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R - T - MARILIA DE NARDIN BUDO

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ 
 
 
 
MARÍLIA DE NARDIN BUDÓ 
 
 
 
 
 
 
 
MÍDIAS E DISCURSOS DO PODER: A LEGITIMAÇÃO DISCURSIVA DO 
PROCESSO DE ENCARCERAMENTO DA JUVENTUDE POBRE NO BRASIL 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
CURITIBA 
2013 
MARÍLIA DE NARDIN BUDÓ 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
MÍDIAS E DISCURSOS DO PODER: A LEGITIMAÇÃO DISCURSIVA DO 
PROCESSO DE ENCARCERAMENTO DA JUVENTUDE POBRE NO BRASIL 
 
 
 
 
Tese apresentada como requisito parcial à 
obtenção do título de Doutora em Direito, 
Programa de Pós-graduação em Direito, 
Setor de Ciências Jurídicas, Universidade 
Federal do Paraná. 
 
Orientadora: Profa. Dra. Katie Silene Cáceres 
Argüello 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
CURITIBA 
2013 
TERMO DE APROVAÇÃO 
 
MARÍLIA DE NARDIN BUDÓ 
 
 
MÍDIAS E DISCURSOS DO PODER: A LEGITIMAÇÃO DISCURSIVA DO 
PROCESSO DE ENCARCERAMENTO DA JUVENTUDE POBRE NO BRASIL 
 
 
Tese aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de doutor no programa 
de pós-graduação em direito, setor de ciências jurídicas, universidade federal do 
paraná, pela seguinte banca examinadora: 
 
 
__________________________________________________ 
Profa. Dra. Katie Silene Cáceres Argüello 
Orientadora – PPGD/UFPR 
 
__________________________________________________ 
Profa. Dra. Sylvia Debossan Moretzsohn 
Departamento de Comunicação Social – UFF 
 
__________________________________________________ 
Prof. Dr. Mário Luiz Ramidoff 
Departamento de Direito - UNICURITIBA 
 
__________________________________________________ 
Prof. Dr. Pedro Rodolfo Bodê de Moraes 
Departamento de Ciências Sociais – UFPR 
 
__________________________________________________ 
Prof. Dr. Juarez Cirino dos Santos 
Departamento de Direito – UFPR (aposentado) 
 
__________________________________________________ 
Prof. Dr. Maurício Dieter 
Departamento de Direito – UNICURITIBA (suplente) 
 
 
 
 
 
Curitiba, 18 de dezembro de 2013.
 
AGRADECIMENTOS 
 
Uma longa jornada de aproximadamente quatro anos se encerra, e o que 
mais tenho é a quem agradecer. 
Primeiramente, aos professores, funcionários e colegas do PPGD, que tanto 
me ensinaram e auxiliaram nesse período, em especial à minha orientadora, a 
professora Katie Argüello pelas importantes trocas que pudemos vivenciar enquanto 
estive em Curitiba. 
À CAPES, pela concessão da bolsa de doutorado sanduíche e ao professor 
Massimo Pavarini, por ter gentilmente me recebido na Università di Bologna para a 
realização desse período de estudos, sem o qual o resultado de minha tese 
certamente não teria sido o mesmo. 
À professora Vera Regina Pereira de Andrade, por sempre fazer parte de 
minha vida, como mestre e como amiga. 
Devo agradecer especialmente à Silvana, ao Caubi, à Dona Maria (in 
memoriam) e ao Felipe, que me receberam de coração aberto em Curitiba desde a 
primeira etapa da seleção de doutorado, e depois tão amorosamente me acolheram 
como membro da família. A minha vida em Curitiba foi muito mais leve graças à 
companhia e à atenção de vocês. 
Agradeço a todos os meus amigos de Santa Maria, com quem sempre pude 
contar em todos os momentos, especialmente a Clarissa Franzoi Dri, que, além de 
ombro amigo, foi uma excelente e competentíssima coorientadora informal deste 
trabalho. 
À vó Hilda, aos meus familiares, tios, tias, primos, primas, pelo 
companheirismo ao longo dessa jornada. Ao vô Luiz, à vó Maria e ao vô Sebastião, 
em memória, por todas as experiências compartilhadas que determinaram a 
construção do sujeito que sou hoje. 
Ao Rafael, pelo carinho e compreensão que me dedicou ao longo dos doze 
anos que estivemos juntos, compartilhando comigo momentos lindos. 
Ao Lourenço, por me ensinar, desde o seu primeiro dia de vida, a tentar ser 
uma pessoa melhor. À Cláudia, por ingressar em nossa família como uma 
verdadeira irmã, cheia de carinho e ternura. 
À Anita, a coautora de quatro patas deste trabalho, por me cuidar como 
nenhum ser humano é capaz. 
Por fim, ao José e à Lourdes, meus pais queridos que me ensinaram desde 
os meus primeiros passos até as minhas primeiras reflexões críticas sobre a 
sociedade. O desejo de transformação social e a crença na docência como meio 
para atingi-la são a lição mais potente que vocês me transmitem. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
As alternativas não são utopias distantes, mas 
são parte da vida diária, continuamente 
inventadas pelos atores sociais. 
 
Louk Hulsman 
RESUMO 
 
Partindo de uma perspectiva crítica sobre a ascensão da repressão penal em diversas 
partes do mundo e, em especial, no Brasil, o trabalho busca investigar como essa tendência 
se comunica com o surgimento e desenvolvimento do direito da criança e do adolescente no 
país. O aumento do encarceramento de adolescentes, mesmo após o advento do Estatuto 
da Criança e do Adolescente é investigado a partir do discurso legitimador dessa repressão 
que propicia o incremento das desigualdades sociais. O principal objeto do trabalho é a 
interação do discurso político com o discurso midiático sobre o ato infracional. A partir da 
análise dos discursos político e midiático, pretende-se identificar os pontos em comum 
encontrados, de maneira a traçar as características do discurso hegemônico sobre esse 
tema. Busca-se, ainda, identificar as interferências entre os dois campos, compreensíveis 
através de duas principais chaves de análise: a cognição social e a produção da agenda 
política. O problema de pesquisa pode, então, ser formulado da seguinte maneira: Como 
interagem os discursos político e midiático sobre o ato infracional e a medida socioeducativa 
de internação na reprodução do discurso hegemônico e na consequente produção de 
políticas destinadas à criança e ao adolescente? O marco teórico utilizado é a Criminologia 
crítica, em um sentido amplo, que permite a utilização de ferramentas teóricas provenientes 
de outras tradições, como os estudos críticos do discurso, utilizados como referencial 
teórico-metodológico para a análise do discurso político. A pesquisa desenvolvida foi de tipo 
qualitativo. O método utilizado foi o da teoria fundamentada nos dados. O trabalho se divide 
em duas partes, as quais de subdividem em quatro capítulos cada. A primeira parte, 
juntamente com uma revisão bibliográfica sobre o status jurídico da criança no Brasil, traz a 
análise do discurso político sobre o adolescente autor de ato infracional, a partir das 
justificativas de todos os projetos de lei da Câmara dos Deputados propostos entre os anos 
de 2003 e 2012 com o objetivo de aumentar a repressão aos adolescentes. A segunda parte 
insere o trabalho no contexto da sociedade midiatizada em que o ato infracional surge como 
situação problemática a ser tratada social e politicamente. Inicia-se com uma revisão 
bibliográfica onde consta o estado da arte das pesquisas na interseção mídia, juventude e 
sistema penal para, a seguir, apresentar os resultados da análise de conteúdo do jornal 
Folha de S. Paulo, para identificar a representação social exposta por este jornal a respeito 
do adolescente infracionalizado, do ato infracional e das medidas socioeducativas. O 
objetivo é o de compreender de que maneira essas representações sociais, 
contextualizadas no tempo e no espaço, relacionam-se com o discurso político, nas 
dimensões cognitiva e político-criminal. Após verificar a forte implicação do discurso de 
senso comum na produção de políticas repressivas aos adolescentes, parte-se para o último 
capítulo, no qual se propõe, a partir de uma base teórica gramsciana, possibilidades de ação 
na mudança do senso comum sobre o crime/ ato infracional, o criminalizado 
/infracionalizado e a punição/ medida. O objetivo final e mais profundo do trabalho é o de 
buscar, através da percepção de que o discurso constitui as práticas, demonstrar a 
importância de transformação da palavra,e de construção de um discurso contra-
hegemônico sobre as situações socialmente problemáticas envolvendo adolescentes. Sem 
essa mudança, tampouco as práticas violentas de que se revestem os sistemas penais 
poderão se modificar. 
 
Palavras-chave: Criminologia crítica, discurso político, discurso midiático, ato infracional
ABSTRACT 
 
From a critical perspective on the rise of law enforcement in various parts of the world, 
especially in Brazil, in the last twenty years, the study aims to investigate how this trend 
communicates with the emergence and development of the right of children and adolescents 
in this country. The increase in the incarceration of teenagers, even after the emergence of 
the Statute of Children and Adolescent is investigated from the legitimizing discourse of this 
repression that propitiates the growth of social inequality. The main object of the work is the 
interaction between political discourse and the media discourse on juvenile criminality. From 
the analysis of the political and media discourses, the work aims to identify the 
commonalities found in order to outline the characteristics of the hegemonic discourse on 
this topic. The aim is also to identify the interference between the both fields, understandable 
through two main keys of analysis: social cognition and the production of the political 
agenda. The research problem can then be formulated as follows: How political and media 
discourses about the offense and the socio-educational measure of deprivation of liberty 
interact in the reproduction of a hegemonic discourse and the consequent production of 
policies for children and adolescents? The theoretical framework used is the Critical 
Criminology, in a broad sense, which allows the use of theoretical tools from other traditions, 
such as the Critical Discourse Studies used as a theoretical and methodological framework 
for the analysis of political discourse. The research conducted was qualitative. The method 
used was the Grounded Theory. The work is divided into two parts. The first part, along with 
a literature review on the legal status of the child in Brazil, contains the analysis of the 
political discourse on the adolescent author of offense from the justifications of all bills of the 
House of Representatives proposed between the years 2003 and 2012 with the objective of 
increasing repression adolescents. The second part places the work in the context of the 
mediatized society in which the offense arises as a problematic situation to be dealt with 
socially and politically. It begins with a literature review which include the state of the art on 
media, youth and penal system, then present the results of the content analysis of the 
newspaper Folha de S. Paulo, to identify the social representation exposed by this 
newspaper about the adolescent criminalized, the offense, and the socio-educational 
measures. The goal is to understand how these social representations, contextualized in 
time and space, are related to the political discourse in the cognitive and criminal policy 
dimensions. After verifying the strong influence of the common sense discourse in producing 
repressive policies against adolescents, we proceed to the final chapter, which proposes 
that, from a Gramscian theoretical basis, possibilities for action in changing common sense 
about crime /offense, criminal and punishment /measure. The ultimate goal and deeper work 
is to seek, through the perception that discourse is action, to demonstrate the importance of 
changing the words, and create a counter-hegemonic discourse about problematic situations 
involving adolescents. Without this shift, neither the violent practices of the penal system can 
be modified. 
 
Keywords: Critical Criminology, political discourse, media discourse, juvenile crime 
 
RESUMEN 
 
Partiendo de una perspectiva crítica sobre la ascensión de la represión penal en diversas 
partes del mundo y, en especial, en Brasil, el trabajo busca investigar como esa tendencia 
se comunica con el surgimiento y desarrollo del derecho del niño y del adolescente en el 
país. El aumento del encarcelamiento de adolescentes, mismo después del adviento del 
Estatuto del Niño y del Adolescente es investigado a partir del discurso legitimador de esa 
represión que propicia el incremento de las desigualdades sociales. El principal objeto del 
trabajo es la interacción del discurso político con el discurso mediático sobre el acto 
infraccional. A partir del análisis de los discursos político e mediático, se pretende identificar 
los puntos en común encontrados, de maniera a trazar las características del discurso 
hegemónico sobre ese tema. Buscase, aún, identificar las interferencias entre los dos 
campos, comprensibles a través de dos claves principales de análisis: la cognición social y 
la producción de la agenda política. El problema de pesquisa puede, entonces, ser 
formulado de la siguiente manera: ¿Cómo interaccionan los discursos político y mediático 
sobre el acto infraccional y la medida socioeducativa de internación de adolescentes en la 
reproducción del discurso hegemónico y en la consecuente producción de políticas 
destinadas a niños y adolescentes? El marco teórico utilizado es la Criminología crítica, en 
un sentido amplio, que permite la utilización de herramientas teóricas provenientes de otras 
tradiciones, como los estudios críticos del discurso, que es el referencial teórico-
metodológico para el análisis del discurso político. La investigación desarrollada fue de tipo 
cualitativo. El método utilizado fue el de la Grounded Theory. La tesis se divide en dos 
partes, las cuales se subdividen en cuatro capítulos cada. La primera parte, juntamente con 
una revisión bibliográfica sobre lo status jurídico del niño en Brasil, trae el análisis del 
discurso político sobre el adolescente autor de acto infraccional, a partir de las 
justificaciones de todos los proyectos de ley de la Cámara de los Deputados propuestos 
entre los años de 2003 y 2012 con el objetivo de aumentar la represión a los adolescentes. 
La segunda parte inserta el trabajo en el contexto de la sociedad mediatizada en que el acto 
infraccional surge como situación problemática a ser tratada social y políticamente. Empieza 
con una revisión de la literatura donde sobre la intersección de los media, con la juventud y 
el sistema penal, para, a seguir, presentar los resultados del análisis de contenido del 
periódico Folha de S. Paulo, para identificar la representación social expuesta por este 
periódico respecto al adolescente criminalizado, del acto infraccional y de las medidas 
socioeducativas. El objetivo es lo de comprender de qué manera esas representaciones 
sociales, contextualizadas en el tiempo y en el espacio, se relacionan con el discurso 
político, en las dimensiones cognitiva y político-criminal. Después de verificar la fuerte 
implicación “de las ideas de todos los días” en la producción de políticas represivas a los 
adolescentes, se parte para el último capítulo, en el cual se propone, a partir de una base 
teórica gramsciana, posibilidades de acción en el cambio del discurso sobre el crimen/ acto 
infraccional, el criminalizado/ infraccionalizado, y la punición/ medida. El objetivo final y más 
profundo del trabajo es lo de buscar, a través de la percepción de que el discurso constituye 
las prácticas, demostrar la importancia de la transformación de la palabra, y de la 
construcción de un discurso contra-hegemónico sobre las situaciones socialmente 
problemáticas envolviendo adolescentes. Sin ese cambio, tampoco las prácticas violentas 
de los sistemas penales van a poder cambiarse. 
 
Palabras-clave: Criminología crítica, discurso político, discurso mediático, acto infraccional
RIASSUNTO 
 
 
Partendo da una prospettiva critica sull'ascensione, negli ultimi anni, di una politica penale 
austera nelle varie aree della politica brasiliana, questo lavoro investiga come questa 
tendenza si comunicacon la nascita e lo sviluppo del Diritto del Bambino e dell'Adolescente. 
L'aumento dell'incarceramento di adolescenti, stesso dopo l'avvento dello Statuto del 
Bambino e dell'Adolescente è investigato partendo dal discorso che legittima questa 
repressione e porta all'incremento delle disuguaglianze sociali. Il principale oggetto del 
lavoro è l'interazione del discorso politico con il discorso mediatico sul reato giovanile. 
Dall'analisi dei discorsi politico e mediatico si cerca di identificare i punti in comune trovati, in 
maniera a tracciare le caratteristiche del discorso egemonico su questo tema. Si cerca, 
ancora, di identificare le interferenze tra i due campi, comprensibili attraverso due principali 
chiavi d'analisi: la cognizione sociale e la produzione dell'agenda politica. Il problema della 
ricerca può essere formulato come segue: Come interagono i discorsi politico e mediatico sul 
reato giovanile e sulla misura socio-educativa di internamento nella riproduzione del discorso 
egemonico e nella consequente produzione de politiche destinate al bambino e 
all'adolescente? Il marco teorico utilizzato è quello della Criminologia critica, in un senso 
ampio, che permette anche l'uso di strumenti teorici provenienti di altre tradizioni, come gli 
Studi Critici del Discorso, impiegati come referenziale teorico-metodologico per l'analisi del 
discorso politico. La ricerca è di tipo qualitativo, ed si vale del metodo della Grounded 
Theory. Il lavoro si divide in due parti, le quali se suddividono in altri quattro capitoli ognuna. 
La prima parte, insieme ad una revisione della letteratura sullo status giuridico del bambino 
in Brasile, porta l'analisi del discorso politico sull'adolescente autore di reati, partendo dalle 
giustificazioni di tutti i progetti di leggi della Camara dei Deputati proposti tra gli anni di 2003 
e 2012, con l'obbiettivo di aumentare la repressione agli adolescenti. La seconda parte 
inserisce il lavoro nel contesto della società mediatizzata, nella quale le infrazioni commesse 
da giovani emergono come situazioni problematiche che devono essere trattate sociale e 
politicamente. Si inizia con una revisione della letteratura sull'intercessione media, gioventù e 
sistema penale per, in seguito, presentare i risultati dell'analisi di contenuto del giornale 
Folha de S. Paulo, per identificare la rappresentazione sociale esposta da questo periodico 
rispetto l'adolescente criminalizzato, il reato da lui commesso e le misure socio-educative. 
L'obbiettivo è quello di comprendere in che maniera le rappresentazioni sociali, 
contestualizzate nel tempo e nello spazio, hanno un rapporto con il discorso politico, nelle 
dimensioni cognitive e politico criminali. Dopo di verificare la forte implicazione del discorso 
di senso comune nella produzione di politiche repressive agli adolescenti, si parte per un 
ultimo capitolo nel quale si propone, partendo di una base teorica gramsciana, alcune 
possibilità di azione nel cambio di questa comune percezione sul reato/infrazione minorile, il 
criminalizzato, e la punizione/misura. L'obbiettivo finale e più profondo del lavoro è quello di 
cercare, attraverso la percezione di che il discorso costituisce le pratiche, dimostrare 
l'importanza della trasformazione della parola, e di costruzione di un discorso contro-
egemonico sulle situazioni socialmente problematiche coinvolgendo adolescenti. Senza 
questo cambio, neppure le pratiche violente del sistema penale si potranno trasformare. 
 
Parole chiave: Criminologia critica, discorso politico, discorso mediatico, infrazione minorile 
 
LISTA DE GRÁFICOS 
 
 
GRÁFICO 1 – FREQUÊNCIA DE PROJETOS DE LEI DE ALTERAÇÃO DO ECA 
(2003-2012) ........................................................................................ 133 
GRÁFICO 2 – CATEGORIAS ONDE OS PROJETOS DE LEI FORAM INCLUÍDOS
 ........................................................................................................... 134 
GRÁFICO 3 – POLÍTICA PENAL x POLÍTICA SOCIAL .......................................... 134 
GRÁFICO 4 – POLÍTICA x PARTIDOS POLÍTICOS ............................................... 137 
GRÁFICO 5 – POLÍTICA PENAL: DISTRIBUIÇÃO ................................................. 139 
GRÁFICO 6 – POLÍTICA PENAL x ANO ................................................................ 139 
GRÁFICO 7 – POLÍTICA PENAL x PARTIDO ........................................................ 140 
GRÁFICO 8 – POLÍTICA PENAL x PERFIL IDEOLÓGICO .................................... 142 
GRÁFICO 9 – POLÍTICA PENAL x SITUAÇÃO ...................................................... 144 
GRÁFICO 10 – CONSUMO DE MÍDIA PELOS PARLAMENTARES (2013) ........... 285 
GRÁFICO 11 – JORNAIS IMPRESSOS MAIS LIDOS PELOS PARLAMENTARES 
(2013) ................................................................................................. 286 
LISTA DE TABELAS 
 
 
TABELA 1 – POLÍTICA PENAL X POLÍTICA SOCIAL ............................................ 134 
TABELA 2 – REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DO ADOLESCENTE E FUNÇÕES DA 
MEDIDA DE INTERNAÇÃO ............................................................... 233 
TABELA 3 – DEZ MAIORES JORNAIS IMPRESSOS DO BRASIL (2012) ............. 286 
TABELA 4 – NÚMERO DE MATÉRIAS JORNALÍSTICAS ENCONTRADAS NOS 
PERÍODOS SELECIONADOS PARA A ANÁLISE ............................. 289 
TABELA 5 – NÚMERO DE REPORTAGENS SOBRE OS CASOS LIANA E FELIPE 
E JOÃO HÉLIO SEGUNDO O TEMA PREDOMINANTE E A SEMANA 
DE PUBLICAÇÃO .............................................................................. 291 
TABELA 6 – CHAPÉUS UTILIZADOS NAS MATÉRIAS DE NOVEMBRO DE 2003.
 ........................................................................................................... 292 
TABELA 7 – CASOS QUE GERARAM REPORTAGENS NO JORNAL FOLHA DE S. 
PAULO NOS PERÍODOS ANALISADOS (NOV-DEZ 2003 e JAN 2004; 
FEV-ABR 2007; DEZ 2008 e JAN-FEV 2009; FEV-ABR 2012). ........ 303 
TABELA 8 – ARGUMENTOS CONTRÁRIOS À REDUÇÃO DA MAIORIDADE 
PENAL NAS MATÉRIAS INFORMATIVAS ........................................ 342 
TABELA 9 – ARGUMENTOS FAVORÁVEIS À REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL 
NAS MATÉRIAS INFORMATIVAS ..................................................... 344 
TABELA 10 – ARGUMENTOS CONTRÁRIOS AO AUMENTO DO PRAZO DE 
INTERNAÇÃO .................................................................................... 347 
TABELA 11 – ARGUMENTOS FAVORÁVEIS AO AUMENTO DO PRAZO DE 
INTERNAÇÃO .................................................................................... 348 
LISTA DE ILUSTRAÇÕES 
 
 
FIGURA 1 – QUADRO PUBLICADO DURANTE AS INVESTIGAÇÕES 
......................299 
FIGURA 2 – INFOGRÁFICO APRESENTADO NA MATÉRIA “MENOR PARTICIPA 
DE 1% DOS HOMICÍDIOS EM SP” 
.................................................................... 306 
FIGURA 3 – INFOGRÁFICO APRESENTADO NA MATÉRIA “JOVENS TROCAM 
TRÁFICO POR ROUBO NO RIO” 
................................................................ .............................................. 309 
FIGURA 4 – FOTOGRAFIA CONTIDA NA REPORTAGEM “UNIÃO SÓ LIBERA 
4,5% DA VERBA PRA INFRATOR” ..................................................... 314 
FIGURA 5 – FOTOGRAFIA CONTIDA NA REPORTAGEM “PARA ALCKMIN, 
PRESÍDIOS ESTÃO PREPARADOS” 
........................................................... 331 
FIGURA 6 – FOTOGRAFIA CONTIDA NA REPORTAGEM “UNIDADE É FECHADA 
NO IMPROVISO” 
........................................................................................... 334 
FIGURA 7 – FOTOGRAFIA CONTIDA NA REPORTAGEM “FUNDAÇÃO CASA 
PRECISA SE CUIDAR PARA NÃO VOLTAR A SER FEBEM, DIZ CNJ”
 .335 
LISTA DE SIGLAS 
 
 
ANDI – Agência de Notícias dos Direitos da Infância 
CCJ – Comissão de Constituição e Justiça 
CD – Câmara dos deputados 
CEDECA – Centro de Defesa da Criança e do Adolescente 
CF – Constituição Federal 
CIDC – Convenção Internacional dos Direitos da Criança 
CNT – Confederação Nacionaldo Transporte 
CONFECOM - Conferência Nacional de Comunicação 
CP – Código Penal 
CSPCCO – Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado 
CSSF – Comissão de Seguridade Social e Família 
DEM – Democratas 
ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente 
FUNABEM – Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor 
ILANUD – Instituto Latinoamericano de las Naciones Unidas para la Prevención del 
Delito y el Tratamiento del Delincuente 
INESC – Instituto de Estudos Socioeconômicos 
MNMMR – Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua 
ONG – Organização Não-governamental 
ONU – Organização das Nações Unidas 
PAN – Partido dos Aposentados da Nação 
PC do B – Partido Comunista do Brasil 
PCB – Partido Comunista Brasileiro 
PDS – Partido Democrático Social 
PDT – Partido Democrático Trabalhista 
PEC – Proposta de Emenda Constitucional 
PFL – Partido da Frente Liberal 
PHS – Partido Humanista da Solidariedade 
PL – Partido Liberal 
PL – Projeto de Lei 
PMDB – Partido do Movimento Democrático Brasileiro 
26 
 
PMN – Partido da Mobilização Nacional 
PNBEM - Política Nacional de Bem-estar do Menor 
PP – Partido Progressista 
PPB – Partido Progressista Brasileiro 
PPR – Partido Progressista Renovador 
PPS – Partido Popular Socialista 
PR – Partido Republicano 
PRB – Partido Republicano Brasileiro 
PRONA – Partido da Renovação da Ordem Nacional 
PRTB – Partido Renovador Trabalhista Brasileiro 
PSB – Partido Socialista Brasileiro 
PSC – Partido Social Cristão 
PSD – Partido Social Democrático 
PSDB – Partido da Social Democracia Brasileira 
PSOL – Partido Socialismo e Liberdade 
PT – Partido dos Trabalhadores 
PTB – Partido Trabalhista Brasileiro 
PTC – Partido Trabalhista Cristão 
PV – Partido Verde 
RDD – Regime Disciplinar Diferenciado 
RICD – Regimento Interno da Câmara dos Deputados 
SAM - Serviço de Assistência do Menor 
SF – Senado Federal 
SINASE – Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo 
STF – Supremo Tribunal Federal 
STJ – Superior Tribunal de Justiça 
TJ-RS – Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul 
UNICEF – United Nations Children's Fund 
 
 
SUMÁRIO 
 
 
INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 31 
PARTE I – O SABER HEGEMÔNICO SOBRE O ADOLESCENTE E O ATO 
INFRACIONAL .......................................................................................................... 51 
1 EM PERIGO OU PERIGOSA? GÊNESE DO SABER SOBRE A CRIANÇA NO 
BRASIL ..................................................................................................................... 51 
1.1 O surgimento do menor e o controle de crianças e adolescentes do Império 
à República .............................................................................................................. 51 
1.1.1 O Código criminal do Império e o adulto em miniatura ..................................... 52 
1.1.2 O surgimento do binômio abandono-infração no Brasil republicano ................ 55 
1.1.3 O menor-problema social como interesse prioritário da ditadura militar: gênese 
da doutrina da situação irregular ............................................................................... 68 
1.1.4 Participação e mudança social: a abertura política e a construção coletiva do 
estatuto da criança e do adolescente ........................................................................ 74 
1.2 Uma mudança no discurso legislativo? O ato infracional e as medidas 
socioeducativas no Estatuto da Criança e do Adolescente ................................ 80 
1.2.1 O ato infracional e a medida socioeducativa de internação ............................. 81 
1.2.2 Menores e loucos no direito brasileiro .............................................................. 86 
1.2.3 Medidas socioeducativas: objetivos declarados e objetivos reais .................. 100 
2 O UNIVERSO DAS PROPOSTAS DE ALTERAÇÕES NO ESTATUTO DA 
CRIANÇA E DO ADOLESCENTE: MAIS POLÍTICA PENAL, MENOS POLÍTICA 
SOCIAL ................................................................................................................... 123 
2.1 Os projetos de lei da Câmara dos Deputados .............................................. 125 
2.2 Apresentação das variáveis ........................................................................... 127 
2.2.1 Variável “categoria” ........................................................................................ 128 
2.2.2 Variável “política pública” ............................................................................... 131 
2.3 A punição é a resposta: resultados da pesquisa quantitativa .................... 132 
2.3.1 Os dois sentidos da política penal em matéria de criança e adolescente ...... 138 
2.3.2 Situação dos PLs ........................................................................................... 143 
2.3.3 Processos de infracionalização primária na Câmara dos Deputados ............ 145 
3 EM DEFESA DA SOCIEDADE: A DESORDEM SOCIAL E A ORIGEM DO MAL 
NO DISCURSO POLÍTICO SOBRE A INFRACIONALIZAÇÃO ............................. 148 
3.1 Discursos sobre a “desordem social”........................................................... 152 
28 
 
3.1.1 Está ocorrendo um aumento da criminalidade violenta no Brasil. ................. 152 
3.1.2 O aumento da criminalidade gera sensação de insegurança social. ............. 155 
3.1.3 O aumento da criminalidade e da insegurança social está estritamente 
relacionado ao crescimento da criminalidade juvenil. ............................................. 157 
3.1.4 A sociedade clama por maior rigor na resposta estatal aos adolescentes 
autores de atos infracionais. ................................................................................... 164 
3.2 Discursos sobre a “origem do mal” .............................................................. 170 
3.2.1 O aumento da criminalidade dos jovens é causada pela benevolência do 
Estatuto da Criança e do Adolescente .................................................................... 170 
3.2.2 O envolvimento com o tráfico de drogas e com o crime organizado intensifica a 
prática de atos infracionais violentos. ..................................................................... 178 
4 A criança e o adolescente no discurso político sobre o ato infracional: um 
jogo de máscaras de tutela, proteção e punição ............................................... 182 
4.1 Discursos sobre a “solução salvadora” ....................................................... 182 
4.1.1 O aumento do prazo de internação tem o intuito de punir gravemente os 
adolescentes proporcionalmente ao dano causado. ............................................... 186 
4.1.2 O aumento do prazo de internação deverá dissuadir os adolescentes de 
cometerem atos infracionais ................................................................................... 188 
4.1.3 O aumento do prazo de internação vai ao encontro do sentimento da 
sociedade ............................................................................................................... 195 
4.1.4 O aumento do prazo de internação irá garantir a efetiva ressocialização do 
adolescente ............................................................................................................ 207 
4.1.5 O aumento do prazo de internação deverá manter a sociedade segura 
enquanto os adolescentes perigosos estiverem privados de liberdade .................. 221 
4.2 Vítimas, bandidos e doentes mentais: o adolescente autor de ato 
infracional no discurso dos deputados federais ............................................... 226 
PARTE II – O DISCURSO SOBRE O ATO INFRACIONAL NA SOCIEDADE 
MIDIATIZADA ........................................................................................................ 236 
1 MÍDIA, CRIME E JUVENTUDE ...........................................................................238 
1.1 O discurso jornalístico sobre o crime ........................................................... 238 
1.1.1 A hierarquia de credibilidade e o problema do acesso .................................. 242 
1.1.2 A página policial entre credibilidade e sensacionalismo ................................ 249 
1.1.3 Representações do crime na mídia ............................................................... 251 
1.1.4 Medo e criminalização ................................................................................... 260 
1.2 Mídia e construção social do ato infracional ............................................... 272 
1.2.1 As crianças como “tragic victims” e “evil monsters” ....................................... 272 
29 
 
1.2.2 Os pânicos morais também têm lugar nos países marginais ......................... 280 
2 DISCURSO MIDIÁTICO E PODER SIMBÓLICO: A DEMONIZAÇÃO DA 
JUVENTUDE POBRE ............................................................................................. 284 
2.1 O oráculo indesmentível e outras fontes ...................................................... 290 
2.1.1 Delegado de polícia: a fonte número um por excelência ................................ 296 
2.1.2 A fonte de número três: temas polêmicos e parcialidade das fontes ............. 301 
2.2 O ato infracional, o adolescente e a privação de liberdade segundo a Folha 
de S. Paulo ............................................................................................................. 303 
2.2.1 O ato infracional no jornal: “os mais bárbaros ‘crimes’ dos últimos tempos” .. 303 
2.2.2 O adolescente no jornal: recuperáveis e irrecuperáveis ................................. 313 
2.2.2.1 A construção de um monstro: o caso Champinha ....................................... 320 
2.3 A “solução salvadora” na Folha de S. Paulo ................................................ 322 
2.3.1 A percepção social das medidas socioeducativas ......................................... 323 
2.3.1.1 As instituições de internação ....................................................................... 325 
2.3.1.2 Menção a outras medidas socioeducativas ................................................. 336 
2.3.2 A política na mídia: propostas de alteração da Constituição Federal e do 
Estatuto da Criança e do Adolescente .................................................................... 337 
2.3.3 A Folha de S. Paulo e seu empreendimento moral: os editoriais ................... 349 
2.3.3.1 Não há soluções mágicas para o problema da violência: os Editoriais da 
Folha (2003/2004) ................................................................................................... 349 
2.3.3.2 Os remédios à mão e seus efeitos instantâneos: os Editoriais da Folha 
(2007) ...................................................................................................................... 358 
3 A RETROALIMENTAÇÃO DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS: MÍDIA, 
POLÍTICA E A DIVISÃO DO TRABALHO NA CONSTRUÇÃO DO SENSO COMUM 
SOBRE O ATO INFRACIONAL .............................................................................. 367 
3.1 Manuais de demonologia e monstros juvenis .............................................. 368 
3.1.1 Os empreendedores morais e os claims makers ........................................... 384 
3.1.2 Demônios midiatizados .................................................................................. 387 
3.2 “The world outside and the pictures in our heads”: mídia e agendamento da 
política .................................................................................................................... 389 
3.2.1 Mas a lei não mudou: análise da tramitação dos projetos .............................. 399 
3.2.3 Impacto da mídia no Legislativo: efeitos simbólicos ou concretos? ............... 413 
3.3 Efeitos simbólicos: discurso e dominação ................................................... 413 
4 A NECESSÁRIA CONSTRUÇÃO DE UM DISCURSO CONTRA-HEGEMÔNICO
 ................................................................................................................................ 420 
30 
 
4.1 Hegemonia e batalha cultural: ferramentas teóricas para a construção de 
uma contra-hegemonia no discurso criminológico ........................................... 424 
4.2 Dois campos de ação na Newsmaking criminology: democratizar a 
comunicação tradicional; ocupar as novas mídias ........................................... 432 
4.2.1 Ocupar a mídia tradicional ............................................................................. 436 
4.2.2 Lutar pela democratização da comunicação .................................................. 440 
4.2.3 Ocupar as novas mídias ................................................................................ 445 
4.3 Os movimentos sociais e a luta pela emancipação social .......................... 453 
CONCLUSÃO ......................................................................................................... 466 
APÊNDICE A – Lista dos projetos de lei analisados (PP2) ............................... 516 
APÊNDICE B – Lista das reportagens selecionadas ......................................... 536 
ANEXO A – Árvore de apensados do PL 2847/2000 .......................................... 542 
 
31 
 
INTRODUÇÃO 
 
O que descobrimos pesquisando é a complexidade do mundo. Quando 
respondemos algumas perguntas, colocamos outras. E não importa o quão 
bem concebido pensemos que está nosso projeto no começo, sempre há 
viradas imprevistas ao longo do caminho que nos levam a recolocar nossas 
posições e a questionar nossos métodos e que nos mostram que não 
somos tão inteligentes como pensamos1. 
 
Não há como compreender a permanência de práticas violentas, 
segregacionistas e profundamente injustas nas democracias modernas sem estudar 
os discursos que permeiam o seu exercício e acabam por legitimar o ilegitimável. 
Várias são as instâncias que eles percorrem. Perpassam o controle social informal e 
penetram na escola, na Igreja, na família, nos meios de comunicação; nas instâncias 
formais, estão na voz dos parlamentares e governadores, juízes e promotores. A 
impermeabilidade desses discursos ao saber acadêmico é sintomática também de 
que essas práticas cumprem funções preciosas para a manutenção das estruturas 
de poder. 
Dentre elas se destaca a expansão do encarceramento de crianças, 
adolescentes e adultos na maior parte dos países ocidentais, logo em seguida ao 
impulso desestruturador do sistema penal desenvolvido no âmbito das sociologias 
inglesa e norte-americana das décadas de 1960 e 19702. A inflação carcerária nos 
Estados Unidos e em alguns países europeus é um reflexo dessa mudança de 
direção ocorrida concomitantemente com a queda do Estado de bem-estar social. 
No Brasil, o encarceramento em massa levou a que, nos últimos vinte anos, o país 
tenha triplicado o número de presos adultos, e duplicado o número de adolescentes 
internados. Somam-se a esses dados quantitativos, os qualitativos: os privados de 
liberdade são homens, negros ou pardos, muito jovens, pobres e com baixa 
escolaridade. Deve-se referir, contudo, que parte desse expansionismo se volta 
também contra as mulheres, em especial no seio da lucrativa e sangrenta política de 
guerra às drogas. 
Esse processo pode ser identificado historicamente com a ascensão de 
 
1 STRAUSS, Anselm; CORBIN, Juliet. Bases de la investigación cualitativa. Técnicas y 
procedimientos para desarrollar la teoría fundamentada. Medelín: Universidad de Antioquia, 2002. p. 
62. 
2 COHEN, Stanley. Visiones del control social: Delitos, castigos y clasificaciones. Barcelona: PPU, 
1988. 
32 
 
políticas neoliberais, o chamado “capitalismo de barbárie”3. Nos países latino-
americanos, as privatizações e as reformas previdenciária e trabalhista buscaram 
reduzir apequena margem desenvolvida a partir da década de 1930 para o 
surgimento dos direitos sociais. Os sociólogos que analisam esse contexto, 
identificam uma reformulação do próprio significado da palavra “segurança”: a 
segurança, antes vista como a garantia da satisfação dos direitos sociais traduz-se 
em segurança individual a ser protegida através do combate ao crime efetivo ou 
potencial4. 
Nos anos sessenta, quando as políticas sociais do pós-guerra chegavam ao 
seu ápice, e, simultaneamente, a luta política ocorria no âmbito da busca pela 
liberação nas mais diversas esferas da vida, jamais se poderia imaginar que duas 
décadas após se apresentaria a tendência ao fenômeno oposto. “Se os lemas da 
social democracia do pós-guerra haviam sido controle econômico e emancipação 
social, a nova política dos fins dos anos oitenta impulsionou um marco bastante 
diferente de liberdade econômica e controle social”5. 
Entretanto, o cumprimento de uma função simbólica por parte do direito penal 
não significa que a adoção de posturas punitivistas não tragam consequências muito 
reais sobre aqueles que são objeto do controle penal. Prova disso é a situação de 
superlotação dos presídios em grande parte dos países ocidentais, que passam a 
não dar conta da quantidade de pessoas que são objeto de controle. Ainda que as 
condições de vida nessas instituições sejam toleráveis, o que não é o caso das 
prisões latino-americanas, o crescente encarceramento de jovens não possui 
qualquer finalidade que não seja a de converterem-nos em matéria-prima para o 
controle do crime6, e de neutralização, sendo as prisões verdadeiros depósitos de 
 
3 BATISTA, Vera Malaguti. Introdução crítica à criminologia brasileira. 2 ed. Rio de Janeiro: Revan, 
2012. p. 101. 
4 BAUMAN, Zygmunt.Globalização: as conseqüências humanas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999. 
p. 59. Grifos no original. 
5 GARLAND, David.La cultura del control: Crimen y orden social en la sociedad contemporánea. 
Barcelona: Gedisa, 2005. p. 174.Grifos no original. Traduçãolivre do original emespanhol: “Si las 
consignas de la socialdemocracia de posguerra habían sido control económico y liberación social, la 
nueva política de los años ochenta impulso un marco bastante diferente de libertad económica y 
control social”. Garland parte da ideia de que, ainda que as estruturas de controle tenham se 
modificado, a mudança mais importante se deu na cultura do controle do delito, a qual se formou em 
torno de três elementos centrais: 1. umwelfarismo penal modificado; 2. uma criminologia do controle; 
3. uma forma econômica de raciocínio. ibid. p. 287. 
6 CHRISTIE, Nils. A indústria do controle do crime: A caminho dos GULAGs em estilo ocidental. Rio 
de Janeiro: Forense, 1998. 
33 
 
lixo7 ou campos de concentração de pobres, negros e estrangeiros8. 
Essa situação de superlotação das prisões e das instituições de internação de 
adolescentes não parece constituir um óbice a esse crescimento: indesejados 
podem ser empilhados, pois o seu destino já está traçado e não é a reintegração 
social9. Hoje, a despeito de a legislação brasileira declarar a prevenção especial 
positiva como a principal meta da execução penal, a realidade a desmente todos os 
dias, para confirmar o que não pode ser dito, ao menos não em voz alta: já que não 
é possível disciplinar, o objetivo da punição é dizimar esses sobrantes que sujam as 
ruas, corrompem criancinhas, e ameaçam os consumidores. Na realidade da medida 
“socioeducativa” de internação, também contrariando os preceitos democráticos e 
emancipatórios do Estatuto da Criança e do Adolescente, a regra nesse sistema 
vem sendo – como sempre foi, aliás – a antecipação da produção de carreiras 
criminosas. Ao sair dessas instituições, os adolescentes pouco têm a escolher e 
muito a desejar. Presas fáceis do sistema de controle penal, o seu destino é a 
prisão. E da prisão o destino acaba sendo a reprodução da carreira, que terminará, 
enfim, com a morte. 
O discurso jurídico aparece aí como uma importante fonte de legitimação 
dessas práticas que afetam a juventude pobre, por fazer crer que se as injustiças 
acontecem é porque a lei não foi cumprida. Quando, na verdade, a lei não passa de 
uma maneira de silenciar, para os que estão de fora, os que berram dentro dos 
muros. 
Há outros discursos, porém, que são tão ou mais constitutivos desse poder do 
que o jurídico. Há vozes ouvidas em todos os lugares, em todos os momentos, por 
todas as pessoas. E essas vozes falam sobre o sistema penal o tempo todo. Falam 
sobre crimes, criminosos – adultos e jovens – e penas. São ubíquos. Não é possível 
estudar o discurso sem tratar sobre os meios de comunicação de massa, nessa 
sociedade midiatizada. 
Na interação com a mídia, encontra-se o discurso político. Quem não sabe 
usar a linguagem da mídia hoje não tem a menor chance de alçar posições 
destacadas na política. A construção da imagem do político e, portanto, de seu 
capital simbólico, depende das câmeras de televisão. Daí que a partir da construção 
 
7 BAUMAN, Zygmunt. Vidas desperdiçadas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005. 
8 CHRISTIE, Nils. A indústria do controle do crime: A caminho dos GULAGs em estilo ocidental. Rio 
de Janeiro: Forense, 1998. 
9 BAUMAN, Zygmunt. Vidas desperdiçadas. Rio de Janeiro: Zahar, 2005. 
34 
 
da insegurança pública como a principal preocupação das pessoas, a postura dos 
políticos tenda a seguir o mesmo caminho. Na busca por popularidade, o discurso 
punitivo vem acompanhando políticos dos mais diversos perfis e partidos. 
Este trabalho tem o objetivo de desvendar esses discursos, trazê-los à tona 
em sua funcionalidade e perversão. Se o discurso hegemônico produz inimigos 
públicos e assim legitima as práticas que contrariam os direitos humanos, então é 
papel da academia a busca pela sua transformação. A mudança social é possível e 
parte da possibilidade de conhecer o que move essas práticas, buscando 
desmitificá-las. O discurso produz, o simbólico é real. Sem mudar o discurso, a 
prática tampouco se desconstitui. 
A partir da análise do discurso político e do discurso midiático sobre o ato 
infracional e as medidas socioeducativas, pretende-se identificar os pontos em 
comum encontrados, de maneira a traçar as características do discurso hegemônico 
sobre esse tema. Busca-se, ainda, identificar as interferências entre os dois campos, 
compreensíveis através de duas principais chaves de análise: a cognição social e a 
produção da agenda política. Se, por um lado, os políticos partem de definições 
próprias sobre os problemas sociais, suas causas e suas possíveis soluções, na 
maior parte das situações elas decorrem de uma base comum de conhecimento 
compartilhado, onde se encontram também repercutidas as estruturas opressoras. 
Por outro lado, parte da conduta e da compreensão dos políticos sobre os temas 
urgentes pode provir da agenda midiática, a qual vem encravada de interesses 
privados ligados ao poder econômico desses órgãos. 
Entender esses processos de construção das políticas e, sobretudo, de 
reprodução do discurso hegemônico sobre o crime e o ato infracional é um passo 
fundamental na elaboração e difusão de um discurso alternativo, contra-
hegemônico. O problema de pesquisa pode, então, ser formulado da seguinte 
maneira: Como interagem os discursos político e midiático sobre o ato infracional e a 
medida socioeducativa de internação na reprodução do discurso hegemônico e na 
consequente produção de políticas destinadas à criança e ao adolescente? 
O marco teórico, que será explicado adiante, é o da criminologia crítica. 
Contudo, em razão de esse marco teórico não trazer teoria e métodos específicos 
do discurso, optou-se por trazer ao trabalho a perspectiva dos estudos críticos do 
discurso (ECD). Trata-se de um campo teóricoe metodológico em perfeita harmonia 
com o marco teórico da criminologia crítica, especialmente se levada em 
35 
 
consideração sua base interacionista e construcionista, aliada à dimensão do poder. 
Os ECD auxiliam o pesquisador a identificar em estratégias argumentativas 
realizadas pelos autores de discursos indicações sobre as representações sociais 
por eles compartilhadas. Os ECD constituem um movimento científico 
especificamente interessado na formação de teoria e na análise crítica da 
reprodução discursiva de abuso de poder10. Buscam desvendar as desigualdades 
sociais, em especial, “o papel do discurso na (re)produção e contestação da 
dominação”11. A expressão dominação é definida como o exercício de poder social 
por elites, instituições ou grupos, o que resulta em desigualdade social, incluindo 
desigualdades políticas, culturais, de classe, étnicas, raciais e de gênero. Tal 
conceito, apesar de não decorrer exatamente do marco materialista da Criminologia 
crítica, é com ela perfeitamente compatível, especialmente no sentido ampliado do 
criticismo latino-americano12. 
Essas relações discursivas de poder podem aparecer de diversas maneiras, 
pelo exercício, negação, mitigação ou o encobrimento da dominação. A partir da 
constatação de diferentes estratégias de manutenção discursiva das relações de 
poder, os analistas dos ECD querem saber quais estruturas, estratégias ou outras 
propriedades do texto, da fala, da interação verbal ou eventos comunicativos 
desempenham um papel nesses modos de reprodução. É possível, assim, examinar 
através de que estilo, retórica ou significado de textos se busca encobrir as relações 
de poder13. 
A opção por trabalhar na linha dos Estudos Críticos do Discurso, não implica 
em uma pesquisa comprometida com um resultado predeterminado, e por isso, 
destituída das características necessárias à sua aceitação no meio acadêmico. A 
opção pela tomada de posição em favor dos grupos oprimidos nas relações de 
poder implica nas escolhas realizadas no momento da análise. Assim, ao se 
identificar os discursos político e midiático como produções simbólicas que implicam 
em grande parte das situações na reprodução ideológica de relações de dominação, 
buscando-se encontrar justamente através de que recursos essa dominação é 
 
10 Van DIJK, Teun. Discurso e poder. 2 ed. São Paulo: Contexto, 2012. p. 9. 
11 VAN DIJK, Teun A. Principles of critical discourse analysis, London, Discourse & Society, vol. 4(2), 
1993. p. 249-283. p. 249.Traduçãolivre do original eminglês: “[m] the role of discourse in the 
(re)production and challenge of dominance”. 
12 ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Pelas mãos da criminologia. Rio de Janeiro: Revan/ICC, 2012. 
13VAN DIJK, Teun A. Principles of criticaldiscourseanalysis, London, Discourse&Society, vol. 4(2), 
1993. p. 249-283. p. 249. 
36 
 
possibilitada, então a escolha do corpus, das categorias etc. serão determinadas 
para esse viés. Trata-se, de fato, de uma delimitação que já aparece na elaboração 
do problema de pesquisa e dos objetivos. O que será encontrado, as próprias 
categorias criadas, os recursos etc., irão depender da sensibilidade do pesquisador 
em permitir que os resultados emerjam dos dados. 
Sabe-se, a partir do marco teórico apresentado, que os temas penais, de 
maneira geral, estão incrustados de mitos e impregnados de estereótipos, os quais 
desempenham uma função essencial à manutenção do sistema tal como ele é: 
dificultar a contestação; facilitar a dominação. É no domínio das mentes, na 
imaginação sobre o sistema, que reside o maior exercício de poder. E nada melhor 
do que o discurso, do texto à fala, para garanti-lo. 
Este trabalho não pretende ser um estudo objetivo sobre uma realidade dada. 
Trata-se de uma pesquisa comprometida, e parcial, conforme se exige da pesquisa 
crítica. A realidade é uma construção social e como tal não pode ser conhecida em 
sua pureza. Cada fenômeno pode ser estudado através de olhares os mais diversos, 
e é a subjetividade do cientista que optará por um ou por outro, consciente ou 
inconscientemente. No campo da criminologia, em que com frequência o discurso se 
traduz em política criminal, a necessidade de tomada de posição do cientista é ainda 
mais fundamental. Em razão disso, Pavarini observa que a criminologia é uma 
ciência com vocação partidária14. Também Baratta esclarece que a Criminologia 
crítica deve ser uma teoria social comprometida com a transformação positiva, 
emancipadora da realidade social, de modo que o interesse das classes subalternas 
é o ponto de vista a partir do qual ela se coloca15. 
Nesse trabalho, a escolha principal é a do paradigma que identifica no 
discurso um meio de exercício de poder e dominação de uns grupos sobre os 
outros. É no discurso, percebido de maneira micro no texto e na fala, que se 
encontra a ponte entre o individual e o social; entre as crenças pessoais do escritor 
ou orador e as crenças compartilhadas coletivamente16. 
Para compreender com qual poder estão preocupados os ECD, é necessário 
 
14 PAVARINI, Massimo. Un arte abyecto: ensayo sobre el gobierno de la penalidad. Buenos Aires: Ad-
Hoc, 2006. p. 281. 
15 BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal. 3 ed. Tradução de Juarez 
Cirino dos Santos. Rio de Janeiro: Revan/ICC, 2002. p. 158. 
16 VAN DIJK, Teun. Political discourse and political cognition. In: CHILTON, Paul A.; SCHÄFFNER, 
Christina (Eds.). Politics as Text and Talk: Analytical approaches to political discourse. p. 204-236. 
Amsterdam: Benjamins, 2002. p. 205. 
37 
 
notar que não se trata de um poder individual, mas sim, social. “O poder social é 
baseado no acesso privilegiado aos recursos socialmente valorizados, tais como 
saúde, renda, posição, status, força, pertencimento a grupo, educação ou 
conhecimento”17. Ele é compreendido, ainda, como controle sobre o discurso de 
outros: poucas pessoas podem dizer e escrever o que querem18. O controle envolve 
a ação e a cognição: “um grupo poderoso pode limitar a liberdade de ação de outros, 
mas também pode influenciar suas mentes”19. É na cognição que se encontra o meio 
de controle mais efetivo, promovido pela persuasão, dissimulação ou manipulação, 
entre outros meios estratégicos para modificar a mente dos outros em relação aos 
seus próprios interesses20. Ou seja, são foco dos ECD os discursos que legitimam o 
controle de alguns grupos sobre outros e naturalizam a ordem social, ainda quando 
permeados por estratégias sutis e cotidianas. 
As relações de poder pelas quais se interessam os ECD, por outro lado, são 
aquelas consideradas abusivas, derivadas de brechas de leis, regras e princípios da 
democracia, igualdade e justiça por aqueles que dominam o poder. Para distinguir, 
então, formas de poder legítimos e aceitáveis daqueles abusivos, os teóricos dos 
ECD optaram pelo uso do termo dominação21. No controle do conhecimento 
compartilhado reside, portanto, a base das relações de dominação. 
O marco teórico de que parte o trabalho é a Criminologia crítica. Concebida 
na década de 1970, a Criminologia crítica parte, sobretudo, da perspectiva de que a 
criminalidade não possui status ontológico ligado a certos comportamentos de 
indivíduos cujo estudo específico determinará as causas do desvio, mas é, isso sim, 
uma qualidade atribuída aos mesmos, mediante uma dupla seleção: a criminalização 
primária - “seleção dos bens protegidos penalmente, e dos comportamentos 
ofensivos destes bens, descritos nos tipos penais” – e a criminalização secundária – 
“seleção dos indivíduos estigmatizados entre todos os indivíduos que realizam 
 
17 VAN DIJK, Teun A. Principles of critical discourse analysis, London, Discourse & Society, vol. 4(2), 
1993. p. 249-283. p.254.Traduçãolivre do original eminglês: “Social power is based on privileged 
access to socially valued resources, such as wealth, income, position, status, force, group 
membership, education or knowledge”. 
18 Van DIJK, Teun. Discurso e poder. 2 ed. São Paulo: Contexto, 2012 
19VAN DIJK, Teun A. Principles of critical discourse analysis, London, Discourse & Society, vol. 4(2), 
1993. p. 249-283. p. 254.Traduçãolivre do original eminglês: “[m] a powerful group may limit the 
freedom of action of others, but also influence their minds”. 
20 VAN DIJK, Teun A. Principles of critical discourse analysis, London, Discourse & Society, vol. 4(2), 
1993. p. 249-283. p. 254. 
21 VAN DIJK, Teun A. Principles of critical discourse analysis, London, Discourse & Society, vol. 4(2), 
1993. p. 249-283. p. 254. 
38 
 
infrações a normas penalmente sancionadas”22. Ao definir a Criminologia crítica, 
Baratta observa que é ela “uma direção da sociologia jurídico-penal e da sociologia 
criminal que se distingue da criminologia tradicional por uma mudança de objeto e 
de método”23. 
Mudança essa que teve como precursoras as teorias da reação social, em 
especial, a teoria do etiquetamento, ou labeling approach. Compreendendo o desvio 
social como uma construção, resultante das interações sociais, o labeling approach 
rompe com a criminologia tradicional ao perceber que o crime e o criminoso não são 
dados pré-constituídos à experiência. Assim, um determinado comportamento, ainda 
que desviante em relação às normas sociais, somente será assim definido caso haja 
reação social ao ato24. Fica claro, portanto, que o etiquetamento depende muito mais 
do grau de tolerância da sociedade diante de determinados comportamentos 
desviantes do que da sua ocorrência efetiva25. 
A questão que pouco havia sido desenvolvida até então diz respeito à variável 
que orienta a seleção dos comportamentos desviantes ou criminosos em relação 
aos quais há reação social e penal. É o que, na década de 1970 se passou a 
estudar, primeiramente com a Criminologia radical, nos Estados Unidos, com a Nova 
criminologia, na Inglaterra26, e, mais adiante, com a Criminologia crítica na Itália27. 
 
22 BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal. 3 ed. Rio de Janeiro: Revan/ICC, 
2002. p. 161. 
23BARATTA, Alessandro. Che cosa è la criminologia critica. In: MATA, Victor Sancha (intervista a cura 
di), Dei delitti e delle pene: Rivista di studi sociali storici e giuridici sulla questione criminale, n. 1, mar. 
1991, Bologna, p. 53-81. p. 53. Tradução livre do original em italiano: “è uma direzione della 
sociologia giuridico-penale e della sociologia criminale che si distingue dalla criminologia “tradizionale” 
per un cambiamento dell’oggetto e del metodo”. 
24 BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal. 3 ed. Rio de Janeiro: Revan/ICC, 
2002. p. 89. 
25LEMERT, Edwin M. Social pathology: A systematic approach to the theory of sociopathic behavior. New 
York: McGraw-Hill Book Company, 1951. 
26Sobre a Nova criminologianaInglaterra, cf. TAYLOR, Ian; WALTON, Paul; YOUNG, Jock. 
Criminologia critica in Gran Bretagna. Rassegne e prospettive. La questione criminale: Rivista di 
ricerca e dibatito su devianza e controllo sociale, Bologna, anno I, n. 1, gennaio-aprile 1975, p. 67-
117. Ainda, TAYLOR, Ian; WALTON, Paul; YOUNG, Jock. La nueva criminología: contribución a una 
teoría social de la conducta desviada. Buenos Aires: Amorrortu, 1990. 
27 No Brasil, a Criminologia radical foi primeiramente introduzida pela obra de Cirino dos Santos, o 
qual esclarece que ela estuda “[m] o papel do Direito como matriz de controle social dos processos 
de trabalho e das práticas criminosas, empregando as categorias fundamentais da teoria marxista, 
que o definem como instituição superestrutural de reprodução das relações de produção, 
promovendo ou embaraçando o desenvolvimento das forças produtivas”. SANTOS, Juarez Cirino. A 
criminologia radical. Rio de Janeiro: Forense, 1981. p. 28. Essa visão é, posteriormente, mitigada 
através da introdução em países europeus. Mosconi explica que o atraso na chegada das teorias 
críticas sobre o desvio na Itália, em relação à Inglaterra e aos Estados Unidos, se deveu à longa e 
forte tradição que o positivismo criminológico construiu no país, bem como à questão carcerária vista 
sob a cultura católica como caritativo-assistencial, além do debate sobre o crime e sobre a pena ter 
sido realizada muito mais no terreno jurídico-penal, engessando qualquer estudo de verificação 
39 
 
A perspectiva italiana da Criminologia crítica foi a que mais se desenvolveu 
nos países latino-americanos, principalmente em função da atuação de Alessandro 
Baratta, professor das universidades de Bologna, na Itália, e Saärland, na 
Alemanha, o qual recebeu durante muitos anos pesquisadores de várias 
nacionalidades. Sua influência teórica pode ser considerada mais difundida na 
América Latina do que propriamente na Europa28. A preocupação do estudioso 
italiano com os fenômenos latino-americanos o fez uma grande referência nessa 
região29. 
Como aduz Baratta, a utilização do paradigma do etiquetamento é apenas 
uma condição necessária, mas não suficiente para qualificar como crítica uma teoria 
do desvio e da criminalidade30. Para que uma criminologia seja considerada “crítica” 
a questão dos processos de definição é importante, mas não mais do que outras, 
como: “Se a qualidade e o status social de desviante e de criminoso são o resultado 
de processos de definição e de etiquetamento, como é distribuído em uma 
determinada sociedade o poder de definição? De que maneira são distribuídas as 
possibilidades de vir etiquetado como desviante, de se ver atribuído o status social 
de criminoso?”31. Dessa maneira, é possível afirmar que, para o autor, o mínimo 
denominador comum da perspectiva da Criminologia crítica é a “dimensão da 
 
científica de base sociológica. MOSCONI, Giuseppe. Traduzione ed evoluzione della criminologia 
critica nell’esperienza italiana: questione criminale e diritto penale, Dei delitti e delle pene, anno XX, n. 
1, 2 e 3, gennaio-dicembre 2003, p. 7-39. Um importante histórico sobre a Criminologia crítica e suas 
raízes pode ser conferida em: SWAANINGEN, René van. Critical criminology: visions from Europe. 
London: Sage, 1997. 
28BERGALLI, Roberto. La sociologia giuridico-penale di Alessandro Baratta in Spagna e in America 
Latina: problemi, equivoci e fallacie. In: MARRA, Realino. Filosofia e sociologia del diritto penale. 
Torino: Giappichelli, 2006. p. 93-122. Alguns dos nomes que trabalharam com Baratta e desenvolvem 
suas pesquisas a partir da Criminologia crítica proposta pelo autor são Roberto Bergalli, Lola Aniyar 
de Castro, Rosa Del Olmo, Eugenio Raúl Zaffaroni, Juarez Cirino dos Santos, Vera Regina Pereira de 
Andrade, Ana Lucia Sabadell, entre outros. 
29 MARTÍNEZ SÁNCHEZ, Mauricio. El sur que amaba El profesor Baratta. Latinoamérica como 
referente material para construcción de la criminología crítica. Anthropos, edición especial en 
homenaje a AlessandroBaratta: el pensamiento crítico y la cuestión criminal, n. 204, Barcelona, 2004. 
p. 120-128. 
30BARATTA, Alessandro. Che cosa è la criminologia critica. In: MATA, Victor Sancha (intervista a cura 
di), Dei delitti e delle pene: Rivista di studi sociali storici e giuridici sulla questione criminale, n. 1, mar. 
1991, Bologna, p. 53-81. p. 55. 
31 BARATTA, Alessandro. Che cosa è la criminologia critica. In: MATA, Victor Sancha (intervista a 
cura di), Dei delitti e delle pene: Rivista di studi sociali storici e giuridici sulla questione criminale, n. 1, 
mar. 1991, Bologna, p. 53-81. p. 55. Tradução livre do original em italiano: “Se la qualitàe lo status 
sociale di deviante e di criminale sono il risultato di processi di definizione e di etichettamento, come è 
distribuito in uma determinata società il potere di definizione? In che maniera sono distribuite le 
possibilità di venire etichettato come deviante, di vedersi attribuito lo stato sociale di criminale?”. 
40 
 
definição” aliada à “dimensão do poder”32. 
Resta claro que a influência das reflexões marxistas esteve presente no 
desenvolvimento desse pensamento. Porém, é necessário observar que nem Marx e 
Engels, nem os grandes pensadores marxistas se dedicaram especificamente à 
questão do crime33. Para o desenvolvimento dessa teoria foi necessário destacar, 
dentro do pensamento marxista, algumas indicações teóricas e metodológicas. Na 
opinião de Pavarini, 
 
[m] é possível afirmar que com o termo nova criminologia se pode 
compreender uma pluralidade de iniciativas político-culturais e um conjunto 
de obras científicas que a partir dos anos setenta nos Estados Unidos, e 
posteriormente na Inglaterra e em outros países da Europa ocidental, 
desenvolveram um pouco depois as indicações metodológicas dos teóricos 
da reação social e do conflito até o ponto de superar criticamente estes 
enfoques. E na revisão crítica dos resultados aos quais se havia chegado, 
alguns se orientaram para uma interpretação marxista – certamente não 
ortodoxa – dos processos de criminalização nos países de capitalismo 
avançado: estes últimos são reconhecidos – ou mais comumente 
reconhecem-se – como criminólogos críticos.34 
 
Diante dessa perspectiva macrossociológica sobre a criminalidade, torna-se 
possível questionar a sobrerrepresentação da população mais pobre nas prisões, 
nos diferentes países: por detrás da seleção da população criminosa são 
reencontrados “os mesmos mecanismos de interação, de antagonismo e de poder 
que dão conta, em uma dada estrutura social, da desigual distribuição de bens e 
oportunidades entre os indivíduos”35. Daí que não seja possível pensar essa imagem 
do sistema como um erro, mas sim como uma ideologia, que se torna parte do 
objeto de uma análise científica do sistema penal: 
 
32 BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal. 3 ed. Tradução de Juarez 
Cirino dos Santos. Rio de Janeiro: Revan/ICC, 2002. p. 211. 
33 Para uma análise sobre a questão penal em O Capital, cf. MELOSSI, Dario. Criminologia e 
marxismo: alle origini della questione penale nella società de “Il Capitale”. La questione criminale: 
Rivista di ricerca e dibatito su devianza e controllo sociale, Bologna, anno I, n. 2, maggio-agosto, 
1975, p. 319-336. 
34 PAVARINI, Massimo. Control y dominación: Teorías criminológicas burguesas y proyecto 
hegemónico. Buenos Aires: Siglo XXI, 2002. p. 155-156. Grifos no original. Traduçãolivre do original 
emespanhol: “se puede afirmar que con el términonueva criminología se pueden comprender una 
pluralidad de iniciativas político-culturales y un conjunto de obras científicas que a partir de los años 
sesenta en los EU, y posteriormente en Inglaterra y en los otros países de Europa occidental, han 
desarrollado un poco después las indicaciones metodológicas de los teóricos de la reacción social y 
del conflicto hasta el punto de superar críticamente estos enfoques. Y en la revisión crítica de los 
resultados a los que se había llegado, algunos se han orientado hacia una interpretación marxista – 
ciertamente no ortodoxa – de los procesos de criminalización en los países de capitalismo avanzado: 
estos últimos son reconocidos – o más comúnmente les gusta reconocerse – como criminólogos 
críticos”. 
35 BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal. 3 ed. Rio de Janeiro: Revan/ICC, 
2002.p. 106. 
41 
 
 
A forma da mediação jurídica das relações de produção e das relações 
sociais na sociedade capitalista moderna (o direito igual) é ideológica: o 
funcionamento do direito não serve, com efeito, para produzir a igualdade, 
mas para reproduzir e manter a desigualdade. O direito contribui para 
assegurar, reproduzir e mesmo legitimar (esta última é uma função 
essencial para o mecanismo de reprodução da realidade social) as relações 
de desigualdade que caracterizam da nossa sociedade, em particular a 
escala social vertical, isto é, a distribuição diferente dos recursos e do 
poder, a conseqüência visível do modo de produção capitalista36. 
 
Sendo assim, em um sistema de classes, enquanto alguns são contemplados 
com bens positivos como patrimônio, renda e privilégio, a criminalidade é um bem 
negativo atribuído a algumas pessoas, através de mecanismos análogos37. Os 
resultados a que chega a Criminologia crítica são justamente a demonstração de 
que o princípio da seletividade, já formulado pela teoria do etiquetamento, está 
orientado conforme a desigualdade social, sendo que as classes inferiores são as 
efetivamente perseguidas. Assim, “[...] o sistema punitivo se apresenta como um 
subsistema funcional da produção material e ideológica (legitimação) do sistema 
social global, isto é, das relações de poder e de propriedade existentes”38. 
Ao conseguirem impor ao sistema a impunidade às próprias ações criminais, 
os grupos poderosos da sociedade determinam a perseguição punitiva às infrações 
praticadas pelos indivíduos mais vulneráveis. Assim, os crimes mais graves, aqueles 
que causam danos em grande proporção, como os delitos econômicos e ambientais 
dificilmente são criminalizados39. 
Isso demonstra, em primeiro lugar, que a seletividade do sistema inicia na 
criminalização primária, quando são definidos no Legislativo os bens jurídicos que 
deverão ser protegidos. Daí serem os crimes contra o patrimônio os mais comuns 
nos ordenamentos jurídicos de países capitalistas, e também de serem pobres os 
principais clientes do sistema penal. O Parlamento é, então, parte do conjunto de 
instituições encarregadas de produzir a política criminal, isto é, “o programa do 
 
36 BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal. 3 ed. Tradução de Juarez 
Cirino dos Santos. Rio de Janeiro: Revan/ICC, 2002. p. 213. 
37 BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal. 3 ed. Rio de Janeiro: Revan/ICC, 
2002.. p. 108. 
38 BARATTA, Alessandro. Principios del derecho penal mínimo. In: ELBERT, Carlos Alberto; 
BELLOQUI, Laura (orgs.). Criminología y sistema penal: Compilación in memorian. p. 299-333. 
Buenos Aires: Julio César Faira, 2004. p. 301. Tradução livre do original em espanhol: “[...] el sistema 
punitivo se presenta como un subsistema funcional de la producción material e ideológica 
(legitimación) del sistema social global, es decir, de las relaciones de poder y de propiedad 
existentes, más que como instrumento de tutela de intereses y derechos particulares de los 
individuos”. 
39 BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal. 3 ed. Rio de Janeiro: Revan/ICC, 
2002. 
42 
 
Estado para controlar a criminalidade”40. 
A criminalização secundária, aquela que decorre da atuação das agências 
executiva e judiciária do sistema penal (polícia, justiça), é ainda mais seletiva. 
Mesmo quando previstos na lei crimes típicos das classes dominantes, ou mesmo 
quando praticam delitos comuns, dificilmente pessoas que delas fazem parte são 
criminalizadas. 
A constatação da seletividade segundo a desigualdade de classe traz 
diversas consequências. A principal delas é o descrédito no princípio de igualdade 
perante a lei. Conforme conclui Andrade, ao invés de assegurar a igualdade e a 
generalização no exercício da função punitiva, a dogmática penal trouxe para o 
sistema penal a reprodução da seletividade e da desigualdade percebida na 
sociedade41. 
Para Baratta, a partir desses achados, três seriam as ordens de questões que 
deveriam ser trabalhadas no interior de uma Criminologia crítica:1) as questões 
relacionadas às condições materiais dos processos subjetivos de definição da 
criminalidade; 2) as questões relacionadas aos efeitos ou às funções da construção 
social da criminalidade, ou seja, “aos efeitos ou funções que a sua imagem exerce 
sobre a sociedade”; 3) questões relativas à definição da negatividade social, de um 
ponto de vista externo ao sistema penal institucional e à imagem da criminalidade no 
senso comum, definida, pelo autor como o “referente material” das definições da 
criminalidade42. 
No que tange à segunda ordem de questões, mais ligada ao tema deste 
trabalho, é fundamental a comparação que o autor faz com o “teorema de Thomas”: 
“situações definidas como reais possuem efeitos reais”, querendo significar que, se 
uma determinada imagem da realidade é afirmada, esta age efetivamente sobre a 
estrutura ideológica e material da sociedade. Na atual sociedade midiatizada há uma 
enorme influência dos processos comunicativos na definição da criminalidade. 
Sendo assim, “para obter determinados efeitos políticos, para legitimar ou 
deslegitimar, por exemplo, um sistema político ou um governo, não é necessário 
 
40 CIRINO DOS SANTOS, Juarez. Política criminal: realidades e ilusões do discurso penal. Discursos 
sediciosos: crime, direito, sociedade, ano 7, n. 12, 2º sem. 2002. p. 53-58. p. 53. 
41 ANDRADE, Vera Regina Pereira de. A ilusão de segurança jurídica. Do controle da violência à violência 
do controle penal. 2 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. p. 311. 
42 BARATTA, Alessandro. Che cosa è la criminologia critica. In: MATA, Victor Sancha (intervista a 
cura di), Dei delitti e delle pene: Rivista di studi sociali storici e giuridici sulla questione criminale, n. 1, 
mar. 1991, Bologna, p. 53-81. p. 59. 
43 
 
influir sobre a realidade, é suficiente agir sobre a sua imagem”43. Uma das 
características importantes da Criminologia crítica é, portanto de inserir a questão da 
ideologia penal como momento fundamental da legitimação e reprodução das 
relações de desigualdade. 
O respeito aos direitos humanos é um dos requisitos para a adoção de um 
modelo de mínima intervenção penal, e, ao mesmo tempo, “para a articulação 
programática no quadro de uma política alternativa do controle social”44. Para criar 
esse programa, Baratta elencou e desenvolveu na forma de princípios alguns 
requisitos mínimos de respeito dos direitos humanos na lei penal45. Alguns desses 
princípios se confundem, inclusive, com muitos dos direitos fundamentais protegidos 
pelas constituições e convenções internacionais de direitos humanos. Isso 
demonstra que para alcançar um direito penal mínimo, deve-se iniciar pelo respeito 
à Constituição. Se para a preservação dos direitos humanos é necessário limitar o 
jus puniendi, então o caminho prático, como consequência das teorias acima 
expostas, é justamente o de contração do sistema penal. Essa é a noção que deverá 
respaldar a análise das políticas criminais que vêm sendo adotadas nos diferentes 
países ocidentais: em caminho contrário, percebe-se uma exacerbação dos limites 
de penas e do alcance do sistema penal na sociedade. Todas as práticas que 
rompem com a lógica punitiva vêm ao encontro do ideal abolicionista que é o fim 
para o qual se dirigem os criminólogos críticos. 
A Criminologia crítica, como se pode observar, nasce da análise dos sistemas 
penais dos países centrais. Entretanto, para se estudar uma realidade específica 
como a latino-americana e ainda mais especificamente, brasileira, torna-se 
necessário ressaltar algumas questões. A primeira é a de que essa seletividade não 
se baseia apenas na classe social: a raça é um dos componentes fundamentais, 
senão o mais importante quando se trata da América Latina. Como é claramente 
 
43 BARATTA, Alessandro. Che cosa è la criminologia critica. In: MATA, Victor Sancha (intervista a 
cura di), Dei delitti e delle pene: Rivista di studi sociali storici e giuridici sulla questione criminale, n. 1, 
mar. 1991, Bologna, p. 53-81. p. 63. Tradução livre do original em italiano: “Per ottenere determinti 
effetti politici, per legittimare o delegittimare, ad esempio, un sistema politico o un governo, non è 
necessario influire sulla realtà, è sufficiente agire sulla sua immagine”. 
44 BARATTA, Alessandro. Principiosdelderecho penal mínimo. In: ELBERT, Carlos Alberto; 
BELLOQUI, Laura (orgs.). Criminología y sistema penal: Compilación in memorian. p. 299-333. 
Buenos Aires: Julio César Faira, 2004. p. 304. Traduçãolivre do original emespanhol: “para su 
articulación programática en el cuadro de uma política alternativa del control social”. 
45 BARATTA, Alessandro. Principios del derecho penal mínimo. In: ELBERT, Carlos Alberto; 
BELLOQUI, Laura (orgs.). Criminología y sistema penal: Compilación in memorian. p. 299-333. 
Buenos Aires: Julio César Faira, 2004. 
44 
 
concretizado na música Haiti, de Caetano Veloso e Gilberto Gil, classe e raça são 
duas questões que remetem a estruturas específicas, mas que se relacionam, se 
interligam na exclusão social do cotidiano brasileiro, ainda que de maneiras 
diferentes. O adolescente “quase branco, quase preto de tão pobre” é aquele que se 
aproxima do “lugar do negro” na sociedade brasileira, uma sociedade cuja 
hierarquização social é tão forte quanto naturalizada46. Negros e índios, em alguns 
dos países latino-americanos, formam uma clientela sobrerrepresentada nas prisões 
e, principalmente, dentre as vítimas dos massacres cotidianos dessa região. 
Massacres esses que levam Zaffaroni a identificar a operacionalidade real dos 
sistemas penais latino-americanos como “o genocídio em ato”47. Como observa 
Andrade, a Criminologia crítica latino-americana vem reiterando que a diferença 
entre o controle penal do centro e o da margem é uma diferença de especificidade 
(qualitativa) e dose (quantitativa) de violência48. 
Disso resulta que a deslegitimação teórica do sistema penal realizada pela 
Criminologia crítica com base na realidade europeia ocorre pelos próprios fatos na 
realidade latino-americana. Ademais, a origem desses sistemas penais possui uma 
história um tanto quanto diversa: inicia-se com a colonização, período no qual se 
torna necessário justificar a opressão sobre os povos originários da América, bem 
como sobre os africanos, que passam a ser traficados e escravizados. O discurso 
que possibilitou tal justificativa foi o biológico, baseado nas teorias evolucionistas, 
explicando qualquer desconformidade das massas exploradas como “demonstração 
da barbárie ou da selvageria”49. Ou seja, as teorias sobre a inferioridade racial foram 
a base do sistema colonialista, e por isso tal categoria deve ser analisada 
acuradamente no estudo da realidade latino-americana. 
 
De fato, em sociedades latino-americanas como a brasileira, com uma 
secular tradição de maus-tratos, tortura e extermínio (crueldade) como 
tecnologia punitiva e mecanismo de controle social, os corpos, sobretudo de 
pobres e mestiços, indígenas e negros (antes das tribos, campos e 
senzalas, e depois das favelas), das marginalizadas e conflitivas periferias 
urbanas ou zonas rurais, ainda que jovens e até infantis, nunca saíram de 
cena como objeto da punição. Ainda, quando a pena é declarada pública-
estatal, subterraneamente se perpetua a pena privada, por meio do 
 
46 BATISTA, Vera Malaguti. O medo na cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Revan, 2003. p. 78. 
47 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Em busca das penas perdidas: o sistema penal em questão. Rio de 
Janeiro: Revan, 1991. p. 123. 
48 ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Pelas mãos da criminologia. Rio de Janeiro: Revan/ICC, 2012. 
p. 106. 
49 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Criminología: Aproximación desde un margen. Bogotá: Temis, 1993. p. 134. 
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