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INDICIOS DO FEMININO NAS CARTAS NOS JORNAIS DA PARAIBA NO SÉCULO XIX (1850 A 1886)

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA 
CENTRO DE EDUCAÇÃO 
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO 
MESTRADO EM EDUCAÇÃO 
 
 
 
 
RENATA CRISTINA DA SILVA BRINGEL 
 
 
 
 
INDÍCIOS DO FEMININO NAS CARTAS NOS JORNAIS DA PARAÍBA NO 
SÉCULO XIX (1850 a 1886) 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
João Pessoa/PB 
2018 
2 
 
RENATA CRISTINA DA SILVA BRINGEL 
 
 
 
 
 
 
 
INDÍCIOS DO FEMININO NAS CARTAS NOS JORNAIS DA PARAÍBA NO 
SÉCULO XIX (1850 a 1886) 
 
 
 
Dissertação apresentada ao Programa de Pós- 
Graduação em Educação, da Universidade Federal 
da Paraíba, como pré-requisito para obtenção do 
título de Mestre em Educação. 
 
Linha de Pesquisa: História da Educação 
Orientador: Profº Dr. Severino Bezerra da Silva 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
João Pessoa/PB 
2018 
3 
 
 
 
 
 
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A memória do meu pai, que partiu 
durante essa caminhada. A minha mãe, 
meu esposo e meu filho que com muito 
carinho e apoio não mediram esforços 
para que eu chegasse até esta etapa da 
minha vida. 
6 
 
AGRADECIMENTOS 
 
A realização dessa dissertação de mestrado contou com importantes apoios e 
incentivos, sem os quais não teria se tornado realidade e aos quais estarei eternamente grata. 
Primeiramente a Deus, pelo dom da vida e por ter me proporcionado chegar até 
aqui. 
Ao Professor Doutor Severino Bezerra da Silva, meu orientador, pela confiança, 
amizade, paciência e ensinamentos, pois, mesmo em meio a tantas demandas, dedicou uma 
parte de seu tempo para auxiliar-me nessa jornada. 
Aos professores, Doutor Charliton José dos Santos Machado e Doutor Ramsés 
Nunes e Silva pela atenção e tempo dispensados na leitura dessa dissertação, e pela 
colaboração desde a qualificação, contribuindo com suas observações e sugestões, as quais 
foram de suma importância para os rumos desse trabalho. 
Aos professores do programa por tudo que me ensinaram e pela amizade. 
A todo corpo técnico administrativo e demais funcionários do PPGE/CE/UFPB 
pelas informações e auxilio nos procedimentos burocráticos que se nos apresentam ao longo 
dos semestres e em especial a Glória Fernandes, por sua sensibilidade, amorosidade, paciência 
e orientações, minha eterna gratidão. 
A todos os colegas com quem tive o prazer de compartilhar e construir 
coletivamente conhecimentos, nas aulas, nos grupos e nos eventos, e que dessa forma 
colaboraram direta ou indiretamente na produção desse trabalho e em especial as queridas 
Thais Isidro e Bruna Dornelas com quem pude compartilhar não só as alegrias. 
A Capes pela bolsa concedida. 
Aos meus familiares e a todos os que acreditaram mim. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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"Ontem um menino que brincava me falou. 
Hoje é a semente do amanhã. Para não ter 
medo que este tempo vai passar. Não se 
desespere, nem pare de sonhar. 
Nunca se entregue, nasça sempre com as 
manhãs. Deixe a luz do sol brilhar no céu do 
seu olhar. Fé na vida, fé no homem, fé no que 
virá. Nós podemos tudo, nós podemos mais. 
Vamos lá fazer o que será." 
 
Gonzaguinha 
8 
 
RESUMO 
 
O presente trabalho se propõe a analisar os indícios de representações do feminino na 
instrução pública da Paraíba do Século XIX através das cartas publicadas nos jornais e 
folhetins da época. Para esse trabalho abordamos brevemente o suporte “jornal” e sua relação 
com as cartas assim como suas características e configurações. Analisamos seis cartas 
encontradas nos jornais O Governista Paraibano , O Publicador e O Tempo publicadas no 
período compreendido entre 1850 e 1886, assim como o contexto social da época através dos 
outros escritos do jornal buscando também compreender a mentalidade e as representações 
acerca do gênero feminino nesse período. Para a análise e representação do indício da 
presença feminina em tal contexto histórico, o conteúdo das epístolas conforme já relatado, 
utilizamos o suporte teórico oferecido por Roger Chartier através da Nova História Cultural, 
na perspectiva de novos objetos, fontes e abordagens e para quem “o objeto da história 
cultural é identificar o modo como em diferentes tempos e espaços uma determinada realidade 
social é construída, pensada e dada a ler” e também por Carlo Ginzburg e a sua proposta de 
investigação indiciária, para quem poderíamos comparar os fios que compõem esta pesquisa 
aos fios de um tapete. “A coerência do desenho é verificável percorrendo o tapete com os 
olhos em várias direções”. Pretendemos aqui, por meio da análise destes escritos e estratégias 
utilizadas para escrever cartas nos jornais, evidenciar os indícios das representações e práticas 
sociais femininas na instrução pública no Império na Paraíba. 
 
Palavras-chave: Cartas nos jornais, Mulheres, Século XIX, Instrução Pública. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
9 
 
ABSTRACT 
 
The present work intends to analyze the indications of representations of the feminine in the 
public instruction of Paraíba of Century XIX through the letters published in the newspapers 
and serials of the time. For this work we briefly discuss the "newspaper" support and its 
relationship with the cards as well as their characteristics and configurations. We analyzed six 
letters found in the periodicals published in the periodical period between 1850 and 1886, as 
well as the social context of the period through the newspaper's other writings, also seeking to 
understand the mentality and representations about the feminine gender in this period. period. 
For the analysis and representation of the clue of the feminine presence in such historical 
context, the contents of the epistles as already reported, we use the theoretical support offered 
by Roger Chartier through the New Cultural History, in the perspective of new objects, 
sources and approaches and for those who " the object of cultural history is to identify how a 
certain social reality is constructed, thought and given to read in different times and spaces 
"and also by Carlo Ginzburg and his proposal of investigation, for whom we could compare 
the wires that compose this search for the threads of a rug. "The coherence of the drawing is 
verifiable by running the carpet with its eyes in various directions." We intend here, through 
the analysis of these writings and strategies used to write letters in the newspapers, to 
evidence the signs of female social representations and practices in public education in the 
Empire in Paraíba. 
 
Keywords: Letters in newspapers, Women, 19th Century, Public Instruction. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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LISTA DE FIGURAS 
 
FIGURA 1 – Anúncio da Botica Imperial................................................................................39 
FIGURA 2 – Anúncio da Pequena Estante de Livros de Antonio Thomaz Carneiro da 
Cunha........................................................................................................................................40 
FIGURA 3 – Índice da sexta edição do Novo Secretário Portuguez.......................................46 
FIGURA 4 - Conclusão das Cartas..........................................................................................50 
FIGURA 5 - Modelos de cartas de menor ceremonia...............................................................51 
FIGURA 6 - Modelos de cartas de menor ceremonia...............................................................51 
FIGURA 7 - Instruções sobre como deveriam ser assinadas as cartas.....................................53 
FIGURA 8 - 1º jornal oficial do Brasil.....................................................................................59FIGURA 9 – 1ª Página do jornal O Governista Parahybano....................................................61 
FIGURA 10 – jornal feminino A Marqueza do Norte..............................................................62 
FIGURA 11 – Modelo de carta particular................................................................................71 
FIGURA 12 – Carta publicada no jornal Correio Braziliense ou Armazém Literário..........72 
FIGURA 13 – Carta publicada em jornal da Paraíba...............................................................72 
FIGURA 14 - Carta de Queixas................................................................................................80 
FIGURA 15 - Carta de Participação ou Notícia.......................................................................80 
FIGURA 16 - Carta de Negócios e Encargos...........................................................................81 
FIGURA 17 – Carta de queixas – Jornal O Tempo...................................................................83 
FIGURA 18 – Carta de queixas – Jornal O Publicador...........................................................85 
FIGURA 19 – Transcrição de Carta encontrada no Jornal O Tempo......................................86 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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ANEXOS 
 
ANEXO 1 – Mapa de Relatório Provincial .........................................................................91 
ANEXO 2 – Mapa de Relatório Provincial..........................................................................92 
ANEXO 3 – Mapa de Relatório Provincial..........................................................................93 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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SUMÁRIO 
 
1 CAPÍTULO INTRODUTÓRIO ......................................................................................... 13 
1.1 FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA CONSTRUÇÃO DO OBJETO: A PRESENÇA 
FEMININA NA INSTRUÇÃO PÚBLICA NA PARAÍBA DO SÉCULO XIX ATRAVÉS 
DOS INDÍCIOS ENCONTRADOS NAS CARTAS PUBLICADAS NOS 
JORNAIS..................................................................................................................................17 
 
2 A ESCRITA EPISTOLAR COMO LUGAR DE MEMÓRIA. ....................................... 27 
2.1 MANUAIS EPISTOLARES E A ARTE DE ESCREVER CARTAS NA PROVÍNCIA 
DA PARAHYBA DO NORTE . .............................................................................................. 31 
2.2 PRESENÇA E CIRCULAÇÃO DOS MANUAIS EPISTOLARES NA PROVÍNCIA 
DA PARAHYBA DO NORTE NO SÉCULO XIX. ................................................................ 38 
 
3 CARTAS E JORNAIS DO SÉCULO XIX ........................................................................ 56 
3.1 ESCRITA EPISTOLAR NOS JORNAIS NA PARAÍBA DO OITOCENTOS .......................... 67 
 
4 AS REPRESENTAÇÕES FEMININAS NAS CARTAS DA INSTRUÇÃO 
PÚBLICA NA IMPRENSA PERIÓDICA DA PARAÍBA (1850-1886) ............................ 76 
4.1 PORQUE E PARA QUE SE ESCREVIAM CARTAS NOS JORNAIS?O QUE NOS DIZ 
ESSAS ESCRITAS?.................................................................................................................80 
 
CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................................89 
 
ANEXOS..................................................................................................................................91 
 
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 94 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
13 
 
1. CAPÍTULO INTRODUTÓRIO 
 
Olhar para meu percurso enquanto estudante e profissional me faz refletir sobre 
nossas escolhas, no meu caso eu nunca soube responder se eu escolhi a educação ou se eu fui 
escolhida por ela através das alternativas direcionadas e conduzidas muitas vezes pelas 
circunstancias impostas pela vida, pois por mais que eu tenha tentado percorrer outros 
caminhos ou feito outras escolhas, inconsciente ou conscientemente em algum momento eu 
fui de encontro a ela. Minha formação iniciou-se com o magistério, na época apenas com a 
intenção de otimizar e agregar valor ao colegial (hoje o atual ensino médio), uma vez que 
eram equivalentes e era conveniente concluir a educação básica com alguma qualificação 
profissional. Após a conclusão dessa etapa era chegada a hora de escolher uma graduação, e 
aqui a opção pela educação não foi unanime, passei no vestibular em dois cursos, duas áreas 
distintas, uma bacharelado e outra licenciatura, direito e letras/literatura, optei pelo curso de 
letras, pois diante da necessidade de colocação no mercado de trabalho, nessa opção havia a 
possibilidade de realização no período noturno. Ao final de 2005, quando cursava o segundo 
ano do curso de letras, passei no concurso público para o magistério das séries iniciais do 
governo do estado de São Paulo, tomei posse do cargo em janeiro de 2006 e decidi também 
nesse momento trancar o curso de letras em andamento e iniciar o curso de pedagogia, uma 
vez que de acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB – lei 9394/96), os 
professores não poderiam exercer a atividade do magistério das séries iniciais sem curso 
superior em pedagogia e também porque esse curso era mais adequado a minha realidade 
funcional a partir de então. 
No decorrer de minha caminhada enquanto educadora, embora não muito longa, 
visto que ingressei na carreira do magistério há apenas 11 anos, tive a oportunidade de olhar 
de vários ângulos o quadro docente através das diversas experiências que vivenciei nesse 
sentido. Iniciei atuando na docência nas séries iniciais da rede pública do estado de São Paulo, 
na perspectiva da “posição confortável”
1
 de titular de cargo efetivo no ano de 2006 e 
permaneci neste posto durante cinco anos, embora tão logo eu tenha me dado conta de que 
não pode existir comodidade em uma área com tanto a ainda ser alcançado, construído e 
conquistado de um modo geral. Reconheci que este era um território de lutas e resistências e 
consciente disso aderi ao movimento tornando-me representante da minha escola sede junto 
 
1
 Me refiro aqui a estabilidade funcional proporcionada pelo concurso público e as demais vantagens que 
acompanham esse modo de inserção no mercado de trabalho como o plano de carreira e os auxílios integrantes 
da folha de pagamento. 
14 
 
ao Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (APEOESP). Minha 
inserção nesse meio, a participação ativa nos congressos, reuniões e manifestações, além de 
me proporcionar vivenciar de forma singular o exercício da cidadania, ajudou-me a ampliar 
minha concepção a respeito das dificuldades enfrentadas pela educação e pelos professores, 
embora nesse contexto eu também tenha percebido de modo frustrante a ausência de 
concepção de cooperação e que há resistência também por parte de profissionais da educação, 
em reconhecer a importância desse enfrentamento na conquista de direitos. 
Nesse período tive ainda outras duas experiências na área da educação, uma 
enquanto voluntária na Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE) da minha 
cidade natal, Franca SP, onde pude ter contato com a metodologia de ensino e as políticas 
públicas de inclusão, atuei em vários setores, colaborava onde havia necessidade, conforme a 
demanda dos dias em que eu estava lá, auxiliando nas salas de aula, nas oficinas, na 
secretaria, na administração e nos eventos promovidos para arrecadar fundos para o auxilio do 
projeto, a outra, enquanto sócia diretora na rede privada em uma instituição de educação 
infantil, oportunidade ímpar de me aprofundar na legislação educacional, nos parâmetros 
curriculares e conhecer a fundo os aspectos burocráticos e institucionais da implantação de 
uma unidade de ensino quandoda criação do Projeto Político Pedagógico e da concretização 
da instituição. 
Na Paraíba, onde passei a residir a partir de 2011, atuando em outros contextos 
tive contato com outra realidade, de um modo geral a mesma encontrada no meu local de 
origem onde ingressei na carreira do magistério, porém diferente em muitos aspectos, tanto 
pela minha condição funcional tanto pela forma de acesso, uma vez que aqui os profissionais 
da educação ainda podem ser contratados
2
, e o são em sua maioria, pela rede pública sem 
concurso público e há diferenças substanciais referentes a benefícios entre profissionais que 
exercem a mesma função nesse contexto, o que confesso me deixou “escandalizada”, apesar 
de minha consciência sobre as dificuldades encontradas nessa área de atuação. O sentimento 
de injustiça e impotência que a constatação desse fato me causou afastou-me da profissão 
docente por certo período, mas não da educação. Apesar de minha resistência recebi duas 
propostas em dois momentos diferentes para atuação no nível superior na rede privada, uma 
para coordenação de unidade de EAD e outra para coordenação de curso de pós-graduação, 
 
2
 Da realidade de onde venho esse fato já fora superado há vários anos, quando eu ingressara na educação em 
2006 já não existia mais. Todos os profissionais da educação de minha cidade são concursados, em todas as 
esferas, professores, diretores, coordenadores, supervisores e professores substitutos também participam 
obrigatoriamente de processos seletivos de provas e títulos para exercer essa função por períodos determinados. 
Eu ingenuamente pensara que não pudesse ser de outro modo em outros locais. 
15 
 
aceitei ambas e desenvolvi esse trabalho por certo período, um inteiramente administrativo e 
outro pedagógico, em um nível da educação que eu nunca havia trabalhado antes e que foram 
certamente de modo positivo grandes desafios. 
Procurei outras áreas para atuar, porém tudo o que eu fazia de diferente me levava 
ao lugar de sempre: a educação. Primeiro empreendi na área do turismo e quando me dei 
conta estava fazendo projetos de aula de campo para as escolas e trabalhando com turismo 
pedagógico, atuei nesse sentido por quatro anos e foi uma experiência excepcional conceber a 
educação na perspectiva dos processos de ensino e aprendizagem realizados in loco e da 
pedagogia por projetos. Nesse período, ainda insistindo em exercer outro ofício ampliei o 
menu de serviços oferecendo eventos coorporativos em parceria com uma rede de bares e 
restaurantes e treinamentos coorporativos ao ar livre, e mais uma vez me vi atuante em 
contextos vinculados a educação quando os trabalhos realizados nesse sentido tinham em sua 
maioria enquanto parte contratante as escolas com a solicitação de aulas da saudade, 
confraternizações e organização de capacitações para o corpo docente das instituições que 
demandavam deslocamentos e atividades ao ar livre. 
Foi num desses trabalhos que tive despertado meu desejo de retornar ao trabalho 
docente e encontrei ânimo para aceitar as condições impostas, não de modo passivo e 
conformado, mas determinada a fazer a minha parte para a construção de uma nova realidade, 
sentimento este que creio animar a maioria de meus pares nesse ambiente às vezes tão 
insalubre que é a educação. No inicio do ano de 2014 a Prefeitura Municipal de João Pessoa 
aderiu aos nossos projetos de aula de campo para os discentes e de treinamento ao ar livre 
para os docentes do Programa Nacional de Inclusão de Jovens (PROJOVEM URBANO - 
PJU), durante esse ano realizamos diversas atividades e estudos in loco com esse público em 
várias localidades da Paraíba e também de outros estados. O contato com esses jovens e com a 
proposta deste programa pautada em valores éticos, humanitários e de inclusão reavivou em 
mim a vontade de aprender, compartilhar e interagir nesse meio, um novo contexto de 
educação para mim e consequentemente novas concepções, senti uma forte inclinação, eu 
diria até irresistível, de fazer parte disso, e fiz. No inicio de 2015 fui aprovada no processo 
seletivo docente para a décima quarta edição do Projovem Urbano para lecionar a disciplina 
de participação cidadã, o projeto tem duração de 18 meses para cada edição tendo chegado ao 
final em novembro de 2016 e tendo sido esta a última edição deste programa de acordo com 
informações da secretaria da educação do município e confirmada através da ausência de 
novos processos seletivos discentes e docentes. O contato com esses jovens, suas histórias de 
vida e a oportunidade de vivenciar a situação educacional pública docente e discente no 
16 
 
ensino regular
3
 colocou-me novamente em posição de refletir sobre a educação e todas as 
contradições que se apresentaram para mim advindas dela. 
Situações relacionadas a condições de acesso e permanência, a condições de 
trabalho, a igualdade de direitos e deveres sempre me inquietaram. Eu nunca as aceitei nem 
me conformei com aquilo que se coloca para nós acerca disso pela sociedade e pelas políticas 
públicas destinadas a esse fim, e isso me faz questionar constantemente sobre porque nos 
encontramos em tais situações, o que nos levou e nos leva a esses resultados. Nesse ponto 
justifica-se minha inclinação à história de um modo geral e especificamente a história da 
educação, pois assim como O Anjo da História (BENJAMIN, 1987) sinto-me propensa a 
olhar para trás apesar do progresso que nos impulsiona sempre, dito de outro modo, sempre 
busquei compreender a realidade a minha volta buscando por suas origens através da história, 
pois creio ser essa a única maneira de se ter uma compreensão global dos fatos e é essa 
compreensão imprescindível para qualquer processo de mudança ou contribuição que se 
queira realizar nesse sentido. Nesse contexto, ao longo de todas as minhas experiências 
enquanto profissional ou estudante ou ainda ao observar meus alunos/as, as mulheres 
estiveram sempre no cerne dessas inquietações e diante disso surgiu a motivação para a 
referente pesquisa que se deu pelo interesse em compreender os aspectos e contextos nos 
quais foram constituídas a concepção feminina no ambiente educacional, uma vez que nele 
estamos inseridos e assim sendo, também construímos e somos construídos, tornando-nos 
responsáveis pelos seus resultados. 
A opção pela linha de pesquisa em História da Educação e a predileção pelas 
cartas nos jornais se deu a partir de nosso contato em meados de 2015 com a obra de 
GALVÃO & GOTLIB (2000), intitulada Prezado Sr, Prezada Senhora: Estudos sobre 
Cartas. A partir dessa conexão com esse tipo de texto nos demos conta do quão rico 
historicamente e enquanto fonte documental é o universo epistolar e o quanto ele tem para nos 
dizer em muitos aspectos, entre eles, o da instrução pública. 
Desse modo ao fazer pesquisas sobre esse tema, descobrimos que essa modalidade 
de escrita também circulou em suportes como os jornais. Aprofundando essas investigações, 
feitas predominantemente através da ferramenta “internet”, verificamos a existência de um 
trabalho coordenado pelas professoras Fabiana Sena e Socorro Barbosa, divulgado e 
disponibilizado através do site “Jornais e Folhetins da Paraíba no século XIX”. Esse trabalho 
das professoras consistiu em levantar, mapear, digitalizar e disponibilizar as cartas que foram 
 
3
 O projeto acontecia dentro das escolas municipais onde compartilhávamos com os profissionais da educação 
básica regular os espaços e as experiências. 
17 
 
publicadas nos jornais Paraíba no século XIX. A partir daí teve inicio o delinear de nosso 
objeto de pesquisa, conforme detalharemos a seguir. 
 
1.1 FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA CONSTRUÇÃO DO OBJETO: A PRESENÇA 
FEMININA NA INSTRUÇÃO PÚBLICA NA PARAÍBA DO SÉCULO XIX ATRAVÉS 
DOS INDÍCIOS ENCONTRADOS NASCARTAS PUBLICADAS NOS JORNAIS. 
 
O presente texto tem por objetivo investigar e discutir sobre as concepções acerca 
das possíveis representações referentes à presença e participação feminina na instrução 
pública na Paraíba oitocentista, tendo como objeto e fonte cartas sobre a instrução pública 
publicadas nos jornais e folhetins da Paraíba no Século XIX, no recorte temporal que 
compreende o período de 1850 a 1886, pretendemos analisar como a mulher é apresentada 
nesse contexto e recorte históricos através dos indícios encontrados nesses documentos. 
Segundo Barros (2005) “o recorte temporal é definido e determinado pelo objeto”, 
desse modo entendemos ser aquele, a relação de espaço e tempo em que ocorreram os fatos, 
nesse trabalho determinado pela fonte, as cartas nos jornais e folhetins, as quais aparecem de 
alguma forma elementos femininos. A escolha de se trabalhar com o gênero feminino partiu 
como já dito anteriormente, de nossas inquietações acerca de situações e condições das 
mulheres no contexto educacional e também em virtude de identificarmos que, embora 
existam várias publicações sobre cartas
4
 nos jornais da Paraíba no referido século, nenhum 
deles aborda especificamente a figura feminina no contexto da instrução pública. 
Posteriormente tivemos a oportunidade de confirmar esse dado ao realizarmos em 
parceria com José Roberto de Morais dos Santos
5
, o trabalho de culminância da disciplina 
Pesquisa em Educação I, ministrado pela professora Maria Lúcia Nunes, onde nos foi 
proposta a elaboração de artigo sobre o estado da arte e do conhecimento sobre a linha de 
pesquisa História da Educação do PPGE-CE/UFPB, a partir do ano de sua implantação em 
2009 ao ano de 2016
6
, data em que foi realizado o presente estudo. Trabalho similar anterior
7
 
 
4
 Nos interessa nessa trabalho uma abordagem feminina a partir do dispositivo “cartas” publicadas nos jornais do 
século XIX e nesse sentido afirmamos que não encontramos outros trabalhos, entretanto não desconsideramos a 
presença de inúmeros trabalhos na Paraíba referentes a mulher no século XIX no contexto da Instrução Pública. 
5
 José Roberto Morais dos Santos é mestrando em Educação pela Universidade Federal da Paraíba – UFPB. 
Desenvolve pesquisas relacionadas à História da Educação, com ênfase em estudos relacionados às práticas 
escolares no ensino confessional. 
6
 Dados disponíveis na plataforma Sucupira até dezembro de 2016. 
7 FARIAS, Rosilene Mariano de. NETO, José Francisco de Melo. RODRIGUES, Janine Marta Coelho. 
VIRGÍNIO, Maria Helena da Silva. Pesquisa em Educação na Paraíba 30 anos (1977 – 2007). Paraíba: 
Editora UFPB, 2007. 
18 
 
a esse e anterior a criação da linha de pesquisa de História da Educação fora realizado no 
PPGE-CE/UFPB, em virtude da comemoração dos 30 anos do programa de pós graduação em 
educação, compreendendo o período de 1977 a 2007, abrangendo todas as linhas de pesquisa 
existentes no período no referido programa. 
Para Soares (1989), “estado da arte” ou “estado do conhecimento”, é um tipo de 
pesquisa que possibilita o mapeamento de produções acadêmicas em termos quantitativos: 
 
[...] pesquisas desse tipo é que podem conduzir à plena compreensão do estado 
atingido pelo conhecimento a respeito de determinado tema – sua amplitude, 
tendências teóricas, vertentes metodológicas. Essa compreensão do estado do 
conhecimento sobre um tema, em determinado momento, é necessária no processo 
de evolução da ciência [...] (SOARES, 1989, p. 3). 
 
O “estado da arte” ou “estado do conhecimento” começou a surgir no Brasil por 
volta dos anos de 1980, tendo subsidiado vários estudos acerca da análise de produções 
acadêmicas no âmbito nacional. Mas o seu auge foi nos anos de 1984, na área de História da 
Educação brasileira. Nas palavras de Ferreira (2002), essas pesquisas são: 
 
[...] Definidas como de caráter bibliográfico, elas parecem trazer em comum o 
desafio de mapear e de discutir uma certa produção acadêmica em diferentes campos 
do conhecimento, tentando responder que aspectos e dimensões vêm sendo 
destacados e privilegiados em diferentes épocas e lugares, de que formas e em que 
condições têm sido produzidas certas dissertações de mestrado, teses de doutorado, 
[...] (FERREIRA, 2002, p. 258) 
 
A abordagem dessa temática, acerca do estado da arte, além de fazer um resgate 
das produções já publicadas, contribuiu para o condensamento de informações existentes 
numa determinada área. Conforme percebemos nas palavras de Teixeira (2006), “o Estado da 
Arte” ou “Estado do Conhecimento” caracteriza-se como um levantamento bibliográfico, 
sistemático, analítico e crítico da produção bibliográfica acadêmica de determinado tema. 
Podemos aqui mencionar que pesquisadores que se dedicam a produzir sobre o 
“estado da arte” ou “estado do conhecimento”, tem como principal interesse conhecer a 
totalidade de produções em determinada área, dessa forma, poder apresentar os resultados 
tanto em nível quantitativo como qualitativo, e assim desencadear discussões acerca das 
produções desenvolvidas, pois, 
 
[...] essa compreensão do estado de conhecimento sobre um tema, em determinado 
momento, é necessária no processo de evolução da ciência, afim de que se ordene 
periodicamente o conjunto de informações e resultados já obtidos, ordenação que 
permita indicação das possibilidades de integração de diferentes perspectivas, 
aparentemente autônomas, a identificação de duplicações ou contradições, e a 
determinação de lacunas e vieses. (SOARES, 1989, p. 3) 
 
 
 
19 
 
Movidos pelo interesse de tentar se conhecer o já produzido para depois tentar 
encontrar respostas para o que ainda não se tem de buscar cada vez mais respostas ao grande 
número de produções já realizadas de difícil acesso, tentando dessa forma possibilitar a 
divulgação de respostas não só à sociedade, mas a todos que se dedicam a esse tipo de 
pesquisa, para que dessa forma possa se ter uma nova ferramenta metodológica, para auxiliar 
na construção dos temas propostos. Trata-se, portanto, de uma atividade reflexiva e crítica, 
não devendo se colocar os dados obtidos, sem antes fazer uma reflexão sobre esses dados, 
relacionando-os com a temática proposta. É nessa interação do texto com o autor, que deve 
surgir um novo texto, que tenha força para argumentar com o leitor e, assim gerar novas 
discussões. 
Com o intuito de se conhecer um pouco mais sobre as produções acadêmicas da 
Pós-Graduação em Educação no nível de mestrado e doutorado da Universidade Federal da 
Paraíba- UFPB nos propomos a analisar as produções acadêmicas da linha de História da 
Educação para tentarmos aqui identificar trabalhos realizados com a temática carta nos jornais 
e folhetins do século XIX. 
O cruzamento das informações aqui coletadas se deu através das seguintes fontes: 
Plataforma Sucupira, Biblioteca Digital da Universidade Federal da Paraíba – UFPB, e 
cadastro interno da situação acadêmica dos alunos das turmas 26 até a turma 35. Dessa forma, 
o acesso a essas informações, não foi tão simples como parece. Seja pela não disponibilidade 
na Biblioteca online, ou a ausência de informações em outros meios, foi necessário se fazer 
um cruzamento de todos os meios disponíveis para se chegar ao resultado. Para Sabino (2004, 
p. 13), “Todos estamos cientes da necessidade de conhecermos experiências anteriores para 
elaborarmos de maneira mais eficiente o nosso presente. Nortearmo-nos por ações, estudos e 
análises evitará que incorramos nos erros cometidos por nossos antecessores”. 
Assim sendo, se fizeram necessárias várias revisões acerca das questões 
analisadas, devido aos desencontros de informações encontradosnos memoriais do programa, 
dificultando a análise, e compreensão das dissertações e teses abordadas. 
 
 
 
 
 
 
 
20 
 
GRÁFICO 1- Número de dissertações e teses defendidas: HE/PPGE/UFPB – 2009 a 2016. 
 
 
Fonte: MORAIS; SILVA, 2017, p. 8 
 
Ao todo foram encontradas, conforme indica o gráfico, 69 dissertações e 18 teses. 
O método utilizado foi à observação dos títulos, recortes temporais e resumos quando 
disponíveis, destas encontramos apenas um trabalho sobre cartas especificamente, uma 
dissertação defendida no ano de 2015 por Maria Géssica Romão da Silva intitulada 
Correspondências de Professores: Representações e Práticas Docentes nos Jornais da 
Paraíba Imperial (1864-1889), que trata da análise das cartas encontradas nos jornais da 
Paraíba como discurso das representações das práticas docentes no século XIX. Encontrou-se 
também um trabalho que trata dos manuais epistolares, defendido em 2015 por Kaline 
Gonzaga Barboza sob o título Leituras das Regras de Escrita de Cartas: manual epistolar 
novo secretario portuguez ou código epistolar como dispositivo de formação pedagógica. 
Em momento posterior a produção acima mencionada e com a intenção de obter 
maior conhecimento acerca do tema, uma vez que o referido trabalho realizado como 
culminância de disciplina limitou-se a apenas as produções do PPGE/UFPB, buscamos 
identificar em outros centros da UFPB produções que utilizaram cartas publicadas nos jornais 
do século XIX como fonte/objeto de estudo ou trabalhos relacionados a esse universo de 
escrita, a saber, os manuais epistolares. Interessava-nos nesse intento analisar que tipo de 
abordagem utilizando cartas foi realizado nos trabalhos existentes, procurando a confirmação 
de nossa suposição da inexistência de um tratamento relacionado a nossa proposta. Utilizamo-
21 
 
nos da mesma metodologia empregada no levantamento dos trabalhos do PPGE e a partir 
dessa investigação verificamos a existência de dois trabalhos que utilizaram cartas publicadas 
nos jornais do século XIX na Paraíba provenientes do Programa de Pós-Graduação em 
Linguística
8
: A orientação para o outro: relações dialógicas na constituição do discurso 
escrito de cartas de leitor do século XIX, de Thiago Trindade Matias (2009), que trata 
especificamente das cartas publicadas nos jornais como objeto de estudo; e o trabalho 
Topicalização: um estudo histórico sobre a ordem dos constituintes em cartas oficiais da 
Paraíba dos séculos XVIII e XIX, de Maria Alba Silva Cavalcante (2011). Ainda utilizando 
os mesmos referenciais de busca: cartas publicadas nos jornais do século XIX, na tentativa de 
localizar possíveis produções oriundas de outras instituições da Paraíba como a UFCG e a 
UEPB a pesquisa resultou negativa. 
Buscamos também por produções no site da Sociedade Brasileira de História da 
Educação (SBHE) onde redirecionada ao portal da Revista Brasileira de História da Educação 
(RBHE) encontramos o artigo Imprensa e instrução pública no império: o modo epistolar 
nos jornais do Rio de Janeiro e da Paraíba de Fabiana Sena da Silva (2014). No banco de 
dados dos anais da SBHE encontramos dois artigos sobre esses temática intitulados: Aos 
leitores dos jornais da Paraíba e do Rio de Janeiro, notícias sobre os liceus no Império e 
As epístolas nos jornais Paraibanos: o discurso pedagógico no período imperial ambos de 
Fabiana Sena da Silva (2011). Dando continuidade as investigações no intuito de alcançar o 
maior número possível de trabalhos relacionados ao tema de nossa pesquisa, por fim, 
utilizamos a ferramenta de busca google no intento de alcançar resultados mais abrangentes e 
que por ventura não constassem dos portais navegados a priori, nessa modalidade 
encontramos outros dois artigos, um artigo publicado na revista teias (Universidade Estadual 
do Rio de Janeiro/UERJ) intitulado Representações e práticas docentes nas cartas de 
queixas da província da Paraíba no Império, de autoria de Maria Géssica Romão da Silva e 
Fabiana Sena (2017), o outro nos periódicos on line do Grupo de Estudos e Pesquisas 
História, Sociedade e Educação no Brasil (HISTEDBR): Cartas no jornal o governista 
paraibano (1850): criação da cadeira de desenho no liceu paraibano, de Kaline Gonzaga 
Barboza e Maria Géssica Romão da Silva (2012). E por fim, encontramos no livro impresso 
Histórias da Educação na Paraíba: Rememorar e Comemorar (Pinheiro e Cury, 2012) o 
artigo As cartas sobre Instrução Pública nos jornais paraibanos do Império, também de 
Fabiana Sena da Silva. 
 
8
 SILVA (2015), também fez esse levantamento. 
22 
 
Considerando ainda as várias
9
 publicações já existentes de tantos autores que 
deram sua contribuição para a construção desse sentido
10
 ao trabalharem com esse tema, 
ao pesquisar sobre o “estado da arte” ou “estado do conhecimento” expandindo os referentes 
de busca ao buscar apenas por “cartas e história da educação” descobrimos que autores como 
Galvão e Gotlib (2000), Gondra (2003), Rizzini (2007), Sena (2011, 2012, 2013, 2014, 2015) 
e Camargo (2000) entre outros, utilizaram as cartas no jornal como fonte de estudo na 
História e na Educação. 
Feito o levantamento dos trabalhos realizados e a constatação da possibilidade de 
não haver estudo específico sobre as cartas nos jornais e as mulheres
11
 na instrução pública na 
Paraíba do XIX partimos para a busca de indícios documentais que nos tornasse possível à 
constituição do corpus de nossa pesquisa. Ao pesquisarmos na internet, por meio da 
ferramenta google, deparamo-nos com uma fonte/acervo, resultado dos trabalhos das 
professoras Fabiana Sena e Socorro Barbosa, publicado no site
12
 Jornais e Folhetins Literários 
da Paraíba no século XIX. 
Tal arquivo digital é composto, como o próprio nome diz, por jornais e folhetins, 
não só da Paraíba, mas de vários estados e períodos históricos, entre esses, inúmeras edições 
de jornais da Paraíba no século XIX e uma seleção específica com todas as cartas encontradas 
nesses periódicos, onde encontramos seis
13
 (6) cartas (documentos) que comporão a base de 
nossa análise, onde se encontram informações referentes ao sexo feminino relacionado à 
instrução pública na Paraíba, publicadas entre os anos de 1850 a 1886. 
A partir desse referencial: o recorte temporal, partimos em busca de outras 
informações referentes às mulheres em outras sessões dos jornais, os que portavam as cartas e 
também outros que circularam no período. Buscamos informações nos anúncios, nos jornais 
literários e também em outros sites especializados
14
, onde tivemos acesso à legislação 
educacional da época e aos relatórios de província, com o objetivo de fundamentar e justificar 
nossas análises e observações acerca do objeto e fonte, uma vez que em nosso entendimento a 
fonte não responde as coisas imediatamente, ela serve para responder questionamentos 
específicos, segundo Burke (2004) “os historiadores têm se referido aos seus documentos 
 
9
 Selecionamos para este trabalho algumas dentre várias publicações sobre cartas, selecionadas conforme maior 
afinidade com nosso tema e devido ao tempo relativamente curto para o desenvolvimento deste trabalho. 
10
 Escrita de Cartas como prática social. 
11
 Nos interessa nessa pesquisa refletir sobre o feminino através e a partir dos indícios encontrados nas cartas nos 
jornais. 
12
 <http://www.cchla.ufpb.br/jornaisefolhetins/acervo.html> 
13
 Esses documentos serão expostos e analisados detalhadamente no capítulo 3. 
14
 Os sites utilizados para consultar a fonte de pesquisa foram: http://hemerotecadigital.bn.br/ 
23 
 
como “fontes”, como se eles estivessem enchendo baldes no riacho da Verdade”. Fontes 
históricas não são como uma fonte de água onde é possível ir com um balde catarrespostas, 
as fontes podem ou não responder perguntas, o trabalho do historiador é que as define. 
Uma vez delimitado e definido nosso objeto, buscaremos entender e responder aos 
seguintes problemas de pesquisa: como e por quem as mulheres, professoras e alunas eram 
representadas nas cartas sobre instrução pública nos jornais da Paraíba do Século XIX? Que 
informações estão implícitas na escrita epistolar
15
 praticada e publicada pelos sujeitos da 
época nos jornais e folhetins da Paraíba oitocentista, dentro do recorte temático e temporal 
propostos? Implícitas aqui justificado pelo acesso limitado que as mulheres possuíam no 
século XIX no âmbito social e educacional, e nesse ínterim, dentre as várias ferramentas 
existentes para se interrogar a evidência documental e na tentativa de superar os filtros 
interpostos por seus autores e coadunando com a concepção de que o documento nunca é 
neutro, utilizaremos como referencial teórico, dialogaremos, buscaremos subsídios e 
fundamentação na perspectiva de Ginszbug (1989), 
 
Poderíamos comparar os fios que compõem esta pesquisa aos fios de um tapete. 
Chegados a este ponto, vemo-los a compor-se numa trama densa e homogênea. A 
coerência do desenho é verificável percorrendo o tapete com os olhos em várias 
direções”. (GINZBURG, 1989, p.170) 
 
Para o autor, “uma coisa é analisar pegadas, astros, fezes (animais e humanas), 
catarros, córneas, pulsações, campos de neve ou cinzas de cigarro; outra é analisar escritas, 
pinturas ou discursos” (GINZBURG, 1989, p.171). Desse modo, olhando minuciosamente, 
concentrando-nos nos pormenores buscaremos neste conceito suporte para validar através de 
indícios e vestígios, possíveis representações acerca de nosso objeto, nos debruçando, para 
além das cartas sobre a instrução pública, sob outras informações contidas nos jornais, em 
outras seções e em outras edições do mesmo local e período. 
Para auxiliar na investida de responder as questões citadas acima e levantadas 
nessa pesquisa, buscaremos suporte também nos conceitos de representação e práticas de 
leitura e escrita de Roger Chartier, que serão utilizados para compreender o objeto dessa 
pesquisa como “[...] instrumento de um conhecimento mediato que faz ver um objeto ausente 
substituindo-lhe uma „imagem‟ capaz de repô-lo em memória e de „pintá-lo‟ tal como é” 
 
15
 Significado de escrita epistolar: relativo à maneira de se escrever cartas: estilo, gênero epistolar. Ex. carta de 
amor = gênero epistolar. Epistolar: 1. Referente à epístola; 2. Que tem forma de cartas ou de um conjunto de 
cartas. Conteúdo das cartas = escrita epistolar. Carta = mensagem escrita ou impressa que se envia a alguém, a 
uma empresa ou instituição para comunicar algo. Disponível em: ‹https://dicionariodoaurelio.com/epistolar›. 
Acesso em: 16 Oct. 2017 
 
 
24 
 
(CHARTIER, 1991, p. 184). Conforme esse autor, as relações de poder e o modo de se 
relacionar entre os sujeitos, são afetados e alterados pela informação veiculada no suporte 
impresso. “Nesse sentido, as cartas sobre a instrução pública, publicadas nos jornais 
paraibanos oitocentistas serão analisadas como práticas de escritas e objetos de representação 
de um determinado momento histórico” (Sena, 2014), a partir da compreensão que não existe 
“[...] prática ou estrutura que não seja produzida pelas representações, contraditórias e em 
confronto, pelas quais os indivíduos e os grupos dão sentido ao mundo que é o deles” 
(CHARTIER, 1991, p. 177). 
Cada fonte exige metodologias específicas de trabalho, nesse sentido nossa 
pesquisa classifica-se em qualitativa uma vez que lançaremos mão de pesquisa documental e 
bibliográfica nos valendo do instrumento chamado análise de conteúdo cujo objetivo principal 
é desvendar os sentidos ocultos e aparentes de um documento, um texto ou qualquer outro 
mecanismo de comunicação. Técnicas de pesquisa que viabilizam a sistematização da leitura 
como a análise textual, fichamento, análise temática e análise interpretativa, também serão 
utilizadas. Segundo Barros (2004), 
 
[...] a “metodologia” remete a uma determinada maneira de trabalhar algo, de eleger 
ou constituir materiais, de extrair algo desses materiais, de se movimentar 
sistematicamente em torno do tema definido pelo pesquisador. A metodologia 
vincula-se a ações concretas, dirigidas à resolução de um problema; mais do que ao 
pensamento, remete à ação. (BARROS, 2004, p.80) 
 
Visando atender aos propósitos desta investigação histórica, que tem como 
objetivo a investigação e a busca por respostas que venham a colaborar com a comunidade 
acadêmica e com a sociedade, no processo de construção dos conceitos e representações 
femininas na instrução pública na Paraíba no século XIX, levando ao aprimoramento e ao 
melhor entendimento do quadro social feminino concebido, produzido e implantado até o 
presente momento, neste trabalho, três capítulos serão elaborados. 
O segundo intitulado A escrita epistolar como lugar de memória, abordará o 
lugar de memória ocupado pela escrita epistolar e todos os recursos que subsidiaram essa 
escrita ao longo do século XIX a exemplo dos manuais epistolares. 
Para tanto, recorreremos às considerações de Camargo (2000), em Cartas e 
Escrita; de Gondra (2003), em Ao correr da pena: reflexões relativas às cartas de 
professores do século XIX; de Malatian (2009), em O historiador e suas fontes; de Matias 
(2009), em A orientação para o outro: relações dialógicas na constituição do discurso 
escrito de cartas de leitor do século XIX; de Medeiros, Mota e Fabiano (2011), em 
25 
 
Movimentos argumentativos em cartas de leitores do século XIX; em Roquete (1867), em 
Novo Secretário Português ou Código Epistolar; em Barboza (2015) em Leituras das 
Regras de Escrita de Cartas: manual epistolar novo secretario portuguez ou código 
epistolar como dispositivo de formação pedagógica; e de Machado e Sena (2015), em A 
escrita de cartas e os manuais epistolares, que também nos dará suporte nesse capítulo para 
construirmos e expormos nossas considerações acerca do universo da escrita epistolar, suas 
bases fundamentais e suas configurações as quais permitem sua identificação mesmo quando 
a carta encontra-se em outros suportes, como nos jornais e folhetins por exemplo. 
Será abordado também neste capítulo, como essa prática social consagrada através 
de seu conteúdo, ou seja, a escrita epistolar configura-se em um lugar de memória, na 
perspectiva de Le Goff (2013) em História & Memória, e esta ligada ao conceito de 
civilidade recorrente no período, e verificada a ocorrência na Paraíba por meio de anúncios 
publicados nos jornais
16
 que circularam na época. Sobre a civilidade, trabalharemos com Elias 
(1994), em O Processo Civilizador; e Revel (2009) em História da Vida Privada. 
No terceiro capítulo, Cartas nos jornais do século XIX, abordaremos de forma 
introdutória a escrita epistolar nos jornais da Paraíba nesse período, com o intuito de tentar 
delinear o contexto sócio histórico em que se deu a implantação da imprensa na Paraíba e 
como o suporte, nesse caso os jornais, nos quais as cartas que pretendemos analisar se 
encontram, define e modifica a estrutura das cartas se comparadas ao modelo clássico 
privado, do qual se originou os jornais que antes de receberem este nome e nova estruturação, 
eram conhecidos como cartas de notícias. 
Os referenciais e as fontes utilizadas para esse fim são Le Goff (2013), Chartier 
(1991 e 2002), Rizzini (1998), Galvão & Gotlib (2000), Jornal Gazeta do Rio de Janeiro 
(1808); Barboza e Silva (2012) , Peixinho (2009), Jornal O Governista Parahybano (1850), 
Sena (2014), Jornal A Marqueza do Norte (1867), Roquette (1867), Ginzburg (1989). 
Por fim, no quarto e último capítulo, As Representações Femininas nas Cartas 
da Instrução Pública na imprensa periódica da Paraíba (1850-1886),analisaremos o 
conteúdo das seis cartas encontradas nos jornais da Paraíba imperial, utilizando como suporte 
as demais cartas, anúncios e noticias dos jornais em que foram encontradas, assim como os de 
outros jornais com o objetivo viabilizar através do cruzamento de informações e da 
comparação, contextualizar e problematizar as representações concebidas através essas 
escritas, de modo a entender como essas práticas se traduziram em dado comportamento, além 
 
16
 Os jornais onde tais anúncios foram encontrados são: A Regeneração, nos anos de 1861 e 1862 e no jornal O 
Publicador no ano de 1864. 
26 
 
de tentar responder alguns de nossos questionamentos sobre a presença e atuação feminina no 
espaço da instrução pública na Província da Parahyba do Norte. Nesse capítulo trabalharemos 
a partir da compreensão de Ginzburg (1989) em o Paradgma Indiciário e de Chartier (1991 e 
2002) na concepção do conceito de representação. 
Obras como as de Faria e Lôbo (2008), em Vozes Femininas no Império; de 
Almeida (2007), em Por que educar meninas e mulheres; de Jinzenji (2010), em Cultura 
Impressa e Educação da Mulher no Século XIX; Priori (1997), em História das Mulheres 
no Brasil e (2014) em História e Conversa de Mulher; de Perrot (2007) em Minha História 
das Mulheres e (2010) em Os excluídos da história: operários, mulheres e prisioneiros nos 
darão subsídios para a compreensão das representações femininas ao longo dos séculos e, 
sobretudo no XIX. 
Além dos jornais onde se encontram as seis cartas que compõem o corpus 
documental desta pesquisa, a saber: o jornal O Tempo, o Jornal O Governista Parahybano e o 
jornal O Publicador, também foram analisados em busca de informações sobre a mulher no 
século XIX na instrução pública os demais jornais publicados no período de 1850/1886, 
recorte temporal dessa pesquisa, encontrados no acervo digital do site jornais e folhetins da 
Paraíba do século XIX, correspondendo a mais de uma dezena
17
 de títulos que constituem 
inúmeras edições entre jornais e folhetins editados com os mais diversos fins. 
Cremos que essa pesquisa contribuirá para os estudos da História da Educação na 
Paraíba, pois para nós, esse estudo revela dados sobre o feminino e os vários assuntos que 
circulavam no contexto da instrução pública, sendo o nosso objetivo lançar um olhar mais 
atento a presença feminina
18
 nessa conjuntura, para além das referências, notícias ou informes 
sobre os demais atores escolares como, por exemplo, professores, alunos diretores e 
inspetores. Assim, essa pesquisa faz-se necessária, pois, por meio dela, perceberemos como e 
por quem a mulher era representada no contexto da Instrução Pública, por meio da escrita das 
cartas para os jornais. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
17
 Estes serão citados e melhor descritos no capítulo 3. 
18
 Aqui se compreende as professoras, as alunas e demais figuras do gênero feminino que possam vir a aparecer 
nesse contexto da instrução pública ao longo de nossa pesquisa. 
27 
 
 
 
2 A ESCRITA EPISTOLAR COMO LUGAR DE MEMÓRIA 
 
“Muito podem na verdade as cartas, e não menos que a conversação entre 
presentes” (J.I.ROQUETE) 
 
Não nos é possível, por razões óbvias, interagir com os sujeitos que produziram 
no século XIX, porém, podemos estabelecer comunicação com os trabalhos realizados por 
esses agentes através da utilização da linguagem, da forma como foi empregada e dos modos 
como eles trabalharam com esse recurso, na escrita de cartas, manuais, códigos, anúncios, 
notícias ou qualquer outro meio. A partir do contato constituído com essas produções é que se 
constroem as representações, por intermédio de um exercício contínuo de interpretação e 
reinterpretação. Esse exercício de hermenêutica
19
, segundo GINZBURG (1989) é a peça 
central do método indiciário, pois através dele seria possível identificar através de “analise do 
tipo microscópica fenômenos aparentemente negligenciáveis” (GINZBURG, 1989, p. 10). 
 A linguagem é vista como um processo comunicativo, pois reflete as práticas do 
comportamento humano em determinado tempo da história. Nesse contexto, o uso da 
linguagem está presente nas diversas ciências existentes. Podemos pensá-la, para efeito dessa 
pesquisa, na forma escrita e de modo funcional, visto que, esta é uma prática de 
representação, uma vez que a linguagem sofre transformações que acompanham o 
desenvolvimento e o progresso social. Na perspectiva de CHARTIER (1991), é também 
entendida como prática social e, dentro de sua multidisciplinaridade, temos como produto 
desta linguagem, o lugar de memória, facultada sua aproximação com as manifestações que 
resultam num ato tanto representativo quanto social. 
 
Assim, Pierre Janet “Considera que o ato mnemônico fundamental é o 
“comportamento narrativo”, que se caracteriza antes de mais nada pela sua função 
social, pois se trata de comunicação a outrem de uma informação, na ausência do 
acontecimento ou do objeto que constitui o seu motivo” (Florès, 1972, p.12). Aqui 
intervém a “linguagem, ela própria produto da sociedade” (ibidem). Desse modo, 
Henri Atlan, estudando os sistemas auto-organizadores, aproxima “linguagens e 
memórias”[...].(LE GOFF, 2013, p. 389) 
 
Considerando que o passado já nos chega, por meio da linguagem, como uma 
representação, dada à impossibilidade de revivê-lo, configura-se, então, como uma evocação 
do que está ausente, de uma imagem ou, dito de outro modo, de uma memória. Levando-se, 
em consideração, contudo, o objeto de nossa proposta – os indícios de representações do 
 
19
 Técnica utilizada para interpretar e/ou explicar textos e discursos. 
28 
 
feminino nas cartas publicadas nos jornais da Paraíba no século XIX (1850 a 1886) –, somos 
levados a refletir sobre a escrita epistolar e a questionar dois pontos: como é a escrita nessas 
cartas? A que memórias elas nos remetem? Pensando no discurso da escrita epistolar como 
prática social e nas representações como significantes do modo de se agir no mundo, 
CAMARGO (2000, p.204) declara que, “Ao se rastrear e analisar o ato de escrever vão 
emergindo modos como histórias de escrita são registradas através da escrita das cartas, da 
correspondência no seu conjunto, do texto, dos procedimentos”. 
Temos a concepção, a partir de CHARTIER (1991), que a representação é 
inseparável da prática, e esta é uma ação no mundo que faz reconhecer o lugar social do 
indivíduo. Pode-se dizer que a representação, ao articular-se às práticas, implica uma 
identidade, logo não existe representação dissociada da prática; é o mundo da representação, 
então, que gera as práticas sociais, objetivando-se em instituições, que tendem a perpetuar a 
existência dos grupos sociais. 
Nessa vertente, assim se posiciona Chartier: 
 
A relação de representação – entendida como relação entre uma imagem presente e 
um objeto ausente, uma valendo pelo outro porque lhe é homóloga – traça toda a 
teoria do signo do pensamento clássico [...] Por um lado, são essas modalidades 
variáveis que permitem discriminar diferentes categorias de signos (certos ou 
prováveis, naturais ou instituídos, aderentes a ou separados daquilo que é 
representado, (sic) etc.) e caracterizar o símbolo por sua diferença com outros 
signos. (CHARTIER, 1991, p.182) 
 
O que concebemos e cremos ser a história, as memórias e os documentos são, na 
verdade, uma representação construída, a partir do ponto de vista de quem vê e pensa 
determinado objeto ou fato – trata-se de uma perspectiva em que a representação do mundo 
está ligada à posição social dos indivíduos e construída ao longo do tempo (CHARTIER, 
1991). No sentido pragmático, funciona como uma estratégia de classe, mediando suas 
relações com as demais, resultandoem variadas representações, as quais cada classe elabora a 
seu modo (LE GOFF, 1996, p.376). 
Assim temos que, dada à existência de categorias que organizam e constroem a 
representação da realidade, como uma prática social, sendo as representações sociais 
características de uma determinada época, é a partir delas que são concebidas e consagradas 
as memórias que se tornarão posteriormente lugares, documentos e monumentos (idem, 
ibidem, p.401). 
Quando pensamos em memória somos remetidos a fatores psicológicos e 
biológicos, até mesmo o ato de pensar sobre algo estaria inserido neste contexto, e apesar de 
29 
 
as memórias serem constituídas a partir desses processos, porém, esclarecemos que nossas 
reflexões não dizem respeito aos processos mnemônicos em si, mas aquilo que se constitui 
socialmente a partir delas. 
A memória foi uma prática muito valorizada por muitos séculos durante a 
antiguidade, tendo o grego Simônides de Ceos como precursor (YATES, 1976), e a Idade 
Média, períodos em que as sociedades eram predominantemente orais. Com o intuito de 
aprimorá-las e conservá-las, várias técnicas de memorização foram criadas ao longo dos anos, 
e estas, também conhecidas como “arte da memória”
20
, eram usadas como metodologia de 
ensino no período citado. Segundo LE GOFF (2013) o lugar de memória surgiu de uma das 
técnicas de memorização, que consistia na associação da memória a um objeto ou a uma 
ordem de coisas. Para o autor, “enquanto conhecimento do passado [...] a história não teria 
sido possível se este último não tivesse deixado traços, monumentos, suportes da memória 
coletiva” (idem, ibiden, p.485). 
Com a transição ocorrida entre o oral e o escrito (LE GOFF p.390), essa prática 
sofreu alterações referentes à sua forma e a sua concepção, passando a utilizar como suporte 
não mais apenas técnicas mnemônicas, mas o que foi denominado de memórias artificiais que 
são o ato de registrar através da escrita os fatos, os acontecimentos, a história, a memória. Das 
tábuas de argila, ao papel e a memória RAM dos computadores na atualidade, esta entendida 
como um apogeu no processo evolutivo das memórias artificiais, várias memórias e 
representações são criadas a respeito de um mesmo objeto, com a ampliação da capacidade de 
armazenamento da memória através da prática da escrita, houve também uma drástica 
mudança nas sociedades. CHARTIER (2009, p.116-117) assevera que “[...] a familiaridade 
com a escrita progride, dotando as populações de competências culturais que antes 
constituíam apanágio de uma minoria”. 
Podemos conceber a memória como um conhecimento que opera a partir das 
lembranças individuais, isto é, de cada sujeito, mas também de interesses coletivos ou de 
determinados grupos sociais, ou de quem detém o poder. 
 
A memória é a vida, sempre carregada por grupos vivos e, nesse sentido, ela está em 
permanente evolução, aberta à dialética da lembrança e do esquecimento, 
inconsciente de suas deformações sucessivas, vulnerável a todos os usos e 
manipulações, suscetível de longas latências e de repentinas revitalizações (NORA, 
1984: XIX). 
 
20
 Conjunto de regras para memorização de palavras e/ou ideias que se constituem em uma técnica de 
memorização, dos lugares e das imagens, de modo que o orador possa reproduzir de modo eficiente longos 
discursos (Yates, 1976). 
30 
 
Ela carrega valores morais a respeito dos eventos que ela quer lembrar e que 
podem ir mudando com os anos, conforme os processos evolutivos e tecnológicos e de acordo 
com os interesses atuais, ou seja, uma construção do passado que serve para atender interesses 
do presente, pois, é a partir dos questionamentos que fazemos a essas memórias enquanto 
fontes históricas que elas tomam forma e são delineadas, configuradas e identificadas. Essa 
reconstrução, o acontecimento rememorado, será expressa em forma de narrativa, pela qual o 
sujeito constrói um sentido do passado (CHARTIER 1991). A memória é um 
compartilhamento de lembranças e discursos acerca do passado, um olhar para o passado 
ancorado nos interesses e visões de mundo do presente, uma vez que depende das perguntas 
que fazemos a essas memórias, conforme aquilo que nos inquieta, que nos instiga e nos 
motiva a buscar entendimento e respostas. Nesse sentido, GINZBURG (1989) nos chama a 
atenção e ressalta a importância dos filtros na nossa leitura, porque nenhum documento é 
neutro, um documento sempre é fruto da ideologia de quem o produziu. 
Para Le Goff (2013), podemos classifica-la também como um tipo de fonte 
histórica, mas que não se configura como a história em si, pois o que entendemos por 
memória nesse contexto, em linhas gerais seria a junção de certos elementos, como por 
exemplo: os eventos do passado vividos ou valorizados por interesse; os eventos vividos “por 
tabela”, aqueles que os sujeitos não viveram, mas estão ligados a eles por conta das suas 
crenças políticas, religiosas, ideológicas, filosóficas e identitárias, que guardam essas 
memórias mesmo sem tê-las vivido, o que torna clara a diferença entre memória e lembrança, 
esta é individual e sobre experiências vivenciadas pelo sujeito, aquela pode ser sobre algo não 
vivido pelos sujeitos, mas que devido ao seu caráter de compartilhamento coletivo são 
apropriadas pelas pessoas e passam a fazer parte de suas trajetórias; a personificação da 
memória através de personagens e indivíduos e por fim, a existência dos lugares de memória, 
classificados pelo autor como: 
 
os lugares topográficos, como os arquivos, as bibliotecas e os museus; lugares 
monumentais como os cemitérios e arquiteturas; lugares simbólicos como as 
comemorações, as peregrinações, os aniversários ou os emblemas; lugares 
funcionais, como os manuais, as autobiografias ou as associações. (LE GOFF, 2013, 
p.473) 
 
Numa perspectiva indiciária podemos considerar que os lugares de memória são 
fontes e seus registros base para a investigação histórica. Não queremos dizer com essa 
afirmação que aquilo que os constitui seja verdade absoluta nem tampouco mentira, mas que 
pode nos dar suporte servindo de pistas, contribuindo para a construção do sentido que se 
31 
 
pretende dar a pesquisa, se partimos do pressuposto que o paradigma indiciário é uma 
ferramenta que pode ser utilizada para interpretar e interrogar as evidências, sejam elas 
documentais, narrativas ou físicas (GINZBURG, 1989). 
A percepção do real não é um processo objetivo e transparente, mas, ao contrário, 
é determinado por categorias partilhadas por determinado grupo social, as quais permitem 
entender, classificar e atuar sobre o real. Tais categorias configuram uma instituição social, na 
medida em que são dados ligados a grupos sociais, os quais buscam atender a interesses 
específicos. O resultado é que a representação do real, construída pelos diferentes grupos 
sociais, tende a justificar e a legitimar um determinado lugar social e, ao mesmo tempo, a 
própria representação. Toda representação social aspira à hegemonia, busca impor-se aos 
demais grupos, submetendo-os a seus valores e conceitos (CHARTIER, 1988). 
Para CHARTIER (1991), as representações são expressas por discursos. Temos 
que a escrita epistolar é classificada como texto, e este se configura em um discurso sobre o 
contexto. Desse modo, só se torna possível decifrar as representações por meio das 
articulações do texto com o contexto. Nas palavras de GINZBURG (1989, p.158), para se 
estabelecer a compreensão não se pode abandonar a ideia de totalidade. Segundo CAMARGO 
(2000, p. 204), “Na emergência destas histórias, sujeitos que escrevem e lêem cartas deixam 
suas marcas, que podem indicar pistas para uma leitura da constituição do sujeito da escrita, 
na escrita”. 
Desse modo, faz-se necessário, investigar a conjuntura em que a escrita epistolar, 
no século XIX encontra-se inserida, sobretudona Paraíba, assim como os suportes portadores 
desse estilo. 
 
2.1 MANUAIS EPISTOLARES E A ARTE DE ESCREVER CARTAS NA PROVÍNCIA 
DA PARAHYBA DO NORTE 
 
A partir da ascensão da Nova História Cultural, tornaram-se possíveis novas 
concepções, novas fontes e novas releituras no campo da pesquisa em História e História da 
Educação. Surgiu, assim, uma nova perspectiva nesse campo do saber, relacionada aos temas, 
abordagens, personagens reais e fontes, expandindo consequentemente as produções e 
interesse pela área. Com esse advento, as cartas emergiram como fonte documental legítima e 
fecunda, uma vez que: 
 
32 
 
A história nova [...] substituiu a história [...] fundada essencialmente nos textos, no 
documento escrito, por uma história baseada na multiplicidade de documentos: 
escritos de todos os tipos, documentos figurados, produtos de escavações 
arqueológicas, documentos orais, (sic) etc. Uma estatística, uma curva de preços, 
uma fotografia, um filme, ou, para um passado mais distante, um pólen fóssil, uma 
ferramenta, um ex-voto são, para a história nova, documentos de primeira ordem. 
(LE GOFF, 2013, p. 28-29, grifos do original). 
 
Diante de tantas possibilidades no campo da historiografia da educação, 
buscamos, por meio da escrita das cartas, entender a circulação e a representação do objeto 
tido como cultural. Desse modo, entende-se o reconhecimento da escrita epistolar como lugar 
de memória. A importância das cartas como fonte documental histórica assim como o papel 
dos manuais epistolares na construção desse modelo de escrita e prática social, na medida em 
que as regras e formas exigidas na redação de tais suportes caracterizam e representam 
práticas culturais de determinado período. 
 A arte de escrever cartas surgiu como uma necessidade, a partir da expansão do 
espaço e circunstâncias da circulação das epístolas, do ambiente privado para o público e 
oficial, ou educacional e literário (GALVÃO e GOTLIB, 2000, p.41). De acordo com 
Machado e Sena (2015, p.51 e 52), “Desde então, o gênero epistolar esteve presente na vida 
das pessoas anônimas e célebres, seja por cartas de amizade e familiares, no âmbito do 
privado, ou de ofícios, no público”. Assim sendo, emergiu a preocupação com esse tipo de 
escrita e a necessidade de se pensá-la, com o objetivo primeiro do estabelecimento de regras 
comuns. 
 
Enquanto gênero literário, ou como atividade reservada de alguns privilegiados, o 
uso de escrever cartas conheceu notável impulso entre os homens [...]. Expressão de 
uma maior importância dos laços que se estabeleciam para além da célula familiar; 
do ideal de civilidade: gênero propício ao melindroso comércio de ideias, ou a 
confidenciar experiências de encanto, beleza e amor. (GALVÃO e GOTLIB, 2000, 
p.42) 
 
No que concerne à composição da escrita epistolar, os manuais de escrever cartas 
tiveram importante papel, uma vez que as cartas seguiam um determinado padrão, normas 
pré-estabelecidas conforme a intenção ou o objetivo a que se destinavam, dentro de moldes 
determinados pelas regras de civilidade
21
 que ditaram um tipo específico de comportamento 
social praticado por uma comunidade letrada, onde os que dela faziam parte, liam e escreviam 
cartas. Segundo Machado e Sena (2015, p.52), “[...] os manuais agrupam práticas e ações que 
fixam modelos amplamente imitados”. A escrita dos manuais tinha por objetivo reunir o 
 
21
 “Com essa palavra, a sociedade ocidental procura descrever o que lhe constitui o caráter especial e aquilo de 
que se orgulha: o nível de sua tecnologia, a natureza de suas maneiras, o desenvolvimento de sua cultura 
científica ou visão de mundo [...]”. (ELIAS, 1994, P.23) 
33 
 
conjunto de saberes necessários para a escrita epistolar, a fim de suprir a falta de habilidade 
exigida para tais produções, de modo a atingir o objetivo máximo da comunicação, pelo uso 
de expressões adequadas, padronizadas e reconhecidas universalmente – “regulando gestos e 
hábitos de escrita, os manuais propagaram um modo de escrever à sua época” (idem, ibidem, 
p.52). 
Diante de tais constatações, sobre a importância dos manuais no âmago epistolar, 
eis que surgem para nós algumas questões e inquietações às quais tentaremos responder ao 
longo do texto, a fim de proporcionar melhor entendimento no que tange a esse suporte de 
escrita, o manual, que subsidiava a escrita epistolar, objeto de nossa análise. Conforme 
GINZBURG (1989, p.161), “algumas belas inteligências deste nosso século
22
 escreveram e 
quiseram dar regra para reconhecer o intelecto e a inteligência dos outros com o modo de 
escrever e da escrita deste ou daquele homem”, o que culminou mais tarde na França na 
origem da grafologia
23
 como a concebemos hoje, em outra passagem de sua obra o autor faz 
referência ao “Tratado sobre como de uma carta missiva se conhece a natureza e qualidade do 
escritor, do médico Bolonhês Camillo Baldi” (idem, Ibdem, p.161) como sendo o texto mais 
antigo que circulou na sobre grafologia, que se tem noticia. Buscaremos, com auxílio dessas 
escritas, vestígios
24
 e informações sobre quem seriam seus supostos leitores e produtores. O 
que são os manuais, para que servem, como e por quem foram utilizados, por onde 
circularam, o que eles representam e, sobretudo, quais memórias trazem. “Se a realidade é 
opaca, existem zonas privilegiadas – sinais, indícios – que permitem decifrá-la (GINZBURG, 
1989, p. 177). 
Partindo de uma abordagem sucinta
25
 sobre tais obras, a título de levantamento e 
contextualização, a historiografia nos traz a informação de que tais obras circularam na 
Europa a partir do século XVI, com o propósito de dar suporte à escrita protocolar das cartas. 
Muitos foram os autores que se dedicaram a esse tema nesse período. Machado e Sena (2015) 
fazem esse levantamento: 
 
[...] damos visibilidade aos manuais epistolares escritos/organizados/publicados, 
entre os séculos XVI e XIX, os quais se encontram disponíveis na internet, tais 
como Corte na Aldeia (1618), de Francisco Rodrigues Lobo; La Secretaire à la 
Mode (1650), de Sieur de La Serre; Le Nouveau Secretaire de la Cour (1714), de 
 
22
 Século XIX. 
23
 Estudo geral da escrita e dos sistemas de escrita com o objetivo de obter características da pessoa que escreve. 
24
 GINZBURG (1989) 
25
 Não é de interesse da pesquisa a abordagem sobre todos os manuais epistolares que circularam entre os séculos 
XVI e XIX, uma vez que nosso objetivo é abordar nesse capítulo os que circularam na Província da Parahyba do 
Norte no século XIX. 
34 
 
Monsieur Milleram; O Secretário Portuguez ou methodo de escrever cartas (1801) e 
o Secretário Portuguez Compediosamente (1823), ambos de Francisco José Freire 
(Candido Lusitano); Manual del Escribiente, (1831[1835,2 ed.]), de D. Romualdo 
Peronce; Novo Secretário Portuguez ou Código Epistolar (1860, 3ªed.) e Código do 
Bom Tom ou Regras da Civilidade e de Bem Viver no século XIX (1845), de 
J.I.Roquette. (MACHADO; SENA, 2015, p. 47;48) 
 
Pela quantidade de manuais epistolares que circularam desde sua origem no 
século XVI até o século XIX, fica evidente a importância e aceitação que obtiveram junto ao 
público leitor da época. Enquanto público, para além das correspondências intimas e pessoais, 
havia naquele período a figura do secretário
26
. A representação deste responde a uma das 
nossas questões, a referente a “quem” lia e utilizava esses manuais e para que público se 
destinavam, diante disso fica evidente que os executores dessa função fazia parte do público 
alvo dessas produções. 
Ainda no que tange a identidade de seus leitores, partimos em busca de sinais que 
nos conduzissem a tais sujeitos, aos que possivelmente fizeram uso desses manuais e, 
sobretudo, dentre esses, evidencias ou vislumbres da presença dofeminino nesse contexto. 
Dentre os modelos de escrita epistolar, encontra-se em Roquette
27
 (1887) algumas amostras, 
no capitulo seis, que trata das “Cartas Afectuosas, Sentimentaes e de Familia” (p.88), as 
cartas de “Cícero a sua esposa” (p.89), e também as de “Plinio a Calpurnia, sua mulher” 
(p.93), demonstram que havia mulheres letradas desde a antiguidade e nos leva a supor que os 
exemplos femininos utilizados pelo autor em sua obra tinham a intenção de também alcançar 
 
26
 A função do Secretário era a escrita da carta protocolar dos nobres, sendo uma importante profissão, sobretudo 
no século XVIII. Tal função remetia a autoridade no domínio de tais regras. (GALVÃO E GOTLIB, 2000). 
27
 Padre José Ignácio Roquette foi um homem letrado, nascido em Portugal, considerado pela comunidade 
acadêmica, em virtude das suas concepções, estudos e intelecto, à frente do seu período histórico, século XIX. 
[...] Roquette nasceu em uma família abastada na freguesia de Alcabideche portuguesa, no conselho de Cascaes; 
foi batizado no mês de julho de 1801 [...] Sua vida claustral seria uma vida dedicada aos estudos, por isso antes 
da sua entrada no convento português, vinculado à ordem franciscana, Santo Antonio do Estoril, na Província de 
Algarves em 1821, foi habilitado com os estudos de Gramática, Retórica e Filosofia. [...] Sua vida dedicada aos 
estudos lhe rendeu alguns títulos e passagens por vários conventos portugueses, [...] em 1831, após concurso e 
oposição pública, tornou-se 'Lente effectivo', período em que desempenhou também a função de Secretário da 
província, de onde provavelmente tenha resultado seu contato mais próximo e sua maior experiência quanto à 
escrita de cartas protocolares, servindo de inspiração e material para a escrita do manual epistolar, [...] intitulado 
de Novo Secretario Portuguez ou Código Epistolar (s/d). Nesse espaço de tempo, também foi, aos 29 anos de 
idade nomeado Pregador régio da Sancta Egreja Patriarchal, indicação do Cardeal D. Patricio I, através de carta 
datada de 30 de março de 1830. [...]Com o fim da rebelião, findada após a convenção d‟Evora-monte o padre foi 
exilar- se em Londres, [...], vindo a atracar em terras britânicas em 10 de agosto de 1834. [...]sai de Londres com 
destino à França levando consigo o passaporte da legação portuguesa, onde foi acolhido pelo embaixador de 
Portugal na França, o Exmo. Sr. Visconde de Carreira e, bem como, pelo Arcebispo de Paris, que logo lhe 
direcionou para uma freguesia do bairro de S. Germano e, pouco tempo depois, obteve sua subsistência. [...]Essa 
passagem de Roquette pela França torna-se relevante para sua escrita dos Manuais de Civilidade, tendo em vista 
que ele estava no país referência, no que diz respeito às regras de convivência, provavelmente lhe servindo de 
influência. (BARBOZA, 2015, p.45) 
35 
 
tal público
28
, no entanto, o modelo que utiliza a carta de “Maria Stuart, Rainha da Escócia, a 
Isabel, Rainha d’Inglaterra” (p.97), mostra-se como uma evidência sobre a que classe social 
pertencia às mulheres alfabetizadas, que se apropriaram dessas escritas. Não queremos 
afirmar com isso que todas as rainhas eram letradas, tampouco que apenas as monarcas 
tinham acesso à leitura e a escrita, mais também as mulheres que faziam parte da elite da 
época. Excetuando-se o papel social das rainhas e, quando letradas, as práticas de escrita que 
demandavam de seu poder, com raríssimas exceções, para as demais mulheres, esse espaço 
era restrito ao lar, as relações intima e familiar, e as de amizade, como é possível observar em 
outro modelo deste mesmo manual, numa carta de “A Marquesa de Sevigné
29
 a sua Filha” 
(p.98). 
Representação feminina em carta de Cícero: 
 
Cícero a sua mulher. 
De todas as minhas mágoas nenhuma me atormenta tanto como a doença de nossa 
querida Tullia; a respeito da qual nada mais te escrevo, porque sei que não tens 
menor cuidado nella do que eu. 
Quanto ao que me dizes que desejarás que eu fosse mais perto de ti, vejo que assim 
devia ser, e já o teria feito, se os obstaculos que a isso se opõem não subsistissem 
ainda. Espero as cartas de Pomponio, que terás cuidado de me remeter o mais 
depressa possível. Faze por teres saüde. (ROQUETTE, 1887, p. 89). 
 
 
 
Representação feminina em carta de Plínio: 
 
Plinio a Calpurnia, sua mulher. 
Dizes-me que minha ausencia te causa grande magoa, e que não tens outra 
consolação mais que a de ler as minhas obras, e que até muitas vezes as pões ao teu 
lado em lugar de mim. Mui grato é para mim que tenhas tantas saüdades minhas, e 
que essa consolação mitigue seu soffrimento. Pela minha parte, leio e relrio tuas 
cartas, tomo as nas mãos de tempos a tempos com tanto prazer como se fossem 
chegadas de fresco; porêm com ellas mais se ascende o fogo de minha saüdade. E na 
verdade qual não deve ser a doçura de teus dizeres, se tanta é a suavidade de suas 
lettras! Escreve-me pois o mais amiúdo que poderes, posto que seja este um prazer 
que me atormenta. Tem saüde. (ROQUETTE, 1887, p. 93). 
 
 
28
 Nos referimos as mulheres letradas apenas, visto que este intento não estava ao alcance de todas as mulheres 
no período citado. 
29
 As cartas de Madame Sévigné se traduzem num convite a França do século XVII, por meio de seu olhar, 
impregnado nas 1155 cartas escritas por ela e em sua grande maioria dirigidas a sua filha, após a mesma ter se 
mudado para uma região distante para acompanhar o marido. A saudade, o amor e o sofrimento foram às 
motivações de tais escritas que dentro de um contexto, a Europa no século XVII, nos traz informações valiosas 
que auxiliam na compreensão dos fatos históricos. Nesses documentos ela relata aspectos da vida na corte, expõe 
as questões de gênero da época por meio de suas inquietações, aborda as questões políticas, psicológicas e 
culturais além de se corresponder com figuras ilustres e históricas como, por exemplo, o rei Luís XIV 
(GALVÃO e GOTLIB, 2000). 
36 
 
As cartas que o autor utiliza como modelos em seu texto abrangem tempos 
históricos diferentes, partindo da Antiguidade
30
 como se verifica nos exemplos acima citados 
e alcançando a Idade Moderna
31
, conforme referências abaixo. Essa extensão temporal 
expressa o quão antiga é a arte epistolar e imprime à obra de Roquette valor histórico, tradição 
e consequentemente credibilidade, esta desejável e almejada uma vez que “desde cedo viu no 
comércio do livro uma forma extra de aumentar seus proventos e divulgar seu nome, dando-
lhe mais prestígio como nobre e como professor nos seminários eclesiásticos” (BARBOZA, 
2015, p. 46). 
Prosseguindo com os exemplos encontrados na referida obra (ROQUETTE, 
1887), temos o fragmento de escrita epistolar elaborada por Maria Stuart após tomar 
conhecimento de sua sentença de morte. 
 
Maria Stuart, Rainha de Escossia, a Isabel, Rainha d‟Inglaterra 
Senhora, 
Apesar que deva morrer por um aresto assignado de vosso punho, não penseis que 
morro vossa inimiga. Pertenço a uma religião que me ensina a sofrer com paciencia 
todos os males do mundo, como a vossa vos permite de os fazer impunemente. 
(ROQUETTE, 1887, p. 97). 
 
Representação feminina em carta de Madama Sevigné a sua filha 
 
Não leves a mal, minha filha, o que eu experimentei ao entrar em casa: que 
diferença! Que solidão! Que tristeza! O teu quarto, o teu gabinete, o teu retrato! Não 
encontrar aquella amável pessoa! M. de Grignan comprehende bem o que eu quero 
dizer e o que eu senti. No dia seguinte, que foi ontem, achei me acordada ás cinco 
horas; fui buscar Corbinelli para vir aqui com o Padre. Chove Continuamente, e 
receio que os caminhos da Borgonha estejão intransitaveis. Lemos aqui as máximas 
que Corbinelli me explica; elle quizera ensinar-me a governar o meu coração; muito 
ganharia eu na viagem,

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