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Adaptação Auto da barca do inferno Gil Vicente _ 1

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Impresso por Mirian, CPF 916.469.873-49 para uso pessoal e privado. Este material pode ser protegido por direitos autorais e não pode
ser reproduzido ou repassado para terceiros. 28/09/2020 08:56:03
 AUTO DA BARCA DO INFERNO 
 ATO I 
 
 Narrador. 
 Diabo: Vão arrumar a barca! Tá chegando gente! 
 Companheiros: Feito! Feito! 
 (companheiros resmungam) 
 Diabo: Faz direito! E abaixa essa bola aí! 
 Hmmm! Olha quem está vindo! 
 Fidalgo: Pra onde vai essa barca aí? 
 Diabo: Pra Ilha Perdida! Onde as almas clamam por socorro! 
 Fid.: Você vai pra lá? 
 Dia.: Sou eu quem mando lá! 
 Fid.: Parece uma fraude! 
 Dia.: Logo mais você saberá... 
 Fid.: Mas... pra onde que vai mesmo? 
 Dia.: Para o inferno! 
 (companheiros deem risada) 
 Fid.: Nossa, que sem graça. 
 Dia.: Cê tá me tirando? 
 Fid.: Aiai, vai muita gente pra lá? 
 Dia.: O suficiente para me fazer feliz! 
 Fid.: Se você acha... 
 Dia.: Você acha que algo ainda pode te salvar? 
 Fid.: Eu tenho quem ore por mim! 
 Dia.: Alguém ora por você? Por que iriam fazer isso? 
 (toca Tic Tac, min. 0:34) 
 Entra, entra, entra! Assim também entrou seu pai. 
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 Fid.: Meu pai? 
 Dia.: Sim, e pelo jeito isso é de família 
 (fidalgo vai para a barca do céu) 
 Eu ainda não terminei de falar! 
 Anjo 1: O que você quer? 
 Fid.: Essa barca aqui vai pro céu? 
 Anjo 2: Sim, isso te interessa? 
 Fid.: Por acaso você sabe quem sou eu? Sou o Fidalgo, e nessa barca eu tenho que 
 entrar! 
 Anjo 1: Nesta barca não entra qualquer pessoa. 
 Fid.: Por isso mesmo, essa barca não é pra qualquer um, por isso nela eu vou 
 entrar! 
 Anjo 2: Nessa barca não entrarás, porque na terra pecastes fazendo o que não 
 devia. 
 Dia.: Eu avisei que este aqui era o seu destino! 
 Fid.: Tudo bem, aceito. Eu entro, contra a minha vontade, porque você me dá ranço., 
 Dia.: Entra, e sinta-se a vontade, pois essa é a sua nova realidade, vá se 
 acostumando. 
 Fid.: Espera um pouquinho! Vou me despedir da minha mulher que quer se matar 
 por mim. 
 Dia.: Ela quer se matar por você? Oh, marido idiota! 
 Fid.: Mas a gente conversava todo dia! 
 Dia.: E ela te iludia! 
 Fid.: Como assim? Ela não me amava? 
 Dia.: Não! 
 Fid.: Mas, por favor, vai ver como ela está! 
 Dia.: Eu não vou, ela agradeceu que você morreu! O que eu vou fazer lá? 
 Fid.: Mas ela chorou tanto! 
 Dia.: Eram lágrimas de felicidade! 
 Fid.: Que decepção! 
 Dia.: entra e se aconchega, descansa porque vem chegando mais gente! 
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 Fid.: Ai! Tá muito quente aqui! 
 
 
 ATO II 
 
 (diz o diabo ao moço da cadeira (Page) 
 Diabo: Você não precisa entrar aqui não... Já esteve a igreja e aqui não é o seu 
 lugar. 
 Agora, bora galera! A barca é boa, vamos chegar aqui! 
 
 (vem um onzeneiro e pergunta ao diabo) 
 Onzeneiro: Por onde andava? 
 Diabo: Aow, meu amigo! Por que tava demorando tanto? 
 Onzeneiro: Olha... queria eu demorar, mas trabalhei tanto que acabei morrendo 
cedo! 
 Diabo: Milagre né, você trabalhando muito. 
 Onzeneiro: Triste se a morte me quis logo. 
 Diabo: Se você tá tão assim... Entra aqui! 
 Onzeneiro: Não vou ficar aí com você... 
 Diabo: Olha... que grosso. 
 Onzeneiro: Agora que eu to aqui, me responde... Para onde vai isso aqui? 
 Diabo: Pra onde você tem que ir né. 
 Onzeneiro: Vamos partir logo? 
 Diabo: Deixa de conversa... 
 Onzeneiro: Você ainda não me disse... Para onde vai? 
 Diabo: Para o famoso e maravilhoso... inferno! 
 Onzeneiro: Nunca que eu entro aí, tá louco? 
 (onzeneiro vai pra barca do anjo) 
 Onzeneiro: Ei! E aí? Vai logo sair? 
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 Anjo 1: E para onde você pensa que vai? 
 Onzeneiro: Para o tão famoso paraíso! 
 Anjo 2: Aqui? Você tá bem longe de entrar aqui... 
 Onzeneiro: Mas uai, por que? 
 Anjo 1: Porque você vai ocupar muito espaço aqui, me poupe! 
 Onzeneiro: Mas ele vai todo vazio! Juro que perderei os meus bens! 
 Anjo 2: Mas olha... como é feio... 
 (onzeneiro volta a barca do inferno) 
 Onzeneiro: E ai, parceiro. Voltei, e lá na sua terra quero tornar o meu mundo! 
 Diabo: Aow beleza! Entra aqui! E pega um remo! 
 Onzeneiro: Às suas ordens... 
 Diabo: Assim que eu gosto! Assim é o bom servidor de Satanás! 
 (entrando na barca, acha o fidalgo e diz) 
 Onzeneiro: Mas não acredito... o que você faz aqui? 
 Fidalgo: Só dá o que o demo pede! 
 Diabo: Viu? E fidalgo... você que se cuide, se não te bato com esse remo! 
 
 ATO III 
 
 (vem Joane e diz ao diabo) 
 Joane: Ei, você ai! 
 Diabo: Quem tá ai? 
 Joane: Sou eu, ow, essa que é a nossa barca? 
 Diabo: De quem? 
 Joane: Dos tolos...? 
 Diabo: Sua, né. Pode entrar! 
 Joane: Fiquei doente e morri. Não tem nada só pra mim não? 
 Diabo: Morreu de que? 
 Joane: De que? Talve de caganeira... 
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 Diabo: De que? 
 Joane: De diarreia ow, tomara que te de também! 
 Diabo: Ah é? Coloca o se pé aqui! 
 Joane: Só não tombe o barco! 
 Diabo: Entra logo e para de reclamar. 
 Joane: Pera, pera ai, pra onde que a gente vai? 
 Diabo: Ao lugar mais lindo do mundo! O ponto de Lúcifer! 
 Joane: Hahahah... 
 Diabo: Para o Inferno, meu amor, vamos! 
 Joane: Pro inferno? Aopa! Pra barca do chifrudo! Todo errado e cheio de alegria! 
 Ei, da barca! 
 Anjo 1: Quem tá me querendo? 
 Joane: Quer me levar pro outro lado? 
 Anjo 2: Quem você é? 
 Joane: Talvez eu seja alguém... 
 Anjo 1: Olha... acho que não, porque todos os seus feitos, não permite que você 
 entre aqui. ..
 Anjo 2: Vai embora... e ai a gente espera alguém que mereça essa barca. 
 (vem o sapateiro, com suas coisas, até o diabo) 
 (sap. toca campainha) 
 (toca 3 da Manhã, Gustavo Mioto, min: 0:04) 
 Diabo: Olha! Sapateiro honrado! Como você vem tão carregado assim? 
 Sapateiro: Os outros me mandaram vir assim... Mas, para onde vai essa viagem? 
 Diabo: Para o lago dos danados! 
 Sapateiro: E os que morrem sem pecado, pra onde que vai? 
 Diabo: Não adianta vir de conversinha, essa aqui que é a sua barca!Sapateiro: Não me tiraria dessa barca não? Como isso aconteceu se eu to 
 confessado e comungado? 
 Diabo: E se morresse descomungado, ia entrar aqui do mesmo jeito! 
 Sapateiro: Mas vou dizer, que não quero! 
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 Diabo: Querer não é poder, meu anjo! 
 Sapateiro: Quantas missas eu fui... isso não ajuda em nada? 
 Diabo: Ir na missa não te livra disso, meu querido! 
 Sapateiro: E todas as minhas ofertas pra igreja? E as orações pelos mortos que eu 
 fiz? 
 Diabo: O dinheiro foi mal levado e ainda quer recompensa? 
 Sapateiro: Ah, para! Foi de bom coração! 
 (sap vai na barca do anjo) 
 E ai, santa barca, posso entrar aqui? 
 Anjo 1: Sua carga te impede disso 
 Sapateiro: Ah, por favor! 
 Anjo 2: Aquela barca ali que leva os ladrões! 
 Sapateiro: Ah! Eu me orgulho de quem eu era, arruma um cantinho pra mim! 
 Anjo 1: Se você realmente se orgulhasse, poderia entrar aqui! 
 Sapateiro: Já que é assim, vai queimar no inferno. 
 Anjo 2: Você está é na lista das terras infernais! 
 (sap volta pra barca do inferno) 
 Sapateiro: Ei, parceiro! Abre alas que eu to passando! Me leva praquele fogo que é 
 de lá que eu gosto! 
 ATO IV 
 (vem um frade com uma moça pela mão, com um escudo redondo e uma espada, 
 começou a dançar e dizer) 
 Frade: trai-rai- -rã; ta-ra ri -ri -rã; ta-rai-rai- -rã; ta-ra ri -ri -rã; ta-ta; ta-ri -rim-rim; rã. Uha! 
 Diabo: Que isso? 
 Frade: Graças a Deus sou um homem da corte! 
 Diabo: Então você sabe a música do baile? 
 Frade: Claro que sei! 
 Diabo: Então tá bom! Eu vou tocar e ai fazemos o baile. E essa mina ai, é sua? 
 Frade: Aham, minha! 
 Diabo: Ah ta, bem bonita, que coisa bonita! Entra senhor padre! 
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 Frade: Pra onde isso vai levar a gente? 
 Diabo: Para um lugar bem quente... 
 Frade: Pera, não estou entendendo... e a minha roupa? Não vale nada? 
 Diabo: Pobre mundano! Apegado as coisas materiais! 
 Frade: Ah, meu Deus! Não to conseguindo entender! Eu vou ser condenado? Um 
 padre tão bom quanto eu, com tanta virtude! 
 Diabo: Não enche meu saco, entra logo pra gente ir, e tome um par de remos! 
 Frade: não vou não! 
 Diabo: Sua sentença já tá dada! 
 Frade: Só me faltava essa! Como um frade pode ir com tantos salmos rezados? 
 Diabo: Mas pera... até que você está bem arrumado! 
 Frade: bem arrumado está você! 
 Diabo: Padre... 
 (o diabo tirou a mitra) 
 Frade: Mantenha essa coroa! 
 Diabo: Ó, meu irmão... cuidarei disto! 
 Frade: Você sabe que eu fui respeitado pela minha bravura, né? Essa espada não 
 quebra! 
 (frade começa a dar lução de esgrima) 
 Frade: Vamos lutar esgrima! De golpe de baixo pra cima, e de golpe de cima pra 
 baixo! Este é o primeiro movimento! Agora, golpe da direita pra esquerda, e golpe da 
 esquerda pra direita! Agora sim! 
 Diabo: Tá pagando de valentão, é? 
 Frade: Isso não é nada... 
 (frade toma a menina pela mão e vai a barca do céu) 
 Frade: Vamos à barca da glória! (dançando e cantando a música até o anjo) 
 E ai? Tem espaço pra mim e pra minha Florença? 
 Joane: Vai embora! 
 Anjo 2: Seu destino é mesmo o Inferno! 
 Frade: Meu destino é mesmo o inferno... 
 Diabo: Bora? 
 Frade: Vou aceitar essa sentença... vamos... 
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 ATO V 
 (depois que o padre entra na barca, vem a prostituta, Brísida Vaz) 
 Brísida: Olá! 
 Diabo: Quem é você? 
 Brísida: Brísida Vaz! 
 Diabo: Ah tá! Aguarde um instante... Por que ela ta aqui? 
 Com. do Diabo 1: Disse que não ia ir sem Joana de Valdês. 
 Diabo: Entra e rema! 
 Brísida: Mas eu não quero entrar ai! 
 Diabo: Tem medo, é? 
 Brísida: Não... Não é essa barca que eu procuro! 
 Diabo: Aiai, e você traz muitos bens materiais? 
 Brísida: 600 himens e 3 feitiços, não pode levar, mas... 5 cofres de confusões e 
 alguns furtos alheios, guarda roupa de ilusão, e mais algumas coisas... 
 Diabo: Então... cabeça o pé aqui! 
 Brísida: Ui, ui, ui, eu vou pro Paraíso! 
 Diabo: Oxe... quem te falou? 
 Brísida: Tenho levado chicotadas e aguentado tormentos... (fala no caminho pra 
 barca do céu) 
 Anjo 1: Eu não sei o que te trouxe aqui... 
 Brísida: Te peço de joelhos! Eu sou aquela que criava os meninos para os padres! 
 Anjo 2: Ai, ai, ai, me poupe desses seus pedidos! 
 Brísida: Você tem que me deixar entrar! 
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 Anjo 1: Esquece! Você não vai entrar! 
 (brísida volta para a barca do inferno) 
 Brísida: Tá bom... eu vou... 
 Diabo: Ora, ora, ora! Nem adiantou fazer rebeldia, ia voltar pra mim do mesmo jeito! 
 ATO VI 
 (Brísida embarca e vem um judeu com um bode) 
 Judeu: Ei, marinheiro! Para onde vai essa barca? 
 Diabo: Af! Veio em uma mau hora! 
 Judeu: De quem é essa barca? 
 Diabo: Do barqueiro... 
 Judeu: Me deixe entrar! Tenho dinheiro! 
 Diabo: O bode também? 
 Judeu: Sim, ele também! 
 Diabo: É um inútil passageiro... 
 Judeu: Mas... sem o bode, como vou entrar? 
 Diabo: Ah... eu não seu, mas ele não entra! 
 Judeu: Mas eu tenho dinheiro! Te dou o dinheiro e o bode entra comigo! 
 Diabo: Há- -há! Não! há 
 Judeu: Posso entrar e ir me sentar. Onde está Brísida Vaz, ou o Fidalgo? 
 Diabo: Pergunte a eles! 
 Judeu: Mas não é você que manda aqui? Que você tenha uma bela caganeira, e 
 que Deus te castigue mesmo! 
 Joane: Ah... seu judeu, você não é ladrão? Roubou a cabra, seu pernudo! E ainda 
 comeu carne em dia que não podia! E mijou na igreja, lá no cantinho, não era nem 
 no banheiro! No dia de finados que eu bem me lembro! 
 Diabo: Olha aqui! Chega vocês dois. Anda, Judeu, anda logo! Entra na barca, e 
 como é uma pessoa ruim, vai sentado ali! Pra remar bastante até lá! 
 
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 ATO VII 
 
 (em um corregedor, carregado de processos, e chegando à barca do inferno, com 
 sua vara (insígnia) na mão) 
 Cor. : Ei da barca! 
 Dia. : o que quer?Cor. : aqui está o juiz? 
 Dia. : hummmm, traz uma carga muito boa. 
 Cor. : para mim, essa carga não é como queria. 
 Dia. : como vai o direito? 
 Cor. : nessas coisas irá ver. 
 Dia. : então entre. Vamos ver o que diz nesse papel. 
 Cor. : e para onde isso vai? 
 Dia. : para o inferno, ora. 
 Cor. : o que?! Um corregedor ir para a terra dos demônios? 
 Dia. : oh meu Deus, vá para dentro e reme! 
 Caramba, entre, por isso que veio! 
 Cor. : não é dos preceitos da lei! 
 Dia. : sim, sim! Me dá a sua mão! 
 Reme um destes. 
 Faz de conta que nasceu pro nosso companheiro. 
 - o que você ta fazendo, preguiçoso? 
 Faz essa prancha pronta! 
 Cor. : eita! Amaldiçoo essa viagem e quem me leva também! 
 Tem algum justiceiro aqui?

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