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Universidade Federal do Rio de Janeiro INTERTEXTUALIDADE E O SAGRADO NA POESIA DE ADÉLIA PRADO Raphael da Graça Braga 2019 2 INTERTEXTUALIDADE E O SAGRADO NA POESIA DE ADÉLIA PRADO Raphael da Graça Braga Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como requisito necessário para a obtenção do Título de Mestre em Letras Vernáculas (Literatura Brasileira). Orientador: Prof. Dr. Adauri Silva Bastos Rio de Janeiro Fevereiro de 2019 3 INTERTEXTUALIDADE E O SAGRADO NA POESIA DE ADÉLIA PRADO Raphael da Graça Braga Orientador: Prof. Dr. Adauri Silva Bastos Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários para a obtenção do título de Mestre em Letras Vernáculas (Literatura Brasileira). Examinada por: _______________________________________________________ Professor Doutor Adauri Silva Bastos – orientador, UFRJ ________________________________________________________ Professor Doutor Marcus Rogério Tavares Sampaio Salgado – UFRJ ________________________________________________________ Professor Doutor Claudicélio Rodrigues da Silva – UFC ________________________________________________________ Professor Doutor Alcmeno Bastos – UFRJ ________________________________________________________ Professor Doutor Victor Manuel Ramos Lemus – UFRJ 4 AGRADECIMENTOS A Deus. À minha mãe, Mauriceli da Graça Braga. Ao meu pai, Nei Braga. Ao meu irmão, Diogo da Graça Braga. Ao professor Dau Bastos, pelo incentivo e orientação. À CAPES, pela bolsa. 5 BRAGA, Raphael da Graça. Intertextualidade e o sagrado na poesia de Adélia Prado. Dissertação (Mestrado em Letras Vernáculas). Rio de Janeiro: Faculdade de Letras da UFRJ, 2019. RESUMO A proposta desta pesquisa é analisar a obra de Adélia Prado a partir de três livros que, publicados em momentos diferentes, oferecem uma visão abrangente e significativa de sua trajetória: Bagagem (1976), A faca no peito (1988) e Miserere (2013). A ideia é verificar em que medida a ironia serve de interface entre o profano e o religioso. Para tanto, adotaremos como elementos norteadores a intertextualidade e a metalinguagem, que se mostram recorrentes a ponto de conferirem unidade à produção da autora mineira. Vincularemos sua obra às de Carlos Drummond de Andrade, Clarice Lispector, Fernando Pessoa e Guimarães Rosa – movimento balizado pela própria presença do quarteto em dedicatórias, citações, alusões, paráfrases e epígrafes –, mas como ponto de passagem para a afirmação da originalidade de seus versos. A palavra poética é mais que um referenciador de elementos extratextuais, pois presentifica aquilo que aponta, ou, nas palavras de Adélia Prado, “na poesia, a palavra vira a coisa”. Seus textos ratificam, implícita ou explicitamente, essa concepção, ao descreverem fatos, objetos e pessoas como emanadoras de beleza. O belo empírico sublima-se em arte na tentativa de se proteger do esquecimento e da morte. Como para a doutrina judaico-cristã (católica), com a qual a poetisa se afina, só Deus tem o poder de romper as barreiras temporais, o gênero poético estaria ligado intrinsecamente à transcendência. Entre os críticos da poesia moderna a que recorreremos para a realização da empreitada destacam-se Hugo Friedrich (Estrutura da lírica moderna) e Michael Hamburger (A verdade da poesia), aos quais se somam teóricos que se ativeram ao signo poético, como Octavio Paz (Os filhos do barro e O arco e a lira) e Alfredo Bosi (O ser e o tempo na poesia). Também incorporaremos trabalhos do pensador Georges Didi-Huberman (O que vemos, o que nos olha) e Mircea Eliade (O sagrado e o profano; a essência das religiões). Fontes igualmente importantes serão as edições de periódicos dedicadas à nossa poeta, como o nº 9 dos Cadernos de Literatura Brasileira (2000) e o nº 20 da revista Poesia Sempre (2005), nos quais se encontram ensaios, entrevistas, depoimentos e indicações bibliográficas relevantes. Palavras-chave: intertextualidade; literatura; sagrado; mística. 6 BRAGA, Raphael da Graça. Intertextualidade e o sagrado na poesia de Adélia Prado. Dissertação (Mestrado em Letras Vernáculas). Rio de Janeiro: Faculdade de Letras da UFRJ, 2019. RÉSUMÉ Le but de cette recherche est d’analyser l’œuvre de Adélia Prado à partir de trois livres qui ont été publiés à des moments différents et qui présentent une vision significative de son parcours: Bagagem (1976), A faca no peito (1988) e Miserere (2013). L’idée est de vérifier dans quelle mesure l’ironie sert d’interface entre le profane et le religieux. Pour ce faire, nous avons comme concepts de base l’intertextualité et le métalangage, éléments récurrents au point de conférer une unité à la production de l’auteur mineira. Nous approchons son œuvre de celles de Carlos Drummond de Andrade, Clarice Lispector, Fernando Pessoa e Guimarães Rosa – ce qui se fait partant de la présence de ce quatuor dans des dédicaces, citations, allusions, paraphrases ou épigraphes –, approche faite aussi comme un point de départ pour affirmer l’originalité de ses vers. La parole poétique est plus qu’une référence aux éléments extratextuels, puisqu’elle rend présent ce qu’elle indique, ou, selon Adélia Prado, “dans la poésie, le mot devient la chose”. Ses vers confirment implicitement ou explicitement cette conception quand ils décrivent des faits, objets et personnes comme des sources de beauté. Le beau empirique se sublime en art dans la tentative de se proteger de l’oubli et de la mort. Une fois que dans la doctrine judéo-chrétienne (catholique), avec laquelle la poétesse s’identifie, c’est Dieu le seul qui peut rompre les barrières du temps, le genre poétique serait intrinsèquement lié à la transcendance. Parmi les critiques de la poésie moderne, nous faisons appel à Hugo Friedrich (Structure de la poésie moderne) et Michael Hamburger (La verité de la poésie), ainsi que à des théoriciens qui se tiennent au signe poétique, comme Octavio Paz (Os filhos do barro e O arco e a lira) et Alfredo Bosi (O ser e o tempo na poesia). Nous incorporons aussi des travaux de Georges Didi-Huberman (O que vemos, o que nos olha) et Mircea Eliade (O sagrado e o profano; a essência das religiões). Nous avons consulté aussi les éditions des périodiques consacrées à notre poétesse, comme le nº 9 des Cadernos de Literatura Brasileira (2000) et le nº 20 de la revue Poesia Sempre (2005), dans lesquels il y a des essais, interviews, témoignages et indications bibliographiques importantes. Mots-clés: intertextualité; littérature; sacré; mystique. 7 Sumário Introdução............................................................................................................................... 8 1. Adélia Prado e o gauche..................................................................................................... 48 1.1. A lírica................................................................................................................. 66 2. O sagrado como forma....................................................................................................... 86 2.1. A memória........................................................................................................... 98 2.2. A palavra poética.................................................................................................104 3. Adélia Prado e Castro Alves............................................................................................... 121 4. Adélia Prado e Santa Teresa d’Ávila.................................................................................. 126 Conclusão................................................................................................................................ 141 Referências.............................................................................................................................. 144 8 Introdução Afirmar a dimensão intertextual na obra de Adélia Prado não pode constituir surpresa para qualquer estudioso da obra da autora, de tal modo que essa dimensão é evidente. Prova disso é que muitos críticos que se dedicaram à sua obra não deixaram de se referir, mesmo que rapidamente, às intertextualidades nela presentes. Na verdade, o que surpreende é o fato de essa dimensão ainda não ter sido objeto de um estudo sistemático específico, apesar de sua importância na práxis da poeta. A crítica contemporânea reconhece que toda e qualquer comunicação se faz por um dialogismo, conceito desenvolvido por Bakhtin que aponta para um movimento de discordância e concordância, de fusão e atrito entre vozes muitas vezes parecidas, mas que também não deixam de apresentarem-se estranhas e hostis entre si em muitos momentos. Segundo o teórico, a maneira individual pela qual o homem constrói seu discurso é determinada consideravelmente pela sua capacidade inata de sentir a palavra do outro e os meios de reagir diante dela. O mesmo comentário aplica-se à dimensão do profano e do religioso na obra de Adélia Prado. De fato, embora o termo “sagrado” já tenha sido explicitamente utilizado lato sensu com relação à sua poesia, o fenômeno que designamos como tal não teve a devida atenção dos críticos, mesmo que de modo esparso, e também nunca foi objeto de um trabalho sistemático singular. A verificação de tais lacunas, aliada à atração que a dimensão intertextual e a dimensão religiosa da obra de Adélia Prado sempre exerceram sobre nós, justifica o estudo que faremos da poesia pradiana, mesmo sabendo que uma análise exaustiva da matéria exigiria um percurso bem mais extenso. Assim, sem nenhuma pretensão de esgotar o assunto, esta dissertação apresenta-se sobretudo como uma tentativa de levantamento sistemático dos principais modos pelos quais a intertextualidade e o sagrado judaico-cristão (católico) se manifestam na obra da autora. Para isso, devemos lembrar inicialmente que a análise da poesia de Adélia Prado – dos dois ângulos que escolhemos – implica considerar sua produção poética, antes de tudo, como um espelho privilegiado de intercâmbio, de diálogo e, mesmo, de metamorfose, pois, como se sabe, tanto a intertextualidade como o sagrado pressupõem a presença do “outro” no interior do discurso poético. No caso de Adélia Prado, não se trata apenas desse “outro” anônimo, implícito, o “outro” a que Bakhtin se refere quando afirma que a criação artística não pode ser analisada fora de uma teoria da alteridade, ou 9 quando esclarece que todo discurso é dialógico por natureza, uma vez que mantém relações de diálogo com outro(s) discurso(s). O que ocorre com a poesia de Adélia Prado é que pressupostos como os da alteridade e do dialogismo, fundadores da teoria bakhtiniana, particularizam-se e se manifestam de modo muito concreto. De fato, na obra da poeta mineira, na maioria das vezes o “outro” e o “fazer do outro” são apontados, nomeados explicitamente, então podem ser facilmente reconhecidos por um leitor culto. Tais considerações permitem afirmar que a leitura de sua obra é feita, de certa forma, segundo um processo de “mise en abyme”. Com isso, queremos chamar a atenção para o processo de jogo de espelhos que a leitura de nossa autora implica: nós, leitores, lemos a obra de Adélia Prado e, ao fazê-lo, lemos a leitura que a poetisa mineira faz da obra de outros artistas e poetas. Sendo assim, nos aspectos das práxis desses outros artistas e poetas que a autora põe em evidência em sua leitura, nós, leitores da obra de Adélia Prado – num constante jogo de reflexos –, reconhecemos várias marcas caracterizadoras de sua própria práxis poética. Pode-se, pois, aplicar à práxis da poeta de Divinópolis o que o eu lírico afirma no poema “A invenção de um modo”, do livro Bagagem: “Porque tudo que invento já foi dito / nos dois livros que eu li: / as escrituras de Deus, / as escrituras de João. / Tudo é Bíblias. Tudo é Grande Sertão” (Prado: 2014, 25). O olhar de antologista da poeta se traduz no exercício de uma identidade, no espaço de uma ressonância, na luva sósia de que fala nesse poema. Assim, recuperar o discurso do outro pela intertextualidade para modificá-lo, recuperar o fazer artístico do outro, é um processo particularmente característico da obra de Adélia Prado. Tendo em vista a frequência com que isso se manifesta, um exame atento permitirá que demonstremos sua importância na poética da autora. No âmbito da presente pesquisa, entretanto, serão tocados apenas alguns aspectos fundamentais desse percurso, pelo fato de não se ter como objetivo desenvolver um estudo descritivo da teoria da intertextualidade, mas servir-se dessa teoria para analisar as relações dialógicas recorrentes na poética pradiana. Muitos teóricos esbarram também na questão da intertextualidade, reforçando a consciência de sua inevitabilidade. Antonio Compagnon defende que todo texto se constrói pelo trabalho da citação, atividade em que o ato de leitura se une ao de escrita, pois escrever é sempre reescrever o que a leitura recortou. O homem, nesse sentido, vem escrevendo um grande e único texto através dos tempos. Assim, não podemos ver num texto que se nos apresenta aquilo que o tornaria virgem, no sentido primeiro desta palavra, 10 o de uma pureza sem interferências. Dialogar, então, com a escrita passada é um procedimento comum à criação literária. Antonio Candido, referindo-se à importância dos leitores, coloca-os como condição para a permanência da literatura enquanto sistema vivo de obras, na medida em que eles “a vivem, decifrando-a, aceitando-a, deformando-a” (1973, 74). Se considerarmos que o escritor é antes de tudo um leitor, inferimos que, como tal, sua atividade criativa vai estimular a permanência da literatura que o precedeu. O que se coloca diante de nossos olhos, esse discurso verbal que nos invade no momento exato da leitura, é um mosaico de citações que absorve e transforma produções anteriores. Se no emaranhado que se tece a partir de fios discursivos diversos existe uma transformação, a renovação referida ou a deturpação apontada por Candido, a originalidade, então, ganha outro sentido. Outra significação instaura-se, porque a palavra nova, que agora se constrói, nasce das brechas do velho discurso e com ele dialoga, opondo-se ao mesmo ou lhe sendo solidário, o que caracteriza a intertextualidade, construída no espaço criado pela abertura da palavra frente à outra. Cabe ressaltar que, para a crítica, a intertextualidade inicial em Bagagem (1976) foi uma maneira de a poeta inaugurar seu próprio estilo, o qual, “na proporção em que se consolida, ganha uma autonomia que dispensa a afirmação explícita das diferenças e semelhanças” (Moret: 1993, 18). Sua obra geralmente é vinculada à de Carlos Drummond de Andrade, Fernando Pessoa, Guimarães Rosa. As dedicatórias, citações, alusões, paráfrases e epígrafes que aparecem majoritariamente nesse primeiro livro vão diminuindo ao longo do percurso traçado por nossa autora. Não se trata de um processo de simples imitação. A referência a outros textos na poesia de Adélia Prado contribui para a compreensão do sentido dos poemas, assim como para a singularidade da obra. Por issoa importância de estudarmos os conceitos acerca desse fenômeno literário. Sua poética, no entanto, no tocante às influências literárias, diferentemente de qualquer perspectiva radical, em alguns momentos afasta-se da tradição e, em outros, busca também uma continuidade, como quando reconhece ser portadora de uma herança que a influencia. Esse reconhecimento é feito, às vezes, por citações, referências recorrentes, sem que haja necessariamente subversão. Inclusive percebe-se em alguns poemas a angústia de uma influência, para se utilizar a expressão de Harold Bloom: “Vai ser coxo na vida é maldição pra homem. / Mulher é desdobrável. Eu sou” (Prado: 2014, 9). 11 Enquanto punha o vestido azul com margaridas amarelas e esticava os cabelos para trás, a mulher falou alto: é isto, eu tenho inveja de Carlos Drummond de Andrade apesar de nossas extraordinárias semelhanças. E decifrou o incômodo do seu existir junto com o dele. (Prado: 2014, 56) Assim, tais versos apontam suas semelhanças e diferenças no tocante ao “gauchismo” e ao pessimismo, oriundos da obra Flores do mal, ao exagero da metalinguagem hermética, ao excesso de racionalidade, ao pedantismo do poeta como ser de exceção: “Não sou matrona, mãe dos Gracos, Cornélia, / sou é mulher do povo, mãe de filhos, Adélia. / Faço comida e como” (Prado: 2014, 10). Com vistas a estabelecer relações entre a obra de Adélia Prado e Carlos Drummond de Andrade, faz-se necessário dimensionar um embasamento sobre a lírica na modernidade, notadamente do paradigma da negatividade. Paradigma teórico, a questão do contraponto da tradição da negatividade percorre a obra pradiana. As categorias negativas a partir das quais a lírica passou a ser identificada após a teorização de Hugo Friedrich propõem a visada sobre o texto lírico moderno a partir do reconhecimento de uma determinada rubrica, segundo a qual a literatura moderna nasce como exílio no momento em que contesta o valor da objetividade científica. As décadas da segunda metade do século XX foram propícias à multiplicidade constante, à valorização do instável e mutável e à “resistência poética”, que, conforme Alfredo Bosi, ora propõe a recuperação do sentido comunitário perdido, ora a melodia dos afetos, ora a crítica da desordem estabelecida. Citando Baudelaire entre muitas vozes da modernidade, afirma: Na verdade, a resistência cresceu com a “má positividade” do sistema. A partir de Leopardi, Hölderlin, de Poe, de Baudelaire, só se tem aguçado a consciência da contradição. A poesia há muito que não consegue integrar-se, feliz, nos discursos correntes da sociedade. Daí vêm as saídas difíceis: o símbolo fechado, o canto oposto à língua da tribo, antes brado ou sussurro que discurso pleno, a palavra-esgar, a autodesarticulação, o silêncio (Bosi: 2000, 165). 12 Em se tratando da arte, em particular da lírica moderna e de seus precursores, em que se depositam as matrizes da poética dos autores brasileiros eleitos neste trabalho, expõe-se uma síntese do estudo de Hugo Friedrich. Para o autor, Charles Baudelaire é o grande instaurador da nova poesia, o que lança as bases de sua renovação na metade do século XIX, as quais serão desenvolvidas, no final do mesmo século, por Paul Verlaine, Stéphane Mallarmé e Jean-Arthur Rimbaud. Entre as inovações desses poetas franceses, enfatiza-se a negação a toda herança literária, à realidade e à normalidade, por meio da dissonância e da obscuridade linguística. A poesia torna-se, paradoxalmente, produto de matemática e fantasia; a estética do mal, do feio e do grotesco atinge seu âmago. Sobre o grotesco, Wolfgang Kayser acrescenta que se trata de um meio de representação ligado ao impuro, às forças malignas e ao estranho, referindo-se, paralelamente, à insegurança e à desarmonia do mundo, ao mal-estar social. Na Antiguidade, enquanto a epopeia se destinava a cantar o coletivo, a unidade da polis, outro tipo de composição, naquela época acompanhada pela flauta ou pela lira, instrumento de corda que os gregos usavam para acompanhar os versos poéticos, surge voltada para a expressão de sentimentos mais individualizados, como as cantigas de ninar, os lamentos pela morte de alguém, os cantares de amor. Eram os cantos líricos que, mesmo quando ligados a aspectos da vida comunitária – como o “lirismo coral” –, já em suas origens vinham marcados pela emoção, pela musicalidade e pela eliminação do distanciamento entre o eu poético e o objeto cantado. A partir do século IV a.C., o termo passou a substituir a palavra “mélica”, “canto” ou “melodia” para nomear pequenos poemas através dos quais os poetas externavam seus sentimentos. Bem mais tarde, no século XIX, os simbolistas, desenvolvendo a preocupação com a melopeia, intentaram a conciliação entre a poesia e a música, comprovando que esse consórcio se manteve latente ou atenuado ao longo do tempo. Ao passar da forma somente cantada para a escrita, nesta se conservariam recursos que aproximariam música e palavra: as repetições de estrofes, de ritmos, de versos (refrão), de palavras, de sílabas, de fonemas, responsáveis não só pela criação das rimas, mas de todas as imagens que põem em tensão o som e o sentido das palavras. De acordo com Alfredo Bosi, sem integrar-se nos discursos correntes da sociedade, a poesia oferece resistência simbólica, seja pelo hermetismo estilístico, seja pelo apelo histórico-social. Já com base na teoria de Theodor Adorno, opondo-se de maneira imanente à realidade, o poema assume sua função social quanto mais se afasta do real em direção a si mesmo, à própria linguagem, numa espécie de reação ou 13 resistência à ideologia vigente. O filósofo alemão prega uma arte subversiva, de negação da ordem, em favor da novidade, da diferença. Roman Jakobson, na obra Linguística e comunicação, observa que a lírica se desenvolve consoante o tempo histórico, o qual cria predisposições específicas em autores e leitores, destacando, nesse aspecto, quatro momentos. Na Antiguidade, seguindo os postulados aristotélicos, a lírica é vista como expressão pessoal, forma de imitação, representação de situações humanas dotadas de interesse contínuo, ligada diretamente à música. No Renascimento, há uma releitura da teoria do filósofo grego e o objetivo da lírica passa a ser a imitação em geral, e não somente das ações dos homens. No Romantismo, ocorre nova mudança. A poesia não se justifica mais como imitação e adquire prestígio inusitado. No contexto do pensamento platônico, a arte recebeu um tratamento rigoroso. Segundo Platão (427-347 a.C.), o artista, ao produzir uma obra de arte qualquer – poesia, escultura, música, pintura –, não faz outra coisa senão copiar as imagens das coisas do mundo terreno. Arte é mímesis, ou seja, imitação. Se as coisas do mundo terreno são cópias, a arte é cópia da cópia. Dentre todas as artes, a poesia é a pior: o poeta fala sem saber o que diz. A poesia é um jogo, uma brincadeira: ao compor, o poeta é tomado por uma intuição irracional que o leva a dizer coisas próprias de quem está fora de si. No plano da verdade, a distância entre o poeta (artista) e o matemático ou o filósofo é enorme. Enquanto estes atingem conceitos universais, o poeta ou o escultor lidam com imagens imperfeitas de coisas imperfeitas. Platão considerava o artista perigoso – por enganar as pessoas ao criar a ilusão de que sua obra ou sua poesia expressaria a verdade. Sendo a expressão máxima da sensibilidade, a arte tem o poder de fascinar as pessoas e, por isso, é muito mais danosa que a fala de um louco ou o discurso de um ignorante. Por esses motivos, em sua utopia política (uma República governada por sábios), o artista não tem vez, a não ser que se submeta às leis do bem e do verdadeiro ditadas pelo sábio-filósofo. A retórica também foi muito combatida por Platão. Na Atenas de seu tempo,era- lhe dada grande importância. Ensinada pelos sofistas, era empregada sobretudo pelos políticos, que em geral não estavam preocupados se aquilo que diziam era verdadeiro ou falso. Seu objetivo residia no convencimento das pessoas que os ouviam. A retórica, então, acabou se transformando em recurso para a conquista de poder e fama. Segundo Platão, a retórica atinge a parte pior da alma, aquela crédula e instável, de modo que o retórico é um demagogo (demos = povo + agogós = condutor), hábil na arte de persuadir 14 ludibriando. Também a retórica é expulsa da República, onde seria substituída pela filosofia. Essa era a proposta platônica, exposta de maneira mais detalhada nos livros II-III e X da República, que limitava a atividade do poeta a simples imitação de modelos instaurados pela sabedoria do filósofo, sujeito capaz de contemplar as virtudes em sua perfeita imobilidade e identidade ideal. Nas análises platônicas, a ausência dessa diferenciação, formulada por Aristóteles, entre a estrutura da ação poética e a ação ética – explicitada de modo claro pelas observações do livro VIII da Poética sobre a diferença entre a ação centrada na unidade do agente e da ação que possui uma unidade decorrente de sua estrutura formal específica – termina por reduzir a atividade poética a uma prática meramente referencial, subordinada à estrutura real dos objetos e dos conceitos que são discursivamente seus correspondentes. A mímesis platônica não previa, não procurava estabelecer uma diferença com relação ao logos, ao discurso epistêmico, que tem a função de dizer a verdade, assim fazendo do objeto poético um simples reflexo adulterado dos objetos que compõem nosso mundo. Desse modo, ao reduzir a mímesis ao logos, todo o conteúdo específico do objeto poético precisaria coincidir com o conteúdo objetivo e inteligível da própria coisa real, da ideia ou forma transcendente, em que o perceptível e a forma inteligível da própria coisa real se identificam, sob pena de a poesia ter seu direito de cidadania negado na nova polis. Aristóteles, por sua vez, se afasta das considerações platônicas pejorativas atribuídas à atividade dos poetas. Ao guiar-se por preocupações de ordem estética, Aristóteles (384-322 a.C.) recusa a hierarquia platônica, apresentando na Poética uma nova percepção do processo da mímesis artística. E, embora o conceito de mímesis não tenha sido por ele claramente formulado, ao marcar a diferença no modo de recepção da realidade e da arte, lembrando que “nós contemplamos com prazer as imagens mais exatas daquelas mesmas coisas que olhamos com repugnância, por exemplo, as representações de animais ferozes e de cadáveres”, remete-nos para o fato de que o prazer decorrente da mímesis não se explica pelo que se sente em relação ao mundo empírico. A ênfase na diferença entre o mundo empírico e a realidade da arte leva o filósofo a 15 valorizar o trabalho poético e a se voltar para o estudo de seus modos de constituição (Soares: 2007, 9). Na medida em que, para Aristóteles, a techné pode imitar os métodos e processos da natureza (physis) sem a consequência indesejada de que seus produtos necessitem ter o mesmo conteúdo descritivo – o que implicaria a mera reprodução da realidade dada –, tal como a estrutura dos objetos da natureza estão realmente dispostos, isso permite que ele compreenda a técnica artística como sendo mimética (imitativa no sentido de possuir um conteúdo representacional, assemelhar-se ou estar no lugar de algo ausente) e, a despeito dessa caracterização, ser produtora de objetos fundamentalmente originais, em vez de simples reproduções ou cópias de uma realidade. De modo similar e paralelo, isso permite a exclusão do logos, do discurso epistêmico e verídico, do interior da mímesis, do objeto poético que possui certa autonomia tanto em relação ao mundo tal como ele é, quanto em relação à ordem moral e política que lhe é imposta. Aristóteles aprofunda as diferenças de compreensão da técnica e da mímesis com relação a seu mestre. O esvaziamento metafísico da noção de mímesis enquanto participação dos objetos sensíveis da ideia passa pela analogia entre natureza e técnica esboçada no livro II da Física. Mímesis passa a significar o fato de que a natureza e a técnica são similares no que diz respeito aos métodos e processos pelos quais seus respectivos objetos adquirem existência. O resultado disso é a identidade na constituição imanente entre forma e matéria constitutiva tanto das substâncias sensíveis quanto dos artefatos técnicos. Dessa maneira, com relação à técnica artística, seus produtos passam a adquirir uma autonomia constitutiva, um conteúdo específico próprio que não é dependente da referência às coisas da realidade dada e estabelecida implicada pelo seu estatuto propriamente mimético: seus produtos possuem um conteúdo representacional que advém da relação de semelhança com os objetos do mundo, mas sem que eles lhe estejam inteiramente subordinados. A imitação, como princípio regulador da criação artística, é descartada por Hegel logo na abertura da Estética. A postura hegeliana diante da imitação reconhece nela apenas o aspecto formal e a mera elaboração técnica, que por si mesmos nada possuem de artístico. Na introdução, ao tratar da finalidade da arte, afirma que “o fim da arte deverá se reduzir a algo diferente da mera imitação do dado, o qual, todavia, pode propiciar artefatos técnicos, mas não obras de arte [...], e por mais que a aparência externa em sua naturalidade constitua uma característica essencial, entretanto nem a naturalidade já dada 16 é a regra, nem a mera imitação dos fenômenos exteriores como tais é o fim da arte” (1875, tomo I, III, 3). O poeta tenta assegurar seu lugar por meio da valorização da emoção individual, tornando a poesia expressão de uma alma. Na modernidade, por fim, desloca sua atenção para a linguagem. A lírica, assim, concretiza-se no modo como a linguagem do poema organiza os elementos sonoros, rítmicos e imagéticos. Ezra Pound, que compreendia a poesia como “a mais concentrada forma de expressão verbal” (1995, 218), destaca que sua marca está nas propriedades de som e ritmo (melopeia), aliadas às imagens (fanopeia) e às ideias (logopeia). O resultado da união desses elementos é a poeticidade da linguagem, que o linguista Jakobson denominou função poética: nela, há a projeção do princípio de equivalência do eixo de seleção (similaridade), próprio do verso, sobre o eixo da combinação (contiguidade). Ao valorizar as próprias possibilidades internas da linguagem, abandonando regras e modelos, segundo Jakobson, o fenômeno lírico se emancipa e se expande. O ritmo de recepção da lírica é associativo, baseado nas relações de contiguidade da linguagem, que propõe aproximações entre os elementos do texto que estão fora de uma sequência lógica. A consciência da poeticidade da linguagem ganha relevo no século XIX, quando são lançadas as bases definitivas da poética da modernidade. Hugo Friedrich, em sua obra Estrutura da lírica moderna, propõe uma visão da poesia da modernidade, identificando sua tessitura básica e seus fundadores. Para o autor, na segunda metade do século XVIII já há na literatura europeia prelúdios da anormalidade, da ruptura com o tradicional. Assim, Friedrich reconhece que o século XVIII constitui uma época extremamente complexa, pois nele confluem correntes barrocas retardatárias, neoclássicas ou arcádicas e irrompe o pré-romantismo. Época de crise, de desagregação e de renovação de valores estético-literários, o século XVIII já antecipa, mesmo que de forma amena ou sutil, alguns sintomas da poesia moderna, indícios que são fornecidos, em particular, por Jean-Jacques Rousseau e Diderot. Essa incomunicabilidade ou falta de adaptação entre o eu e o mundo, estabelecida em termos filosóficospor Rousseau, torna-se a primeira forma radical da ruptura moderna com a tradição. Rompendo simultaneamente com o domínio da razão e com os cânones estéticos do classicismo, Rousseau opera sua redescoberta do tempo interior de forma tão intensa, vista como evasão à realidade opressora, que antecipa esta tendência da poesia vindoura: o tempo mecânico, o relógio, são símbolos repudiados da civilização técnica. 17 Diderot, por sua vez, também se precipita na apresentação de alguns caracteres da poesia moderna. Como acontece com Rousseau, boa parte de suas concepções estão ligadas ao passado tradicional, porém Diderot avança em algumas noções, como a do gênio criador, a do desprendimento da objetividade poética e a da beleza. Primeiramente, sua ideia de genialidade, mesmo estando ligada ao conceito antigo, que consiste em um poder visionário natural que pode romper com todas as regras, avança de forma inovadora. Sua novidade se deve à afirmação de que o gênio tem direito de cometer erros, de semear equívocos, de criar livremente combinações e associações nas quais a razão não necessita reinar. Assim, postula que a força que guia o gênio não é a razão, mas, pelo contrário, a fantasia: Movimento autônomo de forças espirituais, cuja qualidade se mede segundo a dimensão das imagens produzidas, segundo a eficácia das ideias, segundo uma dinâmica pura não mais ligada ao conteúdo, a qual deixou atrás de si as distinções entre o bem e o mal, a vaidade e o equívoco (Friedrich: 1978, 26). Paralelamente à compreensão da fantasia como força motriz do gênio, Diderot anuncia que a poesia não é mais a mera enunciação de objetos, mas movimento emocional obtido por intermédio da criação de metáforas e ritmos. Antagônico à pura transcrição do real, ele prega a obscuridade e o mistério. Prenuncia-se, aqui, portanto, uma decisiva predominância da magia linguística sobre o significado das palavras, isto é, um avanço no desprendimento da objetividade, que Baudelaire reivindicará com maior decisão no futuro. Finalmente, começa com Diderot uma ampliação do conceito de beleza. Embora com alguma prudência, admite a possibilidade de a desordem, o grotesco e o caos serem esteticamente representáveis. A corrente de pensamento neoclássica, que enfatiza as qualidades de conteúdo descritas com categorias positivas, é substituída, assim, pelo movimento romântico, com o qual surgem outras categorias predominantemente negativas: em vez do olhar feliz para o real, emerge a linguagem do sofrimento. O idealismo alemão é a primeira grande corrente que abre a época e sua influência será profunda em todo o seu desenrolar. Nele, a concepção do homem se elabora na confluência de várias correntes, entre as quais convém enumerar a Aufklärung de Kant, a ideia romântica, a teologia protestante. 18 Assume particular importância o Romantismo (die Romantik), poderoso movimento de sensibilidade e de ideias que veio se formando ao longo de todo o século XVIII, constituindo a tendência que alguns autores denominaram de pré-romantismo. Trata-se do outro lado do século XVIII, de sua face oposta à da Aufklärung. A resistência à Ilustração é caracterizada sobretudo pelo mecanicismo newtoniano e pelo empirismo. Assim, o pré-romantismo adota uma atitude crítica em face do conceito de natureza pensada como um sistema de leis e entidades de caráter matemático. A primazia do sentimento sobre a razão mostra o sentimento em seus múltiplos matizes diante da uniformidade da razão, donde decorre igualmente a primazia do eu sensível sobre o cogito racional e do senso íntimo sobre a universalidade lógica. A passagem do pré-romantismo ao Romantismo propriamente dito tem lugar na Alemanha nos fins do século XVIII com o movimento Sturm um Drang (tempestade e ímpeto), de 1770 a 1780. Seus representantes mais conhecidos são o jovem Goethe e Schiller. Mas essa passagem se precipita sob o choque da Revolução Francesa, abalo sísmico profundo que provocou uma ruptura seguida de enormes desmoronamentos no edifício da sociedade ocidental. Segundo Georges Gusdorf, em La naissance de la conscience romantique au siècle des lumières, o Romantismo nasce no clima dessa ruptura revolucionária, caracterizando-se por sua rejeição do classicismo, do qual a Ilustração se mostra como uma exacerbação racionalista. O paradigma clássico possui o monoteísmo cultural, a transcendência, a ordem, a intemporalidade, o pensamento sinótico, o mecanismo, a explicação, o universo galileiano, enquanto o paradigma romântico tem o politeísmo cultural, a imanência, a irregularidade, a historicidade, o pensamento analógico, o organismo, a compreensão e o universo biológico. No Romantismo, valoriza-se o homem particular tal como se exprime na sensibilidade, nas emoções e na paixão. Por meio dessa particularidade sensível, espiritualizada pelo espírito do povo (Volksgeit), o homem romântico aspira ao universal, à integração numa totalidade orgânica, que se cumpre sobretudo pela arte. O individualismo romântico é, assim, profundamente diferente do individualismo racionalista: neste, o indivíduo se define por seu cogito, que o une à razão universal; naquele, o indivíduo se define pelo sentimento do eu que o leva a comungar com o todo orgânico ou com o uno que é, ao mesmo tempo, o todo: o uno e o todo (én kai pan). Considerado um momento básico na evolução dos valores estéticos do Ocidente, o Romantismo instaura uma ordem cujas consequências ainda perduram, iniciando um 19 modo novo de entender a atividade criadora: o poeta passa a ser visto como criador, e não como um imitador; passa a ser comparado como um organismo vivo. No tocante à linguagem poética, o Romantismo defendeu o uso de uma língua livre dos artifícios expressivos de origem mitológica, próprios da tradição dos séculos anteriores e já desprovidos de qualquer efeito poético, em prol de uma linguagem simples e coloquial. De natureza contraditória, o Romantismo sente-se atraído pelo passado em geral e, ao mesmo tempo, pelo presente, pretendendo expor através da arte os novos tempos. Consumando sua reação contra o dogmatismo exercido pela antiguidade greco-latina, contra a arte clássica apreendida como uma arte que exclui as antinomias, visando a um mundo harmonioso e ideal, a poesia romântica se compraz na simbiose dos elementos heterogêneos: natureza e arte, poesia e prosa, ideias abstratas e concretas, pregando a aparente desordem que, no entanto, aproxima-se do verdadeiro mistério do universo. Em aversão ao arcadismo, ao mundo iluminista, a nova estética está radicalmente aberta ao mistério e, sincronicamente, ao interior, à alma humana. Nas palavras do poeta Novalis, “é para o interior que se dirige o caminho misterioso. Em nós [...] estão a eternidade e os seus mundos, o futuro e o passado” (1992, 89). A paridade da poesia com a magia, oriunda da tradição, ganha nova compreensão com Novalis, que adiciona a essa relação o intelectualismo – a álgebra, o dado da construção matemática presente na criação da obra. Nesse sentido, a magia poética é rigorosa na medida em que funde a fantasia com a força do pensamento. A linguagem chega, às vezes, a ser obscura até mesmo para o poeta, porque o que lhe interessa é, acima de tudo, as relações musicais da alma, a eufonia, e não mais a mera significação dos vocábulos. Sem se preocupar com uma ordem compreensível, à magia linguística é permitido fragmentar o mundo a serviço do encantamento das palavras. Trata-se do triunfo da fantasia em vez da realidade, fragmentos do mundo em lugar da unidade, caos, sedução por meio da obscuridade e da magia linguística. A unidade e coesão do clima lírico é de suma importância num poema, pois o contexto lógico, que sempre esperamos de uma manifestação linguística, quase nunca é elaborado em tais casos, ou o é apenas imprecisamente.A linguagem lírica parece desprezar as conquistas de um progresso lento em direção à clareza – da construção paratática, de advérbios a conjunções, de conjunções temporais a causais (Staiger: 1972, 39). 20 Há igualmente no período a difusão da ideia de ser decadente, da noção do destrutivo e do mórbido. Invertendo os conceitos clássicos de que a alegria se relacionava à perfeição, os românticos passam a defender a melancolia, a angústia e a dor cósmica como os grandes valores da criação. Nesse clima em que melancolia, sofrimento e lamento se tornam palavras-chave da poética romântica, a literatura, na concepção de Friedrich, passa a ser de oposição, retomando o esquema de Rousseau, da singularidade baseada na anormalidade. Com o intuito de enfatizar a questão, o estudioso alemão destaca que, no caso especial do Romantismo francês, fixa-se uma teoria importante para a lírica que viria a seguir: a teoria do grotesco. Na acepção de Wolfgang Kayser, o grotesco, na origem italiana – grottesco como derivação de grotta (gruta) – foi palavra cunhada para designar determinada espécie de ornamentação da pintura do final do século XV. Entretanto, desde o século XVII seu significado estendeu-se a todos os campos, incluindo o da literatura. Tido como subclasse do cômico, o grotesco associava-se inicialmente apenas ao baixo, ao burlesco, ao elemento distorcido e bizarro. Avançando, com Victor Hugo, no século XIX, o termo se converte em princípio fundamental que diferencia a literatura romântica da literatura clássica e, o principal, à noção básica de grotesco o poeta inclui o elemento feio. No prefácio que redigiu para o drama Cromwell, em 1827, Victor Hugo afirma: A musa moderna verá as coisas com um olhar mais elevado e mais amplo. Sentirá que tudo na criação não é humanamente belo, que o feio existe ao lado do belo, o disforme perto do gracioso, o grotesco no reverso do sublime, o mal com o bem, a sombra com a luz (1988, 25). Victor Hugo acreditava que, sob a influência do espírito de melancolia cristã e de crítica filosófica da época, o grotesco emergira como traço característico da nova arte, tão complexa e variada, em oposição à uniformidade da antiga. Para ele, o grotesco era a fonte mais rica que a natureza podia oferecer à arte. Enquanto o sublime representava a alma em toda a sua pureza cristã, o grotesco referia-se ao homem – besta humana – abrangendo todas as feiuras, ridículos, enfermidades, paixões, vícios e crimes. Justificando seu importante passo em direção ao nivelamento entre o belo e o feio, Victor Hugo parte da noção de que o mundo está, por natureza, cindido em opostos. Dessa forma, o grotesco viria ao encontro da própria natureza e de sua dissonância nata. 21 Completando suas concepções, Victor Hugo reduz os fenômenos a fragmentos, na medida em que acredita não se poder mais apreendê-los em sua totalidade e harmonia. Diante disso, Wolfgang Kayser aponta para a importância do grotesco na modernidade, no século XX mais precisamente. O autor destaca a imagem do mundo sob o ângulo do grotesco, recordando Goethe: “Vista da altura da razão, toda a vida parece uma doença maligna e o mundo um manicômio” (Kayser: 1983, 13). E acrescenta que diversos setores da lírica moderna sugerem, para sua interpretação, o conceito de grotesco, sendo necessário por isso evidenciar seus principais traços: fragmentar a realidade, lidar com o inverossímil, com o fantástico, reunir à força coisas distintas e alhear o existente. De fato, com Charles Baudelaire, considerado unanimemente o primeiro grande lírico moderno, e sua obra As flores do mal, lançada em 1857, o legado romântico sofre profundas transformações. Entre seus temas, destaca-se o da queda ou do abismo da existência, que se associa à temática da ânsia do infinito e do desconhecido. O amor, ou melhor, a incapacidade para o amor, é outro núcleo importante de sua obra. Porém a morte, intimamente associada à problemática do tempo, é um de seus motivos capitais. Percorrendo toda a sua poética, a morte não se resume a um fim, mas a um acidente da queda. O tempo inimigo leva ao abismo da queda, pois sua ação corrosiva degrada o eterno, trazendo consigo uma outra espécie de aniquilação: a da matéria e, por efeito, os aspectos macabros da putrefação. Há ainda a questão do exílio e do tédio, sendo este expresso pelo spleen, quer dizer, por uma angústia sem causa ou, na explicação de Walter Benjamin, “o spleen é o sentimento que corresponde à permanência da catástrofe” (apud Konder: 1988, 88). Na obra De civitate dei, Santo Agostinho interpreta a história da humanidade desde sua origem na criação (Gênesis), como um processo sucessivo de alianças e rupturas entre o homem e seu criador, iniciando-se com Adão, o primeiro homem, e sua queda, a expulsão do paraíso, até o juízo final e a redenção, a volta do homem a Deus. Santo Agostinho formula assim uma noção de história tendo um sentido, uma direção, marcada por um evento inicial e um ponto final, que consiste, na verdade, no retorno à situação originária. Rompe, portanto, com a concepção grega antiga de tempo, um tempo cíclico, sem início nem fim. Os fatos não são mais vistos apenas na perspectiva do cronista – como nos escritores da Antiguidade, que registraram os grandes acontecimentos –, nem como 22 resultado da fatalidade ou de um destino inexorável, mas como tendo um sentido que pode ser compreendido e interpretado a partir da revelação. Se o que está prometido é a carne incorruptível, é isso mesmo que eu quero, disse e acrescentou: mais o sol numa tarde com tanajuras, o vestido amarelo com desenhos semelhando urubus, um par de asas em maio e imprescindível, multiplicado ao infinito, o momento em que palavra alguma serviu à perturbação do amor. Assim quero “venha a nós o vosso reino”. (Prado: 2014, 44) A análise sobre o fenômeno da poesia no caráter de sua atualidade tem sua viabilidade no horizonte de conciliação entre tradição e inovação. Hans Georg Gadamer afirma: Na realidade, a tradição sempre é também um momento de liberdade e da história. Mesmo a tradição mais autêntica e venerável não se realiza naturalmente, em virtude da capacidade de permanência do que de algum modo já está dado, mas ainda necessita ser afirmada, assumida e cultivada. A tradição é, essencialmente, conservação [Bewahrung] e, como tal, nunca deixa de estar presente nas mudanças históricas. Sem dúvida, a conservação é um ato da razão, ainda que caracterizado pelo fato de atrair atenção sobre si (1998, 422). O problema hermenêutico também, segundo Gadamer em Verdade e método I, não advém da imitação de uma tradição do passado, mas da tradição como estranheza. Ao perceber que a tradição não podia mais se apoiar filosoficamente nas interpretações metafísicas da razão, defende a perspectiva de os próprios participantes se empenharem na apropriação viva, nesse caso, hermenêutica, das tradições que os determinam. Contra toda estética que se deixa limitar pelo conceito da verdade da ciência, Gadamer diz que a experiência da tradição histórica não é apenas verdadeira e não verdadeira, pois ultrapassa aquilo que nela é pesquisável. 23 A noção de tradição pressupõe movimento, transmissão, havendo diante disso duas posturas extremas: a primeira seria a submissão ingênua, a aprovação da autoridade, ignorando-se a si mesmo; e a segunda seria a da crítica radical que exalta o ceticismo, descurando do contexto. É mediante a tradição que o indivíduo pode eleger trajetos percorridos ou apontar o que deve percorrer, estabelecendo seu caminho. A razão não se choca com a tradição; desenvolve-se em seu interior. A tradição permite o diálogo e a liberdade de ação e de intenção de recusar, aderir ou apenas perceber; trata-se, pois, de um processo inerente à linguagem. Ivan Junqueirasintetiza: Sempre que se fala em tradição e ruptura, é comum ocorrer a ideia de uma fratura exposta entre aquilo que pertence ao passado, à tradição, e o que alimenta o novo, a modernidade em nome da qual se processa tal ruptura. A noção, além de falsa, só pode ser aplicada àquela ruptura que se pratica em nome do nada. Há uma ruptura, sim – e profunda –, com os segmentos gastos ou gangrenados dessa mesma tradição, uma ruptura com o que há de cediço, com o que já não vive, com um passadismo cujas formas, por não serem formas, já nada contêm sequer de agônico em si (1993, 153). O tema da ruptura da tradição percorre toda a obra pradiana. Tal ruptura traz novas exigências teóricas: a necessidade de pensar a tradição recriando-a. Mais do que gerar uma necessidade, a experiência da ruptura se apresenta como uma oportunidade perfeita para este empreendimento, pois o pensamento se vê livre dos pressupostos arraigados pelos grilhões da tradição. O corpus estudado caminha pelo presente e pelo passado sem os olhos obstruídos pela tradição. Na obra Entre o passado e o futuro, Hannah Arendt afirma: Com a perda da tradição, perdemos o fio que nos guiou com segurança através dos vastos domínios do passado; esse fio, porém, foi também a cadeia que mais aguilhoou cada geração sucessiva a um aspecto predeterminado do passado. Poderia ocorrer que somente agora o passado se abrisse a nós com inesperada novidade e nos dissesse coisas que ninguém teve ainda ouvidos para ouvir (1972, 140). 24 A sugestiva fórmula “Eu sou” (Prado: 2014, 9), no último verso do poema que abre o livro Bagagem, além de fazer ressoar o impronunciável nome hebraico יהוה, representado pelo tetragrama Yhwh, faz referência ao texto bíblico da Vulgata: “Ego sum qui sum” (Êxodo 3, 14). A relação com o Absoluto (transcendência) resulta, na verdade, do excesso ontológico pelo qual o sujeito se sobrepõe ao mundo e à história e avança além do ser- no-mundo e do ser-com-o-outro (intersubjetividade) na busca do fundamento último para o “Eu sou” primordial: “Mulher é desdobrável. Eu sou” (Prado: 2014, 9). Para o eu lírico pradiano, a pessoa aparece como ato total de sua autorrealização. Ela pode ser resumida na proposição de Claude Bruaire: “L’être que je suis n’est pas um ensemble de phénomènes empiriques, mais un être donné à lui-même, irreductible aux phénomènes de la nature, une substance spirituelle comme esprit libre” (1983, 36). Sobre essa palavra impronunciável, Clarice Lispector salienta o seguinte: Qual é mesmo a palavra secreta? Não sei é porque a ouso? Não sei porque não ouso dizê-la? Sinto que existe uma palavra, talvez unicamente uma, que não pode e não deve ser pronunciada. Parece-me que todo o resto não é proibido. Mas acontece que eu quero é exatamente me unir a essa palavra proibida. Ou será? Se eu encontrar essa palavra, só a direi em boca fechada, para mim mesma, senão corro o risco de virar alma perdida por toda a eternidade. Os que inventaram o Velho Testamento sabiam que existia uma fruta proibida. As palavras é que me impedem de dizer a verdade (Clarice Lispector apud Borelli: 1981, 84). A multiplicidade de aspectos da matéria tratada no moderno “Poema de sete faces” (Andrade: 2007, 5) é formalizada em suas sete estrofes como a criação apresentada dentro do esquema de seis dias que se chama hexaémeron (ergon) e um de repouso (uma semana), completando sete dias. Mediante o número sete, o autor do livro bíblico quer indicar a perfeição de todo o conjunto criado, enquanto o poeta de Itabira, sua consumação. Nos livros mais antigos da Bíblia, aparece uma figura um tanto misteriosa chamada em hebraico mal’ak jahveh, que significa “enviado ou mensageiro do Senhor”. Ora parece distinto de Deus, ora identifica-se com Deus (aparece o anjo ou o mensageiro, mas quem fala é o próprio Deus). Como se vê, o anjo do Senhor é uma figura ambígua. 25 Em última análise, pode-se dizer que se trata de um mensageiro distinto de Deus, mas investido pelo Senhor de determinada missão e plenos poderes, de modo que é o próprio Deus quem intervém e age por meio de seu mal’ak. Aparece também na tradição judaico-cristã a noção de anjo mau, adversário dos homens. O primeiro esboço é a figura de Satanás no livro de Jó: aparece como anjo da corte do Senhor, portanto anjo bom, mas acusador e tentador do homem reto que é Jó. Indiretamente esse anjo é também adversário de Deus, pois o desafia. Um texto de São Judas diz: “Quanto aos anjos que não conservaram seu principado, mas abandonaram sua morada, guardou-os presos em cadeias eternas sob as trevas” (Judas 6). A recordação permeia a poesia lírica de maneira muito intensa, já que esta, bem como aquela, é relacionada a fusões de abstração e concretude, de objetividade e subjetividade, combinando realidade externa e reflexão introspectiva. No “Poema de sete faces”, de Carlos Drummond de Andrade, há uma dramática e paradigmática experiência do homem moderno. De um lado o eu lírico tem diante de si a ordem eterna da natureza e contempla os dois abismos do infinitamente grande e do infinitamente pequeno: “Meu Deus, por que me abandonaste / se sabias que eu não era Deus / se sabias que eu era fraco” (2007, 5). De outro lado, é chamado a conhecer sua miséria manifestada eloquentemente na corrupção de sua natureza e na operação, fonte de engano, de suas faculdades. Essa dialética existencial que o sujeito poético articula com extraordinária lucidez exprime, na verdade, a dissolução das qualidades sensíveis dessubstancializadas, de fato, no eu lançado nos caminhos da vida e impotente em face da infinitude indiferente ou hostil do universo [“Quando nasci um anjo torto, / desses que vivem na sombra / disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida” (Andrade: 2007, 5)], além de recolhido à intimidade do eu: “O homem atrás do bigode / é sério, simples e forte. / Quase não conversa. / Tem poucos, raros amigos / o homem atrás do bigode” (Andrade: 2007, 5). Sua subjetividade deve enfrentar um universo despojado de suas qualidades sensíveis: “Para que tanta perna, meu Deus, pergunta / meu coração. / Porém meus olhos / não perguntam nada” (2007, 5). O lugar do homem na natureza é ínfimo e quase imperceptível, mas ele se eleva sobre os abismos espaciais da grandeza e da pequenez e compreende esse mesmo universo que o engole como um ponto. Em uma profunda caracterização do homem pascaliano na tradição agostiniana, como afirma Erich Przywara em Augustin: passions et destin de l’Occident e Louis Châtellier em Les espaces infinis et le silence de Dieu, ele não está 26 mais abrigado sob a ordem cósmico-teológica do mundo, nem voltado para o senhorio e posse da natureza. A temporalidade é a estrutura fundamental do ser. O ser-aí existe como antecipação, como previsão de seus projetos e, por coincidência, “projeto” é uma palavra- chave para se entender a obra de Carlos Drummond de Andrade, segundo Afonso Romano de Sant’Ana. A recuperação do sentido originário de ser e da verdade como manifestação da essência ocorre por meio de uma retomada, de uma releitura, de alguns filósofos pré- socráticos, em especial Heráclito e Parmênides, e da interpretação da obra de poetas como Holderlin, Novalis e Rilke. A linguagem dos poetas, livre da influência metafísica e epistemológica, encontra-se mais próxima do ser, sendo capaz de expressar o sentido do ser de forma mais autêntica. Assim, afirma Octavio Paz: Desde Parmênides nosso mundo tem sido o da discrepância nítida e incisiva entre o que é e o que não é. O ser não é o não-ser. Esse primeiro desenraizamento – porque foi como arrancar o ser do caos primordial – constituiu o fundamento de nosso pensar. Sobre essa concepção construiu-se o edifício das “ideias claras e distintas” que, se tornou possível a história do Ocidente, também condenou a umaespécie de ilegalidade todas as tentativas de apreender o ser por caminhos que não fossem os desses princípios. Mística e poesia viveram assim uma vida subsidiária, clandestina e diminuída. O desenraizamento tem sido indizível e constante. As consequências desse exílio da poesia são cada dia mais evidentes e aterradoras: o homem é um desterrado do fluir cósmico e de si mesmo. Pois ninguém ignora que a metafísica ocidental termina num solipsismo (1982, 123). No poema drummondiano, a palavra “sombra” não é acidental, mas indício de ausência de luz, escuridão ou trevas. O gauche denega, contraria a regra, expõe o lado esquerdo e não o direito, o torto e não o reto, a sombra e não a luz. Em seguida, o itinerário estético livre dos padrões clássicos de criação, uma vez que visa ao entorpecimento da razão fora de mecanismos de controle ostensivos, fortalecido pelas imagens noturnas de luar, diabo e embriaguez, trata do labor poético que questiona a herança poética parnasiana. A poesia desce de seu reino augusto para confundir-se com o gole noturno, com o diálogo, depois do trabalho, no bar. O lado esquerdo, que serve de antítese à 27 tradição cristã obstinada no exercício da moral, ironiza pelo avesso: pactua não com Deus, mas com o diabo: Eu não devia te dizer mas essa lua mas esse conhaque botam a gente comovido como o diabo. (Andrade: 2007, 5) Hugo Friedrich formulou o conceito de transcendência vazia para explicar o fundamento da poesia moderna, que Carlos Drummond de Andrade encarna magistralmente: O desconcertante de tal modernidade é que está atormentada até a neurose pelo impulso de fugir do real, mas se sente impotente para crer ou criar uma transcendência de conteúdo definido, dotado de sentido. Isto conduz os poetas da modernidade a uma dinâmica de tensão sem solução e a um mistério até para si mesmos. Baudelaire fala muitas vezes do sobrenatural e do mistério. Só se compreende o que ele quer dizer com isto quando – como ele próprio faz – se renuncia a dar a estas palavras outro conteúdo que não seja o próprio mistério absoluto. A idealidade vazia, o “outro” indefinido, que no caso de Rimbaud é mais indefinido ainda e no de Mallarmé se converterá no nada, e o mistério que gira em torno de si mesmo, próprio da lírica moderna, são correspondentes (1978, 49). Antonio Carlos Secchin afirma, ao comentar o vazio de transcendência na poesia, que “a poesia representa a fulguração da desordem, ‘o mau caminho’ do bom senso, o sangramento inestancável do corpo da linguagem, não prometendo nada além de rituais para deus nenhum” (1996, 18). Apesar do traquejo técnico e da perspicácia filosófica, o fundamento da poética gauche de Carlos Drummond de Andrade é um vazio abissal, que nada pode preencher e desemboca em uma via apertada de pouca esperança. É verdade que o eu lírico tangencia a transcendência [“Quando nasci um anjo torto” (Andrade: 2007, 5)], mas não se lança nela. O sujeito poético afirma a separação entre o άνθρωπος e o κόσμος, a imanência e a transcendência, promovendo uma 28 demolição da experiência do Ser que, na verdade, é uma experiência mística desfigurada, que tenta exprimir-se no domínio de uma linguagem poética, na qual o que de fato se significa é a pura presença do sujeito em si mesmo em sua mais radical imanência. Para o eu lírico drummondiano em “Poema de sete faces” os entes são bimórficos e caracterizam-se pelo mostrar-se, pelo aparecer, pela manifestação, mas também pelo dissimular, pelo desaparecer, sendo ausentes, errantes: Quando nasci um anjo torto, desses que vivem na sombra disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida. (Andrade: 2007, 5) Os entes estão, portanto, sempre no ser (verdade) e no não ser (não verdade), a dissimulação, a ausência: Eu não devia te dizer mas essa lua mas esse conhaque botam a gente comovido como o diabo. (Andrade: 2007, 5) Na tradição poética e mítica grega, a αλήθεια teria originariamente o sentido de manifestação, de desvelamento do ser. Etimologicamente, αλήθεια é uma palavra formada pelo α privativo, designando a negação, que serve de prefixo ao termo λήθε significando véu, encobrimento. Quando, no texto da “Caverna” da República, Platão descreve o processo de libertação do prisioneiro, mostra como este, ao se libertar, sente- se desorientado pela visão direta do fogo e da luz do mundo externo, que o ofuscam. É necessário, afirma Platão, que o prisioneiro adapte sua visão a essa nova realidade, para que possa ver corretamente (ορθότης). Isso levou à perda do sentido originário de manifestação e revelação do ser. A verdade torna-se, dessa forma, uma relação sujeito- objeto, central no pensamento moderno. É preciso acentuar de início que, entre a concepção bíblica do homem e a concepção clássica, existe uma inegável afinidade temática, ligada sem dúvida à universalidade da experiência humana e de seus conteúdos fundamentais. No entanto, a 29 concepção judaico-cristã é formulada na linguagem religiosa da revelação. Há nela, pois, um discurso sobre o homem que se supõe ter origem numa fonte transcendente, em que é pensado não numa perspectiva ontológica, mas soteriológica. O que separa radicalmente a concepção bíblica da unidade do homem de qualquer forma de dualismo ontológico é o fato de que a linguagem bíblica sobre o homem não se refere a naturezas que nele se oponham, mas a situações existenciais que traduzem as vicissitudes de seu itinerário em confronto permanente com a iniciativa salvífica de Deus. Na verdade, o sujeito poético pradiano apresenta uma unidade que resulta da síntese dinâmica de temas, cuja oposição se concilia do ponto de vista de uma realidade transcendente à qual o homem se ordena pelo movimento profundo e essencial de todo o seu ser. É essa ordenação transcendente que explica a polaridade constitutiva da vida da ψυχή em sua condição terrena. Assim, o homem é carne ר שָּ basar) ou σαρξ (carne) na medida em que se) בָּ revela a transitoriedade de sua existência humana e a fragilidade: “Cargo muito pesado pra mulher, / esta espécie ainda envergonhada” (Prado: 2014, 9). É alma נפש (nefesh) ou ψυχή na medida em que a fragilidade é compensada, nele, pelo vigor de sua vitalidade: Minha tristeza não tem pedigree, já a minha vontade de alegria, sua raiz vai ao meu mil avô. Vai ser coxo na vida é maldição pra homem. Mulher é desdobrável. Eu sou. (Prado: 2014, 9) É espírito (ruah), na medida em que é manifestação superior de vida e de conhecimento, pela qual o homem pode entrar em relação com a transcendência: “Mulher é desdobrável. Eu sou” (Prado: 2014,9). E finalmente é coração (leb), o interior profundo do homem, onde tem sua sede de afetos e paixões [“Mas o que sinto escrevo. Cumpro a sina. / Inauguro linhagens, fundo reinos / – dor não é amargura” (Prado: 2014, 9)] e onde se enraízam inteligência e vontade, graça e desgraça: Aceito os subterfúgios que me cabem, sem precisar mentir. Não sou tão feia que não possa casar, 30 acho o Rio de Janeiro uma beleza e ora sim, ora não, creio em parto sem dor. (Prado: 2014, 9) É nesse nível do noético-pneumático (πνευμα) que o ser do homem abre-se necessariamente para a transcendência: trata-se de uma abertura necessariamente transcendental, seja no sentido clássico, seja no sentido kantiano-moderno, que faz do homem, nesse cimo de seu ser, o âmago mais profundo de sua unidade, um ser estruturalmente aberto para o Outro. Buscaremos analisar, no primeiro e no segundo capítulos, de que modo os poemas da autora apresentam processos de absorção e integração de elementos alheios, se a referência se dá de forma implícita ou explícita, se ocorre através da alusão, da citação, da paródia, dentre outras formas de intertextualidade. Para isso levantaremos uma discussão sobre os conceitosem torno do fenômeno da intertextualidade, trazendo para reflexão e análise os estudos de Ingedore Koch, Anna Christina Bentes, Mônica Magalhães Cavalcante e Tiphaine Samoyault, que, por sua vez, releram outros importantes teóricos do assunto: Bakhtin, Kristeva e Genette. Tiphaine Samoyault, em seu livro A intertextualidade (2008), defende que a literatura se escreve em sua relação com o mundo, mas também apresenta uma relação consigo mesma, com sua história. Sobre a noção de intertextualidade, a autora defende que é impossível pintar um quadro analítico das relações que os textos estabelecem entre si: da mesma natureza, nascem uns dos outros; influenciam uns aos outros, segundo o princípio de uma geração não espontânea; ao mesmo tempo não há nunca reprodução pura e simples ou adoção plena. A retomada de um texto existente pode ser aleatória ou consentida, vaga lembrança, homenagem explícita ou ainda submissão a um modelo, subversão do cânon ou inspiração voluntária. Citação, alusão, referência, pastiche, paródia, plágio, colagens de todas as espécies, as práticas de intertextualidade se repertoriam facilmente e se deixam descrever. Oferecem um conteúdo objetivo à noção sem, no entanto, eliminar desta última sua imprecisão teórica (2008, 9-10). 31 O termo “intertextualidade”, segundo Samoyault, tornou-se uma “noção ambígua do discurso literário” (2008, 9), e diferentes expressões – algumas menos técnicas e mais metafóricas – foram usadas para referir-se à relação entre textos, dentre as quais “tessitura, biblioteca, entrelaçamento, incorporação ou simplesmente diálogo” (2008, 9). Soma-se a isso o fato de que, ainda de acordo com Samoyault, no discurso sobre a intertextualidade há uma “imprecisão teórica” que dá origem a uma bipartição crítica: uma que entende a intertextualidade como um “instrumento estilístico” procurando rastrear os sentidos e os discursos anteriores; e outra que prioriza a “noção poética” na tentativa de identificar a retomada de enunciados literários através do reconhecimento de citações, alusões, entre outros processos. Entre retomada melancólica, em que ela se contempla em seu próprio espelho, e retomada subversiva ou lúdica, quando a criação se subordina à ultrapassagem daquilo que a precede, a literatura não para de lembrar e de conter um desejo idêntico, aquele mesmo da literatura. Assim, além de sua teorização, da história de suas teorias e da descrição de suas técnicas, a análise da noção de intertextualidade envolve uma verdadeira reflexão sobre a memória da literatura e sobre a natureza, as dimensões e a mobilidade de seu espaço, especialmente sobre o jogo da referência – o remeter da literatura para si mesma – e da referencialidade – liame da literatura com o real (Samoyault: 2008, 10-1). A autora propõe que pensemos a intertextualidade de maneira unificada, cujos traços se voltam para a ideia de memória, já que a intertextualidade seria justamente a memória que a literatura tem de si mesma. Somente considerando essa dimensão da memória podemos chegar a uma definição de literatura na qual a intertextualidade não é apenas a retomada de uma citação ou uma reescritura, mas sim “a descrição dos movimentos e passagens da escritura na sua relação consigo mesma e com o outro” (Samoyault: 2008, 10). Assim, a intertextualidade está diretamente relacionada com os efeitos da convergência entre uma obra e um tema que façam parte do conhecimento geral de mundo, algo que possa ser resgatado pelo interlocutor através da memória. Podemos dizer que a heterogeneidade do intertexto surge a partir da originalidade do texto. Quem introduz oficialmente o termo “intertextualidade” é Julia Kristeva, em dois artigos: o primeiro de 1966, intitulado “A palavra, o diálogo e o romance”, e o segundo 32 de 1967, intitulado “O texto fechado”. Em ambos, menciona e depois define o que seria a intertextualidade: “Cruzamento num texto de enunciados tomados de outro texto” (Kristeva apud Samoyault: 2008, 16). Kristeva monta sua definição acerca da intertextualidade a partir da análise da obra de Mikhail Bakhtin sobre dialogismo. Nessa época, havia um grande interesse, por parte dos críticos e teóricos, em identificar “instrumentos destinados a fundamentar o discurso literário numa linguagem própria e específica” (Samoyault: 2008, 14). Essa tendência foi exteriorizada pelos estudos de base estruturalista e das teorias do texto, para os quais o texto devia ser considerado fora de seu contexto, de modo inerente, sem o estabelecimento de relações de conteúdo textual com dados externos à obra. A partir desse período, o enfoque teórico sobra a intertextualidade trabalha com a relação entre textos. O eixo horizontal [sujeito-destinatário] e o eixo vertical [texto-contexto] coincidem para desvelar um fato maior: a palavra [o texto] é um cruzamento de palavras [de textos] em que se lê pelo menos uma outra palavra [texto]. Em Bakhtin, aliás, esses dois eixos, que ele chama respectivamente diálogo e ambivalência, não são claramente distinguidos. Mas essa falta de rigor é antes uma descoberta que Bakhtin é o primeiro a introduzir na teoria literária: todo texto se constrói como um mosaico de citações, todo texto é absorção e transformação de um outro texto (Kristeva apud Samoyault: 2008, 16). A partir das ideias defendidas por Bakhtin, Kristeva conclui que em todo texto a palavra introduz um diálogo com outros textos: “Julia Kristeva [...] concebe cada texto como constituindo um intertexto numa sucessão de textos já escritos ou que ainda serão escritos” (Koch, Bentes e Cavalcante: 2012, 9). Bakhtin não chega a utilizar o termo “intertextualidade”, mas é por meio de seus estudos sobre o romance que surge a ideia de que a palavra traz uma multiplicidade de discursos: “O texto só ganha vida em contato com outro texto [com contexto]. Somente neste ponto de contato entre textos é que uma luz brilha, iluminando tanto o posterior como o anterior, juntando dado texto a um diálogo” (Bakhtin apud Koch, Bentes e Cavalcante: 2012, 9). O texto se torna então um lugar onde acontecem trocas de enunciados, de forma que um novo texto surge a partir de anteriores. Samoyault destaca o caráter abstrato e a- histórico do conceito construído por Kristeva e afirma que a definição é “pouco utilizável enquanto instrumento de análise” (2008, 16), embora reconheça que a autora rompeu com 33 a lógica tradicional da “crítica de influência” voltada para uma análise de cunho psicológico ou biográfico da relação entre as obras. A partir disso, podemos dizer que a teoria defendida por Kristeva, apesar de não ter sido acompanhada de uma metodologia prática de análise textual, tornou-se fundamental, pois apontou a existência de um processo de transposição de texto na criação textual. Grande parte dos estudos sobre o processo de criação literária se baseia nessa teoria e vão além ao discutir o papel imprescindível do leitor para o desvendamento das relações intertextuais e, consequentemente, o reconhecimento do sentido dos textos. Ao estudarmos a intertextualidade, não podemos esquecer de que, ao longo do tempo, o termo “texto” adquiriu diferentes conceitos que o levam a diferentes abordagens. Adotamos aqui sua concepção sob uma perspectiva sócio-interacionista, na qual o texto não é visto como produto acabado em si mesmo, e sim como resultado do processo de interação entre locutor e interlocutor em uma dada situação comunicativa. Conforme reforçam Koch e Elias, o lugar mesmo de interação é o texto cujo sentido “não está lá”, mas é construído, considerando-se, para tanto, as “sinalizações” textuais dadas pelo autor e os conhecimentos do leitor, que, durante todo o processo de leitura, deve assumir uma atitude “responsiva ativa” (2008, 12). A intertextualidade acontece quando há uma referênciaexplícita ou implícita de um texto em outro, podendo também ocorrer em outras modalidades de expressão, como na música, na pintura, nos filmes. Toda vez que uma obra faz alusão a outra, portanto, ocorre a intertextualidade. No trabalho acadêmico, por exemplo, recorremos diversas vezes a citações e tomamos emprestado ideias e conceitos registrados em textos que não o nosso. Logo, pode-se dizer que a intertextualidade é um aspecto inerente ao uso da língua: A intertextualidade é elemento constituinte e constitutivo do processo de escrita/leitura e compreende as diversas maneiras pelas quais a produção/recepção de um dado texto depende de conhecimentos de outros textos por parte dos interlocutores, ou seja, dos diversos tipos de relações que um texto mantém com outros textos (Koch e Elias: 2008, 86). 34 Ao analisarmos a produção poética de Adélia Prado, percebemos que ela faz alusão a outros textos. A discussão proposta acerca da intertextualidade em seus poemas intensifica a perspectiva comparatista desta pesquisa, o que traduz um modo de ler a produção da escritora ainda muito restrito no meio acadêmico. Dificilmente encontramos estudos que trabalhem as relações interdiscursivas ou intertextuais presentes na obra pradiana. O trabalho analítico acerca da intertextualidade nos poemas de Bagagem, A faca no peito e Miserere toma como pressuposto teórico o conceito difundido por Julia Kristeva, com base no conceito de dialogismo proposto por Bakhtin. Kristeva procurou explicar o conceito de dialogismo pela tese de que todo texto é uma recriação de um texto. Mikhail Bakhtin define o dialogismo como o processo de interação entre textos que ocorre na polifonia. Tanto na escrita como na leitura, o texto não é visto isoladamente, mas correlacionado com outros discursos. O postulado dialógico de Bakhtin, de que um texto (enunciado) não existe nem pode ser avaliado e/ou compreendido isoladamente: ele está sempre em diálogo com outros textos. Assim, todo texto revela uma relação radical de seu interior com seu exterior. Dele fazem parte outros textos que lhe dão origem, que o predeterminam, com os quais dialoga, que ele retoma, a que alude ou aos quais se opõe (Koch, Bentes e Cavalcante: 2012, 9). Ainda acerca das propostas bakhtinianas, Samoyault afirma que o texto aparece então como o lugar de uma troca entre pedaços de enunciados que ele redistribui ou permuta, construindo um texto novo a partir dos textos anteriores. Não se trata, a partir daí, de determinar um intertexto qualquer, já que tudo se torna intertextual; trata-se antes de trabalhar sobre a carga dialógica das palavras e dos textos, os fragmentos de discursos que cada um deles introduz no diálogo (2008, 18). Ao ser elaborado, o discurso literário mantém de forma implícita ou explícita um diálogo com outro discurso. O escritor, quando elabora um texto, recorre a leituras anteriores, recupera fragmentos de uma obra e transforma-os em outro texto. As partes retiradas do texto de referência ganham vida própria num outro contexto. O autor pode aproveitar para suscitar no leitor uma sensação de familiaridade, ao possibilitar que 35 reconheça lugares e até personagens de outras leituras, como acontece com os mitos e os contos maravilhosos. De acordo com Ingedore Koch, Anna Chistina Bentes e Mônica Cavalcante, no livro Intertextualidade: diálogos possíveis (2012), o fenômeno da intertextualidade apresenta duas facetas: “a intertextualidade em sentido amplo [lato sensu], constitutiva de todo e qualquer discurso, e a intertextualidade stricto sensu, atestada pela presença necessária de um intertexto” (2012, 10). Neste trabalho, nos dedicaremos a estudar a intertextualidade stricto sensu por ser a que se aplica aos poemas de Adélia Prado. Portanto, vale ressaltar que esta se divide em quatro tipos, segundo as autoras: a intertextualidade temática, a intertextualidade estilística, a intertextualidade explícita e a intertextualidade implícita. A intertextualidade stricto sensu ocorre quando, em um texto, está inserido outro texto [intertexto] anteriormente produzido, que faz parte da memória social de uma coletividade ou da memória discursiva dos interlocutores. Isto é, em se tratando de intertextualidade stricto sensu, é necessário que o texto remeta a outros textos ou fragmentos de textos efetivamente produzidos, com os quais estabelece algum tipo de relação (Koch, Bentes e Cavalcante: 2012, 17). O primeiro tipo de intertextualidade stricto sensu, a intertextualidade temática, acontece em textos que pertencem a uma mesma área (textos sobre medicina, por exemplo, com terminologias específicas) e utilizam certos termos e conceitos previamente definidos e conhecidos pelo interlocutor que estuda essa determinada área. Trata-se de textos que compartilham o mesmo tema sem ser, no entanto, iguais (como ocorre em um filme que se originou de um livro). A intertextualidade temática é encontrada, por exemplo, entre textos científicos pertencentes a uma mesma área do saber ou uma mesma corrente de pensamento, que partilham temas e se servem de conceitos e terminologia próprios, já definidos no interior dessa área ou corrente teórica (Koch, Bentes e Cavalcante: 2012, 18). 36 A intertextualidade estilística se dá apenas pela forma do texto. Ela ocorre “quando o produtor do texto, com objetivos variados, repete, imita, parodia certos estilos ou variedades linguísticas: são comuns os textos que reproduzem a linguagem bíblica, um jargão profissional, um dialeto, o estilo de um determinado gênero, autor ou segmento da sociedade” (Koch, Bentes e Cavalcante: 2012, 18). A intertextualidade apresenta-se explicitamente quando o autor informa em seu texto o objeto de sua citação. Isto é, “a intertextualidade será explícita quando, no próprio texto, é feita menção à fonte do intertexto” (Koch, Bentes e Cavalcante: 2012, 28). A partir disso, podemos depreender que o autor do segundo texto delega claramente a autoria do intertexto a outro enunciador. Isso pode servir como estratégia para ganhar credibilidade por meio do discurso citado, como acontece com frequência nos textos científicos, nos quais se pode usar a intertextualidade explícita com o objetivo de convencer o leitor a partir de um argumento de autoridade. Já a forma implícita se caracteriza pela presença de um intertexto não mencionado explicitamente, ou seja, a referência fica subentendida, dependendo exclusivamente do leitor para recuperá-la. Conforme afirmam Koch e Elias, “ocorre sem citação expressa da fonte, cabendo ao interlocutor recuperá-la na memória para construir o sentido do texto” (2008, 92). Fazer uso de um intertexto de forma implícita pode ter diferentes propósitos. Geralmente, esse tipo de intertextualidade aparece com o propósito argumentativo, de modo a convencer o interlocutor a aceitar determinada ideia. Assim, o autor pode reforçar a ideia original da obra referida ou pode desconstruí-la, dependendo da mensagem que quer transmitir ao leitor. O autor do segundo texto também pode adotar esse recurso para tornar dispensável a explicação de muitos detalhes ao longo do texto, por acreditar que seu leitor já tenha conhecimento deles, ou seja, direciona seu discurso a partir da imagem que faz de seu interlocutor enquanto possível detentor de um conhecimento partilhado. O teórico Gérard Genette trata os diálogos entre textos como “relações de transtextualidade, a transcendência textual, tudo o que põe em relação, ainda que ‘secreta’, um texto com outros e que inclui qualquer relação que vá além da unidade textual de análise” (apud Koch, Bentes e Cavalcante: 2012, 119). Ele propõe cinco relações transtextuais: intertextualidade, paratextualidade, metatextualidade, hipertextualidade e arquitextualidade, buscando uma perspectiva poética para o
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