então, uma ficção de outra ficção, ou uma duplicidade de ficções, uma 
superposta à outra, já que nenhum ordenamento jurídico-penal concebe a pessoa 
jurídica fora desse plano” (PIERANGELI, 1999, p. 23). 
Sabendo-se que os países ligados ao direito romano-germânico contêm 
uma ideia individualista do direito penal, dentre os quais o Brasil, segundo o autor 
Rodrigo Sánchez Rios (2011, p. 205), “[...] em um mero confronto com os princípios 
gerais de imputação e as estruturas dogmáticas criadas para os delitos tradicionais, 
constata-se a inviabilização da responsabilização penal a um ente coletivo”, pelo 
menos no que diz respeito a sua implementação no atual sistema jurídico-penal 
brasileiro. 
Sendo assim, levando em conta tais considerações expostas por parte da 
doutrina, que se diz contrária a aplicação do instituto em análise, é de se concluir 
que só seria possível a inclusão do mesmo, depois que o atual sistema jurídico-
penal brasileiro sofrer uma adaptação para que seja admitido sem que haja 
interferência aos princípios e teorias já criadas no nosso sistema penal, pois, como 
já dito anteriormente, o mesmo possui total concordância apenas em se tratando da 
imputabilidade penal da pessoa física. 
Contudo, “nas novas indagações referentes à evolução do Direito Penal 
Econômico, a criação de sanções a entes coletivos irá desempenhar uma função de 
extrema relevância” (RIOS, 2011, p. 205). 
 
2.3.2 Teoria da Realidade (organicista) 
 
Apresentada a teoria da ficção legal, que até recentemente predominava 
em relação ao tema em estudo, por outro lado, vem tomando cada vez mais 
proporção no ordenamento jurídico penal brasileiro, a teoria da realidade, também 
chamada de teoria organicista, tendo Otto Gierke como seu precursor, baseando-se 
em pressupostos diversos à teoria da ficção. 
Para essa teoria, a pessoa jurídica seria um ser real que possui vontade 
objetivada e que não seria a soma de vontades dos seus representantes, tendo 
19 
 
personalidade jurídica própria, e capacidade de praticar atos criminosos, podendo 
ser imputável penalmente. 
[...] as teorias da realidade, cujos defensores mais conhecidos são Otto 
Gierke e Zitelmann, admitem as pessoas jurídicas como entidades de 
existência indiscutível, distintas dos indivíduos que as compõem, 
caracterizadas por finalidades específicas. O objetivo dessas teorias é 
afirmar e demonstrar a real existência de um ente coletivo, embora não 
signifique que seja reconhecida a um grupamento uma existência 
exatamente igual a uma pessoa física. Ou seja, significa estabelecer a 
existência da pessoa jurídica e reconhecer uma vocação de ela ser, como 
uma pessoa física, um sujeito de direito. Na verdade, pouco a pouco se 
verificou que na pessoa jurídica há uma vontade superior, expressa por 
seus órgãos, demonstrando possuir uma existência independente dos 
membros que a compõem (PERES, 2005, p. 65). 
 
Conforme expõe a autora Sheila Jorge Selim de Sales (2011, p. 219) 
“tem-se assistido emergente movimento penalístico, centrado sobre o abandono do 
tradicional princípio segundo o qual societas delinquere non potest”. 
Esta orientação doutrinária, imbuída de viva preocupação com o 
crescimento da criminalidade praticada por meio desses entes, cuja lesão 
recai, de modo especial, sobre bens jurídicos coletivos, causa dano mais 
intenso e, de consequência, deve ser reprimido de forma mais enérgica no 
âmbito jurídico-penal (SALES, 2011, p. 219). 
 
De acordo com José Henrique Pierangeli (1999, p. 22): 
Os defensores desta teoria afirmam que a impossibilidade de aplicar-se 
sanções penais às pessoas jurídicas, aventada pela doutrina mais antiga, 
está, atualmente, perfeitamentecontornada. Além de penas alternativas 
preconizadas em substituição às de detenção e de reclusão, formas de 
sanção mais tradicionais, dispõe o Direito Penal, modernamente, além da 
multa, da possibilidade de adoção de outras como a dissolução ou 
suspensão das atividades por tempo determinado. 
 
Justificando o emprego da teoria da realidade, o autor Capez (2008) 
afirma ser possível enquadrar a pessoa jurídica como autor de um crime, visto que 
não se considera incontestável o princípio societas delinquere non potest, no âmbito 
jurídico. 
O mesmo autor ainda explica que, no âmbito da criminalidade realmente 
existem delitos que só possibilitam enquadrar como autor do fato a pessoa física, 
tendo em vista não ser possível transcender o domínio normal da pessoa humana, 
como é o caso do estupro e homicídio (CAPEZ, 2008). 
Contudo, encontramos crimes que são passíveis de serem praticados 
pelos entes morais, característicos da criminalidade empresarial, como por exemplo 
os crimes ambientais e de fraudes, em que são praticados com intuito de se obter 
vantagem para a pessoa jurídica. 
20 
 
Fábio Roberto Peres (2005, p. 66) explica que: 
[...]os defensores da teoria da realidade que afirmam que a pessoa jurídica 
possui vontade e atuação própria, entendem que a responsabilização penal 
deve ser aplicada à corporação, no caso do delito ser cometido no interesse 
dela. Vale dizer que a personalidade jurídica atribuída aos entes coletivos 
pelo direito decorre do fato de considerá-los seres reais, os quais se 
exprimem por meio de características especiais. Possuem patrimônio 
diverso de seus membros, vontade própria e manifestam-se pelos seus 
órgãos, de molde que a sua existência é fruto de uma realidade, não só no 
plano jurídico, mas também na seara social. Agem, portanto, 
independentemente, apresentando-se como perfeitos sujeitos de direito, já 
que podem contrair obrigações e possuir direitos, tanto quanto as pessoas 
físicas. 
 
Na perspectiva de Viviani (2008), a doutrina apoiadora da teoria 
organicista fundamenta a obrigação de condenar no âmbito penal o ente coletivo, 
não somente por conta do aumento de crimes ocorridos na esfera empresarial, como 
também pelo fato de que na maioria das vezes encontra-se uma grande dificuldade 
em identificar exatamente o culpado pelos danos causados, sobretudo porque estes 
crimes são constantemente praticados por pessoas naturais, que ocultam-se atrás 
da pessoa moral. 
Conforme dito acima, as pessoas jurídicas possuem vontade própria e se 
exprimem pelos seus órgãos. Essa vontade independe da vontade de seus 
membros e constitui uma decorrência da atividade orgânica da empresa. 
Conclui-se, portanto, que diante dessa vontade própria é possível o 
cometimento de infrações, de forma consciente, visando à satisfação de 
seus interesses (PERES, 2005, p. 83). 
 
Levando em consideração a ausência de condutas tipificadas como 
crimes imputáveis à pessoa jurídica na esfera penal anteriormente ao que, alguns 
doutrinadores afirmam, se adotou na Constituição Federal de 1988, via-se uma 
brecha para a ocorrência de delitos, que em caso de condenação, não acarretariam 
uma medida suficientemente eficaz, para desestimular e coibir a prática de crimes 
empresariais de ordem econômica e ambiental. 
Os principais argumentos favoráveis para que o ente coletivo possa figurar 
no pólo passivo de uma ação penal podem ser resumidos sob duas facetas: 
a primeira delas consiste em atribuir à pessoa jurídica vontade própria, 
admitindo-se que ela, por este motivo, possa praticar uma conduta 
criminosa e agir com culpabilidade própria (distinta da culpabilidade 
tradicional, inerente à pessoa jurídica). A outra forma corresponde a 
responsabilizar a pessoa jurídica somente nos casos em que se comprovar 
a conduta delituosa do representante que atuou em seu nome, vale dizer, a 
conduta delituosa praticada pela pessoa física (ex: sócio, membro da 
entidade) seria emprestada à pessoa jurídica, a fim de que a 
responsabilidade penal recaísse nesta (VIVIANI, 2008, p. 61). 
 
21 
 
Extrai-se da ideia do autor que a primeira hipótese se basearia no fato de 
que a pessoa jurídica poderia ser condenada penalmente, pois seria ela quem toma 
diretamente as decisões que decorrem de seus atos possuindo uma 
responsabilidade autônoma em relação a pessoa física. 
Já na segunda hipótese dá-se o entendimento de que a entidade seria 
imputável penalmente quando seu representante, mediante comprovação, 
cometesse um delito agindo em nome da pessoa jurídica, assim, a responsabilidade 
penal pelo resultado recairia sobre a pessoa jurídica. 
Ainda, conforme o apontamento de Viviani (2008, p. 61) para fundamentar 
essa possibilidade “[...] tem-se afirmado que, se uma pessoa jurídica pode realizar 
um contrato na esfera cível, respondendo civilmente pelos seus atos, nada obstaria 
que também pudesse ter capacidade para cometer crimes”. 
Com o advento do Direito Ambiental e o reconhecimento do meio ambiente 
ecologicamente equilibrado como direito difuso, a reivindicação da 
repressão penal tornou-se lugar comum também em matéria ambiental, por 
se supor que a sanção penal é mais severa e eficiente na prevenção de 
atividades degradantes. Colhe-se evidência inconteste disso no Direito 
Internacional Público (FELICIANO, 2005, p. 210). 
 
Colhe-se, a partir dessa ideia, o entendimento de que no âmbito do direito 
ambiental, ao contrário do que se vê na esfera do direito penal, o instituto da 
imputação penal da pessoa jurídica, decorrente deste tipo de crime, foi muito mais 
aceito pela doutrina e inclusive pelo legislador, que teria consolidado a 
responsabilização penal do ente coletivo com a criação da Lei 9.605/98, 
possibilitando a penalização da pessoa jurídica e tipificando quais os crimes e 
punições são aplicáveis a mesma. 
Os influxos de modernidade jurídica que dimanaram da criminalidade 
econômica foram, sem dúvida, primogênitos. Mas a criminalidade ambiental, 
objeto de preocupações mais prementes, adiantou-se à sua congênere e 
bradou pela inovação legislativa, alcançando-a entre nós, com a instituição 
de crimes corporativos na lei ordinária, antes mesmo que os tivéssemos na 
esfera da delinquência econômico-financeira (FELICIANO, 2005, p. 210). 
 
Quanto aos critérios de culpabilidade que abrangem a teoria favorável a 
imputação penal da pessoa jurídica para explicar tal possibilidade, o autor ainda 
afirma que “[...]a mensuração da culpabilidade de uma pessoa jurídica pode ser 
obtida pela comparação do comportamento da empresa ré com o de outras 
empresas de mesmo porte, sob mesmas circunstâncias” (FELICIANO, 2005, p. 216). 
[...] uma vez imputada a atividade da empresa a um tipo penal ambiental de 
perigo abstrato, pode-se cogitar de absolvição, por causa extralegal 
22 
 
exculpante (inexigibilidade de conduta diversa), se todas as empresas de 
mesmo porte têm, na localidade, idêntico procedimento, a que não objetam 
as autoridades administrativas (FELICIANO, 2005, p, 216). 
 
Um meio de solução que o autor apresenta seria o de que, as decisões 
com este entendimento teriam a capacidade de atribuir um aspecto objetivo em 
relação a essa responsabilização, reforçando através de decisões reiteradas, um 
modelo de sistema empresarial consciente onde essas entidades relacionariam de 
maneira progressiva (FELICIANO, 2005). 
Ainda no âmbito da tese defensora, de que é possível a responsabilidade 
penal da pessoa jurídica, há ainda alguns autores que admitem esta possibilidade 
com a adoção da teoria do ricochete, baseada na tese do reflexo, em que poderia 
também haver uma dupla imputação, da pessoa jurídica e seu representante legal. 
Para tal teoria, a pessoa jurídica só poderia ser responsabilizada 
criminalmente caso aferida a conduta dolosa ou culposa da pessoa física 
(representante da empresa) que praticou o ilícito em proveito da entidade. 
Na realidade, a conduta delituosa atribuída à pessoa jurídicaseria 
“emprestada” da conduta da pessoa física (VIVIANI, 2008, p. 64). 
 
Conforme o mesmo autor, caso fosse adotada a teoria do ricochete, a 
mesma não violaria princípios constitucionais, qual sejam, o da conduta humana e 
da culpabilidade, pois só haveria a responsabilização do ente coletivo mediante a 
comprovação de que o seu representante legal, agiu de forma criminosa estando em 
seu comando (VIVIANI, 2008). 
Nesta linha de pensamento, sustenta-se que as pessoas jurídicas têm, não 
apenas capacidade de ação, mas também, da própria culpabilidade. Assim, 
partindo da premissa de que a pessoa física é o cérebro da entidade 
coletiva, observa-se que o princípio da culpabilidade não restaria violado, 
porque a culpabilidade seria proveniente da manifestação da pessoa natural 
que a integra (VIVIANI, 2008, p. 65). 
 
De forma breve, importa-nos salientar, ainda, que além das teorias já 
apresentadas, encontramos também a teoria da realidade técnica que possui uma 
ideia intermediária entre as teorias da ficção de Savigny e a teoria da realidade 
(organicista) de Gierke. 
Também encontramos a teoria negativista, a qual não admite a existência 
entidades empresárias, partindo do pressuposto de que somente as pessoas físicas 
(naturais) possuem capacidade de direitos e obrigações, e portanto, “não se 
concebe uma coletividade orgânica independente dos indivíduos, seus participantes, 
com personalidade jurídica, pois seus bens reputam de propriedade comum para 
fruição de seus formadores” (PERES, 2005, p. 65). 
23 
 
Conforme Viviani (2008), essa teoria prega que o ente coletivo seria de 
fato uma realidade, porém, essa realidade imputada seria apenas técnica, ficando 
ligada à contento de seus representantes legais e por conta disso, o motivo pelo 
qual foi criada teria enfoque no cumprimento de interesses do responsável pela sua 
criação. 
Diante de tais divergências que a doutrina expõe em relação a matéria em 
estudo, a autora Anny Ramos Viana (2013) conclui que, com base nos pressupostos 
e parâmetros que a doutrina considera essenciais para criminalizar a pessoa 
jurídica, torna-se compreensível a existência de diversos contrapontos, visto que o 
direito penal tradicional apresenta-se incapaz no enfrentamento dessa modalidade 
de crime. 
Feitas essas considerações, trataremos no segundo capítulo a respeito da 
institucionalização dessa modalidade de responsabilidade na legislação 
constitucional brasileira, fazendo uma análise da sua aplicação juntamente com as 
demais leis infraconstitucionais que compõem a matéria, também sob a ótica da 
doutrina. 
24 
 
3 ANÁLISE A PARTIR DA CONSTITUIÇÃO E DA LEI INFRACONSTITUCIONAL 
BRASILEIRA 
 
3.1 O INSTITUTO À LUZ DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 
 
Foi com base na necessidade de proteção aos direitos difusos e coletivos, 
que o legislador veio a instituir na Carta Magna a possibilidade de se responsabilizar 
penalmente a pessoa jurídica de direito privado, pelos atos praticados contra a 
ordem econômica, financeira e o meio ambiente. 
Conforme enfatiza Feliciano (2005), a temática que engloba a 
responsabilidade penal da pessoa jurídica foi debatida de forma escassa na doutrina 
brasileira e principalmente sob o prisma do Código Penal, popularizando-se após a 
promulgação da Constituição Federal de 88. 
De acordo com Freitas (1997, apud LECEY, 1998, p. 43), o direito 
comparado expõe 3 tipos de regimes quanto a responsabilização penal da pessoa 
jurídica, sendo estes: 
a) primeiro modelo: o que admite como regra a responsabilidade da pessoa 
jurídica (Estados Unidos da América, Reino Unido, Canadá, Austrália, 
Holanda e Noruega); 
b) segundo modelo: não aceita tal responsabilidade, pelo menos no campo 
estritamente penal, como Itália, Alemanha e as antigas repúblicas 
socialistas; 
c) terceiro modelo: consagra um “princípio da especialidade”, admitindo, a 
par do princípio geral da individualidade da responsabilidade penal, um 
quadro de situações, definidas expressa e casuísticamente pelo legislador, 
de responsabilização penal das pessoas jurídicas como Portugal, França 
(no Código Penal desde 1/3/1993), Luxemburgo e Dinamarca. O Brasil, 
agora, enquadra-se no terceiro modelo, criminalizando a pessoa coletiva em 
matéria de ambiente. 
 
Por muito tempo prosperou em nosso ordenamento jurídico o princípio 
societas delinquere non potest, mas, somente após a promulgação da Constituição 
Federal de 1988 é que cogitou-se na adoção, no sistema jurídico brasileiro, dessa 
nova modalidade de criminalização das pessoas jurídicas de direito privado, advindo 
do modelo de direito penal moderno que se aplica em alguns países de sistema 
jurídico da common law. 
No Brasil, até a promulgação da Constituição Federal de 1988, conquanto 
houvesse tímidas discussões no meio jurídico, o pensamento dominante 
trilhava no sentido de rejeitar a possibilidade de a pessoa jurídica ingressar 
no pólo passivo de ações penais (VIVIANI, 2008, p. 41). 
 
25 
 
O legislador constituinte teria estabelecido o princípio da responsabilidade 
penal dos entes coletivos, apontando de forma expressa a aplicação de sanções de 
cunho penal e administrativo às pessoas físicas e jurídicas que praticarem condutas 
ou exercerem atividades consideradas lesivas aos bens difusos e coletivos. 
Os dispositivos que tratam do assunto na Constituição Federal de 1988, 
estão situados no título VII capítulo I que trata da ordem econômica e financeira, 
bem como dos princípios gerais da atividade econômica e no capítulo VI que trata de 
matéria do meio ambiente: 
Artigo 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a 
exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida 
quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante 
interesse coletivo, conforme definidos em Lei. 
[...]§ 5º. A Lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da 
pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a às 
punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a 
ordem econômica e financeira e contra a economia popular. 
Artigo 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, 
bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, 
impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e 
preservá-lo para as presentes e futuras gerações. 
[...]§ 3º. As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente 
sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e 
administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos 
causados, aplicando-se relativamente aos crimes contra o meio ambiente, o 
disposto no artigo 202, § 5º (BRASIL, 1988). 
 
Estes foram os artigos introduzidos na legislação constitucional brasileira, 
que trouxeram em pauta a discussão acerca da possibilidade de responsabilizar 
também na esfera penal as pessoas jurídicas de direito privado, pelo menos no que 
se refere a matéria ambiental, tendo rompido com aqueles princípios que 
prevaleciam em posição contrária a imputabilidade penal dos entes coletivos. 
Entretanto, salienta-se que: 
[...]estas disposições não são auto-aplicáveis, necessitando de leis 
complementares que regulem especificamente a matéria. Assim, permite-se 
que a legislação infraconstitucional estipule sanções penais cabíveis. O 
primeiro passo já fora dado, incorporando as tendências de um Direito 
Penal moderno (OSINSKI JÚNIOR, 2008, p. 26). 
 
Quanto ao tema em estudo, vale ressaltar que a criação do capítulo 
constitucional que trata do meio ambiente, recepcionou determinados princípios já 
previstos em acordos e tratados internacionais em que o Brasil é signatário, sendo a 
legislação infraconstitucional a responsável por criar instrumentos para que fosse 
viável a sua aplicação. 
26 
 
São três os princípios em que se baseia a política ambiental brasileira, “o 
princípio da prevenção (que se diferencia de precauçãoe cautela), o princípio do 
desenvolvimento sustentável e o princípio do poluidor-pagador” (GOMES, 2015, p. 
192). 
O princípio da prevenção preconiza a adoção de uma ação ou omissão 
antecipada ao fato danoso, com a intenção de, diante do conhecimento dos 
possíveis danos que uma atividade potencialmente lesiva ao meio ambiente 
possa acarretar, haja, a partir da identificação dos danos futuros mais 
prováveis, a adoção de medidas ou a abstenção de conduta, para eliminar 
ou pelo menos reduzir o potencial destes danos virem a se concretizar 
(GOMES, 2015, p. 192 – 193). 
 
Ainda no mesmo contexto: 
[...] destaca-se igualmente o princípio do desenvolvimento sustentável, que 
teve notória importância a partir da constatação de que os recursos 
ambientais não são inesgotáveis, tornando-se inadmissível a exploração de 
atividade econômica alheia a esse fato. Por isso, o princípio da 
sustentabilidade, como também é conhecido, identifica a necessidade de 
um ponto de equilíbrio entre as dimensões do desenvolvimento social, do 
crescimento econômico e da utilização dos recursos naturais (GOMES, 
2015, p. 193). 
 
Em relação ao princípio do poluidor-pagador, o mesmo possui dois 
campos, o de caráter preventivo, visando impedir que ocorra danos ao meio 
ambiente e o de caráter repressivo, que busca instituir meios de reparações contra 
danos que venham a ocorrer (GOMES, 2015). 
Observa-se que tais princípios vieram para assegurar uma efetividade na 
aplicação da norma constitucional e infraconstitucional visando a proteção do meio 
ambiente. 
O autor Guilherme Guimarães Feliciano (2005, p. 205) explana: 
À vista do modelo constitucional de Direito Penal recepcionado pelo art. 5º 
da CRFB (atrelado à pessoa física e à sua culpabilidade, conforme os 
incisos XLV e XLVI), é imperativo concluir que a previsão de 
responsabilidade penal de pessoa jurídica foi insculpida à guisa de exceção. 
Consequentemente, reserva feita aos crimes contra a ordem econômica e 
financeira e aos crimes ambientais, está vedado ao legislador ordinário 
definir responsabilidade penal das pessoas jurídicas ou cominar-lhes 
sanções tipicamente penais. Mas essa vedação admite revisões por 
emenda constitucional, já que não traduz, “a contrário sensu”, garantia 
individual ou direito fundamental da pessoa humana (art. 60, par. 4º, IV, da 
CRFB), e sim uma garantia coletiva adstrita às pessoas jurídicas. Ademais, 
tampouco a pena aplicada à pessoa jurídica poderá passar da pessoa do 
condenado para atingir pessoas naturais (art. 5º, XLV). 
 
Dessa forma, o autor acredita que essa previsão da responsabilidade 
penal da pessoa jurídica, foi elencada no dispositivo constitucional como uma 
exceção, visando sua aplicação exclusivamente contra crimes de caráter econômico, 
27 
 
financeiro e ambiental, porém, como já exposto anteriormente, é vedado ao 
legislador constituinte tal aplicação como também a cominação de sanções de 
caráter penal, fazendo com que, posteriormente, fosse criada a Lei 9.605/98 
possibilitando a sua aplicação de maneira eficaz. 
 
3.2 CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DA LEI 9.605 DE 1998 (LEI DE CRIMES 
AMBIENTAIS) 
 
Sabendo que as disposições criadas na legislação constituinte não são 
autoaplicáveis e careciam de leis complementares para se obter uma 
regulamentação aprimorada, o legislador instituiu a Lei de Crimes Ambientais 
9.605/98. 
Acerca da função designada pela Lei de Crimes Ambientais 9.605/98, 
Guilherme Guimarães Feliciano (2005, p. 392), esclarece que a função primordial 
“[...] desse dispositivo legal na ordem jurídica brasileira foi a de implementar, no 
plano infraconstitucional, a responsabilidade penal da pessoa jurídica autorizada 
pela Constituição Federal de 1988 (art. 225, par. 3º)”. 
Foi através do artigo 3º, caput, da Lei de Crimes Ambientais (9.605/98), 
que teria ocorrido a regulamentação da referida modalidade de responsabilização no 
ordenamento jurídico pátrio: 
Art. 3º As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e 
penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração 
seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de 
seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade. 
 
Conforme explica João Osinski Júnior (2008, p. 74-75), “[...] apesar de 
sua denominação, é uma legislação de natureza hibrida, pois não versa 
exclusivamente sobre crimes contra o meio ambiente, trazendo também importantes 
disposições de ordem civil e administrativa”. 
Trata-se de uma lei moderna, que permite a aplicação da lei do juizado 
criminal (Lei 9.099/95) aos crimes ambientais de menor potencial ofensivo, 
bem como corrigiu diversas distorções entre o bem jurídico tutelado e as 
sanções penais aplicadas, principalmente em relação às pessoas naturais, 
podendo a mesma se beneficiar da transação penal e da suspensão 
condicional do processo, desde que comprovada a reparação do dano 
ambiental, permitindo inclusive a extinção da punibilidade nestes casos 
(OSINSKI JUNIOR, 2008, p. 75). 
 
28 
 
Em relação a essa evolução legislativa, aplicada em matéria de meio 
ambiente, Daniela Gomes (2015, p. 188) explica que “após a constitucionalização da 
proteção ambiental, surgiu uma gama de legislação a fim de regulamentar o texto 
constitucional”. 
A primeira legislação que surgiu para regulamentar os dispositivos 
constitucionais, motivada pelo clamor popular em proteger e preservar os 
recursos naturais, foi a Lei que trata dos crimes ambientais. Assim, em 12 
de fevereiro de 1998, foi editada a Lei 9.605/98, dando assim, cumprimento 
à determinação constitucional explícita de reconhecer a responsabilização 
criminal da pessoa jurídica (OSINSKI JÚNIOR, 2008, p. 28). 
 
A Lei de Crimes Ambientais 9.605/98, de forma mais técnica por meio dos 
seus dispositivos, tipificou condutas e penalidades cabíveis no que diz respeito ao 
dano em matéria ambiental, “destacando a independência da responsabilidade da 
pessoa coletiva em relação à responsabilização da pessoa natural” (PACELLI; 
CALLEGARI, 2017, p. 229). 
A lei 9.605/98, visando formar uma legislação ambiental, uniforme e 
coerente, conseguiu reunir todas as legislações referentes ao meio 
ambiente, que até então era formada por um imenso amontoado de leis 
esparsas e contraditórias, possibilitando uma abordagem mais eficiente 
quanto à tutela do meio ambiente, sem violar os princípios constitucionais. 
Na verdade, veio materializar os dispositivos sobre o meio ambiente 
estipulados na Constituição de 1988 [...] (OSINSKI JÚNIOR, 2008, p. 75). 
 
Se até o momento por parte de alguns juristas tinha-se a ideia de que a 
Constituição Federal de 88 havia introduzido de forma equivocada e esparsa a 
criminalização dos entes coletivos, teria sido a partir da promulgação da Lei 9.605/98 
que se consolidou a responsabilidade penal da pessoa jurídica, tanto de direito 
público como de direito privado, no sistema brasileiro. 
Na concepção de Eugênio Pacelli e André Callegari (2017, p. 230): 
De nossa parte, sobretudo em atenção às características da atuação das 
pessoas jurídicas e das espécies de pena de direito penal a elas aplicáveis 
(Lei 9.605/98), pensamos que as funções atribuídas à referida incriminação 
terão eficácia muito mais simbólica – com reforço no estigma da sanção 
penal – que propriamente dos objetivos finais e gerais da política criminal 
(repressão e prevenção de delitos). A identidade das penas do Direito Penal 
das pessoas jurídicas com aquelas previstas no direito administrativo nos 
conduzem a ver ali a administrativização dessa intervenção penal, com o 
consequente alargamento de seu horizonte. Se devido ou não, o tempo dirá: 
mas certamente que a escolha constituinte é legítima e válida não temos o 
menor receio em afirmar. 
 
Partindo dessas premissas, chega-se ao entendimento de que a 
aplicação desse modelo de responsabilidade em nosso sistema jurídico representa 
uma expansão no direito penal brasileiro,tendo a sua aplicação, características 
29 
 
inerentes ao direito administrativo, deixando de lado algumas características do 
direito penal tradicional. 
No que tange os dispositivos da lei, de acordo com Carlos Gómez-Jara 
Díez (2015, p. 12): 
Certamente, o art. 3º da Lei nº 9.605/98 condiciona a responsabilidade 
penal da pessoa jurídica a que a infração seja cometida “por decisão de seu 
representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado”.8 É dizer: o 
sistema brasileiro de responsabilidade penal da pessoa jurídica parte, como 
muitos sistemas do século passado, da teoria da representação. No 
entanto, tal dispositivo legal deve ser interpretado no marco de um sistema 
de responsabilidade autônoma da pessoa jurídica, já que o próprio art. 3º 
estabelece que “A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das 
pessoas físicas, autoras, coautoras ou partícipes do mesmo fato”. 
 
Quanto a aplicação das penas previstas em relação as pessoas jurídicas, 
o artigo 22 da lei 9.605/98 elenca as penas restritivas de direito, sendo elas a 
suspensão parcial ou total de atividades, a interdição temporária do 
estabelecimento, obra ou atividade e a proibição de contratar com o poder público, 
como por exemplo, participar de procedimentos licitatórios, bem como dele obter 
subsídios, subvenções ou doações. 
Também prevê o no artigo 23 da mesma lei a prestação de serviços à 
comunidade, por parte da pessoa jurídica, consistindo no financiamento de 
programas e projetos ambientais, execução de obras de recuperação de áreas 
degradadas, manutenção de espaços públicos ou contribuições a entidades 
ambientais ou culturais públicas. 
De forma suscinta, podemos mencionar também a criação da lei 6.938/81, 
que veio instituir a Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA), onde a mesma foi 
promulgada na denominada fase holística dessa evolução legislativa, sendo 
caracterizada por proteger de forma integral o meio ambiente. Daniela Gomes (2015, 
p. 188) explica que: 
[...] a PNMA além de trazer princípios e definições de termos ligados a 
temática ambiental e estabelecer o Sistema Nacional do Meio Ambiente 
(SISNAMA), procurou listar alguns objetivos prioritários, a exemplo da 
imposição ao poluidor da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos 
causados (art. 4º, VII), sendo que o poluidor poderá ser tanto a pessoa 
física quanto a pessoa jurídica, de direito público ou privado, responsável, 
direta ou indiretamente por atividade causadora de degradação ambiental 
(art. 3º, IV). Também passou a prever apenação para o poluidor que 
expuser à perigo a incolumidade humana, animal ou vegetal, ou estiver 
tornando mais grave situação de perigo existente (art. 15). 
 
30 
 
A criação da PNMA teve como objetivo, garantir meios para o 
desenvolvimento social e econômico e ao mesmo tempo a proteção da vida 
humana. 
Retomando, por fim, as considerações a respeito da Lei de Crimes 
Ambientais, João Osinski Júnior (2008, p. 78) explica que: 
A Lei dos Crimes Ambientais representa um grande avanço na questão 
ambiental, pois consolida em um único documento todas as questões legais 
ligadas ao meio ambiente, apesar de ser extensa, ambiciosa e forte. É 
inovadora, pois tipifica como crime várias ações do homem contra a 
natureza, fortalecendo os instrumentos legais e administrativos, permitindo 
um maior controle ambiental, mas ainda enfrenta críticas face à realidade 
brasileira, principalmente em relação à responsabilização das pessoas 
jurídicas. 
 
Contudo, juristas e constitucionalistas discordam em relação a 
interpretação dada aos dispositivos constitucionais outorgados que tratam da 
matéria, apresentando questionamentos sobre se o legislador realmente introduziu 
essa modalidade em nosso ordenamento jurídico. 
 
3.3 ANÁLISE QUANTO A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA CRIMINALIDADE 
EMPRESARIAL NA LEGISLAÇÃO CONSTITUINTE SOB A ÓTICA DA DOUTRINA 
 
3.3.1 Ideias contrárias e favoráveis 
 
Em relação ao que a Constituição Federal de 1988 teria disposto em 
relação aos crimes abrangendo as pessoas jurídicas, “há autores que negam que a 
Constituição Federal tenha previsto com o dispositivo a incriminação da pessoa 
jurídica, deduzida de uma interpretação meramente gramatical” (PERES, 2005, p. 
78). 
Para Bitencourt (2010) o artigo 225, parágrafo 3º da nossa Carta Magna, 
quanto a responsabilização penal da pessoa jurídica, levou alguns doutrinadores a 
interpretarem de maneira equivocada essa possibilidade advinda da nossa 
Constituição Federal, e que o instituto estaria até hoje restrito a responsabilidade 
subjetiva e pessoal. 
Apesar dessa argumentação contrária quanto a interpretação, que deveria 
ser feita de forma correta ao artigo 225, parágrafo 3º, alguns juristas ainda invocam 
o parágrafo 5º do artigo 173 da Carta Magna, sob a alegação de que o mesmo 
31 
 
dispõe que, as sanções ao qual sujeitam-se as pessoas jurídicas, devem ser 
compatíveis com a sua natureza e que seriam estas somente as de natureza cível e 
administrativa. 
Para combater a tese de que a atual Constituição consagrou a 
responsabilidade penal da pessoa jurídica, trazemos à colocação o disposto 
no seu art. 173, § 5º, que, ao regular a Ordem Econômica e Financeira, 
dispõe: “A lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da 
pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a às 
punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a 
ordem econômica e financeira e contra a economia popular” 
(BITENCOURT, 2010, p. 274). 
 
O que se extrai da ideia exposta pelo autor é que, com base no referido 
artigo, entende-se que essa responsabilidade subjetiva dos sócios administradores 
da empresa não implica com a responsabilidade do ente coletivo, isso por que a 
sanção penal não seria apropriada a sua natureza, e que a nossa Constituição 
Federal não chegou a atribuir uma sanção de natureza penal as pessoas jurídicas, 
mas, apenas estipulou quais as punições à ela caberiam. 
O autor Luiz Regis Prado (2011, p. 151) também se manifesta em relação 
ao artigo 225, § 3º da Constituição Federal dizendo que, “o dispositivo em tela 
refere-se, claramente, a conduta/atividade e, em sequência, a pessoas físicas ou 
jurídicas”. 
O mesmo autor ainda explica que: 
[...] o próprio legislador procurou fazer a devida distinção, através da 
correlação significativa mencionada. Nada obstante, mesmo que – ad 
argumentandum – o dizer constitucional fosse em outro sentido – numa 
interpretação gramatical diversa –, não poderia ser aceito. Não há dúvida 
que a ideia deve prevalecer sobre o invólucro verbal. Em consequência, a 
interpretação das regras constitucionais impõe o emprego do método lógico-
sistemático e se orienta por rigorosa congruência e visão de conjunto. 
Não se pode descuidar, em absoluto, da principiologia constitucional penal e 
da estrutura do ordenamento jurídico-penal brasileiro, fundado em um 
Direito Penal da conduta, da culpabilidade e da personalidade da pena 
(PRADO, 2011, p. 151-152). 
 
Corroborando com a mesma ideia, Zaffaroni e Pierangeli (2013) 
sustentam que houve imprudência por parte do legislador constituinte ao ter 
conferido responsabilidade penal à pessoa jurídica, sendo que a maior parte da 
doutrina não reconhece a sua aptidão para cometer delitos, isso por conta da 
ausência de vontade psicológica que só é encontrada no ser humano e nunca em 
algo que se originou de uma legislação. 
32 
 
A respeito do assunto, José Henrique Pierangeli (1999, p. 186-187) 
elucida: 
A ordem jurídico-penal não regula a totalidade dos fatos, e sim apenas e 
tão-somente algumas espécies dessas manifestações. No estágio atual do 
desenvolvimento cultural do mundo atual, é inconcebível uma ordem jurídica 
que regule ou pretenda regular todos os fatos ocorridos no universo físico, 
que não sejam condutas humanas. É lógico que também estas ocorrem no 
mundo físico. Do exposto resulta que os animais e ascoisas inanimadas só 
podem constituir-se em objeto de condutas, nunca em sujeitos do delito. Em 
caso de lesões de coisas e de animais, o sujeito passivo só pode ser o seu 
proprietário, ou, eventualmente, o seu possuidor. 
 
Entende-se a partir da ideia exposta pelo autor, que estaria fora do 
alcance do ordenamento jurídico penal regular fatos ocorridos que não tenham como 
sujeito ativo dessa conduta a pessoa humana, como também estaríamos 
contrariando a ordem do modelo clássico penalista aplicar uma sanção penal a 
pessoa jurídica, pois, considera-se que toda a conduta só poderia implicar da 
vontade do agente e não do objeto através de quem se deu a execução do fato. 
Encontramos, ainda, autores afirmando que a adoção desse modelo de 
criminalização das pessoas jurídicas acarretaria na abolição e ofensa aos princípios 
e garantias constitucionais existentes, como é o caso do princípio da isonomia (art. 
5º, caput, da Constituição Federal de 88), visto que: 
[...] no momento que o inquérito policial, civil ou administrativo, se 
satisfizesse com a identificação da pessoa jurídica como “responsável” pela 
infração penal, os partícipes, poderiam ser beneficiados com o relaxamento 
dos trabalhos de investigação (PERES, 2005, p. 80). 
 
O autor René Ariel Dotti (2011, p. 168-169), por meio de uma análise 
crítica, elucida: 
A pretensão de atribuir a imputabilidade penal às pessoas jurídicas não está 
em harmonia com a letra e o espírito da Constituição. Realmente, no 
capítulo relativo ao meio ambiente a Carta Política de 1988 declara que “as 
condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os 
infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, 
independente da obrigação de reparar o dano” (art. 225, § 3º). Tal 
disposição, em sua interpretação literal, poderia ensejar o entendimento de 
que é admissível a responsabilidade penal dos entes coletivos. Porém, a 
melhor compreensão da norma nos leva à conclusão de que tanto a pessoa 
física como a pessoa jurídica podem responder nas ordens civil, 
administrativa e tributária pelos seus atos; mas a responsabilidade penal 
continua sendo de natureza e caráter estritamente humanos. 
A constituição adota (entre outras) as seguintes espécies de pena: a) 
privação ou restrição da liberdade; b) perda de bens; c) multa; d) prestação 
social alternativa; e e) suspensão ou interdição de direitos (art. 5.º, XLVI). 
 
O autor ainda explica em relação a quais sanções a pessoa jurídica 
poderia ser objeto de aplicação, desde que não sejam elas de natureza física, como 
33 
 
por exemplo, penas patrimoniais, prestação pecuniária, prestação de serviços em 
favor da comunidade, restrição de atividades da empresa, como por exemplo, 
suspensão parcial ou total dos direitos do ente coletivo. Essa conclusão decorreria 
de uma regra elencada na Constituição quanto a responsabilidade, estando prevista 
no dispositivo que trata da ordem econômica e financeira, como também no capítulo 
que estabelece os princípios gerais da atividade econômica, no art. 173, § 5º, CF 
(DOTTI, 2011). 
Mesmo colocando-se em posição contrária aos que acreditam ter a 
Constituição Federal de 88 albergado essa modalidade de criminalização dos entes 
coletivos, fundamentando sua crítica com base no art. 5º, inciso XLV da Constituinte, 
o autor Cezar Roberto Bitencourt (2010, p. 275) enfatiza que: 
[...]isso não quer dizer que o ordenamento jurídico, no seu conjunto, deva 
permanecer impassível diante dos abusos que se cometam, mesmo através 
de pessoa jurídica. Assim, além de sanção efetiva aos autores físicos das 
condutas tipificadas (que podem facilmente ser substituídos), deve-se punir 
severamente também e, particularmente, as pessoas jurídicas, com 
sanções próprias a esse gênero de entes morais. 
 
No ponto de vista de Rodrigo Sánchez Rios (2011), a CF 88 não enfatizou 
devidamente a responsabilidade penal da pessoa jurídica, deixando o seu texto, de 
certa forma, obscuro e abrindo margem para a permanência da discussão quanto a 
sua interpretação, expondo apenas a clara intenção do legislador em admitir essa 
modalidade de responsabilidade. 
De acordo com Juarez Cirino dos Santos (2011), o legislador constituinte 
não concedeu a criminalização impessoal da pessoa jurídica, concluindo que a 
admissão desta modalidade de responsabilidade aparenta manifestar, através de 
uma leitura grosseira dos dispositivos constitucionais relacionados ao tema, um 
simples interesse arbitrário do interprete. 
Luiz Vicente Cernicchiaro e Paulo José da Costa Júnior (1990, p. 144), 
elucidam que a pena: 
[...] está vinculada à responsabilidade pessoal (art. 5º, XLV). Hoje, dela é 
inseparável. A Constituição brasileira, portanto, não afirmou a 
responsabilidade penal da pessoa jurídica, na esteira das congêneres 
contemporâneas. 
 
Neste contexto, por outro lado, temos autores que compreendem a 
necessidade de um direito penal que seja comprometido com a realidade que 
vivenciamos, e que os dispositivos constitucionais que tratam da matéria em análise 
34 
 
reconheceram a possibilidade de criminalização do ente coletivo, sendo encargo da 
lei infraconstitucional executá-los. 
Conforme expõem os autores Eugênio Pacelli e André Callegari (2017, p. 
229): 
Boa parte da nossa doutrina insiste na impossibilidade de criminalização da 
pessoa jurídica, quase sempre com fundamentação atrelada a conceitos e 
categorias da dogmática penal anterior ao funcionalismo. Para o modelo 
finalista de ação, por exemplo, seria mesmo incompatível a ideia de 
definição de vontade do ente jurídico, com aquela da pessoa humana. 
No entanto, há que se objetar que tais conceitos e tais categorias são 
construções teóricas e que podem ou não ser incorporadas por 
determinadas legislações, ou seja, pelo direito positivo de cada país. 
No Brasil, como vimos, a Constituição da República é bastante enfática ao 
consagrar semelhante modelo de responsabilização penal, a despeito das 
críticas que podem ser feitas a esta opção constituinte. 
 
Na concepção do autor Rodrigo Andrade Viviani (2008), a discussão em 
torno da responsabilização penal da pessoa jurídica, cresceu ainda mais por que de 
acordo com o manifesto de considerável quantia de juristas, a nossa Carta Magna 
de 1988 introduziu a imputação penal do ente coletivo, vindo a ser regulamentada 
posteriormente pela Lei 9.605/98. 
Ademais disso, cresce a cada dia mais referida modalidade de 
responsabilização penal no direito comparado, o que, se, de um lado, não 
parece ser suficiente para nos convencer do seu acerto, de outro, porém, é 
indicativo da viabilidade de sua aplicação no direito positivo (PACELLI; 
CALLEGARI, 2017, p. 230). 
 
Nesta concepção, entende-se que, se através da aplicação do direito 
comparado não vislumbra-se êxito, por se tratar de um sistema que vai na 
contramão de seus princípios e dogmas ao aplicar essa modalidade de 
responsabilidade, por outro lado, existiria maior aceitação e considera-se mais viável 
sustentar essa aplicação em nosso ordenamento jurídico, por meio das normas que 
regem a lei ordinária e complementar. 
O autor Walter Claudius Rothenburg (1997, p. 20), também em sentido 
favorável a essa ideia de que a Constituição Federal de 1988 albergou em seus 
dispositivos a responsabilidade penal do ente coletivo, fazendo uma análise, afirma: 
Fora de dúvida, entretanto, que a responsabilidade penal da pessoa jurídica 
está prevista constitucionalmente e necessita ser instituída, como forma, 
inclusive, de fazer ver, ao empresariado, a que a empresa privada também 
é responsável pelo saneamento da economia, pela proteção da economia 
popular e do meio ambiente, pelo objetivo social do bem comum, que deve 
estar acima do objetivo individual, do lucro a qualquer preço. Necessita ser 
imposta, ainda, como forma de aperfeiçoar-se a perquirida justiça, naqueles 
casos em que a legislação mostra-se insuficiente para localizar,

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