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Prévia do material em texto

Manuel J. Gandra 
 
 
 
 
O IMPÉRIO DO DIVINO 
na Amazónia 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Mafra – Rio de Janeiro 
2017
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Editores: Instituto Mukharajj Brasilan & Centro Ernesto Soares de Iconografia e 
Simbólica-Cesdies 
Est. da Grota Funda, 2440 – Guaratiba 
Rio de Janeiro/RJ – CEP 22785-330 
Tel.: +5521 9399-0997 
Email: secretaria.imub@gmail.com 
Site: www.imub.org 
 
Título: O IMPÉRIO DO DIVINO NA AMAZÓNIA 
Autor: Manuel J. Gandra 
Coordenação Editorial: Loryel Rocha [loryel@brasilan.com.br] 
Projeto Gráfico: Diogo Gandra 
Design da Capa: Diogo Gandra 
 
Copyright: ©Manuel J. Gandra/Instituto Mukharajj Edições 
Todos os direitos reservados. A reprodução não autorizada por escrito, do autor ou 
 do Instituto Mukharajj Brasilan, no todo ou em parte, por quaisquer que sejam os 
meios, constitui violação das leis em vigor. 
 
Fale com o Autor: manueljgandra@gmail.com 
 
1ª Edição Luso-Brasileira: Junho de 2017 – 102 exemplares, todos numerados e 
assinados pelo autor; e-book.- impresso a pedido. 
 
3 
 
 
 
 
ÍNDICE 
 
 
7 
O Império do Divino Espírito Santo 
63 
Impérios do Divino – Cronologia 
115 
O Império do Divino na Amazónia 
119 
Amapá 
191 
Amazonas 
205 
Maranhão 
319 
Mato Grosso 
337 
Pará 
363 
Rondónia 
389 
Tocantins 
419 
Contributo para uma Bibliografia dos 
Impérios do Divino Espírito Santo 
Continente – Açores – Madeira – Brasil - USA 
459 
Índice de verbetes 
 
4 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Acrónimos e siglas 
 
ACTomar: Arquivo Concelhio de Tomar 
AHU: Arquivo Histórico Ultramarino 
ANTT: Arquivo Nacional da Torre do Tombo 
Boletim: Boletim da Junta da Província do Ribatejo, n. 1 (1937-1940) 
BN: Biblioteca Nacional 
ER: Francisco Câncio, Etnografia Ribatejana: notas de um ribatejano, v. 1, 
Lisboa, 1956 
IAdS: Gustavo de Matos Sequeira, Inventário Artístico de Portugal: Distrito 
de Santarém, Lisboa, 1949 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
“A religiosidade portuguesa, do mesmo modo que a galega […] há que ir 
buscá-la sob as formas regulares e canónicas da religião oficial. 
Sob ela palpita e vive ainda um certo naturalismo que tem muito de pagão e 
não pouco de panteísta” 
 
MIGUEL DE UNAMUNO 
(Por tierras de Portugal y España) 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
O IMPÉRIO 
DO DIVINO ESPÍRITO SANTO 
 
 
9 
 
 
 
 
 
I 
 
 
 
 
“[...] tem de haver um entendimento sobre a lugar e a sua história, 
coisa que Portugal recusa há cinco séculos”. 
 
FRANCISCO PALMA DIAS 
(Artes e Letras, n. 19, Jun. 2009) 
 
 
 
O Paracleto ou Espírito Santo é uma entidade etérea e inefável, 
celebrada conjuntamente por judeus e por cristãos, cinquenta dias 
depois da Páscoa, na festa dos Tabernáculos e do Pentecostes, 
respectivamente 1. 
Entre cristãos esta solenidade tem oitava privilegiada e 
inaugura um período novo no ano eclesiástico, prolongando-se 
durante 24 semanas, até ao primeiro Domingo do Advento 
(obrigatoriamente entre 27 de Novembro e 3 de Dezembro). 
O Pentecostes também é denominado Páscoa Rosada, 
comemorando a descida do Fogo do Consolador, ou Paracleto, sobre 
 
1 Também o Islamismo se preocupa desde os seus primórdios com a eminência da Hora 
(o Fim dos Tempos), isto porque a profetologia islâmica reproduz nos seus traços gerais 
a Cristologia Ebionita, paraclética, herdada da comunidade judaico-cristã primitiva. A 
transposição da profetologia do Paracleto (Fâraqlit) não é sensível ao nível das 
concepções adoptadas pelo Islão sunita, sob a sua forma exterior. Porém, ela influencia 
os teósofos místicos, a metafísica do Sufismo e, particularmente, a teosofia shi'ita, 
autêntica religião do Consolador (Ver Evangelho de Barnabé), da qual a Igreja paulina 
se afastou, centrando-se nos temas do pecado original e da respectiva redenção pelo 
sacrifício cruento (Theologia crucis). Cf. Henri Corbin, L'idée du Paraclet en 
philosophie iranienne, in En Islam Iranien, v. 2, liv. VIII, cap. III. Mahomed († 632) 
autodenomina-se Mestre da Hora, embora não fixe qualquer data precisa para o evento, 
proclamando apenas que "a ordem de Deus se manifesta" (Ata amr Allah). 
Posteriormente, outros haviam de encarregar-se dos cálculos epilogísticos. 
10 
 
os Discípulos, consoante a narrativa dos Actos dos Apóstolos (II, 1-4). 
Depois da Ascensão aqueles regressaram ao Cenáculo e ali esperaram 
em oração, durante 9 dias, a realização da promessa de Jesus. No 
décimo dia, seriam 9 horas da manhã: 
 
“[...] de repente veio do Céu um estrondo como de vento que 
assoprava com ímpeto e encheu toda a casa onde estavam assentados. 
E lhes apareceram, repartidas, umas como línguas de fogo, que 
repousaram sobre cada um deles. E foram todos cheios do Espírito 
Santo, e começaram a falar em várias línguas, conforme o Espírito 
Santo lhes concedia que falassem”. 
 
 
 
Pentecostes da capela do Senado de Guimarães 
11 
 
 
A iconografia portuguesa deste episódio da História Sagrada 
esteve, invariavelmente, ao serviço da causa do Império do Divino 
Espírito Santo, motivo por que se trata de um tema muito comum, 
nomeadamente em capelas e altares da invocação do Paracleto. 
O culto do Divino Espírito Santo sob a forma de Império é 
expressão própria e exclusiva do mundo lusíada (nos Açores e no 
Brasil 2 conserva ainda a fidelidade às origens) não tendo qualquer 
similitude com as devoções homónimas que existem por todo o 
restante orbe católico. 
Isso mesmo concluíria Jaime Cortesão, uma vez na posse dos 
resultados de um inquérito realizado por sua iniciativa em Espanha, 
onde se não acha o mínimo vestígio da devoção do Império, nem 
sequer no território aragonês, de onde era natural a Rainha Santa 
Isabel, sua mais que improvável “inventora”, como creio ter já 
demonstrado em outra ocasião 3. 
Incapazes de penetrar a semântica genuína dos Impérios do 
Divino, a devoção mais autenticamente pneumatológica da cultura 
lusíada, autores houve que os advogaram susceptíveis de: 
 
- enraízar em cultos pagãos em louvor de Ceres 4, de Júpiter 
Pluvius 5, ou, simplesmente, de cultos politeístas 6; 
- estar relacionados com “cerimónias contra a peste” 7; 
 
2 A propósito da popularidade do Império do Divino Espírito Santo no Brasil, na década 
de 1820, convém recordar que José Bonifácio preferiu o título de Imperador ao de Rei, 
porque era “mais amado pelo povo”. Cf. Câmara Cascudo, Dicionário do Folclore 
Brasileiro, Rio de Janeiro, 1962. Com efeito, a Festa e o Regime político iniciaram 
juntos um novo tempo, as barracas do Império do Divino diante do Paço Imperial. 
3 Cf. Alenquer, in Nova Águia, n. 3 (1º semestre de 2009), p. 140-151. 
4 Cf. José Diniz da Graça Motta e Moura, Memória Histórica da notavel Villa de Nisa, v. 
1, p. 58: “imperfeita imitação das festas e sacrifícios que os romanos anualmente faziam 
a Ceres, filha de Saturno e Cibele, deuses da agricultura [...]”. Salete da Ponte reata esta 
opinião no artigo A Simbólica de Festividades no Ciclo dos Tempos, in Boletim Cultural 
Da Câmara Municipal de Tomar, n. 21 (Out. 1997), p. 13-26. 
5 Cf. Luís Ribeiro, Os Festejos do Espírito Santo, in Almanaque dos Açores – 1934, 
Angra do Heroísmo, 1933, p. 72-76. 
6 Cf. Teófilo Braga, Cantos Populares do Arquipélago Açoriano, v. 2, p. 202. O 
argumento do culto do Império enquanto sobrevivência do gentilismo foi um dos mais 
invocados pelas autoridades eclesiásticas para proibir e suprimir os festejos. 
7 Cf. Teófilo Braga, O Povo Português nos seus Costumes, Crenças e Tradições, v. 2, 
Lisboa, 1885, p. 284. 
12 
 
- concitar a “protecção divina contra pragas e malinas”, 
mediante actos devocionais e práticas caritativas 8; 
 
 
 
Natal muçulmano em Tripoli (Líbia), onde tabuleiros idênticos aos de Tomar são 
ofertados como ex-votos (Domenica del Corriere, n. 20, 17 Jul. 1966) 
 
 
- proceder do cerimonial do “bispo-inocente” 9; 
- ser uma herança das confrarias francesasdo Espírito Santo 10. 
 
8 Cf. Michel Giacometti, Cancioneiro Popular Português, Lisboa, 1981, p. 39. 
9 Cf. Fortunato de Almeida, História da Igreja em Portugal, Coimbra, 1910-1922, 4 vols. 
Ver, especificamente, v. 1, p. 252 e v. 3, p. 556-557. A festividade do Bispo inocente 
celebrada a 28 de Dezembro, véspera dos Santos Inocentes, ainda se realizava na Sé de 
Lisboa, com grande pompa, em pleno século XVII. Ver Mário Martins, O Bispo Menino, 
o Rito de Salisbúria e a Capela Real Portuguesa, in Didaskalia, n. 2 (1972), p. 183-192. 
10 As confrarias francesas do Espírito Santo apenas promoviam a assistência na doença 
e na morte, assim como os bodos, omitindo, porém, o cerimonial da coroação. Cf. P. 
Duparc, Les Confréries du Saint Esprit et communautés d’habitants au Moyen Âge, in 
Révue d’Histoire du Droit Français et Étranger, v. 3 (1958), p. 349-367 e v. 4 (1958), p. 
555-585. 
13 
 
- ter origem judaica 11. 
- ser expediente, destinado a apaziguar o vulcanismo, 
recorrendo a procissões e orações 12; 
 
* * * 
 
O Auto do Império encena de forma simbólica o advento da 
Terceira Idade do Mundo, de acordo com uma tese do abade 
cisterciense Joaquim de Fiore, propalada pelos meios joaquimitas, e 
segundo a qual a história da humanidade percorreria três Tempos, 
desde a Criação até ao Fim do Mundo, vividos cada um deles sob a 
influência de uma das três pessoas da Trindade (lema da tripeça 13). 
 
 
O lema da tripeça, conforme a doutrina de Joaquim de Fiore 
no seu Comentário ao Apocalipse 
 
11 Cf. Correio da Manhã (11 Jun. 1991). Com mais razão se poderia dizer de origem 
muçulmana a Festa dos Tabuleiros de Tomar, atendendo à similitude formal dos ex-
votos reproduzidos na foto publicada supra! 
12 Tese perfilhada por César das Neves e pelo sociológo Caetano Valadão Serpa, que 
deixa sem explicação o enraizamento dos Impérios na Madeira e no Brasil, por exemplo, 
onde, consabidamente, inexiste vulcanismo! No Congresso do Espírito Santo de 
Alenquer (2016), Fernanda Enes subscreveu a mesma paralaxe, estribada na falsa 
assunção de que o Império do Divino foi uma criação açoriana. Com efeito, o culto do 
Divino Espírito Santo teve origem em Portugal continental (muitíssimo antes da 
“descoberta” do arquipélago açoriano), de onde havia de se difundir para todo o mundo 
lusíada. Ora, sendo a liturgia do Império do Divino fundada num símbolo teológico-
filosófico (joaquimita) e, salvo ligeiras variações tópicas, constante e universal, que 
particularidades do rito se baseiam no medo-pânico originado no vulcanismo? 
13 Sobre este tópico, ver Fernando Pessoa, Prefácio a Quinto Império de Augusto 
Ferreira Gomes, Lisboa, 1934 e Manuel J. Gandra, A. A. Carvalho Monteiro: 
imaginário e legado, Mafra, 2014, p. 184-190. 
14 
 
 
Assim, se a lei mosaica fora específica da Idade do Pai e a lei 
evangélica da do Filho, a futura lei do Evangelho Eterno sê-lo-ia da do 
Espírito Santo 14. 
 
 
 
 
Abbade Joaquim – Floreceo no Século XII 
A sua escatologia da História foi de tal modo influente em Portugal 
que continuava a ter cultores no século XIX, como testemunha 
a presente litografia, datável de c. 1810 
 
14 Cf. Manuel J. Gandra, Joaquim de Fiore, Joaquimismo e Esperança Sebástica, 
Lisboa, 1999. 
15 
 
 
 
Encontro de Abraão com Melquisedeque, rei de Salém 
Tábua do pintor Gregório Lopes, pertencente ao retábulo da capela-mor da igreja de São 
João Baptista de Tomar. Melquisedeque oferece o pão e o vinho da comunhão ao 
patriarca Abraão, tal qual Jesus fará aos discípulos na Última Ceia. Em segundo plano, 
semi-encobertos pela figura enigmática de Melquisedeque, o Nesi Shalom (Príncipe da 
Paz) dos essénios, descobrem-se as figuras que encarnam as três grandes confissões do 
Livro: um judeu, um muçulmano e um cristão. Assim propagandeada, a missão 
ecuménica, mais apropriadamente o Evangelho Português, que a Ordem de Cristo 
herdou do Templo torna-se indiscutível. 
 
16 
 
O esgotamento da segunda Idade ou do Filho prenunciaria o 
início do Tempo do Divino Paracleto, era da confraternização 
universal de cujo advento os portugueses se fizeram arautos, 
disseminando pelas novas latitudes tais expectativas milenaristas, 
porém nem sempre da forma mais ortodoxa e conforme aos dogmas 
romanos. 
Esse o móbil da perseguição de que os festejos passaram a ser 
alvo a partir do século XVI, nunca o carácter pagão então invocado 
pela hierarquia eclesiástica e mais tarde pela etno-antropologia (hoje 
pela sociologia) arregimentada para mascarar os autênticos motivos. 
Se necessário fosse angariar testemunhos para ilustrar o 
carácter heterodoxo da piedade popular subjacente aos festejos em 
louvor do Paracleto, bastaria evocar: 
 
- uma passagem do Orto do Esposo, apelando a um regresso às 
fontes e à genuinidade do ideal cristão: “[…] pois Jesus Cristo e os seus 
apóstolos não nos ensinaram arte de lógica, nem o enganamento vão 
das palavras, mas deram-nos ciência limpa e pura […]” 15; 
 
- ou uma xácara da ilha do Corvo (Açores): 
 
“Ascendeu o Espírito Santo 
Sua Santa monarquia, 
Desceu do Céu à terra 
Com prazer e alegria. 
No ar, como pomba branca, 
Coroada a Virgem Maria, 
Com treze chamas de fogo 
Todas ardentes, ardia. 
Com seus doze Apóstolos 
Para a sua Companhia, 
Entraram a pregar 
Por aquela heresia 
Pela vontade de Deus 
Tudo se lhe convertia”. 
 
 
 
15 Orto do Esposo, , fl. 34v-35r. Cf. edição crítica de B. Maler, Rio de Janeiro, 1965. 
17 
 
* * * 
 
Cada um dos aludidos períodos históricos, encarnando 
personalidade própria, consubstanciaria diferentes formas religiosas, 
sucessivamente manifestadas de Oriente para Ocidente. 
A sede da Igreja do Pai fora Jerusalém, a do Filho, Roma. 
A Terra Santa vindoura onde situá-la? 
Camões chamou Nova Roma a Lisboa. De Mafra se diz que pelo 
menos durante um dia há-de ser Roma. 
 
 
 
Alenquer: o convento de São Francisco no topo da “eminência para 
a parte Sul” e a igreja do Espírito Santo junto ao rio 
 
 
Seja como for, os iniciados na doutrina dos espirituais 
franciscanos identificavam-na com Alenquer. 
Segundo eles essa era a povoação portuguesa que maior 
similitude tirava de Jerusalém, a qual constitui no círculo judaico-
18 
 
cristão-islâmico o modelo paradigmático da Cidade Santa, o pólo 
teofânico, por excelência (i. e., da revelação divina) 16. 
Creio ter sido o franciscano Frei Manuel da Esperança 17 quem 
primeiro enfatizou por escrito o que já então seria uma assunção 
geralmente admitida: 
 
“[...] o nosso convento [fundado, em 1222, pela infanta Dona 
Sancha (filha de Dom Sancho I)] hoje, está posto sobre uma eminência 
para a parte do Sul, senhoreando o castelo, que lhe responde do Norte, 
e com estas aparências ajudadas da vizinhança do rio, profundidade 
do vale, correspondência dos montes e outras coisas notáveis, tiveram 
alguns motivo para se persuadirem que Alenquer se assemelhava 
muito à Santa Cidade de Jerusalém e que o Monte Sião no nosso 
convento estava representado”. 
 
Este terá sido, no meu entender, o argumento que mais influiu 
no imaginário dos eruditos seiscentistas para creditarem Alenquer - 
curiosamente vizinha da localidade e santuário de Meca – enquanto 
capital da religião nacional do Paracleto. 
Persistem, efectivamente, inúmeras interrogações sobre as 
circunstâncias da instituição dos Impérios do Divino, quase 
consensualmente atribuída (por uma tradição erudita, sem qualquer 
confirmação documental!) à Rainha Santa Isabel (1269?-1336), 
justamente em Alenquer. 
De facto, foram autores seiscentistas, maioritariamente 
eclesiásticos, os primeiros a reivindicar a invenção dos Impérios do 
Divino para a Rainha Santa, já então beatificada (em 1516, pelo Papa 
Leão X) e canonizada (desde o ano de 1625,apesar de a canonização 
só haver sido formalizada por Bento XIV, no século XVIII, com 
algumas imprecisões) 18: 
 
16 De facto, a cidade portuguesa que replica Jerusalém nos mais ínfimos pormenores é 
Tomar, concebida pelo grão-mestre Gualdim Pais para sede espiritual da nona Província 
da Ordem do Templo. Cf. Manuel J. Gandra, O Projecto Templário e o Evangelho 
Português, Mafra, 2014, cap. VIII, p. 239-277. 
17 História Seráfica da Ordem dos Frades Menores de São Francisco da Província de 
Portugal, Lisboa, 1656, 1ª parte, cap. 10, p. 67. 
18 Sem embargo de a hagiografia oficial (à semelhança dos testamentos de 1314, 1327 e 
1328) de Santa Isabel ser omissa no que concerne ao Império do Divino, inúmeros 
autores haviam de adoptar o ponto de vista de tais eruditos. Um dos mais eminentes e 
nado em Tomar foi Leitão Gaspar da Fonseca. Cf. Padre José Pereira Baião, Portugal 
19 
 
Brás de Araújo de Valadares 19: 
 
“[...] E tanto que a dita obra [igreja do Espírito Santo] foi 
acabada e posta em sua perfeição logo os Senhores Rei e Rainha antes 
que se partissem da dita vila, estando um dia ouvindo missa na dita 
casa, a missa [...] acabada os ditos Senhores Rei e Rainha [sic] 
passaram cavaleiros escudeiros contra boa gente [sic] que aí estava 
moradores da dita vila e termo e lhe recomendaram a dita casa, os 
quais lhe disseram que lho tinham em grande mente, dizendo que pois 
a Deus provera a dita casa ali para fazer que por tal milagre [da 
revelação dos alicerces] como a todos era notório e manifesto que eles 
lhe prometiam pelo que pertencia a Deus principalmente e por eles 
Senhores tão afincadamente recomendaram, por ser tanto serviço de 
Deus, Honra da dita vila, que eles a guardariam e proveriam em tal 
forma que por fim do mundo ela fosse sempre em sua perfeição 
melhorada e não piorada e os ditos Rei e Rainha disseram que lho 
tinham em serviço e logo os ditos cavaleiros, escudeiros e homens 
bons e a maior parte dos moradores da dita vila e termo, que aí eram 
presentes, se ajustaram e ordenaram entre si uma confraria em louvor 
e honra do dito Senhor Santo Espírito, dotando cada um do que Deus 
dera, aquilo que se atreveram para se dizerem em missas em a dita 
casa pelo seu dia e em todos os dias do ano e em outros alguns dias 
pela semana. 
E se disse um honrado voto pelo seu dia fazendo de tudo um 
compromisso da regra e maneira que se havia de fazer e manter para 
sempre a dita feita, o qual compromisso feito e examinado o fizeram 
logo a saber [a]os ditos Rei e Rainha de que os ditos senhores foram 
muito ledos e lhe deram para ele grande ajuda, para comprarem [...] e 
outras coisas muitas para a dita festa necessárias, e que se começasse 
logo [1321!] a fazer, ordenando que para a dita festa ser mais 
perfeitamente obrada, que à sexta-feira se corressem touros que se 
 
Glorioso, e Ilustrado com a vida e virtudes das Bemaventuradas Rainhas Santas 
Sancha, Teresa, Mafalda, Isabel e Joana, Lisboa Ocidental, 1727, § 30-33. 
19 Escrivão em Alenquer. Legou-nos um Livro de Registos de Privilégios (1654 a 1672), 
contendo, além de outros documentos: “Principio e fundamento da Casa do Spiritto 
Sancto na Villa de Alamquer, dado pela Raynha Sancta Izabel molher del Rey Dom 
Deniz no anno de 1321, a qual falesseu no anno de 1333 ha 4 dias de Julho em Estremos 
dia quarta frª como consta tudo de hua certidão e papeis antiguos autênticos que estão 
no Cartório da dicta Sancta Caza e Na da Camarª desta ditta Vila […]”, e ainda dois 
milagres que aconteceram “na Casa do Espírito Santo”, etc. 
20 
 
chamasse Sexta-feira das carnes em cada um ano, com que se 
desenfadassem [...] e que as matassem [...] e que em tal guisa os 
esfolassem e esportelassem que com aquela noite e Sábado [...] fosse 
aquela carne toda cozida, para se pôr em um paiol, a par do outro paiol 
do pão que é ordenado para o dito voto [i. e., bodo], o qual pão e carne 
se há-de comer ao Sábado véspera por clérigos e frades, quando [...] 
com a procissão da Candeia, que é ordenado vir ao Sábado a Santa 
Maria de Triana a qual havia de ser grande que estivesse um homem 
digno um cabo dela no mosteiro de São Francisco da dita vila e viesse 
ao longo pelas ruas da dita vila e saísse pela Porta do Carvalho e viesse 
o outro cabo dentro [d]a igreja de Santa Maria de Triana ao altar. 
Onde estivesse acesa assim em São Francisco como em Santa Maria 
onde ao altar mor é ordenado estar um homem nu com seus pasmos 
[i. e., panos] e com sua candeia nos braços em maneira de bandeira 
assim como vem na procissão e por no dito altar donde há-de haver 
continuadamente todo ano as missas e todas as horas, a qual candeia 
acabada de apanhar fosse na jornada acesa [...]. Santo Espírito com 
todas as cruzes da igreja e mosteiro a benzer todo o dito pão e carne, 
para se dar ao dia seguinte no dito voto [i. e, bodo] e marcaram as 
vésperas do dito Senhor Santo Espírito como entram outras coisas mui 
boas para a dita festa, como lhe melhor parecer as quais são postas e 
escritas no dito compromisso e acordaram e ordenaram que quando aí 
não houvesse imperadores prometidos por sua devoção, que então 
elegessem outros da dita vila e termo, dos mais abastados e 
pertencentes que os fossem e isto seja feito com conselho dos mais dos 
ditos confrades por a dita festa se não desfazer, e cumprimento de seu 
efeito e os outros irmãos os ajudarão e contribuirão cada um aquilo 
que honestamente puderem segundo sua faculdade” 20. 
 
Dom Rodrigo da Cunha (1577-1643), em 1642 21: 
 
20 Cf. Principio e fundamento […]. 
21 Eminente prelado e um dos mais estrénuos defensores das prerrogativas e da 
autonomia portuguesas durante a monarquia dual. Foi aluno dos jesuítas em Lisboa, 
tornando-se, em 1600, pensionista no real colégio de S. Paulo de Coimbra. Doutorou-se 
em Direito canónico, tendo ocupado as mitras de Coimbra (1616), Porto (1619), Braga 
(1627) e Lisboa (1635). De 1635 até 1639, havia de permanecer em Madrid, exercendo as 
funções de Conselheiro de Estado, após o que regressou a Portugal, sendo recebido 
apoteoticamente em Lisboa e concorrendo decisivamente para a Restauração de 1640. 
No dia 1 de Dezembro, querendo demonstrar a inequívoca adesão à causa, saiu em 
procissão, de cruz alçada, percorrendo as principais artérias de Lisboa, em consequência 
21 
 
“Ela [Dona Isabel] e el Rei Dom Dinis, seu marido, foram os 
autores da festa que se chama do Espírito Santo, cuja solenidade foi 
tão célebre por todo o reino, e mais nos maiores e mais populosos 
lugares dele, como ouvimos contar aos antigos. A que hoje dura em 
Alenquer tinha a mesma celebridade pelo reino, isto é eleger-se e 
constituir-se Imperador, que na primeira oitava do Espírito Santo, 
com majestade real, assistisse aos ofícios divinos, andasse na 
procissão, condecorasse com sua presença as mesas, honrasse as 
festas e invenções com que o povo procurava alegrar-se. Aqui em 
Alenquer se celebra ainda esta acção que chamam do Império, com 
grande aparato, levam três coroas e uma delas que foi da Rainha Santa 
Isabel. Servem pessoas nobres e de qualidade ao Imperador que está 
em trono debaixo de docel, onde se assenta depois de haver oferecido 
junto do altar uma daquelas coroas na mão do sacerdote que diz a 
missa. E mandaram estes senhores Reis que assistindo o Príncipe 
herdeiro do Reino nesta ocasião em Alenquer, ele fosse o que levasse a 
coroa da igreja do Espírito Santo à do mosteiro de São Francisco, onde 
se dá princípio à festa cuja parte principal é que no sábado, véspera de 
Pentecostes se cerca com uma coroa, ou rolo de cera benta, tudo o que 
há na vila, começando do mosteiro de São Francisco, até à igreja do 
Espírito Santo, assistindo toda ela em procissão, no que viram já por 
vezes milagrosos efeitos, porque fazendoesta cerimónia em tempo de 
grande peste, foi Deus servido acabar-se o mal, e tornasse a 
serenidade” 22. 
 
Frei Manuel da Esperança (1586?-1670), em 1656 23: 
 
“Do Império na Festa do Espírito Santo [...]: A muitas coisas 
notáveis, em que teve boa parte a Rainha Santa Isabel, fez lugar a 
velhice desta casa. Uma é a solenidade do Império, da qual ela e seu 
 
do que seria nomeado governador do reino, enquanto D. João IV não chegou de Vila 
Viçosa. Testemunhou o auto de juramento do monarca, celebrado a 15 de Dezembro, 
tendo sido o primeiro a ratificar o juramento dos Três Estados ao soberano e a seu filho, 
D. Teodósio (28 de Janeiro de 1641). 
22 História Eclesiástica da igreja de Lisboa, Lisboa, 1642, parte 2, cap. 27, p. 122r-122v. 
23 Religioso e cronista franciscano. Desempenhou diversos cargos na sua Ordem, a 
saber: guardião no Colégio de S. Boaventura (Coimbra) e dos conventos de S. Francisco 
do Porto e de Santarém, secretário do comissário geral Frei Martinho do Rosário, 
vigário paroquial e três vezes ministro provincial. Deve-se-lhe a edificação do convento 
seráfico de Tomar, do adro do convento do Porto e o claustro do de Telheiras. 
22 
 
marido, para celebrar a festa do Espírito Santo foram os inventores 
primeiros. E porque a seu exemplo o mesmo império se usa em muitas 
partes [...]” 24. 
 
Frei Francisco Brandão (1601-1680), em 1672 25: 
 
“Por ser Senhora de Sintra, e destes Paços a Rainha Santa 
Isabel, havia de admitir dentro deles o celebrar-se a Festa do Espírito 
Santo, que na vila de Alenquer, que também era sua instituiu com 
boda, e cerimónia de Imperador, como se usa […]” 26. 
 
D. Fernando Correia de Lacerda (1628-1685), em 1680 27: 
 
“Depois de haver edificado em Alenquer uma igreja ao Espírito 
Santo no primeiro ano em que se fez a solenidade da Coroação do 
Imperador, e com todo o luzimento, não só chamou a nobreza para 
tomar parte neste Império que ela tão piedosamente acabava de erigir, 
mas também convocou pessoas de diversas hierarquias. Tanto que o 
ornato da igreja esteve posto em sua perfeição, se disse nela, com 
assistência dos reis e da corte, uma missa oficiada com toda a 
solenidade, e acabado o sacrossanto sacrifício, chamando os reis a 
nobreza mais qualificada e parte da boa gente da vila e seus contornos, 
que tinha assistido naquele religioso acto, lhes encomendou aquela 
casa, o que eles tiveram por grande honra; e agradecidos às reais 
recomendações, porque os reis, quando põem encargos com rogos, 
faziam mercês com os rogos, lhes responderam que eles prometiam, 
que por serviço de Deus e de Sua Alteza tratariam da conservação 
daquela casa. Estimaram os reis esta piedosa promessa da nobreza e 
do povo em que o povo igualou a generosidade da nobreza. 
Ajuntaram-se as pessoas a quem os reis tinham encomendado a igreja 
 
24 História Seráfica, Lisboa, 1656, liv. 1, p. 132-133. 
25 Monge cisterciense, doutor em Teologia pela Universidade de Coimbra e geral da sua 
congregação, qualificador do Santo Ofício, examinador das Três Ordens Militares, 
cronista-mor do Reino, etc. 
26 Sexta Parte da Monarquia Lusitana, Lisboa, 1672, p. 185. 
27 Prelado, graduado em Cânones na Universidade de Coimbra. Inquisidor em Évora e 
Lisboa, deputado do Conselho Geral do Santo Ofício e comissário da Bula de Cruzada. 
Bispo de Porto, nomeado por D. Pedro II e confirmado por Clemente X (17.7.1673). No 
ano de 1683, sentindo-se doente, seria absolvido das obrigações pastorais, retirando-se 
para o convento da Serra do Pilar e, posteriormente, para Lisboa, onde faleceu. 
23 
 
e erigiram uma confraria em louvor do Espírito Santo a que fizeram 
liberais devoções” 28. 
 
“Dia da Ressurreição de Cristo Senhor Nosso vai acompanhado 
de toda a Nobreza e Povo da vila, à Igreja de São Francisco dela, o 
homem que há-de fazer a figura de Imperador com dois que fazem a 
de Reis, e três pajens que lhe levam diante outras tantas coroas, uma 
das quais deixou a Rainha Santa para aquele acto. E tanto que chegam 
ao altar, se oferecem nele as coroas a Deus, e um religioso, vestido nas 
vestes sacerdotais, as põe na cabeça do Imperador e dos Reis, e nesta 
forma vão com majestoso séquito acompanhar a alegre procissão, que 
naquela manhã florida se faz a Cristo Senhor Nosso ressuscitado, 
naquele religioso convento. Na mesma tarde sai da miraculosa igreja 
do Espírito Santo o Imperador, diante do qual precedem festins, e 
trombetas, e dois pajens, um com a Coroa da Majestade, e outro com o 
estoque da Justiça, e vai ao mesmo convento onde torna a ser coroado, 
e depois de se distribuírem ramalhetes pelas pessoas Nobres do 
acompanhamento, dançavam eles com algumas donzelas, que a título 
de Damas, acompanham ao Imperador, às quais se dava parte do dote 
para seu casamento. Acabada esta função, torna o Imperador, com a 
mesma Majestade, à igreja do Espírito Santo, e oferecendo a Coroa no 
Altar, a torna a receber das mãos de um Sacerdote e se assenta em um 
trono debaixo de um dossel, onde os Nobres o festejam com tanta 
reverência, como se não fosse fingida a Majestade, e nesta forma 
continua o Império todos os domingos seguintes, até o dia de Espírito 
Santo, em cuja véspera sai o Imperador do mesmo convento, com toda 
a pompa, e com ele um homem, que leva duas madeixas de cera benta 
na mão, uma ponta das quais fica ardendo no altar da mesma igreja, e 
o mais saindo a procissão dela passando pela Porta do Carvalho, se vai 
estendendo pelas ruas até chegar ao altar da igreja de Nossa Senhora 
de Triana, onde se enrola, e se põe nela, para arder por todo o discurso 
do ano. Acabado o acto, vai a procissão com todas as Cruzes das 
igrejas, e dos Conventos à Santa Casa do Espírito Santo, e nela benzem 
os sacerdotes o pão, e a carne, que ao outro dia se há-de comer em um 
bodo; o que tudo se ordenou por instrução da Santa Rainha; e con-
siderando o Império, e a candeia, se é lícito ajuizar as alheias acções, 
 
28 Cf. Historia da Vida, Morte, e Milagres, Canonização, e Trasladação de Santa Isabel 
Sexta Rainha de Portugal (1680), p. 191-193. 
 
24 
 
principalmente estas que são misteriosas, não podemos deixar de 
entender que aquela candeia põe a Santa Rainha todos os anos ao 
Espírito Santo, para que Deus, havendo um só pastor e um só 
rebanho, estabeleça, em cumprimento da sua promessa, na coroa 
portuguesa, o império universal do mundo” 29. 
 
Padre Manuel Fernandes (1614-1693), em 1690 30: 
 
“[...]. E entre outras devoções que naquele tempo se ordenaram, a 
Rainha Santa introduziu um modo que chamam Impérios ou Bodos 
gerais em que nas terras menos populosas se convida ou elege um 
homem que se chama Imperador do Espírito Santo, com mordomos; e 
na festa de Pentecostes instituiu um bodo com abundância de pão, 
bolos, carne e outras coisas comestíveis [...]” 31. 
 
Já as raras fontes documentais conhecidas anteriores a 
seiscentos permitem constatar, sem contradição, que a albergaria 
alenquerence dedicada ao Paracleto remontava ao tempo de D. 
Sancha, filha de D. Sancho I e Senhora de Alenquer (c. 1180-1229), a 
qual instituíra no Paço Real um albergue destinado a enfermos pobres 
e peregrinos. Conhece-se também uma carta, de 18 de Setembro de 
1279, da Rainha D. Beatriz (viúva de D. Afonso III) a tomá-la “em sua 
guarda e defesa” 32. 
Seja como for, D. Isabel de Aragão havia de demonstrar uma 
profunda dedicação àquela instituição, patrocinando, no ano de 1321, 
o primeiro compromisso da confraria que, doravante, havia de tutelá-
la 33, dotando-a generosamente de inúmeros privilégios e promovendo 
 
29 Idem, ibidem, p. 194-196. Neste trecho reivindica para a sua hagiografada a 
instituição das festas do Império, em Alenquer, estabelecendo (pela primeiravez, de 
forma explícita e iniludível) um nexo entre as ditas cerimónias e a tradição nacional do 
Quinto Império. 
30 Professou na Companhia de Jesus no ano de 1631. Professor de Teologia Moral, 
Retórica e Filosofia, foi Reitor dos Colégios do Faial, Santarém e ainda do noviciado de 
Lisboa. Confessor de D. Pedro II, desempenhou também o cargo de deputado da Junta 
dos Três Estados. Autor de Alma Instruída na Doutrina e Vida Cristã, em cujo segundo 
volume (Lisboa, 1690, t. 2, p. 911-916) dedica umas quantas páginas aos festejos do 
Império, mencionando, expressamente (p. 914), a instituição deles pela Rainha Santa 
Isabel 
31 Alma Instruída na Doutrina e Vida Cristã, v. 2, Lisboa, 1690, p. 914. 
32 ANTT: Chancelaria D. Afonso V, liv. 1, fl. III. 
33 Luciano Ribeiro, Alenquer – Subsídios para a sua História, Lisboa, 1936, p. 133. 
25 
 
a reedificação da respectiva igreja, tendo contígua a albergaria, no 
exacto local onde se erguiam as casas do seu Paço. 
Atente-se no teor de um dos mais antigos textos hagiográficos, 
relatando a Lenda da Rainha D. Isabel chamada a Sancta molher 
d’el-Rei Dom Denis a qual fundou a Casa do Spirito Sancto da vila 
d’Alenquer, atribuído a Damião de Góis (1502-1574), historiador, 
humanista e confrade da Confraria do Espírito Santo de Alenquer, 
com a qual mantinha relações muito estreitas, porquanto os 
mordomos e o capelão dela testemunhariam a seu favor no processo 
contra si instaurado pelo Santo Ofício (1571) 34. Nele, Damião de Góis 
é categórico, ao creditar à consorte de D. Dinis apenas e só a fundação 
da igreja e hospital (“Casa e Hospital”) do Espírito Santo: 
 
“[…] e na qual vila esta bem-aventurada Rainha fundou a Casa 
do Espírito Santo, de que as Rainhas deste reino de então a ca foram 
sempre muito devotas (fl. 2r). E porque esta ordem pela obrigação que 
dos tais encargos lhe compete é quase como herança da sua coroa, 
Vossa Alteza [fl. 2v] deve sempre ter especial cuidado do serviço e 
tutela da dita Casa e Hospital porque se o assim não fizer facilmente se 
poderiam pelo tempo perder o bom modo e governo que no tratar das 
coisas dela se deve ter […]. [fl. 7r] No qual tempo a dita Senhora por 
sua devoção e como se diz por revelação divina no lugar onde Deus tal 
milagre por ela fizera fundou esta Casa da invocação do Espírito Santo 
de Alenquer, com logo nela ordenar confrades e bodo pelo modo e 
costume que se até o presente dia tem. Para o qual bodo logo ela e el-
Rei Dom Dinis seu marido deram guado e fizeram doações para o 
entretimento e despesas da dita Casa […]. No fundar desta Casa do 
Espírito Santo, como se acha por memória e antiga escritura se diz que 
vindo a Rainha com sua gente e oficiais para abrir os alicerces que os 
 
34 Cf. Raul Rego, O Processo de Damião de Góis na Inquisição, Lisboa, 1971, p. 184. 
Enquanto seu tio, Bastião de Macedo (cerca de 1570), foi provedor da Confraria do 
Espírito Santo de Alenquer, Damião de Góis ofereceu à igreja da instituição diverso 
património, arrolado na Lembrança de algumas coisas que mandei e dei a igrejas deste 
Reino desde o ano de mil quinhentos e vinte e seis a esta parte (documento autógrafo, 
datado de 16 de Fevereiro de 1572, integrado no processo inquisitorial): órgãos de som; 
duas sobrepelizes de pano de linho; três balandraus de pano vermelho para serviço de 
missa de três homens; uma mesa grande de mármore para se partir a carne dos touros 
que se distribuía no bodo de Domingo de Pentecostes; uns bordos de madeira de fora, 
para fazer bancos para se pôr o pão do dito bodo; uns bordos para se fazer uma charola 
para o órgão da igreja, etc. 
26 
 
achou milagrosamente demarcados do tamanho e grandor que a [fl. 
7v] igreja é e começados a cavar. […]. Item mais se acha que fazendo-
se aa dita obra que passava uma moça com um molho de rosas na mão 
por a par do dito lugar onde a Rainha estava com suas donzelas vendo 
como trabalhavam e que uma das ditas donzelas pediu as rosas À 
moça e as deu à Rainha. A qual Senhora partindo-se da obra deu a 
cada um dos oficiais uma das ditas rosas as quais eles puseram a par 
de seus fatos, e à tarde querendo-se ir para casa tomando cada um a 
rosa que lhe fora dada se lhe converteram em dobras, do que 
espantados o foram logo dizer à Rainha […]” 35. 
 
* * * 
 
A Rainha Santa tem servido de pretexto para a validação de um 
sem número de incongruências e paralaxes 36, porquanto acha-se 
apurado como indubitável que: 
- A corte de Aragão, nomeadamente a de Jaime II, irmão de 
Dona Isabel, não manteve ligações com franciscanos espirituais ou 
fraticelli; 
- D. Isabel não foi a fundadora do convento de Santa Clara, em 
Coimbra; 
- O físico Arnalte, supostamente Arnaldo de Vilanueva (1235-
1311), com o qual a Rainha teria trocado correspondência e com quem 
planeava avistar-se em Santiago de Compostela, não podia ser o 
franciscano milenarista, pois este falecera em 1311, data muito 
anterior à da alegada correspondência. 
 
Até o Milagre das Rosas, porventura a única lenda da Rainha 
Santa que alcançou difusão nacional, não consta da biografia anónima 
 
35 BN: IL. 223, fl. 2r-2v e 7r-7v. Cf. Teresa Andrade e Sousa, Lenda da Rainha D. Isabel: 
códice iluminado da B. N., in Revista da Biblioteca Nacional, s. 2, v. 2 (1), (1987), p. 43 
e 46. 
36 Cf. Padre Jacinto Monteiro, Os Franciscanos e o Culto do Espírito Santo nos Açores: 
a influência da Rainha Santa Isabel e a Visão Portuguesa Tradicional, in União, a. 1 
(n. 9, Angra do Heroísmo, 13 Mar. 1998): Diálogos – Suplemento de Cultura, Arte e 
Ciência; Os Franciscanos e o Culto do Espírito Santo nos Açores: os franciscanos 
espirituais e a Figura da Rainha Santa (idem, n. 10, 30 Abr. 1998); Os Franciscanos e 
o Culto do Espírito Santo nos açores: a suposta influência herética na Corte da Rainha 
Santa Isabel (idem, n. 11, 29 Mai. 1998); Os Franciscanos e o Culto do Espírito Santo 
nos Açores: um resumo para Estudo Crítico da sua génese e implantação (idem, n. 12, 
3 Jun. 1998). 
27 
 
de D. Isabel, redigida no séc. XIV, ocorrendo apenas num retábulo de 
pintura, quatrocentista, do Museu Nacional d’Art de Catalunya 37 e 
muito brevemente, na Crónica da Ordem dos Frades Menores 38 de 
Frei Marcos de Lisboa, naquilo que constitui um dos mais remotos 
registos hagiográficos impressos do episódio. 
O que a maioria daqueles que se referem ao miraculoso evento 
desconhece é que são dois (e não apenas um!) os Milagres das Rosas 
creditados a Santa Isabel: 
 
- o primeiro, mais divulgado, ao qual se reporta a generalidade 
das alusões literárias, artísticas, etc., consistiu na transformação de 
dinheiro em rosas e di-lo a tradição realizado em Coimbra, enquanto a 
Rainha acompanhava as obras que decorriam no convento de Santa 
Clara-a-Velha; 
- o segundo terá ocorrido em Alenquer, durante as obras de 
edificação da igreja do Espírito Santo, sendo descrito como a 
transformação de rosas em moedas de ouro. 
 
D. Fernando Correia de Lacerda narra o episódio que teve 
Alenquer por cenário, nos seguintes termos: 
 
“Detiveram-se os Reis alguns dias na Vila de Leiria, e passaram 
à de Alenquer, e como Deus fala aos seus servos em sonhos, uma noite 
em que o sono não fugia dos olhos da Santa Rainha, sendo que muitas 
vezes o faziam fugir as vigílias, sonhou, que seria obra muito agradável 
ao Senhor fazer naquela Vila uma igreja dedicada ao Espírito Santo, na 
qual se celebrasse o Sacrossanto Sacrifício da Missa, e ainda que o 
tempo a que acordou do sono não era de todo dia claro, como era 
costumada a louvar a Deus, como Estrela Matutina, se vestiu e foi 
ouvir Missa; tanto que a ouviu se foi ao rossio da Vila, que o Rio umas 
vezes inunda, outras prateia, e mandando chamar os juízes daquele 
Povo, lhes ordenou, que mandassem quatro pedreiros, e seis trabalha-
dores, porque queria que se abrissem uns alicerces naquele sítio, tanto 
que os juízes foram fazera diligência, se pôs a Santa Rainha em oração 
no mesmo lugar, porque como aquelas acções eram inspiradas por 
Deus, não reparava em que fossem vistas no mundo, e vindo os 
Oficiais, e trabalhadores, se levantou, e foi para onde determinava 
 
37 MNAC: inv. 64044. 
38 Volume 2, Lisboa, 1562, fl. 197. 
28 
 
abrir os alicerces e chegando ao sítio destinado, os achou abertos, e 
desenhados, vendo a Santa Rainha tão impensado sucesso, não sem 
consideração de que era superior prodígio, perguntou aos juízes, se os 
tinham mandado abrir naquela forma, ou deles tinham alguma 
notícia, e os juízes lhe responderam, que nem eles nem outra pessoa 
alguma havia dado princípio a aquela obra, antes passando por aquele 
sítio no princípio da noite antecedente, não tinha aquela parte 
diferença alguma do outro campo, ouvindo a Santa Rainha este 
desengano, reconheceu o favor, e pondo-se outra vez em oração, deu, 
com muitas lágrimas de ternura, graças a Deus da maravilha... Ainda 
que parecia, que não necessitava de mais firmeza a fábrica, a que Deus 
tinha feito a milagrosa planta, como os alicerces da igreja estavam só 
delineados à flor da terra, mandou a Santa Rainha, que na forma da 
delineação, se pusessem de maior altura, e depois de assistir na obra 
por algum espaço do dia, despedindo-se dos oficiais, lhes disse, que 
trabalhassem com cuidado, porque lhes havia de pagar o jornal com 
vantagens, chegando ao Paço deu conta a El-Rei do sucesso, de que ele 
recebeu grande gosto [...]. 
Tanto que a Santa Rainha acabou de jantar como aquela obra 
era santa, veio assistir a ela a tarde toda, e passando por aquele sítio, 
ao declinar do dia, uma moça com um molho de rosas nas mãos, disse 
a Santa Rainha a uma Dama sua, que lhas pedisse da sua parte, 
obedeceu a Dama ao preceito, a moça ao rogo, e passando as rosas da 
segunda mão às da Santa Rainha, ficaram elas da melhor sorte, e com 
o melhor preço [...]. 
Chegado o tempo da Santa Rainha se voltar para o Paço, deu a 
cada um dos oficiais, e trabalhadores sua rosa, dizendo-lhes que com 
elas lhes pagava o dia, e rindo-se eles, cuidando que era graça, as 
aceitaram com grande cortesia, admirando tanta urbanidade em 
majestade tão venerada, e para continuar o trabalho, guardou cada um 
a sua em lugar distinto, posto o Sol, depois de se ausentar a Santa 
Rainha, tomando cada qual os vestidos, para se recolherem a suas 
casas, e querendo levar as flores, para testemunhas de que a Santa 
Rainha lhes fizera aquelas mercês, quando as buscaram, acharam 
dobras, e duvidando que fossem verdadeiras tão lucrosas 
transformações; para se tirarem de dúvidas determinaram ir buscar a 
Santa Rainha, a qual acharam ainda pela rua, e lhe disseram, que sua 
Alteza lhes mandara pôr dobras em lugar de rosas, que eles não 
tinham merecido tão liberal paga, e estavam certos da satisfação; 
29 
 
ouvindo a Santa Rainha o sucesso daquela mudança, conheceu que era 
prodígio do Céu, porque com outros semelhantes, tinha a divina 
grandeza, honrado a sua humildade, e pondo os olhos na terra e 
coração no Céu, deu muitas graças ao Senhor [...]. 
Quando os oficiais deram conta à Santa Rainha, do sucesso que 
os tinha em dúvida, lhe não deu ela alguma resposta, e chamando um 
deles à parte, lhe perguntou outra vez pelo acontecimento, e ele lhe 
tornou a referir a verdade, e tanto que se certificou do milagre, os 
chamou a todos, e lhes impôs o segredo, dizendo-lhes que se 
aproveitassem do dinheiro [...]” 39. 
 
 
 
 
Santa Isabel e o Milagre das Rosas em Alenquer (c. 1670-1680), óleo sobre tela 
(80 x 120 mm) do pintor Bento Coelho (matriz de Salvaterra de Magos) 
 
39 Historia da Vida, Morte, e Milagres, Canonisação, e fundação de Sancta Isabel Sexta 
Rainha de Portugal, 1680, p. 185-189. Ver também versão consignada no Livro de 
Registros de Brás Araújo de Valadares. Numa composição de Homenagem da Academia 
dos Singulares (1670), o poeta Serrão de Castro havia de satirizar este episódio 
iconografado por Bento Coelho: “Assim que sua virtude / a pedra é de que usa / e com 
ela fez de rosas / dinheiro, sem liga alguma. / Também a vós [Bento Coelho] esta pedra 
/ parece que não se oculta / pois fazeis de terra cinzas / ouro fino e prata pura”. Cf. Luís 
de Moura Sobral (coord.), Bento Coelho e a cultura do seu tempo, Lisboa, 1998, p. 286-
288. 
30 
 
 
 
Milagre das Rosas de Alenquer (1692) António Gomes e Domingos Nunes 
Painel do terceiro retábulo lateral do lado da Epístola da igreja de Santa Clara-a-Nova 
31 
 
 
 
Milagre das Rosas de Alenquer (óleo sobre tela) 
Painel central do retábulo do coro alto da igreja de Santa Clara-a-Nova 
32 
 
Não obstante o segundo Milagre das Rosas 40 ser aquele que se 
acha directamente relacionado com o culto o Império do Espírito 
Santo (até porque outrora o Pentecostes era denominado Páscoa das 
Rosas…!), havia de ser suplantado pela primeira versão, actualmente 
dramatizada em inúmeras festividades do Império na América do 
Norte e, por contágio, nas de algumas das ilhas açorianas. 
 
 
* * * 
 
Álvaro Rodrigues de Azevedo adianta, baseado numa escritura 
que existiu na Câmara de Alenquer, o ano de 1272, enquanto Jaime 
Cortesão, adoptando sugestão de Frei Manuel da Esperança e tendo à 
vista documentos do Arquivo desse município, afirma ter sido o 
convento de São Francisco o palco da primeira realização de um 
Império do Divino, em 1323 41. 
Alguns autores têm optado, em alternativa a Alenquer, pela 
Sala dos Infantes do Paço da Vila de Sintra sem, contudo, 
especificarem a ocasião do evento 42. 
Porém, já no Compromisso da Confraria do Espírito Santo de 
Benavente 43, o mais antigo que se conhece (coevo da fundação da 
igreja do Espírito Santo dessa localidade que presumivelmente se 
verificou no primeiro quartel do séc. XIII), se alude à festividade do 
Império, o que induz a supor a sua concretização aí anteriormente a 
1272 44: 
 
40 Iconografado num óleo, anterior a 1670, desaparecido, da Capela Real do Paço da 
Ribeira e num outro, sobre tela, de Bento Coelho pertencente ao acervo da matriz de 
Salvaterra de Magos. Cf. Luís de Moura Sobral, Bento Coelho (1620-1708) e a Cultura 
do seu tempo, Lisboa, 1998, p. 286, n. 34. No coro-alto de Santa Clara-a-Nova (3º 
retábulo lateral do lado da Epístola), acha-se um terceiro óleo figurando o episódio em 
apreço, entalhado por António Gomes e Domingos Nunes. Cf. Nelson Correia, A Talha, 
in Monumentos, n. 18 (Mar. 2003), p. 65-73 e Ana Rita Carvalho, Imagens seiscentistas 
da Rainha Santa Isabel, in Invenire, n. 12 (Jan.-Jun. 2016), p. 44-47. 
41 Os Factores democráticos na formação de Portugal, Lisboa, 1966, p. 195-197; ver 
também Memórias Paroquiais, v. 2, n. 46, p. 320 
42 Cf. Frei Francisco Brandão, Monarquia Lusitana, sexta parte, cap. 42 e Figanière, 
Memórias das Rainhas de Portugal, p. 213. 
43 Houve nesta localidade Irmandade do Espírito Santo em data anterior a 1237, 
conforme documentação editada por Rui de Azevedo, Benavente: Estudo Histórico-
Descritivo, Lisboa, 1926, p. 81-110; 117-120; 279-280. 
44 António Brásio: “Não há documentos de instituição da confraria do Espírito Santo de 
Benavente, nem da feitura de seus estatutos. Se a data de uma verba, segundo a qual, D. 
33 
 
“[…]. Assim que nós sobreditos, desejando de cumprir estas 
coisas instituímos das próprias fazendas em o ano uma vez um convite 
[i. e., um bodo] aos pobres por dia do Espírito Santo, digo, pobres em 
Cristo, o qual Cristo é apascentado em os pobres, aos quais todos os 
confrades cautelosamente terão e a nenhum ofenderão e com 
diligência em vestiduras farpadas e bem aparelhadas, as quais cada 
um dos confrades acerca de si terão para ministrar, tirando os clérigos, 
as quais coisas, procuradas [e juntas], os clérigos com sobrepelizes e 
os leigos com as vestiduras farpadas [roupas rôtas = pobrezaevangélica] 45 devem de discorrer pelas igrejas cantando com 
 
Plagia mandava cantar anualmente uma missa por uma herdade que legara à Confraria 
do Espírito Santo da mesma vila, é do mês de Agosto de 1272, da era de César, que 
corresponde a 1234 da era cristã, sabido é que nesta data já existia em Benavente a dita 
confraria sem que se saiba desde quando”. 
45 A Pobreza Evangélica foi o tema crucial da disputa entre espirituais e conventuais. De 
acordo com S. Boaventura, a pobreza mais não é que a forma de imperfeição exterior 
que a perfeição exclusiva de Cristo assumira; por esse motivo devia a sua relativa 
perfeição à graça de Jesus mais do que ao seu valor intrínseco. Na prática ambos os 
grupos concordavam que a pobreza constituía um antídoto contra a cupidez, fonte de 
todo o mal. Porém, os espirituais consideravam que só o usus pauper, i. e., a prática 
efectiva da pobreza absoluta, constituía sinal de pobreza evangélica, não passando tudo 
o resto de transgressão a esse ideal. A adesão ou recusa do usus pauper tornar-se-ia 
sinónimo de lealdade ou oposição ao exemplo de renúncia ao mundo por parte de S. 
Francisco, reverenciado corno um quase émulo de Cristo e indigitado guia da renovação 
espiritual e fundador da nova era a que tal santificação conduziria. A veemência das 
posições dos fraticelli introduziria um tom apocalíptico no debate, uma vez que 
entendiam a aspiração aos bens e conhecimentos mundanos, como marca do Anticristo. 
Por seu turno, Pedro Juan Olivi, único espiritual que advogara a obediência aos 
superiores da Ordem e da hierarquia da Igreja, encarava a pobreza evangélica corno um 
estado de perfeição interior, directamente proporcional à caridade como fonte de todo o 
bem. Assim, quanto maior a renúncia ao mundo, tanto maior a caridade subjacente a 
essa renúncia. Donde a fortuna dos beguinos ou begardos, até em Portugal. Álvaro Pais 
trataria o problema da pobreza teórica de Cristo e dos franciscanos no De Planctu 
Ecclesiae (v. 2, art. 55-57, fl. 173a), apropriando-se frequentemente, ad litteram e sem 
indicar a fonte, do Tractatus de paupertate Christi et Apostolorum do franciscano Frei 
Bonagracia de Bérgamo (Cf. Archivum Franciscanum Historicum, v. 22, 1929, p. 315-
316 e 322; Alejandro Amaro, Fr. Álvaro Pelagio, su vida, sus obras, su posición 
respecto de la cuéstion de la pobreza teórica, en la Orden Franciscana, bajo Juan 
XXII, 1316-1334, in Archivo lberoamericano, Madrid, 1916). Sobre a Pobreza 
Evangélica, ver Tratado de Confissom (1489 [Lisboa, 1973, p. 98-99 e 231]): "[...]. É 
esse mesmo o estado das religiões. Porque estes nunca são fartos nem contentes por 
muito que hajam, case têm um cálice queriam outro e se têm dois queriam quatro, e se 
quatro oito, e assim subir de um em outro, e das vestimentas isso mesmo, e das cruzes e 
dos outros ornamentos que fossem tantos e tão nobres que em toda a terra não fossem 
achados outros tais. E assim dos hábitos e das câmaras muito bem pintadas e das coisas 
34 
 
pandeiros e compãs [trombetas?] bem soantes [juntamente assim 
como o diz David] louvando ao Senhor, e distribuindo aquelas esmolas 
aquele dia e com muito prazer e alegria, porque em verdade ao tal 
dador ama Deus. Mais instituímos que se algum confrade adoecer, os 
confrades o visitarão por cada sua noite, procurando de o visitar e 
assim os mordomos com suas próprias pessoas de vigiar até serem 
certos de sua saúde. 
E se morrer mui honradamente, com candeias acesas o corpo 
leve à igreja e o guarde até ser sepultado, e quando aquele corpo 
sepultarem todos os confrades com cada um sua candeia acesa na mão 
farão celebrar uma missa pela sua alma e de todos os fiéis de Deus 
cantada e oferecerão cada um seu dinheiro, e depois que haja sido 
sepultado os mordomos tomem as candeias e os dinheiros e deem a 
uma parte [que for do seu agrado] ao capelão que disser a missa e ao 
altar, e a outra ponham em o seu tesouro para comprar as coisas 
necessárias. E aos 30 dias farão cantar [por sua alma] outra missa 
como a de cima com suas candeias [acesas] nas mãos e dinheiros para 
oferecer. E se algum confrade for caminho e adoecer todos os 
confrades mandem por ele, e isto até jornada de um dia, e se morrer o 
mesmo farão. Os confrades sempre terão em seu tesouro incenso, 
pano de linho, candeias, vestidos e todo o necessário [pranchas de 
cortiça para envolver o corpo do defunto] para enterrar os mortos. Se 
algum confrade ao seu confrade algumas injúrias disser ou lhe chamar 
 
necessárias desta vida fossem a tão nobres que não pudessem ser achadas outras tais. E 
isso mesmo os mosteiros mui pintados e mui grandes. Assim como Deus morasse nas 
altezas grandes dos mosteiros ou nas pinturas das paredes e não morasse nas almas 
limpas dos pecados, porque tanto fazemos por estas coisas, ca já não avondaria para 
servir Deus nas igrejas feitas simplesmente; assim como são as outras que são simples; 
assim como mandava São Francisco a seus freires que houvessem casas de pedra e de 
lodo em que morassem. E que não andassem depos las pinturas da parede mais que 
andassem em pos o espírito e tão grandes são os haveres que despendem em fazer estas 
obras dos mosteiros que bem avondariam em comer e beber e em vestir a todos os 
pobres da terra e por azo de fazerem aquestas coisas com grande cobiça nunca lhes 
minguam obras e é azo de pedirem esmolas e ainda que as areias do mar fossem ouro 
não abastaria tanta é a sua cobiça para cumprir estas coisas. [...]. E por isto a cobiça em 
todos os estados do mundo é senhora e rainha esta é aquela pela qual são feitas e 
obradas todas as malícias do mundo. Esta obrou e fez cisma na igreja de Deus e a 
mantém [...]". Cf. E. Randolph Daniel, Spirituality and Poverty: Angelo de Clareno and 
Ubertino da Casale, in Medievalia et Humanística, nova série, n. 4 (1973), p. 89-93; M. 
D. Lambert, Franciscan Poverty, the Doctrine of the Absolute Poverty of Christ and the 
Apostles in the Franciscan Order (1200-1323), Londres, 1961. 
 
35 
 
tredo [imbecil, sodomita ou esterco] ou alguma coisa falsa disser, este 
entre no capítulo e seja açoitado com três açoites em camisa, e então 
jure sobre esta carta [aliás: sobre esta cruz e carta] que por ira disse 
aquilo e não por feito que lhe vise, e pague meia libra de cera para a 
confraria. E se o ferir com mão cerrada ou aberta entre no capítulo e 
seja açoitado com seis açoites e dê à confraria uma libra de cera. E se 
algum confrade a outro confrade ferir com espada, lança, cutelo seja 
deitado da confraternidade. Se algum confrade sem sua culpa em 
alguma pobreza vier ou em algum cativeiro cair ou todas as coisas lhe 
arderem, todos os confrades do débito de caridade seus [aliás: seis] 
dinheiros lhe contribuam. Se alguma viúva ou pobre [aliás: viúva 
pobre] entre nós estiver ao qual lhe haja caído sua casa ou que a sua 
vinha não possa corrigir por pobreza todos os confrades trabalhem 
nela e a sua casa lhe ergam. E nenhum confrade ao outro confrade 
presuma trazer em Juízo nem em outro lugar ainda que seja contra 
parente ou estranho, porque quanto aí perder tudo lhe há-de pagar e 
também pagará meia libra de cera à confraria. Se algum dos nossos 
confrades com algum homem razões houver ou contenda que não seja 
dos da confraria, todos os confrades sejam por parte do nosso 
confrade. E se algum confrade com outro confrade algumas razões ou 
contenda tiver ou houver, venha diante dos nossos juízes e eles os 
concertem. Se algum confrade recusar ao juízo dos nossos juízes e o 
não quiser receber seja deitado da confraria [...]. 
Assim que todos os irmãos, assim como é escrito acima, 
vestidos devemos honradamente levar os pobres defuntos à[s] 
igreja[s], assim como qualquer confrade nosso, e estar com candeias 
acesas atéque seja sepultado e pela alma dele oferecer cada um seu 
dinheiro dos quais aos nossos mordomos queiram que sejam aquelas 
coisas que se aí despenderem restauradas, incenso, panos e outras 
coisas [aliás: e pela alma dele [defunto pobre] cada um entregar aos 
nossos mordomos seus dinheiros, com os quais se possam repor o 
incenso, panos e outras coisas que aí se despenderem]. Determinamos 
mais que em aqueles tempos em que soem fazer prantos sobre os 
mortos, a saber, quando o corpo da casa é levado à igreja e depois que 
é sepultado os confrades cantem e saltem [aliás: salmodiem?] porque 
por isto o pranto das mulheres seja minguado e também o pranto dos 
homens” 46. 
 
46 Tradução em linguagem, realizada cerca de 1544, do compromisso original (decerto 
anterior a 1272), em latim. Cf. Álvaro Rodrigues de Azevedo, Benavente: estudo 
36 
 
Em 1623, ainda era organizada nos seguintes moldes a 
festividade do Império, promovida pela confraria do Espírito Santo de 
Benavente: 
 
“A festa do Espírito Santo que é o fundamento desta Santa Casa 
[da Misericórdia] se costumou sempre fazer e obrar com muita 
pontualidade, e acharam que sempre se usou na maneira seguinte: que 
se ordenassem umas charamelas ou trombetas as quais cantariam as 
vésperas e aos touros que comumente sempre se costumaram haver e 
ao dia do Espírito Santo a missa e no mesmo dia das duas horas da 
tarde sairá o provedor e capelão e os Irmãos do ano com a folia e 
charamelas; e o irmão que for mordomo da tal festa levará o guião do 
Espírito Santo e o companheiro a coroa em um prato de prata; e assim 
andarão por a vila por as casas provocando deem esmolas à casa de 
touros e do mais como sempre foi costume, e se mata um boi que se dá 
aos pobres e aos ministros da casa. 
Ao outro dia primeira oitava se ordenarão doze moças bem 
trajadas e vestidas, as quais levarão em seus tabuleiros as esmolas de 
trigo que são dez alqueires com cada uma sua vela na mão; e assim 
duas mulheres para levarem a oferta de vinho que são dois almudes; e 
com cada uma sua vela; e assim dois homens que levam dois carneiros 
com suas velas também, que é a oferta que achamos que sempre se 
deu aos padres da Igreja por a missa que naquele dia se diz na Igreja 
matriz por a alma de Pero Urzela e de Sancha Fernandes sua mulher 47 
e de Maria Anes […]. 
À primeira oitava pela manhã o provedor com os Irmãos, 
levando a folia e as charamelas, irão por todas as casas aonde 
estiverem as moças apartadas e as levarão e ajuntarão, e ao sair de 
cada uma das ditas moças de casa se lhe tocarão as charamelas e assim 
se ajuntarão e levarão até à casa do mordomo; da qual tornarão as 
ditas moças com os tabuleiros na cabeça com o trigo da esmola; e as 
mulheres com o vinho; e os homens com os dois carneiros. Irão 
caminhando até à Misericórdia com uma cruz, indo diante a folia e as 
 
histórico-descritivo (obra póstuma continuada e editada por Rui de Azevedo), Lisboa, 
1926 p. 81-83; Rui Pinto de Azevedo, O Compromisso da Confraria do Espírito Santo 
de Benavente, in Lusitânia Sacra, v. 6 (1963). 
47 Evidente lapso, porquanto, consoante verba do Compromisso, a mulher de Pero 
Urzela não foi Sancha Fernandes, mas Maria Pires. Aquela foi a doadora dos 
ornamentos. 
37 
 
charamela tangendo com muito prazer; e os Irmãos do ano irão de 
uma e outra parte afastando a gente. 
Da casa da Misericórdia aonde entrarão com esta oferta dando 
uma volta ao derredor da casa e se tornarão a sair com a cruz da casa e 
da Igreja em procissão com grande prazer e alegria, caminhando para 
a Igreja matriz, aonde se há-de dizer e sempre costumou dizer a missa 
a qual será de canto de órgão e solene; e a oferta se oferecerá o dito 
trigo, indo cada moça com o seu tabuleiro à cabeça e na mão esquerda 
a sua vela acesa, e assim irá ao sacerdote e beijando se volverá para a 
sacristia, e nesta mesma ordem irão as do vinho e os dos carneiros. 
Acabada a missa por a qual se dá de esmolas aos padres, além 
da oferta de trigo, vinho e carneiros, trezentos reis se irão os três 
padres revestidos assim como estiverem à missa com as ditas cruzes e 
dez irmãos com suas tochas, assim como estiverem à missa e irão ao 
adro desta vila e dirão um responso ao pé da torre aonde está a campã 
e logo dirão outro ao canto da Igreja da parte leste; e logo dirão outro 
que é o último à porta da Igreja aonde está outra campã; e acabados se 
tangerão as charamelas e os foliões com muito prazer e alegria porque 
assim achamos ser costume antigo, e por tradição se dizer sempre que 
a instituidora desta festa, Maria Anes, era grande bailadeira e que 
assim mandou que tal dia se bailasse sobre sua cova” 48. 
 
O mesmo ritual, ou similar, poderá ter ocorrido em outros 
pontos do território nacional, onde consabidamente existiram 
confrarias e hospitais sob a tutela do Divino Paráclito, anteriores aos 
de Alenquer, promovidos ou inspirados por franciscanos de tendência 
espiritual. Os mesmos que secundando o proselitismo de Santa Isabel 
(que só pisou solo nacional no ano de 1288!) lograriam levá-la a 
patrocinar e, porventura, institucionalizar em Alenquer, na segunda 
década do séc. XIV, tais festejos com um aparato nunca antes visto, o 
 
48 Cf. Lembranças dos costumes desta Sancta Caza da Misericórdia, n. 13ºa 17º, 
tomadas em Mesa de 11 de Junho de 1623 (Livro de Registo das Provisões e Sentenças 
de Sua Majestade, etc., 1622-1779, fl. 48-51),no tempo do provedor Belchior Leitão 
Correia. No tombo da matriz (fl. 119v-122), sob o título Capela de Maria Anes, da 
maneira que se há-de fazer a festa, acha-se uma cópia da descrição da festividade do 
Império, feita em 1708 por Frei António Antunes Machado, beneficiado na matriz e 
então escrivão da Misericórdia. Foi tal a popularidade de Maria Anes que o Auto do 
Império de Benavente ficou conhecido pela “festa de Maria Anes”, designação que ainda 
conservava em 1731. Cf. Livro de Registo das Provisões…, fl. 72-73. 
38 
 
que terá contribuído para radicar a tradição segundo a qual sob a sua 
égide e a de Dom Dinis se haviam originado. 
Não será excessivo recordar que também Mário Martins põe 
“sérias dúvidas” à invenção “da solenidade do Império”, pela Rainha 
Santa e por Dom Dinis 49, opinião igualmente partilhada pelo 
investigador gaulês Daniel-Francis Laurentiaux 50. 
Em suma, de duas coisas distintas muitos exegetas têm feito 
uma insustentável: sendo indiscutível que D. Isabel protegeu e dotou 
generosamente a Irmandade do Espírito Santo de Alenquer, carece já 
de qualquer fundamento documental coevo plausível (porquanto a 
ideia é posterior à canonização da rainha, em 1625!), a sua creditação 
enquanto introdutora da devoção do Império em Portugal! 
De tão concitado por supostas autoridades na matéria 
(avalizadas em fontes, cuja letra atraiçoaram), passou a condicionar, 
hodiernamente, a forma como umas quantas comunidades, 
maioritariamente da diáspora portuguesa nos Estados Unidos da 
América do Norte, bem como algumas insulares açorianas, 
contaminadas por aquelas, ritualizam os festejos do Divino. 
 
 
 
 
 
 
 
 
49 Teatro Sagrado na Idade Média, in Brotéria, v. 50, n. 2 (Fev. 1950), p. 148. 
50 Também Álvaro Rodrigues de Azevedo – Rui de Azevedo, após constatarem a 
omissão, nos três testamentos da Rainha Santa (19.4.1314; 12.3.1328; 5.7.1336), de 
quaisquer referências, quer à igreja do Espírito Santo, quer ao Império de Alenquer, 
não hesitariam em afirmar que “a rainha Isabel foi estranha a isso tudo”. Cf. 
Benavente: Estudo Histórico-Descritivo, Lisboa, 1926, p. 280. 
39 
 
 
 
II 
 
 
“E a cidade é fundada em quadro, e tão comprida como larga: 
e mediu ele a Cidade com a cana de ouro [...]. 
E o seu comprimento e asua altura e a sua largura são iguais”. 
 
APOCALIPSE, XXI, 16 
 
 
A principal cerimónia da Função, Folia, ou Império, consistia, 
salvo ligeiras variantes regionais, na coroação com três coroas, uma 
imperial e duas reais, do Menino Imperador assessorado por dois Reis 
– por vezes figurados por um homem maduro e por outro idoso -, na 
razão das Idades do Espírito Santo, do Filho e do Pai, 
respectivamente. 
O Menino, símbolo da humanidade espiritualmente renovada e 
religada às verdades fundamentais da pobreza evangélica do amor 
fraterno, empunhava o ceptro, com que tocando na testa dos fiéis se 
significava a bênção do Divino. 
Após ter recebido as homenagens do Povo e das autoridades 
civis e eclesiásticas procedia à libertação de um, ou de vários presos, 
concluindo os festejos com um vodo, ou bodo 51, servido a todos, 
independentemente da sua condição social e credo, e constituído por 
um repasto, regra geral, confeccionado com a carne de bois 
previamente corridos, pão, vinho e arroz-doce 52. 
Num dado momento, ainda nebuloso, o vocábulo Império ter-
se-á tornado sinónimo de Teatro do Divino, expressão que havia de 
ser adoptada para designar o palco onde, anualmente, se encena o 
Auto do Império, como prelúdio da Nova Ordem Mundial, cujo 
advento na Terra se antevê como prefiguração de uma hierofania de 
âmbito cósmico. 
 
51 Corruptela do latim voto, compromisso de partilha de um dom, por natureza, gratuito. 
Por amplificação semântica, ou sinédoque, o vodo foi transformado no bodo,evocativo 
do acto de comer, apesar de não ser o feminino de boda (do hebraico abodah), repasto 
oferecido pelos noivos aos convidados para o seu casamento. 
52 Cf. Manuel J. Gandra, Sabores, Cheiros e Comeres do Divino (no prelo). 
40 
 
 
 
 
 
 
Império do Penedo (Sintra), O Imperador distribuindo alimento 
(Açores, 1907), Folia da Fajãzinha (Flores, Açores) 
41 
 
 
 
Libertação do preso no Império da Baía (séc. XIX) 
 
 
No Teatro do Divino tomava assento, no domingo de 
Pentecostes, o Imperador, com a respectiva corte, logo após a 
cerimónia da coroação. Nele era armado um altar, decorado com 
colchas de tear, onde era depositada a coroa Imperial, destinando-se, 
igualmente, à recepção das inúmeras oferendas dos devotos. Até ao 
anoitecer, o povo permanecia no terreiro adjacente, festejando o 
Divino, mediante a recriação de elaborados enredos sacro-profanos 
por intermédio dos quais se divertia, divulgando, concomitantemente, 
a mensagem do Evangelho Eterno, nem sempre tolerada quer pelo 
trono, quer pelo altar, conforme denotam as sucessivas invectivas e 
proibições de que foi alvo a devoção 53 que, disse-o Jaime Cortesão, 
explica boa parte da História de Portugal. 
 
 
53 Ver Manuel J. Gandra, Colectânea das principais censuras e leis contra os Impérios 
do Divino Espírito Santo, in Newsletter do Centro Ernesto Soares de Iconografia e 
Simbólica, n. 16 (6 a 8 Jun. 2003). 
42 
 
Faria e Sousa corrobora-o, pelo menos, no que concerne à 
expansão marítima, quando admite: 
 
“[…] las [naves] llevo Dios, a quien ellos obedecen, i no a otro poder, o 
ingenio alguno, i que no ay duda que soplo en aquellas velas el viento 
del Espirito Santo, como lo pondera nuestro grande Juan de Barros en 
el capitulo segundo del libro quarto de la Década primera. I quien 
duda, que esse entendio nuestro gran Poeta quando introduxo […] a 
Venus por su protectora, siendo ella una Diosa que conforme a las 
misteriosas fabulas es assistida, i aun engendrada de palomas […]” 54. 
 
Não obstante me sejam familiares inúmeros registos 
minuciosos do Auto do Império no território continental 55, prefiro, na 
presente circunstância, evocar o testemunho de um insular, o padre 
Joaquim Chaves Cabral, acerca da função do Divino na ilha açoriana 
de Santa Maria e do papel do Teatro no respectivo contexto: 
 
“Durante o trajecto até ao Teatro a folia à frente, a uma certa 
distância, canta a sua cantilena, o clero e os músicos cantam o Te-
Deum e a filarmónica o Hino do Espírito Santo. Noutros tempos, 
quando os costumes o toleravam, um grupo especial de cantadores 
cantava a alvorada dirigida por um trovador com acompanhamento de 
violas e rabeca. Era um conjunto de vozes e sons característicos. 
Chegado o cortejo ao Teatro, sobe o menino acompanhado do 
Trinchante, e, voltado aquele para o público, de coroa na cabeça, é 
entoado pelos cantores o Te-ergo e levantado pelos foliões um viva ao 
Espírito Santo, acompanhado pelo tambor e que é entusiasticamente 
correspondido pelo povo. A coroa é posta sobre a mesa e o pároco 
acompanhado do seu ajudante sobe para benzer o provimento da mesa 
[grande pão, chamado pão da mesa, de um alqueire, ou mais, de uma 
rosca de três quartos, de uma bandeja de pequeníssimos pães, 
chamados brindeiros bentos e de um frasco de vinho]. 
Quase sempre o primeiro provimento da mesa é conduzido ao 
Teatro pelo Imperador e pessoas de sua família, outras vezes por 
pessoas estranhas que os oferecem em cumprimento de promessas. A 
massa deste pão é mal temperada, no geral, e só se aproveita bem em 
torra. 
 
54 Cf. Comentário a Os Lusíadas, v. 1, 1639, p. 103-104. 
55 Cf. Manuel J. Gandra, Dicionário do Milénio Lusíada, v. 1, Lisboa, 2003. 
43 
 
Começa agora o trinchante a sua árdua e honrosa tarefa da 
distribuição das Flores do Espírito Santo [pedaço de pão ou rosca] 
com que vai entretendo o povo em volta do Teatro. [...] Logo que o 
Trinchante começa a distribuição, aglomera-se o povo em volta do 
Teatro, especialmente a rapaziada que grita de mão no ar: Senhor 
Trinchante um bocadinho de pão de mesa. [...]. E assim continua até 
ao fim do dia. Todo o movimento do Império está no Teatro e na 
copeira” 56. 
 
Com efeito, “todo o movimento do Império está no Teatro e na 
Copeira”, isto é, respectivamente, no palanque destinado à coroação e 
entronização do Imperador e na despensa-refeitório, onde o Divino, 
por seu intermédio, providencia a abundância alimentar à 
comunidade. 
 
 
 
 
Panelões em cobre, do trem de cozinha do bodo do Império 
de Alcabideche (Cascais) 
 
 
56 Cf. Festas do Espírito Santo na Ilha de Santa Maria, in Arquivo dos Açores, v. 14 
(1921). 
44 
 
 
 
 
Prato de bodo (Biscoitos, Terceira, Açores) e Cangirão para vinho (Império do 
Outeiro, Angra do Heroísmo, Terceira) 
 
 
 
 
Tijela de sopa de Esmola do Espírito Santo 
(Império da Fonte do Bastardo, Terceira) 
 
 
 
45 
 
 
 
 
 
 
Bodos em S. Miguel (1907) e Angra do Heroísmo (Terceira, Açores), nos 
inícios do século XX 
46 
 
 
 
Arneiro (Alenquer) e São Martinho do Campo (Santo Tirso): capelas do 
Espírito Santo com seus alpendres 
 
 
 
Capela (Sardoal) e Teatro (S. Miguel, Açores) do Divino Espírito Santo 
 
 
Em Portugal, o alpendre ou telheiro, muito vulgar nas ermidas 
e capelas do Espírito Santo 57, por vezes precedido por escadaria 
 
57 Na região de Alenquer subsistem vários exemplos. 
47 
 
(elevado, portanto, relativamente ao piso circundante) 58, assumia a 
função consignada nos Açores ao Teatro. O carácter de galilé que 
assumia nesses casos estaria, evidentemente, relacionado com o 
significado desta: antecâmara da Terra Santa (Galileia), espaço de 
transição entre o mundo profano e a ordem sagrada. 
 
 
 
Capela do Divino Espírito Santo do Fundão (Castelo Branco) 
 
 
No arquipélago dos Açores o Império começou por ser um 
simples estrado, palanque, varanda, pavilhão ou telheiro móvel, em 
madeira, erguido no adro da igreja, apoiado sobre colunas, coberto 
com colmo, faia ou giesta e ornamentado com colchas (vulgo 
arramada). 
 
 
58 Diversas ocorrências podem ser apontadas nasregiões de Torres Vedras e Mação, 
bem com na Beira Baixa. 
48 
 
 
 
 
Arramada da Horta (Açores) 
 
 
49 
 
Os Impérios, em alvenaria, têm sido invariavelmente 
interpretados como os sucedâneos de tais estruturas rudimentares e 
efémeras 59, que, apesar de tudo, persistem, geralmente diante dos 
próprios Impérios ou nas traseiras das igrejas, como ainda se observa 
na ilha de Santa Maria. 
Para os adeptos de taxonomias, direi que são três os grupos de 
Teatros característicos do arquipélago dos Açores: 
 
1. Impérios-casa, também denominados Casas do Espírito Santo 
 
Em algumas das ilhas açorianas do grupo ocidental, como, por 
exemplo, nas Flores e no Corvo, as Casas do Espírito Santo 
desempenham o papel que os Teatros assumem na função do Império 
em outros locais do arquipélago. 
 
 
 
Casa do Espírito Santo (Flores, Açores) 
Assemelha-se a uma vulgar moradia, excepto por possuir cores garridas e uma 
coroa imperial na fachada. No seu interior desenrolam-se todas as cerimónias 
e actos cultuais, sagrados, ou profanos, do Império 
 
59 João Ilhéu, Cadafalsos, “Triatros” e Impérios, in Notas Etnográficas, Angra do 
Heroísmo, 1980. 
50 
 
 
 
Altar do Divino da Casa do Espírito Santo da Fajãzinha (Flores, Açores) 
 
 
Trata-se de simples casas lineares térreas, em alguns casos, 
adaptadas ao fim a que se destinam, quer seja realizar a liturgia do 
Império, num espaço organizado como uma autêntica capela, 
confeccionar alimentos, reunir comensais, ou mesmo armazenar 
alfaias. 
 
2. Teatros marienses 
 
Alpendres e copeiras de carácter austero e de linhas arcaicas, 
evoluiriam para o modelo mais elaborado dos cadafalsos ou teatros de 
São Miguel. 
Nas ilhas do grupo oriental (Santa Maria e São Miguel), a 
maioria dos Alpendres, Cadafalsos ou Teatros remanescentes foi 
erigida em época remota, bastas fontes documentais referindo-se a 
tais estruturas e descrevendo-as acopladas a algumas das igrejas 
construídas no início do povoamento do arquipélago. O mesmo 
critério pode ser constatado na Graciosa, onde, na Vila da Praia, o 
51 
 
Teatro do Divino foi construído encostado a uma das paredes laterais 
da matriz de São Mateus. 
 
 
 
 
 
Teatros de São Miguel (o 1º demolido), de Santo António (Santa Maria), do 
Farroupo e dos Arrifes (Ponta Delgada, S. Miguel) 
 
 
Em algumas das ilhas, o papel que os Teatros assumem no 
Auto do Império noutros locais do arquipélago é desempenhado pela 
Copeira, casa pobre, de pavimento térreo, constando de simples sala 
espaçosa com extensas mesas de madeira fixas e de uma ampla 
cozinha com lugar para 12 a 15 grandes panelas. 
52 
 
Eis um relato do que ocorre durante o Pentecostes numa 
Copeira de Santa Maria: 
 
“Na copeira estão as mesas postas e são convidados a entrar os 
que acompanham a coroação - homens, mulheres e crianças, uns após 
outros. Serve-se sopa de pão de trigo, carne cosida, pão e vinho. No 
fim de cada refeição estruge no ar um caloroso viva ao Espírito Santo. 
[...]. E assim até à noite se põem mesas e levantam mesas, enquanto 
há pão e carne, que, em regra nunca faltam, antes sobejam”. 
 
O vocábulo Copeira volta a ocorrer num relato do Padre 
Manoel Azevedo da Cunha, datado de Março de 1905, reportando-se 
aos festejos do Império na Vila da Calheta (São Jorge): 
 
“No domingo - a missa de festa e coroação - seguindo os 
emblemas para uma casa de depósito próxima à igreja, e a que 
chamam copeira, teatro ou cadafalso. Ali fica a coroa em veneração 
todo o resto do dia: a coroa no trono do altar; e a bandeira com o coto 
da haste dentro do cadafalso, e o restante saindo pela respectiva 
janela, e fora do edifício. 
Depois do jantar, onde comparece quase toda a fidalguia do lugar, 
manda o imperador para a copeira, uns grandes pães, travessas de 
carne guisada, um cabrito assado, vinho e doces, para obsequiar 
qualquer que, estranho à freguesia, passe e se demore no arraial, ou 
para distribuir pelos pobres, velhos ou crianças que sempre acodem 
das freguesias limítrofes. [...]. E assim empregam a tarde na 
distribuição do doce. Simultaneamente ha no arraial outros motivos 
de diversão: bandos [loas] danças de fitas, de arcos, de maços, de pau 
da mó, cavalhadas, comédias ao ar livre, e descantes à viola, que é o 
instrumento vulgar na ilha”. 
 
3. Impérios-capela ou Impérios-tabernáculo 
 
Característicos do grupo central. É consensual que os Teatros 
ou Impérios em alvenaria, abobadados, da Terceira e de São Miguel, 
representam o culminar de uma evolução a partir dos primitivos 
Alpendres, Cadafalsos e Teatros efémeros, em madeira (estrados ou 
palanques móveis), expressamente edificados para a festa do 
53 
 
Pentecostes, mesmo em espaços privados, como era o caso dos 
conventos 60. 
Por exemplo, as freiras do Mosteiro de São João, na cidade da 
Horta (Faial), festejavam o Espírito Santo, com grande solenidade, 
desde a Páscoa até ao Pentecostes. 
Segundo testemunho de Gabriel d’Almeida, 
 
“[…] armavam o Teatro na cerca, de modo a que pudesse ser visto da 
Torre da Matriz, que servia de tribuna aos curiosos. Faziam a missa da 
coroação, com sermão e conduziam depois, com aparato, a coroa para 
o Império. Durante o trânsito para o tabernáculo a comunidade 
cantava o Magnificat”. 
 
O investigador micaelense, Luís Bernardo D’Ataíde descreve 
esses Teatros do Espírito Santo num artigo publicado em 1928, na 
Revista dos Açores: 
 
“[...] sustidos por colunas ornamentadas com berrantes calos, uns 
telhados, outros de abóbada suspensa em toscas pilastras de 
grosseiros cunhais encruzados. Na sua feição pitoresca, na rudeza das 
suas linhas, no desmantelado do aspecto e no exotismo da 
arquitectura, eles vão pondo notas de impressionante excentricidade 
pelos povoados, lendo-se nas suas colunas fendidas e nas pedras 
patinadas que os compõem, uma das mais interessantes páginas da 
nossa etnografia. Aí são recebidos o ceptro e a coroa de prata na 
sétima dominga, aguardando o sorteio do mordomo da primeira 
dominga, para casa de quem seguem então ao anoitecer”. 
 
Até há relativamente poucos anos, tais estruturas eram vulgares 
no Pico e no Faial, sendo cobertas com ramagens de arvoredo comum, 
donde o nome de ramadas ou arramadas que se lhes dava. Tais 
estruturas efémeras persistem ainda em algumas localidades das ilhas 
 
60 Apresentavam certas semelhanças com as denominadas Varandas da Aclamação, 
expressamente erguidas para as cerimónias de entronização dos monarcas portugueses, 
como se comprova pela iconografia que figura o acto. A 12 de Outubro de 1822, D. Pedro 
I foi aclamado Imperador do Brasil, num Teatro, edificado diante do Paço Real, 
exactamente defronte daquele onde eram dispensadas as mesmas efusivas homenagens 
ao Imperador do Divino, no Campo de Santana (Rio de Janeiro). Aliás, consta que terá 
sido justamente essa a circunstância que determinou a adopção do título de Imperador 
pelo príncipe. 
54 
 
de São Miguel, de Santa Maria e da Graciosa, onde o Império das Sete 
Marias, no lugar das Fontes (Santa Cruz), constitui o último 
testemunho do género, patrocinado, há cerca de 40 anos, por uma 
Irmandade de mulheres, a Irmandade das Sete Marias. 
Trata-se de uma estrutura cúbica, de mais ou menos quatro 
metros quadrados de área, por dois metros e meio de altura, toda em 
madeira, e pintado de azul. Tem no interior um altar rudimentar, onde 
é depositada a coroa da Irmandade, depois da coroação. Este pequeno 
Teatro possui apenas uma porta na frente, e duas janelas de cada um 
dos lados. É montado no centro da localidade, onde também se 
desenrola o programa festivo. 
Em suma: o estrado elevado dos Teatros efémeros poderá ter-
se transformado numa estrutura, quase invariavelmente, de forma 
cúbica, coberta de colmo ou madeira (à semelhança da maioria dos 
imóveis destinados à habitação, então denominados Casas palhaças) e 
totalmenteaberta nos espaços entre as pilastras, primitivamente de 
madeira e, mais tarde, em alvenaria, que suportava esta espécie de 
alpendrada. 
A telha, material mais nobre, passaria a ser adoptada enquanto 
cobertura, continuando o Teatro, no entanto, aberto lateralmente. 
É convicção de alguns autores que só durante a 1ª metade do 
século XIX, na sequência do terramoto de 1841 (que afectou 
principalmente a Praia da Vitória e a freguesia do Ramo Grande, na 
Terceira), os Impérios terão começado a ser concebidos como volumes 
fechados, procedendo-se ao encerramento dos espaços entre as 
pilastras, primeiro com tabuado, depois com portas e janelas 
envidraçadas, mercê da vulgarização do vidro (introduzido nas ilhas 
pelos ingleses). 
O modelo resultante das sucessivas alterações na estrutura 
destes Teatros mais antigos, terá inspirado, posteriormente (finais do 
século XIX, primeiras décadas do XX), os construtores de novos 
Teatros (actualmente, cerca de 70, só na ilha Terceira), integralmente 
edificados em alvenaria, praticamente réplicas uns dos outros, 
dispondo de portas e janelas que os encerram completamente. Tais 
Teatros, em alguns casos descaracterizados, em consequência de 
haverem sido acrescidos de escada de acesso em alvenaria, no decurso 
da reconstrução que se seguiu ao sismo de 1980, assemelham-se 
nitidamente às capelas e ermidas sob a tutela da igreja, inclusivamente 
no frontão de feição mais ou menos erudita. 
55 
 
 
 
 
 
 
Alguns exemplos de Impérios sem acesso permanente: Rossio e Corpo Santo 
(Angra do Heroísmo), Fonte do Bastardo, Caminho da Cidade - Porto Judeu, 
Porto Judeu de Baixo (Praia da Vitória), Parada (Ponta Nova) 
 
 
Vítor Alves admite mesmo que a assunção de tão peculiar 
tipologia, cujo paradigma é o Império do Corpo Santo, em Angra do 
Heroísmo, possa ter sido a forma encontrada pelas irmandades do 
Divino de reagir à intenção proclamada pelo Bispo Dom Francisco 
56 
 
José (numa missiva remetida ao Papa Leão XIII, em 1898), de 
transformar os Teatros em capelas públicas. 
 
 
 
 
Império do Outeiro de Angra do Heroísmo, porventura o mais vetusto de 
todos, datado de 1670 (Terceira, Açores) 
 
 
Apesar de arguta, a hipótese em apreço não colhe, porquanto só 
sanciona as edificações posteriores a 1898, excluindo todas as outras 
numerosas ocorrências cronologicamente anteriores 61 e, 
 
61 Félix José da Costa confirma a existência de Teatros do Divino, em alvenaria, na 
primeira metade do século XIX, pelo menos nas freguesias terceirenses das Fontinhas, 
Agualva e Vila Nova. No entanto, em qualquer uma delas, os actuais Teatros ostentam 
datas muito posteriores no frontispício. É, portanto, admissível que a memória das 
datas de fundação de inúmeros Teatros, se tenha perdido e que praticamente todas as 
freguesias hajam sido detentoras de um ou mais de tais edifícios em alvenaria, como se 
infere dos relatórios de reconstrução do concelho da Praia, no ano de 1841. Umas vezes 
situar-se-iam à ilharga das igrejas paroquiais, outras, implantados longe delas. Os 
Teatros da Rua de Cima de São Pedro e da Rua Nova (ambos setecentistas), em Angra 
57 
 
particularmente, aquele que é considerado o mais antigo Império-
capela em alvenaria da ilha Terceira, eventualmente paradigma dos 
restantes congéneres: o Império do Outeiro, em Angra do Heroísmo, o 
qual tem inscrita no frontispício a data de 1670 62. 
O que mais notabiliza essa construção é a sua configuração 
cúbica, com três vãos na fachada principal (e, por vezes, nas laterais), 
que, evidentemente, remete para a Jerusalém Celeste descrita no 
Apocalipse, atribuído ao Evangelista João, um dos textos mais 
glosados pelos joaquimitas. 
Um cubo com três portas ou janelas em cada uma das faces (na 
razão das doze tribos, dos doze signos do Zodíaco, dos doze Apóstolos, 
etc.) que baixa do Novo Céu para a Terra Prometida vindoura, a qual 
tocará, assinalando concomitantemente o advento do milénio. 
Para preludiar esta futura, autêntica e tão apregoada Nova 
Ordem Mundial, os devotos do Império do Divino erguem réplicas da 
Nova Jerusalém, inacessíveis como a Cidade Santa, excepto durante a 
festa de Pentecostes, quando surgem as escadas ou degraus em 
madeira que a elas permitem aceder. 
A Casola ou Quadro, também denominado Quadrado de varas 
e Quadro santo 63, é outra das figuras da Jerusalém Celeste assimilada 
pelo Auto do Império. 
Trata-se de um recinto formado por quatro varas transportadas 
de maneira a constituírem uma espécie de armação paralela ao chão, e 
a cerca de meio metro deste, no interior da qual segue o Imperador e, 
em determinadas localidades, as personagens que integram o cortejo 
designado Abertura da mesa, isto é, a Corte Imperial. 
 
do Heroísmo, são provavelmente os únicos em que a data inscrita no frontispício, 
corresponde, de facto, ao ano da edificação da primitiva estrutura em alvenaria. 
62 João Ilhéu, nas suas Notas Etnográficas (Cadafalsos, Triatos e Impérios) não 
confirma a construção do Império do Outeiro na data mencionada, optando por 
considerar o mais antigo da Terceira “um Império com a data de 1795” (não refere qual, 
mas é certamente o da Rua de Cima de São Pedro). “Todos os demais, acrescentará, têm 
data posterior àquele século. Contudo é tradição que o primeiro Império da Vila Nova, 
datava de meados do século XVIII e foi reconstruído em 1894, por Manuel Cardoso 
Gaspar, que o ofereceu à Irmandade, cuja existência remonta a meados do século XVII. 
De resto é hábito mudar a data primitiva na ocasião da reconstrução, o que, como é 
óbvio, dificulta ou até impossibilita o conhecimento da época em que a construção se 
iniciou ou concluiu”. 
63 No movimento do Contestado (Santa Catarina, Brasil) era no interior de um quadrado 
que ocupava o centro do acampamento e constituía o pólo da vida ritual da comunidade, 
que esta se reunia diariamente. 
58 
 
 
 
 
 
Casola ou Quadro Santo: Velas (S. Jorge, Açores) e Parati (Rio de Janeiro) 
59 
 
O Quadro é suportado exteriormente em cada um dos ângulos 
pelos quatro ajudantes grados, sintomaticamente, apelidados de 
(quatro) Apóstolos, ou Evangelistas, na ilha das Flores (Açores) 64. 
 
 
 
O Imperador no interior do Quadro Santo 
(Conceição do Mato Dentro, Minas Gerais) 
 
 
De resto, bastará uma leitura atenta do Apocalipse (XXI, 9-27) 
para dissipar as dúvidas que possam ainda assim subsistir, quanto ao 
modelo do Império-Tabernáculo: 
 
“E veio um dos sete anjos que tinham as sete taças cheias das 
últimas sete pragas e falou comigo, dizendo: Vem, mostrar-te-ei a 
esposa, a mulher do Cordeiro. 
E levou-me, em espírito, a um grande e alto monte, e mostrou-
me a grande cidade, a santa Jerusalém, que de Deus descia do céu. 
 
64 Cf. J. Leite de Vasconcelos, Etnografia Portuguesa, v. 8, Lisboa, 1982, p. 343. 
60 
 
E tinha a glória de Deus; e a sua luz era semelhante a uma pedra 
preciosíssima, como a pedra de jaspe, como o cristal resplandecente. 
E tinha um grande e alto muro, com doze portas, e nas portas 
doze anjos, e nomes escritos sobre elas que são os nomes das doze 
tribos de Israel. 
Da banda do levante tinha três portas, da banda do Norte três 
portas, da banda do Sul três portas, da banda do poente três portas. 
E o muro da cidade tinha doze fundamentos, e neles os nomes 
dos doze apóstolos do Cordeiro. 
E aquele que falava comigo tinha uma cana de ouro para medir 
a cidade, e as suas portas e o seu muro. 
E a cidade estava situada em quadrado; e o seu comprimento 
era tanto como a sua largura. E mediu a cidade com a cana, até doze 
mil estádios; e o seu comprimento, largura e altura eram iguais. 
E mediu o seu muro, de cento e quarenta e quatro côvados, 
conforme à medida de homem, que é a dum anjo.E a fábrica do seu muro era de jaspe, e a cidade de ouro puro, 
semelhante a vidro puro. 
E os fundamentos do muro da cidade estavam adornados de 
toda a pedra preciosa. O primeiro fundamento era jaspe; o segundo 
safira; o terceiro calcedónia; o quarto esmeralda. 
O quinto sardónica; o sexto sárdio; o sétimo crisólito; o oitavo 
berilo; o nono topázio; o décimo crisópraso; o undécimo jacinto; o 
duodécimo ametista. 
E as doze portas eram doze pérolas: cada uma das portas era 
uma pérola; e a praça da cidade de ouro puro, como vidro 
transparente. 
E nela não vi templo, porque o templo é o Senhor Deus Todo-
Poderoso e o Cordeiro. 
E a cidade não necessita de sol nem de lua, para que nela 
resplandeçam, porque a glória de Deus a tem alumiado e o Cordeiro é 
a sua lâmpada. 
E as nações andarão à sua luz; e os reis da terra trarão para ela a 
sua glória e honra. 
E as suas portas não se fecharão de dia, porque ali não haverá 
noite. 
E a ela trarão a glória e honra das nações. 
61 
 
E não entrará nela coisa alguma que contamine e cometa 
abominação e mentira; mas só os que estão inscritos no livro da Vida 
do Cordeiro”. 
 
 
 
Mastro do Divino de Itanhaém (São Paulo, Brasil) 
 
 
O Mastro do Divino, erguido em muitas localidades para 
assinalar o início e abertura do Império e hasteado imediatamente 
após o seu encerramento, figura o eixo do Mundo, comunicação 
privilegiada entre o Céu e a Terra, propiciadora do contacto com o 
62 
 
mundo espiritual e correlato dos Impérios-Tabernáculo açorianos, 
inacessíveis como a Jerusalém Celeste, excepto durante a festa. 
Sintomaticamente, o Mastro do Divino é denominado Pau de 
Jerusalém, ou Torre de Jerusalém, no Maranhão. 
 
 
 
Varrição da Festa do Sairé em Alter do Chão (Pará) 
O encerramento da Festa do Sairé, designação local do Império do Divino, 
é assinalado na segunda-feira após o evento sacro-profano principal, 
constando do derrube dos mastros à machadada, tarefa exclusivamente 
feminina, a cargo da sairapora (transportadora do Sairé, ou arco festivo, 
distintivo da festividade). Em consequência do derrube, o acesso ao sagrado (à 
Jerusalém Celeste) permanece interrompido até à festa seguinte 
 
 
 
 
 
 
 
 
IMPÉRIOS DO DIVINO 
CRONOLOGIA 
 
 
 
 
 
65 
 
 
 
 
1202 
Consoante o seu testamento, a rainha D. Mafalda funda, em Marco de 
Canaveses, uma albergaria para nove passageiros pobres, dedicada ao 
Divino, tal como a capela anexa. 
1222 
A Infanta D. Sancha (filha de Sancho I) funda uma albergaria dedicada 
ao Espírito Santo no Paço Real de Alenquer. 
1234 
A Irmandade do Espírito Santo de Benavente existe neste ano, sem 
que se saiba a quando remonta. Possui Compromisso redigido em 
latim, no qual se apela aos confrades para que honrem a Pobreza 
Evangélica, pelo menos no dia de Pentecostes, trajando “vestiduras 
farpadas” (rôtas) durante os festejos em louvor do Divino, no âmbito 
dos quais haviam de visitar igrejas, organizados em folia, “cantando 
com pandeiros e campãs, bem soantes”, enquanto distribuíam 
esmolas. 
1237 
A Irmandade do Espírito Santo de Benavente é detentora de bens 
doados. 
Séc. XIII – meados 
Compromisso da Irmandade do Espírito Santo de Benavente. 
1258 
Capela do Espírito Santo na Quinta de Antemil (Santiago de Piães, 
Cinfães, Viseu) é citada nas Inquirições de Afonso III. 
1269 
Hospital de Merceeiros do Espírito Santo de Santarém, contemplada 
com uma vinha no testamento de Maria Mendes. 
1271 
Nasce Santa Isabel († 1336). 
1274 
Irmandade do Espírito Santo de Portalegre. 
1279 (antes) 
Hospital do Espírito Santo anexo ao convento da mesma invocação, 
em Gouveia (Guarda). 
 
 
66 
 
1279 
A rainha D. Beatriz de Gusmão (viúva de D. Afonso III) toma “em sua 
guarda e defesa” a albergaria do Espírito Santo de Alenquer, por carta 
de 18 de Setembro, na qual a recomenda a seu filho, D. Dinis. 
1280 
Hospital do Espírito Santo de Alfange (Santarém) citado no 
testamento de D. Lúcia (18 de Maio). 
O Hospital do Espírito Santo, denominado “Espírito Santo Pão e 
Água”, sito próximo do Rossio da Porta de Manços, em Santarém, é 
instituído pelo abastado mercador D. Estêvão Cibrães. 
1280 
Baseado numa escritura que assevera ter existido na Câmara de 
Alenquer, A. Rodrigues de Azevedo aponta este como o ano do início 
das festas do Divino naquela vila. 
1282 
Compromisso da Confraria do Espírito Santo do Vimieiro, em Arcos 
de Valdevez (21 Março). 
Albergaria e Hospital anexos à igreja do Espírito Santo do Vimieiro 
(Arraiolos), documentados por tombo existente na Misericórdia local. 
1290 
Ano alegado para o início da festa do Império no Paço de Sintra. 
1295 
Confraria do Espírito Santo em Miragaia (Porto). 
Séc. XIII 
Compromisso da Confraria do Espírito Santo de Ribeira de Vide 
(Gafanhoeira, Arraiolos). 
 
1306 
Confraria e Hospital do Espírito Santo, em Leiria. 
1315 
Hospital do Espírito Santo, o Novo, de Santarém. 
1316 
Irmandade do Espírito Santo de Bragança entra na posse da igreja de 
Santa Maria Madalena, adoptando-a para sua igreja e o adro para 
cemitério. 
A albergaria do Espírito Santo de Montemor-o-Novo (Évora) é 
fundada a 14 de Novembro. 
1320 
Igreja do Espírito Santo de Vimieiro (Arraiolos). 
67 
 
1320-1321 
Capelania do Espírito Santo na igreja de Santiago de Trancoso 
(Guarda), instituída pelo Bispo D. Egas. 
1321 
Confraria do Espírito Santo de Santarém. 
D. Isabel de Aragão patrocina o primeiro compromisso (O Principio e 
fundamento da Casa do Spritto Santo), da confraria do Espírito Santo 
de Alenquer (Brás Araújo de Valadares) [Luciano Ribeiro, Alenquer – 
Subsídios para a sua História, Lisboa, 1936, p. 133], bem como a 
reedificação da respectiva igreja, tendo contíguas as casas da 
albergaria e da mercearia. 
1322 
Ano da instituição do Império de Alenquer, segundo D. Fernando 
Correia de Lacerda (1680). 
1323 
Jaime Cortesão, adoptando sugestão de Frei Manuel da Esperança 
(1656) e tendo à vista documentos do Arquivo alenquerence, afirma 
ter sido o convento de São Francisco de Alenquer o palco da primeira 
realização do Império naquela vila. 
1339 
Sentença sobre o pagamento de certa quantia que o Hospital do 
Espírito Santo de Alfama deve de 4 aniversários. 
1342 
Hospital do Espírito Santo anexo à ermida homónima da Azambuja 
(Santarém). 
1354 
Albergaria do Espírito Santo de Montemor-o-Novo é unida à de Santo 
André de Montemor-o-Velho. 
1359 
D. Dinis concede ao Hospital do Espírito Santo de Santarém que 
possa escolher anualmente de entre os confrades, mordomos e 
procuradores, um juiz que ouça os preitos e demandas da comunidade 
(1 Setembro) [Chancelaria D. Dinis, liv. 3, fl. 141v]. 
1372 
Hospital e albergaria do Espírito Santo são instaladas em casas 
próprias, edificadas pelo alcaide de Arronches, Dom Rui Gonçalves. 
1380 
Documento sobre o Hospital do Espírito Santo de Évora, citado em 
outro do ano de 1437. 
68 
 
1381 
Albergaria de Santo Ildefonso (Porto), também denominada do 
Espírito Santo. 
1386 
Carta de doação de D. João I a Martim Vasques da Cunha de todo o 
direito que Catarina Dias, filha de Diogo Soares, tinha no Hospital do 
Espírito Santo na freguesia de São Bartolomeu de Lisboa, na 
sequência da sua fuga e de sua mãe, Urraca Fernandes, para Castela 
(20 Setembro). 
1390 
É instituída a Irmandade do Espírito Santo dos Pescadores do Alto de 
Lisboa, com sede num altar da igreja de São Miguel de Alfama. 
1395 
Hospital do Espírito Santo da Pedreira dos mercadores de Lisboa 
existe neste ano, sem que se saiba a quando remonta a sua instituição. 
Séc. XIV 
Renovação do Compromisso da confraria do Espírito Santo de Ribeira 
de Vide (Gafanhoeira, Arraiolos). 
 
 
 
 
Pentecostes (capela do Espírito Santo da Asseiceira Grande, Mafra) 
69 
 
1410 
Data do Compromisso velho da Irmandade do Espírito Santo dos 
Pescadores do Alto de Lisboa. 
1412 
Ano da mais antiga referência documentada ao Hospital do Espírito 
Santo de Sintra (22 Fevereiro). 
1424 
Pergaminhos relativos à albergaria do Espírito Santo deÉvora. 
1425 
Albergaria do Espírito Santo de Tavira. 
1432 
Carta de mercê de D. João I outorgada ao Hospital do Espírito Santo 
de Lisboa, pela qual se determina o sustento de doze pobres e se 
ordena que não pousem no dito Hospital, nem em casas suas, nem 
tomem nenhum dos seus bens (11 Janeiro). 
1433 
Documento respeitante ao Hospital do Espírito Santo de Évora. 
1434 
Carta de confirmação de um instrumento público pelo qual os 
pescadores de Lisboa acordaram entre si não pescar aos domingos 
nem nos dias santos, excepto para oferecer o pescado a pobres ou aos 
Hospitais do Espírito Santo ou do Corpo de Deus, de que eram 
confrades (18 Setembro). 
1437 
Documento com referência ao Hospital do Espírito Santo de Évora, 
citando outro da era de 1418 (ano de 1380). 
1439 
Ordem do Corregedor (?) aos alcaides do Santo Espírito de Évora. 
1443 
Hospital do Espírito Santo de Miragaia (Porto), fundado por Catarina 
Afonso. 
Referência a uma “Pombinha com que fazem o jogo do Santo 
Espírito”, em Montemor-o-Novo. 
1445 
Documento sobre hospital do Espírito Santo de Évora. 
1448 
Documento sobre hospital do Espírito Santo de Évora. 
 
 
70 
 
1450 
Afonso V avaliza autorização concedida por D. Duarte aos mordomos 
do Império de Alenquer para recolherem na mata da Ota toda a 
madeira necessária para o bodo (5 Agosto). 
1454 
Carta de mercê de D. Afonso V dada aos mancebos solteiros da vila de 
Portalegre, pela qual ordena que os Imperadores e Oficiais da festa de 
Santo Espírito da dita vila possam constranger quaisquer mancebos 
solteiros da dita vila e termo que não quiserem aceitar os ofícios e 
cargos da dita festa, dando-lhes autorização para aplicarem penas 
pecuniárias a todos aqueles que se recusarem a exercê-los, as quais 
devem reverter a favor da Confraria da dita festa (19 Novembro). 
Regimento do Hospital do Espírito Santo de Santarém (2 Setembro). 
1457? 
D. Afonso V faz concessão de privilégios aos mercadores da cidade de 
Lisboa, administradores das confrarias do Espírito Santo e de São 
Francisco, para que o juiz da Alfândega ouça e determine os preitos e 
demandas que pertencerem às ditas duas confrarias. 
1459 
Carta de mercê de D. Afonso V outorgada aos mancebos solteiros da 
vila de Marvão, pela qual ordena que os Imperadores e Oficiais da 
festa de Santo Espírito dessa vila possam constranger quaisquer 
mancebos solteiros da vila e seu termo que não quiserem aceitar os 
ofícios e cargos da dita festa, dando-lhes autorização para aplicarem 
penas pecuniárias a todos aqueles que se recusarem a exercê-los, as 
quais devem reverter a favor da Confraria da dita festa (19 Novembro). 
1462 
Afonso V ratifica a carta de D. Beatriz, de 1279, pela qual a soberana 
colocava sob a sua protecção o Hospital do Espírito Santo de 
Alenquer. 
1465 
A Carta de mercê concedida aos mancebos solteiros de Portalegre 
(1454) e de Marvão (1459) é tornada extensiva aos da Amieira (11 
Janeiro) e aos do Crato (16 Julho). 
1468 
Carta de ofício de escrivão da Câmara, dos órfãos, da gafaria, 
almotaçaria, contador de todos os feitos, inquiridor e distribuidor 
perante os tabeliães, escrivão da gafaria, provedor e escrivão da casa e 
Albergaria de Santo Espírito de Óbidos, outorgada por D. Afonso V a 
71 
 
Álvaro Pires, seu escudeiro, em substituição de João Lopes, que 
falecera (4 Agosto). 
1470 
Hospital do Espírito Santo do Chafariz dos Cavalos (Lisboa). 
Carta de mercê de D. Afonso V outorgada a Gil Cochifel, escudeiro, e a 
Catarina Eanes, sua mulher, moradores em Ermigeira, termo de 
Torres Vedras, os quais haviam instituído e administrado um Hospital 
da invocação do Espírito Santo no Machial dos Cavaleiros, junto de 
Alcabrichel, termo da dita vila, no qual ordenaram estar certas camas 
e um altar para nele se dizer missa e acolherem os pobres (9 Janeiro). 
1471 
Afonso V funda o Hospital do Espírito Santo de Loulé. 
Carta de mercê dada por D. Afonso V à condessa D. Isabel, pela qual 
privilegia todos os caseiros, foreiros e lavradores da albergaria que foi 
de Lopo Soares e do Hospital do Santo Espírito da cidade de Lisboa e 
da Quinta de Benafaras, termo de Almada, escusando-os de servir por 
mar e por terra, por si ou por outrém, de acompanhar presos e 
dinheiros, defendendo que não sejam tomados os seus bens e animais 
(26 Outubro). 
 
 
 
Painéis denominados (por Jaime Cortesão) da Investidura da Nação na Missão do 
Espírito Santo. Encomenda de D. Afonso V ao pintor Nuno Gonçalves 
 
1472 
Afonso V concede autorização aos oficiais e Imperadores do Sardoal 
para “apremar” os mancebos solteiros para a festa do Espírito Santo e 
aos meirinhos e seus oficiais para andar armados enquanto ela durar. 
72 
 
Os habitantes de Tavira solicitam a nomeação do franciscano Frei 
Martinho de Tavira para capelão do Hospital aí fundado para recolher 
feridos e doentes vindos das Guerras de África, bem assim como 
indulgência plenária para estes. 
1478 
Arrendamento de vinhas da aposentaria de Montemor-o-Novo e seu 
termo para fazer face às despesas da Festa do Divino, confirmado por 
Afonso V (5 Junho), o monarca que mais protegeu as confrarias e os 
hospitais sob invocação do Paracleto. 
1480 
D. Afonso V outorga duas Cartas de mercê aos confrades do Hospital 
do Espírito Santo de Tavira (3 Janeiro): 1. Pela qual lhes concede 
licença para terem até cem mil réis de renda para seu sustento e obras; 
2. Pela qual concede aos dois oficiais do dito Hospital encarregues de 
cobrar as dívidas e as rendas os mesmos privilégios, liberdades e 
poderes de que gozavam os almoxarifes do Reino. 
1484 
Carta de mercê de D. João II dada aos mancebos solteiros de 
Portalegre, pela qual confirma outra carta de D. Afonso V relacionada 
com a Festa do Divino (4 Fevereiro). 
Carta Régia de D. João II autoriza os Impérios no Paço de Sintra 
(Santarém, 27 Maio). 
1486 
Carta de D. João II confirmando o privilégio concedido por Afonso V 
ao Hospital do Espírito Santo de Tavira (14 Janeiro). 
Carta de mercê de D. João II dada aos mancebos solteiros da vila da 
Amieira, pela qual confirma uma carta de D. Afonso V relacionada 
com a Festa do Divino (8 Maio). 
Carta de mercê de D. João II dada aos mancebos solteiros da vila de 
Alter do Chão, pela qual ordena que os Imperadores e Oficiais da Festa 
de Santo Espírito da dita vila possam constranger quaisquer mancebos 
solteiros da dita vila e termo que não quiserem aceitar os ofícios e 
cargos da dita festa, dando-lhes autorização para aplicarem penas 
pecuniárias a todos aqueles que se recusarem a exercê-los, as quais 
devem reverter a favor da confraria da dita festa (15 Junho). 
1489 
Procissão da Candeia, do Rolo, ou do Pavio, em Guimarães. 
 
 
73 
 
1490 
Carta de mercê de D. João II aos Pobres que estão no Oratório junto 
do Hospital de Santo Espírito da cidade de Évora, colocando-os sob 
sua guarda e protecção (1 Março). 
1491 
Carta de doação outorgada por D. João II aos moradores da cidade de 
Silves, pela qual lhes concede uma casa que foi alfândega para aí 
fazerem uma igreja e Hospital de Santo Espírito (24 Janeiro). 
Entre este ano e o de 1495 Dona Leonor promove a organização do 
Tombo do Hospital do Espírito Santo de Sintra. 
 
 
 
 
1492 
Os confrades da Confraria do Espírito Santo de Angra do Heroísmo 
decidem construir um novo Hospital (15 Março). 
74 
 
1494 
Sentença encontrada entre os papéis da Colegiada de São Martinho de 
Sintra, alude ao farto bodo organizado pela confraria do Divino de São 
Mamede de Janas, pelo Pentecostes. 
Carta de D. João II dirigida aos juízes, almotacés e carniceiros de 
Tavira, pela qual ordena que seja vendida ao mordomo do Hospital de 
Santo Espírito dessa vila a carne necessária ao sustento dos enfermos 
e que não lhes fosse levantado qualquer embargo pelos almotacés da 
dita vila de Tavira (8 Dezembro). 
1497 
D. Manuel confirma uma Carta Régia de D. João II (1484), pela qual o 
Princípe Perfeito autorizou a realização de Impérios no Paço de Sintra 
(Estremoz, 3 Fevereiro). 
 
 
 
Xilogravura de Evangelhose Epistolas (Porto, Rodrigo Alves, 1497) 
75 
 
1499 
Tombo do Hospital do Espírito Santo de Benavente. 
 
1500 
As Constituições do Bispado da Guarda proíbem a entrada nas igrejas 
aos Imperadores, Reis e Rainhas “que se costumam fazer em algumas 
festas”. 
1501 
Por alvará de 13 Setembro são entregues ao Hospital do Espírito Santo 
de Setúbal os hospitais de Maria Pipa, Catarina Domingues e João 
Palmeiro, além dos rendimentos de seis diferentes capelas. 
1504 
Compromisso e Tombo do Santo Espírito de Santarém (18 Set.) 
[ANTT: Núcleo Antigo, 274]. 
1505 
D. Manuel faz construir o novo Hospital do Espírito Santo de Évora, 
criado em resultado da fusão dos pequenos hospitais da cidade. 
1512 
As Ordenações Manuelinas (livro V, título 33, § 6º) interditam todo o 
género de bodos de comer e beber que se realizam em louvor de alguns 
Santos, “não tolhendo porém os vodos do Santo Espírito, que se fazem 
na festa de Pentecostes porque somente concedemos que estes se 
façam e outros nenhuns não”. 
1514 
Carta (9 Out.) de D. Manuel remetida ao Ouvidor de Castelo Branco 
ordena a anexação do Hospital do Espírito Santo à Misericórdia. 
1517 
A Confraria do Divino de Alenquer dispõe de novo Compromisso. 
1518 
Alvará de 6 de Janeiro espolia a Irmandade do Espírito Santo de 
Montemor-o-Novo do seu Hospital, integrando-o na Misericórdia 
local. 
1520 
Carta de D. Manuel remetida ao Ouvidor de Torres Vedras ordena a 
anexação do Hospital do Espírito Santo à Misericórdia. 
1523 
D. João III tenta acabar com as cerimónias da coroação [?]. 
 
 
76 
 
1525 
A igreja da Misericórdia de Vila do Conde é edificada defronte da 
capela do Espírito Santo. 
O Duque de Bragança obtém autorização para anexar o Hospital do 
Espírito Santo local à Misericórdia de Vila Viçosa. 
 
 
 
 
Coroa do Império da Asseiceira (1544) 
77 
 
 
 
Pentecostes pintado por Fernão Gomes (Grândola) 
78 
 
1535 
D. João III entrega aos cónegos regulares de S. João Evangelista a 
administração do Hospital do Espírito Santo de Évora. 
Registo de Carta da Irmandade do Espírito Santo de Santarém para 
que as crianças que vão na procissão vistam sedas (16 Mar.) 
[Chancelaria D. João III, liv. 10, fl. 42v] 
1543 
A confraria medieval do Espírito Santo dos Padres de Caminha 
reforma os respectivos Estatutos, os quais são aprovados em 4 Agosto. 
1544 
Coroa do Império da Asseiceira (Tomar). 
Compromisso da Irmandade do Espírito Santo do Lumiar. 
1545 
D. João III manda anexar o Hospital do Espírito Santo de Sintra à 
respectiva Misericórdia (10 Março). 
1559 
As Constituições Sinodais do Bispado de Angra (Lisboa, Impressão 
Régia, 1560), promulgadas por D. Frei Jorge de Santiago na sequência 
do Sínodo reunido neste ano, interditam que os Imperadores preguem 
no púlpito ou em qualquer lugar em evidência na igreja no dia do seu 
“coroamento” e determinam que se não façam imperadores e 
imperatrizes senão pela Festa do Espírito Santo, proibindo igualmente 
as danças dos foliões no interior dos templos, bem como as cantorias 
durante as coroações. Tal estabelece o Título 17º, constituição XI (fl. 
59v): “Somos informados que em muitos lugares do nosso Bispado se 
fazem em muitos domingos e festas do ano «Imperadores», e com cor 
de que vão tomar a Coroa de Espírito Santo, gastam em comidas e 
festas o que não têm e, em algumas partes fazem diversos 
“Imperadores”, e o que pior é, com diversas superstições se 
encomendam ao Espírito Santo. No qual, querendo nós prover como 
seja mais serviço de nosso Senhor, pela presente defendemos que em 
nosso Bispado não se façam festas de imperadores senão na Festa do 
Espírito Santo, que até agora, por sua devoção se costumou fazer, ou, 
quando vão nas procissões de Corpus-Christi, Visitação ou do Anjo, 
contanto que no mesmo lugar ou procissão não haja dois, nem 
Imperador e Imperatriz, juntamente, senão um só. E que, quando 
entrarem nas igrejas com o Imperador ou Imperatriz, entrem 
honestamente sem ruído de vozes e sem tangeres, nas quais igrejas 
não estarão mais tempo que aos ofícios divinos, ou fazer oração e 
79 
 
passar. E qualquer que o contrário fizer, pela 1.ª vez pagará um arrátel 
de cera para o Sacramento e pela 2.ª a pena dobrada e pela 3.ª pagará 
um cruzado para a dita cera e para o nosso meirinho ou quem o 
acusar. E se algum dos sobreditos for tão atrevido que nas ditas igrejas 
se suba ao púlpito ou a outro semelhante lugar para pregar, fazer ou 
dizer coisa alguma, o condenamos em 500 réis pela 1ª vez, e pela 2ª 
em 1000 réis, a metade para a fábrica da mesma igreja e a outra para o 
meirinho ou quem o acusar.” 
1560 
Capela do Espírito Santo de São Martinho do Campo (Santo Tirso). 
1561 
Os padres Gonçalo Rodrigues e Francisco de Pina descrevem o Auto 
do Império, a bordo de naus que rumam à Índia. Gonçalo Rodrigues 
conta como ele mesmo coroou o Imperador, a conselho do Capitão, 
que providenciara um trono com docel de seda azul. 
1562 
Os passageiros embarcados numa nau com destino à Índia deliberam, 
com o consentimento do Capitão, celebrar o Império a bordo, com 
coroação de Imperador e Imperatriz, à qual se opõe o Padre Tonda, 
que só acede a celebrar a missa e a pregar o sermão (carta de António 
Fernandes, de 15 Setembro). 
Alvará de D. Sebastião, datado de 16 de Abril, autoriza a realização de 
bodo no domingo de Pentecostes, na localidade da Madalena (Tomar), 
à semelhança do que acontece em outros lugares do Reino. 
1564 
Provisões relativas à posse da administração do Hospital do Espírito 
Santo pela Misericórdia de Évora. 
1566 
Confirmação do Compromisso da Confraria do Espírito Santo da 
Casa da Suplicação (25 Set.). 
1567 
O Hospital do Espírito Santo fica submetido à administração da Santa 
Casa da Misericórdia de Évora. 
1568 
As Constituições do Arcebispado de Goa (X, p. 669-670) permitem a 
coroação do Imperador, excluindo a da Imperatriz, condenando ainda 
alguns dos abusos que se haviam introduzido nas festividades do 
Império. 
 
80 
 
1571 
Provisão para concluir a obra do Espírito Santo de Fronteira 
[Chancelaria D. Sebastião, liv. III, fl. 281v] 
1578 
A toponímia de Azurara (Vila do Conde) regista, neste ano, a “Fonte 
grande abaixo [da ermida] do Espírito Santo”. 
 
 
 
Trindade vertical 
Xilogravura utilizada pelo impressor Manuel de Lira no Cathecismo ou Doutrina 
Christa e Praticas espirituais (Lisboa 1585) de Frei Bartolomeu Mártires 
e na Institutio sive fundatio Ordinis Sanctissimae Trinitatis - Constitutiones fratrum 
Ordinis SS Trinitatis (Lisboa, 1595) 
 
 
1592 
D. Filipe I interdita os bodos do Espírito Santo nos Açores. 
1598 
É instituída a Confraria do Espírito Santo de Cambeses. 
81 
 
1600 
O bispo D. Jerónimo Teixeira (1600-1612) interdita aos foliões bailar 
na capela-mor das igrejas açorianas, como eles têm o hábito de fazer 
nos seus Coroamentos. 
1603 
A 15 de Outubro é confirmado o Compromisso da Confraria do 
Espírito Santo de Fronteira [Arq. Cabido Sé Évora, liv. LX, fl. 260]. 
1606 
Compromisso novo da Irmandade dos Pescadores do Alto de Alfama. 
 
 
 
Rosto do Compromisso dos Pescadores de Alfama 
82 
 
 
 
Pentecostes (Estêvão Gonçalves Neto) 
83 
 
1608 
Alvará de 25 de Dezembro, derrogando implicitamente proibições 
anteriores no Brasil, determina que se "não podem esmolar sem 
licença, e nunca com imagens nas mãos pelo pouco respeito com que 
as tratam", e esclarece, sobre "as circunstâncias que se devem 
primeiro averiguar e as restrições com que depois se hão-de conceder 
tais licenças". 
1610 
O Visitador oficial do Bispado, Manuel Gonçalves Pacheco, em visita a 
Altares (Terceira) interdita aos foliões a entrada na Igreja para aí 
cantarem as canções profanas, e aos membros das confrarias de 
oferecerem os jantares, nos dias de festa, à sua própria conta. 
1617 
O Hospital do Espírito Santo de Vila do Conde é substituído por outro, 
edificado com os legados de Diogo Pereira. 
1622 
As Constituições do Arcebispado de Évora (decalcadas das 
originalmente ordenadas por D.João de Melo, em 1565), estipulam a 
“maneira em que entrarão os Imperadores e Reis e jogos que se fazem” 
(título XV, cap. XII). 
Treslado do Tombo do Hospital do Espírito Santo de Benavente. 
1623 
De acordo com o Catálogo dos Bispos do Porto, há em Légua, lugar da 
freguesia de Várzea de Ovelha (Marco de Canaveses, Porto), uma 
ermida dedicada ao Divino (antiga de Valadares). 
1625 
Bento XIV canoniza D. Isabel, sendo a sua hagiografia omissa no que 
concerne às Festas do Divino. 
1627 
Novo treslado do Tombo do Hospital do Espírito Santo de Benavente. 
1633 
Reforma dos Estatutos da Confraria do Espírito Santo de Paredes de 
Coura. 
1636 
Dom Frei António da Ressurreição, 13.º bispo de Angra, em visita ao 
Faial, interdita os jantares das Funções do Espírito Santo depois do 
anoitecer. 
 
 
84 
 
1642 
D. Rodrigo da Cunha (História Eclesiástica da Igreja de Lisboa, cap. 
27, p.122r-122v) reinvindica para Santa Isabel e D. Dinis a 
responsabilidade da instituição das Festas do Império. 
1645 
O Reitor do Bispado de Angra, cónego João Diniz Pereira, escreve no 
Livro de Visitas (isto é, das Visitações [BPADAH: Fundos paroquiais, 
1º Livro de Visitas de São Roque dos Altares, cap. 4, fl. 38v]) que “é 
costume nesta freguesia [Altares, Terceira] virem os ministros e 
eclesiásticos às casas dos Imperadores a dar-lhes o ceptro e tirar-lhe[s] 
a coroa da cabeça e assistirem à mesa no dia do Espírito Santo, sendo 
indecência grande do hábito eclesiástico; e assim mando que daqui 
por diante, somente os coroem dentro da igreja e os foliões que 
acompanharem as procissões ou imperadores não entrarão com 
música e tambor dentro na igreja; e os ditos ministros eclesiásticos 
não assistirão à mesa dos imperadores nem irão a suas casas a dar-
lhes o ceptro nem a tirar-lhes a coroa sob pena de excomunhão”. 
1648 
Uma Carta Real, datada de 14 de Janeiro, censura o “mau exemplo 
naquela vivência [Impérios]” aos eclesiásticos. Compromisso da 
Irmandade de Santa Bárbara (Açores). 
1651 
Em 17 de Junho realiza-se em Angra a mais solene das procissões do 
Corpus Christi de que há memória. O cortejo organiza-se em duas 
partes, uma religiosa e outra profana, dirigidas “superiormente pelo 
juiz de fora, que alçando vara, tinha então o majestático poder de fazer 
andar as danças, as quais, à parte a solenidade e imponência do acto, 
constituíram a maior atracção das massas populares, organizadas, ao 
abrigo duma lei de 1515 que autorizava a usança de folias, não só no 
interior dos templos como também nas procissões”. 
1655 
São admitidos alguns leigos na Confraria do Espírito Santo dos 
Clérigos de Santa Maria de Tebosa. 
1656 
Frei Manuel da Esperança (História Seráfica, primeira parte) regista 
algumas particularidades do Auto do Império em Alenquer, cuja 
instituição credita a D. Isabel de Aragão. 
 
 
85 
 
1651 
São admitidos alguns leigos na confraria do Espírito Santo dos 
Clérigos de Santa Maria de Tebosa (7 Junho). 
1665 
O provisor do bispado de Angra do Heroísmo, Cónego João Dinis 
Pereira, determina que “somente as coroas entrem na igreja e os 
foliões que acompanham as pessoas ou Imperadores não estarão com 
a música e tambor na igreja; e os ditos ministros eclesiásticos não 
assistirão à mesa dos Imperadores nem irão à sua casa a dar-lhes o 
ceptro nem tirar-lhes a coroa, sob pena de excomunhão”. 
1666 
O Prior da Terrugem (Sintra), Pedro Birrano, coloca ladrilho novo na 
capela do Espírito Santo, a qual encontrara completamente arruinada. 
1670 
Império-Tabernáculo do Outeiro (Angra do Heroísmo, Terceira). 
1672 
Frei Francisco Brandão (Monarquia Lusitana, sexta parte, p. 185) 
credita a Santa Isabel a instituição dos festejos do Divino em Alenquer 
e Sintra. 
1674 
Compromisso da Irmandade de Nossa Senhora dos Remédios do lugar 
da Praia, com referência à realização do Império do Divino. 
1678 
O bispo de Angra, Dom Frei Lourenço de Castro, proíbe a coroação de 
Imperadores antes de concluída a missa e a sua entrada na igreja com 
a cabeça coberta. 
1680 
O bispo do Porto, D. Fernando Correia de Lacerda, estabelece, pela 
primeira vez, de forma explícita, o nexo entre os festejos do Divino e a 
tradição do Quinto Império (História da Vida, Morte, Milagres, 
Canonisação e transladação de Santa Izabel, sexta Rainha de 
Portugal, Lisboa). 
1690 
O Padre jesuíta Manuel Fernandes (Alma Instruída na Doutrina e 
Vida Cristã, v. 2, p. 914) credita a Santa Isabel a introdução da 
devoção do Império. 
1697 
Durante a visita pastoral de Dom António Vieira Leitão, 17.º bispo de 
Angra, são interditados os “Impérios de mulheres que se fazem sob 
86 
 
pretexto de festejarem o Espírito Santo mas não servem mais que para 
se ofender, com eles, o mesmo Senhor, pelos “enfeitos” indecorosos e 
profanos de que as ditas mulheres usam em tais actos e pelo concurso 
de homens que a eles vão com práticas indecentes e outras 
enormidades de que resulta geral escândalo”. Os contraventores 
sujeitam-se a excomunhão maior ipso facto, incorrenda, e à multa de 
50 cruzados. O mesmo Visitador, em visita à Paróquia do Espírito 
Santo da Vila Nova, proíbe a abertura da Igreja da Misericórdia no dia 
do Espírito Santo, para evitar que se coma e beba na mesma. 
1699 
Numa visita à matriz de Vila Franca do Campo, o Dr. Bernardo Estácio 
determina que haja somente um Império do Espírito Santo em cada 
freguesia, para o qual devem concorrer todos com as suas pensões e 
esmolas, ordenando ainda que os mordomas redijam um livro de 
receita e despesa, controlado pelo Ouvidor, para que as esmolas sejam 
dadas fielmente aos pobres. 
 
 
 
 
Trindade trifronte (col. particular) 
 
87 
 
1701 
É, temporariamente, suspenso o bodo do Espírito Santo em Portel. 
1706 
Repete-se a proibição decretada em 1697 (Altares), sob pena de 
excomunhão, de realizar bailes por ocasião das coroações, agora em 
Santo António. 
1707 
O Bispo de Angra Dom António Vieira Leitão, que já interditara (no 
ano de 1669) as danças nas procissões do Santíssimo, estende a 
proibição a todo o género de bailes, nas matrizes da Ribeira Grande e 
de São Sebastião (S. Miguel). 
1708 
Compromisso da Irmandade da Vila do Porto (Santa Maria), com 
referência à realização do Império do Divino. 
1711 
Uma das mais remotas fontes a recensear os Teatros do Divino nos 
Açores (no caso vertente, na ilha de São Miguel), é uma carta de 
Visitação do Padre Francisco Barbosa da Silva, à igreja de Nossa 
Senhora da Piedade de Ponta Garça, a 17 de Abril deste ano, na qual 
impõe a existência de um único Império por freguesia: “Constou-me 
que havendo nesta freguesia um império que se faz em dia do Espírito 
Santo, com seu louvor, no Teatro que está junto ao adro desta igreja 
paroquial, alguns irmãos se desuniram e levantaram outro na ermida 
de Nossa Senhora da Vida da mesma freguesia, o qual se faz com 
menos decência e respeito, da pouca irmandade e muita pobreza, 
contra o que dispõe o concílio tridentino [...]”. No mesmo ano, numa 
visita à matriz de Ponta Delgada, o mesmo sacerdote estabelece 
algumas correcções ao culto litúrgico do Espírito Santo. 
1712 
O Dr. Bernardo Estácio, em visita à Ilha do Corvo, aplica ali, sob pena 
de excomunhão, a proibição decretada, em 1697 (Altares) e em 1706 
(Santo António) de realizar bailes por ocasião das coroações. 
1714 
Dom António Vieira Leitão decide que segundo as Constituições do 
Bispado de Angra, não haveria em cada comunidade, mais que um só 
Império do Espírito Santo. 
1715 
Realiza-se em Vila do Conde a procissão do Espírito Santo. 
 
88 
 
1728 
Carta Régia de 14 de Junho torna prerrogativa dos capitães-generais 
do Brasil (S. Paulo) a concessão de licença para o peditório em Folia 
(cf. 1825). 
O Livro 1 dos registos Pastorais da Diocese de Coimbra regista a 
pastoral do vigário capitular, proibindo danças de homens e de 
“mulheres na procissão e acompanhamento […] ao suposto 
Imperador”, nas festas do Espírito Santo de Eiras. 
1729 
Reportando-se às festividades do Império, uma pastoral do vigáriocapitular do Bispado de Coimbra, Dom José Freire de Faria, datada de 
27 de Junho, censura as procissões dos bodos, nas quais se cometia o 
“abuso de serem levados […] tabuleiros [de várias espécies de pão] à 
cabeça de mulheres em fileira, pelo meio da procissão, profanamente 
vestidas e decotadas, para as quais iam olhando os homens, com 
evidente ruína das suas almas, por se terem visto entre uns e outros 
acções indecentíssimas nas mesmas procissões, admitindo-se em 
algumas, e em ajuntamentos que no fim delas se faziam, danças e 
festejos e bailes mulheris, pedras escandalosas em que tropeçavam 
muitas almas e se precipitavam muitas consciências, seguindo-se 
graves ofensas a Deus”. Para atalhar tais práticas o vigário proíbe 
doravante, sob pena de multa e de excomunhão, ipso facto 
incorrenda, que se consintam mulheres com ofertas ou sem elas pelo 
meio das procissões, bem como os bailes e danças pelas capelas e 
adros. 
1738 
É extinta a Confraria do Espírito Santo que tinha sede no convento de 
Santo Elói (Porto). 
1741 
Dom Frei Valério do Sacramento (1738-1755), numa carta pastoral de 
11 de Novembro, mantém a proibição de danças e ajuntamentos de 
homens e mulheres nos Impérios. 
1743 
Numa visita pastoral do mesmo prelado, a S. Pedro Nordestinho, 
proíbe sejam coroados Imperadores durante o cânon da missa, dando-
se-lhes o Evangelho a beijar. 
1744 
Dom Frei Valério do Sacramento, vigésimo Bispo dos Açores, proíbe 
as folias e bailes do Espírito Santo. 
89 
 
1745 
Os Impérios de Mulheres são novamente condenados por Dom Frei 
Valério do Sacramento, na sua Pastoral de 2 de Fevereiro. Determina 
ainda o prelado que, segundo as Constituições do Bispado, não exista 
em cada freguesia mais do que um Império, motivo por que o 
visitador, Padre Francisco Barbosa da Silva, proíbe que se continue a 
fazer o Império da Senhora da Vida, em Ponta da Garça (São Miguel), 
que se havia separado do que se fazia junto ao adro da igreja 
paroquial, o qual seria o único autorizado naquela freguesia. O mesmo 
bispo determina que o Império da Misericórdia, em Vila Franca, se 
faça no dia de Pentecostes e que o de Santo André se realize na 1ª 
oitava da festa, “para que os padres aproveitassem das esmolas que se 
tiravam para o dito ministério”. 
 
 
 
 
1747 
Numa pastoral deste ano, D. Fr. Valério do Sacramento (1738-1755) 
repete a proibição que decretara no ano de 1743, em S. Pedro 
Nordestinho, acrescentando a proibição de que o sacerdote dê a paz 
aos Imperadores durante o canon da missa. Em 9 de Junho de 1747, o 
90 
 
visitador Pedro de Medeiros aplica, na Igreja de Ponta Garça, e depois 
na Paróquia do Faial da Terra (2 de Julho do mesmo ano), as mesmas 
proibições, nomeadamente a entrada na Igreja dos imperadores na 
igreja com chapéu na cabeça e os festejos e bailes em honra do 
Espírito Santo. 
1749 
Numa pastoral de 25 de Novembro, o mesmo Pedro de Medeiros 
proíbe os párocos de participarem nos banquetes que se fazem nos 
Impérios. Os escravos são imperadores ou confrades nos Impérios, 
que se realizam na Ilha do Faial, ou na Confraria de Nossa Senhora da 
Natividade em Angra, como testemunham o franciscano Thomaz da 
Soledade e o cronista J. Joaquim Pinheiro. 
 
 
 
91 
 
1753 
O Padre Alberto Pereira Rei publica Breve Notícia das Festas do 
Imperador e Bodo do Divino Espírito Santo (Lisboa). 
Os açorianos residentes em Lisboa obtêm autorização de D. José I e do 
Cardeal Patriarca para a celebração do Império da Lapa (convento de 
Nossa Senhora da Esperança). 
 
 
92 
 
1755 
Alvará de criação da Junta de Homens de Negócio na confraria do 
Espírito Santo da Pedreira (30 Setembro). 
1758 
As Memórias Paroquiais reportam inúmeras capelas, hospitais e 
festividades em louvor do Divino, em todo o Reino. 
1759 
A Câmara Municipal da Horta delibera edificar a sua Casa do Império 
(5 Janeiro). 
1761 
Em consequência de numerosos tremores de terra, que ocorrem entre 
14 e 21 de Abril, na Terceira (Açores), são promovidas inúmeras 
procissões e orações com as coroas do Divino. Matias Silveira, de 
Biscoitos, edifica uma capela dedicada ao Espírito Santo perto de sua 
residência, e “desde logo se considerou segura toda a freguesia, 
cessando a lava”. 
Primeira notícia documentada às festividades do Império no Brasil no 
tombo (fl. 5) da matriz de Santo António de Guaratinguetá (São 
Paulo), inaugurada em 1630. 
1765 
José Carvalho de Andrade, Governador interino do Brasil, remete ao 
Marquês de Pombal carta [AHU: Baía, inv. Castro e Almeida, n. 6911] 
na qual o informa sobre os excessos praticados por um grupo de 
açorianos que se haviam constituído em Irmandade do Espírito 
Santo, em S. Salvador da Baía, e as providências que tomara para os 
evitar. 
A maioria dos autores adianta que a primeira manifestação 
documentada do culto do Império em terras de Vera Cruz terá 
ocorrido justamente neste ano, em Salvador (Baía), na festa da matriz 
de Santo António de Além do Carmo. No entanto, já em 1761, se acha 
no tombo (fl. 5) da matriz de Guaratinguetá (São Paulo) notícia de tais 
festividades. 
1766 
O Governador Civil da Madeira, João António de Sá Pereira, intervém 
contra os desmandos e abusos decorrentes das festividades do Espírito 
Santo, restringindo drasticamente as folganças centradas nos 
Impérios existentes “em cada rua da Cidade [do Funchal]” [AHU: 
Breve e Verdadeira demonstração dos princípios e progressos do 
93 
 
Governo de João António de Sá Pereira fez na ilha da Madeira, caixa 
XVII (Madeira e Porto Santo), n. 4846]. 
1768 
“Por ser informado que nos chamados impérios que se fazem nesta 
cidade [do Funchal], e em quase todas as freguesias desta ilha [da 
Madeira], acontecem distúrbios, e demasias de que resultam 
escândalos públicos, e prejuízos consideráveis à saúde dos pobres e à 
consciência das pessoas que administram as esmolas, que os devotos 
voluntariamente dão para serem distribuídas pelos imperadores mais 
irmãos na festa de Pentecostes; e suposto que estes vodos de comer e 
beber são permitidos pela saudável lei do Reino é alheio do espírito da 
mesma os efeitos prejudiciais que causam os bem sabidos e notórios 
excessos; e para evitar estes danos na certa consideração que o fundo 
dos bens administrado, nasce das esmolas voluntárias. Ordenou que 
nos chamados impérios houvesse a festividade do culto divino com 
aquela devida reverência, e submissão devida ao Divino Espírito 
Santo, e que as oblações e esmolas que dão os devotos, e arrecadam os 
administradores que são tiradas, digo que são feitas ao arbítrio do 
imperador, e mais oficiais não possam ser de outra qualidade mais do 
que vaca, pão, arroz, e vinho quando proibido outro algum género de 
oblação, que se costuma praticar nesta ilha e porque seja de galinhas, 
capões, frangos, patos, doce, manteiga rama e presuntos e outras das 
que ficam permitidas por este capítulo, serão reduzidas a dinheiro, 
pondo-se em leilão público as ditas oblações e o seu produto poderão 
aplicar em esmolas, dinheiro ou vestuário para vestir os pobres de um 
e outro sexo, segundo lhe ditar a sua piedade, e lhe fica também 
proibido todo o fausto profano, e iluminação que costumam fazer 
nesta festividade excepto as que pertencem ao culto divino” [Arquivo 
Regional da Madeira: Câmara Municipal do Funchal, Livro das 
Correições, nº168, fls. 68v-69]. 
1770 
É instituída uma Irmandade do Divino Espírito Santo com sede na 
igreja matriz de Santo António Além do Carmo, na cidade do Salvador 
(Baía). 
1772 
A Mesa da Consciência e D. José I aprovam o Compromisso da 
Irmandade do Divino Espírito Santo erecta na igreja matriz de Santo 
António Além do Carmo (Salvador, Baía). 
 
94 
 
 
 
Divino Espírito Santo (desenho à pena do Compromisso do Divino Espírito Santo 
de São Salvador da Baía, 1770) 
 
 
1787 
Compromisso da Real Irmandade do Divino Espírito Santo – Império 
dos Meninos, sedeada na igreja de Santa Isabel (Lisboa). 
1795 
Data aposta na fachada de um Império da ilha Terceira. 
 
951802 
O Príncipe Regente concede alvará à Corporação Marítima da Casa 
do Espírito Santo de Sesimbra, isentando o peixe que for salgado, 
escalado, seco ou empilhado, de pagar direito algum de entrada em 
Lisboa, depois de liquidados os 20% da Dízima Nova e Velha (30 
Outubro). 
1816 
O Bispo de Faro, Dom Francisco Gomes do Avelar († 1816), proíbe o 
bodo do Divino com o seguinte decreto: "[...] somos informados de 
que nesta vila se costuma praticar o chamado vodo do Espírito Santo, 
resultando muitas vezes desordens dos excessos de comidas e bebidas, 
o que sem dúvida é relíquia da gentilidade. É impossível que tais 
desordens sejam agradáveis a Deus, princípio de toda a Santidade. E 
para desterrarmos semelhantes abusos, somente permitimos que se 
faça a festa com toda a solenidade e vésperas, sermão e missa cantada 
e proibimos absolutamente se faça o referido vodo. E se houver 
alguém que tente contravir esta proibição, o pároco nos dará parte 
para procedermos como for justiça". 
1821 
Pelo menos até este ano, a coroação do Imperador do Divino Espírito 
Santo decorre na Sala dos Infantes (depois dos Cisnes) do Paço Real 
de Sintra (Acta da Câmara Municipal, 12 Março). 
1825 
Em sessão de 10 de Outubro, o Conselho do Governo de S. Paulo 
(Brasil) determina que jamais, em qualquer circunstância, o 
Presidente da Província possa deferir os pedidos de licença para o 
peditório em Folia. O intimado cumpriria cabalmente tal ditame até 
ao final da sua administração, no ano de 1827. 
1840 
É instituída uma Confraria Eclesiástica do Divino Espírito Santo na 
matriz de Penafiel (cf. Estatutos, Porto, 1840). 
1841 
O Bispo de Angra, Dom Frei Estêvão de Santa Maria, na Pastoral de 9 
de Maio, adverte os fiéis para que “se abstenham daqueles 
divertimentos que, em si e nas suas circunstâncias, envolvam crimes e 
pecados, como são os que se cometem nos dias da coroação do 
Espírito Santo, debaixo do falso pretexto de mais festejo e devoção”. 
96 
 
 
 
Santíssima Trindade (Amiais de Baixo, Abrã) 
 
 
1843 
A Pastoral de 10 de Fevereiro do Bispo açoriano Dom Frei Estêvão de 
Santa Maria condena e anatemiza de novo os abusos por ocasião das 
devoções do Santo Espírito: “muitos devotos do Espírito Santo põem a 
par das virtudes cristãs a embriaguez, a lascívia, o ódio, a vingança, os 
desacatos feitos ao Divino na coroa e pombinha que o representam 
[…]”. Ordena que os Coroamentos não tenham lugar para além do 
Domingo da Trindade, e mais interdita os bailes nas casas onde se 
encontre a Coroa do Santo Espírito. 
1847 
O bispo D. Macedo Costa, no âmbito da cruzada civilizadora (leia-se 
europeizadora), que liderava com vista à evangelização da Amazónia, 
97 
 
logra, senão extinguir, pelo menos banir do espaço sagrado da Sé-
catedral de Belém, a Festa do Divino Espírito Santo, até então 
festividade oficial da Igreja Católica no Estado do Pará (cf. Tabella 
Demonstrativa dos Dias Feriados para Negócios Forenses, in Jornal 
Treze de Maio, 23.06.1845). 
1868 
O Bispo do Pará, D. Macedo Costa, proíbe a entrada dos símbolos do 
Divino nas igrejas daquele Estado do Brasil. 
1871 
Uma Postura Municipal de Mogi das Cruzes (São Paulo), datada de 21 
de Dezembro, interdita “os toques e cantos e folia (com viola, tambor, 
triângulo e pandeiro, ou somente a viola) para pedir esmolas para o 
Divino Espírito Santo” (cf. Isaac Grindberg, História de Mogi das 
Cruzes). 
1876 
Por Provisão do 15 de Maio o Bispo de Angra, Dom João Maria 
Pereira do Amaral e Pimentel, anuncia a sua visita às Flores e ao 
Corvo. Pretende com ela acalmar os espíritos muito exaltados pelas 
dissenções na Fajãzinha, entre as Comissões de Festas do Santo 
Espírito e o seu Pároco. Os ânimos estão a tal ponto extremados que 
um destacamento militar chega a ser enviado para assegurar a ordem 
pública. A 5 de Setembro é publicada uma circular interditando a 
saída de imagens de santos para acompanhar os Coroamentos, ou 
para participar nos bodos do Espírito Santo, recomendando-se aos 
padres que “não se intrometam daqui por diante nos negócios 
temporais dessas associações, nem se encarreguem ou tomem parte na 
administração dos seus fundos e rendimentos”. 
1878 
Estatutos da confraria do Divino da capela do Espírito Santo do 
Monte, em Nogueira, bispado de Braga (25 Abril). 
1881 
A 28 de Março, o Bispo Dom João Maria Pereira do Amaral e Pimentel 
manda publicar uma Circular estatuindo que: “1º Ninguém se acha 
habilitado para benzer coroas que não sejam de prata; 2º Declaramos 
profanadas e indignas do culto dado ao mesmo Espírito Santo, todas 
as coroas que não forem daquele metal; 3º Proibimos novamente que 
se exponha a coroa do Espírito Santo e se façam festas ao mesmo fora 
do tempo que decorre da Dominga da Páscoa à da Santíssima 
Trindade, sem licença nossa ou do muito reverendo Ouvidor, ouvido o 
98 
 
respectivo pároco, a qual não será concedida senão por justos e 
ponderosos motivos; 4º Por ocasião de estar a coroa em casas 
particulares não se praticarão ali outros actos que não sejam de oração 
e de piedade; 5º Logo que outra coisa conste ao respectivo pároco, 
mandará tirar de tal casa a coroa, de que se tenha abusado, e não 
prestará honras religiosas a tais festas; 6º As coroas decentes, 
destinadas ao culto público, serão conservadas nas igrejas e em casas 
particulares só com licença do respectivo pároco, não sendo lícito 
expô-las ao culto público e iluminá-las, a não ser no tempo Pascal 
declarado, ou com a necessária licença; 7º Todos os votos feitos em 
contravenção destes preceitos serão comutados em esmolas para a 
Caixa da Bula, por qualquer confessor aprovado; 8º É inteiramente 
proibido coroar mulheres, ainda que menores, ou de qualquer modo 
que seja”. Nova Circular do mesmo prelado, datada de 2 de Maio, 
condena o abuso das mascaradas, realizadas por ocasião e a pretexto 
das Festas do Espírito Santo, e ordena aos párocos que comuniquem 
aos fiéis esta repreensão e neguem orações e honras eclesiásticas e 
religiosas aos Impérios e associações que, a título de festejar o Espírito 
Santo, cometam tais excessos. 
1885 
No Arquivo Público do Estado do Maranhão estão recenseados mais 
de sete dezenas de pedidos de licenças para a realização da Festa do 
Divino Espírito Santo no período compreendido entre este ano e o de 
1930. 
1889 
Dom Francisco de Lacerda (1889-1891), autoriza aos párocos da Ilha 
Terceira a transferência das festas do Divino Espírito Santo para o 
sábado e domingo seguintes à Trindade, ainda em consequência do 
terramoto de 1841. 
1890 
O Presidente da Câmara Municipal de Mogi das Cruzes (São 
Paulo), José Honório Silveira da Motta, publica Portaria 
proibindo os carros de bois de “cantarem suas rodas nas ruas da 
cidade”, medida contra a qual a população se insurgiria. 
1892 
Em 28 de Março, o Bispo do Funchal, Dom Manuel Agostinho Barreto 
publica a seguinte Pastoral: “A nossos estimados Cooperadores a paz 
de Jesus Cristo. Tendo-nos informado alguns reverendos párocos de 
nossa diocese que em suas freguesias se cometem abusos por ocasião 
99 
 
dos peditórios e festas do Espírito Santo havendo ainda a 
circunstância agravante da falta de uniformidade nos costumes a tal 
respeito seguidos, dando tudo isto em resultado prejuízo à religião e 
dificuldades aos mesmos párocos, determinamos estabelecer o 
seguinte: 1º Os peditórios para a festa do Espírito Santo, como para 
outra qualquer, só podem ser feitos na respectiva paróquia, salvo 
especial licença nossa e da competente autoridade civil, como desde 
muito está estabelecido; 2º Quer nas quatro domingas depois da 
Páscoa, quer em outra época do ano que se façam tais peditórios, não 
podem ser levadas imagens, a não ser o pendão do Espírito Santo, 
cessando por tanto o costume de levar-se coroa e ceptro; 3º Se os 
esmoleres quiserem ser acompanhados por músicos e cantores, serão 
estes previamente examinados pelo seu pároco, para evitar-se 
profanos e trovas populares inconvenientes ou desonestas; 4º Se a 
estes, ou mesmo aos esmoleres,se houver de dar alguma 
remuneração, sairá esta do bolso do festeiro e nunca das esmolas 
colhidas, que se devem aplicar exclusivamente aos pobres e à 
solenidade religiosa; 5º O reverendo pároco fiscalizará sempre as 
esmolas para dirigir sua aplicação e evitar-se assim o desvio para 
banquetes ou interesse particular, pois que tudo isto constitui um 
roubo feito a Deus e aos pobres; 6º E para melhor superintender em 
tudo, muito convirá que o respectivo pároco ou seu coadjutor, se o 
tiver, ou ainda um qualquer clérigo acompanhe os esmoleres; 
convindo também munir-se de livro próprio onde se lance a receita e 
despesa á semelhança do que se faz com a Fabrica. Em tudo isto 
haverá uma garantia de moralidade, justiça e decência que nem 
sempre se tem guardado; 7º A escola ou nomeação do festeiro ou 
imperador será sempre presidida e aprovada pelo respectivo pároco, 
desterrando-se de vez a escolha de pessoa falta de probidade e 
religião; 8º Se da parte dos fregueses ou dos festeiros se manifestar 
resistência a estas determinações, nos darão noticia os reverendos 
párocos, para se proceder como melhor for, quer proibindo a festa, 
quer recorrendo á autoridade civil para ser mantida a ordem e 
disciplina necessárias [...]”. Nas Conferências Eclesiásticas 
promovidas por Dom Francisco José Ribeiro, ao serem discutidos os 
abusos ocorridos nos Impérios, um pároco informa que, na ilha de São 
Miguel, encontrara uma ordem da Autoridade Administrativa, em 
virtude da qual, sabendo-se que em alguma casa havia baile ou falta de 
respeito para com a Coroa, o Regedor, acompanhado pelo Pároco, ia a 
100 
 
casa do Imperador, retirando a coroa do altar [da casa], levando-a 
para a igreja paroquial. Nas reuniões deste ano conclui-se pela 
“necessidade do exacto cumprimento das determinações dos Exmos. 
Prelados relativas aos abusos praticados por ocasião das Festas do 
Espírito Santo e a conveniência de se reprimirem novos abusos que se 
têm introduzido nestas festas”. 
1894 
As Conferências Eclesiásticas acentuam o carácter religioso da 
coroação dos Imperadores, aprovando as seguintes interdições: que a 
Coroa do Santo Espírito, levada por homens ou jovens rapazes, vá 
mendigar nas ruas, praças públicas e tabernas; que nas casas que 
recebam a Coroa, se pratiquem jogos, danças e outros divertimentos 
profanos; que os Impérios sejam dirigidos por crianças ou as coroas 
expostas ao culto sejam de lata; que os Coroamentos tenham lugar em 
casas particulares; que as mudanças se façam à noite, à luz de tochas e 
com as mulheres em cabelo; que o padre tome parte na administração 
dos Impérios; que se levem alimentos para os Impérios, 
transformando-os em salas de banquete, já que são lugares de 
caridade e de religião. É recomendado: que as Confrarias do Santo 
Espírito tenham Estatutos aprovados; que a pessoa que vai ser 
«coroada» se confesse e comungue no mesmo dia; que qualquer fiel 
do sexo masculino poderá ser «coroado», mas se do sexo feminino, só 
até aos 10 anos de idade. Finalmente, são elencadas as cerimónias e 
orações admitidas durante as celebrações efectuadas na igreja. 
Reconstrução por Manuel Cardoso Gaspar do Império de Vila Nova, o 
qual, segundo a tradição, remontaria a meados do séc. XVIII. 
1898 
O 30º Bispo de Angra de Heroísmo, Dom Francisco José, envia ao 
Papa Leão XIII um Relatório sobre as Festividades do Espírito Santo, 
no qual critica o culto popular do Divino, sob a forma de Império, e 
refere estar a ponderar “transformar os Teatros em ermidas ou 
capelas públicas, que constituídas em sede das respectivas 
Irmandades serviriam igualmente para nelas serem depositadas e 
expostas ao público as respectivas coroas”. 
 
1900 
Em 24 de Abril, o Bispo do Funchal, Dom Manuel Agostinho Barreto 
publica a seguinte Pastoral: “[...] Frequentes são as solenidades 
religiosas celebradas entre nós no decurso de cada ano, agora 
101 
 
especialmente n’esta quadra da primavera e do estio: as do Divino 
Espírito Santo e do Santíssimo Corpo de Cristo, precedidas das que 
consagramos à Mãe de Deus. Acaso poderá ficar tranquila e satisfeita a 
consciência dos fieis, sobre tudo dos que tomam parte directa e activa 
n’essas festividades, se não se aproximam do confessionário e da mesa 
santa? Se tal sucede, devemos confessar que está aí um triste 
documento de falsa piedade e de ignorância do genuíno Cristão! Quem 
se atreve a supor que a Divindade possa comprazer-se nestas ruidosas 
manifestações exteriores, mais profanas que sagradas, nas quais o 
coração toma parte mínima, quase por completo alheio ao verdadeiro 
sentimento sobrenatural? Erro deplorável, que já foi severamente 
repreendido pelo Senhor naquelas palavras fulminantes dirigidas ao 
povo de Israel: Populus isle labiis suis honorat me; cor autem corum 
longe est a me. É mesmo lícito duvidar que tais festeiros cheguem a 
implorar o Senhor com uma prece, e tantas vezes o desonram com 
repreensíveis excessos. Hão-de fazer-se as novenas do Espírito Santo 
na semana anterior à sua festa, como desde há anos está determinado 
também pelo Papa. Pois não será oportuno ensejo de se aproximarem 
dos sacramentos, aqueles, ao menos, que se ocupam dos necessários 
preparativos da festa? Vem pouco depois a solene comemoração do 
augustíssimo mistério do Corpus Christi. Impossível será oferecer ao 
mesmo amoroso Jesus mais veemente e sincera prova de amor e fé do 
que unir-se a Ele nesse adorável sacramento. Mas quem sabe se alguns 
destes ainda nem ao menos terão dado obediência à Santa Igreja, no 
cumprimento do preceito quaresmal. Atendam seriamente a isto os 
nossos zelosos Cooperadores. É forçoso afugentar dos actos solenes da 
nossa Religião os indignos, quais são os que levam vida escandalosa e 
desonesta, ou mostram nenhuma fé nos sacramentos, dos quais vivem 
afastados. Outrossim chamamos vossa atenção para os abusos, 
predominantes nalgumas paróquias, de se reuniram os confrades ou 
irmãos nas dependências da igreja para aí comerem e beberem, antes 
ou depois da festa. É um feio e lastimoso abuso que tem lançado 
raízes, mas que é de toda a necessidade extirpar de vez, pois que, além 
da indecência, dá lugar a vergonhosas consequências. Relembrem 
nossas admoestações, exaradas na Pastoral da última Quaresma, sobre 
a intemperança, particularmente de bebidas alcoólicas; vicio medonho 
que está fazendo avultado numero de vítimas no presente, com 
espantoso alastramento, no futuro, visto que se transmite fatalmente 
ás novas gerações. A avidez do torpe lucro leva muitos a estabelecerem 
102 
 
vendas de bebidas espirituosas nas imediações da igreja. Há tais 
exploradores que levam a sua audácia ao ponto de se instalarem no 
próprio adro. Necessário é afugentar do templo esses vendilhões, 
recorrendo, se tanto for preciso, à competente autoridade policial, pois 
que assim o exige o respeito que é devido à Religião e aos actos do 
culto. O largo dispêndio que se faz em ornatos e manifestações, quase 
de todo profanas, bem podia reverter em auxílio dos indigentes e 
enfermos da paróquia, como tantas vezes temos ponderado. Que bela 
obra de caridade se faria matando a fome, cobrindo a nudez e dando 
remédios aos míseros que de tudo isto carecem por falta de recursos! 
E deveram, nos espíritos cristãos, estar gravadas em caracteres 
brilhantes aquelas palavras do Evangelho que o supremo Juiz há de 
proferir no dia tremendo do último juízo: Afastai-vos de mim, 
malditos; pois tive fome e não me destes de comer, tive sede e não me 
destes de beber, estava nu e não me cobristes, enfermo e não me 
visitastes. É deveras lamentável que nos belos dias de festa, quando 
todos os moradores da freguesia transbordam de prazer, estejam a 
essa mesma hora alguns lutando com a penúria, a doença e o 
abandono, pois que era tão fácil cercear uma parte módica do grande 
dispêndio em fogos, iluminações e músicas, comidas e bebidas em 
excesso, para acudir aos necessitados. Vejam os reverendos párocos se 
tornam estas verdades bem frisantes, de modo alevar alguma luz aos 
espíritos obcecados de seus paroquianos. Neste momento se trata de 
criar uma obra modesta de caridade, muitíssimo necessária nesta 
terra: um hospício para albergar os desventurados que caíram nas 
trevas medonhas da loucura. Se há doença que nos cause profunda 
lástima e pungente compaixão é esta da perda do juízo. Apagando-se 
no homem a luz da razão, perdeu ele a semelhança com Deus, 
deixando de ser a sua imagem, para ficar rebaixado a uma esfera 
inferior à dos irracionais. É impossível contemplar com indiferença 
este doloroso quadro, um dos mais lancinantes para o coração 
humano. E parece que o mal vai alastrando cada vez mais, impondo-se 
por isso mesmo o impreterível dever de acudirmos a uma obra tão 
necessária e meritória. Podem e devem abrir-se todos os corações à 
compaixão, para assim se envidarem os convenientes esforços para tal 
realização. Às quantias avultadas dos favorecidos da fortuna (e 
devemos confessar que se tem aberto em generosas dadivas muitas 
pessoas) importa unir-se o diminuto óbolo dos que menos possuem; 
sendo certo que o Senhor dá a recompensa na medida da boa vontade 
103 
 
e do sacrifício. Conviria muito que todos os festeiros, já neste ano, 
pusessem de parte alguma quantia para acudir a esta obra sublime de 
caridade. Umas luzes de menos na igreja e no adro, uns sons menos 
estrídulos de granadas e de instrumentos músicos, nada ou pouco 
tirariam ao brilho da festa, e poderiam ser fonte de luz e doce 
harmonia de alguma para os desventurados recolhidos no projectado 
manicómio, tão necessário como urgente. E sem duvida esse 
procedimento dos festeiros atrairá as bênçãos do céu, contribuindo 
para aliviar as dores da terra. Queiram os nossos estimados 
Cooperadores envidar todos os louváveis esforços para se obter algum 
resultado favorável e honroso. Na Câmara Eclesiástica, ou pela 
benemérita comissão, constituída para tal fim, se receberão todos os 
donativos. Permita Deus dar força às nossas palavras, favorecer os 
nossos desejos e abençoar todo o nosso rebanho”. 
1910 
Durante o episcopado de Dom José Correia Cardoso Monteiro (1904-
1910) o culto popular passa a integrar a legislação administrativa 
diocesana. Surgem as taxas às coroações, ou entradas na igreja, ou às 
mudanças das Pombinhas. 
1911 
Algumas das críticas expostas no Relatório remetido, em 1898, ao 
Papa Leão XIII, conjugadas com outras directivas do governo do 
bispado de Dom Francisco José, emitidas sob a forma de Notas, 
Circulares ou Avisos, consubstanciam uma pretensa reforma dos 
Estatutos das Irmandades do Espírito Santo. 
1913 
Intentando laicizar as Irmandades, o Governo da República pretende 
transformá-las em associações cultuais ao abrigo da Lei de Separação 
da igreja e do Estado. Durante o episcopado de Dom António Augusto 
de Castro Meireles (1923-1928) é aligeirada a proibição de coroações 
fora do Tempo Pascal, por meio de uma licença sujeita a taxa, 
proíbem-se as coroações em casas particulares e das mesmas durante 
parte da tarde, se não autorizadas. 
1917 
Entra em vigor legislação que determina a organização e 
funcionamento estatutário do culto religioso e de suas Irmandades 
(ver 1983). 
 
 
104 
 
1923 
O Vigário Capitular, Doutor J. dos Reis Fischer, estatui uma tabela de 
emolumentos paroquiais, em conformidade com a qual “as coroações 
fora do tempo pascal só poderão realizar-se com licença do Ordinário, 
concedida em Alvará da Câmara Eclesiástica, sujeito à taxa de Esc. 
120$00 para Obras Pias”. 
1924 
Dom Helvécio Gomes de Oliveira, Bispo de Mariana (Brasil), proíbe o 
Império do Divino na sua diocese, pretextando os artigos nº 15 e 16 
das resoluções da Conferência Episcopal da Província de Mariana, 
realizada em Juiz de Fora, em Abril de 1923: “Proibimos em absoluto 
os bailes em benefício de Instituições Católicas, bom como outras 
festas beneficentes com jogos de azar ou divertimentos de moralidade 
duvidosa; Proibimos igualmente as festas religiosas com jogos a 
dinheiro, nas praças ou em quaisquer lugares franqueados ao povo, 
determinando aos Rever. Vigários que recorram às autoridades, e no 
caso de nada conseguirem suspendam imediatamente os actos do 
culto, seja na sede da Paróquia seja em capelas.” 
1925 
Provisão de 16 de Abril, do Bispo de Angra, Dom António C. Meireles, 
torna a coroação indissociável da missa (sob pena de multa de Esc. 
60$00 para Obras Pias), reiterando a proibição dos balhos nas 
residências dos Imperadores. Concomitantemente, é promulgada uma 
lei proibitiva da utilização de instrumentos de sopro (flauta, oboé, 
clarinete, fagote, trompete, trombone e tuba) no interior das igrejas, 
com a alegação de serem considerados profanos tais instrumentos. 
1928 
Por decreto de 15 de Maio, o Bispo da Guarda, Dom José Alves 
Matoso, proíbe que as Folias do Espírito Santo, “sendo uma coisa 
inteiramente profana […] se intrometam nos actos religiosos”, 
determinando a interdição ipso facto: “não só dos templos religiosos 
(igrejas e capelas) onde a folia entrar, mas também, neste caso, os 
membros da mesma folia e todas as pessoas que derem causa do 
mencionado interdito”; dos membros da folia, “se esta se incorporar 
em qualquer procissão e em tal caso não poderá esta realizar-se nos 
anos seguintes”, enquanto não expressamente autorizada, incorrendo 
na mesma pena “os fiéis que cooperarem na participação da folia em 
procissão ou actos religiosos”; dos párocos ou quaisquer outros 
sacerdotes que leiam na igreja ou capela os nomes das pessoas “que 
105 
 
hão-de constituir a folia” (Boletim da Diocese da Guarda, v. 13, n. 12, 
Mai. 1928, p. 180). 
 
 
 
 
1934 
O Bispo de Guarajá-Mirim (Rondónia, Brasil) revitaliza a Festa do 
Divino na sua diocese. 
Reforma do Compromisso da Irmandade do Divino Espírito Santo 
sedeada na igreja matriz de Santo António Além do Carmo, em 
Salvador da Baía (Brasil). 
1940 
A Concordata, assinada entre o Estado Português e a Santa Sé, 
permite que associações, ou corporações canonicamente erectas 
tenham personalidade jurídica civil. 
 
 
106 
 
 
 
107 
 
1957 
Animado pelas palavras de Pio XII, quando de uma visita ad Sacra 
Limina Apostolorum, ocorrida neste ano, Dom Manuel Afonso de 
Carvalho dita que se "conserve o que há de bom e faça desaparecer o 
que não convém" nos Impérios. Determina também “restituir à pureza 
primitiva esta tão santa devoção”, para o que manda dotar as 
Irmandades de personalidade jurídica, segundo modelo a enviar a 
cada freguesia. Dispõe ainda que: só haja uma Irmandade em cada 
paróquia, dirigida por uma única mesa; que a constituição dos 
impérios futuros careça de prévia licença episcopal; proibição dos 
divertimentos profanos por ocasião das festas, assim como os cortejos 
com meninas de idade inferior a 12 anos e não decentemente vestidas; 
que as coroações apenas ocorrerão durante o tempo pascal. 
1959 
Por Provisão Episcopal, de 10 de Novembro, o Bispo de Angra do 
Heroísmo, Dom Manuel Afonso de Carvalho, proíbe a Sociedade 
Filarmónica de Santo António, da paróquia de Porto Judeu (Terceira), 
de prestar “serviços em quaisquer festividades ou actos religiosos, bem 
como coroações do Divino Espírito Santo ou diversões promovidas por 
ocasião ou a pretexto de festas religiosas, na ilha Terceira ou noutra 
ilha dos Açores” (Boletim Eclesiástico dos Açores). 
Após ter realizado a segunda visita pastoral a todas as ilhas o mesmo 
prelado publica no dia 19 de Novembro, uma nota na qual refere que 
“não há certamente terra nos Açores, lugar por mais recôndito ou 
afastado onde se não tenha ouvido falar, fiel por mais rude que não 
conheça o Divino Espírito Santo”, sublinhando que “forma exterior 
para manifestar essa caridade acesa nos corações [...] nem sempre e 
em todos os lugares estará conforme à doutrina da Santa lgreja”. 
A Nota Episcopal, O Culto do Divino Espírito Santo nos Açores, 
emanada a 19 de Novembro, na sequência de uma visita pastoral que o 
bispo de Angra efectuara a todas as ilhas do arquipélago, visaa 
Evangelização da devoção ao Paracleto, bem como a regularização e 
regulamentação canónicas coercivas dos Estatutos das Irmandades do 
Espírito Santo. Tal intuito disciplinador suscita um coro generalizado 
de protestos, tendo originado ameaças, conflito e até excomunhões, as 
quais provocam sequelas nunca completamente sanadas. 
1961 
No dia 3 de Abril D. Manuel Afonso de Carvalho publica um 
regulamento das Festas Religiosas, no qual, “com o intuito de que não 
108 
 
se introduza no culto público ou particular qualquer prática 
supersticiosa, estranha à fé, discordante da tradição eclesiástica ou 
que tenha espírito ganancioso”, determina: as festas somente podem 
ser organizadas pelos párocos, reitores ou superiores ou por 
associações e corporações aprovadas pela autoridade. Podem ser 
ajudados por pessoas idóneas de acordo com as normas eclesiais. As 
festas devem ser celebradas segundo as leis disciplinares e litúrgicas e 
segundo o calendário próprio. Proíbe a organização de festas, danças, 
bailados e descantes profanos nessas festas. Estabelece prescrições 
acerca das iluminações e instalações sonoras. Proíbe a organização de 
festas profanas sob "pretexto ou capa da religião", não autorizando as 
filarmónicas a prestarem serviços para estas festas ou para aquelas 
que não forem autorizados pelo pároco ou reitor da Igreja, sob pena de 
ficarem proibidas de tomar parte em outras festividades. 
A 6 de Junho o bispo de Angra, Dom Manuel Afonso de Carvalho, 
declara “extintas todas as irmandades, confrarias ou Impérios que não 
têm ao presente estatutos canonicamente aprovados”, i. e., todas 
aquelas não constantes da lista seguinte: concelho de Angra do 
Heroísmo: Altares (contestou), Doze Ribeiras, Feteira, Porto Judeu, 
Raminho, Ribeirinha, Santa Bárbara, S. Bartolomeu, S. Sebastião, 
Serreta, Terra Chã; concelho de Praia da Vitória: Agualva, Biscoitos, 
Cabo da Praia, Casa da Ribeira, Fonte do Bastardo, Fontinhas, Lajes, 
Porto Martins, Praia da Vitória, Quatro Ribeiras, S. Brás, Santa Luzia 
(contestou), Vila Nova; concelho de Santa Cruz da Graciosa: 
Guadalupe, Luz, Ribeirinha, Santa Cruz da Graciosa, S. Mateus da 
Praia, Vitória; concelho da Calheta (S. Jorge): Biscoitos, Caldeira do 
Santo Cristo, Fajã dos Vimes, Norte Pequeno, Ribeira Seca, Santo 
Antão do Tojo, Topo; concelho de Velas (S. Jorge): Beira, Norte 
Grande, Ribeira da Areia, Rosais, Santo Amaro, Santo António, 
Urzelina, Velas. 
Decorre, entretanto, um processo judicial no Tribunal Eclesiástico 
envolvendo as irmandades, lideradas por Adalberto Pinheiro de 
Bettencourt. Os recursos seguem até à Sagrada Congregação para o 
Concílio, cuja resposta do cardeal Ciriaci determina: “os recursos não 
são admitidos; o bispo procurará tornar ciente disto os concorrentes, 
que deverão obedecer plenamente às terminações do Ordinário do 
lugar, emitidas para restaurar no espírito católico as festas do Espírito 
Santo”. 
 
109 
 
1978 
Exposição O Culto do Espírito Santo e a Festa dos Tabuleiros (15-23 
Julho), na Biblioteca Municipal de Tomar, comissariada por Manuel J. 
Gandra. 
 
 
 
Foliões do Divino, óleo de Zumblick (Santa Catarina, Brasil) 
 
 
1980 
Exposição O Culto do Espírito Santo, em Santarém, comissariada por 
Manuel J. Gandra. 
110 
 
1983 
Em resultado da renovação conciliar do Vaticano II começa a vigorar 
novo Código de Direito Canónico que cataloga as Confrarias como 
associações de fiéis, públicas e privadas (ver 1917). 
1984 
II Colóquio Internacional de Simbologia (Angra do Heroísmo, 13 a 19 
Junho) subordinado ao título Os Impérios do Espírito Santo e a 
Simbólica do Império. 
1989 
Congresso sobre o Culto do Espírito Santo, promovido pela Casa dos 
Açores, na Biblioteca Nacional (Lisboa, 19 e 20 Maio). 
1990 
Exposição O Império do Divino Espírito Santo, no Centro de Estudos 
Históricos e Etnográficos Professor Raúl de Almeida (Mafra, 3 Junho 
a 16 Setembro), comissariada por Manuel J. Gandra. 
1991 
Exposição O Império do Divino Espírito Santo (4 Julho a 15 
Setembro, na Sala das Cortes do Convento de Cristo, em Tomar, 
comissariada por Manuel J. Gandra. 
1997 
Exposição O Culto do Espírito Santo em Portugal (21 Setembro) e 
Colóquio O Culto do Espírito Santo na Rota das Descobertas (23 
Setembro) no âmbito das Festas do Império de São Carlos (Terceira), 
comissariada por Manuel J. Gandra. 
D. António de Sousa Braga, bispo de Angra do Heroísmo, propõe-se 
“renovar a Diocese nas suas comunidades e em especial os sectores da 
família e da juventude numa abertura ao Espírito Santo e em 
fidelidade ao Concílio Vaticano II”. A atenção especial da Igreja 
Açoriana ao Espírito Santo consubstancia-se na realização de acções 
de catequese sobre o tema: duas semanas bíblicas e duas jornadas 
jubilares teológico-pastorais diocesanas sobre o Espírito Santo, além 
de acções de esclarecimento sobre a devoção popular do Espírito 
Santo e os caminhos da missão a abrir nas ilhas dos Açores. 
1998 
Colóquio no âmbito das Grandes Festas do Divino Espírito Santo da 
Nova Inglaterra (21 Agosto), em Fall River (Massachusetts, USA). 
II Congresso do Espírito Santo (Covilhã-Fundão, 12-14 Junho). 
Na Nota Pastoral O Império do Espírito Santo, de 15 de Março, o 
bispo de Angra, Dom António de Sousa Braga, realça o valor da 
111 
 
religiosidade popular e dos valores da irmandade e partilha presentes 
no culto do Divino Espírito Santo. 
1999 
I Congresso Internacional das Festas do Divino Espírito Santo (19 a 
23 Maio), no Auditório da Reitoria da Universidade Federal de Santa 
Catarina (Florianópolis, Brasil). 
A Festa dos Tabuleiros é integrada no projecto Europeu Les Fêtes du 
Soleil, do programa comunitário Euromed Héritage, de apoio a 
festividades dos países mediterrânicos (Europa, Próximo Oriente e 
Norte de África). 
Forum das Festas ligadas ao Espírito Santo, na Biblioteca Municipal 
de Tomar. 
 
 
 
 
Insígnia do Divino (Brasil) 
112 
 
2000 
Na preparação para o Jubileu de 2000, Dom António de Sousa Braga 
reporta-se diversas vezes ao Espírito Santo e ao culto açoriano, 
realçando a importância de “não destruir, não menosprezar ou 
censurar as atitudes do bom povo, mas orientá-lo e formá-lo nos 
princípios da verdadeira doutrina”. Reconhece que este culto é um 
forte baluarte contra o secularismo, visto radicar na comunidade 
cristã, fundada na fundamental igualdade de todos os baptizados e não 
se esgotar na Instituição. 
2001 
O Directório para o culto divino e da Disciplina dos Sacramentos, de 
17 de Dezembro, reconhece as confrarias e atribui-lhes personalidade 
jurídica pública, reservando, contudo, para a autoridade eclesiástica 
competente a erecção de associações de fiéis que “se proponham […] o 
incremento do culto público” (canon 301 § 1). 
Resolução do Governo Regional dos Açores no sentido de encetar os 
procedimentos necessários com vista à classificação das Festas do 
Divino como Património da Humanidade. 
2002 
A UNESCO recusa inscrever as Festas do Divino Espírito Santo dos 
Açores como Património Imaterial da Humanidade. 
Victor Manuel da Silva Alves, jornalista da RTP-Açores, denuncia no 
Ciclo de Cultura Açoriana (Setembro), as reiteradas e persistentes 
tentativas por parte da Igreja no intuito de proceder à evangelização 
de certos ritos tradicionais do Império, alertando também para os 
obstáculos criados pela legislação comunitária à continuidade das 
mesmas práticas. 
A Escola de Samba Os Académicos do Grande Rio dedica o enredo do 
Carnaval 2002 ao Império do Divino. 
2003 
Forum A Festa dos Tabuleiros e o Culto do Espírito Santo (6-8 
Junho), no Anfiteatro do Instituto Politécnico de Tomar. 
2004 
Em Nome do Espírito Santo: História de um Culto, Exposição e 
Colóquio promovidos pela Torre do Tombo. 
O Império da Serra – Reflexão sobre as Festividades em Louvor do 
Divino Espírito Santo (2 Outubro), na sede da Tuna Euterpe União 
Penedense (Penedo, Sintra). 
 
113 
 
2005 
Congresso Internacional O Divino Espírito Santo – A História e a 
Festa (Santarém, 26– 28 Maio). 
2006 
A Escola de Samba Império Serrano desfila no Carnaval carioca com o 
Enredo O Império do Divino do carnavalesco Paulo Menezes e texto 
de Marcos Roza. 
2007 
Matilde Sousa Franco, deputada da Assembleia da República e 
membro da Comissão de Negócios Estrangeiros e Comunidades 
Portuguesas é mandatada para emitir Parecer sobre a Proposta de 
Resolução para a Salvaguarda do Património Cultural Imaterial, 
adoptada na 3ª Sessão da Conferência Geral da UNESCO, realizada 
em Paris, a 17 de Outubro de 2003 (Proposta de Resolução 63/X do 
Governo, de 23 de Agosto de 2007). O Parecer é entregue a 3 de 
Dezembro. 
2008 
Na Sessão Plenária n. 39 (24 de Janeiro de 2008), a Assembleia da 
República aprova por unanimidade (PS, PSD, PCP, CDS-PP, BE, PEV) 
a Proposta de Resolução 63/X, bem assim como o Parecer emitido 
pela deputada Matilde Sousa Franco, o qual propõe a Candidatura do 
Fado e das Festas do Divino Espírito Santo a Património Imaterial da 
Humanidade (Diário Assembleia da República e Diário da República, 
s. 1, n. 60, 26 Mar. 2008, p. 1685-1704). 
2009 
Colóquio Espírito Santo: Criação de Imagens e Expansão da Festa, 
nos Paços do Concelho de Alenquer (30 Maio). 
2010 
A 13 de Maio, as festas do Divino Espírito Santo de Pirenópolis (Goiás, 
Brasil) são inscritas pela UNESCO como Património Imaterial da 
Humanidade. 
2012 
Colóquio Festa dos Tabuleiros em honra do Divino Espírito Santo - 
“Vivência e Sobrevivência” (17 Março), na Biblioteca Municipal de 
Tomar. 
V Congresso Internacional sobre as Festas do Divino Espírito Santo 
(Angra do Heroísmo). 
114 
 
Um grupo de investigadores açorianos prepara a candidatura das 
Festas do Divino Espírito Santo a Património Imateral da 
Humanidade. 
Os participantes do 1º Seminário sobre o Imaginário Luso-Afro-
Brasileiro, realizado em Brasília (10-12 Setembro) aprovam a seguinte 
resolução: “Considerando o forte cunho identitário e difusão quase 
planetária da devoção do Império do Divino Espírito Santo, originado 
durante o século XIII em Portugal, propõe-se a criação de um grupo 
de trabalho com a incumbência de promover todas as acções tendentes 
à apresentação à UNESCO de uma candidatura visando a classificação 
do Culto do Império do Espírito Santo como Património Imaterial da 
Humanidade”. 
2016 
Congresso Internacional do Espírito Santo – Génese, evolução e 
actualidade da Utopia da Fraternidade Universal, realiza-se em 
Coimbra (16 e 17 de Junho), Lisboa (14 e 15 de Setembro) e Alenquer 
(16, 17 e 18 de Setembro). 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
O IMPÉRIO DO DIVINO 
NA AMAZÓNIA 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
117 
 
 
 
 
 
 
Os espanhóis Francisco de Orellana (1539-1542) e Pedro 
Ursua (1561) foram os primeiros a descer o rio Amazonas. 
A colonização portuguesa iniciou-se no sentido oposto, 
com a edificação de um fortim por Pedro Teixeira, em 1637, no 
delta do rio. 
Doravante, legiões de missionários e sertanistas em 
busca de fama, de riqueza e de aventura haviam de percorrer a 
bacia do grande rio, bem como as dos seus afluentes. No ano de 
1669, surgia, anexa ao fortim de S. José do Rio Negro, a 
primitiva Manaus, a partir de 1791, capital da então capitania, 
transferida de Mauiá, antigo aldeamento carmelita, entretanto 
baptizado Barcelos. 
 A cidade de Macapá (Amapá), implantada sob a 
protecção da fortaleza homónima, cuja construção foi encetada 
em 1764, tornar-se-ia, tal como as áreas adjacentes, destino de 
163 famílias de colonos maioritariamente oriundos dos Açores e 
da praça marroquina de Mazagão, a partir de 1770. 
 Todavia, grande parte do contingente açoriano 
destinado a Macapá, atormentado por febres malignas, preferiu 
subir o rio Amazonas e radicar-se na já então vila de Barcelos, 
capital da Capitania de São José do Rio Negro, hoje o Estado do 
Amazonas. 
Assim, começou a colonização sistemática da Amazónia 
e, como haverá ensejo de constatar, a procedência dos colonos 
tornar-se-à a chave-mestra para o entendimento das 
características peculiares assumidas pela devoção paraclética 
em toda a região. 
Com a independência do Brasil (1822), o Amazonas seria 
transformado em comarca do Pará. Para lograr o estatuto de 
província autónoma, envolver-se-ia numa guerra civil, que teve 
o seu epílogo 1850, quando as suas pretensões foram 
definitivamente reconhecidas pelo parlamento brasileiro. 
118 
 
Na actualidade, a bacia amazónica abarca nove Estados 
Brasileiros, os quais constituem a denominada Amazónia Legal, 
correspondendo, globalmente, a uma superfície de 5217423 
quilómetros quadrados, i. e., 61% do território do Brasil. 
Amapá, Amazonas e Roraima ocupam o Coração da 
Amazónia, Acre, Maranhão (a Oeste do meridiano 44º O), Mato 
Grosso, Pará, Rondónia e Tocantins delimitam-na enquanto sua 
periferia. 
Apenas nos Estados de Acre e do Roraima o culto do 
Divino não tem expressão, apresentando-se com enorme 
vitalidade nos demais, como o presente roteiro visa 
documentar. 
 
 
* 
* * 
 
Os verbetes constantes deste roteiro reproduzem, com 
ligeiras simplificações, os inclusos no volume I (único até à data 
publicado) do Dicionário do Milénio Lusíada, ou destinam-se 
aos volumes subsequentes ainda inéditos. 
 
 
 
 
 
Normas seguidas na elaboração do Império do Divino na Amazónia: 
 
1. Adoptou-se uma organização por ordem alfabética; 
2. O asterisco (*) indica a remissão da palavra assinalada para outro lexema ou para 
artigo específico; 
3. Quanto ao critério ortográfico: para facilitar a leitura e tornar acessíveis os 
documentos e fontes incluídas, procedeu-se à actualização da sua grafia e pontuação, 
com o cuidado de não fazer qualquer alteração ortográfica que possa ferir a prosódia, o 
ritmo ou a rima. Serão sempre referenciadas as cotas e os respectivos Arquivos ou 
Bibliotecas. 
119 
 
 
AMAPÁ 
 
 
 
 
O território deste Estado, culturalmente a ”Guiana Brasileira”, 
visto denotar afinidades afro-ameríndias com a Guiana Francesa e 
com o Suriname, foi destacado do Pará, em 1943. 
A colonização portuguesa da região remonta ao ano de 1616, 
tendo ficado assinalada, num primeiro momento, por conflitos 
120 
 
militares com os ingleses e os holandeses, estabelecidos em posições 
fortificadas e feitorias a partir das quais exploravam as drogas nativas. 
Em 1631, Jácome Raimundo de Noronha e Pedro da Costa Favela 
conquistaram o forte de Cumau (actual Macapá). Entre 1646 e 1648, 
lograram destruir as fortificações holandesas próximas do Cabo Norte 
e da margem esquerda do Amazonas. 
Por seu turno, também os franceses cobiçaram a região, sendo, 
repelidos pelo governador do Maranhão, António de Albuquerque 
Coelho de Carvalho. 
O Tratado de Utrecht, assinado em 1713, havia de estabelecer o 
rio Oiapoque como fronteira entre a Guiana Francesa e o Brasil. 
Todavia o diferendo, por vezes, recorrendo à força das armas, sobre a 
jurisdição deste imenso território arrastar-se-ia até 1 de Dezembro de 
1900, data em que o Brasil entrou definitivamente na posse dele. 
Os festejos em louvor do Paracleto assumem no Amapá duas 
facetas impares, ambas sincréticas, sem embargo, as duas expressão 
genuína da enraízada devoção ao Divino no seu âmbito territorial. 
Consubstanciam-se elas na Festa Grande dos Karipuna, comunidade 
ameríndia concentrada ao longo do rio Curipi (afluente do Uaçá), e no 
Ciclo do Marabaixo, cuja vitalidade é notória na sede estadual, 
Macapá, especialmente nos bairros do Laguinho, e da Favela, e nas 
cidades de Curiaú, Igarapé do Lago, ao invés de Mazagão Velho, onde 
se extingiu por completo. 
Durante o evento são consumidas iguarias típicas, como, entre 
outras: o beijo-de-moça, o beijus, o quindim, a rosquinha, o mingau de 
banana e o de farinha de tapioca, a par da degustação da gengibirra, 
bebida oficial do Marabaixo. 
 
Bibliografia 
ASSUNÇÃO, Paulo de, Mazagão: cidades em dois continentes, in Usjt – 
arq.urb., n. 2 (2º semestre 2009), p. 22-55; MORAIS FILHO,Melo, Festas e Tradições 
populares do Brasil, S. Paulo, 1979 [ed. princeps: 1893]; OLIVEIRA, Maria do Socorro 
dos Santos, Religiosidade popular em comunidades estuarinas amazónicas: um estudo 
preliminar do Marabaixo no Amapá, in Scripta Nova, n. 45 (49) (1 Ago. 1999); REIS, 
Arthur C. F., Os Açorianos na empresa do Brasil, in Ocidente, v. 59, n. 271 (Nov. 1960), 
p. 259-270; TASSINARI, Antonella Maria Imperatriz, Contribuição à História e à 
Etnografia do Baixo Oiapoque: a composição das famílias e a estruturação das redes 
de troca [tese de Doutoramento apresentada ao Departamento de Antropologia Social 
da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo], 
São Paulo, 1998 
 
 
121 
 
Açaizal 
Uma das quatro mais importantes aldeias, sitas nas margens do rio 
Curipi (Área Indígena do Uaçá, Amapá), onde habita parte 
considerável da população indígena que, actualmente, se define como 
*Karipuna. 
 
Almoço dos Inocentes 
Espécie de bodo oferecido às crianças do Bairro da *Favela (Santa 
Rita), em *Macapá (Amapá), onde a Santíssima Trindade constitui a 
devoção principal. *Mesa dos Inocentes. 
 
Bairro da Favela 
*Favela, *Santa Rita. 
 
Bairro do Laguinho 
*Laguinho. 
 
Bandeirista 
Designação do condutor da bandeira do Divino em *Mazagão Velho 
(Amapá), competindo-lhe “puxar o grupo de festeiros”. Função que, 
nas Beiras (Portugal), se designa pelo termo *alabardar. 
 
Batuque 
Na bacia amazónica, o termo designa práticas religiosas afro-
brasílicas. Apesar das características singulares da música tradicional 
das comunidades de origem africana do Amapá, é nos batuques 
amapaenses que mais se evidenciam as especificidades dessa herança, 
de notória índole bantu. Convém, no entanto, não enquadrar as 
heranças musicais afro-amapaenses numa perspectiva exclusivamente 
africana, porquanto são óbvios os paralelismos tanto com o Norte e o 
Nordeste do Brasil, como, igualmente, com as Guianas holandesa e 
francesa. Resta apurar se a componente africana das manifestações 
amapaenses em apreço aportou directamente à bacia do Amazonas, ou 
se procedeu de outros estados, como o Pará e o Maranhão, 
eventualmente, até de Pernambuco e mesmo da Baía. O batuque de 
Amapá, especialmente o de *Curiaú, diverge em bastos aspectos dos 
batuques meridionais, em virtude da presença de grandes pandeiros, 
tocados em grupos de três ou quatro, acompanhando dois tambores 
cilíndricos, construídos a partir de troncos de árvore, tombados no 
122 
 
chão e montados pelos seus percussionistas. Tal é também a 
configuração adoptada pelos conjuntos de três tambores no batuque 
do *Igarapé do Lago, localidade onde um dos instrumentos é 
percutido na sua parte posterior por um segundo tocador munido de 
duas baquetas. Acresce ainda a circunstância de a nomenclatura dos 
instrumentos variar consoante a comunidade. Por exemplo, em 
Igarapé do Lago, o tambor maior é denominado cupiúba, enquanto 
macaco e macaquinho são os nomes dos demais. O batuque de 
Igarapé do Lago ainda se destaca pelo raspador (tipo reco-reco), e pela 
taboca, grande chocalho também designado xeque-xeque. No batuque 
de Curiáu os dois tambores cilíndricos são denominados marcador e 
dobrador, ou, ainda, marcador e repinique. Os gritos e os saltos 
constituem características distintivas da coreografia do batuque. 
 
 
 
 
Batuque de Curiaú 
 
 
Beijo de moça 
Iguaria típica da festa do Divino no Amapá. 
123 
 
Beijus 
Iguaria típica muito consumida durante os festejos em honra do 
Divino no Amapá (*Amazonas, *Tucupi). 
 
Bodjê 
Patois para Bon Dieu. Nome do Divino entre os índios *Karipuna, 
concentrados ao longo do rio Curipi, no Norte do Estado de Amapá. 
 
 
 
 
Caixa 
Tambor confeccionado por um "mestre". Tocar um destes 
instrumentos num ritmo intenso e ininterruptamente durante mais de 
dez horas, não só evidencia um dom artístico, como, sobretudo, 
consubstancia um gesto de fé e louvor. Nas comunidades de *Mazagão 
e nos bairros da *Favela e do *Laguinho (*Macapá) e respectivas 
imediações, predominam os tambores do tipo bombo (ou caixa 
grande), carregados pelos músicos e percutidos com duas baquetas. Os 
percussionistas, geralmente dois, desempenham, concomitantemente, 
o papel de dançarinos e de puxadores de *ladrão, uma vez que a 
comunidade dança em grupo, acompanhando o movimento circular, 
anti-horário, dos percussionistas e responde em coro aos versos 
124 
 
puxados por um deles. No *Ciclo do Marabaixo, tocar caixa era, 
outrora, função exclusivamente masculina. *Batuque. 
 
Cânticos Karipuna 
Os *Karipuna entoam cânticos, ou “cantos” para assinalar cada etapa 
dos festejos do Divino, a saber: De oferecimento da Ladainha; De 
encerramento da Ladainha; Para fazer a Ladainha “pegar”; De 
Alvorada (ou Galo Preto); De Ave-Maria (do Bom dia); Para buscar 
o Mastro; De rodear o Mastro; De saída do Santo; Da entrada da 
Meia-Lua; De oferecimento da Mesa; De rodear o Mastro; De 
entrada; De entregar a Bandeira; etc. 
Os cânticos Para rodear o Mastro e De oferecimento da Mesa (dos 
Inocentes) e, enfim, todos aqueles que se reportam à imagem do 
Divino finalizam com o verso "que é um retrato" e são realizados na 
sua presença, sendo a imagem em apreço colocada nos quatro cantos 
do mastro ou da mesa, rodeando, literalmente, o objecto, como para o 
proteger, e ao espaço que ocupa, de influências nefastas. Esse costume 
não é exclusivo desta comunidade, porquanto é mencionado por 
Moraes Filho (1893) como ocorrendo nas Festas do Divino da 
província do Rio de Janeiro, no século XIX. 
 
Casa da Festa 
O *Ciclo do Marabaixo dura aproximadamente sessenta dias e centra-
se na casa de um devoto, por esse motivo denominada Casa da Festa. 
Mas nem sempre foi assim. 
Até cerca de 1950, antes das campanhas anti-Marabaixo promovidas 
pelo padre Júlio Lombaerd, a festa decorria na praça diante da matriz 
e catedral de São José de Macapá. Foi em consequência de haver sido 
banida desse local que seria acolhida em casa de Julião Ramos, um 
dos “zeladores da tradição”. Após a sua morte, em 1958, a Sociedade 
do Marabaixo, composta por mordomos e novenários desapareceu e 
quase tudo se perdeu: “Hoje raramente alguém (do sexo masculino) 
arrisca-se jogar uns passos da carioca, num salão, sob o ritmo do 
dobrado ou galinha choca, como era chamada antes” (cf. Fernando 
Canto, A água benta e o Diabo, Macapá, 1998, 2ª ed., p. 30). 
Na actualidade, em *Macapá, o espaço destinado aos afazeres 
profanos e ao *Marabaixo é um grande pátio construído na casa do 
festeiro, com bancos a toda a volta, que se estende desde a porta 
principal até ao exacto eixo da rua.. É aí que se dança nos dias de festa, 
125 
 
bem como nos dias destinados aos bailes populares. No derradeiro dia 
de cada ciclo anual, o devoto que pegar nas bandeiras quando da 
“derrubada dos dois mastros”, compromete-se perante a comunidade 
a disponibilizar a própria casa para sede do Marabaixo seguinte. 
Hodiernamente, nos bairros do *Laguinho e da *Favela existe um 
rodízio praticamente fixo, combinado entre os devotos no que respeita 
aos festeiros das festas vindouras, bem como quanto à organização e 
distribuição das tarefas a desempenhar antes, durante e depois do 
Marabaixo, invariavelmente a cargo dos organizadores mais 
experientes e do festeiro em funções. *Folia do Marabaixo. 
 
 
 
Catuaba 
Bebida obtida a partir dos frutos da planta homónima (Erythroxylum 
catuaba), considerada um tónico do sistema nervoso central, à qual 
são creditadas propriedades vasodilatadoras e afrodisíacas. 
 
Ciclo do Marabaixo 
Evento anual, com a duração aproximada de sessenta dias: inicia-se 
no Sábado de Aleluia (que antecede o domingo de Páscoa) e culmina 
126 
 
no dia 10 de Junho, atingindo o seu auge durante o Pentecostes. 
Centra-se na casa de um devoto, por esse motivo denominada *Casa 
da Festa. No último dia da festa de cada ciclo anual, o devoto que 
pegar nas bandeiras quando da “derrubada dos dois mastros”, 
compromete-se perante a comunidadea disponibilizar a própria casa 
para sede do Marabaixo seguinte. *Festa do Marabaixo. 
 
Colheita da murta 
A murta é uma ramagem verde, colhida, enquanto entoam cânticos, 
pelas mulheres devotas do bairro do *Laguinho, as quais se deslocam, 
propositadamente para esse efeito, às matas dos arredores da cidade 
de *Macapá (Amapá), na *Quarta-feira da murta. A murta destina-se a 
revestir os dois mastros, do Divino (*Quinta-feira da Hora) e da 
Santíssima Trindade (*Segunda-feira do Mastro). 
 
 
 
Transporte do mastro pelos festeiros do Laguinho (Macapá) 
 
 
Cortação do mastro 
No bairro do *Laguinho, em Macapá (Amapá), o corte do mastro 
ocorre no *Sábado do mastro (5º após o domingo de Páscoa). Nos 
127 
 
arredores da cidade é cortada uma árvore (uma macumbeira ou um 
ananaseiro), logo transportada para perto da *Casa da Festa, para ser 
erguida diante dela, no dia seguinte (*Domingo do Mastro). 
 
 
 
 
A tia Natalina beija a Coroa do Divino no Cortejo da Murta de 2014 
 
 
Cortejo da murta 
Em entrevista que concedeu em 2004, Raimundo Lino Ramos, Mestre de 
Marabaixo conhecido como Mestre Pavão, declarou que a murta [da 
128 
 
Trindade] simboliza a pomba do Divino Espírito Santo, uma vez que 
“quando Jesus mandou a pomba à terra, antes, mandou o urubu. O 
urubu veio, deu com a carniça e ficou. Ele mandou a pomba, a pomba 
veio ver se tinha terra. Tinha terra e tinha mata. Então a pomba levou 
um ramo de flor no bico. Essa flor é o significado da murta” (cf. Sheila 
Mendes Accioly / Sandro Guimarães de Salles, Marabaixo: 
Identidade social e Etnicidade na Música Negra do Amapá). 
 
 
 
 
Cortejo da murta (Curiaú) 
 
Cozidão 
Caldo de carne, ou ensopado típico do *Marabaixo do bairro do 
*Laguinho (*Macapá), confeccionado com carne desfiada, diversos 
vegetais e frutas. Depois de dançarem o Marabaixo nas residências 
que visitam em *Mazagão, os foliões são recebidos com caldo de carne 
e *gengibirra. 
 
Curiaú 
Localidade de assinalável beleza bucólica, distante de *Macapá 
(Amapá) cerca de uma dezena de quilómetros. Habitada pelos 
129 
 
descendentes dos escravos africanos que, a partir de 1764, 
participaram na edificação da Fortaleza de São José, na foz do rio 
Amazonas, diante da cidade de Macapá e, posteriormente, se 
tornaram foragidos, protagonizando um *quilombo. *Tucunaré 
assado, camarão no bafo, *gengibirra, banho no lago, *Marabaixo e 
*batuque, são algumas das tradições remanescentes do quilombo de 
Curiaú. 
 
 
 
 
Marabaixo, em Curiaú 
 
130 
 
Aqui, o *Ciclo do Marabaixo, em homenagem ao Divino Espírito 
Santo, ocorre, anualmente, depois da Quaresma (desde Sábado de 
Aleluia) e dura dois meses (até ao Pentecostes). Os devotos dançam 
durante horas, em círculo, ao ritmo de tambores. A energia de que 
necessitam é-lhes dispensada pela *gengibirra, bebida típica 
preparada a partir de gengibre ralado, cachaça e açúcar. O clímax da 
festa coincide com o *Encontro dos Tambores, quando cada grupo de 
dançadores exibe o respectivo mastro enfeitado com flores e a 
Bandeira do Espírito Santo no topo. 
 
Derrubada do mastro 
O derrube dos dois mastros erguidos nos bairros da *Favela e do 
*Laguinho, em *Macapá (Amapá) durante os festejos do Divino 
ocorre, pontualmente, às 6 da tarde do derradeiro dia do ciclo anual 
do *Marabaixo, denominado *Domingo do Senhor (9º domingo após 
a Páscoa, imediatamente a seguir à quinta-feira em que se celebra o 
Corpo de Deus). Trata-se de uma tarefa exclusivamente masculina. A 
dança é interrompida durante a operação, sendo retomada 
imediatamente após o termo dela. 
 
Domingo da Trindade 
Missa pela manhã na igreja do bairro do *Laguinho, em *Macapá 
(Amapá). À tarde faz-se a *Quebra da Murta. Os participantes saem 
pelas ruas dançando, cantando e soltando foguetes, desta feita na 
companhia da bandeira da Santíssima Trindade. À noite, é rezada a 
última ladainha em louvor da Santíssima Trindade. Segue-se um baile, 
que só termina na *Segunda-feira do Mastro. 
 
Domingo de Páscoa 
Também dito de Aleluia. Primeiro *Marabaixo do ano no bairro do 
*Laguinho, em *Macapá (Amapá). Começa com missa na igreja de São 
Benedito. Dança-se o Marabaixo pela manhã e à tarde, em casa do 
festeiro (*Casa da Festa). 
 
Domingo do Divino Espírito Santo 
Também denominado * Murta da Trindade. No bairro do *Laguinho, 
em *Macapá, dança-se o Marabaixo. As *ladainhas duram mais uma 
semana. 
 
131 
 
Domingo do mastro 
Quinto domingo após o de Páscoa. É erguido o primeiro *Mastro. No 
domingo de Pentecostes, antigamente o derradeiro do *Ciclo do 
Marabaixo, o festeiro fazia erguer um segundo Mastro, enfeitado. Nos 
bairros da *Favela e do *Laguinho, em *Macapá, tal ainda ocorre, mas 
na 8ª segunda-feira após o domingo de Páscoa (segunda-feira da 
Santíssima Trindade, aqui designada *Segunda-feira do Mastro). 
 
 
 
132 
 
Domingo do Senhor 
Nono domingo após o de Páscoa (imediatamente a seguir à quinta-
feira em que se celebra o Corpo de Deus). É o derradeiro dia do ciclo 
anual do *Marabaixo, no bairro do *Laguinho (*Macapá). Os 
participantes dançam até às 6 da tarde, hora exacta da *Derrubada do 
Mastro (de ambos os mastros, do Divino e da Santíssima Trindade), 
tarefa exclusivamente masculina. O festeiro vindouro posiciona-se 
próximo das bandeiras que se acham no topo dos mastros para recebê-
las. A dança recomeça, encaminhando-se para casa do devoto 
guardião do testemunho, prosseguindo pela noite fora, até de 
madrugada, junto à *Casa da Festa do ano seguinte. 
 
 
 
 
 
Encontro de tambores 
Clímax do *Ciclo do Marabaixo, em *Curiaú, durante o qual cada 
grupo de devotos exibe o respectivo mastro, enfeitado com flores e 
encimado por uma bandeira do Espírito Santo. Em 1995 (com 
133 
 
reedições nos anos de 1996 e de 1998), a comunidade de Curiaú, 
organizou um grande evento cultural, que denominou Encontro dos 
Tambores, reunindo as principais manifestações negras amapaenses. 
A iniciativa deu origem a uma primeira colectânea de registos sonoros 
do *Batuque, do *Marabaixo, do *Sairé e *Zimba do Amapá. 
 
Espírito Santo 
Aldeia central dos *Karipuna, para a qual converge toda a 
comunidade quando se trata de festejar o Divino. Nas demais aldeias 
dos Karipuna, existe a função do "responsável pelo culto e pela 
capela", geralmente preparado para o efeito pelo CIMI (Conselho 
Indigenista Missionário). Nesta aldeia faz-se uma distinção entre 
aqueles que se responsabilizam pela capela durante o tempo comum e 
aqueles encarregados dela durante os festejos do Divino. No segundo 
caso, fala-se de uma preparação realizada com os "antigos", no começo 
do século XX. 
 
 
 
Topo da bandeira do Divino do bairro da Favela 
 
Favela 
Bairro de *Macapá, actualmente denominado de *Santa Rita, 
por influência da Igreja Católica. A *Santíssima Trindade dos Inocentes 
(*Marabaixo das crianças) constitui a devoção principal desta 
134 
 
comunidade, durante os meses de Março/Abril. O evento, organizado 
pela Associação Folclórica Marabaixo da Favela, inclui o *Almoço 
dos Inocentes, espécie de *bodo oferecido às crianças. 
 
Festa do Marabaixo 
Denominação da Festa do Divino, em *Curiaú. Sinónimo de *Ciclo do 
Marabaixo. Ocorre, anualmente, desde Sábado de Aleluia (anterior ao 
domingo de Páscoa) e dura cerca de dois meses (até ao Pentecostes). 
Os devotos dançam em círculo ao ritmo de tambores. O clímax dos 
festejos é atingido durante o *Encontro de tambores, ocasião em que 
cada grupo de dançarinos exibe o respectivo *mastro enfeitado com 
flores e uma bandeira do Divino no topo. Durante os festejos, há 
generosa distribuição de bebidas, principalmente *mucura e 
*gengibirra. 
 
 
 
Marabaixo em Curiaú (década de 1950) 
135 
 
 
 
Marabaixo em Curiaú 
 
 
Festa do Sairé 
Também denominada *Zimba. Há quem advogue tratar-se de uma 
reminiscência dos fastos das cortes europeias (propondo sairé 
enquanto corruptela do francês soiré). Segundo alguns relatos 
estendia-se, outrora, a toda a região amazónica,desde o Estado do 
Amazonas até o do Amapá, embora com semântica e calendário 
variáveis, consoante o local onde ocorria. Podia até ser organizada 
para comemorar o Natal. Em *Alter do Chão (Pará) chegou a efectuar-
se com o fito de obter protecção para as colheitas. Actualmente, 
apenas subsiste em Alter do Chão, onde é reatada anualmente, 
durante o mês de Setembro (até 1997, no de Julho). 
 
Festa Grande 
A Festa do Divino é considerada pelos *Karipuna como a sua festa 
maior, La Ghã Fet, como a designam, em patois. Os festejos mais 
136 
 
importantes duram duas semanas (o ciclo inicia-se antes de quarta-
feira de Ascensão, terminando após o domingo de Pentecostes) e 
congregam na aldeia do *Espírito Santo todos quantos ainda se 
revêem nas tradições da "comunidade do Curipi”. As restantes aldeias 
despovoam-se então, pois quase todas as famílias do Curipi se dirigem 
para o lugar central desta devoção. Também aqueles que se 
consideram Karipuna mas residem fora do Curipi, quer em aldeias do 
Uaçá ou do Oiapoque, quer nas cidades vizinhas de Oiapoque e Saint 
Georges, têm a aldeia do Espírito Santo como destino obrigatório 
nesta efeméride. De tempos em tempos, os radicados em cidades mais 
remotas, tais como Caiena, Macapá ou Belém do Pará, retornam para 
festejar e pagar alguma promessa ao Divino. As Festas do Divino 
realizadas no Rio Curipi não assumem a forma de Império, vigente 
nas demais regiões do Brasil (Moraes Filho, 1893). A *Mesa dos 
Inocentes é o momento da festa Karipuna com mais paralelismo com 
o rito do Império, correspondendo, salvaguardadas as devidas 
distâncias, ao bodo do Espírito Santo. A Antonella Tassinari é devida a 
mais minuciosa descrição do rito do Divino entre os Karipuna, razão 
porque transcrevo da sua tese de doutoramento o capítulo que se lhe 
reporta: 
 
“A Festa do Divino, como outras festas Karipuna, parece não ter 
um ponto exacto de início ou de encerramento. Quando um mastro é 
levantado, ele vem efectivar uma promessa realizada no ano anterior, 
e quando é derrubado, encerra a festa daquele ano, mas já anuncia 
uma nova festa para o ano seguinte. De facto, as preparações para os 
festejos do Divino se iniciam um ano antes de sua comemoração. Com 
o término de uma festa, e com a derrubada do mastro, são escolhidos 
os Festeiros, aqueles que deverão fornecer as provisões para a festa do 
ano seguinte. São pessoas que se apresentam publicamente na hora da 
derrubada do mastro, comprometendo-se a si e a sua família de 
realizar tal tarefa. A partir dessa decisão, essas famílias passarão o ano 
inteiro armazenando alimentos, bebidas e material para a capela, no 
intuito de financiar a festa. 
É nesse sentido que os preparativos para a festa do Divino 
começam com um ano de antecedência. A decisão de "fazer a festa", 
compartilhada por uma média de cinco a dez famílias por ano, implica 
num considerável aumento de trabalho. Se a família dispõe de um 
salário, o peso do compromisso não parece ser tão grande, mas esse 
137 
 
não é o caso da maioria das famílias do Curipi. Estas, fazem 
inicialmente o cálculo das compras a serem realizadas para a festa 
levando em conta o número total de festeiros. Isso não quer dizer que 
os festeiros consideram que "dividem" as despesas. Cada família 
festeira se vê na obrigação de "fazer a festa" acontecer, e esforça-se 
para oferecer o mais que puder, independente do que será fornecido 
pelos demais festeiros. O cálculo das despesas necessárias é feito a 
partir de uma avaliação geral das contingências, sendo o número de 
festeiros uma delas. 
 
 
 
 
Outros aspectos avaliados pelos festeiros dizem respeito às suas 
condições de produção e estocagem: o tamanho e qualidade de sua 
roça, a possibilidade de trabalho familiar que poderá dedicar durante 
o ano para as despesas da festa, a quantidade de parentes que poderá 
envolver neste trabalho, as condições que terá para vender sua 
farinha, quais produtos poderão ser comprados com maior 
antecedência e quais estragam com mais facilidade. Para esses 
cálculos, sempre é solicitada a ajuda dos familiares mais experientes: 
pais, sogros, avós, os quais geralmente possuem e emprestam 
138 
 
utensílios mais caros e difíceis de serem comprados: pratos, talheres, 
copos, jarros e, principalmente, grandes panelões e bacias para 
preparar as refeições. 
Todos os festeiros foram unânimes em dizer que é muito 
trabalhoso "fazer a festa". Excepções são aquelas pessoas de certa 
liderança, geralmente com algumas cabeças de gado, ou que recebem 
salários fixos da FUNAI [Fundação Nacional do Índio], da Prefeitura 
ou do Exército, os quais são festeiros quase todos os anos. Fora estes, 
os demais Karipuna trabalham o ano inteiro tendo em vista o 
momento da festa. Nos variados meses em que estive em campo: 
Junho, Julho, Novembro, Dezembro, sempre havia alguma família que 
me mostrava seus estoques para a festa do Divino, ou que saía da 
aldeia para trabalhar uma ou duas semanas em sua roça, produzindo 
farinha para comercializar e comprar despesas para a Festa Grande. 
A lista de despesas varia, assim, segundo as posses e o número 
total de festeiros. Em geral, cada família compra café, leite em pó ou 
condensado, caixas de bolacha, potes de margarina, balas, arroz, 
feijão, macarrão, óleo de cozinhar e temperos em geral, caixas de 
vinho e de cachaça. Os festeiros que vêm das cidades têm mais 
facilidades para adquirir estes produtos, mas precisam comprar nas 
aldeias farinha de mandioca e de tapioca, e solicitar o serviço de 
alguém para fazer caxiri [bebida de baixo teor alcoólico, espécie de 
cerveja, resultante da fermentação da mandioca, preparada pelas 
mulheres]. Também quanto à carne, as pessoas com mais recursos 
geralmente doam um boi inteiro ou um búfalo, enquanto os demais 
compram munição para espingarda, a qual distribuem aos caçadores 
nos dias anteriores à festa. Apesar do status envolvido na doação de 
um boi inteiro, sua carne é muito menos apreciada do que a carne de 
caça, principalmente de macaco. Podemos dizer que os festeiros da 
cidade, aqueles com mais recursos financeiros, têm mais capacidade 
de inovar em sua lista de despesas: uma festeira residente em 
Oiapoque fez grande sucesso entre as crianças na festa de 1990, 
quando inventou de servir refrigerante. Aqueles que vêm "do lado 
francês" não raro trazem bebidas caras como champanhe Moet 
Chandon ou whisky escocês, que distribuem de forma mais reservada 
àqueles convidados que consideram "especiais": seus parentes 
próximos, professores, funcionários da FUNAI, e pessoas "de fora", 
como eu mesma. Mas, por outro lado, os festeiros residentes nas 
aldeias são responsáveis por produtos valorizados por serem 
139 
 
considerados "tradicionais", e que dependem da cooperação e do saber 
de um número maior de pessoas, como caxiri, carne de caça, peixe 
fresco e farinha. Uma festeira vinda de Maripa, na Guiana Francesa, 
ofereceu um grande jacaré para a festa de 1991, o qual disse ter 
"lantemado com dinheiro". 
Os festeiros trabalham, assim, entre uma margem de inovação e 
tradicionalismo, a primeira trazendo status ao festeiro, e o segundo 
trazendo seriedade à festa. Nesse último caso encontram-se todos os 
items destinados à capela e aos assuntos sagrados, que não podem 
faltar ou sofrer inovações, pois oferecem a legitimidade sagrada da 
festa. Assim, cabe aos festeiros comprar grande quantidade de velas, 
rojões, bandeirolas, papel e fitas para enfeitar o altar da capela, o 
mastro, e as bandeiras para louvar o Divino. 
O compromisso assumido pelos festeiros, portanto, e acima de 
tudo, é permitir que a festa se realize, dimensão que afecta a 
comunidade inteira em sua relação com o sagrado. As famílias 
assumem essa tarefa quase sempre no intuito de pagar uma promessa 
feita ao Divino. Dentre os processos de cura usados pelos Karipuna as 
promessas são sempre um recurso para a cura de doenças crónicas e 
persistentes. Mas também há casos de promessas para a construção decasas, para a abertura de roças, e outros aspectos que garantem o bom 
encaminhamento da vida. Afora aquelas excepções representadas 
pelas famílias mais afortunadas que se comprazem em realizar as 
festas quase que anualmente, sem a obrigação das promessas, vimos 
que a grande maioria dos festeiros trabalha um ano inteiro com 
grande dificuldade. A isso justificam nos termos de uma obrigação ao 
Divino Espírito Santo, o pagamento de uma promessa, mas também 
não se pode deixar de notar o status que goza o festeiro, justamente 
por propiciar a festa à comunidade toda. 
É importante ressaltar que, muito além das promessas de cada 
um, a festa do Divino resume as reverências de toda a comunidade 
para louvar aquele que chamam de Santo, em português, e Bodjê em 
patois (do francês Bon Dieu). A não realização da festa encerraria uma 
grande falta em relação ao sagrado, falta que diz respeito à 
comunidade Karipuna como um todo, e não apenas a alguns festeiros. 
A impressão que tive é que não havia na festa uma pessoa que não 
tivesse sua promessa a pagar naquela ocasião, promessas 
materializadas nos inúmeros pacotinhos de velas, rojões e fitas 
coloridas levados por todos ao altar. A festa representa o momento 
140 
 
legítimo de oferecer ao Santo a retribuição das graças alcançadas, e 
por isso ela não pode deixar de ocorrer. Mais do que a retribuição 
individual de cada promessa, a festa aponta para a solidariedade 
voltada a uma fé colectiva, para os laços que as famílias estabelecem 
entre si, sem os quais não é possível festejar e agradecer ao Santo, e 
através dos quais a "sociedade Karipuna" se revela. 
Sendo assim, não são apenas os festeiros que se comprometem 
a "fazer a festa". Estes parecem apenas concentrar em si uma tarefa 
que é da comunidade inteira, e que por isso lhes traz grande status. A 
ajuda financeira oferecida pelos festeiros, por outro lado, não exclui a 
cooperação geral de todos os participantes no que diz respeito aos 
serviços necessários para a festa. Realizados sob a forma de mutirões, 
os trabalhos mobilizam as famílias o tempo inteiro: caça, pesca, 
limpeza da aldeia, preparação dos alimentos na cozinha, lavagem final 
das panelas. Cabe aos festeiros fornecer e servir alimento e bebida e às 
outras famílias cabe prepará-los. 
Evidentemente, contratempos podem se entrepor aos projectos 
dos festeiros, como o caso de um falecimento ou de uma doença em 
família, alterando bruscamente todo o cálculo que lhes permitiria 
"passar a festa. Nesses casos, é comum que a família peça a ajuda de 
outros parentes próximos ou, em último caso, que protele o 
pagamento de sua promessa para o ano seguinte. Essa última solução 
sempre causa uma certa decepção e incompreensão por parte das 
outras famílias, como diz o próprio termo referente a isto: "fulano 
fracassou". "Fracassar", assim, é visto como uma forma de quebrar a 
promessa, ato grave, que consideram poder ser punido com desgraças. 
Mas, à parte as dificuldades das famílias, se um número razoável de 
festeiros não dá sinais de que a festa está em condições de se realizar, 
esse é um assunto que requer a ajuda da comunidade como um todo. 
Como dizem: "o importante é sair a Festa!". 
Essa ajuda colectiva, quando necessária, é realizada pela prática 
da "esmola" ou xahite. Como esta actividade demanda a manipulação 
de objectos rituais e sagrados, só é realizada pela iniciativa daquele 
que tenha autoridade para tal. Durante minha pesquisa, essa 
prerrogativa estava nas mãos do Senhor Tangahá, reconhecido por 
todos como especialista dos conhecimentos relativos à Festa do 
Divino". É preciso saber as rezas e canções próprias da Festa, que são 
justamente a via de acesso ao Santo. Sem estas entoações, as 
promessas não seriam aceitas ou as orações escutadas. Como disse o 
141 
 
Senhor Tangahá: "se não for para fazer as rezas, é melhor nem fazer a 
festa". 
Nas actividades voltadas ao Divino, o Senhor Tangahá comanda 
e traz legitimidade a um pequeno grupo de homens maduros, 
conhecidos como "foliões", "mestres-sala" ou ainda "mestres-capela". 
Durante os festejos, os "mestres-sala ou capela" fazem uma vigília na 
capela, tomando conta para que não falte nada ao Santo: fitas, rojões, 
velas acesas, evitando também que estas caiam e peguem fogo. Os 
"foliões" são aqueles que acompanham os cantos do Divino, segurando 
as bandeiras vermelhas. Quem dirige os cantos é o "mestre-tambor" 
ou "mestre-caixa". 
 
 
 
 
 
Para "tirar a esmola", percorrem o Rio Curipi o Senhor 
Tangahá, na função de mestre-tambor, acompanhado de dois ou três 
foliões, além dos "canuteiros" (do termo francês canotiers) que 
cuidam do barco, e de rapazes que ajudam a carregar os mantimentos. 
O barco leva as bandeiras vermelhas e a imagem do Divino de casa em 
casa, e em cada parada recebem das famílias donativos em espécies: 
142 
 
farinha, tapioca, banana, frutas. Há uma sequência estabelecida para o 
trajecto: no inicio de Abril o barco sai da aldeia Espírito Santo e desce 
o Curipi até sua desembocadura no rio Uaçá, no chamado Encruzo, 
onde passam a primeira noite. Dizem que durante todo o trajecto é 
necessário encontrar uma pousada para o Santo, pois sua imagem não 
pode dormir no barco. No dia seguinte começam a subir o rio até 
chegar na aldeia Açaizal, onde pousam por mais uma noite. No 
terceiro dia procuram subir o Curipi até a última localidade rio acima. 
A partir do quarto dia começa a descida do rio: aldeia Manga, onde 
ficam ao menos dois dias, Bastião, Paxiubal, Tauahu, Zacarias abaixo, 
Santa Isabel, onde também passam dois dias. Depois o barco entra no 
igarapé Taminã e visita as pequenas localidades das suas margens. 
Finalmente, depois de aproximadamente 20 dias, a imagem retorna à 
aldeia Espírito Santo, onde passeia da ponta Maiandê à ponta do 
bambu. Este último dia termina com uma festa, tendo como ponto 
máximo a entoação da Ladainha. 
A Ladainha rezada pelos Karipuna merece alguns parágrafos de 
atenção. O Senhor Tangahá, actualmente, é o único que a conhece por 
inteiro e sempre que falam em Ladainha, mencionam seu nome. 
Percebi que o grupo de "mestres-capela", que são interessados no 
assunto, são capazes de acompanhar a Ladainha quase por completo, 
embora sem muita segurança. Ao contrário do que todos 
costumeiramente falam: que a Ladainha irá embora com o Senhor 
Tangahá, imagino que algum desses homens estará pronto para 
substituí-lo quando for o caso. A noção de um saber exclusivo a uma 
única pessoa é apenas uma das ideias de mistério que permeiam essa 
oração. 
Numa atitude semelhante à que ocorre com as cantigas dos 
pajés, os Karipuna afirmam que apenas o Senhor Tangahá entende o 
significado completo da Ladainha, embora a grande maioria saiba 
acompanhá-la, principalmente no refrão "ora pro nobis", e conheça 
exactamente os momento de ajoelhar, soltar rojões e fazer sinal da 
cruz (durante a frase "consolatis aflitorum"). A principal fonte do 
"mistério" gira em torno das línguas usadas na oração, sobre a qual 
dizem ter trechos em latim, patois, português e até inglês. Pelo que 
pude verificar, a Ladainha Karipuna é composta por um aglomerado 
de orações, sendo a segunda delas a Ladainha de Nossa Senhora, que 
na tradição católica é uma parte da oração do Rosário de Nossa 
Senhora (Bosco, 1942). Essa parte é rezada rigorosamente igual ao 
143 
 
texto original em latim, conforme pude comparar, havendo 
pouquíssimas modificações em pronúncias de palavras ("filho" no 
lugar de fili, "estrela" em vez de stella) ou de trechos, como no caso da 
estrofe "meu glorioso São Benedito" onde seria" Virgo gloriosa et 
benedicta". 
As raras modificações no trecho em latim são notáveis, levando 
em conta, em primeiro lugar, o tamanho da oração: inicia-se com a 
prece Kyrie, seguido de quatro estrofes de entoação à Santíssima 
Trindade acompanhadas pelo refrão "miserere nobis", tendo depois a 
evocação de quarenta e dois títulos de Nossa Senhora acompanhados 
pelo refrão "ora pro nobis", eencerrada com o "Agnus Dei" e uma 
oração à Virgem. Em segundo lugar, é notável também considerar que 
o Senhor Tangahá não aprendeu a Ladainha com antigos missionários, 
mas com seus próprios avós e com o antigo capitão Teodoro, nas 
ocasiões em que, ainda moço, acompanhava a "esmola" como 
canotier. Segundo Tangahá, depois do falecimento do Capitão e antes 
que ele mesmo começasse a rezar a Ladainha, houve mais duas 
pessoas incumbidas dessa tarefa: o pajé Gomes Forte e Alexandre 
Marcolino dos Santos, filho de Firmino que o substituiu na liderança 
da aldeia Karipuna. Isso mostra, inclusive, que a prerrogativa de 
entoar a ladainha não é privilégio de nenhuma família e não encontra 
qualquer contradição com as actividades e conhecimentos dos pajés. 
Além da parte em latim, a Ladainha Karipuna comporta várias 
outras orações e canções, das quais não pude encontrar referências, 
com excepção da "Salve Rainha", mas sendo todas elas entoadas em 
português. O "mistério" apontado acima associado às línguas da 
oração revela a maneira como os Karipuna se comportam frente à 
estas canções de carácter sagrado: todos têm um conhecimento 
genérico a seu respeito, sabendo inclusive como se comportar 
ritualmente durante sua entoação, mas atribuem um significado mais 
profundo à oração, cujo conhecimento pleno é restrito a apenas uma 
única pessoa. A afirmação de que a Ladainha se perderá junto com 
esta pessoa também merece atenção, pois revela a atribuição de um 
peso de legitimidade ao conhecimento "dos antigos" e ao passado, 
representado no momento por alguém considerado "depositário" 
dessa tradição. Porém, não duvido que, assim como o Senhor Tangahá 
é hoje respeitado por ter aprendido a Ladainha directamente do 
Capitão Teodoro, algum dos actuais foliões também poderá ser 
futuramente respeitado por ter aprendido a Ladainha de Tangahá". 
144 
 
A oração da Ladainha está presente em momentos festivos 
relacionados a Deus e aos Santos, e em momentos de luto, em ambos 
os casos requerendo sempre uma postura de atenção e respeito. Há 
uma pequena parte da oração, logo depois do "Salve Rainha" que varia 
segundo a ocasião, indicando à quem ela é oferecida: "Ladainha que 
rezemos, ao Divino Espírito Santo oferecemos" (ou "para a alma de 
finado fulano" ou "para Santa Isabel, por exemplo). Essa Ladainha é 
rezada para o Espírito Santo também no final da "esmola". Acabada a 
festa da xahite, os foliões vão à cidade vender os donativos e comprar 
despesas para a Festa Grande. É dada preferência aos produtos de uso 
da capela: velas, rojões, bandeiras, fitas. Apenas se sobrar dinheiro 
compram outras despesas: cartuchos para caça, temperos, alimentos. 
Com o dinheiro da esmola, não compram bebida alcoólica, 
justificando que "o Santo não bebe", a não ser umas poucas garrafas 
de vinho para fazer suco para as crianças. 
A essas alturas, já estamos há algumas semanas da Festa 
Grande. Nessa época, o povo da aldeia Espírito Santo se mobiliza para 
deixar a vila bonita: fazem as reformas necessárias nas construções da 
festa e a limpeza do terreno nas redondezas. A aldeia toda centraliza 
suas atenções naquele espaço íngreme que abrange a capela, 
praticamente no topo da elevação onde se localiza a aldeia, o terreno 
na sua frente onde será fincado o mastro do Divino e, ladeira abaixo, a 
Casa da Festa e a cozinha. Cabe ao cacique verificar se estas casas 
precisam de reformas, ou mesmo idealizar melhorias nas construções, 
recrutando o trabalho comunitário para tanto […]. Na festa de 1991, 
por exemplo, o pessoal passou a semana anterior à Ascensão fazendo 
um piso de cimento e um cercado de madeira na cozinha, sob a 
supervisão do cacique Avelino. 
Os espaços da Festa Grande estão ligados à figura do Capitão 
Teodoro Fortes, principalmente a Casa da Festa e a cozinha contígua 
(também chamada de kahbe - onde são preparadas e servidas as 
refeições) que serviam como residência do Capitão. Habitando num 
assoalho elevado, este deixava a parte de baixo, de terra batida, para as 
danças. Com a morte de Teodoro Fortes, a casa foi reformada por seu 
filho e pelo cacique de Santa Isabel, o Senhor Côco, que construíram 
um assoalho baixo para as danças e os bancos laterais. Mais tarde, o 
cacique Avelino conseguiu auxílio da Prefeitura de Oiapoque para 
colocar uma cobertura de zinco na casa, e supervisionou uma reforma 
145 
 
para ampliá-la. Pode-se notar que as reformas nunca se esgotam, e 
que acabam associando os espaços às figuras dos líderes. 
Para a arrumação da aldeia para a festa, o último passo é a 
limpeza do terreno, realizada no sábado anterior à primeira festa, e 
que por si só já inicia a animação, mobilizando uma série de 
preparativos. É o dia do Maiuhi Xapel ou "Convidado da Capela". 
Como nos mutirões de plantar, as tarefas são divididas por sexo e o 
anfitrião, representado aqui pelos festeiros da Ascensão, distribuem 
comida e bebida aos convidados. Com dois ou três dias de 
antecedência, estes festeiros distribuem munição aos caçadores, numa 
reunião realizada à noite, na Casa da Festa, anunciada por rojões. 
Todo homem adulto que tiver vontade de caçar para o Maiuhi Xapel, 
dirige-se à reunião, na qual os festeiros dividem e oferecem bebida, 
geralmente cachaça ou vinho. Lá planejam os assuntos de caçada: as 
turmas, os caminhos a percorrer, a previsão de retorno. Os cartuchos 
não usados são devolvidos e divididos entre os festeiros. 
Desde essa data até o dia do Maiuhi, a aldeia fica na expectativa 
do sucesso dos caçadores. Quando bem sucedidos, vêm chegando do 
rio com gritos característicos, que são respondidos na aldeia pelos 
rojões dos festeiros. Guariba, tracajá, mutum, jacaré, queixada, 
geralmente são trazidas em suas canoas, preparadas e salgadas, 
motivando muito assunto e honras aos caçadores. Animais de maior 
porte, como anta, paca, veado, por serem mais raros, despertam 
interesse ainda maior, trazendo bons presságios e lembranças de 
outras festas em que também foram caçados. 
O sábado do Maiuhi Xapel amanhece com o som dos rojões dos 
festeiros. É o que chamam de "fazer a alvorada", anunciando o começo 
dos dias festivos. Por volta das 8 horas tocam o sino da capela e a Casa 
da Festa começa a ficar cheia. Algumas mulheres se revezam na 
cozinha, preparando a refeição ou coando caxiri. Os homens também 
trabalham na limpeza de peixes e da caça mais fresca. Os festeiros 
preocupam-se em servir bebida a todos. Aos poucos, grupos de 
homens e mulheres começam o serviço de limpeza do terreno, 
organizando pequenas equipas. A tarefa masculina é o roçado das 
plantas mais altas, limpando a área em tomo da capela e abrindo 
passagens até a cozinha e a casa da festa. Cabe às mulheres fazer a 
capina do mato, deixando os caminhos bem limpos. Como nos 
convidados de plantar, as equipes trabalham em fileiras, que 
caminham conjuntamente ao executar a tarefa, cobrindo uma área 
146 
 
predeterminada. As equipes se revezam na limpeza do terreno e no 
preparo da refeição. Os festeiros estão sempre a circular pelos 
convidados, segurando uma garrafa e um copo, oferecendo-lhes um 
pouco de bebida: as festeiras servem só as mulheres e os festeiros os 
homens. 
Depois de algum tempo, os festeiros preparam a mesa da 
refeição, dispondo pratos, copos, colheres, tijelas com os ensopados e 
com a farinha, jarros de suco ou água. As bebidas alcoólicas nunca são 
deixadas na mesa, onde os convidados se servem, conforme terminam 
o serviço. Algumas famílias preferem levar as refeições para casa, em 
suas panelas. Com o fim do serviço termina a agitação. Nesse dia não 
há música nem ladainha. É apenas a preparação da Festa Grande. 
Na semana da festa da Ascensão, os festeiros mais uma vez 
entregam munição aos caçadores na segunda ou terça-feira, desta vez 
mobilizando um número ainda maior de pessoas que devem prover 
todas as refeições dos três dias de festa. Na terça-feira, há mais um 
mutirão preparatório: é o dia da "torração do café". Neste dia também 
há uma refeiçãoservida pelos festeiros, ainda que em menor 
quantidade. A agitação também é um pouco menor, restringindo-se ao 
espaço do kahbe, onde as mulheres torram e moem os grãos de café. O 
café não é mais plantado na região, e o fato de ser comprado bem 
podia dispensar essa actividade, mas os festeiros preferem comprá-lo 
em grão alegando que "o costume da Festa do Divino é assim". Essa é 
a véspera do começo da festa, quando também vêm chegando os 
festeiros provenientes das outras aldeias, com suas caças, 
mantimentos e bebidas. Chegada que é sempre anunciada por rojões, 
que estouram no Rio Curipi, e são respondidos pelos outros festeiros 
na aldeia. 
Os rojões voltam a estourar no amanhecer da quarta-feira, para 
"fazer a alvorada". Os festeiros começam a organizar suas coisas no 
kahbe enquanto os barcos e canoas das outras aldeias não param de 
chegar e, aos poucos, a vila do Espírito Santo vai acomodando todos os 
participantes e tomando as feições dos dias de festa. Por volta do 
meio-dia o grupo de "mestres-sala" toca o sino da capela, chamando os 
festeiros. A estas alturas, a capela já se encontra enfeitada, 
principalmente as imagens de santos, o altar e as bandeiras do Divino, 
com fitas e ramos floridos. Nesse momento, há duas actividades: a 
entrega das fitas (que definem as posições assumidas durante a Festa) 
147 
 
e a entoação da canção do Meio-Dia, que inicia o conjunto das 
entoações ao Divino. 
Os festeiros sobem a rampa íngreme até a capela e recebem dos 
foliões as fitas coloridas que são colocadas no peito e que os 
identificam: cores diferentes para festeiros, festeiras, e mestres-capela. 
Com as fitas atadas no peito, os festeiros podem voltar às suas 
actividades na cozinha, pois a entoação da Canção do Meio-Dia é 
assunto apenas dos foliões para com o Divino. No começo, quando eu 
assisti essas cerimónias pela primeira vez, fiquei espantada em ver a 
capela vazia após tocarem o sino duas, três vezes, indicando o 
momento das entoações. Apenas algumas crianças, os jovens que 
soltavam os rojões, e os próprios foliões é que presenciavam estes 
momentos tão solenemente executados em frente ao altar. Então 
percebi que as canções não interessavam em absoluto aos demais 
participantes da festa e, apesar de serem abertas ao público, só 
chamavam a atenção do pessoal de fora: crioulos da Guiana, pessoas 
da FUNAI. Muitos achavam graça em ver meu empenho, subindo e 
descendo a rampa com o gravador, toda vez que tocavam o sino da 
capela. Este, aliás, servia para chamar os próprios foliões que deviam 
executar o canto. Mais uma vez, vê-se que as canções sagradas são 
assuntos de poucos, e que ao conjunto da população interessa apenas 
a certeza de estarem sendo bem executadas. 
O canto do meio-dia é realizado dentro da capela, com as luzes e 
as velas acesas, e com os dois foliões e o mestre-caixa em frente ao 
altar. O Senhor Tangahá, ao centro, toca tambor e comanda a 
entoação. Tem, em cada lado, um folião segurando as grandes 
bandeiras vermelhas do Divino, apoiadas em seus ombros de maneira 
que se cruzem próximas ao chão, e acompanham os cantos, às vezes 
fazendo uma segunda voz. Este conjunto, formado pelo "mestre 
tambor" e os dois foliões com as bandeiras, irão acompanhar a 
imagem do Divino por toda a parte, entoando as canções dentro e fora 
da capela. 
 
Ó que dias tão alegres, tão alegres. 
E a descer, o amor divino, e a descer, o amor divino. 
Alegrai a todo mundo, a todo mundo. 
E a descer, o amor divino, e a descer, o amor divino. 
 
 
148 
 
Na parte de baixo da aldeia, no kahbe, os festeiros preparam 
uma mesa da mesma maneira que o almoço do Maiuhi Chapel, ainda 
que com muito mais fartura. E assim estamos no "bom da festa": a 
agitação da cozinha, onde todos se encontram, música tocando na 
Casa da Festa, e os festeiros passeando com garrafa e copo para 
oferecer bebida. 
Uma equipa de foliões sai da aldeia em busca de um tronco para 
fazer o mastro do Divino. Retirado de alguma mata próxima, o tronco 
é trazido de barco e deixado no campo alagado, junto à entrada 
principal, até o dia seguinte. Essa entrada (o "porto") continua a 
receber barcos e canoas com participantes, que se acomodam na 
aldeia e podem fazer um lanche na cozinha, onde os festeiros servem 
café, leite, biscoitos, manteiga e tapioca durante a tarde. 
O sino da capela toca novamente às seis horas da tarde, para a 
Ave-Maria e o Canto da Boa Noite, realizados da maneira descrita 
acima, em duas vozes, mas com uma melodia diferente. Em certos 
momentos os foliões gritam: "petá, petá!" (do termo francês petard), 
avisando os rapazes detrás da capela que é o momento de soltar 
rojões. 
 
Deus lhe dê muito boa noite, 
e também sua bênção. 
Nós semos filhos de Maria, 
descendência de Adão. 
 
Conforme anoitece, são acesas as inúmeras velas que enfeitam 
todo o caminho da porta da capela até a Casa da Festa, fazendo um 
belo efeito luminoso. A janta é servida na cozinha, enquanto os 
participantes se arrumam para o baile: os homens precisam vestir 
calça comprida para entrar no salão, e as mulheres gostam de colocar 
vestidos, cintos, brincos, sapatos, muitos colares e maquilhagem. 
Dentro da Casa da Festa, o baile começa a animar algumas horas 
depois de anoitecer. Essa casa é construída num terreno rectangular, 
tendo bancos nas laterais e ao fundo, formando um rectângulo menor 
no centro. Este centro funciona como uma grande pista de dança, 
enfeitada com bandeirinhas coloridas. Aos poucos, o salão vai ficando 
lotado: as mulheres armam suas redes no espaço entre os bancos e as 
paredes laterais e do fundo, para as crianças dormirem enquanto 
dançam. O baile é de todos: homens, mulheres, crianças e velhos 
149 
 
acomodam-se na Casa da Festa, os últimos apenas para olhar o 
movimento e ninar as crianças nas redes, enquanto os que têm saúde e 
disposição dançam até amanhecer. 
No começo do baile, o movimento é observado atentamente 
pelos caciques de todas as aldeias, pois os festeiros ainda preocupam-
se em servir comida e bebida na cozinha. Quando terminam de servir 
o jantar, os caciques "entregam o salão para os festeiros", num ato 
formalizado, tornando-os responsáveis pelo movimento do baile. A 
música é interrompida pelos caciques que solicitam a atenção de todos 
e discursam, um a um, no centro do salão. Os discursos, em geral, 
chamam todos à diversão, mas enfatizam as regras de boa conduta: 
beber com moderação, respeitar as mulheres, usar roupas adequadas 
(calça comprida para homens e saia para as mulheres), evitar brigas. 
Depois dos caciques, os festeiros também fazem seus discursos, 
geralmente versando sobre a alegria e satisfação de realizar a festa, e 
igualmente enfatizando as regras de boa conduta. Após a "entrega do 
salão", cabe aos festeiros, e não mais aos caciques, chamar a atenção 
dos participantes que não se comportam bem no baile, evitando 
confusões. 
As músicas preferidas para o baile são do estilo "lambada" e 
"brega", além do "cacicó" da Guiana. Alguns Karipuna têm aparelhos 
de som com grandes caixas acústicas, além de discos e fitas, os quais 
emprestam para o baile, responsabilizando-se pelo som da festa. Em 
1991, o aparelho de som funcionava graças ao motor de luz da aldeia, 
que também permitia a iluminação das casas e o funcionamento da 
geladeira da casa dos professores, onde os festeiros gelavam água, 
cerveja e refrigerantes. Antes dessas possibilidades vindas com o 
motor de luz, a música da festa vinha de um aparelho de som a pilhas, 
que por sua vez veio substituir a música ao vivo de um conjunto local, 
formado pelas próprias famílias, que tocavam viola, rabeca, o "tchá-
tchá" (descrito como uma espécie de pandeiro) e o "rabo de onça" (um 
tipo de cuíca quadrada, feito com couro de cobra). Ainda hoje, há 
pessoas nas aldeias que sabem fabricar e tocar esses instrumentos, 
usados para animar as procissões, juntamente com violões, 
cavaquinho e violino. 
No baile, as mulheres e moças sentam-se nos bancos emtorno 
da pista de dança juntamente com os homens que, em geral, procuram 
ficar perto da parede da entrada, enquanto os rapazes solteiros se 
aglomeram junto da porta principal. São os homens que devem tirar 
150 
 
as mulheres para dançar, aproximando-se com um aceno, e não é 
educado da parte delas recusar-lhes o convite. "Merci, madame", 
agradecem, quando finda a música. Os pares de dança variam muito, e 
não se deve dançar mais de três ou quatro vezes com a mesma mulher, 
se não forem casados, a não ser que haja essa intenção. Nesse caso, 
espera-se que o rapaz procure a família da moça durante a festa, para 
combinar a união, ou será obrigado a tal pelo cacique. 
As famílias me disseram que todos os anos, por ocasião desses 
bailes, algumas pessoas são acometidas de "ataques", que atribuem a 
"bichos" ou almas. De fato, foi o que ocorreu com um rapaz durante o 
baile de 1991, que foi imediatamente socorrido por sopradores e 
benzedeiras que diagnosticaram o ataque da alma do marido de Elza, 
recém-falecido. Interpreto que o baile na Casa da Festa, ao contrário 
das danças do Turé, ou do espaço sagrado da capela, ocorre num 
espaço "aberto" e, portanto, sujeito ao trânsito de espíritos maléficos 
ou perigosos. Quando ocorre um "ataque", a pessoa é levada para fora 
do salão e socorrida pelos "especialistas", e o baile continua sem muita 
interrupção. 
A música para de tocar com os sinos da meia-noite, que 
chamam todos à capela para a oração da Ladainha. Ao contrário do 
que ocorre com os outros cantos, desta vez a capela fica lotada, pois 
todos querem acompanhar a ladainha e beijar o Santo. O Senhor 
Tangahá com os dois foliões, entoam inicialmente o canto de 
Oferecimento da Ladainha: 
 
Devotos vamos rezar a ladainha 
do Divino Espírito Santo. 
Vamos cumprir as oração 
com a luz acesa, 
com as duas formosas bandeiras, 
tendo a pombinha branca avoando, 
que é um retrato. 
 
As "promesseiras" tomam o seu lugar: as mulheres que fazem 
promessas de acompanhar a ladainha segurando a imagem do Divino. 
Muito ânimo, atenção e respeito acompanham a oração da Ladainha, 
além dos rojões e gestos em momentos determinados. Após o seu 
término, os foliões entoam o Encerramento da Ladainha: 
 
151 
 
As rezas já estão rezada 
a ladainha do Divino Espírito Santo. 
Já estão cumpridas as oração 
com a luz acesa, 
com as duas formosas bandeiras, 
entre as duas formosas bandeiras, 
tendo a pombinha branca avoando, 
que é um retrato. 
 
Em seguida, os devotos fazem uma fila em frente ao altar para 
beijar as fitas da imagem do Espírito Santo, depois dirigindo-se aos 
santos nos dois altares secundários da capela. É o momento em que 
cada um parece estar mais próximo dos santos, dirigindo-lhes uma 
palavra mais íntima. Aos poucos a fila vai se esvaziando, assim como a 
capela, restando apenas o grupo de foliões. Na casa da festa, a música 
volta a tocar, reanimando o baile. É então que o Senhor Tangahá e os 
foliões entoam uma última canção relativa à Ladainha, e que dizem ser 
a mais importante, sem a qual nada teria validade aos olhos do Divino, 
o Canto para fazer a Ladainha "pegar": 
 
Em cima da salva é a coroa. 
Em cima da coroa é o mundo. 
Em cima do mundo é a pombinha branca avoando, 
que é um retrato. 
 
As canções referentes à Ladainha, assim como algumas 
apresentadas adiante, descrevem a própria cena que tem lugar na 
capela: "com a luz acesa", tanto as velas do altar, como as lâmpadas da 
capela, temos as duas bandeiras do Divino cruzadas, entre as quais 
está "a pombinha branca avoando", a própria imagem do Espírito 
Santo. Assim também, o último canto descreve a antiga imagem do 
Divino que foi doada pelos franceses ao Capitão Teodoro. Dizem que 
era uma imagem em bronze, figurando uma pomba com as asas 
abertas sobre uma esfera, o "mundo", o qual repousava em cima de 
uma "coroa" formada por várias abóbadas que se apoiava sobre uma 
bandeja, a "salva". Os versos finais: "que é um retrato", definem o que 
acabamos de descrever acima: refere-se à fixação da imagem daquele 
momento. Aqui cabe mencionar uma equivalência temática com as 
canções dos Turés, especialmente aquelas "para dançar" que são 
152 
 
traduzidas pelos pajés como descrições de cenas que reproduzem 
danças Turés do Fundo. 
O baile continua animado por toda a madrugada, e os festeiros 
circulam pela festa oferecendo bebida, enquanto os "mestres-sala" 
permanecem em vigília na capela, organizando-se para entoar o Canto 
da Alvorada (ou Galo Preto) por ocasião do aparecimento da estrela 
dalva. Aqui uma nova equivalência temática com as canções do Turé, 
que também marcam esse momento: 
 
Arvorada desarvorada. 
Vou buscar a estrela dalva 
que vem trazendo o raio do dia. 
O galo preto 
bateu as asas 
e ele cantou, 
é o sinal do amanhecer. 
 
Às seis horas cantam a Ave-Maria e o Canto do bom dia: 
 
Deus lhe dê muito bom dia, 
e também sua bênção. 
Nós semos filhos de Maria, 
descendência de Adão. 
 
Conforme a manhã avança, a maioria dos participantes 
aproveita para descansar, enquanto os festeiros, que já serviram um 
café da manhã, preocupam-se em fazer o almoço, recrutando algumas 
pessoas, se for o caso, para matar e preparar um boi. Os mestres-
capela, por sua vez, dirigem-se para a entrada da aldeia, onde entoam 
o Canto para buscar o mastro, acompanhados apenas do tambor e 
das bandeiras: 
 
Ó que dias tão alegres, tão alegres! 
A quinta-feira da Ascensão, a quinta-feira da Ascensão. 
Jesus Cristo subiu ao céu, ele subiu ao céu. 
É dia de tanta alegria, é dia de tanta alegria! 
 
Um grupo de homens carrega o mastro, do campo alagado onde 
passou a noite até o alto da aldeia, onde ocupam-se em enfeitá-lo e 
153 
 
prepará-lo para ser levantado. Utilizam-se de cipós para amarrar 
ramos e frutos: bananas, ananás, abóboras, flores e, ao alto, uma 
bandeira branca. Na festa de 1991, utilizaram uma bandeira com a 
imagem do Divino desenhada por Genésio Karipuna. Ao meio-dia o 
sino toca novamente e os foliões e festeiros dirigem-se à capela para 
entoar a canção do meio-dia. Na casa da festa a música continua, e na 
cozinha já é servido o almoço. 
Com a tarde avançada começa a movimentação para a 
cerimónia de levantar o mastro. Alguns barcos chegam de Santa 
Isabel, aldeia vizinha, só para apreciar esse momento. O sino toca e os 
foliões dirigem-se à capela, chamando as crianças para acompanhá-
los. As mulheres ficam observando a cena na casa da festa e na 
cozinha, na parte baixa da aldeia. Saem da capela, numa pequena 
procissão, as crianças segurando velas acesas, seguidas dos foliões 
com as bandeiras e o andor do Divino, protegido por um guarda-
chuva. A procissão pára duas vezes, junto ao buraco onde será fincado 
o mastro e junto à bandeira branca, para cantar o Canto de rodear o 
mastro, e depois retornam a capela": 
 
Vamos arrodiar o mastro 
com o Divino Espírito Santo, com a luz acesa, 
com as duas formosas bandeiras, 
entre as duas formosas bandeiras, 
tendo a pombinha branca avoando, 
que é um retrato. 
 
Com isso, está tudo pronto para o levantamento do mastro, 
realizado pelos festeiros. Assim a aldeia Espírito Santo ficará dez dias 
enfeitada com o mastro do Divino, visível a quem quer que passe pelo 
rio Curipi. Depois dessa cerimónia, a dança recomeça, os festeiros 
continuam a servir alimento e bebida, e algumas pessoas já iniciam o 
caminho de volta, principalmente os moradores das aldeias vizinhas. 
Nessa noite, o baile já não é tão animado, a mesa também não é 
tão farta, e findam as canções da capela. Conforme amanhece, o clima 
já é de despedida, e os barcos das aldeias preparam-se para ir embora, 
mas com a certeza de que "para a semana tem mais". Ainda cabe aos 
festeiros preparar uma última refeição e para tanto as mulheres 
trabalham na cozinha escolhendo quilos e quilos de feijão. É que neste 
dia, depois de duas noites dançando e bebendo, ninguém tem 
154 
 
disposição de sair para caçar ou pescar. Dizem quepor isso é costume 
servir feijão, "que dá força mas não dá trabalho". 
Nesse último dia ocorre o lavê sodjê, a lavagem das panelas. 
Terminada a última refeição, a aldeia já bem esvaziada, a notícia 
de que os festeiros vão fazer a lavagem das panelas corre pelas casas, 
despertando o interesse até das mulheres que já não se importavam 
mais com o movimento da festa. Todas levam o material dos festeiros 
para a entrada principal da aldeia, onde começam a lavar as panelas 
nas águas transbordadas do Curipi, fazendo muita algazarra. 
Empurram-se umas às outras na água, gritando e lavando-se junto 
com as panelas, depois dirigem-se à Casa da Festa, ensopadas, para 
dançar. As festeiras não param de servir bebidas para quem vem 
ajudar: dizem que "o lavê sodjê é para acabar tudo o que sobrou" (de 
bebida), e nesse sentido se pode fazer uma associação desse momento 
com a "dança do urubu" dos Turés. Mas, até acabarem os provimentos 
dos festeiros a música continua tocando, geralmente até o começo da 
noite. 
No dia seguinte, sábado, ninguém sai para a roça: é dia de se 
refazer da festa, lavar roupa, limpar as casinhas sanitárias, e preparar-
se para a semana seguinte, quando se comemora a Festa Grande 
propriamente dita, no dia de Pentecostes. Pela manhã, os festeiros 
promovem uma limpeza da Casa da Festa e da cozinha, oferecendo 
bebida aos outros homens que se dispõem a ajudar. 
No domingo, como em toda semana, há um culto pela manhã, 
celebrado pela equipe de "catequistas" preparada pelo CIMI [Conselho 
Indigenista Missionário]. Na aldeia Espírito Santo, o cacique Avelino 
geralmente utiliza o espaço do culto para fazer seus discursos e ouvir a 
opinião da comunidade, especialmente das mulheres, que falam no 
culto com mais desembaraço que nas reuniões políticas e assembleias. 
Nesta semana, o assunto girou em tomo da festa da Ascensão, tanto 
para agradecer à Deus os sucessos, quanto para repreender os abusos 
cometidos por certas pessoas. Junto das palavras do cacique, os 
participantes e principalmente as mulheres, começaram a colocar suas 
opiniões, queixando-se ou defendendo-se. É interessante reparar 
como o espaço do culto católico, que começou a ser celebrado com 
frequência nas aldeias há menos de 20 anos, tornou-se um momento 
de discussão a respeito dos problemas das comunidades, onde as 
mulheres têm participado com menos constrangimento do que em 
155 
 
reuniões propriamente políticas, quando os homens dominam o 
ambiente. 
No final da tarde, é realizada uma reunião do Conselho da 
aldeia, na Casa da Festa. O Conselho é formado pelo cacique e por 
homens maduros, chefes das famílias que habitam a aldeia e as 
pequenas comunidades a ela ligadas. Como a Festa Grande diz 
respeito a todos os Karipuna, reúnem-se nesta ocasião também os 
caciques das outras aldeias do Curipi. Ali os homens discursam 
colocando suas opiniões a respeito dos problemas ocorridos na festa. 
Nessa ocasião, decidem quem deverá receber os "castigos", e qual será 
seu teor, geralmente a limpeza do mato de uma parte da aldeia, ou 
outra tarefa julgada útil para toda a comunidade. As faltas castigadas 
são comummente atribuídas ao excesso de bebida que gera brigas, 
namoros ilícitos e problemas semelhantes. No caso de namoro entre 
pessoas solteiras, não há castigo, mas a obrigação de casamento. 
Questões relativas ao sagrado são resolvidas em outra ocasião. 
Apesar de todo o rigor e vigilância dos caciques, os mais velhos 
ainda reclamam da falta de respeito dos mais jovens. Dizem que nas 
festas antigas o castigo era mais duro, e por isso as pessoas evitavam 
abusos: se houvesse briga, a pessoa era amarrada no kubahi, tronco de 
madeira com buracos para os pés, onde o castigado ficava preso pelas 
pernas. Segundo dizem, rapazes com menos de 18 ou 20 anos não 
podiam dançar nem tomar bebida alcoólica, o que vinham a fazer 
somente depois de casados. 
Muitos lembram da primeira vez em que o pai lhes ofereceu um 
copo de vinho, durante uma festa, ás vezes já estando casados. Da 
forma como o fato é narrado, parece representar o reconhecimento do 
novo status de adulto. 
Como se pode ver, os Karipuna demonstram rigidez no que diz 
respeito a um código moral de conduta. A existência dos castigos nas 
festas de santos e nos Turés, assim como a constante presença de 
figuras de autoridade nestas ocasiões, evidenciam essa característica. 
É o caso dos gendarmes que supervisionam o comportamento dos 
participantes dos Turés e lhes aplicam o castigo laman, assim como a 
presença dos caciques nos bailes, antes de "entregar o salão aos 
festeiros". A mesma autoridade e prerrogativa de aplicar castigos era 
atribuída aos funcionários do SPI [Serviço de Protecção dos Índios] e 
professores das escolas. Considero que essa característica de rigidez 
156 
 
moral foi reforçada por estes órgãos, mas suponho que tenha 
fundamentos nas próprias histórias vivenciadas pelas famílias. 
Por ocasião da Festa Grande (Pentecostes), um novo grupo de 
festeiros começa a chegar nas aldeias, organizando suas compras, 
entregando munição para caçadas, promovendo outra torração de 
café. Mas a participação dos festeiros da Ascensão ainda é requerida 
para a organização da procissão da Meia-Lua e da derrubada do 
mastro. 
Passados nove dias da Ascensão, no sábado véspera do 
Pentecostes, os festeiros "fazem a alvorada" com rojões. Novamente, a 
vila do Espírito Santo começa a ficar cheia e animada, com os rojões 
anunciando a chegada dos barcos das aldeias. Os cantos são feitos 
como na festa anterior, acrescidos dos cantos que acompanham as 
procissões e outras actividades próprias dessa data e que mobilizam 
um número ainda maior de participantes em relação à festa anterior. 
A véspera do Pentecostes é o dia da procissão da Meia-Lua, na 
qual vários barcos e canoas dirigem-se até à pequena ilha do 
cemitério. Neste dia, em 1991, a aldeia ficou bastante cheia, tendo 
inclusive chegado um barco da aldeia de Kumarumã, com alguns 
Karipuna que lá residiam. Um número grande de pessoas sobe até à 
capela para entregar aos mestres-sala pacotes de velas, rojões e fitas, 
como pagamento de suas promessas. À tarde, os badalos do sino, 
anunciando o início da Meia-Lua, também chamam um bom número 
de pessoas até a capela. A procissão desce a rampa da aldeia tendo as 
crianças à frente, seguidas das mulheres, todas com velas acesas, e 
logo atrás os homens, alguns carregando as bandeiras, outros o andor 
do Divino, bastante enfeitado com fitas e flores. Por último, o conjunto 
musical dos foliões: cavaquinho, violões, viola, e o violino do Senhor 
Tangahá. Tocam diversas músicas relativas à igreja para "acompanhar 
o Santo" durante o trajecto, algumas aprendidas com o CIMI, outras 
mais antigas: "qualquer uma religiosa serve". Porém, há certos 
momentos em que as músicas de acompanhamento param e dão lugar 
aos cantos próprios da Meia-Lua. Logo na saída da aldeia fazem o 
Canto da saída do Santo: 
 
Acordei de madrugada, de madrugada. 
Eu fui varrer a Conceição, eu fui varrer a Conceição. 
Encontrei Nossa Senhora, Nossa Senhora. 
Ah, com seu raminho na mão, ah com seu raminho na mão. 
157 
 
Eu pedi um seu galhinho, um seu galhinho. 
Ela me disse que não, ela me disse que não. 
Eu tomei a pedir-lhe, e a pedir-lhe. 
Ela me deu o seu cordão, ela me deu o seu cordão. 
Que dava catorze volta, catorze volta, 
arredor do coração, arredor do coração. 
 
Num barco com cobertura entram o andor do Divino, as 
bandeiras, o conjunto musical e as "promesseiras". O barco do Santo é 
acompanhado por diversas canoas e voadeiras, que encostam-se umas 
às outras, oferecendo bebida durante o trajecto. As canoas dos 
festeiros também levam vários rojões para soltar durante a procissão. 
Quando chegam em frente ao cemitério Karipuna, o conjunto para de 
tocar novamente e os instrumentos de corda dão lugar à batidas do 
tambor que acompanha o canto do cemitério: 
 
Deus te salve a Casa Santa, 
adonde mora o cálice bentomais a hóstia consagrada. 
Adonde Jesus foi crucificado. 
O filho da Virgem Maria. 
Ah, bom Jesus de Nazaré. 
 
Os barcos fazem duas voltas em frente ao cemitério e retomam 
para a aldeia, em frente da qual fazem mais duas voltas. Ali é entoado 
o Canto da chegada da Meia-Lua: 
 
Deus te salve a cruz sagrada, 
adonde Jesus foi crucificado. 
O filho da Virgem Maria. 
Bom Jesus de Nazaré. 
 
Uma última canção relativa à Meia-Lua, o Canto da entrada da 
Meia-Lua é rezado dentro da capela, para onde todos se dirigem em 
procissão, acompanhando o Divino. Dessa vez, todos que 
acompanharam a Meia-Lua assistem a oração, esperando o momento 
de "tomar a bênção" do Divino, quando cada um beija as fitas 
coloridas e dirige uma curta conversa ao Santo: 
 
158 
 
Já chegamos de fazer a procissão 
com o Divino Espírito Santo. 
Com a luz acesa 
com as duas formosas bandeiras, 
entre as duas formosas bandeiras, 
tendo a pombinha branca avoando, 
que é um retrato. 
 
Depois disso, tudo se passa como na véspera da Ascensão: os 
cantos das seis horas da tarde, a Ladainha à meia-noite, muita comida, 
bebida, a entrega do salão e o baile animado pela madrugada afora. No 
dia seguinte, quando é propriamente comemorado o dia da descida do 
Espírito Santo, também fazem o canto da alvorada às quatro horas e 
os cantos da seis da manhã. Antes da hora do almoço, preparam a 
Mesa dos Inocentes, uma refeição servida solenemente para as 
crianças. 
Um pouco antes do meio-dia, o sino da capela toca para chamar 
as crianças, que recebem velas acesas. Em seguida, descem a rampa 
em procissão, acompanhadas pelos foliões com as bandeiras e o andor 
do Divino, e dirigem-se à Mesa preparada dentro da casa da festa. Os 
mestres-sala entoam da forma ritualizada o canto para rodear a mesa 
e depois as crianças são servidas pelos festeiros: 
 
Vamos arrodiar a mesa 
dos inocentes, 
com a luz acesa 
com as duas formosas bandeiras, 
entre as duas formosas bandeiras, 
tendo a pombinha branca 
avoando, 
que é um retrato. 
 
A Mesa preparada no ano de 1991 continha a mesma refeição 
servida posteriormente aos adultos no kahbe. A diferença estava nas 
várias garrafas de refrigerante. Um cacique me contou que muita coisa 
havia mudado, pois em seu tempo o almoço das crianças era uma sopa 
de tracajá, servida nos pratos, com os punhadinhos de farinha do lado 
para acompanhar. Eram os homens mais velhos que se ocupavam de 
159 
 
servir as crianças, e ofereciam vinho com água no lugar do suco ou 
refrigerante. 
Com o término do almoço das crianças, os foliões fazem o Canto 
de oferecimento da mesa e então retomam com o Divino para a 
capela. Enquanto o baile recomeça na casa da festa: 
 
Vamos oferecer a mesa dos inocentes 
para o Divino Espírito Santo. 
Com a luz acesa 
com as duas formosas bandeiras, 
entre as duas formosas bandeiras, 
foi um louvor que Deus nos deu. 
 
No final da tarde começa a cerimónia para a derrubada do 
mastro. 
Como na festa anterior, as crianças são chamadas pelo sino para 
subirem à capela e saírem numa pequena procissão até o mastro. 
Desta vez, o Canto de rodear o mastro é entoado quatro vezes, 
colocando a imagem do Divino em torno do mastro. Depois que a 
procissão de crianças retoma a imagem à capela, um rapaz sobe no 
mastro e retira a bandeira branca do Divino. Em seguida, usando um 
machado enfeitado com fitas coloridas, cada festeiro dá um golpe para 
derrubar o mastro. As crianças correm em algazarra e disputam as 
frutas amarradas assim que o mastro vai ao chão, enquanto as 
mulheres observam tudo da parte de baixo da aldeia. 
É nesse momento, ao lado do mastro derrubado, que se 
manifestam os que pretendem ser festeiros no ano seguinte, com o 
gesto de segurar a bandeira branca que ficava em cima do mastro, 
oferecida pelo cacique da aldeia Espírito Santo. É por isso que "pegar a 
bandeira" é sinónimo de ser festeiro, responsável pela festa da 
Ascensão do ano seguinte. Quem se prontifica a ser festeiro do 
Pentecostes deve se pronunciar em outra ocasião, respondendo um 
convite do cacique. Por isso, usam termos para distinguir os dois 
actos: há os festeiros que "pegam a bandeira" e aqueles que 
"respondem". 
Ao oferecer a bandeira, o cacique faz um discurso, exortando as 
pessoas a terem coragem de arcar com a tarefa de festeiro. O que 
ocorreu em 1991 foi que um número muito pequeno de pessoas "pegou 
a bandeira" logo de início, tendo sido a maioria incitada pelo discurso 
160 
 
do cacique. Este, usava exemplos de festas fartas, ocasiões em que 
famílias trabalharam com afinco, como num caso em que apenas um 
casal jovem conseguiu fazer a festa para todos, procurando 
constranger as famílias que tinham 
alguns rapazes solteiros residentes em Kumarumã mas 
considerados Karipuna, o que preocupou ainda mais o cacique, 
receoso de que não assumissem devidamente as responsabilidades do 
cargo. Receio que é comum no caso de pessoas jovens, solteiras ou que 
não residem na aldeia. 
Os novos festeiros recebem da mão dos antigos as fitas que 
usaram no peito para distinguir-se durante a festa. Em seguida, 
carregam o mastro até a saída da aldeia, juntamente com a bandeira 
branca, e de barco vão jogá-lo no rio Curipi. Ninguém acompanha os 
novos festeiros, a não ser o mestre-tambor e os foliões que seguram as 
bandeiras vermelhas, os quais, como no momento de buscar o mastro, 
ficam no porto da aldeia entoando o canto de levar o mastro embora: 
 
Ó que dias tão alegres, tão alegres. 
Domingo do Espírito Santo, domingo do Espírito Santo. 
Alegrai a todo mundo, a todo mundo. 
Domingo do Espírito Santo, domingo do Espírito Santo. 
 
Quando o barco retoma sem o mastro, há um novo canto de 
Divino em tomo do mastro. Depois que a procissão de crianças retoma 
a imagem à capela, um rapaz sobe no mastro e retira a bandeira 
branca do Divino. Em seguida, usando um machado enfeitado com 
fitas coloridas, cada festeiro dá um golpe para derrubar o mastro. As 
crianças correm em algazarra e disputam as frutas amarradas assim 
que o mastro vai ao chão, enquanto as mulheres observam tudo da 
parte de baixo da aldeia. 
É nesse momento, ao lado do mastro derrubado, que se 
manifestam os que pretendem ser festeiros no ano seguinte, com o 
gesto de segurar a bandeira branca que ficava em cima do mastro, 
oferecida pelo cacique da aldeia Espírito Santo. É por isso que "pegar a 
bandeira" é sinónimo de ser festeiro, responsável pela festa da 
Ascensão do ano seguinte. Quem se prontifica a ser festeiro do 
Pentecostes deve se pronunciar em outra ocasião, respondendo um 
convite do cacique. Por isso, usam termos para distinguir os dois 
161 
 
actos: há os festeiros que "pegam a bandeira" e aqueles que 
"respondem". 
Ao oferecer a bandeira, o cacique faz um discurso, exortando as 
pessoas a terem coragem de arcar com a tarefa de festeiro. O que 
ocorreu em 1991 foi que um número muito pequeno de pessoas "pegou 
a bandeira" logo de início, tendo sido a maioria incitada pelo discurso 
do cacique. Este, usava exemplos de festas fartas, ocasiões em que 
famílias trabalharam com afinco, como num caso em que apenas um 
casal jovem conseguiu fazer a festa para todos, procurando 
constranger as famílias que tinham medo de "fracassar". Com o 
discurso de Avelino, "pegaram a bandeira" alguns rapazes solteiros 
residentes em Kumarumã mas considerados Karipuna, o que 
preocupou ainda mais o cacique, receoso de que não assumissem 
devidamente as responsabilidades do cargo. Receio que é comum no 
caso de pessoas jovens, solteiras ou que não residem na aldeia. 
Os novos festeiros recebem das mão dos antigos as fitas que 
usaram no peito para distinguir-se durante a festa. Em seguida, 
carregam o mastro até a saída da aldeia, juntamente com a bandeira 
branca, e de barco vão jogá-lo no rio Curipi. Ninguém acompanha os 
novos festeiros, a não ser o mestre-tambor e os foliões que seguram as 
bandeiras vermelhas, os quais, como no momento de buscar o mastro, 
ficam noporto da aldeia entoando o canto de levar o mastro embora: 
 
Ó que dias tão alegres, tão alegres. 
Domingo do Espírito Santo, domingo do Espírito Santo. 
Alegrai a todo mundo, a todo mundo. 
Domingo do Espírito Santo, domingo do Espírito Santo. 
 
Quando o barco retoma sem o mastro, há um novo Canto de 
entrada. 
 
São José é carapina, é carapina. 
Ele aprendeu de crosirdade, ele aprendeu de crosirdade 
[curiosidade]. 
Jesus Cristo é do calvário, é do calvário. 
Ele aprendeu de crosirdade, ele aprendeu de crosirdade. 
 
Os foliões retomam à capela com o tambor e as bandeiras 
vermelhas, e aguardam os novos festeiros subirem com a bandeira 
162 
 
branca. Então, colocam-se diante do altar na posição característica e 
fazem o Canto de entregar a bandeira: 
 
Vamos entregar a bandeira 
do Divino Espírito Santo, 
em cima de sua tribuna, com a luz acesa, 
com as duas formosas bandeiras, 
tendo a pombinha branca avoando, 
que é um retrato. 
 
Esse canto finaliza o conjunto de dezanove cantos referentes à 
Festa do Divino, que requerem a forma tradicional de realização, com 
o tambor e as bandeiras vermelhas. Há apenas duas melodias: uma 
mais solene, sem muita musicalidade, realizada em duas vozes, e com 
batidas lentas de tambor. 
A outra melodia, por sua vez, é entoada em uníssono e tem 
sonoridade mais alegre: em tom maior, animada pelas batidas do 
tambor. É o caso de todos os cantos cujos versos têm repetições. 
Enquanto os novos festeiros e os foliões preocupam-se com o 
destino do mastro e da bandeira branca, a festa continua 
normalmente, com baile na casa da festa e os festeiros servindo bebida 
no kahbe. Somente no começo da noite a música é interrompida e o 
cacique da aldeia toma a palavra para perguntar quem se dispõe a ser 
festeiro no ano seguinte. Como na hora de "pegar a bandeira", o 
momento de "responder" exige inúmeros incentivos e exortações, pois 
além de um pequeno número de pessoas que estão dispostos a pagar 
suas promessas dessa maneira tão trabalhosa, a maioria parece querer 
evitar tal responsabilidade. As palavras do cacique acabam animando 
algumas pessoas, que vão "respondendo" e entrando na roda dos 
novos festeiros, aplaudidos, às vezes repreendidos silenciosamente 
pelos seus familiares que deverão igualmente arcar com a trabalheira. 
É assim que a festa vai chegando ao fim com a promessa de 
recomeçar no ano seguinte. Para os novos festeiros, como disse, a 
preocupação com os preparativos da próxima Festa Grande já é 
assunto corrente assim que esta termina. Temos ainda mais uma noite 
e um dia de baile, encerrado com a refeição de feijão e a animação da 
lavagem das panelas. No começo da tarde da segunda-feira saem os 
últimos barcos da aldeia, e os moradores da vila do Espírito Santo 
comentam entre si, lamentosos: "agora, só para o ano"... 
163 
 
 
 
164 
 
Findos os festejos, resta cuidar da limpeza da casa da festa e dos 
castigos. Além daqueles aplicados pelo cacique e seu Conselho, há 
também o castigo referente aos assuntos sagrados. Na segunda ou 
terça-feira, os mestres-sala tocam o sino e reúnem-se na capela para 
entregar as fitas à igreja e também para fazer a penitãs. Nessa ocasião, 
atribuem castigos aos foliões ou ao mestre-caixa, se estes não 
compareceram à capela nos momentos das entoações, ou aos festeiros 
que não participaram da Ladainha, da entrega das fitas, ou que 
perderam as fitas. Dizem que estas faltas ofendem ao Divino, por isso 
devem ser castigadas dentro da capela, "debaixo das bandeiras", como 
diz o nome em patois: penitãs ãba paviõ. A pessoa deve se ajoelhar, às 
vezes no milho, e rezar sete pai-nossos e sete ave-marias. As mesmas 
orações são feitas para a entrega das fitas que ocorre, conforme 
descreveram-me, sem muita cerimónia. São apenas levadas até a 
igreja pelos mestres-sala, e a pessoa que quotidianamente cuida da 
capela, mantendo-a limpa, fica responsável por guardá-las. Com isso, 
a Festa Grande passa a ser assunto do ano seguinte, a não ser para o 
grupo de festeiros...” 
 
Folia 
Não significa boémia, mas a alegria contangiante da festa do Divino. 
Nas Beiras (Portugal), constituia-se para celebrar a alegria em torno 
de três símbolos, ou insígnias: a Alabarda, ou Bandeira grande, o 
Ceptro, ou vara, e a Coroa com a pombinha no topo. Os foliões 
entoavam loas, ou quadras (abcb) em louvor do Divino, ritmadas pela 
toada de um tambor. 
 
Folia do Curipi 
Quadra do refrão entoado pelos foliões: “Ó que dias tão alegres, tão 
alegres / E a descer, o amor divino, e a descer, o amor divino / Alegrai 
a todo mundo, a todo mundo / E a descer, o amor divino, e a descer, o 
amor divino". 
 
Folia do Marabaixo 
Outrora, os foliões do Divino entravam a dançar na igreja de São José 
de *Macapá, enquanto alguns rapazes subiam à torre para tocar o 
sino, festivamente. 
 
 
165 
 
Foliãs do Divino Espírito Santo 
Associação de mulheres de *Mazagão Velho que promove o Império 
do Divino na localidade. 
 
Gengibirra 
Bebida tradicional da *Festa do Marabaixo, em *Curiaú (Amapá), 
como dos demais rituais de origem afro-brasílica que ocorrem nesta 
área do estuário amazónico. Consiste numa infusão preparada com 
cachaça, açúcar e gengibre ralado que é servida gratuitamente e possui 
eficaz efeito reparador sobre a garganta daqueles que cantam e 
dançam, ininterruptamente, durante muitas horas. Antigamente, o 
devoto-anfitrião providenciava a gengibirra e a alimentação 
distribuída durante os festejos, por intermédio da associação de 
festeiros. A esta, actualmente destituída do seu papel estritamente 
religioso, passou a competir solicitar subsídios ao governo para arcar 
com os custos da festa que os devotos deixaram de poder pagar. 
Apesar de muitas mulheres e homens continuarem a preferir 
gengibirra, a cerveja já invadiu o *Marabaixo. 
 
 
 
Igarapé do Lago 
Localidade do Estado de Amapá que festeja o Divino durante o mês de 
Fevereiro. A festividade foi introduzida durante a década de 1950 por 
José Valente dos Santos e esposa, Sebastiana Gemaque dos Santos. 
166 
 
Reproduzo parte da nota histórica e fotos disponibilizadas no sítio da 
Associação Cultural Divino Espírito Santo de Igarapé do Lago 
(ACDESIL) [divinoespiritosantoap.blogspot.com], fundada em 4 de 
Setembro de 2006: 
“Os festeiros […] e a população local reuniam-se no barraco e davam 
início ao ritual e ao som de tambores ritmados e constantes, cantando 
estrofes que louvavam o Divino Espírito Santo, penetravam na mata 
em busca de um tronco para servir de mastro e galhos de murta, 
caminhando por quase todo o povoado sempre cantado e dançando. 
Durante o percurso, os festeiros arrecadavam dos agricultores locais 
doações, frutas para agradecer boa produção e a excelente colheita 
realizada no ano. Ao chegar à frente da Igreja, no mastro era colocada 
a bandeira do Divino Espírito Santo e enfeitado com as murtas e as 
frutas, depois ele era plantado por oito dias. 
 
 
 
 
Durante esse período ao anoitecer aconteciam as novenas e ladainhas 
cantadas em latim, e no dia 2 de Fevereiro dia do Santo e padroeiro da 
167 
 
vila se fazia a missa, a procissão, o corte do Mastro e as brincadeiras 
como: corrida de argolinha, corrida de cavalo, jogo de futebol, enfia 
agulha, ovo na colher, cabo-de-guerra, corrida no saco, concurso de 
dança e distribuição de bombom para a criançada. Em seguida a 
comunidade dirigia-se ao barraco de dança, onde durante a noite 
inteira à luz de candeeiro e lamparinas animada pelos tocadores de 
clarinetes e flautas aconteciam as danças Folclóricas (Batuque e 
Marabaixo), nas quais homens e mulheres cantavam melodias criadas 
por seus antepassados. A festividade se encerrava com a festa 
dançante no barraco nesta noite ocorria o leilão com os artigos (porco, 
galinha, pato, boi, cacho de frutas e outras) “doados pela população 
como maneira de pagamento de promessas”. Com o passar dos anos e 
com a morte de seu organizador Zé Valente, como era conhecido nas 
redondezas, a festividadesofreu interrupções por questões financeiras 
e perda de alguns foliões. Preocupados com a preservação da Cultura 
local alguns membros da Família Gemaque, resolveram assumir e 
retomar as festividades com o compromisso de continuar e preservar 
as homenagens ao Divino Espírito Santo, tendo à frente Sebastiana 
Gemaque, Ana Paz Gemaque e José Gemaque Barreto, que por muitos 
anos promoveram o evento com todo o seu ritual […]”. *Batuque, 
*Marabaixo. 
 
 
 
 
168 
 
Imperatriz 
No Auto do Império, o Imperador e a Imperatriz, encarnam o Messias 
cuja vinda e missão soteriológica se acham consignadas nos três 
momentos-chave da liturgia primordial das festividades: coroação, 
vodo, ou bodo, gratuito e libertação salutífera (da enfermidade ou da 
prisão). 
No Estado de Amapá, só em *Mazagão Velho o Império do Divino 
inclui a coroação de uma Imperatriz, entronizada na igreja de Nossa 
Senhora da Assunção. 
 
 
 
Imperatriz e Trinchante (Mazagão Velho) 
 
Império 
O Império do Divino é o edifício, ou aposento, onde é exposta à visita e 
veneração, num altar armado com flores e luzes, uma coroa imperial, 
emblema do Divino, a qual preside a todos os actos litúrgicos e de 
devoção que ocorrem enquanto duram os festejos. 
Em *Mazagão Velho, existe um trono para a *Imperatriz nesse 
edifício, ou aposento. 
169 
 
Karipuna 
A maior parte da população indígena que, actualmente, se define como 
Karipuna, cerca de 1700 indivíduos (Censo de 2002), habita na Área 
Indígena do Uaçá (demarcada em 1979), nas margens do rio Curipi, 
principalmente no seu baixo e médio curso, em quatro aldeias 
principais: *Manga, *Espírito Santo, *Santa Isabel e *Açaizal, além de 
outras localidades, dispersas ao longo do aludido rio. Esta etnia festeja 
o Divino (*Festa Grande), a quem chama *Santo, em português, e 
Bodjê, em patois (do francês Bon Dieu). 
 
Bibliografia 
TASSINARI, Antonella Maria Imperatriz, Contribuição à História e à 
Etnografia do Baixo Oiapoque: a composição das famílias Karipuna e s estruturação 
das redes de trocas (tese de Doutoramento apresentada ao Departamento de 
Antropologia Social da Universidade de S. Paulo), 1998; idem, No bom da festa: o 
processo e construção cultural das famílias Karipuna do Amapá, S. Paulo, 2003 
 
Ladainhas 
No bairro do *Laguinho, em Macapá, duram 18 noites consecutivas (2 
novenas: uma em louvor do Divino, outra da Santíssima Trindade). Os 
devotos reúnem-se em casa do festeiro (*Casa da Festa) para rezar a 
ladainha, a qual é conduzida pelo homem mais idoso da comunidade 
numa linguagem incompreensível, que afirmam ser latim. A novena 
do Divino Espírito Santo decorre entre a 6ª quinta-feira (*Quinta-feira 
da Hora) e o 7º sábado após o domingo de Páscoa. Já a novena da 
Santíssima Trindade decorre entre o 7º sábado e o 8º domingo após o 
domingo de Páscoa (*Domingo da Trindade). *Cânticos Karipuna, 
*Festa Grande. 
 
Ladrão (de Marabaixo) 
Rima ou verso improvisado, ao ritmo dos tambores. Outrora, apenas 
as mulheres os entoavam como solistas ou coristas. Segundo a 
tradição, uma das participantes mais velhas lançava versos ao desafio, 
cujo refrão as outras acompanhavam em coro. Hodiernamente, a 
tarefa passou a ser conduzida também por homens, na ausência de 
mulheres habilitadas a desempenhar a função. Paulatinamente, as 
letras originais têm vindo a perder-se, subsistindo apenas versos esparsos. O 
cântico é denominado ladrão porquanto, alguém, para entrar na 
história, tem de roubar uma deixa ao solista. 
 
Trechos de dois ladrões: 
170 
 
 
Dobrado do Divino Espírito Santo 
A pomba do divino já voou, já foi embora 
chegou na quarta-feira, chegou no dia da hora 
na quarta-feira, na quarta – feira 
chegou no dia da hora 
no dia da hora quando a missa entrou 
no dia da hora 
quando a missa entrou 
Jesus Cristo lá no céu se alegrou [...]. 
 
Rosa branca 
Rosa branca açucena lê, lê 
Case com a moça morena lê, lê 
Amanhã é dia santo o lê, lê dia de corpo deus ô lê, lê 
Quem tem roupa vai a missa quem não tem faz como eu 
Rosa branca açucena lê, lê 
Case com a moça morena lê, lê. 
 
 
Laguinho 
Bairro de *Macapá (Amapá). Festeja o Divino e a Santíssima Trindade 
durante os meses de Março/Abril. Na actualidade, tornou-se o 
derradeiro bastião do *Marabaixo tradicional na capital do Amapá, 
enquadrado pela Associação Folclórica Raimundo Ladislau e pelo 
Grupo Folclórico Pavão. *Ciclo do Marabaixo. 
 
Principais datas do Ciclo do Marabaixo no bairro do Laguinho 
 
Sábado de Aleluia: anterior ao domingo de Páscoa; 
Domingo de Páscoa: 1º Marabaixo do ano; 
Sábado do Mastro: 5º sábado após o domingo de Páscoa (Cortação do 
Mastro); 
Domingo do Mastro: 5º domingo após o domingo de Páscoa; 
Quarta-feira da Murta: 1ª quarta-feira, depois do Domingo do 
Mastro (*Colheita da Murta); 
Quinta-feira da Hora (quinta-feira de Ascensão): 6ª quinta-feira após 
a Páscoa (Levantação do mastro do Divino); 
171 
 
Sábado do Divino Espírito Santo: 9 dias após a *Quinta-feira da 
Hora; 
Domingo do Divino Espírito Santo 
Sábado da Trindade: anterior ao domingo da Santíssima Trindade 
Domingo da Trindade: *Quebra da Murta; 
Segunda-feira do Mastro: *Levantação do mastro da Santíssima 
Trindade, ao lado do mastro do Divino; 
 
 
 
Marabaixo do Laguinho (década de 1950) 
172 
 
 
 
Domingo do Senhor: 9º domingo após o domingo de Páscoa 
(imediatamente a seguir à quinta-feira do Corpo de Deus) e derradeiro 
dia do ciclo anual do Marabaixo (Derrubada de ambos os mastros, do 
Divino e da Santíssima Trindade). 
 
Levantação do mastro 
*Quinta-feira da Hora, *Segunda-feira do Mastro. 
 
Macapá 
Capital do Estado de Amapá. 
Hodiernamente, a festa, denominada *Marabaixeta (Marabaixo fora 
de época), está disseminada pela cidade, decorrendo aos domingos, 
durante o mês de Abril. Assume, porém, a sua maior expressão em 
dois bairros: do *Laguinho em louvor ao Divino Espírito Santo e da 
Santíssima Trindade e da *Favela (Santa Rita), onde a Santíssima 
Trindade constitui o cerne dos festejos. 
No bairro da Favela, a devoção consubstancia-se na oferenda às 
crianças de uma refeição, denominada *Almoço dos Inocentes. 
173 
 
Tradicionalmente, o Divino era festejado desde o domingo de Páscoa 
até o domingo do Senhor (Espírito Santo = Pentecostes). Ao som de 
duas caixas, os devotos dançam em torno das tocadoras, cantando as 
mulheres como solistas, secundadas pelo coro geral. Na *Quarta-Feira 
de Murta e no *Domingo da Trindade, dança-se até de madrugada. A 
indumentária masculina consta de camisa bordada, calças brancas, 
chapéus de palha enfeitados com flores e fitas, enquanto a feminina é 
constituída por camisas de renda e saias de chita estampada. *Casa da 
Festa. 
 
 
 
 
Manga 
Uma das quatro mais importantes aldeias, sitas nas margens do rio 
Curipi (Área Indígena do Uaçá), onde habita parte considerável da 
população indígena que, actualmente, se define como *Karipuna. 
 
Marabaixeta 
*Marabaixo fora de época, isto é, a festividade em louvor do Divino 
que, hodiernamente, decorre aos domingos durante o mês de Abril, 
174 
 
em *Macapá (Amapá). Isto porque, outrora, o Espírito Santo era 
festejado desde o domingo de Páscoa até ao Pentecostes. 
 
Marabaixo 
Dança multissecular, típica da festa do Divino no Estado de Amapá. 
Crê-se de origem afro-brasílica, concebida por escravos originários da 
região do Mali, conduzidos para *Macapá enquanto mão-de-obra 
destinada à construção da Fortaleza de São José, no século XVIII. 
 
 
 
 
Marabaixo de Curiaú 
 
175 
 
 
Nessa óptica, Fernando Canto advoga que “o termo Marabaixo é 
provavelmente uma variação de marabuto ou marabut, do árabe 
morabit – sacerdote do malês” (A Água benta e o diabo, Macapá, 
1998, p. 19). Há quem sustente que a coreografia reproduz os passos 
dos escravos negros agrilhoados nos tornozelos. No contexto afro-
brasílico é muito raro, talvez até exclusivo do Marabaixo amapaense, 
a circunstância de o músico actuar simultaneamente como 
percussionista, cantore dançarino. Distinto do *batuque, o 
Marabaixo parece ter integrado características ameríndias 
amazónicas, detectáveis na forma como o grupo dança em torno dos 
percussionistas. 
O Marabaixo é dançado em roda e consoante a cadência do ritmo dos 
tambores cilíndricos de madeira cavada (em Curiaú) ou das caixas (em 
Macapá). As mulheres formam um círculo em torno dos tocadores. Já 
os homens mantêm-se no exterior dessa roda realizando alguns passos 
de capoeira. Isto porque não é moralmente aceitável a dança conjunta 
de homens e mulheres. Segundo consta, “os homens se comportam 
dessa maneira desde há muito, pois segundo os mais velhos a dança 
do Marabaixo é coisa para mulher como sinal de respeito tanto para 
com os santos como para com as próprias dançadeiras”. As mulheres 
com filhos pequenos costumam dançar com a criança ao colo ou pela 
mão. 
O Marabaixo de *Mazagão distingue-se do de *Macapá (cujo ciclo 
ocorre de Abril a Junho) por se tratar de uma festa itinerante. Os 
“brincantes”, concentram-se no Centro Comunitário Mucito Aires de 
onde saem, visitando várias residências da vila. Os habitantes de 
*Curiaú (Amapá), mantêm viva a tradição, da qual são os herdeiros 
directos (*quilombo), reunindo-se após a Quaresma (*Sábado de 
Aleluia), para os festejos que duram dois meses (até ao Pentecostes). 
Em outras comunidades, o calendário tornou-se mais flexível. 
Em *Macapá, o Marabaixo é hoje praticado por duas agremiações: a 
Associação Folclórica Raimundo Ladislau, no Bairro do Laguinho, e 
pela Associação Folclórica Berço do Marabaixo da Favela. 
*Marabaixo de rua. 
 
Bibliografia 
OLIVEIRA, Maria do Socorro dos Santos, Religiosidade Popular em 
comunidades estuarinas Amazónicas: um estudo preliminar do Marabaixo no Amapá, 
in Scripta Nova, n. 45 (49) (1 Ago. 1999) [www.ub.es/geocrit/sn-45-49.htm] 
176 
 
 
Marabaixo das Crianças 
*Favela, *Santíssima Trindade dos Inocentes. 
 
Marabaixo de rua 
Em Macapá (Amapá), realiza-se no *Domingo do Mastro, na *Quarta-
feira da Murta e no *Domingo da Trindade. A memória popular reteve 
os nomes de Ladislau, morador em Curuçá, e de Mestre Julião Ramos, 
como animadores do Marabaixo de rua, no adro da igreja matriz. 
 
 
Mestre Ladislau dançando o Marabaixo de rua 
177 
 
 
 
Mestre Julião Ramos († 1958) 
 
 
Marabaixo do Senhor do quinto domingo 
Antiga denominação do domingo do Espírito Santo ou de Pentecostes. 
 
Mastro 
Levantar o mastro marca o início efectivo da festa. Por volta de 1950, 
em consequência da festa ter sido banida do adro da matriz e catedral 
de São José de Macapá, os mastros deixaram de ser fincados aí, 
passando a ser colocados diante da casa dos festeiros (*Casa da Festa). 
Hoje, mantém-se tal costume: cada um dos dois mastros (de 
macumbeira ou de ananazeiro) é erguido em frente da *Casa da festa, 
o primeiro no *Domingo do Mastro (5º após a Páscoa) e o segundo na 
6ª quinta-feira após o domingo de Páscoa (3 dias antes do domingo de 
Pentecostes), excepto nos bairros da *Favela e do *Laguinho, onde tal 
ocorre na segunda-feira a seguir ao domingo da Santíssima Trindade 
(*Segunda-feira do Mastro). Ambos são revestidos com *murta, 
elevando bem alto a Bandeira do Divino fincada no topo. No último 
dia da festa (9º domingo após o domingo de Páscoa), os dois mastros 
são derrubados às 18 horas exactas, ao som das caixas, 
178 
 
consubstanciando um dos ritos mais importantes de todo o ciclo. 
Entre os *Karipuna, a *Derrubada do mastro ocorre no final da tarde 
do domingo de Pentecostes. As crianças dirigem-se em procissão 
desde a capela até junto do mastro. Um rapaz sobe o mastro, retirando 
a bandeira do Divino que se acha no topo. Em seguida, usando um 
machado enfeitado com fitas coloridas, cada festeiro desfere um golpe 
nele com a intenção de o derrubar. 
Em *Mazagão, o corte do mastro precede a transferência da Coroa 
para a Imperatriz da festa seguinte. 
 
 
 
O mastro do Divino é integralmente revestido de murta 
 
 
Mazagão Velho 
Nome actual da Nova Mazagão, fundada por habitantes da cidade 
marroquina de Mazagão, compelidos pelo Marquês de Pombal, contra 
a sua vontade, a abandonar aquela praça-forte e transferidos para uma 
urbe edificada de raiz nas margens do rio Mutuacá, na Amazónia. Os 
179 
 
navios que transportaram para o Brasil as 469 famílias deslocadas 
(cerca de dois milhares de indivíduos), bem assim como as imagens 
dos santos e demais símbolos identitários vinculados à cidade 
magrebina, saíram de Lisboa no dia 15 de Setembro de 1769. A vila 
nova de Mazagão foi criada oficialmente no dia 23 de Janeiro de 1770, 
ainda precariamente organizada e constituída por edifícios modestos. 
O plano urbanístico da nova cidade havia de ser delineado pelo 
engenheiro genovez Domingos Sambucetti, o qual, subdividiu a 
quadrícula desenhada sobre a topografia escolhida, e orientada aos 
pontos cardeais, num determinado número de quadras (quarteirões) 
com 640 palmos (140,5 metros) de lado, dispostos em regular 
simetria. O povoado seria ulteriormente habitado pelos *quilombolas, 
descendentes dos escravos africanos trazidos para a região para 
construir a fortaleza de São José (*Macapá). 
 
 
 
 
Mazagão festeja o Divino com Império, durante o mês de Agosto, 
sendo todo o ritual liderado pelas mulheres da comunidade (*Foliãs 
do Divino Espírito Santo). Um almoço oferecido pelos festeiros em 
funções, escolhidos no ano anterior por sorteio, marca o início das 
festividades. 
180 
 
 
 
 
 
Após a sua coroação, circunstância excepcional no Estado de Amapá, a 
*Imperatriz desloca-se em cortejo, na companhia da *trinchante, no 
181 
 
interior do um *quadro de varas, caso também inusitado, achando-se 
sempre rodeada pelas demais empregadas do Divino. 
Assiste-se, hoje, em Mazagão Velho, ao resgate do *Marabaixo que se 
extinguira por completo. 
 
Mesa dos Inocentes 
Entre os *Karipuna, refeição servida solenemente às crianças, que se 
dirigem em procissão até ao local onde decorre. Tem paralelo com o 
bodo do Divino, denominado *Almoço dos Inocentes, em *Macapá 
(Amapá). 
 
Minguau 
O minguau de banana e o de farinha de tapioca são iguarias típicas da 
festa do Divino no Estado de Amapá. 
 
Missa 
Alguns devotos macapaenses costumam participar nas missas 
realizadas na igreja do bairro do *Laguinho em três oportunidades 
previstas no programa do ciclo do *Marabaixo: domingo de Páscoa, 
domingo do Divino Espírito Santo e domingo da Santíssima Trindade. 
Nas noites de cada sábado que antecede as missas, dois devotos, 
transportam as imagens expostas no *oratório para a igreja, as quais, 
concluída cada missa, são devolvidas à procedência. No sábado que 
antecede o Pentecostes a imagem do Divino pernoita na igreja de S. 
Benedito na companhia dos demais santos. 
 
Mucura 
Bebida tradicional, nos festejos do Divino, em Macapá (Amapá), 
confeccionada com cachaça, ovo batido, rodelas de limão e açúcar. 
Quase completamente suplantada pela *gengibirra. 
 
Murta da Trindade 
Designação do *Domingo do Divino Espírito Santo, ou Pentecostes, no 
bairro do *Laguinho (Macapá). 
 
Novena 
Por volta de 1950, as ladainhas e folias foram reduzidas às novenas. 
Na actualidade, os devotos do bairro do*Laguinho, em *Macapá 
(Amapá), reúnem-se, durante 18 noites consecutivas, em casa do 
182 
 
festeiro para rezar 2 novenas: uma em louvor ao Divino, outra à 
Santíssima Trindade, ambas conduzidas pelo homem mais idoso da 
comunidade numa linguagem incompreensível, que afirmam ser 
latim. A novena do Divino Espírito Santo decorre entre a 6ª quinta-
feira (*Quinta-feira da Hora) e o 7º sábado após o domingo de Páscoa. 
Já a novena da Santíssima Trindade decorre entre o 7º sábado e o 8º 
domingo após o domingo de Páscoa (*Domingo da Trindade). *Folia 
do Marabaixo. 
 
Oratório 
Salão interior da *Casa da Festa junto da qual decorre o *Marabaixo, 
no bairro do *Laguinho, em *Macapá. Aí é montado um oratório onde 
são expostas as coroas do Divino Espírito Santo e da Santíssima 
Trindade,juntamente com velas acesas e imagens de outros santos 
que compõem o ambiente sagrado. Não pode faltar uma Bíblia, aberta 
numa página diferente todos os dias, para suscitar a reflexão dos 
devotos que eventualmente se detenham para orar. 
 
 
 
183 
 
 
 
 
A Imperatriz e a trinchante no interior do quadro de varas 
(Mazagão Velho) 
 
 
184 
 
Procissão 
As procissões percorrem, muito rapidamente, as ruas do bairro do 
*Laguinho (*Macapá, Amapá), acompanhadas pelo *Marabaixo, em 
duas ocasiões: no *Domingo do Mastro quando saem à rua os ramos 
de *murta; no derradeiro dia da festa, para levar as bandeiras dos 
santos (Divino e Santíssima Trindade) para a *Casa da Festa, sede do 
ciclo do ano vindouro. Tais ritos anunciam simbolicamente o início e o 
encerramento, respectivamente, da festa em louvor do Divino Espírito 
Santo e da Santíssima Trindade em *Macapá. *Procissão da Meia-Lua. 
 
Procissão da Meia-Lua 
Na véspera do Pentecostes, os *Karipuna realizam a Procissão da 
Meia-Lua. Tudo decorre então de modo semelhante à festa da 
Ascensão. Ao lado do mastro derrubado manifestam-se os que 
desejam tornar-se festeiros no ano seguinte. Após terem dado 
“destino ao mastro e à bandeira branca, […] a festa continua 
normalmente com baile na casa das festas. […].” 
 
Quadro de varas 
O quadro ou quadrado de varas, recinto formado por 4 varas 
transportadas de maneira a constituírem uma espécie de armação 
paralela ao chão, distante dele cerca de meio metro, é suportado 
exteriormente em cada um dos ângulos por quatro ajudantes. 
No interior do quadro seguem as personagens que integram o reinado: 
no caso de *Mazagão Velho (Amapá), a *Imperatriz e a *trinchante. O 
quadro de varas figura a Jerusalém Celeste. O mesmo que casola 
(Açores), e quadro Santo no movimento do Contestado (Santa 
Catarina), era no interior de um quadrado, que ocupava o centro do 
acampamento e constituía o pólo da vida ritual da comunidade, que 
esta se reunia diariamente. 
 
Quarta-Feira de murta 
Na tarde da 1ª quarta-feira, depois do *Domingo do Mastro (6ª 
quarta-feira após a Páscoa), os devotos do bairro do *Laguinho, em 
*Macapá (Amapá), dirigem-se, sempre na companhia da bandeira do 
Espírito Santo, dançando e cantando aos arredores da cidade para 
“tirar a murta” (*Colheita da Murta), destinada a revestir o mastro no 
dia seguinte (*Quinta-feira da Hora). Regressam pelo mesmo 
percurso, empunhando as ramagens e desfraldando as bandeiras do 
185 
 
Espírito Santo e da Santíssima Trindade pelos lugares por onde 
passam. 
 
 
 
 
Quebra da murta 
*Domingo da Trindade. 
 
Quilombo 
Do quimbundo, kilombo. Local de refúgio de escravos foragidos 
(quilombolas), na sua maioria afro-descendentes (pretos e mestiços), 
mas também oriundos das Guianas. Regra geral, situava-se em matas 
ou regiões montanhosas de difícil acesso e distantes dos centros 
urbanos. Os quilombos transformaram-se em aldeias, praticando uma 
economia de subsistência e, por vezes, o comércio. A maioria de tais 
núcleos de fugitivos teve existência efémera, pois uma vez descobertos, 
eram alvo da repressão por parte dos senhores de terras e de escravos, 
os quais, com tal atitude, visavam, concomitantemente, capturar a 
mão-de-obra desgarrada e punir exemplarmente aqueles que 
fomentavam o procedimento. 
186 
 
 
 
Fortaleza de São José de Macapá (séc. XVIII) [AHU-Lisboa] 
 
O mais emblemático dos quilombos brasileiros foi o dos Palmares 
(1580-1710), localizado na serra da Barriga (actual Estado de Alagoas). 
Apesar de abolidos oficialmente, em 13 de Maio de 1888, alguns 
187 
 
quilombos chegaram aos nossos dias, graças ao isolamento em que 
persistiram. Os actuais habitantes de *Curiaú (Amapá), são 
maioritariamente descendentes de quilombolas, mão-de-obra escrava, 
foragida do estaleiro da fortaleza de Macapá, cuja edificação foi 
encetada no ano de 1764. 
 
 
 
 
Quindim 
Iguaria típica do Nordeste do Brasil, indispensável na festa do Divino 
no Estado de Amapá. É confeccionada com gema de ovo, açúcar e coco 
ralado, ora em formas grandes, ora em formas individuais, que lhe 
conferem aparência de pudim. Não obstante, a designação ser de raiz 
africana (da língua dengo: encanto), trata-se de um doce de origem 
portuguesa. Diz-se que namorado ou noivo, a quem uma jovem dê a 
provar quindim, acompanhá-la-á ao altar. 
 
Quinta-feira da Hora 
Quinta-feira de Ascensão, 6ª quinta-feira após a Páscoa. A designação 
“da Hora” advém da circunstância de se crer que, nesse dia, entre o 
188 
 
meio-dia e a 1 hora, a natureza está em repouso absoluto, antecipando 
um novo ciclo germinativo. 
Pela manhã, depois de terem revestido o mastro do Divino com os 
ramos de *murta e colocado a bandeira do Divino no topo, os devotos 
do bairro do *Laguinho, em *Macapá (Amapá), procedem à 
*Levantação do mastro e respectiva fixação. Dançam o *Marabaixo 
até tarde. A partir da Ascensão, e durante 18 noites consecutivas, são 
rezadas ladainhas em homenagem ao Divino e à Santíssima Trindade 
no *oratório erguido em casa do festeiro (*Casa da Festa), ornado com 
fitas, velas e as coroas de prata do Espírito Santo. Após cada ladainha, 
decorre uma festa para os participantes e convidados. 
 
Rosquilha de carimã 
Outrora, iguaria típica da festa do Divino no Estado de Amapá. 
Carimã, também chamada puba e "mandioca mole", é uma massa 
fermentada obtida a partir da mandioca. 
 
Sábado da Trindade 
Festa dançante para devotos e convidados, na *Casa da Festa, no 
bairro do *Laguinho, em *Macapá (Amapá). 
 
Sábado de Aleluia 
Sábado que antecede o domingo de Páscoa. O primeiro dia efectivo do 
*Ciclo do Marabaixo, em algumas comunidades concluído no 
domingo de Pentecostes. Antigamente, os devotos começavam a 
colecta dos óbulos para o Divino no sábado de Aleluia. 
 
Sábado do Divino Espírito Santo 
Nove dias após a *Quinta-feira da Hora realiza-se, em casa do festeiro 
(*Casa da Festa), no bairro do *Laguinho, em *Macapá, uma festa 
dançante para devotos e convidados. 
 
Sábado do mastro 
No 5º sábado após o domingo de Páscoa, os habitantes do bairro do 
*Laguinho, em *Macapá, procedem à *Cortação do mastro, nos 
arredores da cidade. A árvore cortada (uma macumbeira, ou um 
ananazeiro) é conduzida para as proximidades da casa do festeiro, 
para ser erguida diante dela, antigamente, no *Domingo do mastro, 
hoje na *Segunda-feira do mastro. 
189 
 
 
Santa Isabel 
Uma das quatro mais importantes aldeias, sitas nas margens do rio 
Curipi (Área Indígena do Uaçá, Amapá), onde habita parte 
considerável da população indígena que, actualmente, se define como 
*Karipuna. 
 
Santa Rita 
*Favela. 
 
Santana 
Município da região de Igarapé do Lago. Festeja o Divino com 
*batuque. 
 
Santíssima Trindade dos Inocentes 
Também denominado *Marabaixo das Crianças, constitui a devoção 
principal do bairro da *Favela, em *Macapá, durante os meses de 
Março/Abril. O evento, organizado pela Associação Folclórica 
Marabaixo da Favela, inclui o *Almoço dos Inocentes, espécie de 
*bodo oferecido às crianças. 
 
Santo 
Nome do Divino entre os índios *Karipuna. 
 
Segunda-feira do Mastro 
Às 18 horas, os participantes do *Marabaixo, no bairro do *Laguinho, 
em Macapá, cavam um buraco diante da casa do festeiro, revestem de 
murta o segundo mastro, designado da Santíssima Trindade, e 
procedem à respectiva “levantação” e fixação, ao lado do mastro do 
Divino. Depois de erguido o mastro, inicia-se a dança do Marabaixo 
até à meia-noite. Os festejos serão retomados apenas no *Domingo do 
Senhor (na semana seguinte). 
 
Trinchante 
Acompanhante inseparável da *Imperatriz no Império de *Mazagão 
Velho. Na hierarquia do Auto do Império, encarna a dignidade, 
imediatamente a seguir ao *Imperador. Compete-lhe superintender 
sobre o restante pessoal do Império e, na ilha de Santa Maria (Açores), 
presidir à distribuição dos bens alimentares. 
190 
 
 
Tucunaré assado 
Com tucanaré (Cichla spp., do tupi: tucun + aré = amigo da árvore), 
peixe ósseo, (medindoentre 30 cm e 1 metro), cuja característica mais 
notável é apresentar um ocelo redondo no pedúnculo caudal, é 
preparada uma iguaria típica dos festejos do Divino em Curiaú. 
 
 
 
 
Preparação: mergulha-se o tucunaré escalado em cachaça, durante 
duas horas. Lava-se e tempera-se com sumo de 1/2 limão, alho 
esmagado e pimenta a gosto, deixando-se em repouso. Entretanto, 
prepara-se um vinagrete, com cebola picada, pimentão, azeitona, 
cebolinha, salsa, tomate e palmito. Leva-se o tucunaré ao forno até 
ficar dourado. Retira-se do forno, cobrindo-se com o vinagrete. Volta 
ao forno durante mais 15 minutos, após os quais se coloca um 
requeijão sobre o vinagrete, regressando ao forno somente para o 
aquecer ligeiramente. 
 
Zimba 
*Festa do Sairé. 
191 
 
AMAZONAS 
 
 
 
 
 
 
O Divino é festejado sincreticamente em diversos municípios 
deste Estado, designadamente nos dos vales dos rios Solimões e 
Amazonas. Os vaqueiros da região amazónica são “devotos 
afervorados de Nossa Senhora da Conceição e da Coroa do Espírito 
Santo” 65. 
Segundo Gastão de Bettencourt, “no Amazonas [o Divino 
Espírito Santo] é uma das festas mais movimentadas e interessantes, 
que animam canais, furos e igarapés, durante alguns meses” 66, com 
destino ao local do festim, o qual se inicia com ladainhas ou outras 
 
65 Cf. Dalcínio Jurandir, in Revista de Cultura Política, n. 14, Abr. 1941. 
66 Ver Flagrantes do Folclore do Brasil, Coimbra, 1954, p. 73. 
192 
 
orações católicas, prosseguindo com danças e cantos religiosos 
ameríndios. 
No decurso da festividade “[o Divino Espírito Santo] é levado 
em uma montaria repleta de gente, sob batuques de tambores, e a que 
se vão agregando outras canoas saídas de furos, igarapés 67, parana-
mirins, por onde ela vai passando, para assim lhe darem as honras de 
capitânia da flotilha em marcha”. 
 
Bibliografia 
BETTENCOURT, Gastão de, A Amazónia no Fabulário e na Arte, Lisboa, 1946; 
FIGUEIREDO, Aldrin Moura de, A Cidade dos Encantados: pajelanças, feitiçarias e 
religiões afro-brasileiras na Amazónia – a constituição de um campo de estudo (1870-
1950), Campinas, 1996 (Dissertação de Mestrado em História); GALVÃO, Eduardo, A 
vida religiosa do caboclo da Amazónia, in Boletim do Museu Nacional, n. 15 (1953); 
ROCQUE, Carlos, Grande Enciclopédia da Amazónia, Belém (Amazónia), 1967-1968 
 
67 Canal fluvial coberto por túnel de vegetação (mangueiras), outrora percorrido por 
embarcações índias, denominadas igaras. 
Almoço dos Inocentes 
Espécie de bodo oferecido às crianças pela professora Maria José, em 
*Itacoatiara. 
 
 
 
 
Mesa do Almoço dos Inocentes oferecido pela professora Maria José (Itacoatiara) 
 
 
Alvarães 
Município do Estado de Amazonas cuja matriz é dedicada ao Espírito 
Santo. O “Divino é a principal festa da cidade”. 
Os festejos duram dez dias e constam de *Levantação do Mastro, 
seguido de um *tacacá, novena e, logo após, o arraial, com fogo-de-
artifício. 
194 
 
 
195 
 
O dia grande da festa começa com *alvorada, depois da qual é servido 
o café da manhã acompanhado por *pé-de-moleque e biscoitos. 
*Barquinhas do Divino. 
 
 
 
 
Alvorada 
Canção entoada pelos foliões, ou festeiros do Divino, de madrugada, 
para despertar e convocar a comunidade para a festa. *Alvarães. 
 
Bairro da Colónia 
Bairro de *Itacoatiara. Promove festejos em honra do Divino. 
 
Barquinhas do Divino 
Pedaços de madeira com cotos de velas acesas, envoltos em papel 
colorido, postos a flutuar nas águas do lago de Alvarães, os quais 
geram um deslumbrante efeito cénico. 
 
Bingão do Divino 
Jogo do bingo, comum a muitas festividades do Divino no Brasil. 
Regra geral, ocorre no domingo de Pentecostes, encerrando a festa. O 
196 
 
lucro apurado é destinado à conclusão de alguma igreja, ou de 
qualquer outra obra de vulto útil à comunidade. Os jogadores 
adquirem os cartões (cartelas) nas casas de lotaria ou aos vendedores 
ambulantes. Na maioria dos casos, são sorteados automóveis, motas, 
etc. 
Com este expediente tem a hierarquia católica logrado esvaziar a festa 
do seu ideário primevo, baseado na partilha e não na competição. 
 
Canoa de entrada 
As comunidades rurais do Município de *Maués (Amazonas) 
participam nos festejos em honra do Divino, chegando de todos os rios 
da cidade nas suas embarcações, as quais são denominadas “canoa de 
entrada”. 
 
 
 
 
Círio fluvial 
O tradicional Círio fluvial, pelas 18.00 horas, seguido da procissão e 
missa campal, marca o início da Festa do Divino Espírito Santo em 
*Maués (Amazonas). O Círio fluvial conta com a participação de 
diversas embarcações, as quais rivalizam numa competição visando 
premiar o barco, que, respeitando o tema da festa, se apresente melhor 
adornado. 
197 
 
 
 
 
Recinto onde se realizam os festejos em honra do Divino, 
e seu estandarte em Coari 
 
 
 
198 
 
Coari 
Município onde se realizam festejos em honra do Divino, durante a 2ª 
quinzena de Abril. 
 
Costo do Juçara 
Localidade do Município de *Coari (Amazonas). 
A Missão Redentorista do Amazonas promove aqui a festa do Divino. 
 
 
 
Foliões do Divino de Costo do Juçara 
 
 
Festa dançante 
Evento que encerra os festejos em honra do Divino na localidade de 
*Itacoatiara. 
199 
 
 
Itacoatiara 
A matriz, sita na Rua Álvaro França, é dedicada ao Divino Espírito 
Santo. 
Realizam-se dois Impérios: o do *Bairro da Colónia e o da *Rua 
General Carneiro, este promovido pela família Reis, desde a década de 
1940. 
 
 
 
Festa do Divino em Itacoatiara (década de 1950) 
 
 
No derradeiro dia dos festejos ocorrem a derrubação do mastro de 
frutas, a *valsa das cozinheiras e a tradicional *festa dançante. A 
professora Maria José oferece às crianças uma espécie de bodo, 
denominado *Almoço dos Inocentes. 
Esta localidade participa nos festejos do Divino promovidos pela 
paróquia de *Urucará. 
 
Itapiranga 
Localidade que participa nos festejos do Divino promovidos pela 
paróquia de *Urucará. 
200 
 
 
Jambu 
Planta rasteira, inseparável do tucupi na preparação de diversos 
pratos tradicionais da cozinha amazónica, tais como o *tacacá e o pato. 
As suas folhas, quando mastigadas, produzem ligeiro tremor nos 
lábios, razão para que alguns creditem propriedades afrodisíacas a 
este vegetal. Antes de utilizar o jambu convém fervê-lo brandamente 
em água com pouco sal. 
 
Lago Janauacá 
Distante de Manaus 110 quilómetros. 
Numa das suas crónicas, Otávio Tavares (citado pelo tenente-coronel 
Lima Figueiredo, in Cidades e Sertões) descreve a festa do Divino 
Espírito Santo que aqui se realiza: “Numa canoa engalanada com 
folhas de palmeira e totalmente iluminada com lanternas e papéis 
coloridos, são colocadas as insígnias do Divino. Noite escura, 
acompanhando aquela canoa, mil outras de todos os feitios, desde a 
ubá fragilíssima, até a igarité de fundo chato, e menos perigosa, 
coalham o lago, dando a impressão de que há boiando pequeninas 
ilhas floridas. Terminada a procissão são colocados dispositivos cheios 
de azeite, protegidos com papel de seda de todas as cores e acesas as 
grisetas [lamparinas] o lago toma um aspecto grandioso, oferecendo-
nos uma orgia de cores como se houvesse tombado sobre ele um arco-
íris aceso e partido aos pedaços, cujos fragmentos ficassem a boiar, 
dentro da moldura tenebrosa das selvas [...]”. 
 
Levantação do Mastro 
Em *Alvarães, à semelhança do que acontece em inúmeros outros 
locais, a levantação do Mastro marca o início efectivo das festividades 
do Divino. A bandeira do Espírito Santo é colocada no topo, sendo o 
mastro adornado com várias frutas típicas da região. 
 
Manaus 
Matriz dedicada ao Espírito Santo. Não alcancei qualquer notícia 
sobre a realização de festividades em louvor do Divino. 
 
Maués 
Festa do Divino durante o mês de Maio. Uma das principais atracções 
é o leilão pecuário. *Canoa de entrada, *Passeata do Divino.201 
 
Parintins 
Cidade localizada na margem direita do rio Amazonas, numa região 
cuja exploração remonta apenas a 1796. O primeiro nome da então 
freguesia (1833), foi Nossa Senhora do Carmo de Tupinambarana, 
tendo sido alterado, em 1880, para o actual, em homenagem aos povos 
indígenas parintintins que habitavam a região. 
Não obstante, o mais importante evento festivo do município ser a 
festa dos Bois Bumbás – Caprichoso e Garantido (Abril a Junho), com 
evidentes contornos sebásticos sincréticos, o Festival Folclórico de 
Parintins, que decorre na derradeira semana do mês de Junho, 
constitui-se como um dos mais populares do Brasil, amiúde 
consignando referências ao culto do Divino. 
 
 
 
 
Passeata do Divino 
Os devotos do Divino de *Maués percorrem diversos bairros e ruas da 
cidade com a coroa do Espírito Santo. Carros, motos e bicicletas, 
https://pt.wikipedia.org/wiki/1833
https://pt.wikipedia.org/wiki/Hist%C3%B3ria_de_Parintins
https://pt.wikipedia.org/wiki/1880
https://pt.wikipedia.org/wiki/Parintintins
202 
 
acompanham-na em todo o trajecto. No final da “passeata”, o pároco 
abençoa a multidão presente. 
 
 
 
 
Em cada uma das etapas da Passeata do Divino a sua coroa é exibida 
 
 
Pato 
Prato tradicional da cozinha amazónica. *Jambu. 
 
Pé-de-moleque 
Nogado (do francês, nogat). Doce obtido mediante a mistura de 
amendoins torrados e moídos com açúcar no ponto prévio à 
cristalização. Uma vez, nesse ponto, a mistura é distendida sobre uma 
superfície lisa e fria de pedra. Depois de arrefecer o doce adquire a 
consistência macia que é característica do processo tradicional por 
incorporar o óleo do próprio amendoim macerado. Alguns grãos 
inteiros são acrescentados à mistura. 
203 
 
Rua General Carneiro 
Artéria da cidade de *Itacoatiara que promove festejos em louvor do 
Espírito Santo. 
 
São Sebastião de Uatumã 
Localidade que participa nos festejos do Divino promovidos pela 
paróquia de *Urucará (Amazonas). 
 
Silves 
Localidade que participa nos festejos do Divino promovidos pela 
paróquia de *Urucará (Amazonas). 
 
 
 
 
Tacacá 
Iguaria típica do Amazonas, servida ao entardecer, dentro de cuias e 
degustada com um único pauzinho. Espécie de sopa, de facto, um 
caldo, apimentado a gosto, que mistura o *tucupi, a goma da tapioca 
cozida, camarão seco e *jambu. O tacacá é vendido na rua, ou em 
barracas, pelas famosas tacacazeiras, as quais, à semelhança das 
baianas do acarajé, envergam vestuário típico. 
Também muito apreciado no *Pará, sobretudo em *Belém. 
204 
 
Tucupi 
Sumo amarelo, extraído da raiz da mandioca-brava, a qual é cozida 
longamente antes de consumida, pois crua é venenosa. A raiz ralada, 
quando espremida no tipiti (instrumento longo fabricado com taquara 
entrançada) produz o sumo em apreço e uma massa da qual, depois de 
sujeita ao fogo, se obtém a farinha grossa do beiju. *Tacacá. 
 
 
 
 
Os festejos do Divino de Urucará decorrem na Praça de Santana, 
num palco propositadamente montado para as celebrações 
 
 
Urucará 
Município que celebra o Divino com festejos promovidos pela 
paróquia local, os quais decorrem durante o mês de Maio na Praça de 
Santana, neles participando as comunidades de *Itacoatiara, 
*Itapiranga e *São Sebastião de Uatumã. *Silves. 
 
Valsa das cozinheiras 
*Itacoatiara. 
 
 
 
205 
 
MARANHÃO 
 
 
 
 
 
O Divino é festejado em 23 municípios deste Estado, 
designadamente na ilha e nos arredores da baía de São Luís, com 
destaque para Alcântara. 
Segundo Carlos de Lima terão sido imigrantes açorianos, 
chegados entre 1615 e 1625, os responsáveis pela introdução do culto 
no Maranhão (História do Maranhão, S. Luís, 1981, p. 58-77), o que, 
206 
 
de resto, se depreende do Catálogo de documentos manuscritos 
avulsos referentes à capitania do Maranhão, existentes em Lisboa, no 
antigo Arquivo Histórico Ultramarino [AHU], onde constam petições 
do então governador do Maranhão, Albuquerque Coelho de Carvalho, 
ao Rei Afonso VI, para que “se enviem, àquele estado, casais das ilhas 
dos Açores e Madeira e alguns presos”. 
Seja como for, no Maranhão, a Festa do Divino assumiu 
carácter sincrético, ocorrendo em grande número de terreiros de 
cultos afro-brasileiros, Tambor de Mina e Candomblé 
(excepcionalmente nos de Umbanda). 
O Paracleto é festejado no Maranhão com muito luxo, muita 
fartura e muito zelo para que nada “dê para o torto”, pois crê-se que 
qualquer falha pode atrair grandes desgraças. 
As Festas do Divino dos Terreiros de Mina são, 
invariavelmente, realizadas durante o seu festejo grande, quando as 
casas de culto prestam homenagem às respectivas entidades 
espirituais principais (como Vá Missal Nanã, sincretizada com 
Santana - no terreiro de mãe Elzita; Dom Luís Rei de França, no 
Terreiro de Yemanjá, do falecido Jorge Itaci), ou constituem um acto 
de devoção e respeito para com uma entidade espiritual, como ocorre 
com a Casa das Minas, onde é cultuado Nochê Sepazim, vodum da 
família real do Daomé, consabida devota do Espírito Santo. 
No passado, o domingo da Ressurreição, ou de Páscoa, era a 
data oficial de início da festa; actualmente, alguns festejos principiam 
apenas dias antes da missa dos Impérios. 
A data de realização da festa pode variar, mas a sua abertura 
geralmente coincide com o domingo de Pentecostes, mesmo que a 
festa não decorra nessa época. 
No Maranhão o Ciclo Ritual da Festa do Espírito Santo tem 
longa duração, compreendendo uma sucessão de etapas, consoante 
uma ordem pré-definida, a saber: 
 
Etapas preparatórias 
Reuniões e Encontros, que começam vários meses antes da 
Festa propriamente dita, mobilizando muita gente. É o período de 
organização dos festeiros, atribuições de tarefas, construção de 
calendário de cada etapa, formas de captação de recursos e numerosos 
outros detalhes. 
 
207 
 
Abertura da Tribuna 
Tarde de Domingo, antes da data maior da Festa, ocasião em 
que são armados os tronos do Império e dos mordomos; 
 
Escolha e Levantamento do Mastro 
O ritual exclusivamente masculino da Escolha do Mastro, é 
cumprido, por "amigos da casa" que se reúnem para carregá-lo, e 
costuma ocorrer no domingo anterior ao do início da Festa. 
O Levantamento do Mastro faz-se à noite, depois de pintado 
com as cores da Festa, com ladainha, baptismo, padrinhos, Império, 
caixeiras, música e grande animação, reunindo muita gente, a quem é 
costume servir bolo, mingau, café e refrigerantes. A cerimónia 
caracteriza-se por um misto de expectativa, tensão e euforia, pois 
quaisquer problemas são considerados mau presságio. 
Uma vez erguido o Mastro significa que a Casa está em Festa. 
Diariamente, há uma salva de caixas ao amanhecer, ao meio-dia 
e ao anoitecer, junto ao Mastro. 
 
A Festa propriamente dita 
Missa, cortejo do Império, distribuição de comida, toque de 
caixa, visita dos Impérios, etc. 
Entre o Levantamento do Mastro e o domingo da Missa solene 
são rotineiras, nesse período, duas ou três visitas às casas das crianças 
que personificam as figuras do Império: o Espírito Santo sai em 
cortejo, formado pelas demais crianças, caixeiras, bandeireiro, 
festeiros e pessoas amigas. As caixeiras tocam, cantam e dançam e o 
Casal visitado oferece comida e bebida aos visitantes imperiais. 
 
Derrube do mastro 
Etapa ritual que assinala o termo das comemorações. Costuma 
ocorrer no final do segundo dia, no âmbito de uma actividade 
ritualística desenvolvida por vários homens, com muita perícia e 
disposição. Trata-se de um momento da comemoração, antecedido ou 
seguido de uma ladainha solene. 
 
Transferência das posses, ou Entrega do Posto 
Ritual solene de despedida dos festeiros antigos, durante o qual 
o Império transfere para oseleitos, escolhidos para representar a 
função no ano seguinte os símbolos de nobreza que os distinguirão: 
208 
 
ceptro, coroa etc. Momento de agradecimento e renovação de pro-
messas... É uma cerimónia longa em que as crianças do Império que 
são rendidas no posto sãodestituídas das insígnias reais, transferindo-
as para aquelas que ocuparão o cargo na Festa do ano seguinte. 
 
Encerramento da Tribuna 
Cerimónia que encerra a componente solene da Festa, 
assinalada por cânticos e toques de caixa. O rito de Encerramento 
começa com a caixeira-régia cantando o Bendito do Hortelã, um longo 
cântico, narrando a vida de Cristo, do nascimento à morte e referindo-
se ao futuro advento do Divino. 
Tempo de guardar as caixas e as bandeiras e de recolher a santa 
coroa e a pomba do Divino. No termo do ritual todas as caixeiras 
pousam as caixas no chão. 
 
Serração do mastro e Carimbó 
Diversão promovida pelas caixeiras após o encerramento da 
Festa. 
 
Termo da Festa 
Três distintos rituais sinalizam a despedida de um Império que 
se construiu e reinou no imaginário dos participantes. 
 
O governo Estadual do Maranhão tem promovido um processo 
de apoio e incentivo às Festas do Divino Espírito Santo, viabilizado 
presentemente pelo Projecto "Divino Maranhão 2005", cuja 
coordenação executiva é da Secretaria de Estado da Cultura-SESC via 
Superintendência de Cultura Popular/Centro de Cultura Popular 
Domingos Vieira Filho, em parceria com a Comissão Maranhense de 
Folclore-CMF. 
No ano de 2005, o Projeto Divino Maranhão 2005 envolveu 
150 (cento e cinquenta) festas do Divino Espírito Santo, de 23 (vinte e 
três) municípios: São Luís, Alcântara, Anajatuba, Bacurituba, 
Bequimão, Cajari, Caxias, Cedral, Codó, Humberto de Campos, Icatu, 
Itapecuri-Mirim, Matinha, Mirinzal, Paço do Lumiar, Palmeirandia, 
Penalva, Pinheiro, São Bento, Santa Helena, São José de Ribamar, 
Rosário e Viana. O Projecto contemplou a realização de Missa, 
Cortejos, Visitas, Mastro, Tribuna, Impérios, Apresentações de 
Caixeiras (com toque de caixas, canto e dança) e de Grupo do Interior, 
209 
 
Oficinas, Exposições, Projecção de Vídeos, Mesas-Redondas (Roda de 
Conversa) e lançamento de Cd de Caixeiras de São Luís. 
Em 2011, o Centro de Cultura Popular Domingos Vieira Filho 
recenseou 150 festas do Divino Espírito Santo no Maranhão, 66 na 
capital e 84 no interior do Estado. 
 
Bibliografia 
CARVALHO, Luciana (ed.), Divino Toque do Maranhão, Rio de Janeiro, 2005; 
CARVALHO, Maria Michol P. de, O Divino de Alcântara e S. Luís - Mesa Redonda 
(Seminário do Festival de Danças Folclóricas), Joinville, SC, 2004; idem, Divino 
Maranhão 2006, in Boletim da Comissão Maranhense de Folclore, v. 34 (Jun. 2006), 
p. 3; idem, Na tribuna foliões e caixeiras: vivências e experiência na Festa do Divino 
(Encontro Internacional – O Divino, Ontem, Hoje e Amanhã, dos Açores a Maranhão, 
S. Luís, 2007; FERRETTI, Sérgio, Festa do Divino no Maranhão, in Carvalho, Luciana 
(ed.), Divino Toque do Maranhão, Rio de Janeiro, 2005, p. 23-3; idem, Sincretismo e 
Religião na Festa do Divino (Comunicação apresentada ao Encontro Internacional 
sobre o Divino), S. Luís, 2007; FERRETTI, Mundicarmo, Turismo e religiosidade 
popular: tradição e mudança na Festa do Espírito Santo do Maranhão, in Boletim da 
Comissão Maranhense de Folclore, v. 36 (Dez. 2006); GONÇALVES, Jandir / LEAL, 
João, Festas do Divino Espírito Santo no Maranhão: uma aproximação de conjunto, in 
Boletim da Comissão Maranhense de Folclore, v. 60 (Jun. 2016); GONÇALVES, Jandir 
/ OLIVEIRA, Lenir, Os Foliões da Divindade no Cemitério dos Caldeirões, in Boletim 
da Comissão Maranhense de Folclore, v. 12 (Dez. 1998); LEAL, João, Festas do Divino 
em São Luís: um retrato de grupo, in Boletim da Comissão Maranhense de Folclore, v. 
53 (Dez. 2012); LIMA, Carlos de, O Divino Espírito Santo, in Boletim da Comissão 
Maranhense de Folclore, v. 22 (Jun. 2002) e v. 23 (Ago. 2002); LIMA-PEREIRA, 
Rosuel, Mythogenèse, Syncrétisme et Pérennité du Sébastianisme dans l’Identité 
Brésilienne du XXe et du début du XXIe siècle (L’Etat du Maranhão et ses 
manfestations socioreligieuses), Univ. Michel de Montaigne, Bordéus 3, 2012 [tese de 
doutoramento]; PEREIRA, Keyla Cristina Santana, A Festa do Divino Espírito Santo – 
Teatro das Memórias Populares, UFM, 2008; ROCHA, Maria de Fátima Sopas, A Festa 
do Divino Espírito Santo no Maranhão: uma proposta de glossário, Fortaleza, 2008; 
idem, A Coroa do Rei / A Coroa do Divino: variação lexical nos Cânticos e 
Depoimentos sobre a Festa do Divino Espírito Santo, in RAMOS, M. C. / BEZERRA, J. 
R. M. / ROCHA, M. F. S. (org.), O Português falado no Maranhão: múltiplos olhares, S. 
Luís, 2010, p. 120-131; SANTOS WENDEL / SANTOS, Julian / DIAS, Denise, Vô cantar 
Avoradinha do Divino Espírito Santo: um estudo Lexicológico da Festa do Divino no 
Maranhão, in RAMOS, M. C. / BEZERRA, J. R. M. / ROCHA, M. F. S. (org.), O 
Português falado no Maranhão: múltiplos olhares, S. Luís, 2010, p. 132-143; VIEIRA 
FILHO, Domingos, A Festa do Divino Espírito Santo, in Revista da Academia 
Maranhense de Letras, v. 9 (Mai. 1954) e in Boletim da Comissão Maranhense de 
Folclore, v. 31 (Jun. 2005), p. 26-31 
 
 
210 
 
211 
 
Abatá 
Também denominado *batá. Tambor horizontal em madeira ou zinco, 
encourado em ambas as extremidades, possuindo amarração de metal 
ou corda, afinado por torniquete, assenta horizontalmente sobre 
cavaletes. É tocado com as mãos. Estes tambores de culto, muito 
comuns na África ocidental, em Cuba e no Haiti, são relativamente 
raros nos cultos afro-brasileiros, excepto no Maranhão, onde 
constituem uma marca distintiva da religiosidade afro-maranhense. 
São percutidos na *Casa de Nagô e nos demais terreiros de *São Luís 
(*Maranhão), durante as festas em honra do Divino. Como sugerido 
pela própria homofonia batá /Badé, todos os tambores nagô são 
dedicados ao orixá Xangô, ou ao seu equivalente Badé, o que não é 
impeditivo da sua consagração a outras entidades. 
 
 
 
Abatás sendo percutidos por abatazeiros da Casa Nagô (foto Gustavo Pacheco) 
 
 
Um dos abatás é sempre um pouco maior do que o outro, e o seu som 
mais grave. Esse tambor da frente, ou tambor grande (também 
conhecido por abatá-unlá) é o primeiro a tocar, como indica o ditado 
"quando tambor pequeno fala, tambor grande já falou". Ao tambor 
212 
 
menor chama-se abatá-queque. Todos os instrumentos utilizados 
ritualísticamente são objecto de ritos ou procedimentos cerimoniais, 
denominados preparos (banho de ervas, conhecido como amassi, e 
defumação), antes de poderem ser utilizados. Os abatás são 
acompanhados por um *ferro tocado por homem ou mulher, conforme 
a casa, e por *cabaças de diferentes dimensões, a maior geralmente 
tocada por um homem e as demais por homem ou mulher, consoante 
a casa. *Abatazeiro, *aguidavi. 
 
Abatazeiro 
Tocador de *abatá, também denominado batazeiro (conhecido por 
huntó na Mina jêje), geralmente parentes (filhos, maridos, sobrinhos, 
netos, etc.) das dançantes, ou de outros membros do Terreiro. Alguns 
abatazeiros passam por uma iniciação, geralmente distinta da 
iniciação da filha-de-santo (vodunsi). Os tocadores têm de respeitar 
(de facto, nem todos os terreiros os observam) determinados 
interditos sexuais, como abster-se de relações sexuais nos dias 
anteriores aos toques e, no caso das mulheres, enquanto menstruadas. 
Diz-se que quebrar tais regras estrictas acarreta consequências, que 
podem degenerar em brigas entre os participantes, ou produzir 
estragos nos instrumentos. Com excepção da *Casa das Minas 
(*Maranhão), onde os homens estão inibidos de tocar o gã (*ferro) e 
as *cabaças, o género não é impeditivo do toque dos instrumentos, 
apesar de, na prática, os abatás serem geralmente percutidos por 
homens. Os tocadores são indispensáveis para a realização das 
cerimónias, motivo por que a maioria dos terreiros possui seus 
abatazeiros privativos, geralmente familiares ou amigos. Outros 
terreiros, porém, contam com a participação de abatazeiros 
contratados informalmente, os quais podem receber bebida, cigarros 
ou pequenas quantias pelo serviço realizado. Em muitos terreiros os 
abatazeiros são homenageados uma vez ao ano, no decurso da festa de 
pagamento, também conhecidacomo mocambo, durante a qual as 
entidades espirituais os presenteiam com pequenas oferendas, 
geralmente uma peça de roupa. Frequentemente, os abatazeiros 
realizam serviços rituais nos terreiros, tais como sacrificar animais ou 
"despachar" os pertences de pessoas recém-falecidas (tambor de 
choro, sirrum ou zelim). 
 batás . 
 
213 
 
Abertura da Tribuna 
Um dos momentos ritualmente mais relevantes do culto do Divino, no 
*Maranhão e também de enorme responsabilidade, pois determina e 
anuncia o modo como a festa decorrerá, como sublinha Dona Luzia: “o 
momento de abrir a tribuna é realmente o que mais me emociona, me 
faz chorar, porque é muita responsabilidade você chamar Deus para a 
terra, e nesse momento é isso que nós caixeiras fazemos [...] quer 
dizer, nós simples mulheres mortais, louvando ao Espírito Santo e ele 
vindo nos atendendo” (Pacheco, Gouveia, Abreu, 2005, p. 20). 
 
 
 
O ritual consiste em instalar os principais objectos rituais do *Império 
(coroa real, pomba, bandeira real e bandeirinhas) no *salão principal 
da casa da festa, a *Tribuna, luxuosamente decorada e onde ficam o 
altar do Divino e os assentos (geralmente dispostos em degraus para 
sublinhar a hierarquia das funções) que serão ocupadas pelos 
integrantes do Império (crianças e padrinhos da Tribuna). Esses 
assentos, ou tronos, estão dispostos no topo de degraus, de forma a 
evidenciar a hierarquia rigorosamente respeitada, colocando-se 
214 
 
sempre no lugar mais alto o imperador e a imperatriz, quando a 
houver, já que em algumas festas, como a de Alcântara (e na, outrora, 
realizada no *Paço do Lumiar), alternam imperadores e imperatrizes. 
Antigamente, a Abertura da Tribuna, realizava-se no domingo da 
Ressurreição (*domingo de Páscoa), actualmente ocorre dez ou quinze 
dias antes da *missa dos impérios. Alguns terreiros mantêm a 
Abertura da Tribuna na data convencional, mas, na prática, os festejos 
só começam muito depois. Durante a Abertura da Tribuna alternam-se 
os versos da caixeira e do dono, ou dona, da festa, passando o 
comando do ritual para a responsabilidade da caixeira-régia (ou mor, 
conforme a casa que promove a festa), quando é entoado o cântico 
*Espírito Santo Dobrado, destinado a invocar o Divino, convidando 
“àquele que tá em cima”, a aproximar-se da comunidade: “desce o 
alto, desce o alto”. Depois, cada caixeira pode cantar uma quadra: 
Vinde meu Espírito Santo / Que por vós estou chamando / A tribuna 
está aberta / E por vós está esperando; As portas do céu se abriram / 
O pombo branco avoou / Sentou pra ser festejado / Na festa do 
imperador. Sem embargo de muitos versos da festa serem 
improvisados, os da Abertura da Tribuna, mercê da sua importância, 
são, em geral, conhecidos e transmitidos de geração em geração, 
obedecendo a uma ordem definida: 1. invocação ao Divino; 2. cântico 
para São Pedro, guardião das chaves do céu e também da chave da 
*Tribuna. 
 
Abóbada de aço 
À saída da missa da coroação o *Imperador de *Periá (*Maranhão) 
passa sob duas espadas cruzadas, formando a denominada abóbada de 
aço, expressão maçónica que designa as espadas cruzadas por duas 
alas de mações, sob as quais passam os altos dignitários da 
corporação, em sinal de honra. O costume estendeu-se às instituições 
castrenses que o adoptam em ocasiões festivas para homenagear os 
seus membros. *Sampaio Bruno dedica à questão capítulo do seu 
Plano de um Livro a Fazer: Os Cavaleiros do Amor ou a Religião do 
Amor (Lisboa, 1996). 
 
Académicos do Grande Rio 
Escola de Samba que adoptou as festas do Divino do Maranhão como 
enredo no Carnaval de 2002: Os Papagaios Amarelos nas Terras 
Encantadas do Maranhão da autoria de Joãozinho Trinta, cuja 
215 
 
sinopse se segue: “Em Alcântara acontece a cerimónia popular do 
"Divino Espírito Santo". De origem portuguesa, esta festa chegou no 
Maranhão no século XVI. Começa com a escolha de um menino para 
ser o Imperador do Divino ou de uma menina para ser a Imperatriz. 
Depois, é escolhida toda uma corte: um mordomo régio ou mordoma 
régia, cinco mordomos baixos ou seis mordomas baixas. No dia 24 de 
agosto, a mando do Imperador sai da cidade um cortejo de pessoas 
encarregadas de recolher esmolas para a festa, constituído de 
caixeiras, bandeireiras, um bandeireiro, cidadãos de confiança, 
carregadores de galinhas, perus, patos, cofos de farinha, porcos e etc. 
E o menino "Vicente" que recolhe as esmolas. Os responsáveis 
marcham atrás revezando-se no transporte da coroa de prata, 
guardada numa caixa redonda, de folha-de-flandres pintada. A festa é 
constituída de vários momentos, que acontecem dentro e no átrio da 
igreja, além de romarias visitando as casas dos eleitos para a corte do 
Imperador. Tudo acontece entre cantos, danças, atos solenes e muita 
comida, doces e bebidas. A "Festa do Divino" é um auto completo 
[...]”. 
 
Académicos do Salgueiro 
Escola de Samba carioca que adoptou a lenda do encantamento de D. 
Sebastião nas praias de Lençóis, no Maranhão, como enredo no 
Carnaval de 1974. 
 
O Rei de França na Ilha da Assombração 
 
In credo in cruz, ê ê, Vige Maria, 
As preta véia se benze, me arrepia 
Ô, ô, ô Xangô, 
As preta véia não mente, não sinhô. 
 
Não cantaram em vão 
O poeta e o sabiá 
Na fonte do Ribeirão. 
Lenda e assombração 
 
Contam que o rei criança 
Viu o Reino de França no Maranhão 
Das matas fez o salão dos espelhos 
216 
 
Em candelabros palmeirais, 
 
Da gente índia a corte real, 
De ouro e prata um mundo irreal. 
Na imaginação do rei mimado 
A rainha era deusa 
 
No reino encantado. 
Na praia dos Lençóis, 
Areia assombração, 
O touro negro coroado 
 
É Dom Sebastião. 
É meia-noite, Nhá Jança vem, 
Desce do além na carruagem 
Do fogo vivo, luz da nobreza, 
 
Saem azulejos, sua riqueza, 
E a escrava que maravilha 
É a serpente de prata 
Que rodeia a ilha. 
 
 
Agogô 
Outro nome para o instrumento denominado *ferro, constituído por 
uma campainha. Também designação das campainhas no 
*Candomblé. 
 
Agué 
Outra designação para o instrumento denominado *cabaça, revestido 
de contas multicolores. 
 
Aguidavi 
Denominação das baguetas utilizadas pelo *huntó para percutir cada 
um dos três tambores de madeira (*tambor de Mina), instrumentos de 
culto exclusivos da *Casa das Minas (*São Luís, Maranhão), cujo 
toque, acompanhado pelo de quatro ou cinco *cabaças pequenas 
(geralmente, a cargo de mulheres), é característico das festas do 
Divino nesta região brasileira. *Abatá. 
217 
 
Aia 
Designação de cada uma das duas adolescentes que integram o séquito 
da *Imperatriz, em *Alcântara. 
 
Alcântara 
Município constituído por mais de duas centenas e meia de povoados 
rurais, a maioria dos quais herdeiros de quilombos e de comunidades 
Tupinambás (Tapuitapera). 
 
 
 
Apesar de carecer de fundamento, uma tradição assevera que a festa 
teve origem numa prometida visita de D. Pedro II à cidade. As famílias 
da élite local ter-se-iam preparado para recebê-lo, iniciando a 
construção de grandes edifícios, susceptíveis de albergar o Imperador 
e a sua comitiva. Tais edificações nunca terão sido concluídas o que é, 
segundo a supracitada narrativa fantasista, atestado pelas ruínas 
disseminadas pela cidade. Não menos fabulosa é a opinião (crê-se 
divulgada no Rio de Janeiro por um Perfeito de São Luís) segundo a 
qual os africanos escravizados e seus descendentes, residentes em 
Alcântara, teriam concebido a festa do Império do Divino inspirados 
no modelo do Império que frustrara as suas expectativas. Seja como 
218 
 
for, em meados do séc. XIX a festa do Divino Espírito Santo estava 
firmemente enraizada em Alcântara, especialmente entre a população 
mais modesta. O Divino é festejado aqui de forma sincrética (*tambor 
de mina). Por exemplo, a pomba do Espírito Santo é identificada com 
o *orixá *Oxalá, circunstância mais ou menos oclusa e secreta, só 
discretamente revelada. A festa, cujo ciclo dura 365 dias, inicia-se no 
dia imediato ao derradeiro das festividades anuais – o domingo dePentecostes -, cabendo ao pároco a *Leitura do Pelouro, documento 
que consigna a relação dos treze indivíduos escolhidos para festeiros 
no ano seguinte: *Imperador (que alterna com a *Imperatriz ano sim, 
ano não), *Mordomo régio (*Mordoma, em ano de Imperatriz), cinco 
Mordomos baixos e seis Mordomas baixas. A cor tradicional do 
Imperador é o vermelho (mas também traja de branco), o verde a do 
Mordomo régio, enquanto o azul-claro, ou o rosa, são adoptados pelos 
demais Mordomos. Na 2ª feira após o domingo de Pentecostes 
concretiza-se a entrega do posto aos novos festeiros, com salvas de 
foguetes e acompanhamento das caixeiras. No mês de Agosto, em 
cerimónia realizada na igreja, o Imperador recebe a *coroa de prata de 
prata maciça encimada pela pombinha e os Mordomos uma pomba, 
em tamanho natural, de gesso ou madeira. Na madrugada do dia 24 de 
Agosto, a pedido dos festeiros, a folia do Divino sai da cidade em 
cortejo, percorrendo todo o município de Alcântara, para recolher 
todo o género de oferendas e donativos (*tirar jóia), actividade que se 
dá por concluída em Novembro. Tal folia é constituída por três 
caixeiras (lavadeiras, geralmente idosas, tocadoras de caixa), três 
bandeiras (meninas entre os 10 e os 14 anos, que conduzem pequenas 
bandeiras, brancas e vermelhas, com a coroa do Divino bordada), um 
bandeireiro (conduz uma grande bandeira vermelha), dois cidadãos de 
confiança (também denominados “responsáveis”, os quais se revesam 
no transporte da coroa de prata ou da pomba de cerâmica, guardada 
numa lata redonda de folha de flandres pintada) e três carregadores. 
As esmolas em dinheiro são colectadas por um menino que, 
independentemente, do seu nome, é chamado o *Vicente. A recepção 
da folia é festiva e calorosa, repartindo o povo “carinhosamente, a 
miséria”. Segundo Carlos de Lima, é “como se realmente o Divino 
Espírito baixasse àquele meio”. Ouvem-se as seguintes quadras, 
cantadas à porta das casas dos visitados: 
 
Santa C’rôa tira jóia, 
219 
 
Mas não é de pricisão, 
Pede prá exprimentá 
Quem tem um bom coração. 
 
Sprito Santo é Deus 
Ninguém pode duvidá, 
Im toda parte qui chega 
Fais o povo se alegrá. 
 
Vinde minha Santa C’roa, 
Vinde flô deliciosa, 
Nós por vós tamo esperando 
Oh! Agélica mimosa. 
 
A primeira cerimónia de cada festa tem lugar no Sábado de Aleluia 
durante a *Missa do Fogo, a qual assinala o início do período durante 
o qual os festeiros esmolam (fazem donativos destinados aos festejos) 
na sede do município. Cada festeiro, obedecendo à hierarquia que 
concede prioridade ao Imperador, ou à Imperatriz, percorre as ruas de 
Alcântara com seu cortejo, composto por *mestre-sala que leva a salva 
(bandejao redonda coberta por pano branco rendado) e o Vicente. 
Terminado o ofício de Sábado de Aleluia, na igreja de Nossa Senhora 
do Carmo de Alcântara, as caixas voltam a rufar e as bandeiras a ser 
desfraldadas, sinal para a *corte imperial abandonar o templo, 
edificado em 1665, e iniciar a visita às casas dos festeiros, para realizar 
a coleta das esmolas. O cortejo percorre a cidade, entoando cânticos. 
As caixeiras comandam as homenagens, realizando uma dança 
peculiar enquanto louvam o Divino ao som do rufo das suas caixas, 
sempre secundadas pelas bandeirinhas, meninas que participam do 
canto e da dança (*bandeirinha). No final do desfile são servidas 
bebidas e doces a todos os participantes. Na véspera da Ascensão, o 
*Mastro do Divino é desembarcado, imediatamente ornamentado com 
ramos de murta e conduzido pela cidade aos ombros de uma vintena 
de devotos, detendo-se à porta dos Mordomos, antes de atingir a praça 
onde será enfeitado com cachos de bananas e cocos e fincado, não sem 
previamente se lhe espetar no topo uma bandeira com a coroa 
bordada. Todo o trajecto é acompanhado por cânticos, cujo refrão os 
carregadores repetem até à exaustão. 
 
220 
 
 
 
Cerca das 4 da manhã de Quinta-feira de Ascensão, e durante uma 
meia-hora, as caixeiras e as bandeirinhas cantam uma *alvorada junto 
ao mastro, após a qual se recolhem: 
 
É bonito o campo verde 
Quando vem rumpendo a aurora 
Bate as asa passarinho 
Abre o bico, canta e chora. 
 
Alvorada nova, 
Nova alvorada, 
De manhã bem cedo 
Sobre a madrugada. 
 
A festa propriamente dita começa pelas 8 horas. Nela cada festeiro 
(Imperador, Mordomo Régio, Mordomos baixos e Mestre Sala) possui 
o respectivo séquito, incluindo o seu representante (sempre uma 
criança ou jovem), que comparece a todos os eventos em sua 
representação: o Imperador é representado pelo *Imperador do Trono 
(geralmente seu filho, neto, ou parente), um menino fardado de 
221 
 
branco, “com alamares ou botões dourados” que se faz acompanhar de 
dois vassalos (no caso da Imperatriz, duas aias e um vassalo); o 
Mordomo Régio é representado pelo *Mordomo Régio do Trono, que 
se distingue pelo chapéu de dois bicos, orlado de arminho, e assim por 
diante, até ao último Mordomo baixo. Recupero, doravante, as 
passagens cruciais do testemunho minucioso de Carlos de Lima: 
 
“Sai o Mestre Sala a reunir as caixeiras e, com a orquestra, buscar, de 
casa em casa, os festeiros. Junta-se a gente, adultos e crianças e, sob a 
orientação dos treze Mestres Sala, dirige-se à igreja, onde Imperador e 
Mordomos ocupam seus tronos caprichosamente adornados, de 
véspera, de sedas e bordados para assistirem à Missa da Ascensão, 
missa cantada e a grande instrumental. No fim do acto, o padre, 
solenemente, coroa o Imperador, pondo-lhe na cabeça uma coroa de 
lata, nas mãos o ceptro, ao mesmo tempo que um pombo esvoaça pela 
nave, inquieto até encontrar a porta por onde escapa. Um frémito de 
emoção sacode o público, há um breve murmúrio. Sente-se a presença 
do Espírito Santo. Sai o povo, forma-se o cortejo. Os “séquitos do 
trono”, chegados ao adro, reúnem-se à porta do templo, todos de 
branco, do Imperador à mais humilde das caixeiras, numa única 
procissão, ao som das marchadinhas e dobrados, e se dirigem à casa 
do Imperador, onde são recepcionados com farta mesa de doces, 
chocolate grosso e licores de frutas [...]. as salas dos grandes sobrados 
e moradas inteiras onde se fazem as festas recebem abajures e 
correntes de papel de seda e crepon, docéis de listras e acolchoados, 
pintalgados de estrelas de macacheta e luzes coloridas. Armam-se 
altares e tronos, é proibido fumar, cruzar as pernas ou os braços, sob 
pena de receber de repente, um laço de fita no braço, sujeito a multa 
em dinheiro. O Imperador, como a figura mais importante da festa, 
oferece duas mesas de doces, uma nesta Quinta-feira da Ascensão, 
outra no Domingo de Pentecostes. Os Mordomos só são obrigados aos 
doces nos dias em que recebem as visitas do Imperador. Nesta mesma 
tarde fazem-se as “prisões”. À ordem do Imperador, um vassalo, com 
seu séquito, dirige-se a casa de alguns Mordomos, para “prendê-los”. 
Cada preso incorpora-se ao cortejo, ao som das cantigas das caixeiras 
e gritos do povo. Por fim, visitam o mastro, onde, para se “libertarem”, 
todos oferecem prendas ao Divino. No Sábado seguinte, durante o dia, 
mocinhas e crianças, sempre acompanhadas das caixeiras, se 
entregam à “ciganagem”, novo recolhimento de pequenas oferendas – 
222 
 
um punhado de folhas de vinagreira para o arroz de cuxá, dois limões, 
uma talhada de jerimum, uma garrafa de cachaça, um sabonete de 
cheiro. À tardinha, o Mestre Sala do Mordomo Régio, à frente de seu 
grupo, vai pedir licença ao Imperador para visitá-lo o seu amo, 
naquela noite. O pedido, conduzido por uma criança, em envelope 
aberto, numa bandeja, diz: 
 
Nesta noite de grande alegria, 
Sobre os céus cantam anjos louvores, 
Sobre a terra o perfume se exala 
Como exalam no jardim as flores. 
 
Muito digno Imperador, 
Licença venho tirar 
Pra que nesta noite eu possa 
Vossa Majestade visitar. 
 
De noite, após a novena, na igreja [de Nossa Senhora do Carmo], vai o 
Mordomo Régio com seus vassalos, suas caixeiras e seus súbditos e o 
povo que acorre sempre, realizar a aprazadavisita. Esse préstito, 
obrigatoriamente, passa à porta de cada Mordomo, com a sua imagem 
do Divino na bandeja, para receber as homenagens dos fiéis, que se 
expressa na execução de uma estrofe do hino nacional e estouros de 
foguetes. Responde O Mestre Sala do Paço: “Viva o Espírito Santo do 
Paço! Viva o Mordomo em trânsito!”. Segue a passeata, de casa de 
Mordomo em casa de Mordomo, à luz mortiça de espaçadas luzes e de 
fogos-de-artifício e balões e lanternas de papel colorido, de feitios 
vários, até à do Imperador. Ao aproximar-se, sai-lhe ao encontro todo 
o Império. Troca-se a coroa de prata do Imperador, pela pomba do 
Divino, do Mordomo. Afinal, entram em casa do Imperador e começa 
o baile, comes e bebes, até uma ou duas horas da madrugada. Mas 
ainda o bródio não é findo, pois, terminado o do Imperador, dirigem-
se os festeiros, de volta à casa do Mordomo régio, onde por mais de 
uma ou duas horas, continua a festança. Então, é Domingo, o 
“Domingo do meio”, situado entre a Quinta-feira da Ascensão e o 
Domingo de Pentecostes. O Imperador e os Mordomos, com grande 
acompanhamento, comparecem à igreja, para a missa das dez. Com a 
pagodeira da véspera, há sempre atrasos e contratempos, para 
desespero do padre. Mas terminada a missa, todos, inclusive o padre, 
223 
 
partem para a casa do Mordomo régio, que é o seu dia. Guloseimas, 
danças, bebidas, o pobre Mordomo obrigado a duas festas no mesmo 
dia! Mas a empresa requer real valor. Demorados por umas duas 
horas, fica em sua casa o Mordomo régio e seguem os demais a visitar 
cada Mordomo, até o último. Note-se que todos os dias da semana 
agora iniciada são dias de festa, isto é, na segunda, na terça, na quarta, 
na quinta e na Sexta-feira os Mordomos continuam a visitar o 
Imperador, das dez da noite às duas da manhã. E tome baile e 
comedorias e pagode. A bebida não é muita, mas é forte e são 
frequentes os que se deixam levar, com o doce sabor dos licores, a 
resultados desastrosos. Na Sexta-feira, à tarde, percorre as ruas um 
boi brabo, os chifres enfeitados de flores e ramagens, sustido por 
longas cordas e rapazes fortes, acompanhado das caixeiras e que se 
destina, segundo parece, tão sómente, a assustar os transeuntes. [...] 
na manhã seguinte será abatido. À tarde desse Sábado, nova passeata. 
Todos os Mordomos, precedidos do Imperador, distribuem esmolas 
aos pobres da cidade: a carne do boi sacrificado, lenha, dinheiro, pão, 
géneros diversos, tudo acondicionado em pacotes, caixas, todos 
ornamentados sob motivos diversos, sejam barcos ou cestas, ou flores, 
etc. De noite o Imperador retribui as visitas. São outras doze festas. 
[...]. Amanhece finalmente. Domingo de Pentecostes. O grande dia! 
Todos de vermelho. Até as pombinhas obrigadas à regra, engraçadas, 
de jaquetas rubras, aninhadas em suas bandejas. Missa, às dez horas. 
Dir-se-ia igual às outras. Mas, não! Hoje há mais velas, o coro canta 
mais forte, mais belo [...]. A música enche a nave, deleita os fiéis [...]. 
Mas quebra-se o encanto; terminou a missa, o padre dá a bênção. 
Recompõe-se a comitiva e ruma, outra vez, para o «Palácio» do 
Imperador. O almoço é farto [...]. Vinho à vontade [...]. A música 
tocando, os pares agarrados no arrasta-pé, namorados pelos canto, o 
licor entre os circunstante. [...]. Gente, tá na hora da procissão! [...]. 
Todos para a igreja. O sacristão organiza o préstito. Bem na frente o 
menino com a bandeira grande, duas vezes o tamanho dele [...]. 
Depois o andor, de seda brilhante, em forma de nicho, abrigando a 
“Santa Coroa” polida e repolida fulgindo os últimos raios do sol 
exangue, carregada aos ombros de quatro moças mais ou menos 
iguais. Atrás, o Imperador coroado, de farda de tropical azul-marinho, 
condecorações e berloques de ouro, pesados correntões antigos, 
botões dourados, ceptro e dragonas e luvas, o manto vermelho, 
bordado a fio de ouro e pedrarias, arrastando nas pedras irregulares 
224 
 
do calçamento. Ladeando-o dois vassalos do Reino, também 
fantasiados de roupas cinzentas ou azuis, faixas atravessadas ao peito, 
espada à cinta, empertigados, cônscios de sua «realeza». Segue-os o 
Mordomo régio, igualmente de azul, gravatinha borboleta, ostentando 
um manto mais curto, mas orlado, também de arminho. Agora, os 
Mordomos baixos, com seus séquitos, paletós um tanto fora de moda, 
gravatas pretas, luvas brancas. As caixeiras, todas de vermelho, torços 
enfeitados de jasmim, alecrim e manjerona. Os vestidos [...] de tafetá 
lustroso ou seda de caimento, cordões de ouro de quatro voltas, coisa 
antiga, herança de velhas mucamas, boas e queridas. Afinal, a 
orquestra e o povo. Gente carregando grandes pedras ou potes na 
cabeça, pagando promessas. Hinos dobrados. A reza do terço, o 
vozeiro. [...]. É a hora dos pedidos, das esperanças de casamento, de 
melhoria da sorte. O divino Espírito Santo vai passando, 
misericordioso, dispensando bênçãos, concedendo venturas. Pelas seis 
da tarde, recolhe-se a procissão. Ninguém fica no largo. Na igreja, o 
povo se comprime, o murmúrio é constante e vai crescendo até obrigar 
a intervenção do padre: “Silêncio, irmãos, Estamos na casa de Deus!” 
Todos estão ansiosos pela revelação dos nomes dos festeiros do 
próximo ano escrito no pelouro. No dia seguinte o Imperador irá de 
casa em casa, vestindo nas funções os escolhidos. [...]”. 
 
Bibliografia 
FERREIRA, José de Ribamar, Alcântara e o Império do Divino: Pedras e tronos 
decadentes, 1998 [monografia de conclusão do Curso de História na UFMA]; LIMA, 
Carlos de, Festa do Divino Espírito Santo em Alcântara (Maranhão), S. Luís do 
Maranhão, 1972 e Brasília, 1988; NUNES, Izaurina, A reconstituição de um Império na 
cidade de Alcântara, in Boletim da Comissão Maranhense de Folclore, v. 13 (Jun. 
1999); SANTOS, Pedro Braga dos, Alcântara: a sociologia da festa do Divino, São Luís, 
1980; idem, A festa do Divino Espírito Santo, em Alcântara (Maranhão), in Revista de 
Antropologia, v. 33 (S. Paulo, 1990), p. 191-197; SANTOS, Roza Maria, A Festa do 
Divino de São Luís e Alcântara – danças de reverência, in Boletim da Comissão 
Maranhense de Folclore, v. 36 (Dez. 2006); VIEIRA FILHO, Domingos, A Festa do 
Divino Espírito Santo, 1954 
 
Videografia 
SANTOS, Murilo, O Divino de Alcântara – Maranhão (argumento de Carlos 
Aparecido Fernandes), 1996 
 
Aldeias Altas 
Município onde se realiza a Festa do Divino. 
 
225 
 
Almoço de Pentecostes 
Espécie de bodo que se realiza em *Alcântara (*Maranhão), após a 
missa do Espírito Santo, no qual o *Imperador recebe os seus convivas 
com muita pompa, ofertando-lhes um lauto almoço e farta mesa de 
doces. Na *Casa Nagô, dependendo da hora de retorno da missa, pode 
haver um lanche, antes do almoço. As casas dos festeiros, em *São 
Luís e em Alcântara, são caprichosamente decoradas com as cores 
adequadas a cada uma das funções do ritual e "recebem abajures e 
correntes de papel de seda e crepom, dosséis de listras e acolchoados, 
salpicados de estrelas de malacacheta e luzes coloridas" (Lima, 1988, 
p. 29). À chegada à casa da festa, as caixeiras retomam os toques com 
o *Espírito Santo Dobrado, para solicitar ao dono da casa que receba o 
Império: 
 
Senhora dona da casa, 
com prazer no coração, 
receba Espírito Santo 
que da missa está chegando 
 
Antes da entrada na *Casa das Minas, são distribuídas esmolas a doze 
pobres, "como se fossem os doze apóstolos”. Logo após, as caixeiras 
dão três voltas em torno do mastro dirigindo-se à *Tribuna, onde 
orientam com versos, o *mestre-sala, a quem compete acomodar nos 
respectivos assentos as crianças que formam a corte. Todos 
acompanham então a rezadeira, que profere a ladainha e diversos 
*Benditos. Segue-se o toque *Santana, a salva em agradecimento à 
rezadeira e as orientações ao bandeireiro para que conduza a comitiva 
para o almoço: 
 
Bandeireiro, bandeireiro 
Cumpra a sua obrigação 
Chame todos os impérios 
Reúna seu batalhão. 
 
Durante o almoço as caixeiras tocam Santana, comentando a refeição, 
servidaprioritariamente às crianças da corte imperial. Acompanham-
nas depois ao salão, onde elas próprias aguardam o convite para o 
almoço, não sem antes fazerem uma última saudação ao Divino e se 
despedirem do Império. Depois do almoço das crianças e das 
226 
 
caixeiras, quando o Império, despidas as roupas rituais, descansa, ou 
se diverte no quintal, é servido o almoço aos demais presentes. A mesa 
é farta e variada: tortas de camarão e carne, frango desfiado, carne de 
boi e porco, vatapá, macarrão, arroz, farofa, salada e refrigerantes. Em 
geral o almoço é acompanhado por música animada, sendo 
consumidas bebidas alcoólicas, vendidas ou oferecidas. Vieira Filho 
acrescenta que "finda a louvação é servida aos presentes que 
confraternizaram com os impérios farta mesa de “doces de espécie, 
pastilhas e licor de jenipapo". Por seu turno, Carlos de Lima enumera 
os doces: “[...] pudim, pão-de-ló, queijadinha, broa, bolo de tapioca, 
mãe-benta e pastilhas, onde a imaginação dos artistas coloca 
chinelinhas, garças, coelhos, corações e cestas de cartolina, feitas a 
caprichos, pintalgadas de orvalho brilhante e pó de ouro e os célebres 
‘doces de espécie’, especialidade de Alcântara […]. São formas de 
massa de trigo, ovos e manteiga que recebem o saboroso recheio de 
inigualável doce-de-coco". Cada membro do império fica responsável 
por uma mesa da festa, competindo entre si pela mesa mais bonita. 
Ferretti sublinha que “uma festa do Divino considerada boa costuma 
ter, no mínimo, seis mesas de doces, cada uma com duas ou três 
dúzias de enfeites ou lembranças que são distribuídas aos amigos e 
colaboradores”. Tais mesas mantêm-se expostas durante dois ou três 
dias. Este banquete, cuja fartura “é [consoante o testemunho de uma 
festeira de Alcântara, na década de 1990] a mistura do material com o 
espiritual”, constitui o ponto alto da festa, após o qual todos seguem 
para a igreja onde vão assistir à leitura do *Pelouro. 
 
Bibliografia 
GOUVEIA, Cláudia Rejane Martins, O Reinado de Vó Missã: estudo da Festa do 
Divino em um Terreiro de Mina em S. Luís, Maranhão, 1997; idem, As esposas do 
Divino - Poder e prestígio feminino nas festas do Divino em Terreiros de Tambor de 
Mina em São Luís do Maranhão, Recife, 2001 [dissertação de mestrado apresentada ao 
Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da UFPE]; LIMA, Carlos de, Festa 
do Divino Espírito Santo em Alcântara (Maranhão), S. Luís do Maranhão, 1972 e 
Brasília, 1988; VIEIRA FILHO, Domingos, A Festa do Divino Espírito Santo, in Revista 
da Academia Maranhense de Letras, v. 9 (Mai. 1954) e in Boletim da Comissão 
Maranhense de Folclore, v. 31 (Jun. 2005), p. 26-31 
 
Almoço dos Impérios 
Refeição oferecida ao Império das crianças e demais assistentes pela 
casa (*Casa Fanti-Ashanti) que festeja o Paracleto. 
 
227 
 
Almofadão 
Almofada grande pertencente às *Posses Reais, conjunto de objectos 
que simbolizam o poder do *Imperador. Referido na seguinte quadra: 
Meu Divino Espírito Santo / Vossa tribuna vai fechar / Entregue o 
almofadão / Tapete e vela e castiçal. 
 
Altar 
Nos *Açores, o mesmo que *trono do Divino, no Brasil, sinónimo de 
*Império. Autêntica capela votiva, cujo arranjo faz parte das 
atribuições das mulheres, o altar é armado no mais espaçoso quarto da 
casa do *Imperador ou do *mordomo (geralmente num dos cantos do 
denominado quarto do Espírito Santo), forrado com lençóis e rendas 
(actualmente é também utilizado papel crepe). O trono assume forma 
piramidal, possuindo vários degraus (geralmente três) e reservando-se 
o superior para a coroa do Espírito Santo. Em cada um dos inferiores 
dispõem-se, lateralmente, jarras com flores, castiçais e, por vezes, 
imagens de santos (actualmente, também servem de ornamento bolas 
de Natal, fitas de árvore de Natal, etc.). O ceptro é enterrado num 
pequeno recipiente contendo grãos de trigo, colocado na base da 
pirâmide. O docel (sustentado por armação circular em vime, da qual 
pendem cortinas brancas rendadas), semeia-se com estrelas de papel, 
para simular o céu. É em torno do altar que se realiza durante a noite, 
a alumiação ou iluminação (*saudação do altar). Jaime de Figueiredo 
reproduz quadras entoadas na ilha de *Santa Maria, diante do altar 
(cf. Impérios Marienses): 
 
Com licença e agrado, 
Canta a folia a preceito, 
Aqui é lugar sagrado, 
Digno de todo o respeito. 
 
Este trono é um altar, 
Com muitas velas e flores, 
Onde vimos joelhar, 
A contar as nossas dores. 
 
No alto está a coroa 
Na sua clara lindeza, 
Por ser a primeira pessoa, 
228 
 
No seu valor e grandeza. 
 
Tudo aqui é bem bonito 
E cheio de perfeição! 
É este amor infinito 
Que nos dá a salvação. 
 
Em *São Luís (*Maranhão) dá-se o nome de altar a uma estrutura, ou 
armação, em madeira, com degraus, revestida de tecido e decorada 
com flores, destinada a expôr as insígnias do Império. Geralmente 
erigido na zona central do salão. Referido na seguinte quadra: Já 
chegou espírito Santo / Que viemos festejar / Perante suas caixeiras / 
Ele pousou no altar. *Tribuna. 
 
Alvorada 
Canção entoada pelos foliões do Espírito Santo para despertar e 
convocar a comunidade. No *Penedo, incluia lançamento de foguetes e 
morteiros. Durante os festejos do Império do Divino cantam e dançam 
à porta dos mordomos da festa ao som de pífaro e bombo, para 
finalmente entrarem e comerem, antes de acompanharem até à igreja 
as fogaças oferecidas pelos seus anfitriões. Opinam alguns autores que 
será uma relíquia de “loas lançadas diante de imagens de santos”. Em 
*Mação, chamavam-lhe teatros, sendo cantadas num terraço alto, 
existente diante e ao nível da porta principal da igreja do Espírito 
Santo, para o qual se subia por escadaria de pedra (demolida em 
1880), onde se costumava distribuir o *bodo e se faziam as 
representações dos autos. *Caratão, *Carvoeiro, *Santos. Nas *Flores e 
no *Corvo é o mesmo que *folia. No município brasileiro de *Cunha, 
na semana imediatamente anterior à festa do Divino, a folia sai 
diariamente pelas quatro horas da madrugada para “cantar alvorada”: 
“O Divino Espírito Santo / cum gosto e alegria, / está fazeno o seu 
alvorada / logo no rompê do dia”. À noite, após a novena rezada, cerca 
das 21 horas, volta a sair pela cidade, cantando durante 
aproximadamente duas horas. Foram registados por Guerreiro Gascon 
alguns dos versos conhecidos da Alvorada de *Marmelete (Monchique, 
Faro): 
 
Levanti-me esta manhana, 
Fui colhê'la hortelana; 
229 
 
Levanti-me esta manhana, 
Manhanita do Natal, 
Fui colhê'la hortelana, 
Que 'stava no mê quintal; 
Levanti-me esta manhana, 
Manhanita de flores, 
Fui colhê'la hortelana, 
Ô quintal dos mês amores. 
Alevanta-te, Zabéla, 
Que manhanita é; 
Levanta-te Zabéla, 
Desse tê doce dormir, 
Que manhanita é; 
Quer sol relumbrir, 
Alevanta-te, Zabéla, 
Desse tê doce folgar, 
Que manhanita é, 
Quer o sol relumbrar. 
Alevanta-te, graçála, 
Pois el-rê vae à la caça; 
Alevanta-te, graçála, 
Pois el-rê bêra do rio, 
Pois el-rê vae à caça; 
De falcões levava cinco. 
Levanta-te, graçála, 
Pois el-rê bêra do alto, 
Pois el-rê vae à la caça: 
De falcões levava quatro. 
 
Selá-m'este cavalo, 
P’ra mé senhor el-rê: 
Quem no levará? 
Selá-m'este cavalo 
Ponde-le frêo, 
P’ra mê senhor el-rê, 
Que vae a passêo: 
Quem no levará? 
Selá-me este cavalo, 
Ponde-l’a sela, 
230 
 
P’ra mê senhor el-rê, 
Que vae à guerra: 
Quem no levará? 
Nas Flores e no Corvo canta-se a seguinte Alvorada na ida do gado da 
Casa do Espírito Santo para o matadouro: 
 
Vamos nós aqui andando, 
Aqui com este tesouro; 
Vamos levar este gado 
Ao lugar do matadouro. 
 
Vamos nós aqui andando, 
Aqui por esta cidade; 
Vamos levar este gado 
Da nossa rica Irmandade. 
 
Em *Alcântara, a alvorada é realizada diariamente, durante vários 
dias, às seis horas da madrugada, ao meio-dia e às seis da tarde, logo 
seguida pelo cântico denominado *Santana. Referido na quadra: 
Alvorada nova, novas alvoradas / De manhã bem cedo,sobre a 
madrugada / Alecrim cheiroso, angerca dobrada / Ao sair da estrela 
ela foi croada. Em *Pirenópolis (Goiás), ocorre no domingo de 
*Pentecostes e no sábado anterior, a partir da casa do *Imperador. 
 
Alvorada dobrada 
Depois de todas as caixeiras terem dito os seus versos, a *Caixeira-
régia repete-os (dobra-os). *Alvoradinha. 
 
Alvoradinha 
Cântico idêntico ao de *Alvorada, porém, em ritmo mais acelerado: 
Vou cantar as Alvoradas / Não sei que Alvorada eu canto / Vou 
cantar Alvoradinha / Do Divino Espírito Santo. 
 
Bibliografia 
BETTENCOURT, Gastão de, Flagrantes do Folclore do Brasil, Coimbra, 1954, 
p. 78; CHAVES, Francisco Afonso, Espírito Santo nas Flores e Corvo, in Festas 
Populares Açoreanas, Lisboa, 1889, p. 141-146 [reproduzido in Archivo dos Açores, v. 
13 (1904), p. 11-35 (Recolhe alvoradas açorianas)]; SOUZA, José Geraldo de, A Alvorada 
do Divino em São Luís do Paraitinga, in Folclore, n. 10 (São Paulo, 1985), p. 16-19 
 
 
231 
 
Amarração ao mastro 
Ocorre quando alguém escolhido (indivíduos cujo comportamento é 
censurável, ou até alguns Mordomos) é levado até junto do mastro ali 
permanecendo, cercado de caixeiras, até pagar a *prenda. 
 
Anajatuba 
Município onde se realiza a Festa do Divino (Projecto Divino 
Maranhão 2005). 
 
Arranca toco toco 
Toco é uma raíz de árvore. Expressão sinónima de *lava-pratos, 
derradeira função da festa do Divino. 
 
Arroz de toicinho com camarão 
Prato típico da culinária maranhense servido no final do *Carimbó das 
Caixeiras. 
 
Arvoredo 
Nome do *mastro do Divino, antes de ser baptizado e receber o nome 
de *oliveira, na *Casa de Nagô. 
 
Bacabeira 
Município onde se realiza a Festa do Divino. 
 
Bacurituba 
Município onde se realiza a Festa do Divino (Projecto Divino 
Maranhão 2005). 
 
Baixão 
Melodia de apoio, entoada com voz mais grave, correspondente à terça 
paralela inferior e em ritmo compassado: Ai, meu Divino Espírito 
Santo / Ai, me dê voz, me dê baixão /Ai é pra eu cantar pra nós / Ai 
de gosto e satisfação. 
 
Bambaê 
Em *São Luís, o *Carimbó das Caixeiras apresenta algumas 
semelhanças com outras manifestações congéneres, assim 
denominadas. 
 
232 
 
Bandeira 
A bandeira do Divino Espírito Santo, também conhecida por Bandeira 
Real, é uma das principais insígnias do Império, regra geral, de cor 
vermelha e ostentando uma pomba branca bordada. Imprescindível 
nos cortejos e na *Tribuna. Protagonista das três seguintes quadras: 
Lá vai o pombo voando/ Oi por cima da laranjeira /Foi voando e foi 
dizendo / Oi viva o Mastro e a bandeira; Eu sou bandeira vermelha / 
bandeira de todo o ano / Eu sou bandeira vermelha / Bandeira do 
Espírito Santo; Ó Bandeireiro Bandeireiro / Que é da Bandeira Reak 
/ Ai convidai os seus Impérios / Pra levar pro Tribunal. 
 
Bandeireira 
Jovem adolescente porta-bandeira, a quem compete fazer-se 
acompanhar de pequenas bandeiras brancas ou vermelhas enquanto 
dura a recolha da *esmola, em Alcântara (*Maranhão, Brasil). *Folia 
do Divino. 
 
Bandeireiro 
Porta-bandeira a quem compete arvorar a *bandeira do Divino. O 
mesmo que *bandeleiro. *Terreiro das Portas Verdes (*S. Luís). 
 
Bandeirinha 
As bandeirinhas são as meninas que acompanham e secundam as 
caixeiras, entoando cânticos durante o cortejo em que o *Imperador 
ou a *Imperatriz percorrem as ruas da cidade de *Alcântara, visitando 
as casas dos festeiros com a *corte imperial. A bandeirinha faz-se 
acompanhar de uma bandeira pequena. Reporta-lhe a seguinte 
quadra: Estas nossas bandeirinhas / Agora eu vou falar / Carregou 
suas bandeira / Vou ficar no seu lugar. *Caixeira. 
 
Bandeleiro 
Porta-bandeira. O mesmo que *bandeireiro. Refere-se-lhe a seguinte 
quadra: Bandeleiro, bandeleiro / Arreúna vossa gente / A bandeira 
encarnada / É a primeira da frente. 
 
Baptismo das caixas 
Cerimónia durante a qual as caixas recebem seus nomes (Recordação, 
Saudade, etc.). Em regra, o baptismo das caixas ocorre 
concomitantemente com o *levantamento do mastro (quarta-feira, 
233 
 
véspera da Ascensão), não dispensando o uso de toalha, vela, água-
benta e padrinhos. 
 
Baptismo do mastro 
Cerimónia que consiste em aspergir água-benta sobre o mastro, 
usando ramos de murta como aspergillum (aspersor). Compete aos 
padrinhos realizar a bênção, na quarta-feira, véspera da Ascensão, 
antes do *levantamento do mastro. 
 
Baquetas 
*Gambitos, *vaquetas, *vanquetas. 
 
Barracão 
No *Tambor de Mina existem três espaços principais: o *terreiro, o 
barracão e o *peji. É no barracão que se realizam os toques ou festas 
para as entidades, consoante o calendário de cada terreiro. Em regra, é 
o maior espaço da casa, depois do quintal. As suas paredes são 
adornadas com quadros, instrumentos musicais e as ferramentas das 
entidades. Por seu turno, o tecto é enfeitado com bandeirolas, cujas 
cores variam em função da entidade senhora do terreiro, ou que está a 
ser homenageada na festa. Alguns barracões possuem um altar com 
imagens de santos católicos aos quais se acendem velas coloridas. 
 
Barulho do Divino 
Outra designação para a *Folia do Divino que, meses antes da festa, 
percorre as ruas e o interior de *Alcântara com o propósito de angariar 
donativos. "É crença arraigada de que aquele que nega uma esmola ao 
barulho sofre duros castigos" (Vieira Filho, 1954, p. 4) Num artigo de 
Inácio Raposo, intitulado Os barulhos do Espírito Santo (in Diário de 
São Luís, 15.1.1950), conta o articulista que um barulho viu negado o 
seu pedido de esmolas por um fazendeiro rico, mas avarento, o qual 
ordenou aos seus escravos a expulsão do grupo a golpes de pau. 
Doravante, morreu gado, secaram as plantações de cana e mandioca, 
bem como as cacimbas e rachou a terra. Desesperado e arrependido, o 
fazendeiro mandou chamar o grupo, fez os donativos, tendo cessado 
imediatamente a praga”. 
 
Batá 
*Abatá. 
234 
 
Batalhão 
Designação aplicada a todos quantos participam na festa: Bandeireiro, 
Bandeireiro / Cumpra com sua obrigação / Chame todos os Impérios 
/ Reúna seu batalhão. *Estado-maior. 
 
Bendito do hortelã 
Denominação do cântico específico para o encerramento, ou 
*fechamento da Tribuna, o qual narra a vida de Jesus até à descida do 
Paracleto: Deus o salve o hortelã / Salvador da boa fé / Se por cá não 
viu passar / Bom Jesus de Nazaré. 
 
Bequimão 
Município onde se realiza a Festa do Divino (Projecto Divino 
Maranhão 2005). 
 
Bodo 
Termo usado no Maranhão para designar a distribuição de donativos e 
alimentos aos pobres. Em *Alcântara, o bodo é constituído por pão e 
carne dos bovinos sacrificados numa cerimónia conhecida como a 
*subida do boi, após um cortejo no qual o animal de cada um dos 
festeiros é enfeitado com fitas de papel crepom e passeado pela cidade. 
Mas, em algumas Casas de festa de *São Luís, as esmolas podem ser 
um cabaz com grande variedade de alimentos, dispensando o sacrifício 
de animais. Uma boa festa é aquela que, consensualmente, ofereça, 
pelo menos, seis mesas de manjares finos e doces, bem assim como 
lembrancinhas a todos os presentes. A fartura de comida é um dos 
elementos simbólicos da festa e a tradição proclama que “quem come 
na Festa do Divino terá sempre comida em casa". *Almoço de 
Pentecostes. 
 
Buscamento do mastro 
Evento a um tempo festivo e processional que consiste na escolha e 
transporte do *mastro da festa. Ocorre na véspera de *quinta-feira de 
Ascensão. Durante a busca não faltam bebidas alcoólicas e brincadei-
ras de conotação erótica. Pintado com as cores da Festa, é identificado 
por seu nome: Manuel da Vera Cruz, Oliveira ou João. As caixeiras, o 
Império, os padrinhos e outros encarregados vão buscar o Mastro em 
cortejo e baptizam-no ainda antes de ser erguido, dando voltas em seu 
redor, segurando nas mãos velas e toalha, e entoando rezas e cânticos. 
235 
 
O seu buscamento e levantamento ocorrem, regra geral, no mesmo 
dia. A propósito do buscamento as caixeiras cantam: Senhora dona da 
festa / Foi agora que eu cheguei / Pra buscar o vosso mastro / Onde 
se encontranão sei. Em *Alcântara, o tronco é desembarcado no porto 
de Jacaré, de onde será transportado com muita festa até ao centro da 
cidade, para aí ser fincado (*levantamento do mastro). 
 
Buscamento do roubo 
*Roubo do Império, *Terreiro das Portas Verdes. 
 
Buscar a Santa Coroa 
Designação da visita ritual entre Impérios de casas diferentes. *Visitas 
de Impérios. 
 
Cabaça 
Cabaça utilizada como instrumento musical, revestida de contas 
multicolores, Também denominada *agué. É o 3º instrumento 
utilizado no *Tambor de Mina. Ao invés do que ocorre com o *abatá e 
com o *ferro, as cabaças não são consideradas instrumentos de 
especialista, isto é, praticamente qualquer pessoa as pode tocar 
(excepto na *Casa das Minas, onde são privativas das mulheres). Com 
efeito, na maioria dos terreiros de *Tambor de Mina veem-se cabaças 
penduradas nas paredes, disponíveis para quem queira tocá-las. 
Alguns terreiros possuem uma cabaça maior do que as demais (e 
consequentemente mais barulhenta), reservada para os especialistas. 
 
Cacuriá 
Coreografia típica maranhense, indissociável das Festas do Divino, 
criada, em 1972, a partir do *Carimbó das Caixeiras, por “Seu Lauro”, 
após ter assistido a uma dança intitulada Carimbó achulado, no lugar 
de Baiacu (interior de *Guimarães). Dança de roda (“o cordão”), 
emparelhada, de forte sensualidade, dançada ao som de Caixas do 
Divino (na actualidade também acompanhada por banjo, violão, 
clarinete e flauta) na terça-feira imediata à *derrubada do mastro 
(termo dos festejos). Ocasião em que as *Caixeiras do Divino se 
transfiguram, dando lugar à parte profana da festa, o seu merecido 
*lava-pratos, depois da fatigante tarefa que lhes coube, enquanto 
regentes do ritual da festa.A indumentária do cacuriá é idêntica à do 
*Tambor de crioula: blusa branca de renda, saia estampada, para as 
236 
 
mulheres e camisa branca, também rendada, justa ao corpo e calças 
estampadas à pescador, para os homens. 
A componente vocal do cacuriá, cujo ritmo é uma variante do 
*carimbó maranhense, é constituída por versos improvisados 
respondidos por um coro de brincantes. A 1ª Dama do cacuriá, 
afamada percussionista a quem anda creditada a criação do ritmo, 
bem assim como a responsabilidade da introdução dos novos 
instrumentos, é *Dona Teté. 
 
 
 
 
237 
 
Caixa 
Instrumento musical de percussão, da família dos membranofones, 
tocado com baquetas (*gambitos, *vaquetas, *vanquetas) pelas 
Caixeiras: Senhora [nome da caixeira] / A caixa estou lhe entregando 
/ Porque eu sei que tu és / Caixeira do Espírito Santo. Estes tambores 
cilíndricos com um diâmetro médio de 30 a 35 cm e 40 a 45 cm de 
altura, ostentam, por vezes, uma Coroa ou uma Pomba, outras são 
pintadas com cores vivas ou com várias cores em listas, triângulos ou 
losangos. Nas festividades do Divino encontram-se caixas maiores e 
com outras proporções, todas, porém, costumam ser baptizadas e ter 
nome próprio. *Baptismo da caixa. 
 
 
 
 
Caixeira 
Também denominada “esposa do Divino”. Mulher negra, geralmente 
idosa (sempre maior de 40 anos), algumas vezes filha-de-santo, 
tocadora de *caixa (tambor), por devoção ao Divino (não aufere 
qualquer remuneração). As caixeiras organizam-se hierarquicamente, 
em função dos anos de caixa e do grau de conhecimento do complexo 
ritual da festa do Espírito Santo, porquanto só o perfeito 
238 
 
conhecimento do ritual é susceptível de permitir louvar o Divino com 
veemência. Cada grupo de Caixeiras tem à cabeça uma *Caixeira-
Régia. Recorda Sérgio F. Ferretti que “os tambores rituais são 
instrumentos interditados às mulheres na tradição afro-brasileira, 
mas na especificidade dos festejos do Divino no Maranhão, [as 
caixeiras] são reconhecidas […] como as suas sacerdotisas […]”. Com 
efeito, tocar caixa no Maranhão está profundamente associado ao que 
socialmente se considera feminino, sendo função da competência 
exclusiva de mulheres (é consensual que os homens que tocam caixa 
são homossexuais). São as caixeiras (grupos de três, ou múltiplos de 
três) quem organiza e comanda as homenagens durante o cortejo em 
que o *Imperador ou a *Imperatriz percorrem as ruas da cidade de 
*Alcântara, entoando cânticos enquanto visitam as casas dos festeiros, 
na companhia da *corte imperial. As funções do Divino só as deixam 
livres três meses ao ano, sendo os demais utilizados para viajar a pé 
pelo interior do município, “tirando jóia” para a Santa Coroa. É 
comum que Caixeiras antigas e famosas não possuam seu próprio 
instrumento e toquem os pertencentes à casa onde se realiza a Festa. 
Outras constroem-no com o auxílio de filhos, amigos ou amigas e, 
mais raramente, adquirem-no. Em qualquer dos casos, criam uma 
relação de identidade com o seu instrumento que costuma ser 
baptizado e ter nome próprio. *Bandeirinha, *Caixeiro. 
 
Caixeira do Divino 
Ou, simplesmente, *caixeira. Também denominada “esposa do 
Divino”. Autêntica “sacerdotisa do Divino”, protagonista e oficiante do 
cerimonial dos festejos em honra do Espírito Santo na cidade de 
*Alcântara. No entender das caixeiras, sê-lo é um “dom de Deus”, uma 
missão espiritual. As caixeiras são tratadas com muita deferência 
pelos donos da festa. Em alguns terreiros elas são pagas pelos pais e 
mães-de-santo para conduzirem os festejos, sendo-lhes ofertado 
tecido para a confecção da indumentária do dia da missa, etc. 
Terminada a festa, grande parte dos bens remanescentes (bolos, 
mantimentos, lembrancinhas, etc.) é reservada para elas. D. Maria 
Celeste Santos, da *Casa das Minas, uma das decanas ainda activas, 
que desempenha a função desde 1935, afirmou numa entrevista que 
concedeu no ano 2000: “É nosso dever p’ro Espírito Santo trazer mais 
devotas. […] um dia a gente vai embora e quem vai continuar a festa? 
Ela não pode parar e quem vai continuar são as mais novas e por isso 
239 
 
nós temos obrigação de ensinar com cuidado porque senão a festa 
acaba”. 
 
 
 
 
São nove os toques específicos do Divino no Maranhão: *Alvoradinha, 
*Santana, * Hino da Missa, *Hino de Rezas e Ladainhas, *Espírito 
Santo dobrado, *Espírito Santo singelo, *Nossa Senhora da Guia, 
*Dança das Caixeiras, *Hortelã. Reportam-se às Caixeiras do Divino as 
seguintes quadras: 
 
Caixeira queira saber 
que cor tem Espírito Santo 
Tem os pés, bico encarnando 
Seu corpinho todo branco; 
 
Canta Caixeira daqui 
Canta Caixeira de lá 
Canta Caixeira do meio 
Eu também quero cantar. 
 
240 
 
Com o propósito de difundir a arte de tocar caixa, o Centro de Cultura 
Popular Domingos Vieira Filho e a Comissão Maranhense de 
Folclore, acedendo a uma solicitação da já suprareferida D. Maria 
Celeste dos Santos, promoveram a 1ª Oficina de Caixeiras do Divino 
Espírito Santo (31 Julho – 11 Agosto 2001), que contou com a 
participação de 22 alunas. 
 
Bibliografia 
BARBOSA, Marise Glória, Umas mulheres que dão couro: as Caixeiras do 
Divino do Maranhão, S. Paulo, 2006 (inclui CD); BARROS, António Evaldo, O 
Maranhão e o maranhense no “Bim Bum Bum” das Caixas do Divino, in Boletim da 
Comissão Maranhense de Folclore, v. 31 (Jun. 2005); CARVALHO, Michol, I Encontro 
das Caixeiras da região do Munim, in Boletim da Comissão Maranhense de Folclore, v. 
19 (Jun. 2001); GOUVEIA, Cláudia, As esposas do Divino- Poder e prestígio feminino 
nas festas do Divino em Terreiros de Tambor de Mina em São Luís do Maranhão, 
Recife, 2001 [dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em 
Antropologia Social da UFPE]; idem, Personalidades de um rito festivo: as Caixeiras do 
Divino Espírito Santo, in Boletim da Comissão Maranhense de Folclore, v. 17 (Ago. 
2000) 
 
Caixeira-ajudante 
Coadjuvante da *caixeira-régia e, na ausência desta, da *caixeira-mor. 
Ajuda nas salvas, reforça os cânticos, etc. 
 
Caixeira-mor 
Adjunta da *caixeira-régia, a qual pode substituir na ausência dela: 
Salvação que tu ganhaste / Mas não foi para ti só / Pra repartir com 
as caixeiras / Primeiro a Caixeira-mor. 
 
Caixeira-régia 
A tocadorade *caixa mais importante do grupo. Aquela que melhor 
conhece todo o ritual da festa do Divino. Conduz todas as demais com 
o aval dos donos da casa, tendo plenos poderes sobre tudo quanto 
ocorra no âmbito do Império: Divino veio do céu / Voando sobre a 
floresta / Senhora Caixeira-Régia / Estou-lhe entregando a festa. 
 
Caixeiro 
Não obstante a função de tocador de caixa seja considerada 
especificamente feminina, em casos particulares os homens podem 
assumi-la. È justamente o que acontece na *Casa Fanti-Ashanti e no 
Terreiro de Mina Yemanjá, de Jorge Itacy. 
241 
 
Na região dos cocais (municípios de Aldeias Altas, Buriti Bravo, 
*Caxias, Chapadinha, Codó, Coelho Neto, Colinas e Matões) os 
caixeiros, ou foliões do Divino, participam nos velórios, cerimónias 
fúnebres, enterros, alvorada de cemitério, saudação ao cruzeiro do 
cemitério e Finados. 
 
Cajapió 
Município onde se realiza a Festa do Divino. 
 
Cajari 
Município onde se realiza a Festa do Divino (Projecto Divino 
Maranhão 2005). 
 
Caldeirões 
*Caxias. 
 
Cantanhede 
Município onde se realiza a Festa do Divino, também conhecida aqui 
por *festa da Izidória, ou, simplesmente, *Zidória. Isidória Lopes († 
20.9.1995), de seu nome, era descendente de escravos do português 
António Lopes da Cunha, tendo sido *caixeira, “mestra da cultura” e 
de natureza, geralmente, bem-humorada. Diz-se que tinha o condão 
de arrancar o povo de suas casas para acompanhar pelas ruas da 
cidade o *pau da Zidória, “na verdade o mastro da festa do Divino, 
que arrastava uma multidão antes de ser erguido”. 
Não resisto a transcrever uma longa passagem de um texto evocativo 
da contribuição de Isidória Lopes para o património cultural de 
Cantanhede: 
“O mais inusitado de tudo, era quando, a procissão de homens, 
mulheres e crianças chegava à porta de quem não se negava em doar a 
jóia (esmola ao Divino). Aos gritos de uma frase emblemática “O pau 
entra ou não entra?” – “Entra!”, os homens que conduziam o mastro 
molhavam a cabeça da peça de madeira, que media entre 7 e 10 
metros, com cachaça e o pau da Izidória penetrava de casa à dentro. O 
êxtase da brincadeira vinha quando a casa que tinha um enorme 
corredor abria as portas aos apelos, pois o mastro entrava todo e em 
recompensa a esmola era gorda. Para os que não aceitavam a entrada 
do pau e fechavam as portas, a cabeça do mastro era colocada na beira 
da calçada aos gritos de um protesto simbólico. Os carregadores do 
242 
 
mastro aproveitavam o não do dono da casa para o descanso e em 
seguida a procissão de brincantes batia em retirada em busca de outro 
morador. 
 
 
 
 
 
O pessoal que transportava o mastro nas costas, geralmente caçacos 
(estivadores: Elias Santos, João Evangelista, Belo, Bate-Bife, Pedro 
Lopes e Sue Li, entre outros) não recebiam nenhuma remuneração 
pelo esforço, uma demonstração de como a cultura popular, os 
costumes de um povo nasce da espontaneidade. No dia da derrubada 
do mastro, havia um concurso para saber quem chegava ao topo. 
Durante várias noites de festa, tinha ladainha no latim à moda das 
afro-descendentes e o grande baile com Zé Santana e banda (orquestra 
de sopro). Na portaria do salão de festa ficava Martinho Lopes, para 
recolher o dinheiro dos dançantes (o ingresso que recebia o nome de 
bolsa da festa) e o bar (butuquim [sic]) era comandado por Artur Alves 
Martins. Segundo o escritor Abraão Teixeira, Izidória Lopes teve um 
243 
 
sério problema de saúde, fez uma promessa ao Divino: caso ela ficasse 
curada, iria promover o seu festejo, enquanto gozasse de saúde. A 
mesma foi atendida e António Carlindo passou a direcção do festejo a 
esta brava mulher”. 
 
Capote 
Manto de veludo debruado, pertencente às *Posses do Império: 
 
Oh meu nobre Imperador 
Menino de boa sorte 
Pela sua gentileza 
Me entregue o seu capote. 
 
Carimbó das Caixeiras 
Coreografia sensual e descontraída, em ritmo de carimbó, não 
obrigatória, realizada na terça-feira após o *derrubamento do mastro, 
ou termo da festa (*Encerramento da Tribuna). É o *lava-pratos das 
*Caixeiras do Divino, momento de descontração e diversão, com 
comida e bebida à discrição para aquelas que tão arduamente 
trabalharam durante a festa. Este carimbó é acompanhado por 
cantigas geralmente curtas, cujas letras são, muitas vezes, ousadas e 
de cunho satírico, com insinuações ambíguas e de duplo sentido: 
 
Mulata bonita 
Se tu vai pro Maranhão 
Me leva que eu também vou 
Maranhão é um jardim 
Eu dentro sou uma flor 
Ê mulata bonita (ai ai); 
 
Este lindo carimbó 
Ele veio do estrangeiro 
Veio para essas caixeiras 
Do Espírito Santo verdadeiro. 
 
O Carimbó pode assumir diferentes modalidades, consoante a Casa 
que patrocina a festa. Cerveja e feijoada são comuns, mas na *Casa das 
Minas é tradicional servir *arroz de toucinho com camarão. *Cacuriá, 
*Carimbó de Velhas, *Carimbó de Velho, *Goiabal. 
244 
 
Carimbó de Velhas 
O mesmo que * Carimbó das Caixeiras e *Carimbó de Velho. 
 
Carimbó de Velho 
*Carimbó das Caixeiras, *Carimbó de Velhas. 
 
Casa da Festa 
*Cortejo. 
 
 
 
 
Casa das Minas 
São Luís possui duas casas religiosas fundadas por africanos 
provavelmente na década de 1840, a Casa das Minas e a *Casa de 
Nagô, que terão sido das primeiras casas de culto afro do Brasil. Crê-se 
que a Casa das Minas jeje, sita na Rua de São Pantaleão, 857, no 
centro da cidade de *São Luís, seja a mais antiga. Dona Amância 
Evangelista de Jesus, de Nochê Boça, que chefiou o terreiro no início 
da década de 1970, asseverou a Sérgio Ferretti: "Aqui é uma 
245 
 
maçonaria de negros", lembrando a questão dos segredos e mistérios 
vigente nesse verdadeiro templo de culto religioso. O antropólogo 
sublinha tal assunção: "A preservação dos segredos é uma das razões 
da continuidade quase bissecular desse terreiro em São Luís, quando 
no Brasil existem tão poucas instituições conhecidas que funcionam 
regularmente há mais de cento e sessenta anos e que podemos contar, 
talvez, nos dedos da mão" (Ferretti, 2008, p. 16). Segundo registos 
documentais e orais, o culto do Divino Espírito Santo remontará nesta 
casa a finais do século XIX. Precisa Sérgio Ferretti que: “Na Casa das 
Minas, os instrumentos de acompanhamento dos toques, como o ferro 
e as cabaças, são tocados por mulheres e os tambores por homens, 
sendo esta a única função masculina. [...] algumas mulheres dançantes 
também tocam os tambores na ausência dos tocadores. Trata-se 
portanto de um culto eminentemente feminino e muito tradicional”. 
Na Casa das Minas, a Festa do Divino Espírito Santo é realizada em 
louvor da Princesa Nochê Sepazim, filha de Toi Dadarô, o vodum mais 
velho da família real de Davice, chefe de um dos seus ramos. Esta 
princesa sugeriu, mediante um pedido, que se realizasse na Casa o 
Festejo ao Divino Espírito Santo. Nos rituais do Terreiro a Princesa 
Nochê Sepazim era incorporada por Mãe Hosana, a terceira vodunsi a 
chefiar a Casa, até 1914, quando foi rendida por Mãe Andresa. 
Actualmente, na Casa das Minas, a Festa do Divino tem como 
responsável a vodunsi Maria Celeste Santos, do Toi Averequête, que 
organiza a festa neste terreiro desde 1969. Dona Celeste participa do 
Divino enquanto *bandeirinha desde os oito anos de idade, sendo, 
hoje, sua *Caixeira-régia. Dona Celeste costuma colaborar na 
realização de várias Festas do Divino, constituindo-se mesmo como 
uma espécie de referência em S. Luís e seus arredores. Quando residiu 
no Rio de Janeiro, entre as décadas de 1950 e 1960, participou na 
organização da devoção ao Divino em terras cariocas. Como profunda 
conhecedora do ritual da Festa, afirma convictamente: "O que se faz 
no começo tem que ser feito no encerramento", comparando o ritual 
cao da Missa Católica que não permite erro, ou omissão. Seguindo a 
tradição, os preparativos começam com um ano de antecedência. 
Dona Celeste incumbe-se, pessoalmente, de vários providências, a 
nível interno e externo, tais como: Contactos com pais ou responsáveis 
das figurasimperiais, padrinhos, madrinhas, caixeiras, rezadeira, 
tocadores /músicos e outros que se fazem necessários; escolha da cor 
das roupas do an0; confecção de lembrancinhas para as mesas de 
246 
 
doces; escolha de enfeites para a decoração da Sala da Tribuna e de 
outros ambientes da Casa, inclusive o teto e o quintal; confecção de 
convites e cartas, bem como sua remessa a pessoas amigas, 
autoridades, responsáveis por Instituições, com solicitação de recursos 
financeiros, géneros alimentícios, materiais para pintura, etc. 
 
 
247 
 
O Império do Divino gera mudanças no visual interno e externo da 
Casa das Minas, tal como sucede em vários outros Terreiros, sede de 
Festas do Divino. É tempo de pintar a fachada e as diversas 
dependências da Casa, trocar os enfeites de papel ou plástico do salão 
de danças, onde será armada a Tribuna, como uma extensão do altar 
religioso da Casa. Rendão, e tecidos finos revestem a sala do altar, que 
passa a dispor de cadeiras enfeitadas, à semelhança de tronos, onde se 
sentam as crianças e adolescentes integrantes do Império, além de 
bancos destinados às caixeiras. No tecto são dependurados enfeites. O 
quintal, onde se acha o Mastro, também recebe uma decoração 
especial, com bandeirinhas e mais luminárias. 
 
 
 
 
 
As 10 a 12 crianças e adolescentes que integram a Corte do Império 
são familiares de pessoas da Casa, ou de amigos dela, na faixa etária 
entre os quatro e os quinze anos, participando por devoção, ou 
promessa ao Divino Espírito Santo. Cada criança ocupando os postos 
principais deve participar durante três anos da Corte, começando por 
248 
 
assumir o cargo de Mordomo(a)-Baixo(a), passando para 
Mordomo(a)-Régio(a), ascendendo, então, a Imperador e Imperatriz. 
Esta Corte do Império é um arremedo da Corte do Imperador do 
Brasil, como se depreende dos versos das caixeiras, cantados na volta 
da Missa Solene: 
 
Sobe o alto, sobe o alto 
Sobe o alto da vitória 
Sente o nobre Imperador 
Ai que chegou da missa agora. 
Já sentou Imperatriz Majestade ela é 
O senhor seu mestre sala 
Me assente o Mordomo Régio. 
 
Além das funções supracitadas, ainda existem as de *bandeireiro, 
*bandeirinha, anjo, Fé, Esperança e Caridade. 
 
Bibliografia 
BAESSE, Deborah, Viva o Imperador!, in Boletim da Comissão Maranhense de 
Folclore, v. 22 (Jun. 2002); FERRETTI, Sérgio, Querebentan de Zomadonu: etnografia 
da Casa das Minas, S. Luís, 1985; idem, Importância da Casa das Minas do Maranhão, 
in Boletim da Comissão Maranhense de Folclore, v. 16 (Jun. 2000), p. 12-15; idem, 
Beija-Flor e a Casa das Minas, in Boletim da Comissão Maranhense de Folclore, v. 18 
(Jun. 2001); SANTOS, Roza, A Casa das Minas: e a Festa sem Dona Celeste, in Boletim 
da Comissão Maranhense de Folclore, v. 49 (Jun. 2011) 
 
Casa de Nagô 
Fundada na primeira metade do século XIX. Juntamente com a *Casa 
das Minas, as mais antigas casas de Tambor de Mina, de culto afro-
religioso do Maranhão. Sita na Rua Cândido Ribeiro, 799, no centro da 
cidade de *São Luís. *Abatá. 
 
“Maio de 2008: 
Na manhã do Domingo de Pentecostes (11 de Maio) aconteceu um 
facto maravilhoso do ponto de vista religioso: os cortejos da Casa das 
Minas e da Casa de Nagô encontraram-se na esquina da Rua de 
Santana com a Rua São Pantaleão. O cortejo de Nagô vinha da Igreja 
de Santo Antonio e o das Minas da Igreja de Santana. Momento 
singular. As bandeiras do Divino das duas Casas seguiram cruzadas 
como duas espadas, simbolizando a união, o companheirismo, o 
respeito e a irmandade entre as Casas; as caixeiras entoaram cânticos 
249 
 
de saudação. O revezamento de canto de caixeiras das duas Casas com 
os toques da banda de musica da Polícia Militar, com músicas 
católicas, seguiu-se pela Rua São Pantaleão até à esquina com a Rua 
Santiago, quando o cortejo da Casa de Nagô desceu a rua até a Casa na 
Rua das Crioulas”. 
 
Segundo Dona Celeste (Casa das Minas), havia mais de duas décadas 
que não ocorria um encontro assim, o que para ela constituía um 
muito bom presságio. No encontro dos Impérios as duas bandeiras 
cruzaram-se e as caixeiras cantaram: 
 
Vai meu barco à vela 
meu navio sem pelouro 
Veja com é tão bonito 
um Espírito Santo 
encontrar com o outro. 
 
Bibliografia 
BARBOSA, Sílvia Helena Bezerra, A casa de Nagô. Estudo sobre um terreiro de 
Mina em São Luís, 1997 [monografia de conclusão do curso de Ciências Sociais na 
UFMA] 
 
Casa do Divino 
Casa-Museu em *Alcântara, destinada à realização da festa do Divino 
e a mostras e exposições temáticas permanentes. 
 
Casa Fanti-Ashanti 
Fundada em 1958 por Pai Euclides, um dos pais-de-santo mais 
famosos e respeitados de *São Luís do Maranhão. É o único terreiro de 
Candomblé da região, circunstância que influencia os ritos e 
celebrações que ocorrem na Casa, de forma determinante. Festeja o 
Divino no primeiro Domingo do mês de Julho, ocasião em que as 
caixeiras que participam em diversas festividades regionais se acham 
disponíveis. O terreiro de Pai Euclides tem sido procurado, desde o 
início da década de 1970, por pesquisadores das religiões afro-
brasileiras, o que explica as frequentes referências a ele consignadas 
nas teses de mestrado e de doutoramento de Roberto Motta, Jorge 
Carvalho, Sérgio Ferretti, Rosário Carvalho, Mundicarmo Ferretti e de 
Maria Amália Barreto. No período compreendido entre 1984 e 1987, a 
Casa foi também objecto de uma pesquisa financiada pela FUNARTE, 
250 
 
em convénio com a Universidade Federal do Maranhão, sob 
coordenação de Sérgio Ferretti. Em 1984, 1985 e 1987, Pai Euclides 
publicou em São Luís três livros sobre Mina e Candomblé na Casa de 
Fanti-Ashanti, o primeiro prefaciado por Rosário Carvalho, o segundo 
por Sérgio Ferretti e o terceiro por Roberto Motta e Sérgio Ferretti. 
Cito, doravante Sérgio Ferretti: “Embora a Casa Fanti-Ashanti não 
seja um dos terreiros de Mina mais antigos de São Luís, é um dos mais 
conhecidos. A casa, sediada no bairro do Cruzeiro do Anil, foi fundada 
em 1954 por Euclides Menezes Ferreira, incorporado por seu caboclo 
Tabajara (filho do Rei da Turquia), com o apoio de um grupo de 
pessoas que o acompanhavam em suas atividades de curador (pajé), já 
exercidas a muitos anos. A decisão da fundação do terreiro foi tomada 
no dia primeiro de Janeiro, após a realização de uma 'obrigação' para a 
Mãe Maria (Oxum), entidade recebida por Pai Euclides, realizada na 
casa de sua tia e mãe de criação, que era guia (mãe-pequena) de um 
terreiro de São Luís. Mas, o terreiro só começou a funcionar como casa 
de Mina em 1958, após a inauguração do barracão construído para a 
realização dos rituais, no sítio do Igapara, as margens do rio Bacanga. 
Entre 1954 e 1958 foi realizado, pelo grupo, apenas "toques" anuais de 
canjerê para entidades espirituais da "mata", (caboclos), além de 
reuniões preparatórias e sessões de chamada das entidades ligadas ao 
curandeirismo. O terreiro, denominado na época de sua fundação 
Tenda de São Jorge Jardim de Ueira, funcionou durante seis anos no 
sítio. Em 1964, após demolição do seu barracão pelo caboclo Tabajara, 
incorporado em Pai Euclides (seu chefe e fundador), transferiu-se para 
o Cruzeiro do Anil, bairro de São Luís, na época ainda pouco 
urbanizado. Sua nova sede, construída em terreno escolhido por 
aquele chefe espiritual e comprado com dinheiro recebido por Mãe 
Maria de seus filhos e devotos, sofreu várias reformas para adaptar-se 
às mudanças ocorridas no terreiro nesses mais de trinta anos. No 
Cruzeiro do Anil, o terreiro tornou-se mais conhecido como Fanti-
Ashanti, nome de "nação" africana descrita por Arthur Ramos (A. 
Ramos, s. d. vol. 3, cap. 5), em um dos capítulos de As culturas 
negras, cuja cópia foi encontrada na casa, em 1975, pela pesquisadora 
Maria Amália Barreto (1977). O nome Fanti-Ashanti, que apareceu em 
1974 no estatuto da casa publicado no Diário Oficial, após o nome 
original (Tenda de São Jorge), deve-se, segundo Pai Euclides, à sua 
origem e ligação com o extinto terreirodo Egipto (Ilê Nyame), terreiro 
este que por ter sido fundado por uma africana de Cumassi (Basília 
251 
 
Sofia - Massinocô Alapong), foi classificado como Fanti, nação de que 
trata Arthur Ramos, pouco conhecida no Brasil. Pai Euclides foi 
preparado na Mina por Maria Pia dos Santos Lago (Iraê-Arau-
Vonuko), no extinto terreiro do Egipto, para uma entidade espiritual 
ali denominada To-Alaby, também conhecida por Rei dos Mestres 
(qualidade de Oxalá). Por indicação de sua mãe-de-santo teve depois 
sua principal entidade cabocla (Juracema), confirmada na Mina por 
Anastácia Lúcia dos Santos (Akiciobenã Obadelou), fundadora do 
terreiro da Turquia (Fé em Deus ou Nifé Olurun). Em 1954, quando 
Pai Euclides começou a preparar-se para abrir casa de Mina, já era 
bastante conhecido e procurado em São Luís como curador, actividade 
actualmente por ele pouco exercida, mas não abandonada, para a qual 
foi preparado "no fundo" (na encantaria), segundo ele mesmo 
informa, daí porque não foi "encruzado" por outro pajé. 
 
 
 
 
 
No ano de 1980, já com vinte e dois anos como zelador de santo, Pai 
Euclides teve seus santos confirmados no nagô (no Xangô de Recife), 
na casa de Manoel Papai (Faran Ogun-Té), por ele, Maria das Dores 
252 
 
da Silva (Talaby Dein), Severino Ramos da Silva (Odé Akeran) e 
DjaniraAlves (Omin-Bakunde). Após aquela confirmação a Casa Fanti-
Ashanti passou a orientar-se principalmente pelo Candomblé da 
Bahia. já há muito admirado por Pai Euclides e adotado por um de 
seus pais-de-santo pernambucanos: Raminho de Oxossi (Severino 
Ramos), "Jeje-mahi cruzado com keto" (como explicou mais tarde). 
Embora a "passagem" de Pai Euclides para o Candomblé tenha 
provocado mudanças nas entidades espirituais de sua casa (uma vez 
que passou a cultuar principalmente orixás), não afastou dela os 
voduns sem correspondência directa com aqueles e nem as entidades 
caboclas, que ali estiveram sempre abaixo dos voduns, apesar do 
terreiro ter sido fundado pelo caboclo Tabajara. Depois da 
confirmação de Pai Euclides no nagô a Casa Fanti-Ashanti passou 
também a receber mais boiadeiros (na qualidade de representantes 
dos orixás dos filhos Iniciados no Candomblé), homenageados no 
Samba Angola (Candomblé de Caboclo), realizado para eles várias 
vezes no ano. Na Casa Fanti-Ashanti, as entidades espirituais de grau 
hierárquico mais alto são: Oxaguiã e Oxum (entidades principais do 
pai-de-santo), e Xangô (terceiro orixá de Pai Euclides e "dono da 
cabeça" de Cabeka, mãe-pequena da casa). Os caboclos de maior 
prestígio na casa são recebidos por Pai Euclides: Tabajara (chefe do 
terreiro), Juracema, guia de Pai Euclides (a primeira entidade 
espiritual a ser por ele recebida), Jaguarema e Balanço (irmão e filho 
de Tabajara). O Samba Angola é comandado por uma entidade 
também recebida pelo pai-de-santo, o boiadeiro angolano conhecido 
por Gentilheiro do Sol (antes nele incorporado na pajelança). A Cura, 
apresentada actualmente na casa apenas uma vez por ano, por ocasião 
da realização, por Pai Euclides, do ritual denominado Brinquedo de 
Cura, é comandada pelas entidades espirituais conhecidas por: 
Caboclo Maroto (Adamour Serra), Caboclo Guerreiro e Corre-Beirada 
(António Luís), seu mestre, contra-mestre e farrista (encarregado de 
divertir a assistência). Corre-Beirada (ou Corre-Beira), comanda 
também na casa a festa do Espírito-Santo, realizada anualmente junto 
com a festa de Oxalá, e os folguedos que ocorrem em torno dela no 
mês de julho : Tambor de Crioula, Bumbaboi, Bambaê de Caixa e 
outros. Apesar de originária do catolicismo europeu, em São Luís, a 
festa do Espírito-Santo é realizada principalmente por terreiros de 
Mina, no dia de Pentecostes ou por ocasião de sua festa grande. Na 
Casa Fanti-Ashanti são realizados várias vezes por ano toques de 
253 
 
Candomblé para os orixás; toques de Mina para Voduns a caboclos; e 
Sambas Angola, para boiadeiros e caboclos. Realizam-se também 
anualmente alguns rituais públicos ligados à Mina entre eles: o 
Arrambam ou Bancada (para entidades femininas infantis), e o 
Canjerê ou Tambor de Borá (para entidades das matas), quando 
ocorre uma procissão com a imagem de São Miguel, "patrono dos 
índios e vencedor do demónio ". É promovido ainda anualmente na 
casa o Baião, para as princesas da Cura e oças encantadas que vêm à 
casa no ritual da bancada (Mina), e algumas vezes nos toques de Mina 
(como Jarina e Elineuza, esta filha de Tabajara). A casa realiza 
também em diferentes épocas do ano e durante toques de Mina, 
Candomblé e Brinquedo de Cura, rituais públicos ligados à iniciação 
de seus filhos; oferendas especiais a orixás (como a panela de 
Iemanjá, a cesta de Oxum e o arroz de Oxalá); e o Mocambo (festa 
tradicional dos terreiros de São Luís onde ocorre o pagamento dos 
tocadores e auxiliares da Mina). Antes dos toques de Mina, Canjerê e 
do Baião, ocorrem frequentemente na casa rezas e ladainhas católicas 
"das entidades espirituais" que estão sendo homenageadas (São 
Joaquim, na festa de Dadarô: Santa Luzia, no Baião: São Miguel, no 
Canjerê). A casa realiza ainda muitos rituais privados e alguns rituais 
públicos não festivos como Tambor de Choro ou Axexê (ritual 
fúnebre). Como geralmente ocorre nos terreiros de Mina tradicionais 
não são realizadas na Casa Fanti-Ashanti sessões de trabalho. As 
consultas e tratamentos ali realizados são feitos de forma reservada, 
em horários previamente combinados, e apenas o jogo de búzios "tem 
preço". Com a introdução do Candomblé foram suspensas quase que 
inteiramente as chamadas de entidades espirituais da Mina, para 
atendimento de casos particulares, e os tratamentos da Cura 
(pajelança), que conforme Pai Euclides trazem a ele menor 
compensação económica. Até 1980 (quando Pai Euclides teve suas 
entidades africanas confirmadas no nagô), a Casa Fanti-Ashanti 
possuía na Mina seis filhos com iniciação completa. No período 1981-
1988 a casa iniciou vinte e quatro iaôs no Candomblé (oito dos quais 
de Belém), e quatro vodunsis na Mina (duas das quais residentes fora 
de São Luís). A Casa Fanti-Ashanti mantém boas relações com os 
terreiros de São Luís, quer com as centenárias Casa das Minas e Casa 
de Nagô, quer com casas mais novas, razão porque Pai Euclides 
oficiou os rituais fúnebres de importantes mães-de-santo como 
Mundica Tainha e Margarida Motta e passou a zelar pelo terreiro 
254 
 
desta última e pelo da Turquia, de Mãe Anastácia, também falecida 
(ambos com vários filhos em Belém)”. 
 
Bibliografia 
CARVALHO, Maria Michol P. de, O Divino maranhense no espaço sagrado das 
casas de culto afro, in Boletim da Comissão Maranhense de Folclore, v. 46 (Jun. 2010), 
p. 9-12 e v. 47 (Ago. 2010), p. 9-12; FERRETTI, Sérgio, A Festa do Divino Espírito Santo 
nas Casas de culto afro do Maranhão, in Boletim da Comissão Maranhense de 
Folclore, v. 55 (Dez. 2013), p. 3-6 
 
Discografia 
Caixeiras da Casa Fanti-Ashanti tocam e cantam para o Divino, S. Paulo, Itaú 
Cultural / Associação Cultural Cachuera, 2002 
 
Caxias 
Município onde se realiza a Festa do Divino (Projecto Divino 
Maranhão 2005). Uma das várias festas em louvor do Divino Espírito 
Santo que se realizam na cidade é organizada por D. Liodina Souza de 
Oliveira que diz ter recebido a "Divindade" [Divino] de seus sogros, 
cunhado e marido. No período compreendido entre 16 e 25 de 
Setembro, a casa de D. Liodina, sita no bairro Alto Siriema (Travessa 
do Cajueiro, 1072), acha-se permanentemente enfeitada com 
bandeirinhas. Montado na sala principal, tem um altar confeccionado 
com talo de babaçu e papel de seda, em cujo eixo se observa uma salva 
com imagem de gesso do Divino Espírito Santo, oriundo, há muitos 
anos, do Juazeiro do Ceará. Completam o altar latas de óleo com flores 
de papel de seda, uma imagem de gesso de São Jorge, quadros com 
imagens de Santa Bárbara, Santa Luzia e São Francisco. O festejo 
consta de uma novena antecedida e sucedida pelo toque das caixas e 
cânticos dos foliões, culminandocom um leilão. D. Liodina tem dois 
auxiliares, ou "foliões", que são os caixeiros, um bandeireiro e quantas 
rezadeiras compareçam. 
No Dia de Finados, ao anoitecer, dois grupos que festejam a 
"Divindade" [Divino] na cidade, e são requisitados pela população 
para cantar aos seus mortos, diante das sepulturas, encontram-se no 
cemitério do Matadouro, no bairro da Siriema, que fica 
completamente iluminado pelas velas dos inúmeros participantes no 
rito fúnebre. Com suas caixas, os auxiliares, acompanhados pelo 
bandeireiro e rezadeiras, fazem rimas tristes de improviso com o 
nome do morto homenageado: 
 
Ô Divino Espírito Santo 
255 
 
Ô Divino Espírito Santo 
Ô vê a sua bandeira 
Ô vê a sua bandeira 
Ô pela casa eu vou entrando 
Ô pela casa eu vou entrando 
Vou festejar Seu Divino 
Vou festejar Seu Divino 
Ô mais se a morte fosse moça 
Ô mais se a morte fosse moça 
Eu me casava com ela 
Eu me casava com ela. 
 
As cerimónias conduzidas pelos foliões no cemitério desdobram-se em 
dois momentos: 1º inicia-se ao raiar do dia 2 de Novembro, com uma 
alvorada seguida de cantorias nas sepulturas dos parentes defuntos, 
encerrando-se por volta das sete horas da manhã; 2º decorre durante 
a tarde do mesmo dia, após o retorno dos foliões ao cemitério, 
munidos das caixas do Divino, de uma salva com três pombinhas 
ornadas com flores vermelhas, representando o Divino Espírito Santo, 
e de uma bandeira vermelha em cujo centro, rodeada por três estrelas, 
esvoaça uma pomba. 
O grupo vai a qualquer cemitério quando solicitado, 
independentemente da época do ano. Fá-lo "por vontade", podendo ou 
não receber um "agrado", dividido com o Santo para as suas velas, 
ficando o remanescente para os auxiliares. Antes de se dirigir ao 
cemitério, o grupo reúne-se diante do altar da Divindade [Divino], em 
casa de D. Liodina, para fazer uma afirmação (cantoria ao Divino). O 
pagamento é realizado de forma discreta, custando (2010), entre R$ 
1,00 a R$ 5,00 reais a cantoria. Ao chegar junto à sepultura, o grupo 
posiciona-se do seguinte modo: salva em cima da cova na altura da 
cabeça do defunto, bandeira inclinada atrás da cruz, foliões ao pé da 
cova e familiares em volta. Durante a cantoria a família costuma 
acender velas em redor das sepulturas, sendo o ambiente muito 
emotivo: 
 
ô João Pedro te alevanta 
vem ver a divindade 
vem ver teus filhos 
encostados na cruz. 
256 
 
 
Mas ô João Pedro como é penoso 
Uma dor no coração 
eu não poder lhe dar a vida 
mas tá debaixo do chão. 
 
 Aonde o sol se esconde 
bateu o sol na sepultura 
o Divino resplendor 
mas ô João Pedro 
vai terminar 
pra outras covas visitar 
o pessoal que precisar 
pode vir me chamar. 
 
Õ da licença João Pedro 
o Divino vai voar 
mais vai sentar em outra cova […]. 
 
Mas eu pisei na cova dele 
uma alma me respondeu 
ô tira o pé devagarinho 
tenha dó de quem já morreu 
 
Aonde foi meu passarinho 
ô bateu asas e voou 
ô foi fazer penitência 
 
Mas ô vem avoando 
assentado no andor 
vem visitar os corpo morto 
Jesus foi quem mandou. 
 
No final da cantoria, o grupo de D. Liodina saúda Raimundo Bastos, 
folião da Divindade residente em Aldeias Altas, o qual todos os anos 
participa nos festejos da Divindade na capela do Divino, localizada em 
Caxias, na Rua do Trilho Velho, nos três dias que antecedem Finados e 
presta homenagem aos mortos no cemitério dos Caldeirões: 
 
257 
 
Ô adeus cemitério… 
 nas horas de Deus amém 
agora eu vou cantar 
mais ainda hoje não cantei 
oferecer a cantoria 
que eu não ofereci. 
 
Eu ofereço a cantoria 
mais ao Divino também 
eu dou adeus pros irmãos mortos 
até o ano que vem. 
 
Ô irmão morto eu vou embora 
o Divino eu vou levar 
ô fica com Nosso Senhor 
eu vou com Nosso Senhor 
ô bendito louvado seja. 
 
Agora eu vou terminar 
eu vou deixar minha memória 
em cima desse altar 
e boa noite Raimundo Bastos 
amigo de profissão 
então eu já vou embora. 
 
Ao encerrar o ritual no cemitério, o grupo seguiu até à casa de D. 
Liodina, sempre a tocar as caixas. D. Liodina segurando uma vela 
acesa. Ao entrarem na casa, as salvas são colocadas sobre uma mesa, 
as bandeiras abertas encostadas na parede e é iniciada nova cantoria 
que dura horas, desta vez referindo-se à casa de D. Liodina e 
acontecimentos recentes da cidade: 
 
Graças a Deus que chegamos 
na Casa de arrancharia, 
aonde mora o pai eterno 
e a virgem Maria 
 
Graças a Deus que chegamos 
na casa da Santidade 
258 
 
aonde mora Deus Divino 
e a Santíssima Trindade 
 
E o vento que ventou ontem 
essa rua aqui agora 
foi a salva do Divino 
a casa dessa Senhora... 
 
A patroa dê licença 
em cantar no seu altar 
que cantar sem pedir licença 
é falta de educação. 
 
Companheiro é pedir 
no meio deste salão 
pedindo a vossa licença 
licença pra saber da sua certeza 
de dá licença ou não. 
 
Bibliografia 
GONÇALVES, Jandir, Os Foliões da Divindade e rezadeiras na Cidade de 
Caxias, in Boletim da Comissão Maranhense de Folclore, v. 2 (Ago. 1994); 
GONÇALVES, Jandir / OLIVEIRA, Lenir, Os Foliões da Divindade no Cemitério dos 
Caldeirões, in Boletim da Comissão Maranhense de Folclore, v. 12 (Dez. 1998) 
 
Cedral 
Município onde se realiza a Festa do Divino (Projecto Divino 
Maranhão 2005). 
 
Ceptro 
Também denominado *Ceptro Real. Bastão de prata pertencente às 
*Posses do Império. Referem-se-lhe as seguintes quadras: Arreda, 
povo arreda / Deixa os Impérios passar / Passa o ceptro passa a 
coroa / Passa o Império Real; Entrega Imperador / este lindo ceptro 
Real /Que usou na sua mão / Divino celestial. 
 
 Ceptro Real 
*Ceptro. 
 
 
259 
 
Ciganagem 
Recolha de oferendas em dinheiro, ou espécie, realizadas durante a 
festa por adolescentes e crianças, sempre sob a supervisão das 
Caixeiras. 
 
Codó 
Município onde se realiza a Festa do Divino (Projecto Divino 
Maranhão 2005). 
 
Conceição do Salazar 
Saindo de Guabiraba com o marido, após o falecimento de seus 
sogros, D. Liodina festejou a "Divindade" [Divino] nos Municípios de 
*Coroatá e de Conceição do Salazar, onde viveu antes de se radicar em 
*Caxias. *Seriema. 
 
Coroa 
Também Coroa de Espírito Santo, Coroa do Divino, Coroa do Divino 
Espírito Santo, Coroa Divina, Croa Divina, Coroa Verdadeira, Divina 
Coroa, Divina Santa Coroa, * Santa Coroa, *Santa Coroa Divina, etc. 
Insígnia em metal, pertencente às *Posses do Império, destinada a ser 
colocada na cabeça do *Imperador (*Coroar). Quando transportada 
sobre uma salva ou exposta no *altar da *Tribuna é uma representação 
simbólica do Divino Espírito Santo, sendo denominada *Santa Croa: 
 
Se rasgou o véu do tempo 
Veio o pombo e veio a Coroa 
Vamos todos festejar 
Essa prenda de Lisboa. 
 
Ôi nas horas de Deus nas horas 
Nas horas de Deus eu canto 
Eu vou salvar linda coroa 
Coroa de Esprito Santo. 
 
Caixeira tu não me deixa 
Não me deixe aqui sozinha 
Não sou eu quem tá pedindo 
É a Croa do Divino. 
 
260 
 
Ai a Coroa do Divino Espírito Santo 
Ai é bonita é formosa 
ai mais bonita ela fica 
Ai quando se enfeita de rosa. 
 
Essa batalha real 
Nós havemos de vencer 
Com a mesma Croa Divina 
Ela há-de nos valer. 
 
Ai eu canto pra cá eu canto 
Ai eu canto o mundo inteiro 
Ai eu canto pra Esprito Santo 
E pra Coroa Verdadeira. 
 
Eu quero subir ao céu 
Pelo fio de retrós 
Vou buscar Esprito Santo, Divina Croa 
Pra fazer festa pra nós. 
 
 
 
261 
 
Coroar 
O *Imperador, ou a *Imperatriz, são cerimonialmente coroados 
durante a missa de Domingo de Espírito Santo pelo sacerdote 
oficiante: Domingo de Esprito Santo / Teve um grande paladar / 
Logo no entrar da missa / Quando o padre vai croar. 
 
Coroatá 
Saindo de Guabiraba com o marido, após o falecimento de seus 
sogros, D. Liodina festejou a "Divindade" [Divino] nos Municípios de 
Coroatá e de *Conceição do Salazar, onde viveu antes de se radicar em 
*Caxias. *Seriema. 
 
Corte 
Designação da *Tribuna uma vez instalado nela todo o *Império. 
 
Corte imperial 
Conjuntodos componentes do *Império. 
 
Cortejo 
Deslocação processional do *Império, após o termo da missa de 
Pentecostes, da igreja até à casa da Festa. Evento, acompanhado por 
bandas de música e foguetes, geralmente, muito participado pelo povo 
anónimo. Pode dar-se o encontro dos cortejos de duas casas (Casa das 
Minas e Casa de Nagô), ocorrendo então a cerimónia de cruzamento 
das bandeiras. Cruzam-se e descruzam-se as bandeiras, separando-se 
os cortejos que seguem até às respectivas casas. Na chegada a casa, as 
caixeiras retomam os toques com o *Espírito Santo Dobrado, para 
solicitar à dona da casa que receba o Império: 
 
Senhora dona da casa, 
com prazer no coração, 
receba Espírito Santo 
que da missa está chegando (Gouveia, 2001, p. 55). 
 
No sábado, depois da missa, na reentrada em casa é costume oferecer 
esmolas aos pobres: ''[...] a carne do boi sacrificado, pequenos feixes 
de lenha, dinheiro, pão, gêneros diversos, tudo acondicionado em 
pacotes, caixas, cofos, ornamentados sob motivos diversos: barcos, 
cestas, flores, etc." (Lima, 1988, p. 32). Na Casa das Minas, são 
262 
 
distribuídas esmolas a doze pobres: "como se fossem os doze 
apóstolos”. Diz D. Celeste: “[...]. Aqui em casa, antes de entrar com a 
missa para a visita do mastro, eu distribuo uma cesta básica para os 
pobres, eu mando fazer umas sacolas onde coloco a pombinha e o 
dizer "Viva o Espírito Santo." (Gouveia, 2001, p. 56). 
 
Criuva 
Município onde se realiza a Festa do Divino. 
 
Dama 
Dignidade do *Império. O mesmo que *aia. Adolescente do sexo 
feminino, correspondente ao *Vassalo, do sexo masculino. 
 
Dança das Caixeiras 
Coreografia ritual protagonizada pelas Caixeiras, de saudação ao 
*Mastro e ao *Império: “Primeiro sai a Caixeira-régia, […] tira a mor, 
[…] vai tirando as outras, até tirar a última. A gente dança, depois a 
gente dança em volta uma sdas outras, e depois dança o cruzeiro. É a 
gente dançando de duas a duas, trocando” (Gustavo Pacheco, 
Caixeiras do Divino, p. 59). Ocorre após a missa e a *Abertura da 
Tribuna: 
 
Caixeira que está dançando 
dança bem, não dança mal 
o defeito que ela tem 
é dançar não me puxar. 
 
Derrubada do mastro 
Também derrubamento do mastro. Antes do início da derrubada 
decorre, em algumas casas a cerimónia do *serra-o-pau ou *serra-
toco, quando as caixeiras e alguns convidados simulam cortar o 
mastro dando, cada um, três golpes leves de machado no tronco. Só 
então começa o processo do derrube, cerimónia que exige força e 
destreza, para evitar a queda brusca do mastro. Usando cordas e 
tesouras para sustentá-lo, os homens cavam o buraco onde estava 
fincado o mastro e, lenta e progressivamente, deixem que ele se 
incline, enquanto as mulheres acompanham a cerimónia tocando 
Nossa Senhora da Guia e lamentando a derrubada: 
 
263 
 
Se eu pudesse, Oliveira. 
Tu não ias para o chão 
Mas tu vais ficar guardado 
Dentro do meu coração. 
 
A *queda do mastro é comemorada com palmas, foguetes e com 
bebidas como vinhos e espumantes, a que se segue uma ladainha e o 
jantar. A retirada do *mastro assinala o termo efectivo da festa do 
Divino: 
 
Nas horas de Deus amém 
Nas horas de Deus será 
Já está chegando a hora 
do mastro nós derrubar. 
 
Derrubamento do mastro 
*Derrubada do mastro, *Queda do mastro. 
 
Distribuição das esmolas 
Em *Alcântara, acontece no sábado, véspera de Pentecostes. O 
*Imperador distribui esmolas aos idosos e aos Mordomos. 
 
Divino de oliveira 
Designação do *mastaréu, ou bandeira, fincada no topo do *mastro 
(*Oliveira): 
 
Receba minha Senhora 
esta formosa bandeira 
Pra baptizar o mastaréu 
do Divino de Oliveira. 
 
Doce de espécie 
Doce típico das festas do Divino Espírito Santo de *Alcântara. Assume 
a forma de animais e plantas, sendo confeccionado com massa de trigo 
e doce de coco. 
 
Domingo de Pentecostes 
Domingo do Espírito Santo. Dia grande da festa do Divino (iniciada no 
sábado de Aleluia). 
264 
 
Domingo do Meio 
Domingo entre a quinta-feira de Ascensão e o domingo de 
Pentecostes. Em *Alcântara, o *Imperador visita o *Mordomo-Régio e 
os mordomos-baixos. Depois, comparecem todos à missa das dez, com 
grande séquito. 
 
 
 
 
Dona Teté 
Primeira Dama do *cacuriá, afamada percussionista a quem anda 
creditada a criação do ritmo, bem assim como a responsabilidade da 
introdução dos novos instrumentos na dita coreografia maranhense. 
265 
 
Embaixador 
Outro nome do *Tirador, folião que canta a solo versos repetidos em 
coro pêlos demais integrantes da *Folia. 
 
Entrega do posto 
Ocorre quando o *Império entrega as insígnias que caracterizam a 
hierarquia das suas funções. *Entrega das Posses Reais, *Passamento 
das Posses, *Repasse das Posses Reais. 
 
Enterro dos ossos 
O dia imediato à festa, ocasião para realizar a limpeza da casa e 
distribuir as sobras dos alimentos. Uma festa considerada boa “deve 
ter alimento em abundância para todos e que sobre para o lava-pratos 
e para o enterro dos ossos” (Sérgio Ferretti, Repensando o 
Sincretismo, p. 176). 
 
Entrega das Posses 
*Repasse das Posses Reais. 
 
Escoteiro 
Aquele que tira jóia (*tirar jóia) sem acompanhamento das caixeiras 
(sem a caixa). 
 
Esmola 
Pedido de contribuição em dinheiro ou espécie (*Tirar jóia) para a 
realização da festa do Divino: 
 
Espírito Santo pede esmola 
Mas não é por carecer 
É só pra experimentar 
quem seu devoto quer ser. 
 
Espada 
Arma simbólica, pertencente às *Posses Reais do *Império: 
 
Receba esta espada 
De todo o seu coração 
Quem mandou foi Santa Croa 
Eu entregar em vossas mãos. 
266 
 
Espírito Santo compassado 
Variante do cântico *Espírito Santo dobrado, em ritmo mais lento. 
 
Espírito Santo corrido 
Variante do cântico *Espírito Santo dobrado, em ritmo acelerado. 
 
Espírito Santo dobrado 
Um dos mais importantes cânticos interpretados pelas *Caixeiras do 
Divino. Toque dobrado com três pancadas das *vaquetas. 
 
Espírito Santo do Paço 
Em *Alcântara designa a saudação protagonizada pelo *Mestre-sala, 
quando o *cortejo passa pela casa dos mordomos: “Viva o Espírito 
Santo do Paço!” 
 
Estado-maior 
O mesmo que *Batalhão: 
 
Estado-maior 
Saia para fora 
É o saque da bandeira 
Estado vamos embora. 
 
Fechamento da Tribuna 
Assinala o encerramento solene da festa do Divino. Cânticos 
interpretados na ocasião: 
 
Sete cravo e sete rosa 
Formou um raminho de flor 
Meu Divino Espírito Santo 
Sua Tribuna se fechou. 
 
O Divino se despede 
Nesta hora de alegria 
Se despede e vai deixando 
Esta rica companhia. 
 
 
 
267 
 
Ferro 
Instrumento composto por uma ou duas campânulas de metal, 
percutidas por um pedaço de metal ou de madeira de forma a marcar 
um padrão rítmico recorrente (ostinato), o qual determina o ritmo 
dos tambores. Denominado o "maestro da orquestra", por Pai 
Euclides, e tradicionalmente associado ao orixá Ogum, deus do ferro e 
da metalurgia. Na *Casa das Minas, chama-se-lhe *gã e *ogã, sendo 
instrumento privativo das mulheres (*gantó). 
 
Festa da Zidória 
*Cantanhede. 
 
Festeiro 
Responsável pela realização da festa do Divino: 
 
Oh Divino Nosso Pai 
Da Glória Celestial 
A todos os seus festeiro 
Vós queira abençoar. 
 
Fita 
Faixa de pano pertencente às *Posses Reais: 
 
A Croa do Espírito Santo 
É uma prenda bonita 
Ela é quem mandou entregar 
A você bendita fita. 
 
Folia do Divino 
Grupo andarilho de devotos do Divino que, sob a sua bandeira e 
fazendo-se acompanhar por instrumentos musicais, cantam versos 
precatórios em louvor do Espírito Santo, angariando donativos para a 
festa e publicitando-a, entre os domingos de Páscoa e o de 
Pentecostes. Independentemente das designações particulares que 
possam assumir os seus integrantes, são, invariavelmente, quatro ou 
cinco, pelo menos, todos com competências específicas: o Folião 
responsável pelo grupo, vários músicos-cantores (sanfona, violão, 
cavaquinho, pandeiro, triângulo, xique-xique, caixa, etc.), o *Tirador 
ou *Embaixador, que canta a solo (versosrepetidos em coro pelos 
268 
 
demais) e o *Porta-bandeira ou *Bandeireiro que também recebe e 
colecta os donativos. No Maranhão, a folia é exclusivamente composta 
por mulheres, as *Caixeiras do Divino, caso inusitado no Brasil, à 
excepção da folia do bairro do Tejuco, em São João del-Rei (Minas 
Gerais). *Tirar jóia. 
 
Folioa 
Título adoptado pelas *Caixeiras do Divino para se autodesignarem: 
 
Minha amiga folioa 
Me diga que horas são 
Se já deu Ave Maria 
Eu quero tomar bênção. 
 
Gã 
Campanula de ferro percutida com um pedaço de metal. O *ferro na 
*Casa das Minas. É tocado com um *aguidavi, sendo instrumento 
privativo das mulheres (*gantó). 
 
Gambitos 
*Vaquetas, *vanquetas. 
 
Gantó 
Tocadora de *gã. 
 
Goiabal 
Bairro de *São Luís de Maranhão, onde a festa do Divino é organizada 
por Dona Nilza. A Festa do Espírito Santo patrocinada por Dona Nilza 
homenageia os arcanjos Miguel, Rafael e Gabriel e também São 
Benedito e Nossa Senhora de Fátima. Este Império veste de branco ou 
de azul, em anos alternados. No primeiro dia, realiza-se a *Abertura 
da Tribuna, o *Levantamento do mastro e um *Tambor de crioula que 
começa por volta de 22 horas. Nesta festa, o Imperador visita a 
Imperatriz e o *Mordomo-régio visita a *Mordoma-régia, 
acompanhado de muitos foguetes, pois, segundo Dona Nilza: "O 
Espírito Santo gosta de ser festejado com muita zoada". A festa 
termina na segunda-feira, com o *roubo do Império, o derrube 
(“derrubamento”) do mastro e o encerramento (“fechamento”) da 
tribuna. O roubo consiste em esconder peças de roupa, coroa e outros 
269 
 
pertences dos participantes pela dona da festa, que os distribui por 
diferentes locais. Compete às caixeiras e às crianças procurar os 
pertences roubados com muito movimento de danças, bebidas e 
brincadeiras, no decurso das quais recebem jóia (doces, bebidas, etc.). 
No dia seguinte é o grande dia das caixeiras e de todos quantos 
participam da organização da festa, conhecida como *carimbó das 
caixeiras. 
 
Bibliografia 
SILVA, Josimar Mendes, Festa do Divino Espírito Santo do Goiabal: uma 
abordagem histórica, 1997 [monografia de conclusão do curso de História na UFMA] 
 
Gres Académicos do Grande Rio 
Grémio Recreativo Escola de Samba Académicos do Grande Rio, ou, 
simplesmente, *Académicos do Grande Rio. 
 
Guabiraba 
Município onde os sogros de D. Liodina (*Caxias) celebravam a 
“Divindade” (Divino), de quem ela herdou a devoção (*Coroatá, 
*Conceição do Salvador). 
 
Guimarães 
Município onde se realiza a Festa do Divino. 
 
Hino da missa 
Designação de um dos toques do vasto repertório musical do Divino: 
*Espírito Santo dobrado, *Alvorada, *Alvoradinha, *Santana, *Nossa 
Senhora da Guia. *Viva o Hino. 
 
Humberto de Campos 
Município onde se realiza a Festa do Divino (Projecto Divino 
Maranhão 2005). 
 
Icatu 
Município onde se realiza a Festa do Divino (Projecto Divino 
Maranhão 2005). 
 
Imperador 
Principal protagonista masculino do *Império do Divino, figura do 
Messias e responsável pelas despesas da festa. *Alcântara, *Imperador 
270 
 
do Trono, *Imperador-festeiro, *Periá. Reportam-se-lhe as seguintes 
quadras: 
 
Me fizeram uma gaiola 
Essa mesma se quebrou 
Por ordem do Espírito Santo 
também do Imperador 
 
Ó meu nobre Imperador 
Olhos de estrela norte 
O Divino Espírito Santo 
Queira lhe dar boa sorte. 
 
Imperador do Trono 
Criança ou jovem, integrante do séquito do *Imperador (geralmente 
seu filho, neto, ou parente), que comparece a todos os eventos em sua 
representação e pode até ocupar o seu lugar na *Tribuna. O menino 
farda de branco, “com alamares ou botões dourados” e faz-se 
acompanhar por dois vassalos (no caso da *Imperatriz, duas aias e um 
vassalo). 
 
Imperador-festeiro 
Regra geral, um adulto, designado enquanto responsável máximo da 
festa do Divino. Pode ser representado pelo *Imperador do Trono. 
 
Imperatriz 
Principal protagonista feminina do *Império do Divino (*Alcântara), 
figura do Paracleto e responsável pelas despesas da festa: 
 
Minha nobre Imperatriz 
olhos de pedra redonda 
É a pedra mais bonita 
aonde o mar camba as ondas. 
 
Império 
Designação do conjunto de indivíduos (*mordomo e *mordoma) que 
constituem a corte do *Imperador, ou da *Imperatriz (corte imperial): 
 
Arreda povo arreda 
271 
 
 
 
Imperatrizes de Guimarães e de Alcântara 
 
 
272 
 
 
 
Deixa Império passar 
ele vai pra sua ermida 
Pra fazer pelo sinal. 
 
Sinónimo de *Império Real: 
 
Arreda povo arreda 
Deixa os Impérios passar 
Passa o ceptro, passa a croa 
Passa o Império Real. 
 
Império Real 
*Império. 
 
Isidória Lopes 
*Cantanhede, *festa de Izidória, *pau de Zidória, *Zidória. 
 
Itapecuri-Mirim 
Município onde se realiza a Festa do Divino (Projecto Divino 
Maranhão 2005). 
 
João da Vera Cruz 
Nome de baptismo do *mastro do Divino, quando a festa se realiza no 
mês de Junho. Neste caso, o mastro é pintado com as cores branca e 
vermelha. *Manuel de Vera Cruz. 
 
Jóia 
*Esmola. *Tirar jóia, *tirar-jóias. 
 
Juiz 
Adulto, homem ou mulher, encarregado de todas as funções 
protagonizadas pelo *Imperador, ou *Imperatriz, quando este cargo é 
assumido por crianças. 
Também designa a função honorífica e permanente consignada aos 
Imperadores de festas anteriores, os quais, dessa forma, “continuam 
na festa como festeiros”. 
 
273 
 
Ladainha 
Em *Alcântara, depois do jantar, enquanto os convidados jantam, 
todo o Império ocupa os respectivos assentos na *Tribuna para a 
recitação da ladainha: 
 
Quem rezou a ladainha 
Lá no céu tem seu valor 
Uma cadeira de ouro 
Do lado de Nosso Senhor. 
 
As actividades do dia encerram quando as caixeiras "arreiam" as 
caixas no chão, após os versos de agradecimento a quantos 
acompanharam a reza, o louvor aos membros da Tribuna e o 
agradecimento ao Divino Espírito Santo. Segue-se o *Derrubamento 
do mastro. 
 
Lava-pratos 
Denominação do dia que sucede ao do termo da festa. *Enterro dos 
ossos. 
 
Leitura do Pelouro 
Derradeiro ritual da festa do Divino, concretizado na igreja, após a 
procissão do Divino Espírito Santo. Com a leitura do *Pelouro, 
consignando a relação das pessoas indigitadas para promover a festa 
do ano seguinte, inicia-se um novo ciclo festeiro. 
 
Levantamento do mastro 
Na *Casa de Nagô, no momento do Levantamento do mastro, os 
assistentes, são brindados com bolinhos de tapioca e bombons, 
lançados do alto da casa ou de árvores. 
O levantamento do mastro é um momento de grande expectativa, 
tensão e euforia. Para o efeito, são preparadas três ou mais tesouras 
(dois grandes pedaços de madeira em forma de cruz, amarrados ao 
meio com cordas de armar rede), que ajudam a distribuir o peso do 
mastro. Para erguê-lo, são amarradas nele quatro grandes cordas, 
puxadas conjugadamente por vários homens. Durante o processo, 
muitos rezam e pedem para que tudo decorra sem incidentes. Quando 
o mastro se encontra totalmente erguido, são disparados foguetes, 
ouvem-se aplausos e os mais emotivos chegam a chorar. O cântico 
274 
 
específico que acompanha o Levantamento do mastro denomina-se 
Nossa Senhora da Guia: 
 
Sobe alto, Oliveira 
Vai subindo devagar 
Sobe meu Espírito Santo 
Que perto de Deus vai fica. 
 
Licença para realizar a festa 
Exemplo de um requerimento para realização da Festa do Divino no 
Maranhão: “Osana Maria da Conceição desejando realizar em sua casa 
de residência à Rua de S. Pantaleão quase subúrbios desta Cidade, a 
festividade do Divino Espírito Santo, que tem por devoção fazer todos 
os anos, vem respeitosamente solicitar de V. S. a respectiva licença 
para angariar donativos nesta cidade, e pela Ilha deste Estado, para 
auxiliar os ditos festejos, e tocar as respectivas caixas no interior de 
sua casa nos dias que tiver lugar os ditos festejos. A Supricante garante 
toda a boa ordem e respeito à moral pública como o tem feito os mais 
anos. Maranhão, 29 de Fevereiro de 1896. Por Ozana Maria da 
Conceição, João José Pereira de Sá”. 
 
LicorLicores de sabores variados são característicos das festas do Divino em 
*Alcântara. 
 
Manuel da Vera Cruz 
Nome de baptismo do *mastro do Divino, quando a festa se realiza no 
mês de Maio: 
 
Ofereço este bendito 
A Manuel da Vera Cruz 
Padre, Filho e Espírito Santo 
Para sempre amém Jesus. 
 
Mastarel 
O mesmo que *mastaréu. Reporta-se-lhe a seguinte quadra: 
 
Que bonito pé de árvore 
Que a natureza criou 
275 
 
Pra servir de mastarel 
Na festa do Imperador. 
 
Mastaréu 
Pequeno mastro giratório, fincado no topo do *mastro do Divino e 
encimado por uma bandeira pintada com a pomba e a coroa do 
Divino: 
 
Os padrinhos deste ano 
Da Coroa Verdadeira 
recebei seu Mastaréu 
E também sua bandeira. 
 
Que bonito pé de árvore 
Que a natureza criou 
Pra servir de mastarel 
Na festa do imperador. 
 
À semelhança do mastro, o mastaréu também é apadrinhado. 
Dependura-se nele um bolo de tapioca para alimentar os pombos e 
outras aves. *Divino de oliveira. *Mastro, *oliveira. 
 
Mastro bento 
Reporta-se-lhe a seguinte quadra: 
 
To salvando Esprito Santo 
Em cima daquela bola 
Também salvo mastro Bento 
Que tá do lado de fora. 
 
*João da Vera Cruz, *Manuel da Vera Cruz, *Mastro de oliveira, 
*Mastro do Divino, *Oliveira, *Pau de Izidória, *Torre de Jerusalém. 
 
Mastro do Divino 
O mesmo que *Mastro Bento, *Cantanhede, *Mastro de oliveira, 
*Oliveira, *Pau de Izidória, *Torre de Jerusalém. Um dos elementos 
simbólicos de maior relevância nos Impérios, uma vez que assinala a 
hierofania que demarca o espaço sagrado do Divino. Tronco árvore, 
liso e direito, de seis a oito, ou mais, metros de comprimento, ornado 
276 
 
ou pintado (branco e azul, ou branco e vermelho), erguido em praça 
pública (*Levantamento do mastro), mas mais habitualmente, diante 
da casa que organiza a festa, assinalando o local da sua realização: Lá 
vai o pombo voando / Oi por cima da laranjeira / Foi voando e foi 
dizendo / Oi via o Mastro e a Bandeira. O de *Alcântara é 
desembarcado, na véspera da Ascensão, em Porto do Jacaré 
(*Alcântara), sendo imediatamente ornamentado com ramos de 
murta. Este tronco é conduzido aos ombros de uma vintena de 
devotos, sendo cavalgado por todas as crianças presentes entre os 8 e 
os 10 anos. A multidão percorre muitas ruas, detendo-se à porta dos 
Mordomos, antes de alcançar o local onde o mastro será fincado e 
enfeitado com cachos de bananas e cocos, espetando-se-lhe no topo 
uma bandeira com a coroa pintada (*Mastaréu, *mastarel). 
 
 
 
 
 
Durante o trajecto as cantoras entoam cânticos, enquanto os 
carregadores repetem o refrão até à exaustão: 
 
Qui bunito pé de mato (arei, are-e-e-ei-a) 
277 
 
qui a natureza botou (arei, are-e-e-ei-a) 
Para mim selvi de mastro (arei, are-e-e-ei-a) 
Para o nosso Imperadô (arei, are-e-e-ei-a). 
 
O mastro é fumigado, benzido e baptizado pelas mulheres do terreiro e 
pelos seus padrinhos, sendo-lhe atribuído nome próprio, consoante o 
mês em que se realiza a festa: se em Maio, chama-se-lhe *Manuel da 
Vera Cruz, se em Junho, *João da Vera Cruz. Na *Casa de Nagô é 
chamado de *Arvoredo antes do baptismo e *Oliveira, depois de 
recebido o sacramento: 
 
Te batizo Oliveira 
Com toda a tua formosura 
Não te dou os santos óleos 
Porque não és criatura. 
 
Os padrinhos do mastro, perpétuos ou não, conforme a promessa 
feita, suportam todas as despesas com ele. 
Em muitos terreiros o mastro é guardado, servindo em sucessivas 
festas. 
 
Mastro de oliveira 
Reporta-se-lhe a seguinte quadra: 
 
Filho da Virgem Maria 
É Jesus anunciado 
Num Mastro de oliveira 
Foi morrer crucificado. 
 
*João da Vera Cruz, *Manuel da Vera Cruz, *Mastro bento, *Mastro 
do Divino, *Oliveira, *Pau de Izidória, *Torre de Jerusalém. 
 
Matança 
O mesmo que *matutagem. 
 
Matinha 
Município onde se realiza a Festa do Divino (Projecto Divino 
Maranhão 2005). 
 
278 
 
Matutagem 
O mesmo que *matança. Morte e esquartejamento cerimonial do boi 
que será servido como alimento durante a festa. O ritmo e a sequência 
do ritual é marcado pelos toques e cânticos das *Caixeiras do Divino. 
Cântico para orientar a matutagem: 
 
O senhor seu magarefe 
Se está com a faca na mão 
Depois de partir o boi 
tira o bofe e o coração. 
 
Mesa do Império 
*Santana. Eis uma quadra de D. Jacy, alusiva à Mesa do Império: 
 
Deus te salve mesa posta 
Ela é de tradição 
Pra servir todos impérios 
Do Divino Esptrito Santo. 
 
Mestre-sala 
Adulto que zela pelo cumprimento das orientações das Caixeiras do 
Divino: 
 
O senhor seu Mestre-sala 
eu com vós quero falar 
Me sente o Mordomo-Régio 
Nesta Corte Imperial. 
 
Participa no peditório de donativos em *Alcântara, no sábado de 
Aleluia. Apresenta-se com uma salva (bandeja redonda coberta com 
um pano branco bordado). *Vicente. 
 
Mestre-sala-mor 
Em *Alcântara, a eleição dos integrantes do *Império é realizada (ora 
mediante as promessas dos próprios, ora por escolha ou acordo) e 
comunicada à comunidade pelo *Mestre-sala, localmente denominado 
Mestre-sala-mor. 
 
 
279 
 
Miranda do Norte 
Município onde se realiza a Festa do Divino. 
 
Mirinzal 
Município onde se realiza a Festa do Divino (Projecto Divino 
Maranhão 2005). 
 
 
 
 
Missa do Fogo 
Realiza-se no sábado de Aleluia, em *Alcântara. Assinala o início do 
período durante o qual os festeiros esmolam (recolhem donativos 
destinados aos festejos). Ao conduzirem o Espírito Santo, sob a forma 
de uma *pomba até ao altar, antes da missa, os festeiros confirmam o 
seu compromisso com o Divino. 
 
Missa solene 
Climax da Festa que se realiza no dia imperial, por excelência, o 
domingo de Pentecostes, ou em outra data definida pelo(a) festeiro(a). 
Decorre numa Igreja onde o Império, as caixeiras, devotos e pessoas 
amigas participam da Missa que assume um tom solene. As crianças, 
pela primeira vez, usam as roupas do Império do ano, sendo 
280 
 
investidas no poder de realeza. A Missa solene culmina no cortejo do 
Império até à Casa da Festa, evento acompanhado pelo toque das 
caixeiras, algumas vezes alternado com banda de música e muito 
foguetório. A chegada à Casa da Festa é marcada por emoção: o 
Império saúda o *mastro e a Corte assume a *Tribuna, sob o toque a 
um tempo alegre e pomposo das caixeiras. Cada membro do Império 
oferece aos participantes na Festa uma mesa regiamente preparada 
com bolo confeitado e lembranças das cores da sua roupa, numa 
disputa, por vezes ostensiva, com os demais em termos de beleza e 
fartura. 
 
Mordoma 
Integrante do séquito Imperial no *Império de *Alcântara e a primeira 
em ordem de importância, depois da *Imperatriz. Em ano de 
Imperatriz, desempenha a função que compete ao *Mordomo, em ano 
de *Imperador,. *Mordoma-Régia. 
 
Mordoma-baixa 
São seis as intervenientes no *Império de *Alcântara (*Maranhão), 
assim denominadas. 
 
Mordomo 
Integrante do séquito Imperial no *Império de *Alcântara e o primeiro 
em ordem de importância, depois do *Imperador (*Mordomo-Régio). 
Em ano de Imperatriz, desempenha a função que compete ao 
*Mordomo, em ano de *Imperador: 
 
Meus Impérios e mordomo 
Vamos na missa do dia 
Vamos ver cantar os anjos 
Na capela de Maria. 
 
Mordomo-baixo 
São cinco os intervenientes no *Império de *Alcântara (*Maranhão), 
assim designados. 
 
Mordomo-baixo do Trono 
Comparece a todos os eventos em representação do *Mordomo-baixo. 
 
281 
 
Mordomo-celeste 
Cada casa que organiza a festa do Divino adopta variantes 
hierárquicas: *mordomo(a) de linha, *mordomo(a)-celeste, 
*mordomo(a)-Real, etc. Tal circunstância há-de determinar a 
hierarquia a percorrer pelas crianças até atingirem o estatuto de 
*Imperador, ou *Imperatriz. Isto porque, na *Casa das Minas, a 
preparação das crianças para integrarem o *Império dura cinco anos: 
Começa por ser *Terceira-mor, passa no ano seguinte a *Segunda–
mor e no 3º ano, a *Primeira-mor. 
 
Mordomo-mor 
Segundo(a) mordomo(a) em importância depois do *Mordomo-Régio. 
Reporta-se-lhe a seguinte

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