Buscar

Lina Bo Bardi é um paradigma da arquitetura moderna brasileira

Esta é uma pré-visualização de arquivo. Entre para ver o arquivo original

Lina Bo Bardi é um paradigma da arquitetura moderna brasileira. Italiana de origem, chegou a São Paulo nos anos 40 junto ao seu marido Pietro Maria Bardi. O casal não deixou mais o país. Em 1951, Lina se naturaliza brasileira, ano que coincide com a inauguração da sua primeira obra construída, nada menos que a Casa de Vidro, localizada no bairro do Morumbi, zona sul de São Paulo. Inicialmente idealizada como residência do casal e sede do Instituto de Arte Contemporânea, a Casa de Vidro foi a primeira residência do bairro, até então dominado pela Mata Atlântica, quando a expansão da cidade começava a ocupar a outra margem do rio Pinheiros.
© flickr selmie
As referências, ou pelo menos similitudes, são claras. Em 1949, após quatro anos de projeto, Philip Johnson inaugurava sua casa homônima –Glass House– em Connecticut, Estados Unidos. Johnson viveu nela até sua morte, em 2005, así como Lina viveu toda sua vida na sua Casa de Vidro. Inspirador e, ao mesmo tempo, inspirado pela Glass House, Mies van der Rohe terminava sua prestigiada Casa Farnsworth no ano de 1951, em Illinois, Estados Unidos. As três casas são marcadas pela transparência dos grandes panos de vidro e pela leveza de suas estruturas de aço. Foram projetadas quase simultaneamente e, além disso, à exceção de Johnson, Mies e Lina constroem suas casas em países que não são os seus de origem. Três projetos que apresentam muito em comum, mas que pela consistência projetual e construtiva de cada um, conseguem se identificar com o local e a se destacarem individualmente. Mais que feitos genealógicos, a Casa de Vidro, a Glass House e a Casa Farnsworth são feitos paralelos.
© Arquilove
Uma das primeiras intenções de Lina foi conservar o perfil natural do terreno, muito inclinado, o que influiu para que a frente da casa fosse construída sobre pilotis, mas sem deixar de fazer referência a um dos cinco pontos da arquitetura propostos por Le Corbusier. A parte de trás da residência ficou, por conseguinte, apoiada em muros de concreto diretamente sobre o terreno. Esse aspecto maciço da porção posterior se contrapõe com a leveza da porção sul e sua fachada principal, criando um rico diálogo entre transparência e opacidade, natureza e construção, interior e exterior, que trás novamente à mente os exemplos das primeiras casas corbusierianas.
Ficha técnica:
· Arquitetos:Lina Bo Bardi
· Ano: 1951
· Tipo de projeto: Residencial
· Status:Construído
· Materialidade: Vidro e Metal
· Estrutura: Concreto
· Localização: São Paulo, Brasil
· Implantação no terreno: Isolado
https://www.archdaily.com.br/br/01-12802/classicos-da-arquitetura-casa-de-vidro-lina-bo-bardi
Os segredos por trás da Casa de Vidro Lina Bo Bardi
ARQUITETOS
A Casa de Vidro de Lina Bo Bardi é fruto de um sonho que virou realidade, um projeto que marcou época e que, hoje, faz parte da história da arquitetura brasileira.
Quem não gostaria de morar em “uma casa no campo” (como diz a música), só que, na verdade, localizada em um bairro (na época) um pouco distante do centro de uma grande metrópole, em meio a um enorme terreno arborizado?
Parece o sonho de muitos arquitetos, não? Pois foi isso que Lina Bo Bardi conseguiu com a Casa de Vidro.
Casa de Vidro de Lina Bo Bardi: Escadas
Nesta postagem, você vai conhecer mais detalhes sobre essa habitação que é muito conhecida por arquitetos, mas pouco divulgada entre aqueles que não estão diretamente ligados a esta área de atuação.
E se antes de começar a descobrir os mistérios da Casa de Vidro de Lina Bo Bardi você quiser conhecer mais sobre a vida e obra dessa arquiteta brasileira, confira também esta postagem de nosso blog: Lina Bo Bardi – biografia, curiosidades, as principais obras e o legado do MASP
Transparência e autenticidade: conheça a Casa de Vidro de Lina Bo Bardi
Apesar da fachada de vidro com vista para o imenso bosque, repleto de árvores, ser o que mais chama atenção na casa de vidro – e inclusive lhe valeu o nome –  a edificação foi cuidadosamente projetada por Lina para proporcionar o lar ideal para ela e seu marido, Pietro Maria Bardi, tanto que, dentre os diversos cômodos, um deles é uma cozinha industrial, porque Pietro era apaixonado por culinária.
Casa de Vidro: Entrada
Casa de Vidro Lina Bo Bardi: Cozinha
Detalhes como este fazem o encanto da Casa de Vidro no momento histórico em que foi criada.
Confira, nos parágrafos seguintes, um pouco mais da fascinante história da Casa de Vidro de Lina Bo Bardi, morada do casal Bardi por cerca de 40 anos.
Veja também: O MASP de Lina Bo Bardi: bruta simplicidade
Mas se você não está se segurando de curiosidade para saber sobre a Casa de Vidro, então assista este belíssimo vídeo, produzido pela Revista Época, que pode ser um interessante “aperitivo” para diminuir sua ansiedade:
Começando com o pé direito
Que arquiteto pode dizer que seu primeiro projeto construído se tornou um marco para todo um movimento cultural?
Edificada entre 1950 e 1951, a Casa de Vidro de Lina Bo Bardi, situada na antiga Fazenda de Chá da família Muller Carioba (localização que hoje corresponde a uma região do bairro nobre do Morumbi, em São Paulo) se transformou em um verdadeiro ícone da arquitetura moderna no Brasil.
Casa de Vidro Lina Bo Bardi: sala
A Casa de Vidro é pioneira em diversas sentidos, pois foi a primeira residência a ser construída no bairro.
Espaço idealizado para a convivência com os amigos, a Casa de Vidro de Lina Bo Bardi acabou servindo como um efervescente foco de encontro de artistas e intelectuais da época – do brasileiro e estrangeiros -, como Glauber Rocha, Aldo van Eyck, Max Bill e muitos outros.
 
 
Casa de Vidro Lina Bo Bardi: cadeiras projetadas por lina bo bardi
Leveza estrutural para não alterar a topografia do terreno
Vidro e aço são as marcas da Casa de Vidro, que assim ganhou uma leveza impressionante, parecendo estar flutuando sobre o terreno, quando, na verdade, é sustentada por estacas de aço estrategicamente dispostas.
Além disso, as amplas áreas envidraçadas e sem paredes da Casa de Vidro promovem um duplo efeito: ao mesmo tempo que permitem apreciar a beleza natural do entorno, por parte de quem se encontra em seu interior, também ressaltam ainda mais o aspecto de uma construção criada para não se sobrepor a paisagem, mas completá-la, sem roubar suas características naturais.
Casa de Vidro Lina Bo Bardi: Janelas
E se as janelas da casa de Vidro de Lina Bo Bardi a colocam como que inserida na natureza, isso se deve também a mais um talento menos conhecido da arquiteta: o paisagismo.
Revitalização da vegetação local
O jardim da Casa de Vidro tem uma área de nada menos que 7 mil m², mas se engana quem pensa que a vegetação é nativa e se encontrava assim no início da construção.
Mesmo que em um pátio interno tenha se conseguido manter uma árvore que restou da vegetação nativa, o mesmo não pode ser dito em relação a boa parte do restante do jardim da Casa de Vidro. Afinal, ali se encontrava uma fazenda de chá, que havia desmatado boa parte da cobertura vegetal original.
Casa de vidro: vegetação
Em um trabalho de paisagismo invejável, Lina foi transformando o local pouco a pouco, criou trilhas e recantos, até que conseguiu que um belíssimo bosque tomasse forma onde antes só havia vegetação miúda.
Conheça também a história de Roberto Burle Marx e como a natureza era usada em suas obras.
Transparência nas áreas comuns, privacidade quando necessário
A Casa de Vidro é claramente dividida em dois espaços distintos.
Em um deles, onde a luz entra arrebatadora pelas enormes janelas de vidro, se encontra o salão principal da Casa de Vidro, que ocupa toda extensão frontal do pavimento, que era onde os Bardi recebiam os artistas e intelectuais.
Casa de Vidro Lina Bo Bardi: Áreas Comuns
Casa de Vidro Lina Bo Bardi: estante
Na parte de trás, onde ficam os dormitórios, cozinha e áreas de serviço, o vidro é substituído por paredes, garantindo a privacidade do casal.
Vale destacar um dos acessos da Casa de Vidro, por meio de uma escada aberta, em dois lances, que parece brotar da encosta levemente
inclinada e se introduzir, sorrateira, por debaixo do grande salão envidraçado.
A plataforma entre os dois lances, voltada para o jardim, parece um pequeno mirante, como que uma parada de reflexão para o visitante, que dá uma última olhada na natureza ainda do lado externo da casa, antes de poder fazer o mesmo por detrás de seus vidros, já imerso no ambiente inspirador da Casa de Vidro
© flickr maíra martines
A estrutura vertical se compõe por esbeltos tubos de aço, dispostos em um modulação de quatro módulos de largura por cinco de profundidade. Formam o pilotis da residência e avançam pela laje do piso superior até alcançarem a laje de coberta, ambas de concreto armado. A casa se vê, assim, como uma caixa transparente flutuante em meio da natureza. De modo a tirar o máximo de proveito da privilegiada vista que se despega para a cidade, a casa foi projetada com o mínimo de proteção, de tal modo que as grandes janelas não possuem guarda-corpo. Assim, ao mesmo tempo que a casa atua como um refúgio, proporciona uma vida em constante contato com a natureza e contemplação da paisagem. O casal Bardi pretendia, com isso, desfrutar dos nasceres e pores-do-sol, das chuvas e tempestades, das mudanças naturais.
© Arquilove
A casa está dividida em duas porções bem definidas. A primeira representa o salão de estar e jantar, dominada pelas grandes aberturas de vidro. Ocupa toda a largura e os dois primeiros módulos da profundidade da residência. Ao centro desse salão se encontra um pátio, no qual foi mantida uma árvore remanescente da vegetação local. Além de servir como elemento de amenização climática, possibilitando ventilação cruzada nos dias quentes, esse elemento reforça o desejado contato com a natureza, além de, mais uma vez, fazer menção aos mestres modernos, através das casas-pátio de Mies van der Rohe. Uma escada aberta, feita com estrutura de aço e degraus de granito, é o acesso principal ao andar superior da casa. Seu desenho de linhas simples é o único elemento que se sobressai no vazio do pilotis.
© flickr caio meirelles
A segunda porção é formada pela área dos dormitórios e de serviços, os quais ocupam os três módulos posteriores e configuram a parte maciça e opaca da casa. Os dormitórios são adjacentes ao salão de estar e a área de serviços forma o último módulo, a norte. Conectando essas duas faixas está a cozinha, que junto a outro patio aberto, mais amplo que aquele do salão de estar, conformam a faixa central dessa porção maciça da residência. O patio é mais uma vez um elemento essencial para o conforto da casa, permitindo a ventilação de todos os dormitórios. No primeiro piso, além disso, se encontram as zonas de máquinas e a garagem.
© wordpress casasbrasileiras
Em 1987, a Casa de Vidro foi tombada pelo CONDEPHAAT como patrimônio histórico do estado de São Paulo e desde 1995 é sede do Instituto Lina Bo e P. M. Bardi e abriga parte da coleção de arte adquirida pelo casal ao longo de suas vidas.
https://www.vivadecora.com.br/pro/arquitetos/casa-de-vidro-lina-bo-bardi/
Conheça a Casa de Vidro — a primeira obra de Lina Bo Bardi
14/05/2018
O que é preciso para construir um lar para a vida toda? Para Lina Bo Bardi, foi necessário ter inspiração e coragem para conceber a Casa de Vidro ou Casa do Morumbi. Foi o primeiro projeto finalizado da arquiteta de origem italiana, construído no Brasil em uma época nacionalista e com pouca abertura para mulheres. Descubra mais!
Em outro post, já detalhamos como foram a vida e a obra de Lina Bo Bardi, e o arquiteto Marcelo Ferraz também nos contou sobre a sua experiência no trabalho de décadas com a arquiteta. Agora, é hora de entender com mais profundidade a primeira obra construída pela ítalo-brasileira: a Casa de Vidro.
No coração do Morumbi, Lina construiu a casa em que passou grande parte da vida no Brasil — e que marcou a arquitetura do país que ela escolheu como lar. Confira!
Por que Lina Bo Bardi se tornou um ícone?
Lina Bo Bardi nasceu em Roma, em 1914, o mesmo ano em que a Primeira Guerra Mundial teve início. Ela faleceu em 1992, aos 78 anos, e sua trajetória pessoal e profissional se misturam, de muitas formas, aos avanços e contradições do século XX.
Hoje, as mulheres são maioria nos cursos de Arquitetura e Urbanismo no Brasil. Mas, quando Lina graduou-se como arquiteta na Universidade de Roma, em 1939, a realidade era bem diferente. O terreno para mulheres exercerem a profissão era ainda mais árduo do que é atualmente.
O começo da carreira da arquiteta coincidiu com a eclosão de mais uma guerra mundial e a união dela ao Partido Comunista clandestino contra o fascismo. A experiência traumática nos anos de guerra ajudou, justamente, a moldar a visão de Lina sobre a função de uma casa. No livro “Lina por escrito”, organizado em 2009 por Silvana Rubino e Marina Grinover, um texto da própria arquiteta explica:
(…) enquanto as bombas demoliam sem piedade a obra do homem, que compreendemos que a casa deve ser para a ‘vida’ do homem, deve servir, deve consolar; e não mostrar, numa exibição teatral, as vaidades inúteis do espírito humano.
Para ela, a casa deveria ser “uma aliada do homem, ágil e serviçal, e que pode, como o homem, morrer”.
UMA ARQUITETURA PARTICULAR
Quando mudou-se para o Brasil e iniciou os trabalhos no país, Lina estava alinhada aos ideais modernistas correntes do período, mas a obra dela expressou essas ideias de uma forma muito particular. O usuário, esse “homem” ao qual ela alude, era o protagonista dos projetos que concebeu.
Não eram os materiais ou as formas que estavam em primeiro plano nos trabalhos de Lina, mas a vida cotidiana. Ela construía com atenção, levando em conta como seria a experiência de quem frequentasse ou habitasse as obras que projetou.
Mulher e estrangeira, Lina Bo Bardi tornou-se icônica ao experimentar a Arquitetura Moderna ao seu próprio modo, desafiando um período ainda mais machista e um Brasil que experimentava grande nacionalismo.
A história e a beleza da Casa de Vidro
Em 1946, Lina mudou-se para o Brasil com o marido, o jornalista e crítico de arte Pietro Maria Bardi. O empresário Assis Chateaubriand, que o casal conheceu em uma exposição de arte italiana no Ministério da Educação, os convidou a montar e dirigir um museu em São Paulo.
Foi o embrião do atual MASP — também obra de Lina. A primeira versão do Museu de Arte de São Paulo estava longe da Avenida Paulista: era uma adaptação de parte da sede do Diários Associados, grupo midiático de Chateaubriand, na Rua 7 de Abril. Lina assinou o mobiliário e o design de interiores.
A parceria com Chateaubriand foi promissora, e em breve Lina passou a frequentar o Jardim Morumbi, área ainda nova para os empreendimentos paulistas. Ela estava em busca de um terreno para implementar o Instituto de Arte Contemporânea, também uma ideia do empresário. Chateaubriand adquiriu terras na região para construir o IAC, mas acabou vendendo-as.
Quem não desistiu do local foi Lina, que se encantou tanto que decidiu fazer naquela área um ateliê e morada para artistas. O projeto foi levado adiante, mas acabou tomando outro rumo, e se tornou a casa da arquiteta e do marido por 40 anos. Era a Casa de Vidro.
UMA “CASA-MIRANTE”
A professora da Universidade Estadual de Goiás, Maíra Teixeira Pereira, estuda com atenção algumas construções de Lina na tese de doutorado As casas de Lina Bo Bardi e os sentidos do habitat.
Para ela, a Casa de Vidro — ou Casa do Morumbi, como Lina a chamava originalmente — é um verdadeiro manifesto arquitetônico, idealizada pelo casal Bardi como “uma resposta à burguesia paulistana considerada por eles de mau gosto, que ainda concebia os casarões de estilo históricos e aos arquitetos que duvidavam da capacidade de Lina”.
Lina tinha à disposição um terreno de 7.000 m² de natureza e escolheu construir a casa e um jardim em uma área de vegetação mais rasteira em meio à zona virgem de Mata Atlântica. À época, era possível vislumbrar a capital paulista no horizonte.
A fachada de vidro que permeia o amplo espaço de convivência da edificação traz a paisagem
para dentro da casa e, sob a perspectiva da professora Maíra, faz com que ela seja uma “casa-mirante”.
Uma construção como a Casa de Vidro, na visão da professora, constrói o espaço para o indivíduo moderno, da liberdade, que busca avançar em direção ao horizonte. Não é um indivíduo que se esconde, é quem quer conquistar o mundo.
“Essa é a casa de uma conquistadora. Ela permite que o olhar avance sobre o horizonte da cidade de São Paulo, talvez o lugar que Lina quisesse conquistar como arquiteta”, diz Maíra.
UMA CASA DE CONTRASTES
Em 1951, a Casa de Vidro foi a primeira obra de Lina a sair do papel e ser finalizada. Ao longo do tempo, seu traço amadureceu e se modificou bastante, culminando em projetos conceitualmente mais complexos, como a reforma do Solar do Unhão e o Sesc Pompeia. Mas, já nessa obra inaugural, é possível perceber uma característica que sempre a acompanhou: o gosto pelos contrastes.
A Casa de Vidro é composta por dois blocos principais: um volume de aço e vidro, suspenso por pilotis, comportando a sala de convivência (living) e a biblioteca, e um volume opaco e caiado, preso diretamente ao chão. Entre eles, uma cozinha com eletrodomésticos que, à época, eram de última geração.
Essa solução vence a topografia do local, ao respeitar o desnível do terreno. Ao mesmo tempo, os pilotis são a melhor alternativa para tocar o menos possível a natureza ao redor.
O volume principal, suspenso sobre pilotis, é industrial, fabril, enquanto o volume do fundo apresenta uma arquitetura que a professora Maíra chama de tradicional, em que Lina faz referência à casa caiada brasileira:
Ela traz da Itália esse diálogo que os italianos também propuseram, entre moderno e tradicional, e aqui ela amplia inserindo as referências populares, da arquitetura simples, do homem comum.
UMA CASA PARA A MULHER
Embora não se declarasse propriamente feminista, Lina engajava-se nas questões de libertação feminina correntes no período. A Casa de Vidro, segundo a professora Maíra, é um exemplo da preocupação de Lina com a influência da arquitetura sobre a rotina das mulheres, em especial aquelas que ganhavam terreno na vida profissional, mas ainda não conseguiam se dissociar por completo dos papéis domésticos.
“A casa tinha que ajudar muito essa mulher autônoma, mais independente, mas que dificilmente tinha como se livrar, vamos dizer assim, do trabalho doméstico”, diz a professora.
Por isso, uma casa moderna precisava ter uma cozinha mecanizada e racional. “Então Lina concebe uma casa mais funcional e mais prática para a mulher, para que ela pudesse ter uma vida fora de casa, que não fosse só a vida doméstica. O próprio mobiliário deveria ajudar essa mulher a fazer tudo de maneira mais rápida”.
https://archtrends.com/blog/casa-de-vidro-lina-bo-bardi/
ARQUITETURA  ESPECIAL BDA  INSPIRAÇÃO  PAISAGISMO
CONHEÇA TODOS OS DETALHES DA CASA DE VIDRO, DE LINA BO BARDI
Lina Bo Bardi foi uma das arquitetas mais importantes do século XX, uma pioneira do modernismo brasileiro. Ela elaborou projetos de extrema importância, nas mais diversas áreas artísticas, desde à construção civil até o design gráfico. Teve ideias revolucionárias, criou projetos de formas limpas e sem ornamentação, explorou novas tecnologias e materiais, como o concreto armado e o aço. Acabou ganhando muitos prêmios e serviu de fonte de inspiração para pessoas do mundo inteiro. Por isso, hoje, suas obras são estudadas pela academia juntamente com as de outros profissionais famosos, como Le Corbusier. Dentre as suas obras no Brasil, uma das mais conhecidas é a Casa de Vidro.
Em 1951, Lina se dedicou a projetar e construir sua própria residência. Apelidada de “Casa de Vidro”, esta obra é considerada como uma das mais emblemáticas de sua carreira – inclusive alavancando-a. Ela foi implantada em um grande terreno, parte de um loteamento de um bairro ainda não habitado em São Paulo, o Morumbi. O ambicioso esquema de showroom foi inspirado nas ‘Case Study Houses‘ americanas. E foi exatamente neste local que Lina e Pietro Maria Bardi, seu esposo, escolheram para viver durante 40 anos.
Vista do acesso e fachada principal da Casa de Vidro. (imagem extraída de Casa Cor)
+ SOBRE A IMPLANTAÇÃO DA CASA DE VIDRO
A Casa de Vidro foi construída em um terreno com 7 mil metros quadrados, às margens do Rio Pinheiros, onde antes havia uma antiga fazenda de chá. O local era então dominado pela Mata Atlântica, repleto de bichos selvagens. Lina tentou, ao máximo, preservar cuidadosamente esta vegetação – mas claro que a vegetação que se encontra ao redor da residência não é mais a mesma de desde o início da construção. A arquiteta moldou a paisagem pouco a pouco, criando trilhas decoradas – com cacos de cerâmica – e recantos repletos de novas espécies naturais.
Croquis que a arquiteta Lina Bo Bardi desenvolveu no início do projeto da Casa de Vidro. (imagens extraídas de Instituto Lina Bo Bardi) Planta Baixa da Casa de Vidro. (imagem extraída de Cargo Collective)
Não demorou muito para que, onde antes só havia vegetação miúda, se desenvolvesse um belíssimo bosque. A floresta particular de Lina Bo Bardi parece, hoje, invadir a casa envidraçada. As grandes janelas instaladas – sem qualquer guarda-corpo de proteção – não limitam interiores e exteriores. Pelo contrário, são elas que proporcionam aos usuários destes espaços a valiosa relação com a natureza, a contemplação da paisagem e a ventilação cruzada em dias quentes. Até mesmo uma árvore foi mantida pela arquiteta em um pátio interno descoberto, localizado entre as salas principais da residência.
Vão central da Casa de Vidro. As grandes aberturas de vidro fazem a integração do interior com o exterior. Destaque para a espécie natural preservada por Lina Bo Bardi. (imagem extraída de UOL) Planta de Corte da Casa de Vidro. (imagem extraída de Pinterest)
+ SOBRE O PROJETO ARQUITETÔNICO DA CASA DE VIDRO
Na Casa de Vidro, Lina Bo Bardi exercitou uma arquitetura verdadeiramente poética. Assim como em muitos de seus outros projetos, ela expressou mais do que simples estilos e tendências estéticas, mas convicções. Lina Bo Bardi disse que “a finalidade da casa é a de proporcionar uma vida conveniente e confortável, e seria um erro valorizar demais um resultado exclusivamente decorativo.”
O plano original partiu de uma lógica racionalista. A edificação foi adequadamente posicionada sobre as colinas. O volume principal é uma caixa transparente bastante imponente, mas elegante e simples ao mesmo tempo. Nele estão as salas principais e a biblioteca, cercadas por janelas de vidros. 
Vistas dos interiores da Casa de Vidro. (imagem extraída de Amuse e Pinterest)
O acesso principal da casa de vidro é feito por uma escada em aço, que vai do nível térreo ao andar superior. Este é um elemento importante, que se sobressai no vazio, em meio às outras peças da estrutura.  Ainda no mesmo piso estão a casa de máquinas e a garagem. Posterior a isso, numa área maciça e opaca, de poucas aberturas, estão os dormitórios e a área de serviços. Conectando as duas partes está a cozinha ampla e industrial.
Escadaria que dá acesso ao segundo pavimento – e entrada principal – da Casa de Vidro. (imagem extraída de UOL)
Planta de Corte da Casa de Vidro. (imagem extraída de Archdaily)
+ SOBRE O PROJETO ESTRUTURAL DA CASA DE VIDRO
A Casa de Vidro é como uma caixa, flutuando de forma equilibrada sobre finos pilares de aço e vigas delgadas de concreto armado –  isso faz referência aos cinco pontos da arquitetura, propostos por Le Corbusier. Apesar do projeto arquitetônico ser de Lina Bo Bardi, foi o engenheiro Tullio Stucchi que executou os cálculos estruturais. A ideia dos profissionais era aproveitar o perfil natural do terreno inclinado para construir a zona de serviços, na parte de trás da residência, sobre muros de contenção. Já o módulo principal, com planta baixa livre e janelas em fita, foi dividido rigorosamente por uma malha estrutural vertical, com quatro módulos de largura por cinco de profundidade.
Planta de Elevação da Casa de Vidro, vista da fachada principal.
(imagem extraída de Cargo Collective)
+ INSTITUTO LINA BO BARDI
“A intenção deles era criar um lugar que servisse de centro de pesquisa e debate sobre arquitetura, arte e design brasileiros, e não só um espaço para homenagear a memória dos dois.” – Sonia Guarita Amaral, museóloga e presidente do instituto, em entrevista para a Casa Claudia.
Além de ter sido o endereço de Lina e Pietro durante muitos anos, a Casa de Vidro chegou a ser utilizada como residência temporária para artistas do Instituto de Arte Contemporânea de São Paulo. Em 1987, a Casa de Vidro foi tombada pelo CONDEPHAAT – Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico. Depois disso, ela tornou-se um local de convivência para arquitetos e intelectuais; e também de concepção e exposição de projetos. Hoje, ela funciona como o Instituto Lina Bo e P.M Bardi, onde o visitante pode ver arquivos preciosos que relatam a vida pessoal e profissional do casal, além outras coisas interessantes.
https://www.blogdaarquitetura.com/casa-de-vidro/
Lina Bo Bardi. 1951: Casa de Vidro, 1964: “Niente Vetri” (Pavilhão e recinto: o desenvolvimento de dois tipos)
Carla Zollinger
· 
· 
· 
· 
· 
· 
· 
· 
· 
· 
· 
· 
· 
· 
· 
· 
· 
· 
· 
· 
· 
 
 
Ilustração para contos infantis, Itália, 1942. Formas-tipo: "o pavilhão", "o recinto para os animais", "a piazzale de esculturas" e "o carrossel"
1/21
 
· 
· 
· 
· 
· 
· 
· 
· 
· 
· 
· 
· 
· 
· 
· 
· 
· 
· 
· 
· 
· 
 
Em um desenho de Lina Bo Bardi, publicado ainda na Itália antes da sua chegada ao Brasil, aparece um conjunto de elementos, ou tipos, que iriam se repetir em seus projetos posteriores.
O olhar que percorre esse desenho de Lina Bo Bardi vislumbrando toda a sua obra é a origem dessa reflexão pois, como afirma Olivia de Oliveira, a constante repetição dos mesmos elementos na obra de Lina Bo Bardi permite sua leitura sincrônica: em sua arquitetura a noção cronológica do tempo é diluída (2).
Lina anuncia as formas arquetípicas que iria desenvolver em seus futuros projetos. Mas com Carlos Martí Arís sabemos que a relação entre tipo e projeto só existe enquanto aquele opera em um jogo recíproco de elementos arquitetônicos, cujo resultado é o projeto (3). Não existe tipo sem projeto. Sem o saber, Lina havia começado a projetar naquele instante em 1942 algumas de suas obras mais conhecidas, como a Casa de Vidro, concretizada apenas em 1951.
Avançando no tempo alguns anos depois, o edifício projetado por Lina Bo Bardi para as Exposições de Comemoração do IV Centenário da Fundação de São Paulo, o projeto para o Museu de São Vicente e a Casa de Vidro possuem um princípio comum: é constante em todos os projetos uma tendência à extroversão, já que se caracterizam por compor-se de um limite zenital e, nas fachadas, prescindir de muros, possuindo, em seu lugar, paredes de vidro.
Ainda que a casa ou o museu tenham distintos programas, o processo que decanta sua forma, a abertura ao entorno, trabalha para que em todos seja adotado um tipo de organização espacial em que os volumes são construídos por um teto e abertos lateralmente.
A abertura ao horizonte corresponde também a uma relação particular com o entorno. Elevados por pórticos ou apoiados em pilotis, a Casa de Vidro e o Museu de São Vicente, mas também o edifício do IV Centenário de São Paulo, todos configurados por uma geometria prismática, situam-se na paisagem como atalaias.
São lugares de observação da natureza, pois constituem-se em edificações isoladas e elevadas do chão: o que possibilita uma visão dilatada do entorno.
Um volume limitado por um teto e aberto lateralmente: Essa forma-tipo é aquela do pavilhão da ilustração que acompanhava contos infantis, publicada na Itália em 1942, na qual Lina realizou precocemente um inventário das formas-tipo presentes em sua obra.
Lina retrata, no mesmo desenho, um universo de formas: uma construção porticada aberta ao exterior, um cercado, uma praça e um brinquedo para crianças. Esses espaços, Lina os nomeou respectivamente como "o pavilhão", "o recinto para os animais", "a piazzale de esculturas" e "o carrossel" (4).
O pavilhão, apoiado sobre uma base levemente elevada do solo, sobre o qual os degraus se desdobravam em um dos lados da base, é uma construção de pórtico e pérgola em madeira, aberta à paisagem. O pavilhão é um pequeno salão ou templo de onde observar a natureza.
Esse elemento é reproduzido na zona do salão da Casa de Vidro, dedicada à sociabilidade e aberta à paisagem. Ora, Lina havia desenhado a estrutura vertical do salão, durante uma etapa do projeto, como um tronco cuja base assemelhava-se à raiz de uma ávore, aproximando-se ainda mais ao pavilhão do desenho.
A Casa de Vidro, residência que Lina construiu para si própria e P.M. Bardi, possui também uma zona recolhida, que agrupa dependências de serviço e dormitórios. Porém em todos os croquis que Lina realizou para a Casa de Vidro retratava-se apenas a zona aberta, do pavilhão. Os espaços íntimos da casa são como os espaços resguardados do templo, ao qual tanto se assemelha "o pavilhão".
O pavilhão da ilustração é reproduzido não apenas na Casa de Vidro, mas no edifício de Exposições e no Museu de São Vicente, que no entanto não foram construídos.
A Casa de Vidro está elevada do terreno, sobre pilotis. Olhando a fotografia publicada por Lina quando da construção da casa, tem-se a impressão de que a casa esteja completamente elevada do chão, assim como o Museu de São Vicente se separa da areia. Porém a Casa de Vidro está apenas parcialmente alçada do solo, justamente o módulo tipo pavilhão da casa. No seu lado posterior, a construção apóia-se na cumeeira do terreno.
O pavilhão, próximo à palafita e ao templo, é utilizado por Lina como salão de exposição e coleção de obras de arte. Essa relação é percebida por Carlos Eduardo Comas quando identifica na obra de Lina Bo Bardi a utilização de uma forma-tipo construída por um interior vazio e limitada por uma pele perimetral, tendente a gerar caixas, salões e galpões (5).
A Casa de Vidro fazia parte de um projeto do casal Bardi de incentivar artistas e arquitetos residentes em São Paulo a transladarem-se ao Jardim Morumbi e criarem ali suas residências-ateliers. Mais que residência, o projeto era montar ateliers, oficinas, salões para exposição, para reunião, que povoariam o novo bairro, da mesma forma que o interior vazio do pavilhão era povoado de objetos, cadeiras, coleções, miniaturas reunidos por Lina Bo e P.M. Bardi.
Porém, a obra de Lina Bo Bardi é também recinto ou cidadela. Olhando o conjunto das formas na ilustração, essa forma-tipo corresponde àquele outro elemento que Lina desenhou ao lado do pavilhão: o «recinto para animais». O cercado, a defesa, ou paliçada concentram a idéia de cidadela.
Oito anos após o projeto da Casa de Vidro e do Museu de São Vicente, Lina projetou a Casa para Valéria Cirell, muito próxima à Casa de Vidro, separada desta pela Avenida Morumbi.
Na Casa Cirell, a forma-tipo recinto ou cidadela foi desenvolvida resultando em uma construção de pequena escala cujo exterior agregava uma textura que mimetizava a casa com seu entorno.
Assim, a Casa Cirell protegia-se como uma fortaleza, um abrigo, como o pequeno recinto para os animais da ilustração, uma pequena cidadela.
Lina Bo Bardi utilizou frequentemente o termo cidadela, ou fortificação,  para referir-se à sua arquitetura. Assim como o recinto, essa forma consistia em cercar e proteger um espaço.
A cidadela foi utilizada por Lina tanto em projetos para casas como para museus e templos. Nesta forma-tipo, o muro defende os espaços cercados, abrigados, que resguardam-se como se fossem fortalezas, independentemente de seu tamanho. Há na obra de Lina cidadelas pequenas e recintos em grande escala.
O recinto é um espaço circundado de muros lateralmente e aberto zenitalmente e aparece em diversas obras da arquitetura moderna, especialmente naquelas que se originam da operação de murar um pátio interior.
Porém, na Casa Cirell o recinto não corresponde ao pátio. Na obra de Lina Bo Bardi o recinto
é um espaço circundado de muros e coberto. Assim mesmo, a cobertura agrega também uma abertura zenital, que não se estende em todo o perímetro murado, e sim equivale à clarabóia.
Como o recinto possui teto, ou melhor, a abertura zenital do recinto responde apenas a uma pequena porção da área interior, Lina constrói o pátio sobre o teto; ou seja, todo o coroamento interior do cinturão é ocupado por vegetação na Casa Cirell. Portanto a vista desde o exterior é de um perímetro murado que guarda uma mata em seu interior.
Não obstante, na Casa Cirell o espaço entre os dois recintos que formam a cidadela configura um pátio. Este, aberto por dois lados, desprotegido, enfatiza a sensação de que o verdadeiro pátio da casa está sobre o teto.
A hibridação já estava presente no inventário de formas da ilustração. Já se nota essa mistura entre as duas formas-tipo no desenho realizado por Lina de uma construção prismática murada, com uma pequena janela quadrada sobre a qual se debruçam dois personagens. O recinto, composto por paredes grossas, parece esconder atrás dos muros um pátio. No entanto, o que desponta do interior da construção é um toldo plissado e sustentado por uma fina armação. E esta tenda está disposta também como coroamento da edícula, rematando-a. Aqui, o que Lina desenha sobre o recinto é um pavilhão.
O desenho dessa fortaleza-pavilhão faz parte da mesma ilustração para contos infantis em que Lina propõe a coleção das formas-tipo que usa em sua obra. Lina não o nomeou, mas o colocou justamente numa posição intermediária na borda do riacho que conecta os desenhos do «pavilhão» e do "recinto". O desenho anunciava que o pavilhão no recinto e o recinto no pavilhão já eram precocemente temas da arquitetura de Lina Bo Bardi.
No projeto da Casa Cirell, Lina deixa alguns ingredientes – como o vidro –  para adquirir outros, como uma troca de pele dos répteis, que não quer dizer uma mudança a opostos. A cidadela conserva elementos do pavilhão, que são o pórtico dianteiro, de estrutura desmontável, e a base elevada do solo. Todos esses elementos estão no pequeno pavilhão desenhado na ilustração.
Projetada em 1958, pouco tempo depois da Casa Cirell, a Casa do Chame-Chame, na Bahia, repete os elementos essenciais daquela: muros coroados por jardins formando um cinturão contínuo.
No processo de projeto da Casa do Chame-Chame, um pátio foi definido como o centro da casa em diversas versões do projeto. Numa das versões finais, toda a casa encurvava-se para circundá-lo. A casa identificava-se a um recinto no qual a parte construída correspodia ao muro e o centro, ao pátio. Porém, o tamanho do pátio vai se reduzindo progressivamente e no último momento deixa de existir. Seu vestígio permanece no terraço-jardim, como ocorre na Casa Cirell.
O teto é um elemento essencial para compreender a arquitetura de Lina Bo Bardi. Não é casualidade que o teto-jardim esteja presente em diversos projetos, inclusive na Casa de Vidro, e que o Museu de Arte de São Paulo seja um espaço público definido por um teto.
Durante toda a transformação do projeto para a Casa do Chame-Chame, desde as primeiras propostas, com pilotis e terraços, até o projeto de casa murada ou casa-fortaleza, as versões de pavilhão e recinto se alternam e se miscigenam, anunciando a improbabilidade da persistência de um pátio central e tradicional. A operação aporta em uma casa-recinto híbrida, cujo pátio corresponde ao terraço: ao teto-jardim. O teto permanece como elemento decisivo, porém associado ao muro, o que faz com que a casa assemelhe-se tanto a uma fortificação (6).
Na Casa do Administrador do Unhão, que Lina projeta no terreno do Conjunto do Unhão, ela finalmente realiza o projeto de uma casa totalmente circundada de pedras e coberta por um teto-jardim, sem nenhum vidro, ou “Niente Vetri”, como ela anota.
A Casa Unhão, ou Casa do Administrador do Unhão, ao mesmo tempo recinto e pavilhão, é formada por uma continuidade entre muro de pedra e teto-jardim. Como uma segunda pele, Lina circunda o recinto de pedra com um pórtico de madeira e sapé, que serve de galeria exterior conectando toda a frente e lateral da casa e, ao mesmo tempo, separando-a do chão.
Assim como as casas-recinto possuem teto, elemento definidor do pavilhão, inversamente, os pavilhões desenhados por Lina Bo Bardi agregam sempre o pátio.
Este pode ser uma abertura zenital ou pátio de iluminação que, no entanto, tende a ser extrovertido como o próprio pavilhão. A operação consiste em retirar um pedaço do teto, isto é, retirar uma fatia do próprio pavilhão, abrindo-o ainda mais ao exterior.
O mesmo procedimento é repetido na Casa de Vidro e nos projetos para o edifício de exposição do IV Centenário de São Paulo e para o Museu de São Vicente. O pátio é uma incisão no teto, uma abertura, uma janela mais.
O pátio e o pavilhão se distinguem por princípios próprios, porém a sua utilização em conjunto não é estranha na arquitetura moderna, como afirma Carlos Martí Arís:
"O pavilhão e o pátio são dois princípios arquitetônicos supostamente antitéticos. O pavilhão se baseia na formação de um teto e tende à extroversão. O pátio se baseia na formação de um recinto e busca a introversão. No entanto, estes princípios não são excluentes. Podem aparecer juntos e atuar de um modo complementário."(7)
Na obra de Lina Bo Bardi o pátio no pavilhão enfatiza a expansão do pavilhão, sua abertura, e o pavilhão no pátio aprofunda sua introversão, abrigando ainda mais a sua pele, protegendo com uma segunda e frágil camada seu perímetro exterior.
Na Casa de Vidro, além do pátio central com árvore, contido no pavilhão, há o Pátio das Rosas. Olhando a casa ao revés, desde a perspectiva que as fotografias pouco mostram (8), percebe-se que existe outro pátio, muito mais fechado que o pátio de luz do pavilhão. Um pátio silencioso que forma um recinto, fechado por três muros, habitado por cágados e outros bichos e pouco acessível inclusive para os moradores da casa. Lina deu-lhe o nome de Pátio das Rosas. O recinto, completamente apoiado na cumeeira da montanha, convive lado a lado, de tal forma que não se pode separar, com o pavilhão que se avança sobre o vazio.
O pavilhão de vidro: pavilhão surrealista
Em um desenho realizado em 1943, Lina retoma o tema do inventário das formas arquetípicas da arquitetura. Trata-se da litografia “Quarto do arquiteto”, no qual a mesa de trabalho do arquiteto está ocupada por diversas maquetes de edifícios antigos e objetos elementares como a esfera e a pirâmide. Não apenas a mesa, mas todo o quarto está povoado pelas maquetes, que saem do armário, da gaveta, apóiam-se sobre a cadeira, sobre a estante, sobre o solo. O conjunto das formas é composto dos mais variados tipos, entre eles pavilhões e recintos.
Olivia de Oliveira compara o desenho de Lina Bo Bardi a um quadro realizado por De Chirico em 1927, em que duas estátuas sustentam fragmentos arqueológicos. As ruínas de construções antigas se amontoam sobre o colo das figuras. O quadro se intitula “Os arqueólogos”. Porém, como a autora observa, as maquetes arquetípicas de um arquiteto tem um valor de uso, são ferramentas de trabalho, enquanto os fragmentos do arqueólogo têm um valor contemplativo, fazem parte apenas de um passado a ser preservado (9).
Para o arquiteto, as formas arquetípicas importam sobretudo ao presente. Lina Bo Bardi está buscando essa afirmação, ao retratar, indiferentemente, sem hierarquia, os monumentos de distintas épocas. Estes já não servem ao passado, seu uso atual dissipa a aura do exemplo.
A coleção é composta por formas puras e formas hibridizadas, não importa, aqui se trata de uma colagem, há uma maquete de torre-minarete sobre um pavilhão moderno, há templos perípteros, anfiteatro, coreto, castelo, forte, colunata, espalhados por toda a extensão do quarto do arquiteto.
Como na ilustração de contos infantis, o que Lina Bo Bardi procura é realizar uma coleção. Neste sentido o desenho se relaciona ao quadro de De Chirico, mas voltam a diferir quanto ao caráter da coleção. Enquanto no desenho de Lina
Bo Bardi, a reunião das figuras lhe aproxima ao surrealismo próprio das colagens, em que diferentes formas têm lugar ao lado de outras, no quadro de De Chirico essa liberdade de figuração não acontece, os arqueólogos estão condicionados a uma hierarquia rígida na reconstrução do passado.
Na Casa de Vidro e em outros pavilhões, a aproximação aos mestres surrelistas está na maneira como a arquitetura é apresentada e construída, no interior das paredes de vidro, que contêm, como uma grande caixa, uma coleção de objetos, os quais perdem o seu tamanho real para tornarem-se menores e mais numerosos, e assim povoar o interior da caixa que se prolonga na paisagem exterior.
A maneira com que Lina Bo Bardi utiliza as formas-tipo na sua obra relaciona-se a essa forma surrealista de operar que tem nos croquis-coleções e nas colagens sua expressão mais pujante.
Essa operação não se dará em toda a obra de Lina com os mesmos materiais da Casa de Vidro e de forma tão evidente como nas colagens dessa época. O muro opaco substitui em muitos projetos a pele translúcida. Diferentes materialidades se alternam e se combinam. Por isso, quando Lina anota “Niente Vetri”, isso não quer dizer a negação definitiva do vidro, pois todo processo de projeto de Lina agrega uma matéria-forma e seu inverso.
O pavilhão e o recinto fazem parte de todos os projetos, ainda que suas formas finais se aproximem às vezes a um tipo, às vezes ao outro. A fachada aberta e a fachada introspectiva não se opõem. A obra de Lina Bo Bardi aproxima-se ao surrealismo quando agrega todos juntos, vidro, concreto, pedra, superfície coberta de vegetação, ao projeto como uma colagem.
https://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/07.082/265

Teste o Premium para desbloquear

Aproveite todos os benefícios por 3 dias sem pagar! 😉
Já tem cadastro?

Continue navegando