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Harold Nicolson - O Tratado de Versalhes

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Em 1919, a Conferência de Paz de Paris reuniu 32 nações em torno da 
elaboração do acordo que deveria ser o marco de encerramento da 
Primeira Guerra Mundial – e, na visão triunfalista de alguns, o fim de 
qualquer possibilidade de novo conflito da mesma proporção. O resultado 
foi um dos maiores equívocos diplomáticos de todos os tempos. O tratado 
de Versalhes, que supostamente viria a pacificar o mundo, acabou por se 
tornar a semente de uma violência ainda maior, criando condições para a 
ascensão do nazismo na Alemanha e a eclosão da Segunda Guerra 
Mundial, apenas vinte anos mais tarde. O livro O tratado de Versalhes – 
mais um lançamento da Coleção Globo Livros História – revela com 
riqueza de detalhes os bastidores das negociações que formataram o 
documento. Tudo relatado por uma testemunha privilegiada daquele 
momento histórico: o escritor Harold Nicolson, que em 1919 atuou como 
membro júnior da delegação diplomática inglesa à Conferência de Paz de 
Paris. Então um jovem diplomata especializado em questões territoriais, 
Nicolson descreve com lucidez a distância entre ações e intenções dos 
grandes líderes – entre eles, o presidente norte-americano Woodrow 
Wilson, o primeiro-ministro britânico David Lloyd George e o premiê 
francês Georges Clemenceau –, bem como as circunstâncias que levaram 
a escolhas irrefletidas, como, por exemplo, a pressão das massas por uma 
implacável reparação aos danos que o lado perdedor (sobretudo a 
Alemanha) causara aos países vencedores. O título se divide em duas 
partes. Na primeira, o autor faz uma avaliação crítica do encontro 
diplomático, relacionando a desorganização, os erros, os infortúnios e as 
desavenças que levaram a um acordo final completamente diferente 
daquele que havia sido imaginado inicialmente como justo, viável e 
favorável ao restabelecimento da paz no continente europeu. A segunda 
parte do volume apresenta trechos selecionados do diário que Nicolson 
escreveu ao longo dos seis meses de missão diplomática, da abertura da 
conferência até a assinatura do tratado que praticamente decretou a ruína 
econômica da Alemanha. Ao publicar este livro em 1933, o autor fez 
questão de esclarecer que, mais do que um registro histórico, buscou 
reproduzir a “infeliz e doentia atmosfera” da Conferência de Paz de Paris. 
Seis anos antes do início da Segunda Guerra, Nicolson garantia que desde 
1919 muitos dos diplomatas envolvidos na elaboração do Tratado de 
Versalhes experimentaram “por longo tempo um sentimento de 
descrença, uma convicção de que a natureza humana, como uma geleira, 
se move apenas uma ou duas polegadas a cada mil anos”.
LIVRO	I	MEMÓRIAS	DA	PAZ	DE	VERSALHES
como	parece	hoje
1	
Armistício
DE	TODOS	OS	RAMOS	DA	ATIVIDADE	HUMANA,	A	DIPLOMACIA	é	a	mais	versátil.	O	historiador	e	o
jurista,	confiando	no	protocolo	e	no	procès	verbal,	podem	procurar	manter
suas	 condutas	 dentro	 dos	 contornos	 estritos	 de	 uma	 ciência.	 O	 ensaísta
pode	capturar	as	cores	nas	vinhetas	de	uma	arte.	Os	especialistas	–	e	houve
muitos,	 de	 Callière	 a	 Jusserand,	 de	 Maquiavel	 a	 Jules	 Cambon	 –	 podem
conseguir	adensar	suas	experiências	em	livros	capazes	de	orientar	os	que
vêm	depois.	O	jornalista	pode	dar	ao	quadro	os	enfoques	e	a	interpretação
do	 pitoresco.	 Em	 tais	 imagens,	 porém,	 sempre	 surge	 um	 elemento	 que
escapa	 à	 realidade,	 há	 sempre	 o	 aspecto	 que	 se	 nega	 a	 ser	 registrado	 ou
definido.
Essa	 incerteza	 de	 tratamento	 resulta	 de	 causas	 diversas.	 Em	 primeiro
lugar,	a	discrepância	entre	o	protocolo	criado	e	os	estágios	que	levaram	à
sua	adoção.	Existe	a	divergência	entre	a	evolução	aparente	da	negociação	e
a	que	realmente	ocorreu.	Existe	a	tendência	a	atribuir	efeitos	manifestos	a
causas	que	só	parecem	manifestas.	Existe	a	tentação	de	simplificar	motivos
mistos	 de	 forma	 a	 falsificar	 esses	 motivos.	 Existe	 a	 dificuldade	 em
determinar	 a	proporção	entre	 iniciativa	pessoal	 e	 viés	de	massa.	Existe	 a
permanente	 confusão	 de	 línguas,	 temperamentos,	 propósitos	 e
interpretações.	 Acima	 de	 tudo,	 existe	 o	 risco	 de	 interpretar	 valores
erroneamente,	de	atribuir	a	circunstâncias	que	parecem	significativas	uma
importância	 que	 de	 fato	 não	 têm,	 de	 subestimar	 outras	 circunstâncias
aparentemente	triviais,	mas	que	no	momento	foram	fatores	determinantes.
Havia	muito	eu	desejava	descrever	a	nova	diplomacia	como	uma	sequela
ou	contraparte	da	feição	da	velha	diplomacia	que	delineei	na	biografia	de
meu	 pai.	 Quanto	 mais	 considero	 o	 assunto,	 menos	 acredito	 numa	 real
oposição	entre	as	duas.	Diplomacia	é	essencialmente	o	sistema	organizado
de	 negociação	 entre	 estados	 soberanos.	 O	 mais	 importante	 fator	 em	 tal
organização	é	o	elemento	da	representação	–	a	necessidade	fundamental	de
qualquer	 negociador	 ser	 plenamente	 representativo	 de	 seu	 próprio
soberano.	 Pequenas	 mudanças	 que	 têm	 ocorrido	 nos	 procedimentos
diplomáticos	 não	 devem,	 portanto,	 ser	 descritas	 como	 um	 rompimento
abrupto	entre	os	conceitos	éticos	de	uma	geração	e	os	da	geração	seguinte.
É	menos	uma	questão	de	ética	e	mais	de	método:	em	outras	palavras,	foi	a
incidência	 da	 soberania	 que	 tem	 se	 deslocado,	 e	 não	 os	 princípios
essenciais	 por	 que	 uma	 diplomacia	 eficiente	 se	 conduz.	 Hoje,	 que
democracia	 significa	 a	 soberania	 de	 todos	 nós,	 certas	 transformações
óbvias	na	prática	diplomática	foram,	estão	sendo	e	serão	introduzidas.	Mas
descrever	 estas	 mudanças	 em	 termos	 de	 valores	 éticos	 e	 não	 práticos	 é
uma	interpretação	equivocada	de	toda	a	função	da	diplomacia.	O	contraste
entre	 a	 velha	 e	 a	 nova	 diplomacia	 não	 só	 traduz	 um	 exagero	 como	pode
prejudicar	o	estudo	científico	das	relações	internacionais.
Fortalecido	 por	 esta	 convicção,	 decidi	 que	 não	 devia	 tentar	 esse
confronto.	Desejo,	contudo,	dar	prosseguimento,	de	uma	forma	ou	de	outra,
a	 meu	 estudo	 prévio	 da	 diplomacia	 anterior	 à	 guerra	 e	 completá-lo	 na
forma	de	uma	trilogia,	da	qual	este	volume	representa	a	segunda	das	três
obras.	 No	 fim,	 espero	 completar	 o	 trio	 com	 outra	 biografia	 e	 focalizar	 a
diplomacia	posterior	à	guerra	em	torno	da	personalidade	de	Lord	Curzon.
Neste,	 o	 segundo	 volume	de	minha	 trilogia,	 procurei	 analisar	 a	 fase	 de
transição	entre	a	diplomacia	de	pré-guerra	e	de	pós-guerra,	e	dar	uma	ideia
sobre	a	Conferência	de	Paz	de	Paris.	 Inicialmente,	pretendi	organizar	este
estudo	também	sob	a	forma	de	uma	biografia,	centrando	minha	história	na
personalidade	 de	 Mr	Woodrow	Wilson	 ou	 de	 Mr	 Lloyd	 George.	 Todavia,
cheguei	à	conclusão	que	tal	concentração	do	tema	em	torno	de	uma	pessoa
não	 daria	 o	 necessário	 destaque	 à	 espantosa	 dispersão	 de	 energia	 que
constituiu	o	verdadeiro	ponto-chave	da	Conferência	de	Paris.	A	perspectiva
fechada	 e	 a	 continuidade	 pessoal	 características	 do	 método	 biográfico
teriam	prejudicado	meu	propósito.	Estou	bem	ciente	de	que	abandonando
minha	 intenção	 inicial	 perdi	 imensamente	 na	 estruturação	 da	 obra,	 no
interesse	 e	 no	 lucro	 financeiro.	 Porém,	 adotando	 tal	 método,	 estaria
simplificando	 os	 assuntos	 em	 vez	 de	 proporcionar	 um	 quadro	 das
confusões	 e	 complicações	 que	 de	 fato	 ocorreram.	 Decidi,	 pois,	 descrever
simplesmente	a	Conferência	de	Paz	na	forma	em	que	a	vivi.
Mais	 uma	 vez	 me	 encontrei	 diante	 de	 uma	 dificuldade.	 Constatei	 a
impossibilidade	de,	neste	momento,	oferecer	qualquer	narrativa	conexa	da
conferência	em	termos	de	assunto	ou	de	cronologia.	Por	um	 lado,	muitos
documentos	 vitais	 ainda	 estão	 indisponíveis	 e,	 por	 outro,	 o	 método
consecutivo	 não	 daria	 uma	 impressão	 acurada.	 O	 ponto	 importante	 a
entender	 sobre	a	Conferência	de	Paris	 é	 sua	espantosa	 inconsequência,	 a
falta	 completa	de	qualquer	método	 consecutivo	de	negociação	ou	mesmo
de	imposição.	A	verdadeira	história	da	Conferência	será	escrita	um	dia	de
forma	oficial,	coberta	de	autoridade	e	legível.	O	que	pode	permanecer	sem
registro	 é	 a	 atmosfera	 daqueles	 mesesinfelizes,	 a	 névoa	 em	 que	 fomos
envolvidos.	Meu	estudo,	portanto,	é	um	estudo	em	meio	à	neblina.	O	leitor
não	deve	esperar	qualquer	lucidez	contínua.	Isso	não	existiu.
Creio	 que	 li	 a	 maioria	 dos	 muitos	 livros	 que,	 desde	 1919,	 foram
publicados	 sobre	 a	 Conferência	 de	 Paz,	 alguns	 deles	 admiráveis,	 outros
pelo	 contrário.	 Todavia,	 de	 todos	 extraí	 a	 impressão	 de	 que	 faltava	 algo
essencial	e	estou	convencido	de	que	esta	omissão	crucial	é	a	do	elemento
de	confusão.	É	esse	ingrediente	–	e	somente	este	–	que	pretendi	deixar	bem
patente	neste	volume.
A	 lembrança	 daqueles	 dias	 congestionados	 é	 muito	 viva	 em	 mim.	 Foi
reforçada	 pela	 leitura	 do	 diário	 que	 redigi	 na	 época.	 Quando	 decidi
publicar,	na	segunda	metade	deste	volume,	os	principais	trechos	do	diário,
o	 fiz	convencido	de	que,	em	sua	 jovial	 trivialidade,	reflete,	melhor	do	que
comentários	 da	 meia-idade	 desiludida,	 a	 atmosfera	 que	 pretendo
transmitir.	Mas	a	crítica	que	faço	de	meu	próprio	diário	está	implícita	e	não
explícita.	 Na	 época,	 eu	 era	 jovem	 e	 estava	 compreensivelmente	 agitado.
Não	é	necessário	me	desculpar	por	tais	falhas.
Mas	confio	em	que	minha	tese	principal	 fique	bem	clara.	É	esta.	Dado	o
clima	 da	 época,	 considerando	 as	 paixões	 despertadas	 em	 todas	 as
democracias	por	quatro	anos	de	guerra,	 teria	sido	 impossível,	até	mesmo
para	 super-homens,	 imaginar	 uma	 paz	 de	moderação	 e	 justiça.	 A	missão
dos	 negociadores	 de	 Paris	 ainda	 se	 complicava	 por	 circunstâncias
particularmente	 confusas.	 Os	 ideais	 a	 que	 foram	 penhorados	 pelo
Presidente	 Wilson	 eram	 não	 apenas	 impraticáveis	 em	 si	 mesmos,	 mas
exigiam,	 para	 sua	 observância,	 a	 íntima	 e	 incessante	 colaboração	 dos
Estados	Unidos.	 Sentimos	que	 sua	 colaboração	 talvez	pudesse	 ser	 íntima,
mas	não	poderia	ser	incessante.	Foi	portanto	a	tentativa	de	homens	como
Clemenceau	e	Lloyd	George	encontrar	um	meio-termo	entre	os	anseios	de
suas	 democracias	 e	 os	 ditames	 mais	 moderados	 de	 suas	 próprias
experiências,	 bem	 como	 o	 meio-termo	 entre	 a	 teologia	 do	 Presidente
Wilson	 e	 as	 necessidades	 práticas	 de	 uma	 Europa	 furiosa.	 Esse	 duplo
abismo	 tinha	de	 ser	 transposto	por	meior-termos	que,	 para	uma	geração
seguinte,	 parecem	 hipócritas	 e	 enganosos.	 Mas	 não	 eram	 inevitáveis?	 E
poder-se-ia	esperar	que	a	natureza	humana,	tão	recentemente	mergulhada
na	 loucura	da	Grande	Guerra,	pudesse	 subitamente	demonstrar	 a	branda
serenidade	de	uma	sabedoria	quase	sobre-humana?
Não	 respondo	 a	 essas	 perguntas.	 Deixo-as	 como	 indagações	 a	 serem
respondidas	por	alguma	geração	 futura.	Tudo	que	espero	alvitrar	é	que	o
erro	 humano	 é	 um	 fator	 permanente,	 não	 episódico,	 em	 história	 e	 que
futuros	 negociadores	 estarão	 expostos,	 por	 nobres	 que	 sejam	 suas
intenções,	a	 futilidades	de	 intenções	e	a	omissões	tão	graves	como	as	que
caracterizaram	 o	 Conselho	 dos	 Cinco.	 Eles	 estavam	 convencidos	 de	 que
jamais	 cometeriam	 os	 erros	 e	 as	 iniquidades	 do	 Congresso	 de	 Viena.
Gerações	 futuras	 estarão	 igualmente	 convictas	 de	 serem	 imunes	 aos
defeitos	 que	 acometeram	 os	 negociadores	 de	 Paris.	 Mas,	 por	 sua	 vez,
estarão	 expostas	 aos	 mesmos	 micróbios	 e	 à	 eterna	 inadequação	 da
inteligência	humana.
É	com	triste	pesar	que	hoje	em	dia	recordo	aquela	manhã	de	novembro
em	 que	 Mr	 Lloyd	 George	 anunciou	 o	 armistício	 da	 entrada	 de	 Downing
Street.	A	cena,	até	hoje,	está	indelevelmente	impressa	em	minha	mente.	Eu
trabalhava	no	porão	do	 Foreign	Office,	 num	abrigo	 verde	 e	 roxo	que,	 até
poucas	 semanas	 antes,	 me	 protegera	 dos	 ataques	 aéreos	 dos	 alemães.
Preparava-me	 para	 a	 eventual	 Conferência	 de	 Paz.	Mais	 especificamente,
naquela	 manhã	 de	 11	 de	 novembro	 estudava	 o	 problema	 do	 enclave	 de
Strumnitza.
Depois	de	trabalhar	cerca	de	uma	hora,	constatei	que	precisava	de	mais
um	mapa.	 Subi	 as	 escadas	 para	 a	 torre	 onde	 se	 localizava	 nossa	 sala	 de
mapas.	A	 caminho,	 fui	 até	a	 sala	do	administrador	 solicitar	mais	algumas
caixas	de	lata	para	minhas	necessidades	na	Conferência.	Fui	até	a	janela	e
olhei	para	baixo,	na	direção	do	nº	10	de	Downing	Street.	Um	grupo	estava
postado	na	faixa	central	da	rua	e	havia	meia	dúzia	de	policiais.	Eram	dez	e
cinquenta	 e	 cinco	 da	 manhã.	 De	 repente,	 a	 porta	 da	 frente	 se	 abriu.	 Mr
Lloyd	 George,	 com	 os	 cabelos	 brancos	 agitados	 pelo	 vento,	 surgiu	 na
entrada.	 Acenou	 com	 os	 braços	 estendidos	 para	 a	 frente.	 Abri
apressadamente	 a	 janela.	 Ele	 repetia	 insistentemente	 a	 mesma	 frase.
Escutei	 suas	 palavras.	 “Às	 onze	 horas	 desta	 manhã	 a	 guerra	 estará
terminada.”
O	 pessoal	 se	 aproximou	 dele.	 Direto	 e	 sorridente,	 fez	 um	 gesto	 de
despedida	e	se	retirou,	desaparecendo	por	trás	da	grande	porta	de	entrada.
Afluía	gente	a	Downing	Street,	e	em	poucos	minutos	toda	a	rua	ficou	cheia.
Não	 houve	 manifestações.	 A	 multidão	 se	 espraiou	 silenciosamente	 na
direção	do	pátio	dos	Horse	Guards	Parade	e	espalhou-se	em	volta	do	muro
do	jardim	de	Downing	Street.	De	meu	privilegiado	posto	de	observação,	vi
Lloyd	George	 aparecer	 naquele	 jardim,	 agitado	 e	 entusiasmado.	 Foi	 até	 a
porta	 do	 jardim	 e	 em	 seguida	 recuou.	 Dois	 secretários	 que	 o
acompanhavam	 o	 estimularam	 a	 prosseguir.	 Ele	 abriu	 a	 porta.	 Pisou	 no
lado	de	fora,	no	terreno	de	Parada.	Acenou	por	um	momento	e	novamente
recuou.	 A	 multidão	 avançou	 em	 sua	 direção	 e	 as	 pessoas	 davam-lhe
tapinhas	nas	costas.	A	mais	viva	 lembrança	de	Mr	Lloyd	George	é	a	deste
momento.	Um	homem	se	afastando	de	admiradores	muito	ansiosos	que	se
esforçavam	 histericamente	 para	 cumprimentá-lo.	 Deveria	 ter	 ido?	 Tendo
ido,	deveria	ter	recuado	de	forma	tão	pueril?	Aquela	cena	foi	um	símbolo	de
muito	do	que	estava	para	acontecer.	Tendo-se	recolhido	ao	abrigo	de	seu
jardim,	 Mr	 Lloyd	 George	 riu	 à	 vontade	 com	 os	 dois	 secretários	 que	 o
acompanhavam.	Foi	uma	cena	inesquecível.
Afinal,	 os	 alemães	 tinham	 assinado.	 Voltei	 para	 meu	 porão	 e	 para	 o
enclave	 de	 Strumnitza.	 Quando	 subi	 novamente,	 toda	 Londres	 estava
enlouquecida.
Foi	dessa	maneira	que	ouvi	sobre	a	chegada	da	paz.
Muitos	anos	se	passaram	desde	aqueles	dias	de	novembro	quando,	em	meu
subsolo	verde	e	roxo,	mergulhava	no	problema	do	enclave	de	Strumnitza.
Hoje	 estou	 ciente	 de	 que,	 no	mesmo	 período,	 os	 governantes	 do	mundo
estavam	preocupados	com	questões	de	relevância	muito	mais	grave.
É	necessário,	ao	examinar	a	base	legal	dos	Tratados	de	Paz,	concentrar-se
desde	o	começo	em	saber	se	a	correspondência	 triangular	que	 teve	 lugar
em	 outubro	 entre	 Washington,	 Berlim	 e	 as	 capitais	 das	 Potências
Associadas	 constituiu	 um	 contrato	 no	 sentido	 legal	 do	 termo.	 Antes	 de
irmos	adiante	uma	só	página,	é	essencial	declarar	o	seguinte	problema:	“Os
alemães	depuseram	suas	armas	em	confiança	ante	o	penhor	dado	por	seus
inimigos	de	que	os	 termos	da	paz	 a	 seguir	 se	 ajustariam	plenamente	 aos
vinte	e	três	princípios[1]	enunciados	pelo	Presidente	Wilson?	Se	assim	foi,
as	 Potências	 Aliadas	 e	 Associadas	 cumpriram	 ou	 violaram	 esse	 penhor,
quando	a	Alemanha	ficou	a	sua	mercê?
O	problema	é	tão	material	para	qualquer	registro	da	Conferência	de	Paz
que	me	 sinto	 obrigado	 a	 repetir	 o	 procedimento	 de	meus	 antecessores	 a
propósito	 deste	 espinhoso	 ponto,	 revendo,	 em	meu	 primeiro	 capítulo,	 os
principais	aspectos	do	acordo	pré-armistício	(o	“pactum	de	contrahendo”)
entre	 a	 Alemanha	 e	 as	 potências	 vitoriosas.	 As	 peças	 fundamentais	 da
questão	podem	ser	sintetizadas	como	se	segue.
Em	 5	 de	 outubro,	 o	 Príncipe	Max	 de	 Baden,	 após	 inúmeras	 e	 ansiosas
ligações	telefônicas	para	o	quartel-general	alemão,	dirigiu	uma	Nota	Oficial
ao	Presidente	Wilson	pedindo-lhe	para	negociar	uma	paz	com	base	em	seus
próprios	 Quatorze	 Pontos	 e	 nos	 nove	 princípios	 subsequentes	 e	 para
facilitar	a	imediata	conclusão	do	Armistício.	Em	8	de	outubro,o	Presidente
Wilson	respondeu	na	forma	de	três	perguntas:
(a)	 O	 governo	 alemão	 aceitava	 os	 Quatorze	 Pontos	 como	 base	 para	 o
desejado	tratado?
(b)	 Ordenaria	 a	 imediata	 retirada	 de	 suas	 tropas	 de	 todo	 o	 solo
estrangeiro?
(c)	 Poderia	 assegurar	 que	 o	 governo	 presente	 e	 futuro	 da	 Alemanha
estaria	sobre	uma	base	verdadeiramente	democrática?
Em	 12	 de	 outubro,	 o	 Chanceler	 respondeu	 afirmativamente	 cada	 uma
destas	perguntas.	Acrescentou	que	seu	“objetivo	ao	entrar	na	discussão	era
simplesmente	 acertar	 detalhes	 práticos	 da	 aplicação”	 dos	 “termos”
contidos	 nos	 Quatorze	 Pontos	 do	 Presidente	 Wilson	 e	 em	 seus
pronunciamentos	 subsequentes.	 Em	 14	 de	 outubro,	 o	 Presidente	Wilson
novamente	se	dirigiu	ao	governo	alemão.	Disse-lhe	que	nenhum	armistício
poderia	 ser	 negociado	 sem	 “oferecer	 salvaguardas	 absolutamente
confiáveis	 da	manutenção	 da	 presente	 supremacia	militar”	 dos	 exércitos
Aliados	 e	 Associados.	 Acrescentou	 que	 a	 guerra	 submarina	 devia	 ser
imediatamente	terminada,	e	que	um	governo	democrático	e	representativo
devia	 ser	 instalado	 em	 Berlim.	 Em	 20	 de	 outubro,	 o	 Chanceler	 alemão
respondeu	 acatando	 estas	 condições.	 Em	 23	 de	 outubro,	 o	 Presidente
Wilson	 informou	 ao	 Governo	 alemão	 que,	 tendo	 agora	 recebido	 sua
garantia	de	que	aceitava	sem	restrições	os	“termos	de	paz”	corporificados
em	 seus	 próprios	 pronunciamentos,	 estava	 disposto	 a	 discutir	 com	 seus
associados	a	 concessão	de	um	armistício	 sobre	essa	base.	Repetiu	que	os
termos	excluíam	 toda	a	possibilidade	de	 retomada	de	hostilidades.	Deu	a
entender	 que	 o	 caminho	 para	 a	 paz	 seria	 facilitado	 pelo	 prévio
desaparecimento	 de	 “autocratas	 monárquicos.”	 Acrescentou	 que
comunicara	 aos	 Governos	 Associados	 a	 correspondência	 trocada	 com	 o
governo	alemão,	perguntando-lhes	se,	de	sua	parte,	estariam	“dispostos	a
celebrar	 a	 paz	 com	 base	 nos	 termos	 e	 princípios	 assinalados.”	 Em	 5	 de
novembro,	o	Presidente	enviou	ao	Governo	Alemão	as	respostas	recebidas
de	seus	associados.	Os	Governos	Aliados	haviam	manifestado	seu	desejo	de
concluir	um	Tratado	com	o	Governo	Alemão	fundado	nos	“termos	de	paz”
estabelecidos	 pelo	 Presidente,	 com	 duas	 ressalvas.	 A	 primeira	 delas	 se
referia	à	questão	da	Liberdade	dos	Mares.	A	segunda	ampliava	o	princípio
da	 “reparação”	 de	 modo	 a	 cobrir	 “todos	 os	 danos	 causados	 à	 população
civil	dos	Aliados	e	a	suas	propriedades	pela	agressão	alemã	por	terra,	por
mar	e	do	ar.”	Tão	logo	recebeu	esta	garantia,	o	Governo	Alemão	despachou
seus	emissários	para	receberem	os	termos	do	armistício.	Os	termos	tinham
sido	 redigidos	 em	 conferência	 do	 Conselho	 Supremo	 em	Versalhes:	 eram
tais	que	deixavam	a	Alemanha	à	completa	mercê	das	Potências	Aliadas	em
terra	e	no	mar.	Foram	assinados	na	Floresta	de	Compiègne	às	5	horas	da
manhã	da	segunda-feira,	11	de	novembro.
No	 próximo	 capítulo	 descreverei	 minha	 particular	 veneração	 pelos
Quatorze	Pontos;	resumirei	aqueles	pontos	e	os	princípios	acompanhantes;
e	mostrarei	como	dezenove	dos	vinte	e	três	“termos	de	paz”	do	Presidente
Wilson	 foram	 flagrantemente	 violados	 na	 redação	 final	 do	 Tratado	 de
Versalhes.
Por	ora,	estou	voltado	apenas	para	o	acordo	pré-armistício,	pelo	qual	a
Alemanha	 consentiu	 em	 render-se	 no	 entendimento	 explícito	 de	 que	 os
termos	 de	 paz	 que	 lhe	 seriam	 impostos	 observariam	 inteiramente	 os
princípios	wilsonianos	 e	 seriam	de	 fato	meramente	 “o	detalhe	prático	de
aplicação”	 daquelas	 vinte	 e	 três	 condições	 sobre	 as	 quais	 concordara	 em
deixar	cair	as	armas.	Linhas	atrás,	sintetizei	a	troca	de	correspondência	que
deu	 forma	 ao	 acordo.	Mas	 ainda	 não	 é	 a	 história	 completa.	 Não	 foi	 dada
importância	 suficiente,	 a	 não	 ser	 por	 Mr	 Winston	 Churchill,	 à
“Interpretação”	 dos	 Quatorze	 Pontos	 dada	 pelo	 coronel	 House,	 que
precedeu	 sua	 aceitação	 pelas	 Potências	 Associadas.	 Na	 época,	 o	 coronel
House	 era	 o	 representante	 dos	 Estados	 Unidos	 no	 Conselho	 Supremo	 de
Guerra	 em	 Versalhes.	 Foi	 esse	 órgão	 que	 aprovou	 os	 “Termos	 de
Armistício”	 conforme	 redigidos,	 e	 pelos	 quais	 as	 Potências	 Aliadas
aceitaram	os	 “termos	de	paz”	do	Presidente	Wilson.	A	 “Interpretação”	ou
“comentário”	 do	 coronel	 House	 dos	 ou	 sobre	 os	 Quatorze	 Pontos,	 é,
portanto,	um	documento	de	importância	realmente	vital.
Esse	 “comentário”	 foi	 transmitido	por	 cabograma	em	29	de	outubro	de
1918	 para	 o	 Presidente	 Wilson,	 para	 aprovação.	 Continha	 as	 seguintes
aplicações	 de	 brilho	 sobre	 os	 Quatorze	 Pontos	 e	 os	 Novos	 Princípios.	 A
expressão	 “open	 covenants,”	 pactos	 abertos,	 não	 devia	 ser	 interpretada
como	 impedimento	 a	 negociações	 diplomáticas	 confidenciais.	 Com	 a
Liberdade	dos	Mares	o	Presidente	não	pretendia	abolir	a	arma	do	bloqueio
naval,	 mas	 apenas	 inculcar	 algum	 respeito	 pela	 propriedade	 e	 pelos
direitos	privados.	O	próprio	Presidente	avançara	a	cativante	teoria	de	que,
em	futuras	guerras,	devido	à	Liga	das	Nações,	“não	haveria	neutros.”	Diante
desse	 duplo	 lustro,	 o	 parágrafo	 2	 dos	 Quatorze	 Pontos	 tornou-se	 a	mais
vaga	expressão	de	opinião.	A	exigência	de	 livre-comércio	entre	as	nações
da	 terra	 não	 devia	 ser	 interpretada	 como	 obstáculo	 a	 qualquer	 tipo	 de
proteção	de	indústrias	nacionais.	Longe	disso.	Tudo	que	exigia	era	a	“porta
aberta”	 para	 matérias-primas	 e	 a	 proibição	 de	 tarifas	 discriminatórias
entre	membros	da	Liga	das	Nações.
O	ponto	referente	a	“desarmamento”	implicava	apenas	que	as	Potências
deveriam	 aceitar	 a	 ideia	 em	 princípio,	 e	 concordariam	 em	 nomear	 uma
Comissão	para	examinar	os	pormenores.	As	Colônias	Alemãs	poderiam,	no
devido	momento,	 ser	 encaradas,	 em	princípio,	 como	propriedade	da	Liga
das	Nações	e,	dessa	forma,	cultivadas	por	mandatários	desejáveis.	A	Bélgica
devia	 ser	 indenizada	 por	 todos	 os	 custos	 da	 guerra,	 uma	 vez	 que	 cada
dispêndio	que	aquela	infeliz	nação	fora	obrigada	a	fazer	a	partir	de	agosto
de	1914	fora	uma	despesa	“ilegítima.”	A	França,	por	outro	lado,	não	devia
receber	 todos	 os	 custos	 de	 guerra,	 apenas	 indenização	 completa	 pelos
danos	 realmente	 sofridos.	 Sua	 reivindicação	 do	 território	 do	 Sarre
constituía	“clara	violação	da	proposta	do	Presidente.”	A	Itália,	por	razões	de
segurança,	 poderia	 reclamar	 a	 fronteira	 no	 Brenner,	 mas	 as	 populações
alemãs	 que	 fossem	 assim	 incorporadas	 teriam	 assegurada	 “completa
autonomia”	à	que	ficasse	dentro	de	território	 italiano.	As	raças	súditas	da
Áustria-Hungria	 deviam	 ter	 completa	 independência,	 desde	 que	 fosse
garantida	proteção	das	minorias	raciais	e	 linguísticas.	A	simples	oferta	de
autonomia	“já	não	servia.”
Por	 outro	 lado,	 a	 Bulgária	 (país	 com	 o	 qual	 os	 Estados	 Unidos	 não
estavam	em	guerra	e	ao	qual	tinham	concedido	grande	apoio	educacional	e
filantrópico	 no	 passado)	 seria	 compensada	 por	 ter	 entrado	 na	 guerra
contra	nós.	Receberia	não	só	Dobrudja	e	a	Trácia	Ocidental,	mas	também	a
Trácia	 Oriental,	 até	 a	 linha	 Midia-Rodosto.	 Constantinopla	 e	 os	 Estreitos
ficariam	 sob	 controle	 internacional.	 A	 Ásia	 Menor	 Central	 permaneceria
turca.	 A	 Inglaterra	 obteria	 a	 Palestina,	 a	 Arábia	 e	 o	 Iraque.	 Os	 gregos
possivelmente	 receberiam	 um	 mandato	 sobre	 Smyrna	 e	 os	 distritos
adjacentes.	 A	 Armênia	 deveria	 surgir	 como	 estado	 independente	 sob	 a
tutela	de	alguma	Grande	Potência.
A	Polônia	deveria	ter	acesso	ao	mar,	embora	esse	acesso	implicasse	uma
dificuldade.	A	dificuldade	era	a	 separação	da	Prússia	Oriental	do	restante
da	 Alemanha.	 O	 coronel	 House	 foi	 cuidadoso	 em	 alertar	 o	 Presidente	 de
que	essa	solução	não	seria	fácil.	E,	finalmente,	a	Liga	das	Nações	deveria	ser
o	“alicerce	da	estrutura	diplomática	de	uma	paz	permanente.”
Não	 quero	 insinuar	 que	 o	 coronel	 House,	 ao	 apresentar	 isso,	 sua
“interpretação”	às	Potências	Associadas,	fosse	culpado	de	algum	desejo	de
modificar	osquatorze	mandamentos.	Tenho	o	mais	profundo	respeito	pelo
coronel	House	–	considerando-o	a	mais	brilhante	cabeça	diplomática	que	a
América	já	produziu,	mas	confesso	que	uma	obscuridade	muito	indesejável
paira	sobre	sua	“interpretação.”	Foi	com	base	nessa	“interpretação”	que	os
aliados	 aceitaram	 os	 Quatorze	 Pontos,	 os	 Quatro	 Princípios	 e	 os	 Cinco
Detalhamentos	como	fundamento	do	eventual	Tratado	de	Paz?	Se	assim	foi,
as	Potências	 inimigas	certamente	deveriam	ter	sido	 informadas	na	época.
Escrevo	 sujeito	 a	 correção,	 uma	 vez	 que	 os	 documentos	 exatos,	 a	 troca
exata	de	sugestão	e	concordância	hoje	não	estão	disponíveis.	Mas	é	difícil
resistir	 à	 impressão	 de	 que	 as	 Potências	 Inimigas	 aceitaram	 os	 Quatorze
Pontos	 como	 eram,	 enquanto	 as	 Potências	 Aliadas	 só	 os	 aceitaram	 como
interpretados	 pelo	 coronel	House	 nas	 reuniões	 que	 culminaram	 com	 seu
cabograma	 de	 29	 de	 outubro.	 Em	 algum	 lugar,	 em	 meio	 às	 imprecisões
apressadas	 e	 ansiosas	daqueles	dias	de	outubro,	 espreita	 a	 explicação	do
mal-entendido	fundamental	que	desde	então	surgiu.
De	qualquer	modo,	nós,	a	equipe	técnica,	os	servidores	civis,	não	tivemos
conhecimento	da	“Interpretação”	do	coronel	House.	Também	olhávamos	os
Quatorze	Pontos	e	os	pronunciamentos	acompanhantes	como	a	carta	para
nossa	 atividade	 futura.	 Como	 demonstrarei,	 abriu-se	 um	 grande	 abismo
entre	 nossos	 termos	 de	 referência	 e	 as	 conclusões	 posteriores.	 Se
soubéssemos	do	glossário	do	coronel	House,	em	abril	o	 teríamos	adotado
como	 justificativa	 para	 nossa	marcha	 atrás.	Mas	 foi	 só	muitos	 anos	mais
tarde	que	sequer	vim	a	ouvir	a	respeito	desse	glossário.	E	não	posso,	por
um	só	momento,	fingir	que	ele	tenha	tido	a	menor	influência	sobre	minha
atitude.	 Traí	 minha	 própria	 fidelidade	 aos	 Quatorze	 Pontos.	 A	 finalidade
deste	 livro	 é	 dar	 uma	 indicação,	 alguma	 tênue	 pista	 das	 razões	 daquela
traição,	ou	melhor,	da	atmosfera	daquela	traição.
Porém,	 minha	 intenção	 ao	 escrever	 esta	 história	 não	 é	 comentar
documentos;	minha	única	finalidade	é	reconstituir	estados	de	espírito.	Sei
que	 não	 posso	 pretender	 remontar	 um	 estado	 de	 espírito	 a	 não	 ser	 com
relação	ao	meu	próprio	–	uma	captura	de	menor	valor.	Mas	afirmo	que	o
que	 senti	 na	 época	 foi	 também	 sentido	 por	 noventa	 e	 cinco	 por	 cento
daqueles	 que,	 embora	 não	 sendo	 políticos,	 estávamos	 ativamente	 ligados
aos	assuntos	públicos.	Quando	uso	o	termo	“nós,”	refiro-me	a	muita	gente
que,	 em	 Paris,	 sentia	 e	 pensava	 como	 eu.	 Dessa	 forma,	 representávamos
parcela	 de	 opinião	 ampla	 e	 não	 totalmente	 ignorante.	 Creio	 que	 meu
próprio	estado	de	espírito	com	relação	à	base	contratual	do	Armistício	e	do
Tratado	consequente	na	verdade	representa	um	termo	médio	de	pontos	de
vista	amplamente	defendidos,	não	de	todo	sem	motivo.	Não	me	lembro	de,
na	época,	a	divergência	entre	nosso	conceito	do	“pactum	de	contrahendo”	e
a	 interpretação	que	 lhe	 foi	dada	na	Alemanha	se	apresentasse	em	termos
tão	extremos	quanto	desde	então	foi	apresentada.
Por	 um	 lado,	 estávamos	 convencidos	 de	 que	 com	 o	 desabamento	 das
defesas	de	oeste	–	diante	do	colapso	da	Áustria,	da	Turquia	e	da	Bulgária	–
a	Alemanha	de	qualquer	modo	estava	de	 joelhos.	 Foi	um	alívio	quando	o
armistício	 foi	 aceito,	 pois	 significava	 um	 abreviamento	 da	 guerra:	 mas
também	 estávamos	 convictos	 de	 que	 se	 a	 Alemanha	 se	 recusasse	 a
capitular,	a	imposição	de	uma	completa	rendição	em	solo	alemão	teria	sido
questão	 de	meses	 apenas,	 talvez	 semanas.	 Por	 outro	 lado,	 no	 outono	 de
1918	 acreditávamos	 honestamente	 que	 só	 os	 princípios	 do	 Presidente
Wilson	 poderiam	 fundamentar	 uma	 paz	 duradoura.	 Em	 outras	 palavras,
nunca	passou	por	nossa	mente	que	tínhamos	comprado	a	rendição	alemã
oferecendo	os	Quatorze	Pontos.	Aquilo	nos	parecia,	em	qualquer	hipótese,
inevitável.	Isto,	na	época,	considerávamos	indiscutível.	Argumentar	doutra
forma	é	admitir,	em	novembro	de	1918,	 ideias	e	anseios	que	só	vieram	à
tona	em	março	seguinte.
Essa	“datação”	incorreta	de	opinião	é	de	fato	um	erro	mais	comum	para	um
historiador	 do	 que	 a	 atribuição	 a	motivos	 falsos.	 Neste	 caso,	 ele	 poderia
observar	que	uma	visão,	identificável	em	março,	guarda	coerência	com	uma
série	 de	 documentos	 públicos	 trocados	 (obedecendo	 a	 outra	 visão
totalmente	 diferente)	 no	 outono	 anterior.	 Inevitavelmente	 o	 historiador
confunde	 uma	 com	 a	 outra.	 É	 essa	 confusão	 que	 dá	 origem	 a	 erros	 de
julgamento	 histórico.	 Outra	 causa	 semelhante	 e	 não	 reconhecida	 de
equívocos	de	compreensão	histórica	é	a	prematura	e	muitas	vezes	fortuita
criação	de	 lendas.	Algum	pormenor	pitoresco,	algum	floreio	de	expressão
fica	gravado	na	memória	do	público.	Destaca-se.	 Inevitavelmente,	os	 fatos
(aquela	 hierarquia	 de	 circunstâncias	 que	 denominamos	 “os	 fatos”)
acomodam-se	bem	por	 trás	dessa	pitoresca	 faixa	de	 rua	no	quadro	geral.
Olhando	por	esse	ângulo	obtém-se	uma	determinada	vista,	frequentemente
enganadora.
Duas	faixas	de	rua	dessa	natureza	surgem	durante	os	primeiros	dias	da
Conferência.	A	primeira	 frase-pôster	 famosa	é	“Vamos	espremer	a	 laranja
até	as	sementes	chiarem.”	A	segunda	é	a	admissão	por	Mr	Lloyd	George	de
que	nunca	ouvira	falar	de	Teschen.	Por	trás	do	primeiro	post	se	junta	todo
o	problema	da	 “eleição	kaki”	de	dezembro	de	1918.	Por	 trás	do	segundo,
estão	reunidas	as	 inúmeras	 lendas	de	que	os	membros	da	Conferência	de
Paz	foram	para	Paris	sem	nenhuma	preparação:	de	que	eram,	sem	exceção,
ignorantes	e	mal-informados.	Contra	cada	uma	dessas	 lendas,	eu	gostaria
de	alertar	o	futuro	historiador.	É	para	ele	que	escrevo	estas	notas.
A	 eleição	 geral	 de	 dezembro	 de	 1918	 foi,	 sem	 dúvida,	 um	 desastre.	 É
discutível	se	foi	 também	um	erro.	Mr	Asquith	na	época	a	descreveu	como
“um	erro	estúpido	e	uma	calamidade.”	Calamidade,	certamente	foi.	Fez	com
que	retornasse	a	Westminster	o	mais	ignorante	grupo	de	rapazes	oriundos
das	 public	 schools	 que	 a	 Mãe	 dos	 Parlamentos	 já	 conhecera,	 e	 se	 pode
questionar	 se	 não	 foi	 um	 erro	 que	 poderia	 ser	 evitado.	 O	 termo	 “erro
estúpido”	 hoje	 em	 dia	 se	 refere	 a	 atos	 de	 estadistas	 sobre	 os	 quais
deixaram	 de	 consultar	 previamente	 um	 ou	 outro	 de	 nossos	magnatas	 da
imprensa.	Porém,	na	Inglaterra,	significa	o	tipo	de	erro	que,	com	um	pouco
de	previsão,	poderia	ter	sido	facilmente	evitado.	Não	acredito	que	a	eleição
kaki	de	1918	pudesse	ser	evitada	com	facilidade.	Prefiro	chamá-la	de	uma
necessidade	 lamentável	 que	 foi	 satisfeita	 sem	a	 constatação	plena	de	 sua
potencialidade	para	causar	arrependimento.
Mr	 Lloyd	 George	 recentemente	me	 assegurou	 que,	 se	 pudesse	 voltar	 a
novembro	 de	 1918,	 ainda	 se	 lançaria	 na	 eleição.	 Suas	 razões	 para	 essa
posição	 são	 interessantes	 e,	 no	 meu	 entendimento,	 legítimas.	 Ele
argumenta	que	a	coalizão	governamental	naquele	momento	era	ameaçada
por	conspirações	tanto	de	direita	quanto	de	esquerda.	A	da	direita,	liderada
pelo	 egocêntrico	 Lord	 Northcliffe,	 era	 radicalmente	 a	 favor	 de	 uma	 paz
imposta	 pelos	 vencedores.	 A	 da	 esquerda,	 apoiada	 pela	maré	 violenta	 de
uma	corrente	ignorante	de	opinião,	clamava	pela	imediata	desmobilização.
Se	tivesse	ido	para	Paris	com	ambos	os	flancos	assim	expostos,	se	veria	em
dificuldades	e	enfrentaria	 incertezas	em	cada	uma	de	 suas	decisões.	Para
ele,	era	essencial	precaver-se	com	um	mandato	incontestável.	Sem	dúvida,
não	poderia	ter	previsto	que	sua	chapa	o	sobrecarregaria	com	uma	Câmara
dos	 Comuns	 tão	 incompetente,	 a	 ponto	 de	 ficar	 subserviente	 a	 pessoas
desequilibradas	como	o	coronel	Claude	Lowther	e	Mr	Clement	Jones.
Mas	 isso	 não	 era	 tudo.	 Mr	 Lloyd	 George	 previu	 que,	 se	 tinha	 de	 lidar
adequadamente	 com	 o	 sinuoso	 nacionalismo	 francês,	 com	 o	 místico	 e
arrogante	 republicanismo	 americano	 e	 com	 o	 potencial	 de	 desunião	 das
representações	dos	Domínios	da	Comunidade	Britânica,	precisaria	de	uma
titularidaderepresentativa	 que	 ficasse	 acima	 de	 qualquer	 contestação
possível.	Mesmo	assim,	houve	momentos	em	que	seu	direito	de	falar	pela
Inglaterra	 foi	 insidiosamente	 questionado.	 Houve	 ocasiões	 em	 que
estadistas	 de	 outros	 países	 tentaram	 mobilizar	 contra	 ele	 elementos	 da
própria	oposição	 inglesa,	 quando	 flertaram	 tanto	 com	 tories,	 quanto	 com
liberais	de	esquerda	e	 trabalhistas	 recalcitrantes.	Durante	 todo	o	período
da	 Conferência,	 Lord	 Northcliffe,	 contrariado	 por	 não	 ter	 sido	 designado
delegado	 na	 conferência	 de	 paz,	 dirigiu	 contra	 Lloyd	 George	 um	 jato
constante	de	água	fervente.	É	discutível	se	o	primeiro-ministro	poderia	ter
sobrevivido	a	tais	ataques	furiosos	se	não	contasse	com	o	respaldo	de	um
mandato	concedido	pela	maioria	esmagadora	do	eleitorado	inglês.
Contudo,	permanece	o	fato	de	ter	sido	uma	infelicidade	um	liberal	inglês
ter	 se	 posto	 a	 mercê	 de	 uma	 Câmara	 dos	 Comuns	 e	 uma	 imprensa
jingoístas.
Mas	 não	 é	 em	 virtude	 desses	 traços	mais	 gerais	 que	 a	 eleição	 de	 1918
veio	a	decepcionar	o	historiador.	Acreditando	na	lenda	popular,	ele	estará
perpetuando	 o	 argumento	 de	 que	Mr	 Lloyd	 George,	 ao	 partir	 para	 Paris,
estava	 irremediavelmente	 tolhido	 por	 suas	 promessas	 eleitorais.	 Esse
entendimento	 seria	 incorreto.	 Em	 primeiro	 lugar,	 Mr	 Lloyd	 George	 é
suficientemente	 realista	 para	 não	 ficar	 preso	 por	 qualquer	 oratória	 de
plataforma.	 Segundo,	 ele	 se	 comprometeu	 nos	 pronunciamentos	 da
campanha	 com	 pouca	 coisa	 incompatível	 com	 a	 busca	 de	 uma	 paz	 justa.
Não	foi	ele	que	usou	a	imortal	frase	sobre	a	laranja	e	as	sementes.	O	autor
foi	um	dos	mais	inexperientes	de	seus	colegas.	Tem	sido	difícil	reconstituir
os	 termos	exatos	em	que	 foram	proferidas	as	promessas	eleitorais	de	Mr
Lloyd	George,	 a	 fim	de	 compará-los	 com	a	opinião	pública	 esclarecida	da
época.	 Dessa	 análise	 cheguei	 à	 convicção	 de	 que	 na	 verdade	 Mr	 Lloyd
George	foi	mais	cauteloso,	mais	liberal	do	que	as	pessoas	que	hoje	em	dia
procuram	defamá-lo.
Esse	ponto	tem	certa	 importância	para	meu	propósito	e	me	disponho	a
abordá-lo	com	mais	profundidade.	Em	12	de	novembro	–	“le	 jour	après	 le
fameux	jour”	–	Mr	Lloyd	George	 falou	para	seus	partidários	 liberais	no	nº
10	de	Downing	Street.	Assim	se	expressou:	“Nenhum	acordo	que	contrarie
os	princípios	de	uma	justiça	duradoura	terá	vida	longa.	Atentemos	para	o
exemplo	 de	 1871.	 Não	 podemos	 nos	 permitir	 nenhum	 sentimento	 de
vingança,	nenhum	espírito	de	ganância,	nenhum	desejo	opressor	que	venha
se	 sobrepor	 ao	 princípio	 fundamental	 da	 justica.	 Surgirão	 veementes
tentativas	 para	 bravatear	 e	 intimidar	 o	 governo	 procurando	 fazê-lo	 se
afastar	 dos	 rígidos	 princípios	 do	 direito	 e	 satisfazer	 ideias	 mesquinhas,
sórdidas	 e	 vulgares	 de	 vingança	 e	 cobiça.”	 Manteve	 (intermitentemente)
esta	mesma	postura	 liberal	 ao	 longo	da	Conferência	 e	mesmo	durante	 as
fases	 iniciais	 da	 campanha	 eleitoral.	 Concentrou-se	 na	 reconstrução.	 Em
Wolverhampton,	 em	 24	 de	 novembro,	manifestou	 seu	 desagrado	 com	 os
“embotados”	e	reafirmou	que	seu	único	propósito	era	“fazer	da	Inglaterra
uma	 terra	 digna	 de	 ser	 berço	 de	 heróis.”	 Foi	 o	Dr	 Addison,	 candidato	 da
coalizão	 em	 Shoreditch,	 que	 pela	 primeira	 vez	 adotou	 um	 discurso	mais
populista.	O	Times,	na	época	vivendo	período	de	profunda	humilhação	sob
o	controle	de	Lord	Northcliffe,	estava	pronto	para	aproveitar	os	ventos	da
histeria	popular.	“O	ponto	crucial,”	escreveu	The	Times	em	29	de	novembro,
“para	 o	 eleitor	 comum	 é,	 sem	 dúvida,	 a	 posição	 do	 Kaiser.”	 Em	 2	 de
dezembro,	 repetiu,	 “isto	 é	 indiscutivelmente	 uma	 das	 questões-chave	 da
eleição.”	Havia	outra	questão-chave:	“Nenhuma	compensação,”	proclamou
Mr	Austen	Chamberlain	em	West	Birmingham,	“é	alta	demais	para	que	não
possamos	pedi-la.”
Não	havia	como	evitar	que	Mr	Lloyd	George	ficasse	afetado	por	tal	onda
de	patriotismo	oriunda	de	seus	seguidores	e	do	Times.	Podemos	vê-lo	em
Newcastle,	 em	 30	 de	 novembro,	 falando	 de	 uma	 “paz	 implacavelmente
justa,”	de	 “condições	não	de	vingança,	mas	de	prudência.”	Podemos	vê-lo
acusando	 o	 imperador	 alemão	 de	 “assassino.”	 Podemos	 vê-lo	 afirmando
que	a	Alemanha	deve	pagar	compensações	por	 todos	os	custos	da	guerra
“até	 o	 limite	 de	 sua	 capacidade.”	 Expondo	 sua	 proposta	 de	 política,	 em
dezembro,	o	julgamento	do	ex-Kaiser	e	“todo	o	custo	da	guerra”	figuravam
em	primeiro	lugar.	Em	Leeds,	em	9	de	dezembro,	mencionou	os	“frutos	da
vitória.”	Em	Bristol,	três	dias	depois,	usou	a	expressão	“quem	perde	paga.”
Em	consequência	desse	clima	emocional,	a	coalizão	retornou	ao	poder	com
uma	maioria	de	262	assentos.	Mr	Asquith	foi	derrotado	por	Sir	Alexander
Sprott.	Mr	Ramsay	MacDonald	e	Mr	Snowden	foram	arrasados.	Mr	Horatio
Bottomley	 ressurgiu	 com	 uma	 vitoriosa	 maioria	 em	 Hackney.	 Mr
Pemberton	 Billing	 venceu	 a	 eleição	 em	 East	 Herts.	 Os	 “pacifistas	 foram
completamente	derrotados,”	proclamou	The	Times.	A	chapa	eleitoral	tinha
atingido	seu	objetivo.
Hoje	podemos	constatar	que,	em	meio	a	toda	essa	confusão	democrática,
Mr	 Lloyd	 George	 jamais	 perdeu	 inteiramente	 a	 cabeça.	 Ao	 exigir	 que	 os
alemães	 indenizassem	 os	 custos	 da	 guerra,	 sempre	 foi	 cauteloso	 ao
vincular	esta	bem	recebida	declaração	a	duas	condições.	Alertou	sua	plateia
que	o	pagamento	devia	se	 limitar,	em	primeiro	 lugar,	à	capacidade	alemã
para	 pagar	 e,	 segundo,	 especificando	 que	 tal	 indenização	 não	 poderia
prejudicar	nosso	próprio	comércio	interno	e	as	exportações.	Foi	duramente
censurado	pelo	Times	por	essas	duas	condições.	“A	única	razão	plausível,”
escreveu	o	jornal,	“ao	vincular	as	indenizações	à	capacidade	de	pagamento
deve	ser	o	interesse	dos	aliados.”
Por	sua	vez,	o	slogan	“Julgamento	do	Kaiser”	é	um	episódio	que	deixará	o
futuro	 historiador	 muito	 confuso.	 Ficará	 tentado	 a	 atribuí-lo	 à	 recente
extensão	 do	 voto	 às	 mulheres	 e	 à	 supostamente	 crescente	 histeria	 da
política	inglesa.	Assim	fazendo,	estará	tirando	deduções	injustas.	Pode	ser
uma	 característica	 feminina	 atribuir	 a	 uma	 pessoa	 sofrimentos	 causados
por	um	conjunto	de	circunstâncias.	O	professor	Fedor	Vergin,	por	exemplo,
recentemente	defendeu	que	pode	ter	sido	bom	para	a	saúde	psicológica	da
Europa	Wilhelm	 II	 ter	 sido	 tomado	como	bode	expiatório,	uma	vez	que	o
sentimento	 de	 culpa	 acumulado	 ao	 longo	 daqueles	 quatro	 terríveis	 anos
pôde,	 desta	 forma,	 ser	 “descarregado.”	 Na	 verdade,	 o	 desejo	 de	 punir	 a
Alemanha	 na	 pessoa	 dessa	 vítima	 infeliz	 não	 foi	 privilégio	 da	 parcela
feminina	do	eleitorado.	Anteriormente	já	me	referi	a	um	discurso	proferido
em	11	de	novembro	no	Carnegie	Hall	em	Nova	York	por	Mr	Alfred	Noyes.
Informou	 a	 uma	 plateia	 horrorizada	 que	 entre	 os	 aliados	 havia
“reacionários”	se	empenhando	em	salvar	o	Kaiser	do	julgamento	pela	Corte
Internacional	 de	 Justiça.	 “Essa	 gente,”	 exclamou	 Mr	 Alfred	 Noyes,	 “quer
permitir	que	o	Kaiser	volte	a	seu	iate	e	seus	jantares	faustosos	enquanto	os
corpos	de	vinte	milhões	de	homens	assassinados	se	decompõem	na	terra.”
Mas	 Mr	 Noyes	 não	 estava	 sozinho	 ao	 fazer	 esta	 declaração.	 A	 mente	 do
povo	 inglês	durante	 as	 semanas	 logo	após	o	 armistício	 estava	deformada
pela	vitória	e	estigmatizada	pelas	cicatrizes	do	medo.
O	 ódio	 também	 sobreviveu.	 Se	 os	 alemães	 se	 tivessem	 portado	 com
discrição	 nas	 semanas	 que	 precederam	 o	 armistício,	 é	 possível	 que	 a
opinião	pública	 inglesa,	 a	menos	disposta	 a	 alimentar	 ressentimentos	 em
toda	a	terra,	esquecesse	o	misto	de	temor	e	ódio	vivido	em	1914-1917.	Mas
os	 alemães	 não	 procederam	 com	 cautela.	 Em	 16	 de	 outubro	 (onze	 dias
depois	 de	 seu	 primeiro	 pedido	 de	 mediação	 ao	 Presidente	 Wilson)
torpedearam,	ao	largo	de	Kingston,	o	vapor	Leinster	da	Irish	Mail,	causando
a	morte	de	450	homens,	mulheres	e	crianças	que	se	afogaram.	A	lembrança
desta	atrocidade	ao	apagar	das	luzes	ficou	vivana	mente	do	povo.	“Gente,”
escreveu	Mr	Kipling,	“com	coração	de	fera.”	“São	uns	desalmados,”	disse	o
contido	 Arthur	 Balfour,	 “e	 sempre	 serão.”	 Peço	 a	 atenção	 do	 historiador
para	as	repercussões	psicológicas	do	torpedeamento	do	S.S.	Leinster.	Teve
um	efeito	mais	profundo	e	imediato	do	que	hoje	em	dia	se	pode	recordar.
Um	 segundo	 pôster	 que	 pode	 levar	 o	 historiador	 a	 um	 ramal	 inútil	 é	 a
admissão	 por	 Mr	 Lloyd	 George	 de	 “nunca	 ter	 ouvido	 falar	 de	 Teschen.”
Dirigindo-se	 à	 Câmara	 dos	 Comuns	 em	 16	 de	 abril	 de	 1919,	 ele	 fez	 a
seguinte	observação	franca,	comedida	e	absolutamente	racional:	“Quantos
membros	desta	casa	já	ouviram	falar	em	Teschen?	Não	me	furto	a	afirmar
que	jamais	ouvi	falar	a	respeito.”	Obviamente	não	mais	de	sete	membros	da
Câmara	 dos	 Comuns	 poderiam	 ter	 ouvido	 referências	 a	 esse	 remoto	 e
miserável	ducado,	mas	o	fato	de	Mr	Lloyd	George	tê-lo	admitido	horrorizou
entendidos	como	Mr	Wickham	Steed,	que	havia	muitos	anos	se	mantinha
familiarizado	 com	 o	 problema	 de	 Teschen.	 A	 grita	 surgiu	 de	 imediato.
“Lloyd	George	não	sabe	nada	sobre	as	questões	que	está	tentando	resolver.
Ouvimos	de	 seus	próprios	 lábios.	Toda	a	delegação	 inglesa	em	Paris	 e	na
verdade	 todas	as	que	 integram	a	Conferência	desconhecem	os	assuntos	e
não	estão	preparadas.	Estamos	à	beira	do	desastre.”	Este	clamor	repercutiu
na	mente	 de	 todos	 os	 leitores	 do	Daily	Mail.	 Transformou-se	 em	 opinião
inabalável.	 Mas	 é	 realmente	 errônea.	 O	 problema	 com	 a	 Conferência	 de
Paris	não	era	a	falta	de	informação,	era	o	excesso.	A	falha	não	era	falta	de
preparo,	mas	a	ausência	de	coordenação.	Foi	esta	última	falha	que,	desde	o
início,	contaminou	todo	o	sistema.
O	 tema	 merece	 uma	 explicação	 mais	 ampla.	 Evidentemente	 teria	 sido
difícil	para	o	Gabinete	ou	mesmo	para	os	funcionários	de	carreira,	durante
os	 quatro	 anos	 de	 guerra,	 elaborar	 planejamentos	 detalhados	 para	 uma
eventual	 celebração	 da	 paz.	 Em	 primeiro	 lugar,	 o	 fluxo	 de	 assuntos	 de
rotina	era	tão	absorvente	que	não	havia	disponibilidade	alguma	de	tempo	e
energia	humana	para	 tal	 tarefa.	Em	segundo	 lugar,	até	os	meses	 finais	de
1918,	era	impossível	prever	com	precisão	razoável	as	reais	circunstâncias
em	que	se	encerraria	o	conflito.	Em	terceiro	lugar,	os	governantes	em	todo
o	 mundo	 não	 estavam	 dispostos	 a	 se	 comprometer	 com	 condições
pormenorizadas	 de	 paz	 que,	 caso	 ocorresse	 um	 impasse,	 se	 revelassem
rígidas	em	demasia,	ou	muito	restritivas,	em	caso	de	uma	vitória	completa.
Todavia,	 isto	 não	 quer	 dizer	 que	 não	 tenha	 sido	 feito	 um	 trabalho
preparatório.	 Longe	 disso.	 Em	 cada	 um	 dos	 três	 principais	 países	 foram
criados	 grupos	 especiais	 de	 trabalho	 para	 preparar	 subsídios	 a	 serem
utilizados	em	um	eventual	Congresso.
Na	Inglaterra,	na	primavera	de	1917,	foi	criado	um	órgão	especial	para	a
coleta	de	material	e	treinamento	de	um	grupo	voltado	para	as	negociações
da	 paz.	 Mr	 Alwyn	 Parker,	 bibliotecário	 do	 Foreign	 Office,	 dedicou	 seu
reconhecido	talento	administrativo	à	organização	de	toda	uma	conferência
de	 paz	 que	 viesse	 a	 acontecer.	 Chegou	 a	 elaborar	 um	 quadro	 colorido
apresentando	a	futura	sistematização	do	setor	inglês	da	conferência.	Cada
um	 dos	 primeiros-ministros	 e	 representantes	 dos	 domínios	 identificava
sua	própria	órbita	naquele	sistema	planetário	de	pontos	verdes,	vermelhos
e	azuis.	Mr	Parker	podia	se	 localizar	modestamente	em	uma	órbita	 lunar,
assessorando	Júpiter,	Lord	Hardine	of	Penshurst,	“embaixador	encarregado
da	organização.”	O	planisfério	de	Mr	Parker	na	verdade	não	cumpriu	esse
papel	 –	 na	 forma	planejada	 por	 seu	 criador	 –	 na	 Conferência	 de	 Paz	 que
finalmente	se	realizou.	Ao	ver	o	projeto,	Mr	Lloyd	George	deu	uma	sonora
risada.	 Mas	 outro	 planejamento	 de	 Mr	 Parker	 acabou	 sendo	 de	 maior
utilidade	e	 foi	 realmente	muito	valioso.	Deveu-se	à	 sua	exata	previsão	de
que	 a	 enorme	delegação	 inglesa	 se	 acomodaria	 sem	qualquer	 dificuldade
nos	hotéis	Majestic	 e	Astoria.	Graças	 à	 sua	 capacidade	de	 coordenação,	 o
Ministério	 da	 Guerra,	 o	 Almirantado,	 o	 Departamento	 de	 Inteligência	 de
Comércio	de	Guerra	e	o	Ministério	de	Relações	Exteriores	foram	capazes	de
preparar	 material	 sem	 superposições	 em	 qualquer	 aspecto	 vital.
Finalmente,	 a	 seção	 de	 história	 do	 Ministério	 de	 Relações	 Exteriores
preparou,	sob	a	direção	do	Dr	G.W.	Prothero,	os	 inestimáveis	manuais	de
paz,	escritos	por	especialistas	de	renome,	que	proporcionaram	à	delegação
informações	 detalhadas	 sobre	 qualquer	 tema	 que	 viesse	 a	 ser	 ventilado.
Esses	manuais	 vêem	sendo	publicados	desde	então.	 Se	 algum	historiador
duvidar	 da	 qualidade	 de	 nossa	 preparação,	 eu	 o	 convido	 a	 obter	 toda	 a
coleção	 na	 London	 Library	 e	 a	 examinar	 atentamente	 seu	 conteúdo.
Concordará	 que	 dificilmente	 poderia	 haver	 fonte	 mais	 competente,
abrangente	e	lúcida	de	informações.
Nos	 Estados	 Unidos	 foi	 criado	 um	 órgão	 semelhante	 em	 setembro	 de
1917,	 sob	 o	 nome	 “The	 Inquiry.”	 Diretamente	 subordinado	 ao	 coronel
House	 e	 sob	 a	 supervisão	 imediata	 do	 Dr	 Mezes,	 este	 grupo	 de	 150
acadêmicos	 trabalhou	 doze	 meses	 em	 instalações	 da	 American
Geographical	Society	de	Nova	York.	A	quantidade	de	material	que	colheram
é	espantosa.	O	George	Washington	rangeu	e	vergou	através	do	Atlântico	sob
o	peso	de	sua	erudição,	que	foi	suplementada	pelos	inestimáveis	relatórios
do	 professor	 A.C.	 Coolidge,	 que	 desde	 dezembro	 estava	 encarregado	 da
“comissão	americana	de	estudos	sobre	a	Europa	central.”	Houve	instantes
em	 que	 esse	 homem	 brilhante	 e	 sensível	 foi	 a	 única	 fonte	 confiável	 de
informações	 à	 disposição	 da	 Conferência	 de	 Paz.	 Hoje	 em	 dia,	 parece
incrível	que	nem	os	representantes	americanos	e	tampouco	a	Conferência
em	geral	tenham	dado	muita	atenção	às	palavras	sensatas	e	moderadas	de
Archibald	Coolidge.
A	equipe	técnica	da	delegação	dos	Estados	Unidos	foi	recrutada	em	sua
maioria	no	“Inquiry”	do	coronel	House.	Surgiu	na	América,	principalmente
durante	 a	 investigação	 feita	 pelo	 senado,	 um	 comentário	 de	 que	 a
delegação	 americana	 não	 estava	 bem	 preparada.	 Tal	 observação	 é
descabida	e	 injusta.	Nunca	trabalhei	com	um	grupo	mais	 inteligente,	mais
competente,	de	mente	mais	aberta	ou	mais	precisamente	informado	do	que
a	 delegação	 americana	 presente	 à	 Conferência	 de	 Paz.	 Em	 todas	 as
oportunidades	 em	que	 discordei	 de	 suas	 opiniões,	 acabei	 concluindo	 que
eu	estava	errado	e	 eles,	 certos.	 Se	o	Tratado	de	Paz	 tivesse	 sido	 redigido
somente	pelos	especialistas	americanos	teria	sido	um	dos	mais	criteriosos
e	 precisos	 documentos	 de	 que	 se	 poderia	 ter	 notícia.	 Infelizmente,	 por
motivos	 que	 comentarei	 mais	 tarde,	 a	 comissão	 americana,	 durante	 as
semanas	iniciais,	perdeu	a	autoconfiança	e,	em	consequência	a	autoridade
que,	por	direito,	deveria	lhe	ser	atribuída.
Os	preparativos	do	governo	francês	foram	menos	detalhados	e,	como	os
fatos	acabaram	comprovando,	menos	eficientes.	É	verdade	que	 tinha	sido
organizado	um	“Comité	d’Études”	sob	a	direção	do	professor	Lavisse	e	uma
pesquisa	subsidiária	sobre	questões	econômicas	fora	realizada	por	alguns
meses	 sob	 a	 supervisão	 de	 M	 Morel.	 No	 último	 momento,	 M	 Tardieu
assumiu	ele	próprio	o	trabalho	de	coordenação	dos	trabalhos	dessas	duas
comissões.	 Parece	 que	 esta	 coordenação	 não	 foi	 muito	 longe.	 Por	minha
experiência	afirmo	que	a	delegação	mais	bem	informada	era	a	americana,
vindo	a	inglesa	em	segundo	lugar.	Quanto	à	francesa,	penso	que	lhe	faltava
uma	base	de	informações	e	rapidez	de	assimilação	dos	fatos.	Os	italianos	só
sabiam	o	que	eles	mesmos	desejavam.
Portanto,	 não	 está	 certo	 acusar	 a	 Conferência	 de	 Paris	 de	 falta	 de
preparação	 e	 conhecimento	 técnico.	 Porém,	 como	 muitas	 críticas	 que
conseguiram	ampla	e	duradoura	aceitação,	a	acusação	contém	um	fundo	de
verdade.	 Em	 primeiro	 lugar,	 as	 informaçõesnão	 eram	 plenamente
discutidas	 nem	 entre	 as	 diversas	 delegações	 nem	 tampouco	 entre	 os
peritos	de	qualquer	delegação	com	seus	respectivos	plenipotenciários.	Por
exemplo,	tinha	pouca	importância	eu	obter	todas	as	informações	possíveis
sobre	 o	 enclave	 de	 Strumnitza	 se	 não	 recebesse	 dos	 chefes	 de	 minha
delegação	uma	orientação	sobre	a	política	em	relação	à	Bulgária.	A	falta	de
comunicação	entre	os	plenipotenciários	e	seus	especialistas	será	abordada
no	 capítulo	 4,	 quando	 examinarei	 a	 organização	 propriamente	 dita	 da
conferência.	Aparecerá	sob	o	título	“Erros.”	Mas	também	poderia	figurar	no
capítulo	 3,	 sob	 o	 título	 “Infelicidades.”	 Entretanto,	 antes	 de	 examinar
nossos	 infortúnios	 em	 Paris,	 devo	 comentar	 as	 ideias,	 esperanças	 e
intenções	armados	das	quais	desembarcamos	em	janeiro	de	1919	na	Gare
du	Nord.
2
Atraso
A	HISTÓRIA	DA	CONFERÊNCIA	DE	PARIS	AINDA	ESTÁ	por	ser	escrita.	Levará	muitos	anos	até
que	 se	 consiga	 reunir	 e	 digerir	 todo	 o	 material	 pertinente.	 As	 provas
documentais	 (digamos,	 no	 ano	 de	 1953)	 serão	 abundantes	 e	 autênticas.
Nessa	 época,	 os	 testemunhos	 humanos	 estarão	 silenciados	 ou	 nebulosos.
Ainda	assim,	estou	convencido	de	que	em	qualquer	congresso	internacional
é	o	elemento	humano	que	determina	a	evolução	de	uma	negociação	e	seu
conteúdo.	A	finalidade	destas	notas	é	cristalizar	este	elemento	antes	que	se
evapore	nos	resíduos	do	tempo.
Qual	 era	 meu	 estado	 de	 espírito	 quando	 cruzei	 o	 canal	 rumo	 a	 Paris
naquele	3	de	janeiro	de	1919?	Quero	reafirmar	que	não	alimento	nenhuma
ilusão	quanto	à	minha	importância	naqueles	infelizes	eventos.	Corro	o	risco
de	 ser	 considerado	 egoísta	 ao	 apresentar	 uma	 opinião	 pessoal.	 Estou
absolutamente	certo	de	que,	no	Congresso	de	Montreal,	em	agosto	de	1965,
o	 estado-maior	 de	 especialistas	 estará	 constituído	 por	 jovens	 homens	 e
mulheres	sujeitos	aos	mesmos	estímulos	emocionais	e	à	mesma	confiança
presunçosa	 que	 me	 inspiraram	 quando,	 naquela	 manhã,	 almoçava	 na
viagem	entre	Calais	e	a	Gare	du	Nord,	 convicto	de	que	me	 lançava	a	uma
tarefa	para	a	qual	estava	qualificado	por	alentado	estudo,	elevados	ideais	e
uma	completa	ausência	de	paixões	e	preconceitos.	Assim	pensando,	estava
tragicamente	enganado.
Um	 dos	 “Manuais	 da	 Conferência	 de	 Paz”	 preparados	 para	 nossa
orientação	foi	o	elaborado	pelo	professor	Webster	com	base	no	Congresso
de	Viena.	Li	atentamente	esse	pequeno,	 conciso	e	competente	 trabalho.	À
medida	que	o	trem	se	aproximava	de	St.	Denis,	senti	que	sabia	exatamente
os	erros	que	 tinham	sido	cometidos	pelos	mal	orientados,	 reacionários	e,
afinal,	 patéticos	 aristocratas	 que	 tinham	 representado	 a	 Inglaterra	 em
1814.
Tinham	trabalhado	em	segredo.	Nós,	por	outro	lado,	estávamos	decididos
a	 “chegar	 a	 acordos	 negociados	 com	 toda	 transparência.”	 Não	 haveria
segredo	 sobre	 os	 procedimentos.	 Os	 povos	 em	 todo	 o	 mundo
compartilhariam	conosco	cada	etapa	da	negociação.
Ainda	 me	 reportando	 a	 Viena,	 eles	 acreditavam	 na	 doutrina	 das
“compensações.”	 Mencionaram	 um	 tanto	 cinicamente	 a	 “transferência	 de
almas.”	Nós,	de	nossa	parte,	não	estávamos	dispostos	a	cometer	este	erro.
Acreditávamos	no	nacionalismo,	 acreditávamos	na	 autodeterminação	dos
povos.	 “Povos	 e	 Províncias,”	 assim	 pregavam	 os	 “Quatro	 Princípios”	 de
nosso	 Profeta,	 “não	 serão	 jogados	 de	 uma	 soberania	 para	 outra	 como	 se
fossem	 peças	 de	mobília	 ou	 peões	 de	 um	 jogo	 de	 xadrez.”	 Diante	 destas
palavras	“peões”	e	“mobília,”	nossos	lábios	se	contraíam	com	democrática
repulsa.
Mas	não	era	só	isso.	Estávamos	a	caminho	de	Paris	não	apenas	para	pôr
um	 fim	à	 guerra,	mas	para	definir	 uma	nova	ordem	europeia.	 Estávamos
preparando	não	só	uma	Paz,	mas	a	Paz	Eterna.	Pairava	sobre	nós	um	halo
de	 missão	 divina.	 Devíamos	 nos	 manter	 alertas,	 firmes,	 íntegros	 e
devotados.	Estávamos	destinados	a	realizar	coisas	grandiosas,	duradouras
e	nobres.
É	com	certa	tristeza	que	hoje	recordo	uma	conversa	que	tive	com	Mr	J.L.
Garvin	 em	5	de	dezembro,	 quando	ainda	 estava	 em	Londres.	 Por	 alguma
estranha	 razão,	 tínhamos	 estado	 juntos	 em	 um	 teatro	 e	 depois
caminhávamos	 de	 volta	 à	 casa	 por	 St.	Martin’s	 in	 the	 Fields.	 Paramos	 na
calçada	e	continuamos	a	discussão	sobre	a	Conferência	que	se	avizinhava.
Olhei	 fixa	 e	 desafiadoramente	 para	 Whitehall	 e	 expliquei	 a	 Mr	 Garvin	 o
quanto	 realmente	 eram	nobres,	muito	nobres,	meus	princípios.	Ele	ouviu
com	 sua	 habitual	 complacência	 as	 loucuras	 de	 moço.	 “Bem,”	 disse,	 “se
realmente	 é	 esse	 o	 espírito	 que	 o	 move	 ao	 partir	 para	 Paris,	 fico	 muito
contente.”
Hoje	 em	 dia	 fico	 rindo	 de	 tal	 excesso	 de	 fantasia.	 Todavia,	 naquele
momento	 estava	 sendo	 absolutamente	 sincero.	 Quero	 analisar	 os
ingredientes	desta	sinceridade.
A	Conferência	foi	uma	imposição,	por	um	grupo	de	países	vencedores,	de
determinadas	cláusulas	de	rendição	a	um	grupo	de	países	derrotados.	Mas
não	era	nesses	termos	que	nós,	os	mais	moços,	encarávamos	nossa	missão.
Pensávamos	 menos	 nos	 antigos	 inimigos	 e	 mais	 nos	 novos	 países	 que
tinham	 emergido	 de	 suas	 entranhas	 exaustas.	 Nossas	 emoções	 giravam
menos	em	torno	do	velho	e	mais	em	torno	do	novo.	Concito	os	jovens	que
estarão	 assessorando	 os	 representantes	 ingleses	 na	 Conferência	 de
Montreal	 em	 1965	 a	 acreditar	 quando	 digo	 que	 os	 conceitos	 de
“Alemanha,”	 “Áustria,”	 “Hungria,”	 “Bulgária”	 ou	 “Turquia”	 não	 eram
prioritários	em	nosso	pensamento.	O	que	 fazia	nossos	corações	cantarem
hinos	nos	portões	do	céu	era	pensar	em	uma	nova	Sérvia,	uma	nova	Grécia,
uma	nova	Boêmia,	uma	nova	Polônia.	É	muito	significativo	esse	ângulo	de
abordagem	emocional.	Acredito	que	era	um	ângulo	generalizado,	mas	que
não	 ficará	 visível	 nos	 documentos	 pertinentes.	 Requer	 um	 demorado	 e
atento	 estudo	 de	 “The	 New	 Europe”	 –	 revista	 publicada	 na	 época	 por
iniciativa	 dos	 Drs	 Ronald	 Burrows	 e	 Seton	Watson,	 discorrendo	 sobre	 a
doutrina	da	qual	eu	estava	profundamente	imbuído.	Surgiram	tendências	e
preconceitos	 que	 obtiveram	 sucesso,	 não	 em	 consequência	 de	 um	desejo
vingativo	 de	 subjugar	 e	 castigar	 nossos	 antigos	 inimigos,	 mas	 de	 um
ardoroso	 anseio	 de	 criar	 e	 fortalecer	 as	 novas	 nações	 para	 as	 quais
voltávamos	 nossa	 atenção,	 com	 instinto	maternal,	 como	 justificação	 para
nossos	 sofrimentos	 e	de	nossa	vitória.	A	Conferência	de	Paris	nunca	 será
interpretada	 corretamente	 se	 esse	 componente	 emocional	 não	 for
sublinhado	em	cada	fase.
Posso,	 acredito,	 recordar	 com	 certa	 precisão	 o	 que	 sentia	 na	 época	 em
relação	a	nossos	últimos	 inimigos.	Minha	posição	em	relação	à	Alemanha
era	um	misto	de	medo,	 admiração,	 simpatia	e	desconfiança.	Por	um	 lado,
naquela	 ocasião	 eu	 gostava	 dos	 alemães	 tanto	 quanto	 antes	 da	 guerra.
Estava	muito	 impressionado	 com	 a	 coragem	da	 população	 civil	 alemã	 ao
enfrentar	o	bloqueio	e	também	com	os	grandiosos	feitos	da	esquadra	e	do
exército	 alemães	 no	mar	 e	 em	 terra.	 Por	 outro	 lado,	 tinha	me	 assustado
com	 seus	 bombardeios,	 apreensivo	 com	 o	 sucesso	 de	 seus	 submarinos	 e
humilhado	 por	 suas	 vitórias	 incessantes.	 Eu	 os	 odiava	 por	 sua	 crueldade
natural	e	os	desprezava	por	sua	inabilidade	política.	Desconfiava	deles	por
sua	 falta	 de	 confiabilidade	 diplomática.	 Todavia,	 esta	 mistura	 de
sentimentos	 não	 me	 deixou	 nenhum	 resíduo	 de	 desejo	 de	 vingança.
Deixou-me	 apenas	 com	 o	 anseio	 premente	 de	 que	 no	 futuro	 a	 Alemanha
pudesse	se	tornar	inofensiva.
Com	 relação	 à	 Áustria,	 alimentava	 um	 sentimento	 “de	 mortuis.”	 Meus
interesses	 antiquários	 lamentavam	 seu	 desaparecimento.	 Minhas
tendências	 modernistas	 comemoravam	 a	 vitalidade	 que	 agora	 devia
emergir	daquele	solo	exausto.	Minha	posição	em	relação	à	Áustria	era	uma
reflexão	um	tanto	triste	sobre	o	que	restaria	dela	quando	se	criasse	a	Nova
Europa.	 Não	 a	 encarava	 como	 uma	 entidadeviva:	 pensava	 na	 Áustria
apenas	como	uma	relíquia	patética.
Meus	 sentimentos	 relacionados	 com	a	Hungria	 eram	menos	 imparciais.
Confesso	 que	 encarava	 –	 e	 ainda	 encaro	 –	 aquela	 tribo	 turaniana	 com
profundo	desagrado.	Como	seus	primos,	os	turcos,	tinham	destruído	muito
e	nada	construído.	Buda	Pest	era	uma	cidade	espúria,	despida	de	qualquer
realidade	autóctone.	Por	séculos,	os	magiares	oprimiram	as	nacionalidades
por	eles	subjugadas.	Chegara	a	hora	da	libertação	e	da	desforra.
Para	 com	 os	 búlgaros,	 eu	 alimentava	 um	 sentimento	 de	 desdém.	 Suas
tradições,	sua	história,	suas	vinculações	na	época	deveriam	tê-los	ligado	à
causa	da	Rússia	e	da	Entente.	Tinham	se	portado	traiçoeiramente	em	1913,
e,	 na	 Grande	 Guerra,	 reincidiram	 nesse	 ato	 pérfido.	 Motivados	 por
ambições	 materiais,	 aliaram-se	 à	 Alemanha	 e,	 ao	 fazê-lo,	 estenderam	 a
guerra	 por	 mais	 dois	 anos.	 Quando	 vitoriosos,	 foram	 impiedosos	 e
imprevidentes	 na	 Sérvia	 e	 na	 Macedônia.	 Tinham	 se	 aliado	 a	 nossos
inimigos	 por	 motivos	 exclusivamente	 egoístas,	 mas	 suas	 previsões
mostraram-se	 erradas.	 Agora,	 se	 empenhavam	 em	 lançar	 sobre	 o	 rei
Ferdinand	a	 culpa	pelo	que	na	 realidade	 fora	um	movimento	de	egoísmo
nacional.	Não	achava	que	os	búlgaros	merecessem	condescendência	maior
do	que	a	que	estariam	dispostos	a	conceder	em	circunstâncias	semelhantes.
Pelos	turcos	não	tinha	e	não	tenho	a	mínima	simpatia.	A	longa	residência
em	 Constantinopla	 me	 convencera	 de	 que,	 por	 trás	 de	 sua	 máscara	 de
indolência,	 o	 turco	 esconde	 impulsos	 da	 mais	 brutal	 selvageria.	 Essa
convicção	 diminuiu	 ante	 seu	 comportamento	 com	 a	 guarnição	 de	 Kut	 ou
com	 os	 armênios	 no	 interior	 de	 suas	 fronteiras.	 Os	 turcos	 em	 nada
contribuíram	para	o	progresso	da	humanidade.	Não	passam	de	uma	raça	de
saqueadores	 anatólios.	 Meu	 desejo	 era	 que	 no	 Tratado	 de	 Paz	 ficassem
confinados	ao	território	da	Anatólia.
Esses	 eram	 os	 sentimentos,	 –	 e	 creio	 que	 este	 resumo	 seja	 uma
representação	precisa	–	bem	diferentes	das	ideias	com	que	fui	para	Paris.
Porém,	se	quero	transmitir	corretamente	o	estado	de	espírito	dominante	e
médio	 em	 janeiro	 de	 1919,	 também	 devo	 falar	 dos	 propósitos	 mais
definidos	 em	 nós	 induzidos	 pelas	 doutrinas	 e	 pelo	 árido	 revivalismo	 de
Woodrow	Wilson.
No	 fim	do	outono	de	1913,	certo	dia	almocei	com	Mr	Henry	Morgenthau,
que	chegara	recentemente	a	Constantinopla	como	embaixador	dos	Estados
Unidos.	Depois	do	almoço	sentamos	no	 terraço	apreciando	o	contorno	de
Istambul	 por	 entre	 esparsos	 e	 cansados	 ciprestes.	 Fiz	 perguntas	 sobre
Woodrow	 Wilson,	 que	 acabara	 de	 surgir	 para	 nós	 orientais	 como	 um
planeta	 flamante	 no	 longínquo	 oeste.	 Mr	 Morgenthau	 levantou-se,	 de
repente,	 e	 entrou	 em	 seu	 gabinete.	 Voltou	 com	 um	 livro	 e	 o	 depôs	 em
minhas	mãos.	“Se	quer	realmente,”	disse,	“aprender	a	lição	de	wilsonismo,
leia	este	livro.”
Hoje	 já	 não	 recordo	 qual	 das	muitas	 obras	 de	Mr	Wilson	 foi	 posta	 em
minhas	 mãos	 naquela	 tarde	 suave.	 Sei	 apenas	 que	 a	 expressão
“wilsonismo”	prendeu	minha	atenção.	“Eis	aqui,”	refleti,	“um	homem	que	é
algo	mais	 do	 que	 um	 político;	 é	 o	 expoente	 de	 uma	 nova	 teoria	 política.
Senti	 algo	na	 entonação	do	 embaixador	que	parecia	mais	do	que	 simples
companheirismo,	mais	ainda	do	que	respeito	profundo.	Havia	um	traço	de
fervor	religioso.	Preciso	estudar	as	palavras	e	os	feitos	deste	novo	profeta.”
Foi	a	partir	daquele	momento	que	comecei	a	absorver	“a	 filosofia	política
completa”	de	Woodrow	Wilson.	Naquela	tarde	de	outono	não	fui	capaz	de
prever	 a	 que	 picos	 de	 fé	 e	 a	 que	 vales	 de	 reação	 o	 breve	 gesto	 de
proselitismo	 de	 Mr	 Morgenthau	 iria	 me	 levar.	 Pelo	 fim	 de	 1918,	 os
ensinamentos	de	Woodrow	Wilson	tinham	se	acomodado	em	minha	mente
em	três	categorias	principais.	Havia	os	principais	artigos	de	 fé,	 simples	e,
portanto,	místicos.	Havia	a	aplicação	dessas	crenças	ao	grande	problema	da
neutralidade	 americana.	 Havia,	 como	 corolário	 de	 sua	 proposta,	 os
“Quatorze	Pontos,”	os	“Quatro	Princípios”	e	os	“Cinco	Detalhes.”
Os	dogmas	de	sua	filosofia	política	eu	aceitava	com	credulidade	ardorosa.
Ainda	hoje	creio	neles,	apesar	de	amarga	desilusão.	Acreditava	com	ele	que
o	padrão	de	 conduta	política	 e	 internacional	 devia	 ser	 tão	 alto	 e	 sensível
quanto	 o	 da	 conduta	 pessoal.	 Acreditava	 e	 ainda	 acredito	 que	 o	 único
patriotismo	verdadeiro	é	um	ativo	desejo	de	que	a	tribo	ou	o	país	da	gente
sirva	a	esse	ideal	em	cada	manifestação.	Compartilhava	com	ele	o	ódio	pela
violência	 em	 qualquer	 forma	 e	 a	 aversão	 ao	 despotismo	 em	 qualquer
forma.	 Entendia,	 como	 ele,	 que	 esse	 ódio	 é	 o	 que	 sente	 a	maior	 parte	 da
humanidade,	 e	 que	 no	 novo	 mundo	 essa	 força	 silenciosa	 de	 sentimento
popular	 podia	 tornar-se	 o	 poder	 controlador	 no	 destino	 da	 humanidade.
“As	novas	coisas	mundiais,”	proclamou	o	Presidente	Wilson	em	5	de	junho
de	 1914,	 “são	 as	 coisas	 que	 se	 distanciam	 da	 força.	 São	 as	 compulsões
morais	 da	 consciência	 humana.”	 “Homem	 nenhum,”	 declarou,	 “pode	 se
desviar	destes	valores	sem	se	afastar	da	esperança	de	todo	o	mundo.”
Eu	admitia,	claro,	que	nas	semanas	que	se	seguiram	a	esta	afirmação	as
“compulsões	morais	da	consciência	humana”	não	tinham	se	revelado	muito
obrigatórias.	 Também	 admitia	 que	Wilson,	 como	 profeta,	 era	 um	 profeta
muito	 americano	 –	 que	 sua	 filosofia	 na	 prática	 era	 aplicável	 apenas	 às
proporções	 do	 poder	 disponíveis	 no	 Hemisfério	 Ocidental.	 Eu	 estava
consciente,	 sobretudo,	de	que	havia	em	seus	pronunciamentos	um	 ligeiro
traço	de	revivalismo,	um	toque	de	arrogância	metodista,	mais	do	que	um
traço	de	presunção	presbiteriana.	Mas	não	me	sentia	dissuadido	por	essas
restrições.	 “Os	 Estados	 Unidos,”	 li,	 “não	 se	 podem	 arvorar	 em	 donos	 do
mundo”	–	Mr	Wilson	falava	em	1914	–	“mas	podem	proclamar	a	distinção
de	levar	certas	luzes	que	o	mundo	jamais	viu	com	tanta	nitidez,	fachos	que
iluminam	 os	 caminhos	 da	 liberdade,	 do	 princípio	 e	 da	 justiça.”	 Não	 me
desconcertavam	 o	 toque	 bíblico	 dessas	 palavras,	 tampouco	 seu	 sabor
Princeton.
Também	me	agrada	pensar	que,	com	os	nervos	atingidos	pela	duração	da
guerra,	 conservei	 minha	 crença	 em	 Wilson	 como	 um	 profeta	 da
racionalidade	humana.	Minha	fé	era	reforçada,	de	tempos	em	tempos,	pelo
privilégio	da	convivência	com	Walter	Page.	“É	algo	que	existe,”	li	em	maio
de	1915,	 “um	homem	ser	orgulhoso	demais	para	 lutar.	É	 algo	que	existe,
uma	nação	ser	 tão	certa	que	não	precisa	convencer	outras	pela	 força	que
está	certa.	Ao	contrário	da	maioria	de	meus	compatriotas,	não	considerava
esta	 declaração	 irritante,	 antes	 a	 considerava	 consistente,	 corajosa,	 sã.
Também	 não	 fiquei	 muito	 incomodado,	 em	 janeiro	 de	 1917,	 pelo	 tom
ditatorial,	 quase	 teocrático,	 que	 desde	 aquela	 data	 começou	 a	 invadir	 o
didatismo	 de	 Princeton.	 “Existem,”	 li,	 “princípios	 americanos,	 políticas
americanas.	Não	seguimos	nenhum	outro.	São	os	princípios	da	humanidade
e	devem	prevalecer.”	Senti	que	essa	afirmação	deveria	 ter	usado	palavras
com	 mais	 tato.	 Mas	 como	 afirmação	 era	 bastante	 sólida	 e	 com	 ela
concordei.	Nove	dias	mais	tarde,	os	alemães,	em	sua	cegueira,	anunciaram	a
decisão	de	lançar	a	guerra	submarina	sem	limites.	Em	4	de	abril,	os	Estados
Unidos	entraram	na	guerra.	A	partir	daquele	momento,	eu	não	estava	em
minoria	na	minha	fé	em	Woodrow	Wilson.
Pouco	depois,	no	dia	8	de	janeiro	de	1918,	surgiram	os	Quatorze	Pontos.
Muito	 casuísmo	 e	 alguma	 perspicácia	 têm	 sido	 empregados	 sobre	 esses
pronunciamentos	históricos.	O	próprio	Presidente	Wilson	a	eles	se	referiu
em	 1919	 como	 “certos	 princípios	 claramente	 definidos	 que	 devem	 criar
uma	nova	ordem	em	que	imperem	o	direito	e	a	justiça.”	Nesse	mesmo	dia,
vemos	Mr	Balfour	mencioná-los	 como	 “certos	 princípios	 admiráveis,	mas
muito	 abstratos.”	 No	 entento,	 seriam	 realmente	 tão“muito	 abstratos”?
Considerando	 a	 data	 em	 que	 foram	 emitidos,	 os	 Quatorze	 Pontos	 são
precisos	 a	 ponto	 de	 temeridade.	 Podem	 perfeitamente	 ser	 resumidos	 da
forma	a	seguir:
	
Discurso	de	8	de	janeiro	de	1918.
	
	 	 	 	 	 	 	 	 O	 programa	da	 paz	mundial	 é,	 portanto,	 o	 nosso	 programa,	 e	 esse
programa,	o	único	possível,	como	o	vemos,	é	este:
	
1.	 “Pactos	abertos	de	paz	abertamente	negociados,	depois	dos	quais
não	 haja	 entendimentos	 privados	 de	 nenhum	 tipo,	 mas	 sim
diplomacia	efetuada	sempre	francamente	e	à	vista	do	público.”
2.	 “Absoluta	liberdade	de	navegação	sobre	os	mares	além	das	águas
territoriais,	tanto	na	paz	quanto	na	guerra...”
3.	 “Remoção	até	onde	possível	de	todas	as	barreiras	econômicas...”
4.	 “Garantias	 adequadas	 dadas	 e	 recebidas	 de	 que	 armamentos
nacionais	serão	reduzidos	ao	mais	baixo	nível	compatível	com	a
segurança	interna.”
5.	 “Um	 ajuste	 livre,	 aberto,	 razoável	 e	 absolutamente	 imparcial	 de
reivindicações	 coloniais,	 com	 base	 na	 estrita	 observância	 do
princípio	segundo	o	qual,	na	solução	de	todas	essas	questões	de
soberania,	os	interesses	das	populações	concernentes	devem	ter
o	mesmo	peso	das	reivindicações	dos	governos	cujo	domínio	está
em	causa.”
6.	 “A	evacuação	de	todo	o	território	russo.”	(...)	“A	Rússia	deve	ter	a
oportunidade	 sem	 constrangimentos,	 sem	 obstruções,	 de
determinar	 com	 toda	 a	 independência	 seu	 próprio
desenvolvimento	 político	 e	 sua	 política	 nacional.”	 A	 Rússia	 ser
bem-vinda,	 ”mais	 do	 que	 bem-vinda,”	 na	 Liga	 das	Nações,	 “com
instituições	 de	 sua	 própria	 escolha”	 e	 recebendo	 toda	 forma	 de
ajuda.
7.	 A	Bélgica	a	ser	evacuada	e	restaurada.
8.	 A	França	a	ser	evacuada,	as	porções	invadidas	“restauradas,”	e	a
Alsácia-Lorena	devolvida	a	ela.
9.	 “Reajuste	 das	 fronteiras	 da	 Itália	 efetuado	 segundo	 linhas
claramente	reconhecíveis	de	nacionalidade.”
10.	 “Aos	povos	da	Áustria-Hungria	(...)	a	mais	 livre	oportunidade	de
desenvolvimento	 autônomo.”	 (N.B.	 –	 Esse	 ponto	 foi
subsequentemente	modificado	para	completa	 independência	em
lugar	de	“desenvolvimento	autônomo.)
11.	 Romênia,	 Sérvia	 e	 Montenegro	 evacuados,	 e	 os	 territórios
ocupados	“restaurados.”	A	Sérvia	receber	livre	acesso	ao	mar.
12.	 As	 porções	 turcas	 do	 Império	 Otomano	 terem	 “uma	 soberania
segura.”	 Nacionalidades	 subjugadas	 terão	 segurança	 e	 “a
oportunidade	de	desenvolvimento	autônomo	absolutamente	sem
constrangimentos.”	Garantida	a	liberdade	dos	Estreitos.
13.	 Erigir-se	 um	 Estado	 Polonês	 Independente,	 que	 “deve	 incluir
territórios	 habitados	 por	 populações	 inquestionavelmente
polonesas	e	receber	acesso	ao	mar	livre	e	seguro.”
14.	 Deve	 ser	 formada	 uma	 associação	 geral	 de	 nações,	 segundo
pactos	específicos,	“com	o	fim	de	proporcionar	garantias	mútuas
de	independência	política	e	integridade	territorial	para	grandes	e
pequenos	estados	igualmente.”
	
A	esses	quatorze	pontos	devem	ser	acrescentados	os	“Quatro	Princípios”	e
os	 “Cinco	 Detalhes.”	 Os	 Princípios	 surgiram	 num	 discurso	 de	 11	 de
fevereiro	de	1918,	prefaciados	por	uma	declaração	de	que	a	Paz	eventual
não	 conteria	 “anexações,	 contribuições	 e	 danos	 punitivos.”	 Os	 Princípios
poder	ser	assim	resumidos:
	
1.	 “Cada	parte	do	acordo	final	deve	basear-se	na	justiça	inerente	ao
caso	particular.”
2.	 “Povos	 e	 províncias	 não	 devem	 ser	 trocados	 e	 destrocados	 de
uma	soberania	a	outra	como	permuta	de	mobiliário	ou	de	peões
num	jogo	de	xadrez.”
3.	 “Todo	 acerto	 territorial	 deve	 ser	 do	 interesse	 das	 populações
envolvidas,	 e	 não	 mero	 componente	 de	 compromissos	 para
conciliar	reivindicações	de	estados	rivais.”
4.	 “Todos	 os	 elementos	 nacionais	 bem	 definidos	 receberão	 a
máxima	 satisfação	 possível,	 sem	 introduzirem	 novos	 ou
perpetuar	antigos	vetores	de	discórdia	e	antagonismo.”
	
Os	 “Cinco	Detalhes”	 aparecem	num	discurso	de	27	de	 setembro	de	1918.
São	 menos	 esclarecedores.	 O	 primeiro	 insistia	 na	 justiça	 para	 amigos	 e
inimigos	 igualmente.	 O	 segundo	 denunciava	 todos	 os	 “interesses	 em
separado.”	O	terceiro	dispunha	que	não	haveria	alianças	no	corpo	da	Liga,	e
o	 quarto	 proibia	 as	 combinações	 econômicas	 entre	 membros	 da	 Liga.	 O
quinto	“detalhamento”	reafirmava	a	proibição	de	Tratados	secretos.
	
Eu	 não	 só	 acreditava	 profundamente	 nesses	 princípios,	 mas	 também
tinha	 como	 certo	 que	 os	 Tratados	 de	 Paz	 se	 baseariam	 exclusivamente
neles.	 Afora	 sua	 inerente	 compulsão	 moral	 e	 à	 parte	 o	 fato	 de	 que
constituíam	a	única	base	consensual	para	nossa	negociação,	eu	sabia	que	o
Presidente	dispunha	de	 irrestrito	poder	 físico	para	 impor	 seus	pontos	de
vista.	 Naquele	 momento,	 éramos	 todos	 dependentes	 da	 América,	 não	 só
para	 os	 tendões	 da	 guerra,	 mas	 também	 para	 os	 tendões	 da	 paz.	 Nosso
suprimento	 de	 alimentos,	 nossas	 finanças,	 estavam	 inteiramente
subordinados	aos	ditados	de	Washington.	A	 força	de	compulsão	possuída
de	Woodrow	Wilson	naqueles	primeiros	meses	de	1919	era	 esmagadora.
Jamais	nos	ocorreu	que,	se	houvesse	necessidade,	ele	hesitaria	em	usá-la.
“Nunca,”	 escreve	Mr	 Keynes,	 “um	 filósofo	 possuiu	 tantas	 armas	 com	 que
dobrar	os	Príncipes	do	mundo.”
Ele	não	usou	aquelas	armas.	Não	era	(e	para	nós	foi	doloroso	aos	poucos
constatar)	um	filósofo.	Era	apenas	um	profeta.
Tais	 eram,	 portanto,	 minhas	 percepções,	 meus	 pensamentos	 e	 minhas
intenções	quando	fiz	o	caminho	rumo	a	Paris.	Não	tinha	dúvida,	como	disse,
de	que	nos	princípios	do	Presidente	Wilson	se	fundamentaria	a	paz.	Minha
confiança,	 estou	 convencido,	 era	 compartilhada	 pelos	 colegas	 que	 eram
meus	iguais	em	idade	e	em	status.	Claro	que	se	pode	dizer	que	as	emoções
e	 os	 conceitos	 de	 servidores	 civis	 são	 de	 menor	 importância	 para	 o
desfecho	 dos	 grandes	 acontecimentos	 políticos.	 Ponho	 em	 dúvida	 essa
argumentação.	 Se	 tivéssemos	 todos,	 embora	vinculados	a	nossas	 funções,
preservado	 nossas	 crenças	 originais	 e	 nosso	 estado	 de	 espírito,	 nossa
capacidade	 de	 atuar	 conjuntamente	 teria	 sido	 importante.	 Na	 verdade,
porém,	 à	 medida	 que	 as	 semanas	 passaram,	 sofremos	 uma	 perda	 de
confiança,	 uma	 queda	 de	 idealismo	 e	 uma	 mudança	 de	 espírito.	 Estas
memórias	têm	por	finalidade	registrar	e	explicar	tal	mudança.	Ela	deveu-se
em	 grande	 parte	 a	 causas	 além	 de	 nosso	 controle,	 mesmo	 quando,	 no
momento,	 delas	 não	 tínhamos	 consciência.	 Causas	 semelhantes	 estarão
presentes	 em	 qualquer	 congresso	 de	 igual	 complexidade	 e	 magnitude.
Escrevo	este	livro	para	alertar	futuros	servidores	civis.
Neste	instante,	permitam-me	voltar	no	tempo.	Vejo-me,	em	3	de	janeiro
de	 1919,	 entre	 volumes	 com	 documentos	 e	 caixas-arquivo	 de	 estanho
dirigindo-me	 da	 Gare	 du	Nord	 para	 o	Hotel	Majestic.	 Permitam-me	 fazer
uma	 avaliação	 de	 quanto	 os	 princípios	 enunciados	 nos	 Quatorze	 Pontos
foram	realmente	adotados	pelos	eventuais	Tratados	de	Paz.
Nossos	pactos	de	paz	não	 foram	negociados	com	 transparência.	Poucas
vezes	 se	 viu	 tanto	 segredo	 no	 curso	 de	 um	 encontro	 diplomático.	 A
Liberdade	 dos	 mares	 não	 foi	 assegurada.	 Longe	 do	 estabelecimento	 do
Livre-Comércio	 na	 Europa,	 levantou-se	 uma	 barreira	 de	 tarifas	 maior	 e
mais	 numerosa	 do	 que	 jamais	 se	 vira.	 Não	 se	 reduziram	 os	 armamentos
nacionais.	As	Colônias	Alemãs	 foram	distribuídas	 entre	 os	 vencedores	de
uma	forma	que	não	se	caracterizou	por	liberalidade,	nem	desprendimento
e	 tampouco	 imparcialidade.	Os	desejos,	para	não	 falar	nos	 interesses,	das
populações	(como	no	Sarre,	em	Shantung	e	na	Síria)	foram	flagrantemente
ignorados.	A	Rússia	não	 foi	bem	recebida	na	Sociedade	das	Nações	e	não
lhe	 foi	 concedida	 liberdade	 para	 organizar	 suas	 próprias	 instituições.	 As
fronteiras	da	Itália	não	foram	reajustadas	pela	linha	das	nacionalidades.	Às
porções	turcas	do	Império	Otomano	não	se	garantiu	uma	soberania	segura.
O	território	da	Polônia	incluiu	muitagente	indiscutivelmente	não	polonesa.
Na	 prática,	 a	 Liga	 das	 Nações	 não	 foi	 capaz	 de	 assegurar	 independência
política	 às	Grandes	e	Pequenas	nações	 igualmente.	Províncias	 e	povos	na
verdade	 foram	 tratados	 como	 peças	 de	mobiliário	 e	 peões	 do	 xadrez.	 Os
arranjos	 territoriais,	 em	 quase	 todos	 os	 casos,	 se	 basearam	 em	 meras
acomodações	 e	 compromissos,	 conciliando	 reivindicações	 de	 estados
rivais.	Na	prática,	perpetuaram-se	elementos	de	discórdia	e	antagonismo.
Nem	 mesmo	 o	 velho	 sistema	 de	 Tratados	 Secretos	 foi	 inteira	 e
universalmente	destruído.
Das	vinte	e	três	condições	do	Presidente	Wilson,	apenas	quatro,	pode-se
dizer	com	alguma	precisão,	foram	incorporadas	aos	Tratados	de	Paz.
A	delegação	inglesa	em	Paris	ficou	hospedada	no	Hotel	Majestic,	na	Avenue
Kléber.	 Esse	 gigantesco	 caravanserai	 fora	 construído	 quase	 todo	 em
mármore	ônix,	para	ser	usufruído	pelas	senhoras	brasileiras	que,	antes	da
guerra,	 iam	 a	 Paris	 comprar	 suas	 roupas.	 Mr	 Alwyn	 Parker,	 ao	 nos
distribuir	 as	 acomodações,	 levou	 na	 devida	 consideração	 os	 perigos	 e
tentações	a	que	poderíamos	ficar	expostos.	Na	primeira	categoria	–	perigos
–	 ele	 tinha	 (tal	 como	 pensava	 habitualmente)	 previsto	 as	 duas
subcategorias	 (a)	 espionagem	 e	 (b)	 doença.	 Como	 proteção	 contra	 (a),
encarregou	Sir	Basil	Thomson	da	Scotland	Yard	da	missão	de	organizar	um
“serviço	de	segurança.”	Em	consequência,	embora	fosse	bastante	fácil	sair
do	 Majestic,	 entrar	 era	 extremamente	 difícil.	 Muitos	 representantes
estrangeiros	foram	detidos	por	suspeita	de	forçarem	a	entrada.	Mr	Parker
foi	 mais	 além.	 Tinha	 estudado	 a	 fundo	 o	 Congresso	 de	 Viena	 e	 estava
decidido,	 com	 toda	 razão,	 a	 não	 permitir	 que	 a	 Conferência	 de	 Paris
repetisse	 o	 despropósito	 de	Metternich.	Deste	modo,	 o	Hotel	Majestic	 foi
ocupado,	 do	 porão	 ao	 último	 andar,	 por	 empregados	 ingleses	 bem
preparados,	 oriundos	 de	 nossos	 hotéis	 do	 interior.	 A	 alimentação,	 por
conseguinte,	 era	 do	 tipo	 anglo-suíço,	 enquanto	 o	 café	 era	 genuinamente
inglês.	Todavia,	 todo	o	nosso	 trabalho	acabou	sendo	realizado	no	vizinho
Hotel	 Astoria.	 Foi	 lá	 que	 arquivamos	 nossos	 documentos	 e	 guardamos
nossos	mapas.	Os	empregados	do	Astoria	eram	de	nacionalidade	francesa.
Houve	 momentos	 (geralmente	 no	 café	 da	 manhã)	 em	 que	 sentimos	 que
tinha	ocorrido	um	ligeiro	lapso	na	lógica	de	Mr	Parker.
Mas	como	organizador	Mr	Parker	foi	soberbo.	A	fim	de	se	proteger	contra
a	categoria	(b),	tinha	contratado	um	médico	obstetra	de	grande	renome.	O
quadro	de	funcionárias	ficou	subordinado	a	um	supervisor.	Desta	forma,	o
clima	no	Majestic	era	de	alegria	e	companheirismo	anglicanos.
A	delegação	inglesa	englobava	207	pessoas,	sendo:	12	do	Foreign	Office,
com	6	secretários;	28	do	Ministério	da	Guerra;	22	do	Almirantado;	13	da
Força	Aérea;	26	do	Tesouro	e	do	Comércio;	e	75	dos	Domínios.
Com	 frequência,	 ouve-se	 afirmar	 que	 havia	 gente	 demais.	 Seria	 mais
apropriado	 dizer	 que	 a	 pressão	 do	 trabalho	 estava	 desigualmente
distribuída.	 Determinados	 membros	 da	 delegação,	 em	 particular	 os
especialistas	 políticos	 e	 econômicos,	 ficaram	 evidentemente
sobrecarregados.	 Outros	membros,	 em	 especial	 os	 grupos	 assessores	 dos
representantes	dos	Domínios,	viam	as	horas	passarem	lentas.	 Inevitável	e
compreensivelmente,	fizeram	o	melhor	uso	de	sua	posição	de	certa	forma
inútil.	O	grande	saguão	do	Majestic	ficava	tomado	pelo	barulho	das	xícaras
de	chá	e	a	melodia	das	músicas	para	dançar	ecoando	escadas	acima.	Nossos
visitantes	mais	 críticos	 viriam	a	 exagerar	 estes	 sintomas	de	 relaxamento.
Em	Londres	correu	o	boato	de	que	o	Majestic	era	o	reduto	dos	preguiçosos.
Houve	 em	 Pall	 Mall	 quem	 resmungasse	 que	 Lord	 Castlereagh	 fora	 para
Viena	 acompanhado	 por	 um	 grupo	 de	 apenas	 dezessete	 auxiliares.	 Eu
mesmo	 reconheço	 que	 houve	momentos	 em	que	me	 senti	 desconfortável
naquele	 saguão	 agitado,	 pois	 me	 desagradava	 ver	 o	 espetáculo	 daquela
gente	 alegre	 que	 não	 tinha	 como	 preencher	 seu	 tempo.	 Tempo,	 tempo,
tempo!	 Tornou-se	 uma	 obsessão	 para	 nós,	 à	 medida	 que	 as	 semanas	 se
passavam.	 Ficar	 vendo	 o	 tempo	 balançar	 e	 dançar	 ante	 nossos	 olhos	 era
realmente	uma	terrível	provação.	Entretanto,	não	creio	que	a	acusação	de
excesso	de	gente	fosse	totalmente	justificada.	Era	essencial	ter	à	disposição
muitos	especialistas	que	poderiam	ser	solicitados	a	qualquer	instante.	Não
se	 podia	 evitar	 que	 os	 representantes	 dos	 Domínios	 viessem
acompanhados	 por	 secretários	 e	 assistentes.	 Também	 convém	 lembrar
que,	 tão	 logo	 as	 linhas	 gerais	 de	 trabalho	 foram	 claramente	 definidas,	 os
vadios	mais	óbvios	foram	mandados	de	volta	para	Londres.
A	 organização	 interna	 da	 delegação	 inglesa	 foi	 estabelecida	 logo	 nos
primeiros	dias.	Lord	Hardinge,	na	condição	de	“embaixador	encarregado	da
organização,”	 assumiu	 principalmente	 os	 deveres	 administrativos.	 Sir
Maurice	 Hankey	 foi	 designado	 secretário	 da	 delegação	 e	 montou	 seu
escritório	 na	 Villa	 Majestic,	 no	 outro	 lado	 da	 rua.	 Mr	 Clement	 Jones
conviveu	 alegre	 e	 fraternalmente	 com	 os	 representantes	 dos	 Domínios	 e
Mr	 Lloyd	 George	 se	 refugiou	 na	 Rue	 Nitot,	 com	Mr	 Balfour	 no	 andar	 de
cima.
Na	 pista	 de	 corridas	 em	 Auteil	 foi	 instalada,	 para	 desagrado	 dos
parisienses,	 o	 setor	 encarregado	 da	 impressão	 de	 documentos.	 A
vizinhança	 do	 Majestic	 ficava	 aturdida	 com	 o	 barulho	 dos	 motociclistas.
Uma	 frota	 de	 carros	 do	 exército	 facilitava	 nossos	 deslocamentos.	 Um
sofisticado	 sistema	 telefônico	 nos	 ligava	 a	 Londres	 e	 ao	mundo	 exterior.
Um	serviço	expresso	de	aviões	ligava	diariamente	Buc	e	Croydon.	Antes	da
abertura	da	conferência,	toda	a	parafernália	do	Majestic,	do	Astoria,	da	Villa
Majestic	 e	 da	 Rue	 Nitot	 funcionava	 com	 a	 reconhecida	 eficiência	 de	 um
ministério	inglês.
No	 sábado,	 11	 de	 janeiro,	 chegaram	 a	 Paris	 o	 primeiro-ministro	 e	 os
representantes	diplomáticos	dos	Domínios.	No	domingo,	12	de	janeiro,	teve
lugar	 no	 Quai	 d’Orsay	 a	 primeira	 reunião	 não	 oficial	 entre	 os
plenipotenciários.	Na	segunda-feira,	13	de	janeiro,	a	delegação	do	Império
Britânico	 teve	 sua	 primeira	 reunião,	 e	 na	 tarde	 do	 mesmo	 dia	 os
plenipotenciários	voltaram	a	se	reunir,	sob	o	título	de	“Conselho	Supremo
de	Guerra,”	a	 fim	de	ratificar	o	armistício.	Mas	somente	no	sábado,	18	de
janeiro,	 a	 conferência	 foi	 oficialmente	 aberta,	 e	 apenas	uma	 semana	mais
tarde	 foram	 designados	 os	 cinco	 comitês	 encarregados	 de	 preparar	 o
material	 técnico.	 Os	 Comitês	 Territoriais,	 porém,	 que	 deviam	 criar	 as
futuras	 fronteiras	 da	 Europa,	 só	 foram	 formados	 na	 primeira	 semana	 de
fevereiro.
O	atraso	de	mais	de	nove	 semanas	entre	a	assinatura	do	armistício	e	a
primeira	 tentativa	 séria	 de	 se	 debruçar	 sobre	 o	 trabalho	 certamente
permanecerá	 sendo	 uma	 das	mais	 irrespondíveis	 críticas	 que	 se	 fazem	 à
Conferência	 de	 Paris	 e	 para	 as	 quais	 não	 se	 encontra	 resposta.	 Por
conseguinte,	 é	 necessário	 examinar	 as	 causas,	 psicológicas	 e	 outras	mais,
que	provocaram	esse	 atraso.	 É	possível	 identificar	duas	 fases	distintas.	A
primeira	 corresponde	 ao	 atraso	 entre	 o	 armistício	 e	 a	 reunião	 da
Conferência.	 A	 segunda	 diz	 respeito	 ao	 que	 ocorreu	 entre	 a	 abertura	 da
Conferência	e	o	início	dos	trabalhos	propriamente	ditos.
Os	motivos	para	escusar	a	postergação	da	Conferência	de	Paz	em	geral	são
estranhos	 e	 variados.	 Surge	 em	 primeiro	 lugar	 o	 argumento	 histórico.	 O
Congresso	 de	 Viena	 foi	 mais	 dilatório	 ainda.	 As	 procrastinações	 do
Congresso	 de	Westfália	 foram	 infinitamente	 mais	 dilatadas.	 Em	 segundo
lugar,	aparece	o	argumento	ético.	Era	preciso,	era	justo	que	se	desse	tempo
para	 que	 as	 mais	 extremadas	 paixões	 geradas	 pela	 guerra	 declinassem,
antes	que	os	governantes	de	todo	o	mundo	se	reunissem	para	estabelecer

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