Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
PAUL0 FREIRE Genese da educacao intercultural no Brasil #|i]rTI)RAi=rv • eg=;:a at... Wro, .l.in de prazenp- • -.lIMlou in. .pwhnd.r . k!itura - . educ.¢.a a. P.uk) Freire, ee;::= mr. .. iu.I obras e .T#:;=+-+=o.I...orpnmv.sobrea eE±:±;Ml .... Conitl`ul-te cambem • M .`N.. *wledor, pongue poeclsa- I -n..ul. ® dl"ui.o d. que Paulo M W" .pr.. d. quoruo de classe • N ..... p|. do oprlmldo, tr,.,,=:=rtiv;nde .I. nuki Fr.lr. era a -*wh....olnl.oEunur.Inoorasll. I W . on.Nnm. ro llve a que Paulo h M wN * ..., I).b.I.u robne a ~ hoe..I.wdlded., tok!rlna.a, ===== -, . qu..de de *n',, '' ,,,,., ''m out ,,,. h.il.. ^i.twut.no d. Ollvelra #unTt]RAErv PAUL0 FREIRE Genese da educa¢ao intercultural no Brasil A,i=ERTI]iiA Etv Ivanilde Apoluceno de Oliveira PAULO FREIRE: genese da educacao intercultural no Brasil EDITORA CRV Curitiba - Brasil 2015 Copyright © da Editora CRV Ltda. Editor-chefe: Railson Moura Diagramacao e Capa: Editora CRV Revisao : A Autora Consellio Editoria. : P[Of, Df Aiidreia ds Silva Quinfanilha Souse (UNIR) PTof. Dr. Antchio Pereir@ Galo Junior (UTRRJ) Piof. Di. Carlos Albeto VIlar Est6`.io • qumversidade do Minho. UNINHO, Portugal) Piof. Di Carlos Fedenco Donmguez Avila (UNIEURO - DF) Prod . DI'. Carmen Tereza Velangr /UNIR) Prof. DT. Celso Conti (UFScar) Prof. DT. Ces8r Ger6nJmo Tello • qumverstded Nacioml de Tids de Febrero - Afgenlin) PTof . Dr. Elione Mare Nogueira Diogenes (UIAL) Piof.Di.fusioJoseCora(Uni`asidrdeFedmldrFronteinSul`lTFS) PTof. Df. Glom Farii!as Leon (Umvasidade de L8 Havma -Cuha} PTof. DT. Francisco Carlos Duaile (PUC.PR) Prof, Di. Guilleimo Anas Beatch funiversidrde de L8 Havma - Cuba) Pror. Dr Jo5o Adalbeiio Camp8to Jrmior (FAP -SP) Piof. D[. Jailson Alves dos Santos (UFRJ) Prof, Dr Leonel Sevglo Rocha flJRI) Prop. DT.. Lourdes Helena ch Siho (UFY) PTOF DT] Josam Portela (UFPI) Prop, DT'. Mule de Lourdes Pinio de Almelde (UNICAMP) Prof`. Df. Mama Lilia lmbirlha Sousa Colares (UFOPA) Prof. Dr. Paulo Romunlde Hemandes (UNIFAL -MG) PTof. D] Rodrigo Prate,Saptos (UFES) Piof`, Df . Maria Cristina dos Sunios Bezem (UFScar) Prof. Dr SergLo Nunes de Jesus (IFRO) Prop Dr. Solange Hele" Xlmenes.Rocha (UFOPA) Prop Dr Sydione Santos (UEPG PR) Prof. Dr. Tadeu Oli`.er Gonwl`.es (UFPA) Prop. Df Tan{a Suely Az€vedo Brasilefro rvFOPA) CIP-BRASIL. CATALOGACAO-NA-FONTE SINDICATO NACI0NAL DOS EDTTORES DE LIVROS, RJ 051p Oliveira, Tvanilde Apolueeno de Paulo Freire: genese da educacao intercultural no BTasil / lvanilde Apolueeno de Oliveira. - I. ed. -Curfuiba, PR: CRV. 2015. 120 p. Inclui bibliografia lsBN 978-85-444-0416-4 I. Educacao -Filosofia. 2. Sociologi@ cducai`ional.I. Titulo. 15-23605 CDD: 370.I CDU: 37.01 2015 Foi feito o depdsito legal conf. Lei 10.994 de 14/12/2004 Proibida a reprodu9ao parcial ou total desta obra sem autorizagao da Editora CRV Todos os direitos desta edigao reservados pela: Editora CRV Tel.: (41) 3039-64] 8 www.editoracrv.com.br E-mai I : sac@editoracrv.com.br Dedico este livro ao meu esposo Iran Alfredo Miranda de Oliveira, que ten sido companheiro em todos os momentos de minha vida pessoal e academica. Agrade9o Aos tios Terezinha e Laurchio e as minhas sobrinhas Andrea e Dan,e|ape,apresAenp%:e:s:r:mv:n:o6='deavu=t:st;:oT(,:h,ao::::, educadores(as) do GECEC pela parceria e produtivos debates no desenvolvimento deste livro. Aos docentes do Programa de P6s-graduacao em Educa9ao da Pontificia Universidade Catolica do Rio de Janeiro e, em especial, as professoras Vera Candau, Mama lnes Marcondes e Isabel Lelis pela acolhich. Aos docentes do PTograma de P6s-gradun¢ao em Educa¢ao da Universidade do Estado do Para pelo incentivo e apoio academico. A CAPES, que por meio do PROCAD viabilizon financeiramente a realizapao do estudo que culminou neste livro. Ao Nticleo de Educagao Popular Paulo Freire - NEP, da Universidade do Estado do Para, que possibilitou financeiramente a publica¢ao deste livro. "Complexo e plural, o processo de libertagao se envolve com quantas dimens6es marquem fundamentalmente o ser hunano: a classe, o sexo, a ra9a, a cultura." Freire (2003b, p. 208) SUMARIO PREFACIO lNTRODUCAO 1. A EDUCACAO POPULAR DE PAULO FREIRE .... „ .... „ 25 1 1 dAo:dauncoas9€% :::#or::sf':::s 6o.. 26 1.2. A Experiencia Educacional de Paulo Freire no Movimento de Cultura Popular ...... 1.3.Aporteste6ricosdaeducagaopopulai de Paulo Freire 2. PAULO FREIRE E A EDUCACAO INTERCULTURAL NO BRASIL 2.1. A interculturalidade 2.2. Educaeao lntercultural 2.3. A Inter.culturalidade na educagao de Paulo Freire.. 72 3. PAUL0 FREIRE E A EDUCACAO INTERCULTURAL: a proxi mag6es te6ricas CONSIDERACOES FINAIS REFERENCIAS SOBRE AAUTORA PREFACIO Tenho ainda muito vivo na mem6ria este momento. Dezembro de 1991. Estou em Madrid colaborando com urn centro de estudos e pesquisas em educac5o. A noticia se espalha: Paulo Freire recebera o titulo de Doutor Honoris Causa na Universidad Complutense de Madrid. Audit6rio repleto. Professores e alunos disputam urn lugar. A cerim6nia segue urn rito tradicional, solene, especifico das uni- versidades europeias. Entrain as autorichdes e Paulo Freire de toga. Todo o audit6rio se levanta. Ap6s os ritos introdut6rios, urn profes- sol apresenta a figura do homenageado, seu itinerdrio e relevancia para a area de educapao. Sinto urn imenso orgulho. Paulo Freire agradece com umas palavras muito suas, no espanhol com o qual consegue se expressar- nota-se que com esforap- articulando, como 6 seu estilo, reflexao e experiencia, e analisando a perspectiva da educacao critica e libertadora. Recebe o titulo das maos do reitor da universidade. Cunprimenta a cada uma das autoridades presentes. Desce as escadas do palco onde se realiza a cerim6nia e continua cunprimentando cada urn dos funciondrios presentes, encarregados da ordem do recinto e do funcionamento adequado de suas diversas dimens5es. Rompe o protocolo. Surpresa no audit6rio que, em se- guida,selevantaeaplaudecalorosamente.Confessoquemecomovi muito e chorei. Mais urn dos inineros gestos de Paulo Freire que tomavam vivas suas ideias e convicc6es mais profundas. Assim era Paulo Freire. Urn homem afavel, reflexivo e com- prometido. Sem ddvida suas ideias, sonhos e proposfas exerceram/ cxercem enorme influencia mos diversos continentes que comp5em iiosso planeta. N5o somente na area de educacao, mas tambem em todas as pessoas comprometidas com a transforma¢5o social, mem- hros de movimentos sociais, de sindicatos, partidos politicos, orga- nizaq6es populares, professores e educadores em geral. Sua figura `si] projetou em todo o mundo e se tomou uma referencia ineludivel para as buscas de constrngao de uma educacao de qualidade social i"ra todos e todas. Ja se escreveu muito sobre Paulo Freire. Inineros sao os ar- tigos, livros, biografias, folhetos, cartilhas, materiais pedag6gicos |lroduzidos para socializar suas ideias. Multiplicam-se os cursos sobre o seu pensamento nas universidades, tanto na graduagao quanto na p6s-graduneao. Teses de doutorado e dissertac6es de ines- trado exploram diferentes dimens6es do seu pensamento. Grupos de pesquisa aprofundam suas I.deias e dialogam com suas jnquiefudes a partir de quest6es contemporaneas. Talvez tenhamos a sensacao de que nada de novo pode ser dito ou problematizado. Entre as quest6es contemporaneas que desafiam os educado- res e educadoras estao as relacionadas ao que chamamos educacao intercultural. Expressao polissemica, adquire na America Latina un sentido pr6prio, original e que consideramos especialmente signifi- cativopararefletirmossobreohojedaeducacaoedos/aseducadores/ as. E a pergunta surge: contribui Paulo Freire para esta perspectiva?Enriquece a reflex5o sobre esta tematica? Nao esta seu pensamento tao arraigado na analise de classe de inspira¢ao marxista qiie dificil- mente pode ser sensivel as diferengas culturais? Estas sas "perguntas fortes", diria Boaventura Sousa Santos (2010), que instigaram a autora da presente publica95o. Para aproxi- mar-mos delas e imprescindivel, pelo memos brevemente, explicitar- mos que entendemos por educagao intercultural. Lopez-Hurtado Quiroz (2007, p. 21 -22) faz a seguinte si'ntese da sua trajet6ria de incorporagao na agenda latino-americana: Nestes trinta anos, desde que o termo foi acunhado na regiao, a aceitag5odanapaotranscendeuoinbitodosprogranaseprojetosrefe- ridos aos indigenas e hoje urn numero importante de pa{ses, do Mexico a Terra do Fogo, vin nela urn possibilidade de transformar tanto a sociedade em seu conjunto como tambem os sistemas educativos na- cionais, no sentido de uma articulacao mats democratica das diferen- tes sociedades e povos que integram urn determinado pals. Desde este ponto de vista, a interculturalidade sup6e agora tambem abertura dian- te das diferencas ethicas, culturais e linguisticas, aceitapao positiva da diversidade, respeito mrfuo, busca de consenso e, ao mesmo tempo, reconhecimento e aceitaeao do dissenso, e na atualidade, construgao de novos niodos de rela9ao social e major democracia. Gostan'anosdedestacardestabrevetrajet6riafeitapeloautor,aorigem da expressao em referencia a educagao indigena e, ao mesmo tempo, como foi ampliando a sua abrang6ncia, sendo hoje refenda as mtiltiplas diferen- ¢asculturaiseaosprocessosdeconstrapaoderelap6essocialsmarcadaspela equidade, a j usti9a e o aprofundamento dos processos democraticos. Na refle- PAULO FREIRE. gchese da educacao interoullural no Brasil 15 xao que vimos desenvolvendo sobre esta tematica, tres afimap6es foram adquirindo cada vez maior centralidade na perspectiva de se apro- fundar na tematica da interculturalidade mos contextos educativos. A primeira delas refere-se a relagao entre diferencas culturais e direitos humanos. Partimos do ponto de vista de que a relacao entre quest6es referidas a justiga, superacao das desigunldades e democrati2agao de oportunidades, e as que dizem respeito ao reconhecimento de dife- rentes grupos socioculturais se faz cada vez mais estrejta. Quanto a segunda afirmacao, ten que vcr com a relapao entre multiculniralis- mo e interculturalidade. Assuminos a posi¢ao que prop6e urn mul- ticulturalismo aberto e interativo, que acentua a interculturalidade, por considefa-la a mais adequada para a construgao de sociedades democraticas, que articulem politicas de igualdade com politicas de identidade. Urn terceiro eixo articulador do nosso trabalho tern sido, particulamente no que se refere a educacao escolar, a afimapao de que estamos chamados a "reinventar a escola" (CANDAU, 2010). A partir destas afirmap6es, e inportante tamb6m distinguir os di- versos conceitos de educapao intercultural que permeiam os discursos educativos. Catherine Walsh (2009), professora da Universidad Andi- na Simon Bolivar (sede do Equador) e especialista no tema, distingue lresconcep96esprincipalsdeeducapaointercultural.Aprimeiraintitula de nc/acj.o7?4/ e refere-se basicamente ao contacto e intercambio entre culturas e sujeitos socioculturais, entre suas distintas priticas, saberes, valores e tradi¢des. Esta concepeao tende a reduzir as relap6es inter- cultunis ao ambito das relap6es interpessoals e minimiza os conflitos i` a assimetria de poder entre pessoas e grupos pertencentes a culturas diversas. No que diz respeito as outras duas posig6es, tendo como re- t`crencia Fidel TUBINO (2005), fil6sofo peruano, a referida autora a dcscreve e discute a interculturalidade funcional e a on'tica. Parte da ufimapao de que a crescente incorporacao da interculturalidade no dis- ciirso oficial dos estados e organismos intemacionais tern por funda- mentoun.ienfoquequenaoquestionaomodeloscoiopoliticovigentena I11aiorpartedospa{ses,marcadopela16gicaneoliberal.Nestesentido,a il`terculturalidade e assumida como estrategia para favorecer a coes5o Social, assimilando os grupos socioculturais subaltemizados a cultura licgem6nica. Este constitui o interculturalismo que qunlifica de rfuwcJ.a- /ifl/, orientado a diminuir as ireas de tensao e conflito entre os diversos grupos e movimentos sociais que focalizan questdes socioidentitalas, 16 sem afetar a estrutura e as relap6es de poder vigentes. No entanto, co- locar estas relap6es em questao e exatamente o foco da perspectiva da interculturalidade crz'/i.ca. Trata-se de questionar as difereneas e desj- gualdades construidas ao longo da hist6ria entre diferentes grupos so- cioculturais, etnico-racials, de genero, orientae5o sexual, entre outros. Parte-se da afimapao de que a intei.culturaljdade aponta a constn]cao de sociedades que assumam as diferenqas como constitutivas da demo- cracia e sejam capazes de constnrir relap6es novas, verdadeiramente igualitarias entre os diferentes grupos socioculturais, o que sup6e em- poderar aqueles que foram historicamente inferiorizados. Assuminos a perspectiva da interculturalidade cn'tica e consideramos que apresenta indmeras confluencias com o pensamento de Paulo Freire. Retomemos as "perguntas fortes" acima propostas. Podem ser sintetizadas no aprofundamento das relag6es entre educagao critica freiriana e a educa¢ao intercultural cn'tica. Este e o foco da presente publ icacao. Sua autora, a professora Ivanilde Apoluceno de Oliveira, pro- fissional competente, especialista no pensamento de Paulo Freire. comprometida com a praxis que prop6e e, coereritemente com ela, militante de movimentos sociais, mos oferece urn texto analitico, corajoso e provocador que nos permite apreender aproximagao de Paulo Freire a tematica da interculturalidade que, desde as catego- rias fundantes de seu pensamento, incorpora as quest6es referidas as diferengas culturais, a partir particularmente no per]'odo do exilio e do p6s-exilio, em que sua "andarilhagem" pelo mundo lhe ofereceu elementos fundamentajs de reflex5o e agao. Tive o privil6gio de conviver com lvanilde durante o seu p6s- -doutoramento junto ao grupo de pesquisa que coordeno, o GECEC - Gmpo de Estudos sobre Cotidiano, Educagao e Culturas. Sempre me chamou a atencao sua delicadeza, pensamento agudo, capacida- de de colaboragao e de contribulr desde sua experiencia academica e social as reflex6es do grupo. Certamente este livro ten a sua marca e oferece contribuig6es enriquecedoras e originais, tanto para o apro- fundamento no pensamento de Pau]o Freire, quanto na perspectiva do desenvolvimento da educagao intercultural no nosso pai's. Vera Maria Candau PUC-Rio Rio de Janeiro,13 dejulho de 2015 PAULO FREIRE: genese da educaeao intercultural no Brasil 1 7 REFERENCIAS CANDAU, V. M. (org.) jici.#ve"/ar a Esco/a. Petr6polis: Vozes. 2010 (7a ed.) LOPEZ-HURTADO QUIROZ, L. E. Trece claves para entender la Interculturalidsd em la Educacidn Latinoamencana; In: PRATS, E. (coord.) Multiculturalismo y Educaci6n para la Equidad. Ba:rc;eho- na: Octaedro-OEl, 2007 SALINTOS, 8. S. Descolonizar o saber, Reinventar o poder` Monte- videu: Trilce, 2010 TUBINO, F. La interculturalidad critica como proyecto 6tico-poll- tico; Encuentro continental de educadores agustinos, Lima (Peru), 2005 ; Di sponivel em <http: //oala.villanova. edu/congresos/educaci- 6it/lima-ponen-02.html>. WALSH, Catherine lnterculturalidad y (de)colonialidad: Perspecti- vas criticas y politicas XII Congreso da Association pour la Recher- che Interculturelle. Florian6polis: UFSC, Brasil, 2009. INTRODUCAO No Brasil a tematica do multiculturalismo toma-se evidencia- da, nos anos90, principalmente em fun€ao dr politica pluralista cul- tural do ensino fundamental, implantada por meio dos Pafametros Curriculares Nacionais, que direciona a educacao para a diversidade ciiltural e para as diferencas de ethia, genero e classe. 0 multicultu- r.ilismo de base neoliberal, que subsidia a politica pluralista cultural Ilo Brasil, apresenta o discurso da diversidade cultural, focada no curriculo, dimensionando as mudangas educacionais por meio do t`i`esso a conhecimentos sobre a diferenca, nao problematizando as relap6es de poder. Entretanto, 6 preciso considerar que a questao {la diversidade cultural ja estava presente mos movimentos sociais, |irincipalmente mos grupos sociais excluidos por fatores etnicos, como os indigenas e os negros, bern com ja vinha sendo problema- li/.add pelos movimentos de educa9ao popular a opressao social, a iilienacao cultural e a diferen9a de classe. Para Candau (2008a, p. 17): "o debate multicultural na Am6ri- c{i Latina mos coloca diante da nossa pr6pria fomacao historica, da |ii`rgunta sobre como nos construimos socioculturalmente, o que ne- t!L`mos e silenciamos, o que afirmamos, valorizamos e integramos na ciiltura hegem6nica". Por isso, uma das principals quest6es de suas iicsquisas e a genese da interculturalidade na educapao em diversos c`tntextos, entre os quais a America Latina (2002). Na America Latina, e particularmente no Brasil, conforme a i`iitora (2005) ha uma configura¢ao pr6pria em termos da questao li`ulticultural, na medida em que a nossa formap5o hist6rica esta ii`urcada pela eliminacao e negapao do outro (grupos indigenas e til`rodescendentes) pelo processo de escravizagao. Neste sentido, o (lcbate do multiculturalismo esfa demarcado pela presenga desses Huji'itos historicamente oprimidos e excluidos socialmente. Ao estarem os sujeitos oprimidos, marginalizados e discrimi- iiiidos socialmente, no centro do debate, a concepgao de multioultu- I.iilitiiiio que se apresenta como necessaria e viavel e a interculturali- `l`iile, proveniente dos movimentos sociais e das lutas politicas pela i}.,iiLildade e democratizacao social, porque: 20 orienta processos que tern como base o reconhecimento do dj- reito a diferenca e a luta contra todas as formas de discrimina- ¢ao e desigualdade social. Tenta promover relag6es dia]6gicas e igualitarias entre as pessoas e grupos que pertencem a uni- versos culturais djferentes, trabalhando os conflitos inerentes a essa realidade. Nao ignora as rela96es de poder presentes nas rela96es sociais e interpessoais. Reconhece e assume confli- tos, procurando estTat6gias mats adequadas para enfrenta-los (CANDAU, 2005, p. 32). 0 estudo da genese da interculturalidade no Brasil peipassa, desta forma, pela analise do papel dos movimentos sociais na luta etico-poli'tica contra a desigualdade e a exclusao social. A educaeao popular de Paulo Freire faz parte da construgao da genese historica da interculturalidade na educap5o brasileira? A influencia da educa¢ao popular, de base Freireana, na cons- trap5o desta educagao intercultural 6 destaca por autores: coino Candau (2008c, 2002), Fleuri (2003), Walsh (2009), entre outros, e alvo de estudo por Souza (2001 ) e Aratijo (2004), o que evidencia o reconhecimento da importancia do pensamento educacional de Pau- lo Freire para o debate da educagao intercultural. Urn dos pontos de referencia desta contribui€ao e o fato de mos anos 60, os movimentos de educa9ao popular e, especificamente a educa¢ao de Paulo Freire, focar como centro de debate a cultura e o engajamento etico-politico com os segmentos sociais oprjmidos, direcionando as praticas pedag6gicas para o exercicio cr]'tico ds ci- dadania e para a afirmap5o tanto destes atores sociais como sujeitos, como de sua cultura. A educa¢ao popular se dimensjona como pol]'tica e cri'tica de urn sistema opressor e em favor das classes e grupos sociais oprimidos na luta pela democratizacao no campo educacional e social. E com isso ``se descobre como urn campo de rela¢6es so- ciais entre diferentes categorias de agentes. Algo que ten a ver com a produgao de urn "ova saber, no interior de uma outra cu]- tura" (BRANDAO,1984, p.18). Brand5o (2002a, p. 230-31 ) faz a seguinte referencia ao movi- mento de Educacao Popular: F'AULO FREIRE: genese da educagao in(ercultural no Brasil 21 Eram os anos sessenta. Era o come¢o dos amos sessenta. Cos- tunavanos entao usar alguns verbos e alguns adjetivos para tentar entender, entre n6s mesmos, e para traduzir para os ou- tros, quem n6s 6ramos, quem n6s e nosso mundo deverianos ser, o que achavamos que deviamos fazer e o que faziamos de fato. Palavras como cw/fora, arte, edwc¢€do,, po/i'/z`co, saltavam dos seus antigos usos e ora mos pareciam serias demais, pois podiam mover e mudar o mundo, ora migicas demais, pots podiam fazer `isto' atraves dos mais deserdados. [...I Assin, emprestamos ds palavras arre e cli//wra o adjetivo popular e, de algun modo, pretendemos subverter o antigo meigo sentido folcl6rico dado a arte popular e a cultura popular. Pois se trata- va de tomar a realidade cotidiana das criac6ies da vl.da popw/ar sob a forma de suas `express6es de cultura' e devolver ao povo os seus simbolos, os seus ritos, as suas falaLs, as suas crencas, enfim, o seu poder de ap6es sociais de valor politico, revertidos e reinventados de e com outros significados. Freire (1989) refere-se ao movimento de Cultura Popular dos i`nos 60 como aquele que buscava revcrter a ec7"ccJ€Go e rei.#ve#far w L>sco/a, no sentido de superar a educa¢ao conteudista e silencia- (lttra das vozes dos alunos, o analfabetismo, a exclusao, a evasao c.`colar, bern como a visao reducionista de cultura, ou seja, aquela c`)iitida mos livros e museus, representativa da cllasse economica- iii€nte dominante. A educapao popular em Freire se apresenta como apao cultural, ci`lendendo-seaculturacomoaquelainerenteaosmovimentos,praticas i. r¢lac6es sociais humanas. Nesta perspectiva, os saberes e as praticas i'i`lidianas das classes populares se dimensionam como cultura sendo I I.[ihalhados pedagogicamente nas apses educativas populares. Para Freire (1980a) os seres humanos criam cultura na medida uu que se integram as condic5es de seu contexto de vida, proble- i"ilizando, refietindo e agindo sobre elas. Por serem autores de suas i`l.`)duc6es criam cultura. Viver ulna cultura 6 cowvl.vcr c'om e deH/ro de urn tecido de que somos e criamos, ao mesmo tempo, ios fios, o pano, as cores o desenho do bordado e o tecelao. ViveT uma cultura e estabelecer em mim e com os meus outros, a possibilidade do presente. A cultura configura o mapa da pri6pria possibilidade 22 da vida social. Ela nao i a economia e nem o poder em si mesmos, mas o cenario multifacetado e poliss6mico em que uma coisa e a outra s5o posslveis. Ela consiste tanto de va- lores e imaginarios que representam o patrim6nio espiritual de urn povo, quanto das negociac6es cotidianas atrav6s das quais cada urn de n6s e todos n6s tomanlos a vida social possivel e significativa (BRANDAO, 2002b, p. 24). A educa€ao popular freireana destaca a importancia da critici- dade e das praticas e experiencias de vida cotidiana dos sujeitos no processo de transformagao social, que perpassam pela compreens5o da educapao relacionada a fatores sociais, politicos, culturais, hist6- ricos e econ6micos. Prop6e uma educa¢ao que valorize e respeite as diferengas culturais e os saberes e as experiencias de vida dos suj eitos, considerando que : compreender a realidade do opnmido, refletida nas diversas formas de produgao cultural ~ linguagem, arte, mdsica -, Ieva a luna compreensaomelhor da expressao cultural mediante a qual as pessoas expr]meni sua rebeldia contra os dominantes. Essas express6es culturals representam, tamb6m, o n(vel de luta possive] contra a opressao (FREIRE,1990, p. 85). Considerando que Paulo Freire trata em sua educapao sobre as diferencas e as relac6es culturais, 1evanto as seguintes quest6es: Paulo Freire em sua concepgao de educagao popular ao estabele- cer a cultura como centro de referencia da educae5o, relacionando conhecimento, cultura e poder, contribui para a genese hist6r].ca da interculturalidade no Brasil? A Educagao de Paulo Freire pode ser considerada intercultural critica? Como a interculturalidade esfa presente na educacao popular de Paulo Freire? De que forma Pau- lo Freire trata a questao do multiculturalismo/interculturalidade? Quais as influencias do movimento de educacao popular mos anos 60 na construcao de sua proposta de educagao? Objetivo, entao, neste livro, identificar a contribuicao do pen- samento educacional de Paulo Freire para a gchese hist6rica da in- terculturalidade no Brasil, tendo a cultura como foco de analise. E, especificamente: (a) verificar como a interculturalidade apresenta-se na educapao popular de Paulo Freire, analisando como este edu- PAULO FREIRE. 9©nese da educagao intercultural no Brasil 23 c i`dor refere-se ao multiculturalismo/interculturalidade e a quest6es I.clacionadas ao tema, entre as quais, sobre genero, a africanidade, i` diferenea, entre outras; (b) compreender as influencias do movi- i`iento de educagao popular mos anos 60 na construqao da proposta ili. cducacao popular de Paulo Freire; e (c) identificar, por meio de `ciis referenciais politico-pedag6gicos, se a educapao de Paulo Frei- I.c pode ser considerada intercultural critica. A pesquisa realizada foi a bibliografica, com fontes relacio- iii`das ao tema em estudo (RAUEN, 2002), tendo como base a li.ilura de obras de Freire e de autores que tratam sobre educacao r)opular, a interculturalidade, bern como assuntos de interface c(tin o tema em estudo. 0 livro esta estruturado em 03 se¢5es. Na primeira, explico iiiicialmente o surgimento hist6rico da educa¢ao popular no final (l{`s anos 50 e inicio dos anos 60, a contribuigao do Movimento de (`llltura Popular para a educagao de Paulo Freire e os seus apor- 1€`` te6ricos, tendo a cultura como urn dos principais referenciais `lcsta educagao. Em seguida, apresento as bases te6ricas da edu- c{`¢ao intercultural, por meio das abordagens do multiculturalismo, ii* dimens6es epistemol6gicas e 6tico-pol{ticas da interculturaLidade i` i) que consiste a educa¢ao intercultural e seus desafios no con- li}xto brasileiro. Na segunda, analiso como a interculturalidade esta i`i.esente no pensamento educacional de Paulo Freire, fazendo refe- i'C.ncias as categorias fundantes de sua pedagogia do oprimido e as `iticst6es do multiculturalismo, que perpassam pelo debate sobre as `lil...reneas de genero e etnia. Na terceira, explicito como os pressu- |``islos te6rico-metodol6gicos construidos por Paulo Freire se apro- ` ii`iam da educapao intercultural, refletindo sobre a possibilidade de Hcr a sua educacao intercultural critica, conforme as caracteristicas n itrcsentadas por Catherine Walsh. 1 . A EDUCACAO POPULAR DE PAULO FREIRE No Brasil, segundo Brandao (2002a), a trajet6ria histchca da i`ducacao Popular teve 05 momentos: I) Nos fins do seculo XIX e come9o do s6culo XX, surgiram cm bairros operdrios de Sao Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do I+lil. projetos de educapao destinados a operarios adultos e a seus I.lHios, por meio de escolas de trabalhadores, existindo, tamb6m, co- ljgios cat6licos com salas abertas e gratuitas as pessoas pobres e ulguns liceus de ensino phblico. 2) A partir dos anos 20, emergem no pals, movimentos dire- €it)nados a democratizapao do ensino e a cultura laica, por meio tlil luta pela escola pdblica e da quebra da hegemonia confessional ciil`'tlica na educaeao. Momento em que a denomina9ao de educacao iilir)`Llar marca urn sentido ideol6gico e politico. 3) Nos anos 60, a educapao popular teve Paulo Freire urn dos seus iil.il`cipaisidealizadoreseosmovimentosdeculturapopularasprincipais H&C.ncjas de criapao de ideias e de realizap5o de experiincias. Neste pe- i l`idt7, as iniciativas de educagao popular nao se originan de urn fonte M ii:iol inica: o estado ou a scoiedade, e sin de uma frente polissemica de i `+tkes, envolvendo espaaps e instituigdes diversas hao escolares: grthios i.HIlldantis, igrejas cat6licas, sindicatos, movimentos populares e o pr6- i`ii(t.'stado,comonaCampanhaNacionaldeAlfabeti2acao. 4) Nos anos 70 e 80, houve intensa associacao entre a educa- \.l\`t popular e os movimentos populares, continuando a ser Paulo I ''i'i`ire a referencia da educacao popular. Neste pen'odo reacende li `li'hflte sobre as suas ideias, bern como a educacao popular ganha inliii dimensao latino-americana e posteriomente intemacional. Ha uiiili tcndencia de se multiplicar os movimentos e as frentes de algu- Iniiw modalidades de acao popular. Movimentos sociais de genero, de etnia. de cultura, de luta lil.ltiH direitos humanos, de a¢ao comunitalia, de voca¢ao ambienta- llt`lu. ¢m muitos casos se reconhecem como incorporando, de algum in`i`ltt, o espirito originario e o ideario das praticas atuais da educa- \-1``. rli)pular ®.151). 26 A16m disso, praticas de educag5o de jovens e adultos na perspectiva da educacao popular continuam sendo realizadas por todo o Brasil, sendo mantido o ideario fundador dos anos 60 da educagao popular. (5) A partir dos anos 80, houve uma tendencia de escolari- zacao popular por meio de projetos govemamentais, com uma proposta de politica de educaeao publica democratica e popular assumida por determinados govemos municipais. Com base nessa trajet6ria hist6rica apresentada por Bran- dao, aprofundarei o debate sobre a educacao popular no terceiro momento, apresentando a genese da educacao popular de Paulo Freire, destacando a contrjbuigao do Movimento de Cultura Po- pular e os aportes te6ricos, tendo a cultura como eixo referencial desta educacao. I.1. A educa¢ao popular no final dos anos 50 e inicio dos anos 60 I.1.1. 0 surgimento da educa9ao popular A educagao popular emerge, no final dos anos 50 e inicio dos anos 60, inserida mum contexto histdrico de contradic6es de classes e de resistencias populares contra a opressao e a alienagao de uma cultura dominante sobre a cultura popular, ben coino por meio de lutas pela democratiza9ao do ensino pdblico. As contradic6es de classe expressam o contexto politico, que, conforme Scocuglia ( 1997), em termo macroestrutural, constituia- -se, por urn lado, pelo outro, pelo populismo progres§ista,demarcado o primeiro, pelo e_!:: `) militar em abril de 1964. Freire (1989), em dialogo com Adriano Nogueira, explica que a educacao popular surge em fungao de diversas raz6es, entre as quais: PAULO FREIRE: I idneso da educa9ao lntercultural no Brasll 27 al) A i;orma de fazer politico de alguns grupos e movimentos /jii/jw/ares viabilizou a compreensao da educacao pelos movimen- l`ts de classes populares relacionada a transformagao da sociedade. Havia uma relacao muito estreita entre educacao e transfor- macao da sociedade. Portanto, haveria urn tipo de educa¢5o nao apenas para transformar as pessoas... mas haveria edu- cacao que refletisse com as pessoas a transforma9ao do pals inteiro (FREIRE,1989, p.17). b) 0 movimento migrat6rio face a induslrializa€ao urba- i/ti.com expulsao de pessoas do campo, levou os movimentos it`triiilares a debaterem essa questao, ben como a preocupagao `.iMi` a educacao de jovens e adultos para educar as massas de illligrantes para se integrarem ao progresso do pats. Neste senti- ilit` {} debate e as praticas de educagao de jovens e adultos estao I'`iltl€ionados a educacao popular. c) A insuficiencia das escolas para a alendirnertto das classes |In|IIIlures e a critica a escola e a educacao bancdria' ca;"sa;dora, dzL i` viltlilo e expulsao escolar de segmentos da classe popular, provocou • i `lcl)ate sobre nova forma de fazer a escola. Segundo Brandao (2002a), a critica era de que a educacao li```t ci.a neutra e servia aos interesses da classe dominante em `l`ii`I`) sentido: na selecao social de seus incluidos e excluidos, iiHu si` dava de modo desigual, e na escolha dos conteddos do t`ii`ii`o, com o objetivo de manter o ideario e a 16gica de pensar `IIi Hi*Iema capitalista. A escola era criticada por nao ser democrdtica e nao estar in- li`tii.iidl` aos espa¢os culturais e tempo historico de sua sociedade. Como [„.I aprender a discutir e a debater numa escola que nao mos habitua a discutir, porque imp6e? Ditamos ideias. Nao tro- camos ideias. Discursamos aulas. N5o debatemos ou discuti- mos temas. Trabalhamos sobre o educando. Nao trabalhamos com ele. Impomos-The uma ordem a que ele nao se ajusta con- cordante ou discordante, mas se acomoda. Nao the ensinamos Froiro (1983, p. 66 e 67) donomlna de educa9ao bancaria a que se toma Lum ato de deposltar, •m qua os educandos sao deposi!anos e o educador a depositante I...I 6 o ato de depositar, de lran8for]r, de transfenr valores e cor`hecinientos. I 28 a pensar, porque recebendo as formulas que lhe damos, sin- plesmente as "gunrdas". Nao as incorpora, porque a incorpora- gao 6 o resultado da busca de algo, que exige, de quem o tenta, esforco de I.ealiza9ao e de procura. Exige reinvengao [...] Insis- timos entao na necessidade que tern o nosso tempo em ritmo acelerado de mudan¢as de ter, em nossas escolas, nao apenas centros de alfabetiza¢ao [...], mas centros onde formem habi- tos de solidar]edade e de participag5o. Habjtos de investigacao. Disposig6es mentais crl'ticas. ¢REIRE, 2001 b, p. 90-9] ). As criticas a escola e ao seu processo de alienagao, na visao de Freire (1989) incorporavam a resistencia da cultura popular con- tra a educagao institucional vigente, mas se pensava usar o espago da escola, por meio de uma educagao que deveria ser democratica, inclusiva e comprometida politicamente com as classes populares. Buscava-se criar formas de educa¢ao que nao fossem domesti- cadoras da cultura popular. Tentava-se reiventar a escola: nao haveria alunos silenciados, nem haveria gestos sufocados, nem haveria pessoas excluidas. Em resumo, nao haveria pessoas analfabetizadas pela evasfro escolar (FREIRE, 1989, p. 60). Nesta nova forma de fazier a escola, a educapao nfro seria depo- sitala nem acinulo de conhecimentos. Freire (1995, p. 120) refuta a ideia de que "o conhecimento se transfira ou se transmita de urn sujeito a outro que, no caso, recebeha passivamente o "presente" que lhe foi feito". Para ele, "conhecimento se cria, se inventa, reiventa. se aprende. Conhecimento se faz. 0 aluno conhece na medida em que, aprendendo a compreens5o profunda do contetldo ensinado, o aprende. Aprender o conterido passa pela previa apreensao do mesmo". A escola, na perspectiva freireana, necessitaria de un estudo que envolvesse a participapfro e a criatividade dos educadores e educandos, pressupondo nao apenas o acesso das classes populares a escola, mas tambem a sua participapao efetiva na vida cotidiana esco]ar. A educagao popular nao e uma atividade pedag6gica p¢ra, mas urn trabalho coletivo em si mesmo` ou seja, 6 o momento em que a vjvencia do saber compar/I.do cTia a experiencia do poder compartilhado (BRA:INDAO.1984, p. 72). r'^uio FREIRE: I i^no9o da educa¢o intercultural no Brasll 29 A educacao popular, nesta perspectiva, 6 a que "o povo cria," t`iii contraposi¢ao a educaqao que e direcionada "para o povo", o `iuc il`iplica na exigencia de uma participaeao efetiva das classes i``)i`ulares no processo educacional. Para Brandao (1984, p. 69): uni movimento revolucionario de educadores surgia contra a educapao institucionalizada e constituida oficialmente, seja como sistema escolar seriado, seja como educagao nao for- mal de adultos. Emergia como proi)osta de re-escrever a pratica pedag6gica do ato de ensinar-e-aprender, e surgia para repensar o sentido politico do lugar da educa¢ao. A educacao popular surge como critica a educaeao institucio- iii`li/iida oficial e com propostas de mudan9as na escola, mas 6 por I ii`iiu dos movimentos populares que se efetiva em espagos nao es- i'i.h`ri`s. Por meio da educapao de jovens e adultos visava-se urn tra- 1tnllweducativoqueseiniciavanac„//#J'c]papa!/or,visando"inovar • .ti i`iui`inhos de acesso ao conhecimento das ciencias e tecnicas nao iniiiiilures.Essecaminhodeinovapaobuscavatransformaraescola" | li'l`lI:IRE,1989, p. 61). I}randao (2002b) explica que ou//"rapapw/ar e uma ideia-chave I H in i``t`vimentos de educapao popular dos anos 60. 0 termo e transfor- niil`Iu dc irma categoria neutra para ideol6gica e politica, ben como a win c`mcepcao, de sin6nimo de folclore transforma-se "na proposta de ` I liiiil`) de uma cw//2#.a pop"/ar", em que se "identifica o trabalho poli- 1ln.`li'conscientizapaoeorganizapaomilitantedostrabalhadoresrurais uiii'lii`i`os,apartirdacriticadeumacw/rfurapopr/arimpostaedeinten- \1`` i it`)I(tica de uma c'w/"rapapci/ar libertadora a construir" ®. 33-34). ('ultura popular compreendida como "expressao cultural que, Mn r)rop6sito de obter informa¢6es sociais e simb6licas, preserva, I \.i.iiii¢ra e incorpora elementos cujo conteddo 6 essencialmente po- i`iiliii.. I`itrtalecendo a consciencia de classe e a orgahizapao popular" 1111 i`Nl`lQUES; TORRES, 2009, p.129). I lrandao (2002b) chama atengao para o fato de que a ideia de cut- `m H viii ser repensada pelos movimentos de educaeao popular associa- iln n N`ii` 6tica, a politica e a urn "projcto de humaniza¢ao". Neste senti- i li .` `.`ill`im nao 6 vista apenas como produto do trabalho do ser humano Hi il`i i` !` iiature2a, mas relacionada ao trabalho, a hisforia e a dial6tica. 30 rraha/too,comomodohumanodeapaoconscientesobreomundo; /7isJc;rid, campo de realizacao e produto do trabalho do holnem: dfo/Gfroa, como a qualidade constitutiva das relapses entre ho- mem e a natureza e dos homens entre si, atrav6s de cujo movimen- to o ser humano crdr a cultura e/cz a hist6ria (p. 38). Aculfura,pormeiodosmovimentosdeeduca95opopular,pas- sa a ser alvo de criticas quando nega a afirmagao do ser humano no processo hist6rico de sun construgao e toma-se alienante. Alienacao cultural que se efetiva em rela96es de desigualdades e de poder. Conforme Brandao (2002b, p. 45). os movimentos dos anos 60"reconhecent`n?edwcafo~obrasJ.fejrq`_up±ng_£±±±ngauliena±apro- dutora de sucessivas estnituras sociais de dominacag_e tradut6ra de sequentes esquemas simb6]icos de valore`s| cipios de relag6es sob c6htrole de grupos e classes dominan-tes". :e:::::T'c:I:gao:ra':"::`?ueri+i:'g;¥zJ..i;9d¥=eg£°:=bersai:±:_Sg: mos". Assim, para este autor, o que o ivlovimento de Cu]tura Popular trouxe de novo foi fazer uma critica hist6rica a cultura, como ponto de partida, e propor urn "trabalho coletivo como hist6ria atraves da cultura". Por meio da cultura 5 feito urn "trabalho politico de recria- -Ia com o povo, para conscjentiza-lo atrav5s dela" (Ibidem, p. 47). Freire (1989, p. 62), tal como Brandao, destaca que mos anos 60, "a educac5opopular nascia nao apenas da cultura dos livros ou de museus; ela nascia da cultura que os movimentos populares usam e criam em suas lutas". c_oji±ecimentos e prim- 1.1.2. Saberes da cultura popular Paulo Frejre chama atencao para o processo educativo prove- niente das lutas dos movimentos populares, que se pauta mos saberes vivenciados na pratica social. Saberes que s5o culturais e envolvem o corpo inteiro, ou seja, a consciencia e o corpo, a razao e a sensi- bilidade. Saberes da cultura popular expressos pe]a oralidade, pelo corpo2, pelo olhar, pelos gestos. AnaMariaFreire(2006,p.225)explicaquePauloFreirecomeoouafalarsobreocorpo,aloma-lo como categoria de analise de sua epistemologia a partir das suas idas a Africa". FIAULO FF`EIRE. \ ionose da educa9ao intercultural no Brasil 31 \vej a que a mao humana e tremendamente cultural. ELa 6 faze- !°:a;oe',ad:as[::S,'ba'':daaode;ee::aeev`a:[eb,:'a]daEd:iafi:9:°efin¥ag:°npe°ssstea; dovimentos pelos quais o corpo humano vira corpo consciente. coxpo se transfoma em corpo perceptor. E ele descreve, ele Iota que, em sun transformapao, a vida social esta mudando \};:bde::|gcr:E¢°6geoe;odnT:::S::-:-:tj#r:eas'v:£d[:.:]an6nchoflxpd: ¢xpressa sLias descobertas, esse corpo se agrvpa em urn grupo ass exp6e em movinentos sociais Q]REIRE,1989, p. 34-35). Nesta perspectiva, Freire nao dicotomiza o coxpo e o pensa- nii`iilo. compreendendo o ser humano em sua inteireza. Afirma: "sou illnil inteireza e nao uma dicotomia. Nao tenho uma parte esquemi- l li`ii. iiieticulosa, racionalista e outra desarticuLada, imprecisa, que- i \`Hil`) simplesmente ben ao mundo. Conheco com meu corpo todo, t`i`iitiiiiilntos, paixao. Razao tambem" (FREIRE, 2001c, p.18). Nas praticas sociais, a luta popular de resistencia na busca das i`. ilu+`1cs das necessidades basicas, vividas no cotidiano, engendra lilli \i{iber e urn fazer popular, que sao culturais e que se constituem iii i Niir)orte te6rico da educacao popular. Para Brandao (1984, p. 73): a educacao popular 6 uma entre outras praticas sociais cuja especificidade e lidar com o saber, com o co##ec!.me#/a. Com relac6es de intercambio de saberes entre educadores eruditos e sujeitos populares, nao atrav6s do "saber em si", mas atraves da pratica de classe que o toma, finalmente, mais do que urn sclber 7?ecessdrl.a, aquilo a que pode ser dado o none de urn Saber orgGHi.co. N(}s anos 60, por parte dos intelectuais e dos movimentos po- iiul«i.i.I, liavia uma critica as condi96es sociais de produ¢ao cultural ``ili viHC`i`cia, por reproduzir a cultura da classe dominante, e a va- liit l/iiiil() a o desenvolvimento de experiencias da cultura popular. " Ill.MliMi-`se de ir as fontes populares, no campo ou na cidade e, des- ilo "Ill i". {t partir de urn "saber do povo" em direg5o a criacao cultu- iill `1`` iill` `.saber de classe" (BRANDAO, 2002a, p.146). Destaca, iilnllll. i`xtc aiLtor qile: 32 pelaprimeiravezsurgeapl.opostadeumaeduca¢aoqueepo- p"/arnaoporqueoseuti.atialhosedirigeaoperaliosecampo- nesesexcluidospremafuramentedaescolaseriada,masporque o que ela "ensina" vincula-se organjcamente com a possibili- dade de cnagao de un saber popular, atraves da conquista de uma educagao de classe, instrmento de unia nova hegemonla. (BRANDAO,1984, p. 70). A educa¢5o popular, entao, traz para debate a questao epis- temo]6gica da legitimagao social do saber popular, que historica- mente, pelo seu corte de classe, genero e etnia, e desvalorizado em detrimento do saber cientffico. Para Chaul' (1990) o saber cientl'fico se reveste de urn cara- ter opressor na sociedade modema, constituindo-se esse saber em elemento de diferenciagao de classe social. A cultura dominante se apresenta como "saber de si e do real" e a cultura dominada como "n5o-saber". E isso se constitui em uma: forma nova e sutil de reafirmar que a barbarie se encontra ?o povo na `dimensao da `incultura' e da `ignorancja',imagempreciosa`-.pTaEaThThi5iilfaare--s-ob deu-miaa`O-,-i=_a±;u_u-.nvi+~eur=':i:i::-;:I:d:?sDab:io-`d%p:I:¥ tralidade e disfaTca set-I -carater opressor; de `ignorancia' do povo serve para justificar a nece dede de dillgi-lo do alto e, sobretudo. para identificar a possl'vel consciencia da dominagao com o irracional, visto que lutar contra ela seria lutar contra a verdade (o racional) fomecida pelo conhecimento (CHAui, I 990, p. 5] ). 0 saber cientffico apresenta-se como rigoroso e sistematico. es- tando vinculado ao processo de escolarizapao, e o saber popular, vin- cu]ado ao senso comum e a `tradigao oral", constitui-se na expressao doserhunanodaquiloqueevividoconcrctamente,oseufazer,assuas ac6espraticaseexperienciascotidianas.ParaBrandao(1984,p.25): o que diferencia os dais saberes 6 que o saber `endito' tomou- -se uma forma pr6prla, centralizada e legitima de conlieci- mento associado a diferentes instancias de poder, enquanto o `popular', restou difuso, nao centi.alizado em unia agchcia de especialistas ou em urn polo separado de poder, no interior da vjda subaltema da socjedade, outro lado. a PAULO FREIRE: 1 ]Oiiese da edqca¢o intercultural no Brasjl 33 A educa¢ao popular, desta forma, evidencia o carater apiste- iii`ildgico do saber popular. Martinic (1994) refere-se a sabedoria ittt|iiilar como urn saber que transcende o acontecer pratico do sujei- l`i, ..ttlistituindo nun processo de elaboracao que envolve abstragao r I.`cileralidade. i urn saber que tern urn carater organico porque: foma parte de los procesos de formaci6n de identidades colectivas y es el producto de la elaboraci6n critica que los hombres tienen de su propia visi6n del mundo [...I Este conocimiento no solo tiene rna estructunci6n 16gica, sino que responde a un sistema global de comprensi6n, donde lo que se sabe sobre rna cosa o fen6meno se relaciona y compara con otros. integrando tales hechos en un sistema cognoscitivo mss amplio (MARTINIC, 1994. p. 72 e 76). Ncsta perspectiva, a legitinidade do saber popular esfa na sun iii `'.I)I.ii` racionalidade, por apresentar uma estrutura prdpria, apre- t\``iilniidt) uma sistemathaeao fundamentade "en met6dicos sistemas ili` ji`tliigaci6n". mas que expressa a realidade institucionalizada I",I" tt ,.,, po social. I..I.eire e Faundez ( 1985a, p. 57) estabelecem rna relagao dia- l``lli.ii i`illl.i` o saber cientifico e o saber do senso comum e conside- iinn n `iiiiao entre os saberes como fundamental para a luta politica nu i'il`Icii¢ao. A posi¢ao de Freire (1985a, p. 59) 6 a de "nem ser i`llll.ilii I`ci`` basista", mas a ds "comunhao entre o senso comun e a I lp.ui nHitli`de", considerando que: .`toda rigorosidrde conheceu urn nn ii`ii`iil`t dc iiigenuidade e nao ha nenhuma rigorosidade que esteja •`-liil`l I i;tidi`". Haveria, entao, urn processo hist6rico e permanente `1`` viiiii.I.iitilo do saber: "o que 6 absolutamente rigoroso hoje, pode |i\ iir`.. *i`r {imanha. e vice-versa". I 'i'i`iri` ( 1989. p. 19-20) define a educapao popular .`como o es- liii ` u Ill. i``itbilizacao, organizacao e capacitagao das classes popu- lui i'.i. `.iii`iiuitu+`ao cientifica e tecnica", sendo necessaria a organiza- ` nu iuii`ulllr nor meio de un "saber que 6 sistematizado ao interior il`i iwi I "iiil`cr-l`azer" proximo aos grupos populares'., para o exerci'- ` li . I ln |`u`Icr, para t`azer a escola de outro jeito. Compreende que: o conhecimento mais sistematizado 6 indispensavel a luta po- pular e ele vai facilitar os programas de atuar [„.] mas esse conhecimento deve percorrer os caminhos da pritica. Esse per- curso, ele 6 imediato, o conhecimento "se di" a reflexaoatraves dos corpos humanos que estao resistindo e lutando, estao (por- tanto) aprendendo e tendo esperan9a (FREIRE,1989, p. 25). Destaca, ent5o, a necessidade da interagao entre os saberes na luta politica da educac5o popular. Para ele, urn dos temas fundamen- tais e atuais da etnociencia 6 o de: cono evitar a dicotomia entre esses saberes, o popular e o eiudito ou o de como compreender e experimentar a dialedca entre o que Snyders chama `cultun primeira' e `cultura elaborads"' e que, "o respeito a esses saberes se insere no horizonte maior em que eles se geram - o horizonte do contexto cultural, que nao pode ser entendido fora do sou corte de c]asse [...] 0 respeito, entao, ao saber popular implica necessariamente o respeito ao contexto cultunl (FREIRE,1993a, p. 86). Assim, a relacao entre os saberes est& dimensionada na educa- gao popular no campo politico e cultural. Respeitar os saberes dos educandos significa respeitar a sua foma de expressar, a sua lin- guagem, os saberes culturais apreendidos em suas praticas sociais, como os da religiosidade, da sailde, enfim, respeitar a sua cu]tura. E o respeito as culturas pressup6e o dialogo, ou seja, a relagao dial6- gica entre as mesmas. Freire (1993c, p. 99) questiona o fato da linguagem das crianeas das classes populares nao serem reapeitadas na escola, sendo conside- rado apenas o padrao culto de lingua porfuguesa do Brasi]. Considera a necessidade de compreender-se que a linguagem envolve quest6es ideoldgicas e de poder. "Se ha urn "padrao culto" e porque ha outro considerado inculto. Quem perfilou o inoulto como tal?" 0 que tenho dito e por que me bato e que se ensine aos meni- mos e meninas populares o padrao culto, mas, ao faze-lo, que se ressa]te : a) que sua linguagem i tao nca e tao bonita quanto a dos que falam o padrao culto, raz5o por que nao ten que se envergo- nhar de como falam. PAULO FREIRE; iione§e da educacao intercultural no Brasil 35 b) que mesmo assim e fundamental que aprendam a sintaxe e a pros6dia dominantes para: I ) diminunm as desvantagens na luta pela vida; 2) ganhem urn instrunento fundamental para a briga necessalia contra as injusticas e as discriminag6es de que sao alvo (FREI- RE,1993c, p. 99 -100). A referchcia da educagao popular em Paulo Freire 6 a acao cultu- i'`il. i`ntendendo a cultura vinculada aos movimentos e relac6es sociais. Ni'.`Ie sentido, a cultura n5o 6 apenas a erudita, mas tambem a popular. ( '` iltui.a "seria o que da sentido nas relap6es humanas" (FREIRE, 1989, it. (` I ); "e tudo que o [ser humano] cria e recria" (1981, p. 56). Todos os produtos que resultam da atividade do homem [ e das mulheres], todo o conjunto de suas obras, materiais ou espirituais, por serem produtos humanos que se desprendem do homem [e das mu]heres], voltam-se para ele [ela] e o [a] marcam, impondo-lhe formas de ser e de se comportar tan- b6m culturais. Sob este aspecto, evidentemente, a maneira de andar, de falar, de cumprimentar, de se vestir. os gestos sao culturais. Cultural tambem e a visao que ten ou estao tendo os homens [e as mulheres] da sua pr6pria cultura, da sua realidade (FREIRE,1981, p. 57). Nesta perspectiva, a cultura e inerente ao existir humano e ln/ i`iirte do seu processo hist6rico de humaniza9ao, ou seja, o il``i. humano ao criar cultura faz a si mesmo e a sua hist6ria, na n i`.ilidi` em que e urn ser em permanente tomar-se e fazer-se. Para I lI'iiii(lilo (2002b, p. 22): n6s somos aquilo que mos fizemos e fazemos ser. Somos o que criamos para efemeramente nos perpetuarmos e transformar- mos a cada instante. Tudo aquilo que criamos a partir do que mos 6 dado, quando tomamos as coisas da natureza e as recria- mos como os objetos e os utensilios da vida social rapresen- ta uma das multiplas dimens6es daquilo que, em uma outra, chamamos de: cw//wra. 0 que fazemos quando inventamos os inundos em que vivemos: a familia, o parentesco, o poder do estado, a religiao, a arte, a educagao e a ciencia, pode ser pen- sado e vjvido em uma outra dimens5o. 36 Na vjsao deste autor, a cultura faz parte do processo de criacao de mundos. Em sua relagao com a natureza o ser humano cria for- mas de ser e de viver diferentes, constituindo-se a experiencia social da cu]tura "todo o complexo e diferenciado aparato de ordenagao da prdpria vida social" (BRANDAO, 2002b, p. 24). Ao transformar a natureza dando-lhe significado, homens e mulheres fazem-se no mundo como seres culturais. Assim, no debate sobre a transformagao da escola, a mudanga perpassa pelo jeito de entender a cultura e a realidade social e por modifica€6es no ambiente escolar. A escola democratica nao apenas deve estar permanentemeiite aberta a realidade contextual de seus alunos, para melhor com- preende-los, para melhor exercer a sua pfatica docente, mas tambem disposta a aprender em suas relag6es com o contexto concreto (FREIRE,1993c, p.loo). Os movimentos populares ao correlacionarem educap5o e trams- formagao, possibilitaram a ainpliapao do entendimento sobre cultura. Educagao popular, cultura e mudan¢a social andam juntas, com o ob- jetivo de transformar pessoas, as priticas de educar e a sociedade. Esta compreensao dr relapao da educapao com a mudenca social perpassa al6m do conceito de cultura, pelo conceito de hist6ria. 0 ser humano e "criador da cultura" e "fazedor da hist6ria" (FREIRE, 1980a). A hist6ria em Freire (2000, p. 120) e possibi]idade e o futuro problematizado, isto significa que nao ha uma determinagao hist6- rica nem urn futuro inexoravel. 0 ser humano, face a sua conscien- cia de inacabamento, intervem no mu]ido, "faz a hist6ria em que socialmente se faz e se refaz". Por isso, "a razao de ser da vida esta se dando. E nao esfa dada, nem terminada" (FREIRE,1989, p. 43). A educapao popular, neste sentido, surge do movimento de conquistar e inovar tanto o espaco escolar quanto os nao escolares, ja que os movimentos populares tamb6m Cram vistos como educati- vos, na perspectiva da transformae5o social. Mas e importante considerar que ha niveis de educapao popular, que s5o estabelecidos em fungao das caracten'sticas de suas lutas: as ongo77jzc7c/ds, sindicais, partidirias ou regionais e as co/I.dzcwas, envol- vendo as lutas dialias pela agua, moradia, entre outras, cuja forma de ensinar e a aprender ten como base a sobrevivencia (FREIRE, 1989). 1 '^ULO FREIRE: I i^i iugo da educacao intercultural no Brasil 37 1.2. A Experiencia Educacional de Paulo Freire no Movimento de Cultura Popular Para Scocuglia (1997) o final dos anos 50 e inicio dos anos 60 `'. urn periodo hist6rico fertil de propostas inovadoras em relag5o a I``lui.i`¢ao e, especificamente a educacao de jovens e adultos, pelos ililivimentos de cultura e de educa¢ao popular. () autor (1997) destaca entre esses movimentos de educacao iinitHlur: os de jteci/e: Movimento de Cultura Popular (MCP); Ser- v i`.n {lc Extensao Cultural da Universidade do Recife (SEC); Uniao `li" I '`,studantes de Pemambuco e Diret6rio Central dos Estudantes ili` I )i`iversidade do Recife; o de Joao Pessoa/Para!'b¢: Campanha i 1`` I .Mlca¢ao Popular da Paraiba (CEPLAR); o de Ira/a//Ri.a Grc}wde /„ Mti'/i.: Campanha "De p5 no chao tamb6m se aprende a ler"; ^llHic`ts -do Govemo do Rio Grande do Norte; em Osclb`co -Sa~o /'iiii/ii` em Bras!'/I.¢: Plano Nacional de Alfabetizapao (PNA-MEC) i` ,`'i ./.,ir/./Jt./R/.a de Ja#cl.ro: Projeto Nordeste e projeto Sul financiados it``lu l'N A-MEC. Mas essas mtiltiplas forgas politicas de setores me- `llm u ii()pulares incluindo Paulo Freire, que teve sob seu comando uni itliii`o de alfabetizagao deadultos em todo o Brasil, foram repri- iHI`Iiiw iielo golpe de 1964. I ii`tre essas experiencias, analisarei a do Movimento de Cultu- I n I'ni)`ikir de Recife, que Paulo Freire menciona em suas produ¢6es ii iin `iiii`l leve uma participapao efetiva, por meio da educacao de |i i\ i`IIN c i`duLtos. Ii`i..lil.e (1985b), em dialogo com Frei Betto e depoimento ao i`'i`i.u lci. Ricardo Kotscho, explica que a genese de sua proposta de ``ilni.il`.il`t de jovens e adultos, nao nasce com a Pet/agogz.4 do Opr!.- i.i/i/... i`,`crito em sua fase de exilio, e sin na experiencia de cam- |`.i. Hit iiiii.endizado mos circulos de pais e professores no SEsl de l'w "ii````uco, quando coordenou o projeto de educapao de jovens e illlull`ii. c, Iios anos 60, no Movimento de Cultura Popular.3 ( ) M(}vimento de Cultura Popular criado em Recife, em 13 de iiii.lu Ill. 11)60, tinha como objetivo: "conscientizar as massas atTaves `lii wl li`l`cli/.acao e educa¢ao de base [...] e incorporar a sociedade os iiillliMi.i`H tlc proletarios e marginais do Recife" (GOES,1991, p. 51). • rr.lr. ( 1985b) partlcipava de urn grupo de intelectuds e arfstas, sob a lidenma de Germane coetho dd. oriipe, a convite do prefetto do Redie Mlguel Amaes, onou o Movbento de Cultura Popular 38 Os objetivos do Movimento de Cultura Popular conforme es- tabelecidos em seus estatutos sao: I -promover e incentivar, com a ajuda de particulares e dos poderes ptlblicos, a educacao de criancas e adultos; 2 - aten- der ao objetivo fundamental da educagao que € desenvolver plenamente todas as virtualidades do ser humano, atraves da educa¢ao integral de base comunitaria, que assegure, tambem, de acordo com a Constituigao, o ensino religioso facultativo; 3 - proporcionar a eleva¢ao do n]'vel cultural do povo preparando-o para a vida e para o trabalho; 4 - co- laborar para a melhorja do nivel material do povo atrav6s de educagao especializada; 5 - formar quadros destinados a interpretar, sistematizar e transmitir os multiplos aspectos da cultura popular (ANA MARIA FREIRE, 2006, p. 129). 0 Movimento de Cultura Popular propunha-se por meio de seus objetivos promover a educacao para todos, criancas e adultos, numa perspectiva de formapao integral, cuja base seria a prdpria comunidade e a cultura popular. Para G6es (1991), o Movimento diversificou seu campo de agao e incorporou novos tipos de contatos com a massa por meio de ndcleos de cultura popular, alfabetizacao e educa¢ao de base, teatro, esportes, artes plasticas, entre outras, visando "sintetizar na mesma unidade o esforgo do movimento popular com o es for?o do movi- mento de cultura popular" a. 5 I ); modos de acao que transcendem a mera doag5o de bens culturais produzidos intemamente pelo mo- vimento e oferecidos a comunidade como ato de consumo, por meio do assessoramento e o incentivo a producao de cultura desenvolvida pelos ndc]eos de cultura das organizag6es populares. Conforme depoimento de Paulo Rosas no Memorial do Movi- mento de Cultura Popular: o projeto do MCP foi rapidamente dinamizado. De 1960 a 1962, contou entre suas realiza96es com 201 escolas, 626 tur- mas, 19.646 alunos, crian9as, adolescentes e adul(os; uma rede de escolas radiofonicas: urn centro de artes plast\cas e artesa- nato; 452 professores e 174 monitores, ministrando o ensino correspondente ao primeiro grau, supletivo, educa¢ao de base e educagao arti'stica; uma escola para motoristas mecanicos, I '^ULO FFiEIRE. |inno86 da educa¢o intercultural no Brasil 39 cinco pragas de cultura que levavam ao povo bibliotecas, te- atro, cinema, telecLube, mdsica, orientapao pedeg6gica, jogos infantis, educap5o fisica; Centro de Cultura Dom Olegarinha, no Po¢o da Panela, em colaborac5o com a Par6quia de Casa Forte; circulos de cultura, galeria de arte e conjunto teatral (apud ANA MARIA FREIRE, 2006, P. 131 ). Explica Ana Maria Freire (2006) que ap6s a extincao do Movi- i I i`.Ii`i) de Cultura Popular pelo govemo militar, essa rede diversifi- I .ii` hi tlc ensino construida deu origem a rede ch Secretaria Municipal iln lti.cit`e. Essa autora e G6es (1991) destacam que o Movimento `l`i ( `iiltura Popular cresce com o trabalho pedag6gico realizado por l'iull`) T``ri`ire com jovens e adultos, cuja metodologia foi gestada no • '``Hli'`i de Cultura deste Movimento. I ,2.I. Metodologia Freireana: g6nese has reflex6es sobre a prftica Dos circulos de cultura ( ) Movimento de Cultura Popular foi importante para a elabo- i il\.I`n `l(I proposta metodol6gica de alfabetiza¢ao de adultos de Pau- ll i I I I i`ii.c, pela eficacia do trabalho, no interesse por ele despertado, iiii viviicidade nas discuss6es e na curiosidede critica, na capacidade iiii`. uw gI.iipos populares revelaram conhecer, bern como, por refletir •i il`i`i. `).` ¢rros e repetir os acertos metodol6gicos de suas experi6n- I Ink `lu I+E:S[. Conforme sua faLa, o que fez foi "aprofundar e com- iiiti``iiili`i. iiiclhor a luz das praticas em que me envolvi e da reflexao I.ii\i l`.ii 11 i|lie sempre me entreguei" (FREIRE, 2003b, p.162). Preocupado na pratica educativa informal, com o autoritaris- iiio e o mecanicismo da esco/a /rczdi'cz.o»a/, pensei na cria¢ao de jnstituicao aberta, viva, curiosa [...] foor meio de] pralicas tlcmocraticas em que o processo de conhecimento era vivido dinlogicamente, desde a pr6pria escolha dos ody.e/os cog7?asc]'- `i(i/.,`. em que, por isso mesmo, co#¢ecer nao era receder co"4e- t`//tltjii/a mas produzi-lo (FREIRE, 2003b, p. 160). 40 Neste Movimento, Paulo Freire coordenou os denominados "Centros de Cultura" e "Circulos de Cultura". Os primeiros Cram espa9os amplos que abrigavam em si cl'r- culos de cu]tura, bibliotecas populareso representa¢6es teatrais, atividades recreativas e esportivas. Os circulos de cultura eram espagos em que dialogicamente se ensinava e se aprendia. Em que se conhecia em lugar de se fazer transferencia de conhecj- mento. Em que se produzia conhecimento em lugar de justapo- si9ao ou da superposigao de conhecimento feitas pelo educador a ou sobre o educando. Em que se construiam novas hip6teses de lejtura do mundo (FREIRE, 2003b. p. 161 ). Freire (1985b, p.14) explica que o circulo de cultura foi rna experiencia iniciada em Recife, que funcionava entre dois e tres dias semanais e em que se "trabalhava com duas, tres ou ate vinte pesso- as". Define o Circulo de Culfura como uma: instituigao de educa¢ao popular, que funciona com tecnicos de educa¢ao informal, auxiliado por recursos audiovisunis. Seu carater dinamjco esta em correspondencia nao s6 com os obje- tivos de urn programa de promo¢ao e organiza9ao de comuni- dades rurais, senao tambem com a tomada de consciencia que estas comunidades tern lido de seus problemas, ainda que em termos ingenuos [...] 5 uma instiwhc5o dinamica, com ra]'zes na realidede local, regional e nacional. Por isso, sua programagao deve atender is necessidades e esperangas desses grupos. Uma peculiaridade do Circulo de Cultura e seu nascinento. Ele sun- ge da base. Jamais deve ser imposto de cima para baixo ffREI- RE.1968 apud TRIVINOS; ANDREOLA, 2001, p. I 33 -134). Os Circulos de cultura sao "centros em que o povo discute os seus problemas, mas tamb6m em que se organizam e planificam aq6es concretas, de interesse coletivo", existindo uma relacao di- namica entre os ci'rculos de cultura e a pratica transformadora da realidade (FREIRE,1985c, p.141). Henriques e Torres (2009, p. 116) compreendem o Ci'rculo de cultura como: PAULO FREIRE: I iolie§e da educacao intercultural no Brasil41 o espa9o de a¢ao educativa em que os participantes est5o envolvidos em urn processo comum de ensino e aprendiza- gem, com liberdade de fazer uso da palavra (se expressar), intervir, estabelecer relag6es horizontais, vivenciar ac6es coletivas em comum, re-signjficar suas praticas e concep- c6es, reler o mundo em que estao inseridos; isso mediados pelo dialogo, mum processo reflexivo. Os circulos de cultura expressam na pfatica da educagao de jo- vi`i`* c adultos as mudangas necessdrias para o trabalho com segmentos llii` classes populares, com o objetivo de superar a educa9ao bancalia. Assim, em lugar da escola, que mos parece urn conceito, en- tre n6s, demasiado carregado de passividade, em face de nossa prdpria foma9ao (mesmo quando se lhe da o atr]buto de ativa), contradizendo a dinamica fuse de transi95o, lan9amos o C'i'rc2t- /a de C#/furcl. Em lugar de professor, com tradi¢5es fortemente "doadoras", o C'oo#de#ador de Deha/es. Em lugar da aula dis- cursiva, o c/I.a/ago. Em lugar de aluno, com tradig6es passivas, o par/i.CZZ)a#/e de g7"po. Em lugar dos "pontos" e dos progra- mas alienados, programafGo compac/c!, .`reduzida" e "codifi- cada" em unidades de aprendizado.(FREIRE,1980a, p. 103). ( ).i circulos de cultura apresentam rna co72cepgr~o c/c edwca- \ I /. . `1 iLilttgica, cr{tica e democritica; com »ov¢S es„c7/Ggr.as meJodo- /. i,L:/i .I /.`': o dialogo e o debate em grupo; com wovas pap6is dos a/ores •'.///. ../t./'t/na/..T: o educador como mediador do debate e os educandos ` uiii.. it{`rticipantes, e #ovo c#rji'cw/a organizado por unidades de iiiu ``ii`li/(`do, tendo como eixo a cultura. I .2.I.I. Os temas geradores, os temas de dobredicas e as palavras geredoras I ).I projetos dos circulos de cultura nao tinham uma progra- iiiii`'i``i i.`iiistruida cz prz.or7., mas elaborada a partir da consulta aos ui uiw iw. 1*1() significa que os temas debatidos mos circulos de cultura 1`111 u Hl.ll|)t) (|ue estabelecia. I';wc movimento de surgir os temas dos grupos populares foi |`lM ``i`li`i`li. da reflexao critica de Paulo Freire sobre a sua experi- •lli'lii il.` .`tlllcacao de jovens e adultos no SESI, no qual fazia urn discurso sobre temas que considerava importantes para os outros (FREIRE, 1985b). Ele, entao, aprendeu na pratica, o que denominou posteriormente de "a substantividade, a radicalidade democratica", ou seja, uma a?ao profundamente democratica, antielitista e antiau- toritdria. Entretanto, os educadores poderiam acrescentar a proposta do grupo outros temas, que Freire na Pedagogia do Oprimido de- nomina de "temas de dobradi¢a", isto e, "assuntos que se inseriram como fundamentais no corpo inteiro da tematjca, para melhor es- clarecer ou iluminar a tematica sugerida pelo grupo popular". Frei- re partia do seguinte pressuposto: "ha uma sabedoria popular, urn saber popular que se gera na pratica social de que o povo participa, mas as vezes, o que esta faltando e uma compreensao mais solidaria dos temas que comp6em o conjunto desse saber". Assim, ao introduzir os "temas de dobradiqa" o educador po- pular viabiliza a compreensao mais critica da tematica proposta pelo grupo, possibilitando, tamb6m, a interagao entre os saberes popula- res e o erudito. Na busca pelas tematicas significativas esfa presen- te a problematizacao dos pr6prios temas, ben como a investigacao se expressa "como urn quefazer educativo. Como agao cultural" (FREIRE,1983, p.122). Nesse processo de forma€ao critica do educando, por meio das unidades {emiticas, o ponto de partida e o conceito antropol6gico de cultura que envolve a distin¢ao entre o mundo da natureza e o da cultura, o papel do ser humano com a sua realidade, o sentido da mediagao da natureza para as relac6es e comunicac6es humanas, a cultura como producao humana, a humanizagao e a democratizaeao da cultura, entre outros aspectos. (FREIRE,1981 ). Nos circulos de oultura, segundo Freire ( 1985b), o que se pro- punha era o debate sobre cultura, sobre "o que e cultura.'. No fundo era urn debate que tinha a vcr com as relac6e§ entre o ser humano e o mundo; o papel do trabalho na trams- foma€ao do mundo e o resultado dessa transformagao se consubstanciando na crja9ao de urn outro mundo que, esse sin, 5 criado por n6s: o mundo da cultura que se alonga no mundo da hist6ria (p.15-16). PAULO FREIRE: ()One§e da educa¢o intercultural no Brasil 43 Sobre a compreensao da cultura, Freire (1985b, p. 22) destaca u l`ala de uma alfabetizanda ao discutir uma situncao em que havia ui`` jarro com flores dentro: quandoouvipelaprimeiravezumamulher,nodebate,dizer: "nesse quadro que esta ai, eu vejo cultura e vejo natureza". Ja haviam chegado ao dominio dos dois conceitos. E dizer a mim: "por exemplo, ai, e natureza, a flor... i cultura, o jarro, mas e cullura, tamb6m, a flor". E eu disse: "mas, vein ca, entao, a cultura, a natureza, a flor... A flor e cultura ou natureza? 0 que 6 que ela e?" Ela disse: "e natureza porque 6 flor e 6 cultura porque 6 arranjo". Relata, ainda, que ap6s o debate, os educandos compreendiam Mtusuapraticasocial(fazercomobarroumjarro,fazerumburaco i` hu`car agua) uma pratica cultural e percebiam a possibilidade de iilll`li`r as condig6es sociais e politicas que envolvem interesses de I liih`i`` na medida em que envolve a participacao dos seres humanos U,'l(li:IRE,1985b). Assim, a importancia do debate sobre a cultura na aeao edu- `'Hlivn e viabilizar a conscientizaqao critica do educando que ele e iiin Her cognoscente e cultural, capaz de conhecer e intervir como il`i)i`il(i no mundo. I.i`ra Freire (1989), o conceito de cultura foi necessario ao mo- ` liili`lll() de educa9ao popular e possibilitou inovar os caminhos de M ``iHu i`o conhecimento, ben como ajudou o trabalho educativo a uiliilliu. l``ais espa¢o. A Cultura, segundo Henriques e Torres (2009, i` I `11). na educagao popular, constitui-se em uma "acao de refle- `nw `ii`i instrumento popular de conscientizacao, politizagao e ex- i`i `.wiltt de classe.'. I )`ts temas sugeridos e trabalhados pelo grupo emergem as pa- lMimH..radorasqueprecisavamserdescobertasnaareapopular,na i|uol lI.illt.ilhava, por meio da "pesquisa do universo minimo voca- llolluJ`. iiiie segundo Freire (1985b, p.19), em cer[o sentido, foi pre- I w ww tltt que hoje se denomina de .`pesquisa-agao" ou "pesquisa iwn I li`iiiui`tc". Explica que "era tentando compreender a lingungem |`i.iiillin. c descobrir as palavras mais carregadas de emogao, mais ` ioi'i`un.Ills de sensibilidade, mais ligadas a problematica da area, iw n ti,i`i``¢ elaborava o programa". E ainda, na escolha da pala- 44 vra geradora Cram necessarios alguns criterios: a palavra deveria ter uma indiscutivel for€a e uma significagao viva dentro na area; a palavra deveria propor ao alfabetizando uma convivencia com as di- ficuldadesfon6ticasdalingua,eseremlevantadostemasdeaspectos politicos, econ6micos, sociais e hist6ricos que estao referidos em cada palavra geradora. Na Pedagogia do Oprimido, Freire explica que na alfabetjzacao investiga-se a palavra geradora e na p6s-alfabetjza¢5o o tema gerador. Assim,ainvestigacaotematica,pormeiododialogonocl'rculoculfural, constitui o ponto de partida do processo libertador da educapao popu- lar de Freire, delineada de forma mais especi'fica em algumas de suas obras, entre as qunis destacamos: Pedagogia do Oprimido, Educapao como Pratica da Liberdade e Extensao e Comunicapao. A pritica de apao cultural, desenvolvida no cfroulo de cultura, 6 uma educapao popular, por ser engajada com os interesses das classes populareseumaapaoeminentementepolitica¢REIRE,1985b). As pessoas reunidas mos "cl'rculosde cultura" iam pouco a pouco aprendendo e reaprendendo a "ler o seu mundo". Iam descobrindo o queja sabiam e o que nao sabiam ainda, para entender melhor como o nosso Mundo e, como ele poderia ser... e o que deveria ser feito para ele ser urn mundo melhor. Urn mundo mais humano, mais solidario e mais feliz [...I as pessoas jam aprendendo como e que a gente vive no mundo. Como 6 que a gente trabalha e convive. E como e que, des- se jeito, a gente esta sempre criando e recriando o NOSSO MUNDO. Urn "mundo de cu]tura", dentro de urn .`mundo de natureza" (BRANDAO, 2005, p. 69-70). Freire, em Ed"cafo-a e A4wdcI#ccI, apresenta alguns resultados dos Ci.rculos de Cultura evidenciando a sua importancia na educa- 9ao de jovens e adultos: entre urn mss e meio a dois meses, com circulos de cultura fun- cionando de segunda a sexta-feira (cerca de uma hora e meia) deixavamos grupos de 25 a 30 homens [e mulheTes] ]endo e escrevendo. Com move meses de trabalho na frente do Progra- rna Nacional de Alfabetizacao de Jovens e Adultos I...] conse- gujmos com nossa equipe da Universidade do Recife preparar quadros em todas as capitais brasi]eiras. Ao mesmo tempo em lJAULO FREIRE: I iflr\es© da educacao jntercultural no Brasil 45 que preparivamos esses quadros, iam-se formando circulos experimentais, com os quais se ampliava o ntlmero de coor- denadores para a extensao da campanha [...I A estas alturas, deveriamos ter funcionando no Brasil, mais de 20.000 circulos de cultura na etapa da alfabetizacao, pois t]'nhamos tra€adas as etapas posteriores com que aprofundariamos os conhecimentos dos rec6m-alfabctizados (FREIRE,1981, p. 79). Henriques e Torres (2009) enfatizam que a disseminacao dos ( '`i'ciilos de Cultura proporcionou aos indivi'duos o reconhecimento il`i.I r)orques e de como se da a situapao de exploracao e opressao, I `.,it!illando experiencias de lutas e procurando estabelecer uma uni- il`i(Ill de ac6es e de objetivos, bern como, possibilitou a reconstrugao il`. iliirte da subjetividade das pessoas e o resgate de sonhar do povo iwilil-i` a libertacao. A educacao popular de Paulo Freire, encao, ten sua genese na i``|`criclnciavividanoMovimentodeCulturaPopular,emcujapfati- `'ii I.`ti revelando a sun natureza poli'tica, mas tamb5m, foi consolida- iln \`lli leituras te6ricas, entre as quais, Marx e Gramsci, al6m de ted- I l..ii` l`ilnomenol6gicos, existencialistas, humanistas e personalistas. I .3. Aportes te6ricos da educacao popular de Paulo Freire li`i'cire (2003b) explica que a compreensao da importancia da I iillnlu I)(`lo Movimento de Cultura Popular teve influencia de Gra- iiiM ^l`ii.mou que: "sem o saber, estavam nas pistas de Gramsci e `1`. .`\ i`i`lcar Cabral, no que diz respeito a sua compreensao dial6tica ilu ( 'ullura. do seu papel na luta de libertagao dos oprimidos" to. I `/I I. t+iLua a a¢5o cultural no nivel da superestrutura (1980c). ( ;I.iunsci, tendo como referencia Marx, elevou o conceito de •iii ```ri``li.Litura a uma importante posigao na organiza€ao social e na l`lln i`ul`lica. Pelo conceito de a/oco ¢I.sJ6rJ.co estabelece uma rela- ` a. . `li` I.cciprocidade entre a estrutura e a superestrutura. Esta como •'-l.`li`iuii tttlalitario de ideologias reflete racionalmente a contradi- `nn iln i`t{trutura e representa a existencia das condig6es objetivas ii.ii n M ji`vi.i.sao da praxis" (GRAMSCI,199lb, p. 52). 46 No livro Co#scJ.e7i/z.zapGo, Fre!.re explica que a "cultura do si- lencio" 6 resultado das rela?6es estruturais entre os dominados e o dominador, cujas relag6es refletem o contexto social mais amplo e sup6em que dominados assimilem os mjtos culturais do dominador. Para compreender a cultura do silencio, considera a necessidade de compreender-se a depend6ncia como fen6meno relacional. i verdade que a infraestrutura, criada nas relac6es pelas quais o trabalho do homem transforma o mundo, da origem a superestrutura. Mas tamb6m e verdade que esta, Inediati- zada pelos homens que assimilam os seus mitos, volta-se para a infraestrutura e a "sobredetermina". Se nao existisse a dinamica destas rela96es precarias nas quais os homens movimentam-se e trabalham no mundo, nao poderiamos fa- lar nem de estrutiira social, nem de homens, nem de mundo humano (FREIRE,1980c, p. 64). Conforme Oliveira (2006a) Gramsci ressalta o papel fun- damental da superestrutura no processo de transformacao social. Utiliza o termo ca/arsi.s, para "indicar a passagem do momento puramente econ6mico (ou egoista-passional) ao momento etico- -politico. isto e, a elaboracao superior da estrutura em superes- trutura na consciencia dos homens" (199lb, p. 53). Essa passa- gem significa, ajnda, o movimento do "objetivo ao subjetivo" e "da necessidade a liberdade". Assim, a passagem das reivindicag6es corporativas, dimensiona- das no plano econ6mico para reivmdicacdes sociais e politicas mais amp]as, dimensiona no plano da superestrutura uni cafater eticcxpoh'tico.Noplanodasuperestruturanaos6ossereshunanos tomam conhecimento dos conflitos da estrunrm como delineiam novas formas de pensar (OLIVEIRA. 2006a, p. 84-85). Ao ifirmar que "todos os homens sao mtelectuais.', mas "nem todos os homens desempenham na sociedade a funcao de intelec- tuais", Gramsci (199la, p. 07 e 36) evidencia nao existir trabalho puramente fisjco sem urn minimo de atividade intelectual criado- ra e que a distin¢ao entre intelectuais e nao intelectuais I.efere-se a "fun9ao social da categorja profissional dos intelectuais", isto e, a direg5o sob a qual incide urn peso maior na atividade profissional FIAULO FREIRE: I |^nose da educaOao intercultural no Brasil 47 i'*iiccl'fica` se na eLaboracao intelectual ou no esfor9o muscular-ner- vtitio. Na sua maneira de veT nao se separa o "Aomo/aber do /7o»3o \.ri/;/.c»s". 0 ser humano e intelectual, e fiL6sofo porque participa de lllllil concepcao de mundo. Essa filosofia peculiar aos seres humanos `.H`Liria contida na "pr6pria linguagem, no senso comum e no born- Hi.Iiso e na religiao popular"4. significando que a foma9ao do pen- •i`Miii`Iito humano 6 coletiva e cultural. Pela linguagem se expressa iini{i forma de conceber o mundo, cuja concep¢ao e produzida nas I ``lnvtles sociais e culturais. A filosofia cousiderada como "concepeao de mundo" faz com que i I liill)i`lho filos6fico nao seja visto apenas como elaboracao "individu- ill''` Ii`as sobretudo, como "luta cultural para transformar a `inentali- I Iiillu" I)oputar e divulgar as inovap6es filos6ficas que se revelem "his- 1I .I ji.«Ii`i`nte verdadeiras", Isto e, tomem-se conoretanente hist6ricas e i`Ii\.iillliiiinte universais. Mas Grausci (199lc, p.12) coloca a seguinte I il ii`NIIlti: "e prefen'vel `pensar' sem disto €er consciencia critica, de uma liiillii`il'il desagregada e ocasional ou 6 preferivel elaborar apr6pria I `.Ill.i`i)ctlo de mundo de uma maneira critica e consciente? Explica I ill\. .`|l`}r esta concep¢ao de mundo ocasional e desagregada fazemos I.i`i.IL` ilt) que denomina de "homers-massas" ou "homens-coletivos", iii.\.Nlw LI iim grau de conformismo, sendo necessala a critica a essa I iili..i`ii`.lit) de mundo para tomi-la "coerente e unitala". Esta critici- iliiil``. iiii visao de Gramsci, (199lc, p. 12-13) requer urn "conhece-te a '1 iiii'`ili`i", uma conscichcia da historicidade e a socializacao do saber wi`'liiliiii`iiLcproduzido. No ensino de filosofia dedicado nao a informar historicamente `) discente sobre o desenvolvimento da filosofia passada, mas pnra folma-Lo culfuralmente, para ajudi-lo a elaboTar critica- mente o pr6prio pensamento e assjm partLcipar de uma comuni- tliide
Compartilhar