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Fundamentos Históricos, Teóricos e Metodológicos do Serviço Social - Políticas Públicas Professora Esp. Daniela Sikorski AUTORA Professora Esp. Daniela Sikorski ● Especialista em Política Social e Gestão de Serviços Sociais pela UEL (Univer- sidade Estadual de Londrina). ● Bacharel em Serviço Social pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). ● Professora Formadora EAD - UniCesumar. ● Docente de Cursos Presenciais – UniCesumar (Campus Londrina). ● Professora de Pós-Graduação em Gestão da Qualidade em Saúde – UniCesu- mar. ● Supervisora Acadêmica de Estágio Obrigatório em Serviço Social. Tem experiência profissional na área de Serviço Social na Educação, Organizacio- nal, Terceiro Setor, Responsabilidade Social, Projetos Sociais, Gestão de Pessoas na Área da Saúde e Acreditação Hospitalar. APRESENTAÇÃO DO MATERIAL Seja muito bem-vindo(a)! Ao escolher o curso de Bacharelado em Serviço Social, você escolheu uma profis- são comprometida eticamente com a defesa dos direitos humanos, a justiça, a liberdade, a equidade. Gradativamente você conhecerá a história da profissão, conseguindo se apropriar dos fundamentos históricos, teóricos e metodológicos do Serviço Social e todas as demais disciplinas do curso, possibilitando a você se tornar um profissional diferenciado e compro- metido com a sociedade. Este livro trata justamente dos fundamentos da profissão, fundamentos históricos, teóricos e metodológicos do Serviço Social enfatizando as políticas públicas. Você terá a oportunidade de estudar sobre a gênese do Serviço Social e seus condicionantes históricos, políticos e sociais. A origem da questão social. O surgimento do Serviço Social na Europa e nos Estados Unidos, prioritariamente no Brasil. Perspectivas teórico-metodológicas sobre o surgimento da profissão. Entidades representativas da pro- fissão. A legislação social: CLT, LDB, LOAS, ECA, LOS, Estatuto do Idoso; Lei Maria da Penha; Estatuto da Igualdade Racial; Lei da Previdência Social. Na Unidade I você conhecerá a gênese do Serviço Social e a fundação das primei- ras escola de Serviço Social nos EUA, na Europa, na América Latina e no Brasil. Você ainda entenderá como se deu o processo de racionalização da assistência e a origem da questão social. Tais elementos serão fundamentais para a compreensão das demais unidades. Já na Unidade II vamos ampliar nossos conhecimentos sobre Serviço Social no Brasil e seus determinantes sócio-históricos. Veremos ainda como se deram as constru- ções clássicas tradicionais da profissão, desde o período de sua emergência até a sua legitimação. Depois, na Unidade III, vamos tratar sobre o Projeto Ético-Político do Serviço Social. Você ainda poderá se aproximar do Código de Ética e da Lei que Regulamenta a Profissão de Serviço Social no Brasil. E para encerrar esta unidade de estudo lhe será apresentado a trajetória de lutas e conquistas do conjunto CFESS/CRESS (Conselho Federal de Serviço Social / Conselho Regional de Serviço Social). E por fim na Unidade IV, veremos algumas legislações sociais e de proteção social, com as quais o assistente social tem contato no seu cotidiano profissional. Aproveito para reforçar o convite a você, para junto conosco percorrer esta jornada de conhecimento e multiplicar os conhecimentos sobre tantos assuntos abordados em nosso material. Esperamos contribuir para seu crescimento pessoal e profissional. Muito obrigada e bom estudo! SUMÁRIO UNIDADE I ......................................................................................................6 A Gênese do Serviço Social nos EUA, na Europa e na América Latina UNIDADE II ...................................................................................................43 O Serviço Social no Brasil UNIDADE III ..................................................................................................72 O Projeto Ético-Político do Serviço Social UNIDADE IV ................................................................................................122 Legislações Sociais 6 Objetivos de Aprendizagem: • Contextualizar a gênese do Serviço Social. • Compreender como se deu a racionalização da prática da assistência e origem da Ques- tão Social. • Conhecer a fundação e especificidades das primeiras escolas de Serviço Social. Plano de Estudo: • A racionalização da Assistência e a gênese do Serviço Social. • Origem da Questão Social. • A fundação das primeiras Escolas de Serviço Social. • A história do Serviço Social na América Latina. UNIDADE I A Gênese do Serviço Social nos EUA, na Europa e na América Latina Professora Daniela Sikorski 7UNIDADE I A Gênese do Serviço Social nos EUA, na Europa e na América Latina INTRODUÇÃO Olá, você está preparado(a) para nossos estudos? Vamos conhecer a gênese da nossa profissão? Vamos, a partir deste momento, compreender um pouco mais sobre a história do Serviço Social, o que possibilitará a você uma fundamentação pautada na história, em que atores foram construindo e consolidando a profissão para que se tornasse o que é hoje. Você verá que, historicamente, o Serviço Social possui uma grande influência da igreja, que, em seguida, foi se somando a questão política. Conheceremos brevemente como se deu a criação das principais escola de Serviço Social no Mundo, sobretudo na Europa, América do Norte (EUA) e América Latina (Peru e Chile). Para alguns a história pode parecer desestimulante, porém reforço meu convite em aprender a história da profissão. Por que estudar a história da profissão? Para que você se torne um(a) profissional fundamentado(a), embasado(a) e capaz de propor estratégias de intervenção condizentes com a realidade sócio-ocupacional em que está inserido(a), consi- derando a realidade atual. Um(a) profissional que saberá intervir com segurança, pensando a longo prazo e não imediatista, capaz de diferenciar as ações profissionais das ações de caridade, rompida ao longo dos tempos, porém sem nunca negar a sua essência. Atualmente, o Serviço Social é uma profissão inserida na divisão social e técnica do trabalho, e não filantropia, como por longo tempo foi entendido. Está preparado(a)? Vamos lá! Bons estudos 8UNIDADE I A Gênese do Serviço Social nos EUA, na Europa e na América Latina 1 A RACIONALIZAÇÃO DA ASSISTÊNCIA E A GÊNESE DO SERVIÇO SOCIAL Inicio este estudo apontando que, historicamente, a realização da prática da as- sistência esteve distante das relações sociais, ou seja, por longo tempo a prática da assis- tência social esteve associada à ideia de caridade, ajuda, assistencialismo, benevolência e filantropia. Nos dias atuais se faz necessário compreendermos com clareza, primeiramente, quais foram os fundamentos e a gênese (origem) da profissão, conhecer como nasceu a nossa profissão. Em sua gênese, o Serviço Social encontra suas raízes na assistência aos pobres, prestada, a princípio, por mulheres bondosas. Vê-se que a profissão, atualmente, se en- contra inserida na divisão social e técnica do trabalho, em que, de acordo com Estevão (2006), as ricas damas de caridade foram cedendo lugar às filhas da classe média ou trabalhadores. De forma bastante breve, leia a pequena história do Serviço Social, apresentada de maneira criativa, por Estevão (2006, p. 8-9), em seu livro O que é o Serviço Social: […] o Serviço Social tem pai e mãe e, inclusive, até já se deitou no divã do analista. O Serviço Social é fruto da união da cidade com a indústria. Seu nascimento teve como cenário as inquietudes sociais que surgiram do capitalismo e, como qualquer bom filho, quis possuir mãe (a cidade) e de identificar com o pai (a indústria). Na adolescência, negou várias vezes suas origens e hoje pode-se dizer que tem feições próprias, com contornos definidos na luta pela sobrevivência e, identificando com seus pais, chegou para ficar. 9UNIDADE I AGênese do Serviço Social nos EUA, na Europa e na América Latina É claro que, em sua fase de maturação, mantém todas as ambiguidades inerentes a uma profissão que, buscando comprometer-se com a população à qual presta serviços, é também canal de ligação entre instituições públicas e cidadãos, empregados e patrões. Assim apresentado, convido você a compreender um pouco mais sobre a gênese da nossa profissão, construindo um processo de formação acadêmica que lhe conduza a um futuro profissional brilhante. Para você compreender melhor qual a relação da assistência com a caridade, é pos- sível dizer que desde que existem pessoas em situação de pobreza, existem também pessoas que se preocupam e se comovem com tal situação, buscando ações para minimizá-las. Historicamente, As damas de caridade que pretendiam ganhar o céu minorando as agruras alheias acreditavam seriamente que os pobres eram a causa de sua própria situação e bastavam uma ajuda inicial e alguns conselhos bem dirigidos para que se lhes abrissem as portas das benesses que o capitalismo oferecia a todos indistintamente. Como o pobre sempre tem, muitos filhos, não bastava apenas ajudar a pessoa, era necessário também pensar na família, daí surge o trabalho com as famílias, com menores, na área de higiene, etc. (ESTE- VÃO, 2006, p. 16-17). Veja com atenção a citação apresentada, percebendo que a assistência estava diretamente ligada ao favor e ao assistencialismo, uma vez que o poder público não de- monstrava nenhum interesse em custear os serviços de assistência social. Esses serviços ficavam sob a responsabilidade das instituições religiosas. É importante contextualizar que, estando o capitalismo despontando, a sociedade também vai passando por transformações, em todos os seus aspectos. Você sabia que em dado momento histórico o lucro foi considerado pecado, uma imoralidade? Porém, com o surgimento do capitalismo, isso deixa de existir. A burguesia, que almejava o poder, se sentia ameaçada pelos problemas sociais e possíveis revoltas que os “pobres” ofereciam. Nesse sentido: Estado e Igreja vão dividir tarefas: o primeiro impõe a paz política (e com toda a violência necessária), a Igreja, ou melhor, as igrejas (Católica e Protestante) ficam com o aspecto social: tratar de fazer caridade. A justificativa é a necessidade de todos praticarem o bem, portanto os ricos precisavam cumprir com seus deveres com os pobres. Era uma preocupação com o indivíduo. O modo pelo qual se pensava resolver os problemas sociais era pela “reforma dos costumes” ou “reforma social” de cada um (ESTEVÃO, 2006, p. 11). Você, então, pode se questionar: como assim “reforma dos costumes”, professora? Bem, quando se fala que é preciso “reformar” algo ou alguma coisa é porque ela não serve mais do jeito que está, ou não serve mais para o meu “padrão” do que é ade- 10UNIDADE I A Gênese do Serviço Social nos EUA, na Europa e na América Latina quado. Por exemplo: quando você compra uma calça que ficou larga, você recorre a uma costureira e pede que ela a reforme para que se ajuste ao seu corpo, correto? Da mesma forma, com o advento do capitalismo, os pobres precisavam se ajustar à sociedade, precisavam de “reforma” para que não oferecessem “perigo” à sociedade. Ser pobre era uma contravenção, algo considerado errado, ou seja, eles eram “desajustados”. Em dado momento, ser pobre ainda era entendido por alguns como castigo divino ou repre- sentava a incapacidade da pessoa em se enquadrar na sociedade como as outras pessoas “normais”. Você achou isso estranho? Certamente você dirá que sim. Porém lembre-se que eram outros tempos. Voltemos ao entendimento sobre como era feita a assistência em outros tempos. Primeiramente, era feita de maneira assistemática, sem a utilização de planejamento, mé- todos e teorização. Com o tempo, as ações foram se organizando e tomando uma forma mais organizada, porém sem perder a característica de caridade e ajustamento moral, como você poderá observar a seguir: É a partir da segunda metade do século dezenove que algumas pessoas, como Chalmers na Inglaterra, Ozanam na França e Von der Heydt na Ale- manha, praticam caridade de caráter assistencial que se constitui como um esboço de técnica e de forma organizada. Mas o que faziam estas pessoas era diferente da prática caritativa anterior? Elas dividiam as paróquias em grupos de vizinhança, designaram um respon- sável em cada setor para distribuir ajuda material e fazer trabalho educativo (principalmente dando conselhos) (ESTEVÃO, 2006, p. 11). A partir dos trabalhos mencionado temos algumas ações e marcos que permitem compreender como as práticas de assistência vão se organizando. Um exemplo de ação que permite essa compreensão foram as Conferências São Vicente de Paulo (1833). Elas [...] organizam seu trabalho em torno de visitas e ajudas a domicílio, creches, escolas de reeducação de delinquentes, cuidados e socorros a refugiados e imigrantes. O que era feito apenas nas paróquias passa a ser feito por toda a cidade. A princípio organizada em pequenos bairros, a assistência começou a se expandir e procurou conquistar um espaço na cidade inteira. Até aí a Assistência Social é exercida, em caráter não profissional, como contribuição voluntária daqueles que possuíam bens para aqueles que eram pobres (ESTEVÃO, 2006, p. 12, grifo nosso). Caro(a) aluno(a), você está conseguindo perceber como eram realizadas as práti- cas de assistência? Consegue perceber a dimensão caritativa das ações sociais? Comentei, no início desta unidade de estudo, que a assistência era praticada por “damas de caridades”, lembra? Sendo assim, como se dava essa prática na segunda me- tade do século XIX? Vamos entender um pouco melhor? Veja a seguir: 11UNIDADE I A Gênese do Serviço Social nos EUA, na Europa e na América Latina Procurava-se em primeiro lugar conhecer as verdadeiras necessidades de cada um. Usar economicamente as esmolas disponíveis, visitar as casas dos pobres e necessitados, estudar conscienciosamente os pedidos de ajuda e conseguir trabalho para os “desocupados”, para prevenir os problemas deri- vados da pobreza (ESTEVÃO, 2006, p. 12). Além do apresentado quanto a ação das damas de caridade, temos ainda um outro marco acerca da organização da Assistência Social, que se deu em 1869: a Sociedade de Organização da Caridade, fundada em Londres. A Sociedade tinha suas ações fundamen- tadas em alguns princípios, os quais você poderá conferir a seguir: 1. Cada caso será objeto de uma pesquisa escrita; 2. Este relatório será entregue a uma comissão que decidirá o que se deve fazer; 3. Não se dará ajuda temporária, mas metódica e prolongada até que o indivíduo ou a família voltem às suas condições normais; 4. O assistido será agente de sua própria readaptação, como também seus parentes, amigos e vizinhos; 5. Será solicitada ajuda às instituições adequadas em favor do assistido; 6. Os agentes dessas obras receberão instruções gerais e escritas e se formarão por meio de leituras e estadias práticas; 7. As instituições de caridade enviarão a lista de seus assistidos para formar um fichário central, com o objetivo de evitar abusos e repetições de pesquisas; 8. Formar um repertório de obras de beneficência que permite organizá-las conveniente (ESTEVÃO, 2006, p. 14, grifo nosso). Observe os itens grifados na citação da autora, perceba que as ações colocam os vulneráveis e pobres numa condição de incapazes, passivos, em que a caridade sobrepõe a noção de direito. Aliás, a ideia de direito passava longe da assistência social da forma como vemos hoje. Ressalto que, como a Sociedade de Organização da Caridade, fundada em Londres, outras sociedades foram formadas em muitos outros países capitalistas, principalmente nos Estados Unidos. A novidade principal destas instituições era colocar, como princípio, a ne- cessidade de criar instituiçõesque se encarregasse, de formar pessoas especificamente para realizar as tarefas de assistência social e colocar em pauta a institucionalização do Serviço Social. O que se fazia por prazer ou por obrigação religiosa passa a se esboçar como uma profissão secularizada (ESTEVÃO, 2006, p. 14). Chamo a sua atenção para algumas questões, ao apresentar a você a questão da gênese da profissão e a racionalização da assistência, não devemos desconsiderar a história, pois o Serviço Social também se desenvolve no sentido em que a sociedade também evolui. Logo, não podemos e não devemos negar nossa origem, pois os movimen- tos de institucionalização da assistência, somados a outros fatores, contribuíram para a construção da profissão da forma como vemos nos dias atuais. 12UNIDADE I A Gênese do Serviço Social nos EUA, na Europa e na América Latina No próximo item você compreenderá um pouco mais sobre como a assistência social vai se racionalizando. Para isso é necessário compreender a questão social e como ela se origina, pois compreender a questão social permitirá a dimensão reivindicatória e politizada que o Serviço Social vai assumindo. Entendendo que a assistência social não é caridade ou favor, ela vai ganhando conotação de direito a partir da exploração e desigual- dade social, provocadas principalmente pela Revolução Industrial, um marco na história da humanidade. Existem duas teses, claramente opostas, sobre a gênese do Serviço Social. Elas se enfrentam como interpretações extremas sobre o tema, sendo que, tal como foram formu- ladas, se constituem em teses alternativas e mutuamente excludentes. 13UNIDADE I A Gênese do Serviço Social nos EUA, na Europa e na América Latina 2 ORIGEM DA QUESTÃO SOCIAL O Serviço Social, em sua gênese, é marcado pela forte influência da Igreja, bem como encontram-se, em seu cerne, as contradições marcadas entre capital X trabalho, que chamamos de questão social, seguido de seus desdobramentos, que nomeamos de expressões/manifestações da questão social, como, por exemplo: fome, desemprego, vio- lência, falta de acesso à saúde, educação etc. Com o tempo, o Serviço Social foi se consolidando enquanto uma profissão inserida na divisão social e técnica do trabalho, devidamente regulamentada e reconhecida por sua luta pelos direitos da população. Contudo, meu caro e minha cara aluna, precisamos compreender a nossa história enquanto profissão, e ver que ela foi se transformando e adquirindo conquistas, quando não mais utilizada enquanto instrumento da burguesia para manutenção da ordem e interesses dessa classe dominante. Estaremos mais que envolvidos com a questão histórica. Aliás, a história é mais que necessária para que possamos compreender como e porque temos e vivenciamos o mundo como ele é hoje. A história não é sucessão de fatos no tempo, não é progresso das ideias, mas o modo como homens determinados em condições determinadas cria os meios e as formas de sua existência social, reproduzem ou transformam essa existência social que é econômica, política e cultural (CHAUI, 2008, p. 8). Não podemos apenas passar uma “borracha” em tudo o que já foi construído ou simplesmente achar que os acontecimentos passados não influenciam em nossas vidas. Não podemos desconsiderar as tentativas de melhorar as condições de vida realizadas por nossos antepassados, os erros e acertos e a busca constante por um mundo melhor e que atendesse às suas necessidades. Vamos, então, ampliar nosso conhecimento? Aproveite a leitura! Quando falamos em questão social não estamos abordando nenhum tema recente ou algo novo. O surgimento da questão social está inserido em um contexto histórico, ligado a uma gama de relações – mais especificamente trabalhistas. Relações contraditórias, desiguais e que geraram mudanças na realidade social da época em que estava inse- rida. Assim, você pode compreender que a questão social deve ser apreendida a partir de como as relações se configuram e se apresentam na sociedade e como acontece o 14UNIDADE I A Gênese do Serviço Social nos EUA, na Europa e na América Latina enfrentamento da questão social (quais mediações são buscadas), tanto no âmbito social quanto no âmbito político. Tenha claro que, neste momento, falaremos sobre uma realidade que não é a bra- sileira e sim inglesa. Contudo essa realidade nos serve de ponto de partida, pois muito dos seus feitos e efeitos refletiram e repercutiram em todo mundo e são percebidos até os dias atuais. É importante termos sempre em mente que a leitura não só amplia nosso conhecimento, como também contribui para nossa visão de homem e de mundo. Sem contar que quem lê, escreve e reflete muito melhor, aperfeiçoa o vocabulário e melhora os níveis de discussão. Agora vamos observar o contexto histórico do surgimento da questão social no mundo. É preciso ter clareza que não se trata de um fenômeno exclusivamente brasileiro, visto que se apresenta em todo o mundo, e em cada lugar assume características diferen- ciadas conforme a realidade de cada lugar, de cada cultura. Começaremos pela Idade Média. No final desse período o trabalho consistia em uma estrutura familiar, este era o modo de produção que prevalecia na sociedade. O espa- ço temporal de trabalho era o dia, ou seja, o trabalhador iniciava suas atividades laborativas com o nascer do sol e parava seus trabalhos somente ao anoitecer. Considerava-se muito as forças místicas da natureza, era muito comum os trabalhadores se orientarem e regula- rem suas vidas a partir da natureza. O espaço físico do trabalho era o lar, a residência e os arredores da casa familiar (os agricultores, os sapateiros e os alfaiates). É importante ressaltar como o trabalho feminino e o trabalho infantil estão presentes nessa sociedade. As necessidades de sobrevivência e as obrigações servis contribuem para isso. As crianças, desde que já possam exercer alguma atividade laborativa, ingressam no mundo do trabalho para auxiliar na economia familiar. Nessa lógica, quanto mais filhos, maior poderia ser o aproveitamento produtivo. Pelo menos era assim que se apresenta aquela sociedade e, de maneira não muito distante, podemos observar a mesma lógica sendo empregada nas comunidades rurais mais atrasadas atualmente (SAUCEDO; NICOLAZZI JUNIOR. In: GEDIEL, 2001, p. 84). Com o passar do tempo, o comércio e o constante crescimento urbano vão ganhan- do destaque no final da Idade Média, no qual gradativamente as cidades vão se tornando espaço de trabalho, pois é nesse espaço que ocorrem as trocas (produtos agrícolas, arte- sanato etc.) e todo tipo de negócio. Essas transações ocorriam tanto durante o dia como à noite, em casa ou nas fábricas, rompendo, nesse final da Idade Média, toda estrutura feudal vigente, pois surge aí o sistema capitalista. 15UNIDADE I A Gênese do Serviço Social nos EUA, na Europa e na América Latina A evidência mais marcante do advento do sistema capitalista é a transformação das relações sociais. Antes se tinha a relação senhor X servo, com o novo sistema temos burguês X proletário. Outra característica é o início da produção em larga escala, lembran- do que antes as produções eram baseadas na estrutura familiar, sem muitos recursos. Priorizava-se o uso e, agora, a troca, aparecendo o que Marx chamava de mais valia. SAIBA MAIS Várias relações foram estabelecidas ao longo dos tempos. Perceba que sempre se apre- sentou uma constante oposição que podemos resumir entre “opressores e oprimidos”. Homem livre X Escravo; Patrício X Plebeu; Barão/Senhor X Servo; Burguesia (patrão) X Proletariado (empregado). Fonte: Marx e Engels, 2005. Outro aspecto que permanece com o sistema capitalista é que, assim como na estrutura feudal, todos os membros da família eram trabalhadores, sujeitos aos mesmos trabalhos, sem distinção.O que diferenciava era que a grande busca por mulheres e crian- ças se dava por conta do baixo custo da mão de obra (mulheres recebiam salários bem menores que os homens), representando uma maneira de baratear os custos de produção, outro motivo era que estes dois grupos (mulheres e crianças) eram “facilmente” disciplina- dos e fáceis de dominar. A questão social, originalmente expressa no empobrecimento do trabalha- dor, tem suas bases reais na economia capitalista. Politicamente, passa a ser reconhecida como problema na medida em que os trabalhadores em- pobrecidos, de forma organizada, oferecem resistência às más condições de existência decorrentes de sua condição de trabalhadores para o capital (SANTOS; COSTA, 2006, p. 12). A Revolução Industrial começou na Inglaterra (XVIII), alterando as relações e con- dições de trabalho, “inchando” as cidades com a vinda das famílias do campo em busca de condições melhores de vida. Aumentar lucros e diminuir despesas é o princípio do sistema capitalista, portanto, os proprietários buscam novas tecnologias para suas fábricas; exploram seus operários com carga horária de trabalho exorbitante, salários irrisórios e locais insalubres, 16UNIDADE I A Gênese do Serviço Social nos EUA, na Europa e na América Latina tudo isso para justificar o aumento da produção de mercadorias e o aumento do lucro para os proprietários. A partir desse cenário, originário da Revolução Industrial, vemos o aumento descon- trolado da população nas cidades. Os camponeses, deslumbrados com a ideia de uma vida mais fácil e melhores salários na cidade, sem pensar muito, abandonavam suas vidas no campo, contudo, ao chegarem à cidade encontravam um cenário caótico e desesperador. Temos o avanço na produção e industrialização, ao mesmo tempo, temos tam- bém o crescimento dos problemas socioeconômicos, pois não havia emprego para toda a demanda que chegava na cidade. Dessa forma, começou a aparecer, em larga escala, o problema do desemprego, fome, moradia (cortiços), prostituição, alcoolismo, sem contar a ausência de leis trabalhistas, o que muito facilitavam a exploração daqueles que ainda possuíam emprego. Nesse contexto histórico, temos ainda a chamada Segunda Fase da Revolução Industrial (1871-1914), que é compreendida pela introdução de outras inovações tecnoló- gicas; fonte de energia: não só o vapor, mas também a eletricidade e o petróleo; criação de novas máquinas e ferramentas, com outra estrutura de trabalho que agora é colocada em prática: avançada fragmentação de tarefas; ações eram repetidas infinitamente até al- cançar maior produtividade; para obter a colaboração dos funcionários foram estabelecidos remuneração e prêmios extras. Assim, o trabalhador tornou-se uma extensão da máquina e, ainda hoje, vemos nitidamente os reflexos desse modelo de trabalho. Um exemplo clássico desse formato é o apresentado no filme Tempos Modernos, de Charlie Chaplin. Entre os anos de 1855 e 1866 houve um aumento bem significativo de “indigentes” na Inglaterra. Estes não tinham alternativa que não fosse recorrer à caridade pública e acabavam se submetendo aos serviços das workhouses: As Workhouses eram grandes casas fundadas para fornecer moradia, tra- balho e educação ao homem destituído, mas apto a desenvolver um ofício e ingressar na sociedade de trabalho requisitada pela indústria. Esta nova organização exigia uma nova concepção de trabalho, pois a forma como o homem se organizava na manutenção de sua vida já não respondia aos interesses produtivos. Tal conceito de trabalho era diferente do até então vigente, tendo por objetivo adaptar o trabalhador às novas necessidades pro- dutivas. Algumas das Workhouses foram organizadas pela união de várias igrejas para dividir melhor os custos, isto porque muitas cidades pequenas não tinham condições de manter uma instituição desse porte. Outras eram construídas em terras compradas pela comissão real 10 ou em prédios que correspondessem às exigências da lei para abrigar os que necessitavam, conforme previa o parágrafo 23 da Segunda Lei dos Pobres, de 1834 (DORIGON, 2006, p. 125). 17UNIDADE I A Gênese do Serviço Social nos EUA, na Europa e na América Latina Cabe ressaltar que no meio rural (campo) a realidade não era muito diferente que a realidade da cidade. No campo se agravou a questão da fome, as mulheres e crianças foram as mais atingidas, já que a prioridade na alimentação era o homem, pois este deveria estar bem alimentado para que pudesse trabalhar, e o restante da família vinha em “segun- do lugar”. Quando analisamos esse contexto de crescimento do empobrecimento das famí- lias, tanto do campo quanto da cidade, percebemos a origem do que hoje chamamos de questão social. Não esqueça que o sistema capitalista, com seus crescentes conflitos de classes, gerou o agravamento das desigualdades sociais. O que trouxe à tona a discussão acerca da questão social, isso se deu a partir dos problemas dos trabalhadores, a crescente misé- ria, a insatisfação com as condições sociais, as lutas por melhorias urbanas. Esses pontos, quando problematizados, ganham um caráter político na sociedade da época. [...] a questão social, originalmente expressa no empobrecimento do trabalha- dor, tem suas bases reais na economia capitalista. Politicamente passa a ser reconhecida como problema na medida em que os indivíduos empobrecidos, de forma organizada, oferecem resistência as más condições de existência decorrentes de sua condição de trabalhadores para o capital. No percurso do desenvolvimento do capitalismo atravessado por lutas sociais entre capital e trabalho constituem-se respostas sociais mediadas ora por determinadas organizações sociais, ora pelo Estado, em um processo impulsionado pelo movimento de reprodução do capital (SANTOS; COSTA, 2006, p. 3). Tudo isto gera uma grande insatisfação e descontentamento, originando, assim, a organização dos operários, processo este que não ocorreu do dia para a noite. Sendo assim, quem interveio nesse contexto foi a Igreja Católica, com vistas a “re- cuperar” e melhorar os efeitos trágicos que caíam sobre a classe trabalhadora. Ela atuaria no espaço entre A recusa do Estado em assumi-la e a incapacidade das chamadas ‘classes inferiores’ de decidir sobre seu destino. Nesse sentido, ela lançará mão de um conjunto de procedimentos e estratégias de forte conteúdo moralizador, atuando basicamente em três níveis: [...] assistência aos indigentes por meio de técnicas que antecipam o trabalho social no sentido profissional do termo; o desenvolvimento de instituições de poupança e de previdência voluntária que apresentam as premissas de uma sociedade segurancial; a instituição da proteção patronal, garantia da organização racional do trabalho e, ao mesmo tempo, da paz social (CASTEL, 1998 p. 319). Na Inglaterra, por volta do final do reinado de Elizabeth, os seus parlamentares da época perceberam a necessidade de melhorar a política que estava relacionada ao auxílio aos mais pobres do país. 18UNIDADE I A Gênese do Serviço Social nos EUA, na Europa e na América Latina No ano de 1597 foi implantada uma nova lei que ordenava que as paróquias no- meassem o que chamaram de “inspetores” dos pobres. Estes tinham como função encon- trar trabalho para aqueles que estivessem sem ocupação. Os inspetores dos pobres tinham ainda como tarefa a construção de “paróquias-abrigo”, que deveriam contar com hospitais e asilos. As “paróquias-abrigo” eram utilizadas para acolher aqueles que não possuíam condições de garantir a sua própria subsistência. Esse projeto era financiado com fundos públicos, dando origem ao que chamamos, na história da Inglaterra, de “bem-estar social” inglês. No ano de 1601, todas as medidas, gradativamente sancionadas nesse sentido, foram organizadas em um estatuto que se chamoude Primeira Lei dos Pobres (Poor Law), mantida, basicamente, inalterada até 1834. A Lei dos Pobres de 1601 foi estimulada pelas circunstâncias econômicas e pelo aumento populacional da Inglaterra em relação a épocas anteriores, que levou à expansão da pobreza. O homem pobre, destituído de seus direitos, não tinha trabalho, alimentação e moradia, nem condições para alimentar seus filhos, constituindo-se desta forma em um problema de ordem social (DORIGON, 2006, p. 119). Conforme explanação de Dorigon (2006), a Lei dos Pobres era financiada pelo imposto fundiário, estabelecendo, para quem não tinha meios de subsistência, o direito à assistência social. Acontecia a partir dos seguintes princípios: a) Obrigação de socorro aos necessitados; b) Assistência pelo trabalho; c) Taxa cobrada para o socorro dos pobres (poor tax); d) Responsabilidade das paróquias pela assistência de socorros e de trabalho. A Lei dos Pobres foi pensada a partir do aumento da população carente no país, oriunda da expansão do sistema capitalista, o que afetou a estabilidade da ordem econô- mica. Claro que a lei não foi pensada somente por pura preocupação da classe dominante com os mais necessitados e afetados pelo sistema, por trás dessa ideia encontrava-se a intenção da classe burguesa controlar esse segmento da população. REFLITA A história revela que mesmo o homem sendo um ser de relações e em constante evolu- ção, ele foi capaz de gerar entre a sua própria espécie segregação e divisão, instaurando a “verdade” de que uns “abençoados” são melhores e “superiores” que outros coitados. Fonte: a autora. 19UNIDADE I A Gênese do Serviço Social nos EUA, na Europa e na América Latina O progresso econômico e social da humanidade foi capaz de produzir também a alienação, a exploração de uns poucos sobre muitos, bem como a divisão desigual de bens e lucros, gerando, assim, as desigualdades de problemáticas sociais. Essas questões foram sendo cada vez mais agravadas com o passar do tempo, crescia na mesma proporção que a industrialização e o aumento do lucro. O avanço veio às custas daqueles que eram obrigados a vender a sua força de tra- balho, já que esta era a única coisa que tinha a oferecer em troca do mínimo para garantir a sua subsistência. Feliz aquele que ainda possuía este recurso, e não dependia apenas da caridade alheia. O operário se torna mais pobre quanto mais riqueza produz, quanto mais aumenta a produção em poderio e em extensão. O operário converte-se em mercadoria cada vez mais barata à medida que cria mais mercadorias. O valor crescente do mundo das coisas determina a proporção direta da desva- lorização do mundo dos homens. O trabalho produz não só mercadorias; se produz a si mesmo e ao operário como mercadorias; e o faz na proporção em produzir as mercadorias em geral (MARX, 2004, p. 68). Marx, em sua obra O Capital (1985), já apontava a exploração do patrão sobre o empregado, apontava a retirada da mais valia, com vistas à acumulação do capital; no qual, gradativamente, poucos vão acumulando muito enquanto muitos, cada dia mais, experien- ciam a dor da exploração, miséria e desigualdade. A relação de exploração do trabalho vivo pelo capital é uma relação social de produção historicamente determinada, na qual os trabalhadores são despos- suídos dos meios de produção e obrigados a vender sua força de trabalho. É no mercado que são encontrados os capitalistas dispostos a comprar tal mercadoria para valorizá-la no processo de produção e realizá-las continua- mente como capital. Quando o capitalista gasta a soma inicial de dinheiro com o objetivo de au- tovalorizar o dinheiro acumulado primitivamente, ele acaba por transformar os meios de produção e a capacidade de trabalho em capital. As merca- dorias compradas pelo capitalista não são capital por natureza ou por suas características físicas próprias; elas se tornam capital em relações históricas e sociais determinadas (CASTELO BRANCO, 2006, p. 144). Logo, podemos dizer que as relações que se estabelecem assim, dessa forma desigual e tão conflituosa entre o capital e o trabalho, acabam por configurar a questão social em que o sistema econômico se encontra. A partir do exposto anteriormente, vamos entender uma das fontes das desigualda- des presentes há tempos na sociedade, em que o valor de troca vai dando lugar ao valor de uso. Entendamos um pouco mais o que significa o termo mais valia, de acordo com Karl Marx (2003, p. 227, grifos do autor): A teoria marxiana da mais-valia consiste não só em perceber o trabalho como fonte geradora do valor, mas, principalmente, em perceber que existe uma dupla natureza do trabalho – concreto e abstrato – e uma diferença de mag- 20UNIDADE I A Gênese do Serviço Social nos EUA, na Europa e na América Latina nitude do valor de troca e do valor de uso da força de trabalho, o que significa dizer que o trabalhador não recebe o valor integral da jornada de trabalho, mas tão somente uma fração da mesma. “O possuidor do dinheiro pagou o valor diário da força de trabalho; pertence-lhe, portanto, o uso dela durante o dia, o trabalho de uma jornada inteira. A manutenção quotidiana da força de trabalho custa apenas meia jornada, e o valor que sua utilização cria em um dia é o dobro do próprio valor-de-troca”. Além da exploração do homem pelo homem, por conta do sistema, gerando os problemas sociais, vemos também nessa relação a alienação do homem. É importante ter em mente que não se pode intervir junto aos problemas que não se conhece. Para tanto, é preciso conhecer a história, dialogar com os pensadores e teóricos e, assim, formular os conceitos e ideias acerca da questão social. Esse momento sinaliza o início do processo de desalienação. Já parou para pensar nisto? Então vamos continuar nossa empreitada. Retomar nosso estudo. Os trabalhadores, percebendo todo esse movimento exploratório ligado à acumu- lação desigual de capital, resolvem se organizar em movimentos reivindicatórios e movi- mentos de luta, buscando melhores condições de vida e trabalho, sem contar na solução dos problemas sociais que se alastrava nas diversas realidades, tanto do campo quanto da cidade. 21UNIDADE I A Gênese do Serviço Social nos EUA, na Europa e na América Latina 3 A FUNDAÇÃO DAS PRIMEIRAS ESCOLAS DE SERVIÇO SOCIAL 3.1 Serviço Social na Europa Vou apresentar para você, neste tópico, um pouco sobre a criação das primeiras escolas de Serviço Social no Mundo, assim você poderá conhecer mais sobre a profissão que escolheu, pois conhecendo sobre o passado conseguimos também entender e dar significado para o presente. Ao estudar sobre o surgimento do Serviço Social na Europa e Estados Unidos, irá compreender que essas Escolas trazem consigo uma história de lutas, reivindicações, questionamentos, mas também muitas conquistas. Assim exposto, entenda um pouco mais de como surgiu a nossa profissão, por que surgiu e para que surgiu. Em primeiro lugar é quando ela se torna essencialmente necessária e as práticas profissionais se gestam no labor cotidiano. Antes de serem instituí- das, as profissões se legitimam pela sua eficácia social e/ou política. É claro que as questões humanísticas contam como declaração de boas intenções, principalmente para aqueles que serão os pioneiros da profissão. O Serviço Social também começou assim (ESTEVÃO, 2006, p. 14-15). Assim entendido, no ano de 1899 é fundada, em Amsterdã, a primeira escola de Serviço Social no mundo, em que a profissão vai assumindo um caráter científico, tendo um primeiro suporte teórico. Em 1899, na cidade de Amsterdã, funda-se a primeira escola de Serviço Social do mundo e inicia-se também o processo de secularização da profis- são, isto é, para o Serviço Social, as explicações religiosas do mundo são substituídas por explicações científicas. O nascimento da Sociologia vai dar o suporteteórico para o Serviço Social (ESTEVÃO, 2006, p. 14-15). 22UNIDADE I A Gênese do Serviço Social nos EUA, na Europa e na América Latina O Serviço Social na Europa possui forte influência da Igreja Católica e Protestante, mas também foi fortemente impulsionado pelos movimentos dos trabalhadores, dado ao contexto social e econômico pelo qual passava, sobretudo os ingleses que sofriam ampla- mente os impactos trazidos pela Revolução Industrial. Uma época de profundas crises econômicas, com a pobreza e a miséria se alastrando, consequências do rápido crescimento urbano e industrial. A so- ciologia tentou dar conta de tudo isto e oferecer uma explicação não religiosa ao que acontecia na sociedade e, ao mesmo tempo, havia na sociedade americana várias experiências de filantropia e caridade, tendendo a procurar um espaço dentro das novas profissões emergentes (ESTEVÃO, 2006, p. 16-17). Desta maneira, além da influência religiosa, é possível constatar que a profissão surge na Inglaterra em meio ao cenário de industrialização e modernização do continente europeu, devido às vastas reservas de carvão mineral, capaz de produzir energia suficiente para colocar em movimento as locomotivas e máquinas à vapor. A relação do Serviço Social e os impactos da Revolução Industrial consistem em compreender que esta última provocou uma mudança no cenário social inglês. Em posse de muita matéria prima, a Inglaterra também era possuidora de ampla mão de obra, e muitos saíam do campo em busca de emprego nas cidades. A burguesia, detentora do capital e matéria prima, também contratava os funcioná- rios, com a modernização dos equipamentos e modo de produção a mão de obra humana acaba, cada vez mais, sendo substituída por máquinas e processos mecânicos. A Revolução Industrial, então, propaga-se pela Europa Ocidental e logo chega aos Estados Unidos, dando visibilidade a um novo “modelo de produção”, através de grandes fábricas e indústrias, acarretando um capitalismo industrial. Mesmo com toda a moderni- zação dos processos, na época ainda era necessário mão de obra para a realização das operações. Considerando as pessoas que já viviam nas cidades, somado às famílias que mi- graram do campo em busca de uma vida melhor, começa-se a ter um grande contingente de pessoas vivendo ao redor das indústrias, sendo designadas “proletariados” (classe social operária), ou seja, aquele que vende sua força de trabalho ao empresário capitalista (classe dominante), sendo o proletário explorado. Até mesmo o Estado da época era subordinado à burguesia; competia ao Estado da época a proteção do capital e aqueles que a possuíam. Dada a sede pelo lucro, as condições e ambientes de trabalho não eram nada salubres, as condições precárias de trabalho eram seguidas de baixa remuneração, longas jornadas de trabalho. Devemos considerar ainda o alto índice de trabalho infantil e o traba- 23UNIDADE I A Gênese do Serviço Social nos EUA, na Europa e na América Latina lho feminino, sendo que mulheres e crianças possuíam um salário ainda menor. Um cenário de exploração grandioso, podendo citar que os trabalhadores ainda estavam sujeitos a castigos físicos praticados por seus patrões. Não existia nenhum direito que protegesse o trabalhador, nenhuma lei trabalhista que lhe garantisse férias, 13º salário, auxílio-doença etc. Diante deste cenário os traba- lhadores começam a se organizar, buscando, através de manifestações, reivindicar seus direitos e melhores condições de trabalho. Como forma de defender seus interesses, a burguesia encontra novas maneiras de continuar produzindo e obtendo lucro às custas da exploração do proletariado, e a opressão só aumenta. Tal aumento da opressão e exploração provoca também um aumento da miséria do povo, repercutindo em toda as áreas sociais, pois sem emprego ou subemprego as pessoas não tinham como prover as condições básicas de sobrevivência: cuidado com saúde, moradia, alimentação, habitação, educação, entre outros. Dado o cenário exposto, a burguesia novamente busca alternativas para contro- lar as manifestações, inquietações e crescente pobreza do povo. É nesse contexto que aparecem as primeiras práticas assistencialistas, porém estas ainda visavam conservar as ordens capitalistas, pois o pobre deveria aceitar a ajuda (benesse), sem questionar. Nesse movimento, ainda se tem um crescente número de pobres, os membros da classe dominante, a Igreja Católica e as autoridades locais, se organizaram com o objetivo de transformar a assistência pública. Surge, então, a convocação para os chamados reformistas sociais. Estes tinham como tarefa realizar um inquérito da vida pessoal e também familiar do pobre atendido. O poder público passa a controlar a vida deste necessitado, estabelecendo, assim, uma relação de dependência do necessitado para o com Estado. Mesmo tal medida não foi suficiente para conter as manifestações e reivindicações da população. Neste momento, então, burguesia, Igreja e Estado se unem e dão origem, em 1869, à Sociedade de Organização da Caridade, já abordadas anteriormente, lembra? Certo, agora que você relembrou as atribuições dessa Sociedade, lembrou também que competia a ela a reforma e regulamentação da prática da assistência. É neste cenário que surgem os (as) primeiros(as) assistentes sociais, que executavam as práticas relacionadas à assistência social. A profissionalização acontecia por meio da prestação de serviços, designado como Serviço Social, denominação essa que fora utilizada pelos Estados Unidos, em 1904. 24UNIDADE I A Gênese do Serviço Social nos EUA, na Europa e na América Latina O Serviço Social fora caracterizado, em sua origem, por várias determinações e valores, através de práticas repressoras e controladoras. Assim, podemos entender que o Serviço Social resulta da emergência da questão social do conjunto de expressões da desigualdade social, econômica e/ou cultural. Em seguida foi criado em Londres, em 1884, o Centro de Ação Social, com ativida- des relacionadas à higiene e saúde para com os pobres e proletários. A Sociedade de Organização da Caridade buscava novas estratégias de atuação, organizava e efetivava a realização de visitas domiciliares que possuíam o objetivo de educar e ensinar ao pobre regras de higiene e organização da vida, visto que a pobreza era concebida como uma questão de caráter. A finalidade implícita das visitas domiciliares era adequar o pobre à sociedade, incutindo o pensamento capitalista, bem como não oferecer resistência à burguesia. Essa prática social continuou a ser realizada por algum tempo, apresentando o mesmo rigor para controlar e corrigir os desfavorecidos, que passaram a não considerar tanto a assistência pública e começam a se ajudar mutuamente. Dão ainda continuidade às reclamações quanto ao modo como eram tratados, uma vez que não eram atendidos em suas reivindicações pelo setor público e muito menos pela burguesia. Por longo período se fizeram presentes a exploração, a miséria, o poder capitalista e as práticas assistenciais, objetivando tão somente o controle social. Após a Conferência Nacional de Caridade e Correção, em que Mary Richmond apresentou sua ideia de assistência social (que já citei anteriormente), foi criada na Ingla- terra, no ano de 1908, a primeira escola de Serviço Social. Sendo seguida de várias outras escolas, sempre com o apoio e influência da Igreja Católica. Quadro 1 - Surgimento das Escola de Serviço Social na Europa – XIX / XX PAÍS EUROPEU ANO PAÍS EUROPEU ANO Inglaterra 1886 Israel 1934 Alemanha 1899 Irlanda 1934 França 1907 Portugal 1935 Suíça 1910 Dinamarca 1937 Áustria 1912 Grécia 1945 Finlândia 1918 Itália 1945 Noruega 1920 Turquia 1961 Bélgica 1920 Iugoslávia 1953 Espanha 1932 Islândia 1981 Fonte: adaptado de Brauns e Kramer(1986). 25UNIDADE I A Gênese do Serviço Social nos EUA, na Europa e na América Latina Ao passar do tempo as ações sociais acabam se ligando cada vez mais à política, mas ainda objetivando controlar as manifestações e conflitos dos trabalhadores. Essa apro- ximação também oculta o semblante da miséria, atendendo àqueles que nela residiam. Nos anos seguintes do fim da guerra, a relação com a Igreja Católica fora trocada para o Estado, remetendo a prática social para outro contorno. 3.2 Serviço Social nos Estados Unidos Considere o período pós Primeira Guerra Mundial, somado ao surgimento do capitalismo monopolista, que evidencia seu lado excludente, provocando um aumento exponencial da pobreza. Retomando seu conhecimento em história, lembre-se que os Estados Unidos saíram vencedores desta Primeira Guerra Mundial, tornando-se o centro do capitalismo. Neste cenário de pós-guerra desponta também o Serviço Social. A profissão nasce com um propósito bastante claro, nesta época tinha-se que a pessoa era passível de ser controlada, adequada, reformada, para que se encaixasse na sociedade. Mary Richmond foi uma grande impulsionadora do Serviço Social Norte Americano e, posteriormente, em muitos outros países, como, por exemplo, europeus, que você viu anteriormente. Nesse contexto norte americano que temos despontando no cenário mundial uma assistente social chamada Mary Richmond, que logo no início do século XX “teve a sen- sibilidade de começar a pensar e a escrever a respeito do que é o Serviço Social e de como ele deveria ser exercido” (ESTEVÃO, 2006, p. 18). Foi Mary Richmond a primeira a sistematizar a diferença entre fazer caridade, fazer filantropia e o que era fazer Serviço Social, ressaltando que este último se refere à profissão propriamente dita. Mary Richmond traz no início do século XX a discussão de que o Serviço Social exige uma prática competente e que “dar ajuda material para as pessoas pobres não era Serviço Social, era apenas um osso [fazia parte] do ofício, mas não o próprio ofício” (ES- TEVÃO, 2006, p. 18). Ela traz, pela primeira vez, a ideia de que era necessário olhar além da necessidade imediata da pessoa e, para isso, seria necessário compreender a pessoa na sua totalidade, o meio no qual está inserida, observar o contexto, propondo ações que fossem além do imediatismo. O grande mérito de Mary Richmond foi dar um estatuto de seriedade à profissão, mostrar que era possível fazer mais do que caridade, ser rigoroso em termos de procedi- mento, descobrir técnicas que possibilitassem o exercício profissional (ESTEVÃO, 2006). 26UNIDADE I A Gênese do Serviço Social nos EUA, na Europa e na América Latina Contudo, ainda não é nesse momento que a profissão rompe com a religião e práticas assistencialistas, mas esse foi o início da consolidação da profissão. No ano de 1897, precisamente na Conferência Nacional de Caridade e Correção, Mary Richmond apresentou sua ideia de assistência social, propondo, com isso, a elabora- ção e/ou criação de uma escola voltada à aprendizagem de Filantropia Aplicada. Enfatizou a relação existente entre as pessoas e o mundo, considerando o sujeito enquanto pessoa quando interage com o meio social do qual faz parte. Foi com a escola de Filantropia Aplicada que tiveram início a institucionalização e a profissionalização do Serviço Social – o interessado trabalhava como agente reintegrador e transformador de caráter. Em 1917, com a obra Diagnóstico Social, de autoria da própria Mary Richmond, o Serviço Social apresentou um considerável avanço enquanto profissão, levando em conta o entendimento do sujeito, enfatizando o fortalecimento do ego para a obtenção do êxito no tangível à solução de problemas internos e externos. Ao escrever o livro Caso Social Individual, no ano de 1917, profissionais do mundo todo começam a debater sobre o que seria o Serviço Social e quais seriam as ações reali- zadas pelo profissional. Esse livro foi escrito em contexto mundial específico, pois [...] após o susto da revolução socialista soviética , quando o capitalismo assume novas feições, e que, nesta época, já várias instituições de filantropia remuneravam seus profissionais; assim, trabalhar como assistente social, pouco a pouco, perdia seu caráter de voluntariado para se constituir em mais uma profissão dentro da divisão social do trabalho, na sociedade industrial capitalista e desenvolvida. Mary Richmond foi pioneira do Serviço Social nestas bandas (ESTEVÃO, 2006, p. 22). O Serviço Social de Casos correspondia à prática de lidar com cada pessoa individualmente, assim, o profissional teria melhor resultado, pois se olhar cada pessoa no seu contexto individual, isoladamente, o profissional conseguiria resolver cada “caso”, aqui entendido como demanda. As demandas são situações ou problemas que o usuário apresenta quando recorre ao assistente social. Após um tempo, o Serviço Social assume um outro método de atuação, chamado de Serviço Social de Grupo. Convido você a entender primeiramente o contexto histórico, para que possa compreender melhor porque esse método aparece no Serviço Social. O aprofundamento da crise capitalista tornou evidente que resolver ‘casos’ de maneira isolada, um por um, já não era suficiente para atender as grandes demandas. Ao mesmo tempo, a manipulação de massas realizada por fascis- tas e nazistas, no bojo desta crise, despertou a atenção da psicologia social para o desenvolvimento de teorias e experimentação sobre o comportamento dos grandes grupos. Kurt Levin, um psicólogo alemão, judeu, exilado nos Estados Unidos, ela- borou uma teoria a respeito dos grupos: os grupos têm uma certa dinâmica que, sendo trabalhada, poderia oferecer resultados práticos no tratamento 27UNIDADE I A Gênese do Serviço Social nos EUA, na Europa e na América Latina psicológico. A coisa funcionou e esta prática de psicologia de grupos passou a ser utilizada em várias áreas de atividade: acampamento de jovens, Centros Comunitários... etc. (ESTEVÃO, 2006, p. 23). A partir do cenário apresentado é que, em meados de 1934, o Serviço Social de Grupo também começa a ser utilizado nas práticas profissionais. Sendo possível ao As- sistente Social, dentro das instituições que atua, organizar grupos por tipo de situação apresentada. grupo de jovens que [queriam] fazer recreação, senhoras que [queriam] ajudar os “favelados” de uma região, ou então ser solicitada por algum grupo local para dar orientação técnica necessária ao bom funcionamento destes grupos. O problema a ser tratado pelo Assistente Social tanto podia ser do grupo como exterior a ele (ESTEVÃO, 2006, p. 23). Considerando os métodos e técnicas já adotados – Serviço Social de Casos e Grupos –, além da observação do rápido crescimento urbano, o qual não possuía nenhum planejamento, levando cada vez mais pessoas a uma situação de vulnerabilidade social, o Serviço Social é levado a um terceiro método de atuação profissional: Serviço Social de Comunidade. A concepção de trabalhos com grupos se desenvolveu para ação intergrupos, isto é: há certo tipo de problemática social que necessita dessa necessidade de atuação de vários grupos, que, por terem objetivos comuns, devem se interligar. É a partir dessa necessidade que começa a se gestar a noção de Serviço Social de Comunidade (ESTEVÃO, 2006, p. 25). E você faz ideia de como isso se deu em meio à profissão na década de 1930/1940? Vamos lá, vou te contar brevemente como esse método foi utilizado: De início trata-se de um trabalho de organização da comunidade enten- dido como a arte e o processo de desenvolver os recursos potenciais e os talentos de grupos de indivíduos e dos indivíduos que compõem esses grupos. Depois o Serviço Social de Comunidade vai ser concebido como um processode adaptação e ajuste de tipo interativo e associativo e mais uma técnica para conseguir o equilíbrio entre os recursos e necessidades (ESTEVÃO, 2006, p. 23). Assim apresentado, vamos conhecer como se organizaram as primeiras escolas de Serviço Social nos Estados Unidos. No ano de 1919 inaugura-se a chamada Escola de Trabalho Social, na cidade de Nova York. Logo em seguida, em 1920, é criada a Associação Nacional de Trabalho Social, nesta associação participavam apenas aqueles que já fossem assistentes sociais. Com o passar do tempo, novas escolas foram sendo criadas, com caminhos di- ferentes. Ressalto que, por muito tempo, no Brasil a profissão seguiu métodos e técnicas norte americana. 28UNIDADE I A Gênese do Serviço Social nos EUA, na Europa e na América Latina 4 A HISTÓRIA DO SERVIÇO SOCIAL NA AMÉRICA LATINA Toda profissão deve responder a uma necessidade social, dentro de um determi- nado contexto, pois é apenas dentro da dinâmica social que encontraremos os nexos de explicação das exigências que originam o surgimento do Serviço Social como profissão reconhecida tácita e legalmente. Com a implantação do capitalismo na América Latina, as relações sociais dentro de cada país do continente sofreram alterações. A partir desse momento você terá a oportunidade de conhecer “Os protagonistas das cenas – Igreja Católica, os Estados da nossa América [...], os movimentos das lutas de classes, o imperialismo e suas agências, o Serviço Social e seus profissionais – aparecem com suas determinações peculiares” (NETTO, 1984 apud CASTRO, 2006, p. 179) que fizeram e fazem parte da profissão de Serviço Social. Vamos lá? Bons estudos! 4.1 Serviço Social no Chile Em 1925, inaugura-se o Serviço Social na América Latina, com a criação da Escola Dr. Alexandre Del Rio e, quatro anos depois, a criação da Escola Católica Elvira Matte de Cruchaga. Nos anos de 1920, apareceram novos grupos sociais na vida chilena, resultado das mudanças na economia do país. O movimento operário, já se manifestara desde o final do século XIX, conquistou um espaço proeminente na sociedade chilena. E sob o estímulo dos movimentos operários e populares, influenciado 29UNIDADE I A Gênese do Serviço Social nos EUA, na Europa e na América Latina por ideias anarco-sindicalistas, tem lugar uma mudança no sistema político orientada a democratização do país e à elevação de vida nos setores que lutam por um campo de ação para o seu desenvolvimento autônomo e pela institucionalização das suas demandas (CASTRO, 2006, p. 68). A legalização de medidas sociais e a própria criação do Serviço Social profissional pode ser considerado como uma resposta à disfuncionalidade que ameaçava a ordem social, dada a ação conflituosa vivida pelo Chile; alto índice de desemprego, baixos sa- lários, analfabetismo, de 60% a 70% referente à população rural, problemas de natureza médico-social (predomínio de tuberculose, sífilis etc.). A influência das ideias europeias na configuração do Serviço Social latino americano explica-se, entre outros fatores, pelos nexos da subordinação estrutural e ideológica. Se ocorreu à Europa como modelo para a legislação trabalhista, para a previdência social ou para a assistência social, foi porque existia uma compatibilidade entre os projetos sociais de classe, que as classes dominantes sustentavam e o conteúdo e a mensagem das fórmulas de ação importadas. No quadro político interno, os anos de 1920 marcaram-se pela instabilidade. Arturo Alessandri, oriundo das camadas médias e enfrentando a oligarquia, encabeçou um movi- mento reformista. No poder, porém, conciliou com os setores oligárquicos e as demandas operárias incorporaram-se à institucionalidade do Estado. Alessandri abandonou o cargo três meses antes do término do mandato; Emílio Figueiroa o substituiu, governando por pouco tempo, cedendo lugar ao Coronel Ibanez, em 1927. Contudo o regime, acuado por uma onda de protestos pelas graves consequências da crise de 1929, foi derrubado por um levante geral em 1931. O único dado que pode servir como referencial do impacto da crise: a produção de salitre, produto básico da exportação chilena foi, em 1920, de mais de três milhões de tone- ladas. A presença da organização da classe operária na vida política do Chile, registra-se na tentativa socialista de 1932, que foi reprimida pela ação dos militares e marcou a volta de Alessandri ao poder, através das eleições. A burguesia chilena é pioneira ao institucionalizar diversas reivindicações popula- res e operárias no seio do direito burguês. Essa institucionalização gerou uma legislação que obrigava, (não exclusivamente do Estado), a busca de respostas aos angustiantes problemas sociais. A fundação da Escola Del Rio, em 1925, por Alejandro Del Rio, tem sua origem mais ligada à ação do Estado. A legislação, aprovada em 1924, exigia a adequação das entidades estatais e paraestatais em virtude da aprovação de leis referentes à Previdência 30UNIDADE I A Gênese do Serviço Social nos EUA, na Europa e na América Latina Social, seguro obrigatório, habitação popular, direito de greve, sindicalização legal, proteção do trabalho infantil e feminino. Alejandro Del Rio, ao criar uma escola, queria formar profissionais destinados à complementação do trabalho médico, devido às consequências da miséria e desgastes da força de trabalho. No que se refere à Escola fundada por Del Rio, ficam assinaladas as ligações com a expansão do aparelho estatal. A sua fundação ocorre num período de intensas lutas de classes, de combatividade operária, de sérias dificuldades fiscais e de crise no Estado para a elaboração de um definido projeto das classes dominantes. Se a primeira escola católica de serviço social foi fundada depois da primeira escola laica, isto não quer dizer que só a partir da criação do seu centro de formação a Igreja decidiu intervir nesse terreno. Sem dúvida, ela [a Igreja] ti- nha precedência na assistência social, exercendo-a sob arraigada inspiração religiosa, com seus agentes operando um apostolado que sustentava inúmeras “obras de misericórdia” com os vultuosos recursos de que dispunha (CASTRO, 2006, p. 72). A Igreja Católica busca uma estratégia de continentalização do Serviço Social, como parte do seu projeto de recuperação de hegemonia, bem como Procurava colocar-se à frente do conjunto do movimento intelectual para recuperar a função de condutora da moral da sociedade. Comprimida entre o pragmatismo burguês e o ‘ateísmo’ socialista, a Igreja Católica redobrava a sua ação nos terrenos mais diversos, renovando os seus intelectuais orgâni- cos e dotando-os dos instrumentos de intervenção requeridos pelo momento (CASTRO, 2006, p. 73). Em 1929, criou-se a primeira a primeira escola Católica de Serviço Social, chamada de Escola Elvira Matte de Cruchaga. Desde o primeiro momento cobriu o amplo espaço da questão social, e essa escola concebe o Serviço Social como uma vocação. A Igreja se via impedida – e aqui radica o novo caráter da assistência social – a situar-se no interior da questão social emergente com a modernização capitalista. Tratava-se de atender não mais às vítimas das pestes ou aos semi-libertos de um ordem social ainda não depurada, mas de voltar os olhos para os que suportavam as consequências de uma ordem que mercantiliza a força de trabalho, redefine família, promove concentrações urbanas, incorpo- ra ao salariato a mulher, origina novas doenças, etc. (CASTRO, 2006, p. 73). A visitadora social, proveniente da classe burguesa, com educação familiar e virtu- des cristãs, devia combinar a esses requisitos a ciência e a técnica para obter desempenho eficaz. Tanto a Escola Del Rio como a Elvira Matte de Cruchaga tiveram início com a in- fluência europeia; a influência norte americana tornou-se evidente após a Segunda Guerra 31UNIDADEI A Gênese do Serviço Social nos EUA, na Europa e na América Latina Mundial. Os projetos de ação das escolas se colocavam como instrumentos funcionais à defesa, ao resguardo e à forma de regime da classe vigente. A Escola Elvira Matte de Cruchaga, articulando a formação profissional de Serviço Social aos interesses da Igreja Católica, elegeu requisitos básicos para que se pudesse ser aluna do curso: [...] ter 21 anos completos e menos de 35. Apresentar atestado médico de boa saúde; apresentar declaração de antecedentes probatórios de honora- bilidade e recomendação paroquial; ter bom aproveitamento nos estudos fundamentais de ciências humanas; apresentação de um texto manuscrito, contendo um resumo de sua história pessoal (COSTA, 2006, p. 79). O que pode ser confirmado na citação a seguir. Leia com bastante atenção qual era o perfil da assistente social (antes chamada de visitadora social) que se buscava: [...] a formação das visitadoras sociais católicas, que desenvolvam suas atividades à base de uma verdadeira caridade cristã; visitadoras que não só cuidem do aspecto material dos seus assistidos, mas que se dediquem com amor a tratar também de suas almas [...]. Baseando-se nestes princípios, a escola concebe o Serviço Social mais que uma simples profissão – concebe- -a como vocação, para qual são tão necessários os conhecimentos técnicos como o amor. Portanto o fim colimado pela Escola é conseguir formas visita- doras que, onde forem, levem a paz, transmitam alegria, ofereçam segurança e confiança, abrindo o seu coração a todos que necessitam de ajuda e de orientação. Tais visitadoras hão de ser as mais alegres, tolerantes e com- preensivas, as mais inteligentes e as mais amáveis de todas as mulheres que se entreguem a este trabalho. Hão de ser sadias de alma e corpo, já que deverão comunicar esta saúde e esta força aos que nunca as tiveram ou aos que delas se vêem privados pelas vicissitudes da vida (ESCUELA DE SERVIÇO SOCIAL ELVIRA MATTE DE CRUCHAGA, s.d., p. 7-8). Fica evidente a questão religiosa, bem como a busca de um elitismo, que só abrangia as damas da sociedade, pois ligado aos requisitos havia taxas de matrículas. Ressalta-se, contudo, mesmo com forte viés religioso, a Escola apresentava uma real aproximação da ciência e da técnica, uma preocupação metodológica que foi dando contornos a essa nova profissão. A Escola Elvira Matte de Cruchaga representou não só uma possibilidade diversificada de ação profissional, mas também um centro de educação especializado que definiu a sua fisionomia a partir do Serviço Social católico – com decisiva influência europeia, é certo – e onde membros ilustres da burguesia puderam desenvolver as suas mais arraigadas convicções doutri- nárias (CASTRO, 2006, p. 76). O programa de formação prévia tem três anos de duração, sendo dividido em duas partes: teórica e prática. A parte teórica é composta pelos estudos sobre: religião, psico- logia, pedagogia, sociologia, economia social, assistência social, direito, instrução cívica, anatomia, fisiologia, higiene privada e pública e ética profissional (COSTA, 2006). Dentre os programas que tratavam das questões práticas, tinha-se o 32UNIDADE I A Gênese do Serviço Social nos EUA, na Europa e na América Latina tratamento de caso social individual, encaminhamentos jurídicos, técnicas de escritório e estatísticas, contabilidade, primeiros socorros, cuidados domici- liares à doentes, puericultura, nutricionismo, trabalhos manuais, exercícios de oratória. Os cursos práticos incluíam nutricionismo, corte e costura e puericultura (COSTA, 2006, p. 80). A ênfase na questão de saúde relacionava-se aos problemas derivados das pés- simas condições de salubridade resultantes do reordenamento capitalista da economia e da sociedade, bem como antecedentes que aproximavam o Serviço Social e Enfermagem – com influência da Europa. Alguns anos após a sua fundação, a Escola Elvira Matte de Cruchaga organizou as “Semanas de Estudos”, orientadas para o aperfeiçoamento técnico e espiritual das visi- tadoras sociais já formadas. Com esses eventos regulares, a Escola mantinha um contato permanente com suas ex-alunas, conhecia o seu desempenho profissional, assimilava as experiências, reforçava o idealismo e o espírito religioso de suas egressas. A Escola Elvira Matte de Cruchaga recebeu da União Católica Internacional de Serviço Social (UCISS), com sede em Bruxelas, a tarefa de fomentar o Serviço Social Ca- tólico na América Latina, o que ela acatou, passando a enviar aos países vizinhos folhetos explicativos sobre a profissão, visitas às autoridades e contato nas escolas superiores. Quanto ao objetivo da UCISS, tem-se que a União deveria [...] propiciar a difusão do Serviço Social católico, e relacionar as diferentes obras e pessoas que nele militam através de publicações, conferências e congressos. A UCISS é o centro de orientações e direcionamento das expe- riências que se realizam em distintos países e hão de servir como estímulo e guia para o futuro desenvolvimento do Serviço Social católico (CASTRO, 2006, p. 94). A Escola de Serviço Social desenvolveu trabalhos de estudo sistemático da reali- dade social, orientando à “melhoria da situação das classes necessitadas”, como também a preocupação em colaborar com a legislação do país. Surge aqui um importante elemento de diferenciação em face das formas anteriores de assistência social. A Escola Elvira Matte de Cruchaga, reconhecendo o papel mediador do Estado para normatizar as relações entre o capital e o trabalho, reordenou a intervenção profissional, partindo da compreensão da função das visitadoras sociais que, por sua proximidade e conhecimento dos problemas sociais, teriam condições para sugerir leis e regulamentos. Foi uma época em que a Igreja se reservava exclusivamente para os auxílios das camadas sociais dominantes que desejam atuar junto às áreas de assistência social. Há, na perspectiva desta Escola, um esforço para conquistar uma funcionalidade no interior das relações entre as classes, propondo soluções aos problemas deste angulo do Estado. 33UNIDADE I A Gênese do Serviço Social nos EUA, na Europa e na América Latina Em 1937 surge a Escola de Montevidéu (Uruguai) a partir dos trabalhos realizados e visitas de profissionais da Escola Elvira Matte de Cruchaga (Chile). Logo em seguida, no ano de 1939, surge, no Paraguai, a Escola Polivalente de Visitadoras de Higiene; em 1940, a Escola Católica de Serviço Social, em Buenos Aires (Argentina), após na Colômbia e Venezuela, evidenciado, assim, a importância histórica do Chile na construção do Serviço Social na América Latina. 4.2 Serviço Social no Peru A década de 1920 trouxe mudanças para a história do Peru. Léquia governou o país nos anos de 1919 a 1930, quando ocorria a subordinação ao capital norte americano, exportação das riquezas minerais para os Estados Unidos. Em 1929, com a crise internacional, devido à quebra da Bolsa de Valores de Nova York, a economia peruana foi afetada, pois tinha boa parte dos recursos públicos depen- dentes de financiamento externo. O preço das matérias primas caiu e reduziu-se a expor- tação, ocasionando crise de desemprego. Nesse período ocorreram lutas e movimentos de classes e populares. ● 1931 - Eleições: não trouxeram estabilidade. Houve um atentado contra o então presidente, Sanchez Cerro, sendo responsável a Aliança Popular Revolucioná- ria Americana (APRA), que alimentou e patrocinou várias rebeliões que foram violentamente reprimidas pelas forças armadas. ● 1933 – Sanchez Cerro é assassinado e a Assembleia entrega o poder ao Gene- ral Oscar R. Benavides. ● 1936 – Benavides convocou eleições e foi impedido de participar sob a alega- ção de ser um partido internacional, porém apoiou Luiz Antônio Eguigurem, que ganhou as eleições. O governo pedido a anulação das eleições, soba alegação de que o presidente eleito se beneficiou dos votos de um partido internacional e Benavides proclamou-se Presidente. Benavides, na segunda etapa de seu governo, compreendeu que a repressão e a violência não impediam a mobilização popular, então adotou medidas sociais em favor do povo peruano, dentre elas: ● Regulamentação de pagamento de hora extra; ● Remuneração do feriado de primeiro de maio; ● Criação do Seguro Social Operário; ● Restaurantes populares; ● Criação de bairros populares em Lima (capital do Peru); ● Criação do Ministério de Saúde Pública, Trabalho e Previsão Social; Reorgani- zação do Ministério da Educação. 34UNIDADE I A Gênese do Serviço Social nos EUA, na Europa e na América Latina Em 1937, criou-se a Lei 8530 – Fundação da Escola de Serviço Social do Peru (ESSP), que surge vinculada ao Ministério da Saúde Pública, Trabalho e Previsão Social. Francisca Benavides (Primeira Dama do país) interveio diretamente na formação da Escola de Serviço Social do Peru (ESSP) , com a ajuda da ação Católica e da União Católica de Serviço Social. A ESSP deveria contribuir com parte do pessoal que trabalharia naquele ministério, bem como com outras instituições que estavam surgindo em decorrência das medidas do governo Benavides. Assim, o surgimento dessa escola está mais ligado à expansão e a modernização estatal do que à demanda procedente do setor privado. A Escola de Serviço Social do Peru foi precedida por outras tentativas de organi- zação e formação de agentes sociais. Em 1931, o Instituto da Criança criou a Escola de Visitadoras Sociais de Higiene Infantil e Enfermeira de Puericultura, ampliando a interven- ção do Estado no campo dos cuidados à infância. Essa escola teve curta duração devido a interesses políticos, pois fora fundada por iniciativas do governo Léquia, quando este já estava fora do poder. Houve, então, com a criação da Escola de Serviço Social do Peru, a rivalidade desta com a Escola de Visitadoras Sociais, devido ao restrito mercado de trabalho, influindo para a mudança da titulação profissional da Escola de Serviço Social do Peru de visitadora social para Assistente Social. Esses conflitos evidenciavam a indefinição profissional entre visitadoras sociais, enfermeiras, nutricionistas e assistentes sociais, na medida que existia uma constante superposição de funções que cada profissão reclamada como sua. A Escola de Serviço Social do Peru revelava a concretização de três projetos distin- tos, porém ideologicamente unidos: 1. Igreja: como estratégia de continentalização de sua influência sobre o Serviço Social na busca de resgatar sua função de condução da moral da sociedade, dentro de uma estrutura capitalista vigente. 2. Estado: mediar conflitos oriundos da estrutura de produção ligada ao capitalista dependente e subordinação externa, bem como estabelecer clima de estabilida- de interna, assegurando a própria permanência política do governo. 3. Medicina: responder de forma mais eficiente aos problemas médico-sociais decorrentes das condições de trabalho e moradia da população trabalhadora. 35UNIDADE I A Gênese do Serviço Social nos EUA, na Europa e na América Latina A Igreja, através da Ação Católica, contando com o apoio de Christine de Hemptine, centrava-se no âmbito das requisições da Igreja e de sua ação social, no Peru e no con- tinente. O médico Venceslau Molina defendia a formação de assistentes sociais, a fim de promover a saúde por via da educação. A formação acadêmica enfatizava a preparação doutrinária, tanto através de cursos explicitamente ministrados para esse fim (religião, ética profissional, moral) quanto median- te cadeira de cariz científico (que eram marcadas por uma orientação predominantemente introdutória e formativa). O primeiro plano de estudos estimulava também a preocupação para trabalhos considerados propriamente femininos (como economia doméstica) que, em larga medida constituíam o corpo instrumental da profissão. As alunas da Escola de Serviço Social do Peru eram provenientes das classes altas da sociedade e as escolas as distanciavam do ambiente universitário que, no Peru, tinha influência das ideias de esquerda e, assim, as elites não suprimiam as suas reticências quanto a incorporação da mulher no trabalho. Para as pioneiras da profissão, a opção pelo Serviço Social era – tal como no caso chileno – algo ligado mais à vocação que à profissão. Outro aspecto material, como remu- neração, não era questionado devido às primeiras assistentes sociais não dependerem do salário para viver. Assim o próprio caráter de sub profissional não era questionado e a sua autonomia ligada aos pareceres de outras profissões, como o da medicina e o direito. Por fim, encerro esta unidade com as considerações de Iamamoto acerca desta breve história do Serviço Social: [...] não significa apenas uma revisão do passado, mas instiga indagações sobre o presente. Em tempos de globalização, sob a hegemonia do capital financeiro e do neoliberalismo na condução das políticas governamentais, renascem, sob novos moldes, velhos recursos e ideológicos que tiveram vigências no passado desenvolvimentista no trato da questão social (IAMAMOTO, 2000 apud CASTRO, 2006, p. 179). E agora eu te pergunto: valeu a experiência? Ampliou seu conhecimento? Espero que sim, pois cada vez mais essa profissão nos encanta e apaixona pela história de luta em prol do ser humano. 36UNIDADE I A Gênese do Serviço Social nos EUA, na Europa e na América Latina CONSIDERAÇÕES FINAIS Veja bem como a história da nossa profissão traz elementos significativos e muito importantes para a sua formação. Sem saber de onde viemos enquanto profissão, sem sabermos nossa história, dificilmente entenderemos as bandeiras e posicionamentos ado- tados pela profissão atualmente. Temos muito orgulho de nossa história, não somente no Brasil (como veremos adiante) mas em todo o mundo. Iniciamos nossa unidade estudando sobre a origem do Serviço Social, as suas raízes históricas e sua relação com a Igreja Católica, o processo de racionalização da assistência e o entendimento enquanto necessidade humana e cidadã. Em breve você compreenderá como a assistência foi considerada um direito previsto na Constituição Federal de 1988. Você conseguiu compreender a origem da questão social e como ela se tornou o objeto de intervenção profissional do Serviço Social, em que o homem é o foco da ação profissional. Em seguida você conheceu como a profissão foi se desenvolvendo em diferentes países da Europa, Estados Unidos e América Latina (Chile e Peru), onde tivemos diferentes personagens que contribuíram para a construção do Serviço Social. Uma construção co- nectada com movimentos sociais e econômicos da sociedade, sempre voltada para o bem comum. A marca trazida pela profissão nos faz compreender que não existe justiça sem luta, empenho e determinação. Muitas profissões fazem parte dessa história e essa marca precisa estar presente na sua formação e durante toda a sua atuação profissional. A seguir iremos conhecer um pouco sobre a história do Serviço Social Brasileiro e você conseguirá compreender algumas questões presentes em nossa profissão até os dias atuais e de onde vêm algumas imagens atreladas à profissão. Esse conhecimento fará com que você consiga compreender que a sua escolha pelo Serviço Social foi acertada e que você tem uma grande missão pela frente! Até a próxima e bons estudos! 37UNIDADE I A Gênese do Serviço Social nos EUA, na Europa e na América Latina LEITURA COMPLEMENTAR Quando o Serviço Social surgiu? No Brasil, as primeiras escolas de Serviço Social surgiram no final da década de 1930, quando se desencadeou no país o processo de industrialização e urbanização. Nas déca- das de 1940 e 1950, houve um reconhecimento da importância da profissão, que foi regu- lamentada
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