Buscar

Ivanilde Oliveira_Paulo-Freire-Genese-da-Educacacao-Intercultural-ago2018-1-pdf

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 62 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 62 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 62 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

PAUL0 FREIRE
Genese da educacao intercultural
no Brasil
#|i]rTI)RAi=rv
• eg=;:a at... Wro, .l.in de prazenp-
• -.lIMlou in. .pwhnd.r . k!itura
- . educ.¢.a a. P.uk) Freire,
ee;::= mr. .. iu.I obras e
.T#:;=+-+=o.I...orpnmv.sobrea
eE±:±;Ml .... Conitl`ul-te cambem
• M .`N.. *wledor, pongue poeclsa-
I -n..ul. ® dl"ui.o d. que Paulo
M W" .pr.. d. quoruo de classe
• N ..... p|. do oprlmldo,
tr,.,,=:=rtiv;nde .I. nuki Fr.lr. era a
-*wh....olnl.oEunur.Inoorasll.
I W . on.Nnm. ro llve a que Paulo
h M wN * ..., I).b.I.u robne a
~ hoe..I.wdlded., tok!rlna.a,
===== -, . qu..de de
*n',, '' ,,,,., ''m out ,,,.
h.il.. ^i.twut.no d. Ollvelra
#unTt]RAErv
PAUL0 FREIRE
Genese da educa¢ao intercultural
no Brasil
A,i=ERTI]iiA Etv
Ivanilde Apoluceno de Oliveira
PAULO FREIRE:
genese da educacao
intercultural no Brasil
EDITORA CRV
Curitiba - Brasil
2015
Copyright © da Editora CRV Ltda.
Editor-chefe: Railson Moura
Diagramacao e Capa: Editora CRV
Revisao : A Autora
Consellio Editoria. :
P[Of, Df Aiidreia ds Silva Quinfanilha Souse (UNIR)
PTof. Dr. Antchio Pereir@ Galo Junior (UTRRJ)
Piof. Di. Carlos Albeto VIlar Est6`.io
• qumversidade do Minho. UNINHO, Portugal)
Piof. Di Carlos Fedenco Donmguez Avila (UNIEURO - DF)
Prod . DI'. Carmen Tereza Velangr /UNIR)
Prof. DT. Celso Conti (UFScar)
Prof. DT. Ces8r Ger6nJmo Tello
• qumverstded Nacioml de Tids de Febrero - Afgenlin)
PTof . Dr. Elione Mare Nogueira Diogenes (UIAL)
Piof.Di.fusioJoseCora(Uni`asidrdeFedmldrFronteinSul`lTFS)
PTof. Df. Glom Farii!as Leon (Umvasidade de L8 Havma -Cuha}
PTof. DT. Francisco Carlos Duaile (PUC.PR)
Prof, Di. Guilleimo Anas Beatch funiversidrde de L8 Havma - Cuba)
Pror. Dr Jo5o Adalbeiio Camp8to Jrmior (FAP -SP)
Piof. D[. Jailson Alves dos Santos (UFRJ)
Prof, Dr Leonel Sevglo Rocha flJRI)
Prop. DT.. Lourdes Helena ch Siho (UFY)
PTOF DT] Josam Portela (UFPI)
Prop, DT'. Mule de Lourdes Pinio de Almelde (UNICAMP)
Prof`. Df. Mama Lilia lmbirlha Sousa Colares (UFOPA)
Prof. Dr. Paulo Romunlde Hemandes (UNIFAL -MG)
PTof. D] Rodrigo Prate,Saptos (UFES)
Piof`, Df . Maria Cristina dos Sunios Bezem (UFScar)
Prof. Dr SergLo Nunes de Jesus (IFRO)
Prop Dr. Solange Hele" Xlmenes.Rocha (UFOPA)
Prop Dr Sydione Santos (UEPG PR)
Prof. Dr. Tadeu Oli`.er Gonwl`.es (UFPA)
Prop. Df Tan{a Suely Az€vedo Brasilefro rvFOPA)
CIP-BRASIL. CATALOGACAO-NA-FONTE
SINDICATO NACI0NAL DOS EDTTORES DE LIVROS, RJ
051p
Oliveira, Tvanilde Apolueeno de
Paulo Freire: genese da educacao intercultural no BTasil / lvanilde
Apolueeno de Oliveira. - I. ed. -Curfuiba, PR: CRV. 2015.
120 p.
Inclui bibliografia
lsBN 978-85-444-0416-4
I. Educacao -Filosofia. 2. Sociologi@ cducai`ional.I. Titulo.
15-23605 CDD: 370.I
CDU: 37.01
2015
Foi feito o depdsito legal conf. Lei 10.994 de 14/12/2004
Proibida a reprodu9ao parcial ou total desta obra sem autorizagao da Editora CRV
Todos os direitos desta edigao reservados pela:
Editora CRV
Tel.: (41) 3039-64] 8
www.editoracrv.com.br
E-mai I : sac@editoracrv.com.br
Dedico este livro ao meu esposo Iran Alfredo Miranda
de Oliveira, que ten sido companheiro em todos os
momentos de minha vida pessoal e academica.
Agrade9o
Aos tios Terezinha e Laurchio e as minhas sobrinhas Andrea e
Dan,e|ape,apresAenp%:e:s:r:mv:n:o6='deavu=t:st;:oT(,:h,ao::::,
educadores(as) do GECEC pela parceria e produtivos
debates no desenvolvimento deste livro.
Aos docentes do Programa de P6s-graduacao em
Educa9ao da Pontificia Universidade Catolica do Rio
de Janeiro e, em especial, as professoras Vera Candau,
Mama lnes Marcondes e Isabel Lelis pela acolhich.
Aos docentes do PTograma de P6s-gradun¢ao
em Educa¢ao da Universidade do Estado do
Para pelo incentivo e apoio academico.
A CAPES, que por meio do PROCAD
viabilizon financeiramente a realizapao do
estudo que culminou neste livro.
Ao Nticleo de Educagao Popular Paulo Freire - NEP,
da Universidade do Estado do Para, que possibilitou
financeiramente a publica¢ao deste livro.
"Complexo e plural, o processo de libertagao se envolve
com quantas dimens6es marquem fundamentalmente
o ser hunano: a classe, o sexo, a ra9a, a cultura."
Freire (2003b, p. 208)
SUMARIO
PREFACIO
lNTRODUCAO
1. A EDUCACAO POPULAR DE PAULO FREIRE .... „ .... „ 25
1 1 dAo:dauncoas9€% :::#or::sf':::s 6o.. 26
1.2. A Experiencia Educacional de Paulo Freire
no Movimento de Cultura Popular ......
1.3.Aporteste6ricosdaeducagaopopulai
de Paulo Freire
2. PAULO FREIRE E A EDUCACAO INTERCULTURAL
NO BRASIL
2.1. A interculturalidade
2.2. Educaeao lntercultural
2.3. A Inter.culturalidade na educagao de Paulo Freire.. 72
3. PAUL0 FREIRE E A EDUCACAO INTERCULTURAL:
a proxi mag6es te6ricas
CONSIDERACOES FINAIS
REFERENCIAS
SOBRE AAUTORA
PREFACIO
Tenho ainda muito vivo na mem6ria este momento. Dezembro
de 1991. Estou em Madrid colaborando com urn centro de estudos e
pesquisas em educac5o. A noticia se espalha: Paulo Freire recebera
o titulo de Doutor Honoris Causa na Universidad Complutense de
Madrid. Audit6rio repleto. Professores e alunos disputam urn lugar.
A cerim6nia segue urn rito tradicional, solene, especifico das uni-
versidades europeias. Entrain as autorichdes e Paulo Freire de toga.
Todo o audit6rio se levanta. Ap6s os ritos introdut6rios, urn profes-
sol apresenta a figura do homenageado, seu itinerdrio e relevancia
para a area de educapao. Sinto urn imenso orgulho. Paulo Freire
agradece com umas palavras muito suas, no espanhol com o qual
consegue se expressar- nota-se que com esforap- articulando, como
6 seu estilo, reflexao e experiencia, e analisando a perspectiva da
educacao critica e libertadora. Recebe o titulo das maos do reitor da
universidade. Cunprimenta a cada uma das autoridades presentes.
Desce as escadas do palco onde se realiza a cerim6nia e continua
cunprimentando cada urn dos funciondrios presentes, encarregados
da ordem do recinto e do funcionamento adequado de suas diversas
dimens5es. Rompe o protocolo. Surpresa no audit6rio que, em se-
guida,selevantaeaplaudecalorosamente.Confessoquemecomovi
muito e chorei. Mais urn dos inineros gestos de Paulo Freire que
tomavam vivas suas ideias e convicc6es mais profundas.
Assim era Paulo Freire. Urn homem afavel, reflexivo e com-
prometido. Sem ddvida suas ideias, sonhos e proposfas exerceram/
cxercem enorme influencia mos diversos continentes que comp5em
iiosso planeta. N5o somente na area de educacao, mas tambem em
todas as pessoas comprometidas com a transforma¢5o social, mem-
hros de movimentos sociais, de sindicatos, partidos politicos, orga-
nizaq6es populares, professores e educadores em geral. Sua figura
`si] projetou em todo o mundo e se tomou uma referencia ineludivel
para as buscas de constrngao de uma educacao de qualidade social
i"ra todos e todas.
Ja se escreveu muito sobre Paulo Freire. Inineros sao os ar-
tigos, livros, biografias, folhetos, cartilhas, materiais pedag6gicos
|lroduzidos para socializar suas ideias. Multiplicam-se os cursos
sobre o seu pensamento nas universidades, tanto na graduagao
quanto na p6s-graduneao. Teses de doutorado e dissertac6es de ines-
trado exploram diferentes dimens6es do seu pensamento. Grupos de
pesquisa aprofundam suas I.deias e dialogam com suas jnquiefudes a
partir de quest6es contemporaneas. Talvez tenhamos a sensacao de
que nada de novo pode ser dito ou problematizado.
Entre as quest6es contemporaneas que desafiam os educado-
res e educadoras estao as relacionadas ao que chamamos educacao
intercultural. Expressao polissemica, adquire na America Latina un
sentido pr6prio, original e que consideramos especialmente signifi-
cativopararefletirmossobreohojedaeducacaoedos/aseducadores/
as. E a pergunta surge: contribui Paulo Freire para esta perspectiva?Enriquece a reflex5o sobre esta tematica? Nao esta seu pensamento
tao arraigado na analise de classe de inspira¢ao marxista qiie dificil-
mente pode ser sensivel as diferengas culturais?
Estas sas "perguntas fortes", diria Boaventura Sousa Santos
(2010), que instigaram a autora da presente publica95o. Para aproxi-
mar-mos delas e imprescindivel, pelo memos brevemente, explicitar-
mos que entendemos por educagao intercultural.
Lopez-Hurtado Quiroz (2007, p. 21 -22) faz a seguinte si'ntese
da sua trajet6ria de incorporagao na agenda latino-americana:
Nestes trinta anos, desde que o termo foi acunhado na regiao, a
aceitag5odanapaotranscendeuoinbitodosprogranaseprojetosrefe-
ridos aos indigenas e hoje urn numero importante de pa{ses, do Mexico
a Terra do Fogo, vin nela urn possibilidade de transformar tanto a
sociedade em seu conjunto como tambem os sistemas educativos na-
cionais, no sentido de uma articulacao mats democratica das diferen-
tes sociedades e povos que integram urn determinado pals. Desde este
ponto de vista, a interculturalidade sup6e agora tambem abertura dian-
te das diferencas ethicas, culturais e linguisticas, aceitapao positiva da
diversidade, respeito mrfuo, busca de consenso e, ao mesmo tempo,
reconhecimento e aceitaeao do dissenso, e na atualidade, construgao de
novos niodos de rela9ao social e major democracia.
Gostan'anosdedestacardestabrevetrajet6riafeitapeloautor,aorigem
da expressao em referencia a educagao indigena e, ao mesmo tempo, como
foi ampliando a sua abrang6ncia, sendo hoje refenda as mtiltiplas diferen-
¢asculturaiseaosprocessosdeconstrapaoderelap6essocialsmarcadaspela
equidade, a j usti9a e o aprofundamento dos processos democraticos. Na refle-
PAULO FREIRE.
gchese da educacao interoullural no Brasil 15
xao que vimos desenvolvendo sobre esta tematica, tres afimap6es foram
adquirindo cada vez maior centralidade na perspectiva de se apro-
fundar na tematica da interculturalidade mos contextos educativos. A
primeira delas refere-se a relagao entre diferencas culturais e direitos
humanos. Partimos do ponto de vista de que a relacao entre quest6es
referidas a justiga, superacao das desigunldades e democrati2agao de
oportunidades, e as que dizem respeito ao reconhecimento de dife-
rentes grupos socioculturais se faz cada vez mais estrejta. Quanto a
segunda afirmacao, ten que vcr com a relapao entre multiculniralis-
mo e interculturalidade. Assuminos a posi¢ao que prop6e urn mul-
ticulturalismo aberto e interativo, que acentua a interculturalidade,
por considefa-la a mais adequada para a construgao de sociedades
democraticas, que articulem politicas de igualdade com politicas de
identidade. Urn terceiro eixo articulador do nosso trabalho tern sido,
particulamente no que se refere a educacao escolar, a afimapao de
que estamos chamados a "reinventar a escola" (CANDAU, 2010).
A partir destas afirmap6es, e inportante tamb6m distinguir os di-
versos conceitos de educapao intercultural que permeiam os discursos
educativos. Catherine Walsh (2009), professora da Universidad Andi-
na Simon Bolivar (sede do Equador) e especialista no tema, distingue
lresconcep96esprincipalsdeeducapaointercultural.Aprimeiraintitula
de nc/acj.o7?4/ e refere-se basicamente ao contacto e intercambio entre
culturas e sujeitos socioculturais, entre suas distintas priticas, saberes,
valores e tradi¢des. Esta concepeao tende a reduzir as relap6es inter-
cultunis ao ambito das relap6es interpessoals e minimiza os conflitos
i` a assimetria de poder entre pessoas e grupos pertencentes a culturas
diversas. No que diz respeito as outras duas posig6es, tendo como re-
t`crencia Fidel TUBINO (2005), fil6sofo peruano, a referida autora a
dcscreve e discute a interculturalidade funcional e a on'tica. Parte da
ufimapao de que a crescente incorporacao da interculturalidade no dis-
ciirso oficial dos estados e organismos intemacionais tern por funda-
mentoun.ienfoquequenaoquestionaomodeloscoiopoliticovigentena
I11aiorpartedospa{ses,marcadopela16gicaneoliberal.Nestesentido,a
il`terculturalidade e assumida como estrategia para favorecer a coes5o
Social, assimilando os grupos socioculturais subaltemizados a cultura
licgem6nica. Este constitui o interculturalismo que qunlifica de rfuwcJ.a-
/ifl/, orientado a diminuir as ireas de tensao e conflito entre os diversos
grupos e movimentos sociais que focalizan questdes socioidentitalas,
16
sem afetar a estrutura e as relap6es de poder vigentes. No entanto, co-
locar estas relap6es em questao e exatamente o foco da perspectiva da
interculturalidade crz'/i.ca. Trata-se de questionar as difereneas e desj-
gualdades construidas ao longo da hist6ria entre diferentes grupos so-
cioculturais, etnico-racials, de genero, orientae5o sexual, entre outros.
Parte-se da afimapao de que a intei.culturaljdade aponta a constn]cao
de sociedades que assumam as diferenqas como constitutivas da demo-
cracia e sejam capazes de constnrir relap6es novas, verdadeiramente
igualitarias entre os diferentes grupos socioculturais, o que sup6e em-
poderar aqueles que foram historicamente inferiorizados. Assuminos a
perspectiva da interculturalidade cn'tica e consideramos que apresenta
indmeras confluencias com o pensamento de Paulo Freire.
Retomemos as "perguntas fortes" acima propostas. Podem
ser sintetizadas no aprofundamento das relag6es entre educagao
critica freiriana e a educa¢ao intercultural cn'tica. Este e o foco da
presente publ icacao.
Sua autora, a professora Ivanilde Apoluceno de Oliveira, pro-
fissional competente, especialista no pensamento de Paulo Freire.
comprometida com a praxis que prop6e e, coereritemente com ela,
militante de movimentos sociais, mos oferece urn texto analitico,
corajoso e provocador que nos permite apreender aproximagao de
Paulo Freire a tematica da interculturalidade que, desde as catego-
rias fundantes de seu pensamento, incorpora as quest6es referidas as
diferengas culturais, a partir particularmente no per]'odo do exilio e
do p6s-exilio, em que sua "andarilhagem" pelo mundo lhe ofereceu
elementos fundamentajs de reflex5o e agao.
Tive o privil6gio de conviver com lvanilde durante o seu p6s-
-doutoramento junto ao grupo de pesquisa que coordeno, o GECEC
- Gmpo de Estudos sobre Cotidiano, Educagao e Culturas. Sempre
me chamou a atencao sua delicadeza, pensamento agudo, capacida-
de de colaboragao e de contribulr desde sua experiencia academica e
social as reflex6es do grupo. Certamente este livro ten a sua marca e
oferece contribuig6es enriquecedoras e originais, tanto para o apro-
fundamento no pensamento de Pau]o Freire, quanto na perspectiva
do desenvolvimento da educagao intercultural no nosso pai's.
Vera Maria Candau
PUC-Rio
Rio de Janeiro,13 dejulho de 2015
PAULO FREIRE:
genese da educaeao intercultural no Brasil 1 7
REFERENCIAS
CANDAU, V. M. (org.) jici.#ve"/ar a Esco/a. Petr6polis: Vozes.
2010 (7a ed.)
LOPEZ-HURTADO QUIROZ, L. E. Trece claves para entender la
Interculturalidsd em la Educacidn Latinoamencana; In: PRATS, E.
(coord.) Multiculturalismo y Educaci6n para la Equidad. Ba:rc;eho-
na: Octaedro-OEl, 2007
SALINTOS, 8. S. Descolonizar o saber, Reinventar o poder` Monte-
videu: Trilce, 2010
TUBINO, F. La interculturalidad critica como proyecto 6tico-poll-
tico; Encuentro continental de educadores agustinos, Lima (Peru),
2005 ; Di sponivel em <http: //oala.villanova. edu/congresos/educaci-
6it/lima-ponen-02.html>.
WALSH, Catherine lnterculturalidad y (de)colonialidad: Perspecti-
vas criticas y politicas XII Congreso da Association pour la Recher-
che Interculturelle. Florian6polis: UFSC, Brasil, 2009.
INTRODUCAO
No Brasil a tematica do multiculturalismo toma-se evidencia-
da, nos anos90, principalmente em fun€ao dr politica pluralista cul-
tural do ensino fundamental, implantada por meio dos Pafametros
Curriculares Nacionais, que direciona a educacao para a diversidade
ciiltural e para as diferencas de ethia, genero e classe. 0 multicultu-
r.ilismo de base neoliberal, que subsidia a politica pluralista cultural
Ilo Brasil, apresenta o discurso da diversidade cultural, focada no
curriculo, dimensionando as mudangas educacionais por meio do
t`i`esso a conhecimentos sobre a diferenca, nao problematizando as
relap6es de poder. Entretanto, 6 preciso considerar que a questao
{la diversidade cultural ja estava presente mos movimentos sociais,
|irincipalmente mos grupos sociais excluidos por fatores etnicos,
como os indigenas e os negros, bern com ja vinha sendo problema-
li/.add pelos movimentos de educa9ao popular a opressao social, a
iilienacao cultural e a diferen9a de classe.
Para Candau (2008a, p. 17): "o debate multicultural na Am6ri-
c{i Latina mos coloca diante da nossa pr6pria fomacao historica, da
|ii`rgunta sobre como nos construimos socioculturalmente, o que ne-
t!L`mos e silenciamos, o que afirmamos, valorizamos e integramos na
ciiltura hegem6nica". Por isso, uma das principals quest6es de suas
iicsquisas e a genese da interculturalidade na educapao em diversos
c`tntextos, entre os quais a America Latina (2002).
Na America Latina, e particularmente no Brasil, conforme a
i`iitora (2005) ha uma configura¢ao pr6pria em termos da questao
li`ulticultural, na medida em que a nossa formap5o hist6rica esta
ii`urcada pela eliminacao e negapao do outro (grupos indigenas e
til`rodescendentes) pelo processo de escravizagao. Neste sentido, o
(lcbate do multiculturalismo esfa demarcado pela presenga desses
Huji'itos historicamente oprimidos e excluidos socialmente.
Ao estarem os sujeitos oprimidos, marginalizados e discrimi-
iiiidos socialmente, no centro do debate, a concepgao de multioultu-
I.iilitiiiio que se apresenta como necessaria e viavel e a interculturali-
`l`iile, proveniente dos movimentos sociais e das lutas politicas pela
i}.,iiLildade e democratizacao social, porque:
20
orienta processos que tern como base o reconhecimento do dj-
reito a diferenca e a luta contra todas as formas de discrimina-
¢ao e desigualdade social. Tenta promover relag6es dia]6gicas
e igualitarias entre as pessoas e grupos que pertencem a uni-
versos culturais djferentes, trabalhando os conflitos inerentes a
essa realidade. Nao ignora as rela96es de poder presentes nas
rela96es sociais e interpessoais. Reconhece e assume confli-
tos, procurando estTat6gias mats adequadas para enfrenta-los
(CANDAU, 2005, p. 32).
0 estudo da genese da interculturalidade no Brasil peipassa,
desta forma, pela analise do papel dos movimentos sociais na luta
etico-poli'tica contra a desigualdade e a exclusao social.
A educaeao popular de Paulo Freire faz parte da construgao da
genese historica da interculturalidade na educap5o brasileira?
A influencia da educa¢ao popular, de base Freireana, na cons-
trap5o desta educagao intercultural 6 destaca por autores: coino
Candau (2008c, 2002), Fleuri (2003), Walsh (2009), entre outros, e
alvo de estudo por Souza (2001 ) e Aratijo (2004), o que evidencia o
reconhecimento da importancia do pensamento educacional de Pau-
lo Freire para o debate da educagao intercultural.
Urn dos pontos de referencia desta contribui€ao e o fato de mos
anos 60, os movimentos de educa9ao popular e, especificamente a
educa¢ao de Paulo Freire, focar como centro de debate a cultura e
o engajamento etico-politico com os segmentos sociais oprjmidos,
direcionando as praticas pedag6gicas para o exercicio cr]'tico ds ci-
dadania e para a afirmap5o tanto destes atores sociais como sujeitos,
como de sua cultura.
A educa¢ao popular se dimensjona como pol]'tica e cri'tica
de urn sistema opressor e em favor das classes e grupos sociais
oprimidos na luta pela democratizacao no campo educacional e
social. E com isso ``se descobre como urn campo de rela¢6es so-
ciais entre diferentes categorias de agentes. Algo que ten a ver
com a produgao de urn "ova saber, no interior de uma outra cu]-
tura" (BRANDAO,1984, p.18).
Brand5o (2002a, p. 230-31 ) faz a seguinte referencia ao movi-
mento de Educacao Popular:
F'AULO FREIRE:
genese da educagao in(ercultural no Brasil 21
Eram os anos sessenta. Era o come¢o dos amos sessenta. Cos-
tunavanos entao usar alguns verbos e alguns adjetivos para
tentar entender, entre n6s mesmos, e para traduzir para os ou-
tros, quem n6s 6ramos, quem n6s e nosso mundo deverianos
ser, o que achavamos que deviamos fazer e o que faziamos de
fato. Palavras como cw/fora, arte, edwc¢€do,, po/i'/z`co, saltavam
dos seus antigos usos e ora mos pareciam serias demais, pois
podiam mover e mudar o mundo, ora migicas demais, pots
podiam fazer `isto' atraves dos mais deserdados. [...I Assin,
emprestamos ds palavras arre e cli//wra o adjetivo popular e,
de algun modo, pretendemos subverter o antigo meigo sentido
folcl6rico dado a arte popular e a cultura popular. Pois se trata-
va de tomar a realidade cotidiana das criac6ies da vl.da popw/ar
sob a forma de suas `express6es de cultura' e devolver ao povo
os seus simbolos, os seus ritos, as suas falaLs, as suas crencas,
enfim, o seu poder de ap6es sociais de valor politico, revertidos
e reinventados de e com outros significados.
Freire (1989) refere-se ao movimento de Cultura Popular dos
i`nos 60 como aquele que buscava revcrter a ec7"ccJ€Go e rei.#ve#far
w L>sco/a, no sentido de superar a educa¢ao conteudista e silencia-
(lttra das vozes dos alunos, o analfabetismo, a exclusao, a evasao
c.`colar, bern como a visao reducionista de cultura, ou seja, aquela
c`)iitida mos livros e museus, representativa da cllasse economica-
iii€nte dominante.
A educapao popular em Freire se apresenta como apao cultural,
ci`lendendo-seaculturacomoaquelainerenteaosmovimentos,praticas
i. r¢lac6es sociais humanas. Nesta perspectiva, os saberes e as praticas
i'i`lidianas das classes populares se dimensionam como cultura sendo
I I.[ihalhados pedagogicamente nas apses educativas populares.
Para Freire (1980a) os seres humanos criam cultura na medida
uu que se integram as condic5es de seu contexto de vida, proble-
i"ilizando, refietindo e agindo sobre elas. Por serem autores de suas
i`l.`)duc6es criam cultura.
Viver ulna cultura 6 cowvl.vcr c'om e deH/ro de urn tecido de
que somos e criamos, ao mesmo tempo, ios fios, o pano, as
cores o desenho do bordado e o tecelao. ViveT uma cultura e
estabelecer em mim e com os meus outros, a possibilidade do
presente. A cultura configura o mapa da pri6pria possibilidade
22
da vida social. Ela nao i a economia e nem o poder em si
mesmos, mas o cenario multifacetado e poliss6mico em que
uma coisa e a outra s5o posslveis. Ela consiste tanto de va-
lores e imaginarios que representam o patrim6nio espiritual
de urn povo, quanto das negociac6es cotidianas atrav6s das
quais cada urn de n6s e todos n6s tomanlos a vida social
possivel e significativa (BRANDAO, 2002b, p. 24).
A educa€ao popular freireana destaca a importancia da critici-
dade e das praticas e experiencias de vida cotidiana dos sujeitos no
processo de transformagao social, que perpassam pela compreens5o
da educapao relacionada a fatores sociais, politicos, culturais, hist6-
ricos e econ6micos. Prop6e uma educa¢ao que valorize e respeite
as diferengas culturais e os saberes e as experiencias de vida dos
suj eitos, considerando que :
compreender a realidade do opnmido, refletida nas diversas
formas de produgao cultural ~ linguagem, arte, mdsica -, Ieva
a luna compreensaomelhor da expressao cultural mediante a
qual as pessoas expr]meni sua rebeldia contra os dominantes.
Essas express6es culturals representam, tamb6m, o n(vel de
luta possive] contra a opressao (FREIRE,1990, p. 85).
Considerando que Paulo Freire trata em sua educapao sobre
as diferencas e as relac6es culturais, 1evanto as seguintes quest6es:
Paulo Freire em sua concepgao de educagao popular ao estabele-
cer a cultura como centro de referencia da educae5o, relacionando
conhecimento, cultura e poder, contribui para a genese hist6r].ca da
interculturalidade no Brasil? A Educagao de Paulo Freire pode ser
considerada intercultural critica? Como a interculturalidade esfa
presente na educacao popular de Paulo Freire? De que forma Pau-
lo Freire trata a questao do multiculturalismo/interculturalidade?
Quais as influencias do movimento de educacao popular mos anos
60 na construcao de sua proposta de educagao?
Objetivo, entao, neste livro, identificar a contribuicao do pen-
samento educacional de Paulo Freire para a gchese hist6rica da in-
terculturalidade no Brasil, tendo a cultura como foco de analise. E,
especificamente: (a) verificar como a interculturalidade apresenta-se
na educapao popular de Paulo Freire, analisando como este edu-
PAULO FREIRE.
9©nese da educagao intercultural no Brasil 23
c i`dor refere-se ao multiculturalismo/interculturalidade e a quest6es
I.clacionadas ao tema, entre as quais, sobre genero, a africanidade,
i` diferenea, entre outras; (b) compreender as influencias do movi-
i`iento de educagao popular mos anos 60 na construqao da proposta
ili. cducacao popular de Paulo Freire; e (c) identificar, por meio de
`ciis referenciais politico-pedag6gicos, se a educapao de Paulo Frei-
I.c pode ser considerada intercultural critica.
A pesquisa realizada foi a bibliografica, com fontes relacio-
iii`das ao tema em estudo (RAUEN, 2002), tendo como base a
li.ilura de obras de Freire e de autores que tratam sobre educacao
r)opular, a interculturalidade, bern como assuntos de interface
c(tin o tema em estudo.
0 livro esta estruturado em 03 se¢5es. Na primeira, explico
iiiicialmente o surgimento hist6rico da educa¢ao popular no final
(l{`s anos 50 e inicio dos anos 60, a contribuigao do Movimento de
(`llltura Popular para a educagao de Paulo Freire e os seus apor-
1€`` te6ricos, tendo a cultura como urn dos principais referenciais
`lcsta educagao. Em seguida, apresento as bases te6ricas da edu-
c{`¢ao intercultural, por meio das abordagens do multiculturalismo,
ii* dimens6es epistemol6gicas e 6tico-pol{ticas da interculturaLidade
i` i) que consiste a educa¢ao intercultural e seus desafios no con-
li}xto brasileiro. Na segunda, analiso como a interculturalidade esta
i`i.esente no pensamento educacional de Paulo Freire, fazendo refe-
i'C.ncias as categorias fundantes de sua pedagogia do oprimido e as
`iticst6es do multiculturalismo, que perpassam pelo debate sobre as
`lil...reneas de genero e etnia. Na terceira, explicito como os pressu-
|``islos te6rico-metodol6gicos construidos por Paulo Freire se apro-
` ii`iam da educapao intercultural, refletindo sobre a possibilidade de
Hcr a sua educacao intercultural critica, conforme as caracteristicas
n itrcsentadas por Catherine Walsh.
1 . A EDUCACAO POPULAR
DE PAULO FREIRE
No Brasil, segundo Brandao (2002a), a trajet6ria histchca da
i`ducacao Popular teve 05 momentos:
I) Nos fins do seculo XIX e come9o do s6culo XX, surgiram
cm bairros operdrios de Sao Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do
I+lil. projetos de educapao destinados a operarios adultos e a seus
I.lHios, por meio de escolas de trabalhadores, existindo, tamb6m, co-
ljgios cat6licos com salas abertas e gratuitas as pessoas pobres e
ulguns liceus de ensino phblico.
2) A partir dos anos 20, emergem no pals, movimentos dire-
€it)nados a democratizapao do ensino e a cultura laica, por meio
tlil luta pela escola pdblica e da quebra da hegemonia confessional
ciil`'tlica na educaeao. Momento em que a denomina9ao de educacao
iilir)`Llar marca urn sentido ideol6gico e politico.
3) Nos anos 60, a educapao popular teve Paulo Freire urn dos seus
iil.il`cipaisidealizadoreseosmovimentosdeculturapopularasprincipais
H&C.ncjas de criapao de ideias e de realizap5o de experiincias. Neste pe-
i l`idt7, as iniciativas de educagao popular nao se originan de urn fonte
M ii:iol inica: o estado ou a scoiedade, e sin de uma frente polissemica de
i `+tkes, envolvendo espaaps e instituigdes diversas hao escolares: grthios
i.HIlldantis, igrejas cat6licas, sindicatos, movimentos populares e o pr6-
i`ii(t.'stado,comonaCampanhaNacionaldeAlfabeti2acao.
4) Nos anos 70 e 80, houve intensa associacao entre a educa-
\.l\`t popular e os movimentos populares, continuando a ser Paulo
I ''i'i`ire a referencia da educacao popular. Neste pen'odo reacende
li `li'hflte sobre as suas ideias, bern como a educacao popular ganha
inliii dimensao latino-americana e posteriomente intemacional. Ha
uiiili tcndencia de se multiplicar os movimentos e as frentes de algu-
Iniiw modalidades de acao popular.
Movimentos sociais de genero, de etnia. de cultura, de luta
lil.ltiH direitos humanos, de a¢ao comunitalia, de voca¢ao ambienta-
llt`lu. ¢m muitos casos se reconhecem como incorporando, de algum
in`i`ltt, o espirito originario e o ideario das praticas atuais da educa-
\-1``. rli)pular ®.151).
26
A16m disso, praticas de educag5o de jovens e adultos na
perspectiva da educacao popular continuam sendo realizadas por
todo o Brasil, sendo mantido o ideario fundador dos anos 60 da
educagao popular.
(5) A partir dos anos 80, houve uma tendencia de escolari-
zacao popular por meio de projetos govemamentais, com uma
proposta de politica de educaeao publica democratica e popular
assumida por determinados govemos municipais.
Com base nessa trajet6ria hist6rica apresentada por Bran-
dao, aprofundarei o debate sobre a educacao popular no terceiro
momento, apresentando a genese da educacao popular de Paulo
Freire, destacando a contrjbuigao do Movimento de Cultura Po-
pular e os aportes te6ricos, tendo a cultura como eixo referencial
desta educacao.
I.1. A educa¢ao popular no final
dos anos 50 e inicio dos anos 60
I.1.1. 0 surgimento da educa9ao popular
A educagao popular emerge, no final dos anos 50 e inicio
dos anos 60, inserida mum contexto histdrico de contradic6es de
classes e de resistencias populares contra a opressao e a alienagao
de uma cultura dominante sobre a cultura popular, ben coino por
meio de lutas pela democratiza9ao do ensino pdblico.
As contradic6es de classe expressam o contexto politico, que,
conforme Scocuglia ( 1997), em termo macroestrutural, constituia-
-se, por urn lado, pelo
outro, pelo populismo progres§ista,demarcado o primeiro, pelo
e_!:: `)
militar em abril de 1964.
Freire (1989), em dialogo com Adriano Nogueira, explica
que a educacao popular surge em fungao de diversas raz6es,
entre as quais:
PAULO FREIRE:
I idneso da educa9ao lntercultural no Brasll 27
al) A i;orma de fazer politico de alguns grupos e movimentos
/jii/jw/ares viabilizou a compreensao da educacao pelos movimen-
l`ts de classes populares relacionada a transformagao da sociedade.
Havia uma relacao muito estreita entre educacao e transfor-
macao da sociedade. Portanto, haveria urn tipo de educa¢5o
nao apenas para transformar as pessoas... mas haveria edu-
cacao que refletisse com as pessoas a transforma9ao do pals
inteiro (FREIRE,1989, p.17).
b) 0 movimento migrat6rio face a induslrializa€ao urba-
i/ti.com expulsao de pessoas do campo, levou os movimentos
it`triiilares a debaterem essa questao, ben como a preocupagao
`.iMi` a educacao de jovens e adultos para educar as massas de
illligrantes para se integrarem ao progresso do pats. Neste senti-
ilit` {} debate e as praticas de educagao de jovens e adultos estao
I'`iltl€ionados a educacao popular.
c) A insuficiencia das escolas para a alendirnertto das classes
|In|IIIlures e a critica a escola e a educacao bancdria' ca;"sa;dora, dzL
i` viltlilo e expulsao escolar de segmentos da classe popular, provocou
• i `lcl)ate sobre nova forma de fazer a escola.
Segundo Brandao (2002a), a critica era de que a educacao
li```t ci.a neutra e servia aos interesses da classe dominante em
`l`ii`I`) sentido: na selecao social de seus incluidos e excluidos,
iiHu si` dava de modo desigual, e na escolha dos conteddos do
t`ii`ii`o, com o objetivo de manter o ideario e a 16gica de pensar
`IIi Hi*Iema capitalista.
A escola era criticada por nao ser democrdtica e nao estar in-
li`tii.iidl` aos espa¢os culturais e tempo historico de sua sociedade.
Como [„.I aprender a discutir e a debater numa escola que nao
mos habitua a discutir, porque imp6e? Ditamos ideias. Nao tro-
camos ideias. Discursamos aulas. N5o debatemos ou discuti-
mos temas. Trabalhamos sobre o educando. Nao trabalhamos
com ele. Impomos-The uma ordem a que ele nao se ajusta con-
cordante ou discordante, mas se acomoda. Nao the ensinamos
Froiro (1983, p. 66 e 67) donomlna de educa9ao bancaria a que se toma Lum ato de deposltar,
•m qua os educandos sao deposi!anos e o educador a depositante I...I 6 o ato de depositar, de
lran8for]r, de transfenr valores e cor`hecinientos. I
28
a pensar, porque recebendo as formulas que lhe damos, sin-
plesmente as "gunrdas". Nao as incorpora, porque a incorpora-
gao 6 o resultado da busca de algo, que exige, de quem o tenta,
esforco de I.ealiza9ao e de procura. Exige reinvengao [...] Insis-
timos entao na necessidade que tern o nosso tempo em ritmo
acelerado de mudan¢as de ter, em nossas escolas, nao apenas
centros de alfabetiza¢ao [...], mas centros onde formem habi-
tos de solidar]edade e de participag5o. Habjtos de investigacao.
Disposig6es mentais crl'ticas. ¢REIRE, 2001 b, p. 90-9] ).
As criticas a escola e ao seu processo de alienagao, na visao
de Freire (1989) incorporavam a resistencia da cultura popular con-
tra a educagao institucional vigente, mas se pensava usar o espago
da escola, por meio de uma educagao que deveria ser democratica,
inclusiva e comprometida politicamente com as classes populares.
Buscava-se criar formas de educa¢ao que nao fossem domesti-
cadoras da cultura popular. Tentava-se reiventar a escola: nao
haveria alunos silenciados, nem haveria gestos sufocados, nem
haveria pessoas excluidas. Em resumo, nao haveria pessoas
analfabetizadas pela evasfro escolar (FREIRE, 1989, p. 60).
Nesta nova forma de fazier a escola, a educapao nfro seria depo-
sitala nem acinulo de conhecimentos. Freire (1995, p. 120) refuta a
ideia de que "o conhecimento se transfira ou se transmita de urn sujeito
a outro que, no caso, recebeha passivamente o "presente" que lhe foi
feito". Para ele, "conhecimento se cria, se inventa, reiventa. se aprende.
Conhecimento se faz. 0 aluno conhece na medida em que, aprendendo
a compreens5o profunda do contetldo ensinado, o aprende. Aprender o
conterido passa pela previa apreensao do mesmo".
A escola, na perspectiva freireana, necessitaria de un estudo que
envolvesse a participapfro e a criatividade dos educadores e educandos,
pressupondo nao apenas o acesso das classes populares a escola, mas
tambem a sua participapao efetiva na vida cotidiana esco]ar.
A educagao popular nao e uma atividade pedag6gica p¢ra, mas
urn trabalho coletivo em si mesmo` ou seja, 6 o momento em
que a vjvencia do saber compar/I.do cTia a experiencia do
poder compartilhado (BRA:INDAO.1984, p. 72).
r'^uio FREIRE:
I i^no9o da educa¢o intercultural no Brasll 29
A educacao popular, nesta perspectiva, 6 a que "o povo cria,"
t`iii contraposi¢ao a educaqao que e direcionada "para o povo", o
`iuc il`iplica na exigencia de uma participaeao efetiva das classes
i``)i`ulares no processo educacional.
Para Brandao (1984, p. 69):
uni movimento revolucionario de educadores surgia contra
a educapao institucionalizada e constituida oficialmente, seja
como sistema escolar seriado, seja como educagao nao for-
mal de adultos. Emergia como proi)osta de re-escrever a
pratica pedag6gica do ato de ensinar-e-aprender, e surgia para
repensar o sentido politico do lugar da educa¢ao.
A educacao popular surge como critica a educaeao institucio-
iii`li/iida oficial e com propostas de mudan9as na escola, mas 6 por
I ii`iiu dos movimentos populares que se efetiva em espagos nao es-
i'i.h`ri`s. Por meio da educapao de jovens e adultos visava-se urn tra-
1tnllweducativoqueseiniciavanac„//#J'c]papa!/or,visando"inovar
• .ti i`iui`inhos de acesso ao conhecimento das ciencias e tecnicas nao
iniiiiilures.Essecaminhodeinovapaobuscavatransformaraescola"
| li'l`lI:IRE,1989, p. 61).
I}randao (2002b) explica que ou//"rapapw/ar e uma ideia-chave
I H in i``t`vimentos de educapao popular dos anos 60. 0 termo e transfor-
niil`Iu dc irma categoria neutra para ideol6gica e politica, ben como a
win c`mcepcao, de sin6nimo de folclore transforma-se "na proposta de
` I liiiil`) de uma cw//2#.a pop"/ar", em que se "identifica o trabalho poli-
1ln.`li'conscientizapaoeorganizapaomilitantedostrabalhadoresrurais
uiii'lii`i`os,apartirdacriticadeumacw/rfurapopr/arimpostaedeinten-
\1`` i it`)I(tica de uma c'w/"rapapci/ar libertadora a construir" ®. 33-34).
('ultura popular compreendida como "expressao cultural que,
Mn r)rop6sito de obter informa¢6es sociais e simb6licas, preserva,
I \.i.iiii¢ra e incorpora elementos cujo conteddo 6 essencialmente po-
i`iiliii.. I`itrtalecendo a consciencia de classe e a orgahizapao popular"
1111 i`Nl`lQUES; TORRES, 2009, p.129).
I lrandao (2002b) chama atengao para o fato de que a ideia de cut-
`m H viii ser repensada pelos movimentos de educaeao popular associa-
iln n N`ii` 6tica, a politica e a urn "projcto de humaniza¢ao". Neste senti-
i li .` `.`ill`im nao 6 vista apenas como produto do trabalho do ser humano
Hi il`i i` !` iiature2a, mas relacionada ao trabalho, a hisforia e a dial6tica.
30
rraha/too,comomodohumanodeapaoconscientesobreomundo;
/7isJc;rid, campo de realizacao e produto do trabalho do holnem:
dfo/Gfroa, como a qualidade constitutiva das relapses entre ho-
mem e a natureza e dos homens entre si, atrav6s de cujo movimen-
to o ser humano crdr a cultura e/cz a hist6ria (p. 38).
Aculfura,pormeiodosmovimentosdeeduca95opopular,pas-
sa a ser alvo de criticas quando nega a afirmagao do ser humano no
processo hist6rico de sun construgao e toma-se alienante. Alienacao
cultural que se efetiva em rela96es de desigualdades e de poder.
Conforme Brandao (2002b, p. 45). os movimentos dos anos
60"reconhecent`n?edwcafo~obrasJ.fejrq`_up±ng_£±±±ngauliena±apro-
dutora de sucessivas estnituras sociais de dominacag_e tradut6ra de
sequentes esquemas simb6]icos de valore`s|
cipios de relag6es sob c6htrole de grupos e classes dominan-tes".
:e:::::T'c:I:gao:ra':"::`?ueri+i:'g;¥zJ..i;9d¥=eg£°:=bersai:±:_Sg:
mos". Assim, para este autor, o que o ivlovimento de Cu]tura Popular
trouxe de novo foi fazer uma critica hist6rica a cultura, como ponto
de partida, e propor urn "trabalho coletivo como hist6ria atraves da
cultura". Por meio da cultura 5 feito urn "trabalho politico de recria-
-Ia com o povo, para conscjentiza-lo atrav5s dela" (Ibidem, p. 47).
Freire (1989, p. 62), tal como Brandao, destaca que mos anos
60, "a educac5opopular nascia nao apenas da cultura dos livros ou
de museus; ela nascia da cultura que os movimentos populares usam
e criam em suas lutas".
c_oji±ecimentos e prim-
1.1.2. Saberes da cultura popular
Paulo Frejre chama atencao para o processo educativo prove-
niente das lutas dos movimentos populares, que se pauta mos saberes
vivenciados na pratica social. Saberes que s5o culturais e envolvem
o corpo inteiro, ou seja, a consciencia e o corpo, a razao e a sensi-
bilidade. Saberes da cultura popular expressos pe]a oralidade, pelo
corpo2, pelo olhar, pelos gestos.
AnaMariaFreire(2006,p.225)explicaquePauloFreirecomeoouafalarsobreocorpo,aloma-lo
como categoria de analise de sua epistemologia a partir das suas idas a Africa".
FIAULO FF`EIRE.
\ ionose da educa9ao intercultural no Brasil 31
\vej a que a mao humana e tremendamente cultural. ELa 6 faze-
!°:a;oe',ad:as[::S,'ba'':daaode;ee::aeev`a:[eb,:'a]daEd:iafi:9:°efin¥ag:°npe°ssstea;
dovimentos pelos quais o corpo humano vira corpo consciente.
coxpo se transfoma em corpo perceptor. E ele descreve, ele
Iota que, em sun transformapao, a vida social esta mudando
\};:bde::|gcr:E¢°6geoe;odnT:::S::-:-:tj#r:eas'v:£d[:.:]an6nchoflxpd:
¢xpressa sLias descobertas, esse corpo se agrvpa em urn grupo
ass exp6e em movinentos sociais Q]REIRE,1989, p. 34-35).
Nesta perspectiva, Freire nao dicotomiza o coxpo e o pensa-
nii`iilo. compreendendo o ser humano em sua inteireza. Afirma: "sou
illnil inteireza e nao uma dicotomia. Nao tenho uma parte esquemi-
l li`ii. iiieticulosa, racionalista e outra desarticuLada, imprecisa, que-
i \`Hil`) simplesmente ben ao mundo. Conheco com meu corpo todo,
t`i`iitiiiiilntos, paixao. Razao tambem" (FREIRE, 2001c, p.18).
Nas praticas sociais, a luta popular de resistencia na busca das
i`. ilu+`1cs das necessidades basicas, vividas no cotidiano, engendra
lilli \i{iber e urn fazer popular, que sao culturais e que se constituem
iii i Niir)orte te6rico da educacao popular. Para Brandao (1984, p. 73):
a educacao popular 6 uma entre outras praticas sociais cuja
especificidade e lidar com o saber, com o co##ec!.me#/a.
Com relac6es de intercambio de saberes entre educadores
eruditos e sujeitos populares, nao atrav6s do "saber em si",
mas atraves da pratica de classe que o toma, finalmente,
mais do que urn sclber 7?ecessdrl.a, aquilo a que pode ser
dado o none de urn Saber orgGHi.co.
N(}s anos 60, por parte dos intelectuais e dos movimentos po-
iiul«i.i.I, liavia uma critica as condi96es sociais de produ¢ao cultural
``ili viHC`i`cia, por reproduzir a cultura da classe dominante, e a va-
liit l/iiiil() a o desenvolvimento de experiencias da cultura popular.
" Ill.MliMi-`se de ir as fontes populares, no campo ou na cidade e, des-
ilo "Ill i". {t partir de urn "saber do povo" em direg5o a criacao cultu-
iill `1`` iill` `.saber de classe" (BRANDAO, 2002a, p.146). Destaca,
iilnllll. i`xtc aiLtor qile:
32
pelaprimeiravezsurgeapl.opostadeumaeduca¢aoqueepo-
p"/arnaoporqueoseuti.atialhosedirigeaoperaliosecampo-
nesesexcluidospremafuramentedaescolaseriada,masporque
o que ela "ensina" vincula-se organjcamente com a possibili-
dade de cnagao de un saber popular, atraves da conquista de
uma educagao de classe, instrmento de unia nova hegemonla.
(BRANDAO,1984, p. 70).
A educa¢5o popular, entao, traz para debate a questao epis-
temo]6gica da legitimagao social do saber popular, que historica-
mente, pelo seu corte de classe, genero e etnia, e desvalorizado em
detrimento do saber cientffico.
Para Chaul' (1990) o saber cientl'fico se reveste de urn cara-
ter opressor na sociedade modema, constituindo-se esse saber em
elemento de diferenciagao de classe social. A cultura dominante se
apresenta como "saber de si e do real" e a cultura dominada como
"n5o-saber". E isso se constitui em uma:
forma nova e sutil de reafirmar que a barbarie se encontra
?o povo na `dimensao da `incultura' e da `ignorancja',imagempreciosa`-.pTaEaThThi5iilfaare--s-ob
deu-miaa`O-,-i=_a±;u_u-.nvi+~eur=':i:i::-;:I:d:?sDab:io-`d%p:I:¥
tralidade e disfaTca set-I -carater opressor; de
`ignorancia' do povo serve para justificar a nece dede
de dillgi-lo do alto e, sobretudo. para identificar a possl'vel
consciencia da dominagao com o irracional, visto que lutar
contra ela seria lutar contra a verdade (o racional) fomecida
pelo conhecimento (CHAui, I 990, p. 5] ).
0 saber cientffico apresenta-se como rigoroso e sistematico. es-
tando vinculado ao processo de escolarizapao, e o saber popular, vin-
cu]ado ao senso comum e a `tradigao oral", constitui-se na expressao
doserhunanodaquiloqueevividoconcrctamente,oseufazer,assuas
ac6espraticaseexperienciascotidianas.ParaBrandao(1984,p.25):
o que diferencia os dais saberes 6 que o saber `endito' tomou-
-se uma forma pr6prla, centralizada e legitima de conlieci-
mento associado a diferentes instancias de poder, enquanto o
`popular', restou difuso, nao centi.alizado em unia agchcia de
especialistas ou em urn polo separado de poder, no interior da
vjda subaltema da socjedade,
outro lado. a
PAULO FREIRE:
1 ]Oiiese da edqca¢o intercultural no Brasjl
33
A educa¢ao popular, desta forma, evidencia o carater apiste-
iii`ildgico do saber popular. Martinic (1994) refere-se a sabedoria
ittt|iiilar como urn saber que transcende o acontecer pratico do sujei-
l`i, ..ttlistituindo nun processo de elaboracao que envolve abstragao
r I.`cileralidade. i urn saber que tern urn carater organico porque:
foma parte de los procesos de formaci6n de identidades
colectivas y es el producto de la elaboraci6n critica que los
hombres tienen de su propia visi6n del mundo [...I Este
conocimiento no solo tiene rna estructunci6n 16gica, sino que
responde a un sistema global de comprensi6n, donde lo que se
sabe sobre rna cosa o fen6meno se relaciona y compara con
otros. integrando tales hechos en un sistema cognoscitivo mss
amplio (MARTINIC, 1994. p. 72 e 76).
Ncsta perspectiva, a legitinidade do saber popular esfa na sun
iii `'.I)I.ii` racionalidade, por apresentar uma estrutura prdpria, apre-
t\``iilniidt) uma sistemathaeao fundamentade "en met6dicos sistemas
ili` ji`tliigaci6n". mas que expressa a realidade institucionalizada
I",I" tt ,.,, po social.
I..I.eire e Faundez ( 1985a, p. 57) estabelecem rna relagao dia-
l``lli.ii i`illl.i` o saber cientifico e o saber do senso comum e conside-
iinn n `iiiiao entre os saberes como fundamental para a luta politica
nu i'il`Icii¢ao. A posi¢ao de Freire (1985a, p. 59) 6 a de "nem ser
i`llll.ilii I`ci`` basista", mas a ds "comunhao entre o senso comun e a
I lp.ui nHitli`de", considerando que: .`toda rigorosidrde conheceu urn
nn ii`ii`iil`t dc iiigenuidade e nao ha nenhuma rigorosidade que esteja
•`-liil`l I i;tidi`". Haveria, entao, urn processo hist6rico e permanente
`1`` viiiii.I.iitilo do saber: "o que 6 absolutamente rigoroso hoje, pode
|i\ iir`.. *i`r {imanha. e vice-versa".
I 'i'i`iri` ( 1989. p. 19-20) define a educapao popular .`como o es-
liii ` u Ill. i``itbilizacao, organizacao e capacitagao das classes popu-
lui i'.i. `.iii`iiuitu+`ao cientifica e tecnica", sendo necessaria a organiza-
` nu iuii`ulllr nor meio de un "saber que 6 sistematizado ao interior
il`i iwi I "iiil`cr-l`azer" proximo aos grupos populares'., para o exerci'-
` li . I ln |`u`Icr, para t`azer a escola de outro jeito. Compreende que:
o conhecimento mais sistematizado 6 indispensavel a luta po-
pular e ele vai facilitar os programas de atuar [„.] mas esse
conhecimento deve percorrer os caminhos da pritica. Esse per-
curso, ele 6 imediato, o conhecimento "se di" a reflexaoatraves
dos corpos humanos que estao resistindo e lutando, estao (por-
tanto) aprendendo e tendo esperan9a (FREIRE,1989, p. 25).
Destaca, ent5o, a necessidade da interagao entre os saberes na
luta politica da educac5o popular. Para ele, urn dos temas fundamen-
tais e atuais da etnociencia 6 o de:
cono evitar a dicotomia entre esses saberes, o popular e o eiudito
ou o de como compreender e experimentar a dialedca entre o
que Snyders chama `cultun primeira' e `cultura elaborads"' e
que, "o respeito a esses saberes se insere no horizonte maior em
que eles se geram - o horizonte do contexto cultural, que nao pode
ser entendido fora do sou corte de c]asse [...] 0 respeito, entao,
ao saber popular implica necessariamente o respeito ao contexto
cultunl (FREIRE,1993a, p. 86).
Assim, a relacao entre os saberes est& dimensionada na educa-
gao popular no campo politico e cultural. Respeitar os saberes dos
educandos significa respeitar a sua foma de expressar, a sua lin-
guagem, os saberes culturais apreendidos em suas praticas sociais,
como os da religiosidade, da sailde, enfim, respeitar a sua cu]tura. E
o respeito as culturas pressup6e o dialogo, ou seja, a relagao dial6-
gica entre as mesmas.
Freire (1993c, p. 99) questiona o fato da linguagem das crianeas
das classes populares nao serem reapeitadas na escola, sendo conside-
rado apenas o padrao culto de lingua porfuguesa do Brasi]. Considera
a necessidade de compreender-se que a linguagem envolve quest6es
ideoldgicas e de poder. "Se ha urn "padrao culto" e porque ha outro
considerado inculto. Quem perfilou o inoulto como tal?"
0 que tenho dito e por que me bato e que se ensine aos meni-
mos e meninas populares o padrao culto, mas, ao faze-lo, que
se ressa]te :
a) que sua linguagem i tao nca e tao bonita quanto a dos que
falam o padrao culto, raz5o por que nao ten que se envergo-
nhar de como falam.
PAULO FREIRE;
iione§e da educacao intercultural no Brasil 35
b) que mesmo assim e fundamental que aprendam a sintaxe e a
pros6dia dominantes para:
I ) diminunm as desvantagens na luta pela vida;
2) ganhem urn instrunento fundamental para a briga necessalia
contra as injusticas e as discriminag6es de que sao alvo (FREI-
RE,1993c, p. 99 -100).
A referchcia da educagao popular em Paulo Freire 6 a acao cultu-
i'`il. i`ntendendo a cultura vinculada aos movimentos e relac6es sociais.
Ni'.`Ie sentido, a cultura n5o 6 apenas a erudita, mas tambem a popular.
( '` iltui.a "seria o que da sentido nas relap6es humanas" (FREIRE, 1989,
it. (` I ); "e tudo que o [ser humano] cria e recria" (1981, p. 56).
Todos os produtos que resultam da atividade do homem [ e
das mulheres], todo o conjunto de suas obras, materiais ou
espirituais, por serem produtos humanos que se desprendem
do homem [e das mu]heres], voltam-se para ele [ela] e o [a]
marcam, impondo-lhe formas de ser e de se comportar tan-
b6m culturais. Sob este aspecto, evidentemente, a maneira
de andar, de falar, de cumprimentar, de se vestir. os gestos
sao culturais. Cultural tambem e a visao que ten ou estao
tendo os homens [e as mulheres] da sua pr6pria cultura, da
sua realidade (FREIRE,1981, p. 57).
Nesta perspectiva, a cultura e inerente ao existir humano e
ln/ i`iirte do seu processo hist6rico de humaniza9ao, ou seja, o
il``i. humano ao criar cultura faz a si mesmo e a sua hist6ria, na
n i`.ilidi` em que e urn ser em permanente tomar-se e fazer-se. Para
I lI'iiii(lilo (2002b, p. 22):
n6s somos aquilo que mos fizemos e fazemos ser. Somos o que
criamos para efemeramente nos perpetuarmos e transformar-
mos a cada instante. Tudo aquilo que criamos a partir do que
mos 6 dado, quando tomamos as coisas da natureza e as recria-
mos como os objetos e os utensilios da vida social rapresen-
ta uma das multiplas dimens6es daquilo que, em uma outra,
chamamos de: cw//wra. 0 que fazemos quando inventamos os
inundos em que vivemos: a familia, o parentesco, o poder do
estado, a religiao, a arte, a educagao e a ciencia, pode ser pen-
sado e vjvido em uma outra dimens5o.
36
Na vjsao deste autor, a cultura faz parte do processo de criacao
de mundos. Em sua relagao com a natureza o ser humano cria for-
mas de ser e de viver diferentes, constituindo-se a experiencia social
da cu]tura "todo o complexo e diferenciado aparato de ordenagao
da prdpria vida social" (BRANDAO, 2002b, p. 24). Ao transformar
a natureza dando-lhe significado, homens e mulheres fazem-se no
mundo como seres culturais.
Assim, no debate sobre a transformagao da escola, a mudanga
perpassa pelo jeito de entender a cultura e a realidade social e por
modifica€6es no ambiente escolar.
A escola democratica nao apenas deve estar permanentemeiite
aberta a realidade contextual de seus alunos, para melhor com-
preende-los, para melhor exercer a sua pfatica docente, mas
tambem disposta a aprender em suas relag6es com o contexto
concreto (FREIRE,1993c, p.loo).
Os movimentos populares ao correlacionarem educap5o e trams-
formagao, possibilitaram a ainpliapao do entendimento sobre cultura.
Educagao popular, cultura e mudan¢a social andam juntas, com o ob-
jetivo de transformar pessoas, as priticas de educar e a sociedade. Esta
compreensao dr relapao da educapao com a mudenca social perpassa
al6m do conceito de cultura, pelo conceito de hist6ria. 0 ser humano e
"criador da cultura" e "fazedor da hist6ria" (FREIRE, 1980a).
A hist6ria em Freire (2000, p. 120) e possibi]idade e o futuro
problematizado, isto significa que nao ha uma determinagao hist6-
rica nem urn futuro inexoravel. 0 ser humano, face a sua conscien-
cia de inacabamento, intervem no mu]ido, "faz a hist6ria em que
socialmente se faz e se refaz". Por isso, "a razao de ser da vida esta
se dando. E nao esfa dada, nem terminada" (FREIRE,1989, p. 43).
A educapao popular, neste sentido, surge do movimento de
conquistar e inovar tanto o espaco escolar quanto os nao escolares,
ja que os movimentos populares tamb6m Cram vistos como educati-
vos, na perspectiva da transformae5o social.
Mas e importante considerar que ha niveis de educapao popular,
que s5o estabelecidos em fungao das caracten'sticas de suas lutas: as
ongo77jzc7c/ds, sindicais, partidirias ou regionais e as co/I.dzcwas, envol-
vendo as lutas dialias pela agua, moradia, entre outras, cuja forma de
ensinar e a aprender ten como base a sobrevivencia (FREIRE, 1989).
1 '^ULO FREIRE:
I i^i iugo da educacao intercultural no Brasil 37
1.2. A Experiencia Educacional de Paulo Freire
no Movimento de Cultura Popular
Para Scocuglia (1997) o final dos anos 50 e inicio dos anos 60
`'. urn periodo hist6rico fertil de propostas inovadoras em relag5o a
I``lui.i`¢ao e, especificamente a educacao de jovens e adultos, pelos
ililivimentos de cultura e de educa¢ao popular.
() autor (1997) destaca entre esses movimentos de educacao
iinitHlur: os de jteci/e: Movimento de Cultura Popular (MCP); Ser-
v i`.n {lc Extensao Cultural da Universidade do Recife (SEC); Uniao
`li" I '`,studantes de Pemambuco e Diret6rio Central dos Estudantes
ili` I )i`iversidade do Recife; o de Joao Pessoa/Para!'b¢: Campanha
i 1`` I .Mlca¢ao Popular da Paraiba (CEPLAR); o de Ira/a//Ri.a Grc}wde
/„ Mti'/i.: Campanha "De p5 no chao tamb6m se aprende a ler";
^llHic`ts -do Govemo do Rio Grande do Norte; em Osclb`co -Sa~o
/'iiii/ii` em Bras!'/I.¢: Plano Nacional de Alfabetizapao (PNA-MEC)
i` ,`'i ./.,ir/./Jt./R/.a de Ja#cl.ro: Projeto Nordeste e projeto Sul financiados
it``lu l'N A-MEC. Mas essas mtiltiplas forgas politicas de setores me-
`llm u ii()pulares incluindo Paulo Freire, que teve sob seu comando
uni itliii`o de alfabetizagao deadultos em todo o Brasil, foram repri-
iHI`Iiiw iielo golpe de 1964.
I ii`tre essas experiencias, analisarei a do Movimento de Cultu-
I n I'ni)`ikir de Recife, que Paulo Freire menciona em suas produ¢6es
ii iin `iiii`l leve uma participapao efetiva, por meio da educacao de
|i i\ i`IIN c i`duLtos.
Ii`i..lil.e (1985b), em dialogo com Frei Betto e depoimento ao
i`'i`i.u lci. Ricardo Kotscho, explica que a genese de sua proposta de
``ilni.il`.il`t de jovens e adultos, nao nasce com a Pet/agogz.4 do Opr!.-
i.i/i/... i`,`crito em sua fase de exilio, e sin na experiencia de cam-
|`.i. Hit iiiii.endizado mos circulos de pais e professores no SEsl de
l'w "ii````uco, quando coordenou o projeto de educapao de jovens e
illlull`ii. c, Iios anos 60, no Movimento de Cultura Popular.3
( ) M(}vimento de Cultura Popular criado em Recife, em 13 de
iiii.lu Ill. 11)60, tinha como objetivo: "conscientizar as massas atTaves
`lii wl li`l`cli/.acao e educa¢ao de base [...] e incorporar a sociedade os
iiillliMi.i`H tlc proletarios e marginais do Recife" (GOES,1991, p. 51).
• rr.lr. ( 1985b) partlcipava de urn grupo de intelectuds e arfstas, sob a lidenma de Germane coetho
dd. oriipe, a convite do prefetto do Redie Mlguel Amaes, onou o Movbento de Cultura Popular
38
Os objetivos do Movimento de Cultura Popular conforme es-
tabelecidos em seus estatutos sao:
I -promover e incentivar, com a ajuda de particulares e dos
poderes ptlblicos, a educacao de criancas e adultos; 2 - aten-
der ao objetivo fundamental da educagao que € desenvolver
plenamente todas as virtualidades do ser humano, atraves
da educa¢ao integral de base comunitaria, que assegure,
tambem, de acordo com a Constituigao, o ensino religioso
facultativo; 3 - proporcionar a eleva¢ao do n]'vel cultural
do povo preparando-o para a vida e para o trabalho; 4 - co-
laborar para a melhorja do nivel material do povo atrav6s
de educagao especializada; 5 - formar quadros destinados a
interpretar, sistematizar e transmitir os multiplos aspectos
da cultura popular (ANA MARIA FREIRE, 2006, p. 129).
0 Movimento de Cultura Popular propunha-se por meio de
seus objetivos promover a educacao para todos, criancas e adultos,
numa perspectiva de formapao integral, cuja base seria a prdpria
comunidade e a cultura popular.
Para G6es (1991), o Movimento diversificou seu campo de
agao e incorporou novos tipos de contatos com a massa por meio de
ndcleos de cultura popular, alfabetizacao e educa¢ao de base, teatro,
esportes, artes plasticas, entre outras, visando "sintetizar na mesma
unidade o esforgo do movimento popular com o es for?o do movi-
mento de cultura popular" a. 5 I ); modos de acao que transcendem
a mera doag5o de bens culturais produzidos intemamente pelo mo-
vimento e oferecidos a comunidade como ato de consumo, por meio
do assessoramento e o incentivo a producao de cultura desenvolvida
pelos ndc]eos de cultura das organizag6es populares.
Conforme depoimento de Paulo Rosas no Memorial do Movi-
mento de Cultura Popular:
o projeto do MCP foi rapidamente dinamizado. De 1960 a
1962, contou entre suas realiza96es com 201 escolas, 626 tur-
mas, 19.646 alunos, crian9as, adolescentes e adul(os; uma rede
de escolas radiofonicas: urn centro de artes plast\cas e artesa-
nato; 452 professores e 174 monitores, ministrando o ensino
correspondente ao primeiro grau, supletivo, educa¢ao de base
e educagao arti'stica; uma escola para motoristas mecanicos,
I '^ULO FFiEIRE.
|inno86 da educa¢o intercultural no Brasil 39
cinco pragas de cultura que levavam ao povo bibliotecas, te-
atro, cinema, telecLube, mdsica, orientapao pedeg6gica, jogos
infantis, educap5o fisica; Centro de Cultura Dom Olegarinha,
no Po¢o da Panela, em colaborac5o com a Par6quia de Casa
Forte; circulos de cultura, galeria de arte e conjunto teatral
(apud ANA MARIA FREIRE, 2006, P. 131 ).
Explica Ana Maria Freire (2006) que ap6s a extincao do Movi-
i I i`.Ii`i) de Cultura Popular pelo govemo militar, essa rede diversifi-
I .ii` hi tlc ensino construida deu origem a rede ch Secretaria Municipal
iln lti.cit`e. Essa autora e G6es (1991) destacam que o Movimento
`l`i ( `iiltura Popular cresce com o trabalho pedag6gico realizado por
l'iull`) T``ri`ire com jovens e adultos, cuja metodologia foi gestada no
• '``Hli'`i de Cultura deste Movimento.
I ,2.I. Metodologia Freireana: g6nese has reflex6es
sobre a prftica Dos circulos de cultura
( ) Movimento de Cultura Popular foi importante para a elabo-
i il\.I`n `l(I proposta metodol6gica de alfabetiza¢ao de adultos de Pau-
ll i I I I i`ii.c, pela eficacia do trabalho, no interesse por ele despertado,
iiii viviicidade nas discuss6es e na curiosidede critica, na capacidade
iiii`. uw gI.iipos populares revelaram conhecer, bern como, por refletir
•i il`i`i. `).` ¢rros e repetir os acertos metodol6gicos de suas experi6n-
I Ink `lu I+E:S[. Conforme sua faLa, o que fez foi "aprofundar e com-
iiiti``iiili`i. iiiclhor a luz das praticas em que me envolvi e da reflexao
I.ii\i l`.ii 11 i|lie sempre me entreguei" (FREIRE, 2003b, p.162).
Preocupado na pratica educativa informal, com o autoritaris-
iiio e o mecanicismo da esco/a /rczdi'cz.o»a/, pensei na cria¢ao
de jnstituicao aberta, viva, curiosa [...] foor meio de] pralicas
tlcmocraticas em que o processo de conhecimento era vivido
dinlogicamente, desde a pr6pria escolha dos ody.e/os cog7?asc]'-
`i(i/.,`. em que, por isso mesmo, co#¢ecer nao era receder co"4e-
t`//tltjii/a mas produzi-lo (FREIRE, 2003b, p. 160).
40
Neste Movimento, Paulo Freire coordenou os denominados
"Centros de Cultura" e "Circulos de Cultura".
Os primeiros Cram espa9os amplos que abrigavam em si cl'r-
culos de cu]tura, bibliotecas populareso representa¢6es teatrais,
atividades recreativas e esportivas. Os circulos de cultura eram
espagos em que dialogicamente se ensinava e se aprendia. Em
que se conhecia em lugar de se fazer transferencia de conhecj-
mento. Em que se produzia conhecimento em lugar de justapo-
si9ao ou da superposigao de conhecimento feitas pelo educador
a ou sobre o educando. Em que se construiam novas hip6teses
de lejtura do mundo (FREIRE, 2003b. p. 161 ).
Freire (1985b, p.14) explica que o circulo de cultura foi rna
experiencia iniciada em Recife, que funcionava entre dois e tres dias
semanais e em que se "trabalhava com duas, tres ou ate vinte pesso-
as". Define o Circulo de Culfura como uma:
instituigao de educa¢ao popular, que funciona com tecnicos de
educa¢ao informal, auxiliado por recursos audiovisunis. Seu
carater dinamjco esta em correspondencia nao s6 com os obje-
tivos de urn programa de promo¢ao e organiza9ao de comuni-
dades rurais, senao tambem com a tomada de consciencia que
estas comunidades tern lido de seus problemas, ainda que em
termos ingenuos [...] 5 uma instiwhc5o dinamica, com ra]'zes na
realidede local, regional e nacional. Por isso, sua programagao
deve atender is necessidades e esperangas desses grupos. Uma
peculiaridade do Circulo de Cultura e seu nascinento. Ele sun-
ge da base. Jamais deve ser imposto de cima para baixo ffREI-
RE.1968 apud TRIVINOS; ANDREOLA, 2001, p. I 33 -134).
Os Circulos de cultura sao "centros em que o povo discute
os seus problemas, mas tamb6m em que se organizam e planificam
aq6es concretas, de interesse coletivo", existindo uma relacao di-
namica entre os ci'rculos de cultura e a pratica transformadora da
realidade (FREIRE,1985c, p.141).
Henriques e Torres (2009, p. 116) compreendem o Ci'rculo de
cultura como:
PAULO FREIRE:
I iolie§e da educacao intercultural no Brasil41
o espa9o de a¢ao educativa em que os participantes est5o
envolvidos em urn processo comum de ensino e aprendiza-
gem, com liberdade de fazer uso da palavra (se expressar),
intervir, estabelecer relag6es horizontais, vivenciar ac6es
coletivas em comum, re-signjficar suas praticas e concep-
c6es, reler o mundo em que estao inseridos; isso mediados
pelo dialogo, mum processo reflexivo.
Os circulos de cultura expressam na pfatica da educagao de jo-
vi`i`* c adultos as mudangas necessdrias para o trabalho com segmentos
llii` classes populares, com o objetivo de superar a educa9ao bancalia.
Assim, em lugar da escola, que mos parece urn conceito, en-
tre n6s, demasiado carregado de passividade, em face de nossa
prdpria foma9ao (mesmo quando se lhe da o atr]buto de ativa),
contradizendo a dinamica fuse de transi95o, lan9amos o C'i'rc2t-
/a de C#/furcl. Em lugar de professor, com tradi¢5es fortemente
"doadoras", o C'oo#de#ador de Deha/es. Em lugar da aula dis-
cursiva, o c/I.a/ago. Em lugar de aluno, com tradig6es passivas,
o par/i.CZZ)a#/e de g7"po. Em lugar dos "pontos" e dos progra-
mas alienados, programafGo compac/c!, .`reduzida" e "codifi-
cada" em unidades de aprendizado.(FREIRE,1980a, p. 103).
( ).i circulos de cultura apresentam rna co72cepgr~o c/c edwca-
\ I /. . `1 iLilttgica, cr{tica e democritica; com »ov¢S es„c7/Ggr.as meJodo-
/. i,L:/i .I /.`': o dialogo e o debate em grupo; com wovas pap6is dos a/ores
•'.///. ../t./'t/na/..T: o educador como mediador do debate e os educandos
` uiii.. it{`rticipantes, e #ovo c#rji'cw/a organizado por unidades de
iiiu ``ii`li/(`do, tendo como eixo a cultura.
I .2.I.I. Os temas geradores, os temas de dobredicas
e as palavras geredoras
I ).I projetos dos circulos de cultura nao tinham uma progra-
iiiii`'i``i i.`iiistruida cz prz.or7., mas elaborada a partir da consulta aos
ui uiw iw. 1*1() significa que os temas debatidos mos circulos de cultura
1`111 u Hl.ll|)t) (|ue estabelecia.
I';wc movimento de surgir os temas dos grupos populares foi
|`lM ``i`li`i`li. da reflexao critica de Paulo Freire sobre a sua experi-
•lli'lii il.` .`tlllcacao de jovens e adultos no SESI, no qual fazia urn
discurso sobre temas que considerava importantes para os outros
(FREIRE, 1985b). Ele, entao, aprendeu na pratica, o que denominou
posteriormente de "a substantividade, a radicalidade democratica",
ou seja, uma a?ao profundamente democratica, antielitista e antiau-
toritdria. Entretanto, os educadores poderiam acrescentar a proposta
do grupo outros temas, que Freire na Pedagogia do Oprimido de-
nomina de "temas de dobradi¢a", isto e, "assuntos que se inseriram
como fundamentais no corpo inteiro da tematjca, para melhor es-
clarecer ou iluminar a tematica sugerida pelo grupo popular". Frei-
re partia do seguinte pressuposto: "ha uma sabedoria popular, urn
saber popular que se gera na pratica social de que o povo participa,
mas as vezes, o que esta faltando e uma compreensao mais solidaria
dos temas que comp6em o conjunto desse saber".
Assim, ao introduzir os "temas de dobradiqa" o educador po-
pular viabiliza a compreensao mais critica da tematica proposta pelo
grupo, possibilitando, tamb6m, a interagao entre os saberes popula-
res e o erudito. Na busca pelas tematicas significativas esfa presen-
te a problematizacao dos pr6prios temas, ben como a investigacao
se expressa "como urn quefazer educativo. Como agao cultural"
(FREIRE,1983, p.122).
Nesse processo de forma€ao critica do educando, por meio das
unidades {emiticas, o ponto de partida e o conceito antropol6gico
de cultura que envolve a distin¢ao entre o mundo da natureza e o
da cultura, o papel do ser humano com a sua realidade, o sentido da
mediagao da natureza para as relac6es e comunicac6es humanas, a
cultura como producao humana, a humanizagao e a democratizaeao
da cultura, entre outros aspectos. (FREIRE,1981 ).
Nos circulos de oultura, segundo Freire ( 1985b), o que se pro-
punha era o debate sobre cultura, sobre "o que e cultura.'.
No fundo era urn debate que tinha a vcr com as relac6e§
entre o ser humano e o mundo; o papel do trabalho na trams-
foma€ao do mundo e o resultado dessa transformagao se
consubstanciando na crja9ao de urn outro mundo que, esse
sin, 5 criado por n6s: o mundo da cultura que se alonga no
mundo da hist6ria (p.15-16).
PAULO FREIRE:
()One§e da educa¢o intercultural no Brasil 43
Sobre a compreensao da cultura, Freire (1985b, p. 22) destaca
u l`ala de uma alfabetizanda ao discutir uma situncao em que havia
ui`` jarro com flores dentro:
quandoouvipelaprimeiravezumamulher,nodebate,dizer:
"nesse quadro que esta ai, eu vejo cultura e vejo natureza".
Ja haviam chegado ao dominio dos dois conceitos. E dizer
a mim: "por exemplo, ai, e natureza, a flor... i cultura, o
jarro, mas e cullura, tamb6m, a flor". E eu disse: "mas, vein
ca, entao, a cultura, a natureza, a flor... A flor e cultura ou
natureza? 0 que 6 que ela e?" Ela disse: "e natureza porque
6 flor e 6 cultura porque 6 arranjo".
Relata, ainda, que ap6s o debate, os educandos compreendiam
Mtusuapraticasocial(fazercomobarroumjarro,fazerumburaco
i` hu`car agua) uma pratica cultural e percebiam a possibilidade de
iilll`li`r as condig6es sociais e politicas que envolvem interesses de
I liih`i`` na medida em que envolve a participacao dos seres humanos
U,'l(li:IRE,1985b).
Assim, a importancia do debate sobre a cultura na aeao edu-
`'Hlivn e viabilizar a conscientizaqao critica do educando que ele e
iiin Her cognoscente e cultural, capaz de conhecer e intervir como
il`i)i`il(i no mundo.
I.i`ra Freire (1989), o conceito de cultura foi necessario ao mo-
` liili`lll() de educa9ao popular e possibilitou inovar os caminhos de
M ``iHu i`o conhecimento, ben como ajudou o trabalho educativo a
uiliilliu. l``ais espa¢o. A Cultura, segundo Henriques e Torres (2009,
i` I `11). na educagao popular, constitui-se em uma "acao de refle-
`nw `ii`i instrumento popular de conscientizacao, politizagao e ex-
i`i `.wiltt de classe.'.
I )`ts temas sugeridos e trabalhados pelo grupo emergem as pa-
lMimH..radorasqueprecisavamserdescobertasnaareapopular,na
i|uol lI.illt.ilhava, por meio da "pesquisa do universo minimo voca-
llolluJ`. iiiie segundo Freire (1985b, p.19), em cer[o sentido, foi pre-
I w ww tltt que hoje se denomina de .`pesquisa-agao" ou "pesquisa
iwn I li`iiiui`tc". Explica que "era tentando compreender a lingungem
|`i.iiillin. c descobrir as palavras mais carregadas de emogao, mais
` ioi'i`un.Ills de sensibilidade, mais ligadas a problematica da area,
iw n ti,i`i``¢ elaborava o programa". E ainda, na escolha da pala-
44
vra geradora Cram necessarios alguns criterios: a palavra deveria
ter uma indiscutivel for€a e uma significagao viva dentro na area; a
palavra deveria propor ao alfabetizando uma convivencia com as di-
ficuldadesfon6ticasdalingua,eseremlevantadostemasdeaspectos
politicos, econ6micos, sociais e hist6ricos que estao referidos em
cada palavra geradora.
Na Pedagogia do Oprimido, Freire explica que na alfabetjzacao
investiga-se a palavra geradora e na p6s-alfabetjza¢5o o tema gerador.
Assim,ainvestigacaotematica,pormeiododialogonocl'rculoculfural,
constitui o ponto de partida do processo libertador da educapao popu-
lar de Freire, delineada de forma mais especi'fica em algumas de suas
obras, entre as qunis destacamos: Pedagogia do Oprimido, Educapao
como Pratica da Liberdade e Extensao e Comunicapao.
A pritica de apao cultural, desenvolvida no cfroulo de cultura, 6
uma educapao popular, por ser engajada com os interesses das classes
populareseumaapaoeminentementepolitica¢REIRE,1985b).
As pessoas reunidas mos "cl'rculosde cultura" iam pouco a
pouco aprendendo e reaprendendo a "ler o seu mundo". Iam
descobrindo o queja sabiam e o que nao sabiam ainda, para
entender melhor como o nosso Mundo e, como ele poderia
ser... e o que deveria ser feito para ele ser urn mundo melhor.
Urn mundo mais humano, mais solidario e mais feliz [...I as
pessoas jam aprendendo como e que a gente vive no mundo.
Como 6 que a gente trabalha e convive. E como e que, des-
se jeito, a gente esta sempre criando e recriando o NOSSO
MUNDO. Urn "mundo de cu]tura", dentro de urn .`mundo de
natureza" (BRANDAO, 2005, p. 69-70).
Freire, em Ed"cafo-a e A4wdcI#ccI, apresenta alguns resultados
dos Ci.rculos de Cultura evidenciando a sua importancia na educa-
9ao de jovens e adultos:
entre urn mss e meio a dois meses, com circulos de cultura fun-
cionando de segunda a sexta-feira (cerca de uma hora e meia)
deixavamos grupos de 25 a 30 homens [e mulheTes] ]endo e
escrevendo. Com move meses de trabalho na frente do Progra-
rna Nacional de Alfabetizacao de Jovens e Adultos I...] conse-
gujmos com nossa equipe da Universidade do Recife preparar
quadros em todas as capitais brasi]eiras. Ao mesmo tempo em
lJAULO FREIRE:
I iflr\es© da educacao jntercultural no Brasil
45
que preparivamos esses quadros, iam-se formando circulos
experimentais, com os quais se ampliava o ntlmero de coor-
denadores para a extensao da campanha [...I A estas alturas,
deveriamos ter funcionando no Brasil, mais de 20.000 circulos
de cultura na etapa da alfabetizacao, pois t]'nhamos tra€adas as
etapas posteriores com que aprofundariamos os conhecimentos
dos rec6m-alfabctizados (FREIRE,1981, p. 79).
Henriques e Torres (2009) enfatizam que a disseminacao dos
( '`i'ciilos de Cultura proporcionou aos indivi'duos o reconhecimento
il`i.I r)orques e de como se da a situapao de exploracao e opressao,
I `.,it!illando experiencias de lutas e procurando estabelecer uma uni-
il`i(Ill de ac6es e de objetivos, bern como, possibilitou a reconstrugao
il`. iliirte da subjetividade das pessoas e o resgate de sonhar do povo
iwilil-i` a libertacao.
A educacao popular de Paulo Freire, encao, ten sua genese na
i``|`criclnciavividanoMovimentodeCulturaPopular,emcujapfati-
`'ii I.`ti revelando a sun natureza poli'tica, mas tamb5m, foi consolida-
iln \`lli leituras te6ricas, entre as quais, Marx e Gramsci, al6m de ted-
I l..ii` l`ilnomenol6gicos, existencialistas, humanistas e personalistas.
I .3. Aportes te6ricos da educacao popular
de Paulo Freire
li`i'cire (2003b) explica que a compreensao da importancia da
I iillnlu I)(`lo Movimento de Cultura Popular teve influencia de Gra-
iiiM ^l`ii.mou que: "sem o saber, estavam nas pistas de Gramsci e
`1`. .`\ i`i`lcar Cabral, no que diz respeito a sua compreensao dial6tica
ilu ( 'ullura. do seu papel na luta de libertagao dos oprimidos" to.
I `/I I. t+iLua a a¢5o cultural no nivel da superestrutura (1980c).
( ;I.iunsci, tendo como referencia Marx, elevou o conceito de
•iii ```ri``li.Litura a uma importante posigao na organiza€ao social e na
l`lln i`ul`lica. Pelo conceito de a/oco ¢I.sJ6rJ.co estabelece uma rela-
` a. . `li` I.cciprocidade entre a estrutura e a superestrutura. Esta como
•'-l.`li`iuii tttlalitario de ideologias reflete racionalmente a contradi-
`nn iln i`t{trutura e representa a existencia das condig6es objetivas
ii.ii n M ji`vi.i.sao da praxis" (GRAMSCI,199lb, p. 52).
46
No livro Co#scJ.e7i/z.zapGo, Fre!.re explica que a "cultura do si-
lencio" 6 resultado das rela?6es estruturais entre os dominados e o
dominador, cujas relag6es refletem o contexto social mais amplo e
sup6em que dominados assimilem os mjtos culturais do dominador.
Para compreender a cultura do silencio, considera a necessidade de
compreender-se a depend6ncia como fen6meno relacional.
i verdade que a infraestrutura, criada nas relac6es pelas
quais o trabalho do homem transforma o mundo, da origem
a superestrutura. Mas tamb6m e verdade que esta, Inediati-
zada pelos homens que assimilam os seus mitos, volta-se
para a infraestrutura e a "sobredetermina". Se nao existisse
a dinamica destas rela96es precarias nas quais os homens
movimentam-se e trabalham no mundo, nao poderiamos fa-
lar nem de estrutiira social, nem de homens, nem de mundo
humano (FREIRE,1980c, p. 64).
Conforme Oliveira (2006a) Gramsci ressalta o papel fun-
damental da superestrutura no processo de transformacao social.
Utiliza o termo ca/arsi.s, para "indicar a passagem do momento
puramente econ6mico (ou egoista-passional) ao momento etico-
-politico. isto e, a elaboracao superior da estrutura em superes-
trutura na consciencia dos homens" (199lb, p. 53). Essa passa-
gem significa, ajnda, o movimento do "objetivo ao subjetivo" e
"da necessidade a liberdade".
Assim, a passagem das reivindicag6es corporativas, dimensiona-
das no plano econ6mico para reivmdicacdes sociais e politicas
mais amp]as, dimensiona no plano da superestrutura uni cafater
eticcxpoh'tico.Noplanodasuperestruturanaos6ossereshunanos
tomam conhecimento dos conflitos da estrunrm como delineiam
novas formas de pensar (OLIVEIRA. 2006a, p. 84-85).
Ao ifirmar que "todos os homens sao mtelectuais.', mas "nem
todos os homens desempenham na sociedade a funcao de intelec-
tuais", Gramsci (199la, p. 07 e 36) evidencia nao existir trabalho
puramente fisjco sem urn minimo de atividade intelectual criado-
ra e que a distin¢ao entre intelectuais e nao intelectuais I.efere-se a
"fun9ao social da categorja profissional dos intelectuais", isto e, a
direg5o sob a qual incide urn peso maior na atividade profissional
FIAULO FREIRE:
I |^nose da educaOao intercultural no Brasil 47
i'*iiccl'fica` se na eLaboracao intelectual ou no esfor9o muscular-ner-
vtitio. Na sua maneira de veT nao se separa o "Aomo/aber do /7o»3o
\.ri/;/.c»s". 0 ser humano e intelectual, e fiL6sofo porque participa de
lllllil concepcao de mundo. Essa filosofia peculiar aos seres humanos
`.H`Liria contida na "pr6pria linguagem, no senso comum e no born-
Hi.Iiso e na religiao popular"4. significando que a foma9ao do pen-
•i`Miii`Iito humano 6 coletiva e cultural. Pela linguagem se expressa
iini{i forma de conceber o mundo, cuja concep¢ao e produzida nas
I ``lnvtles sociais e culturais.
A filosofia cousiderada como "concepeao de mundo" faz com que
i I liill)i`lho filos6fico nao seja visto apenas como elaboracao "individu-
ill''` Ii`as sobretudo, como "luta cultural para transformar a `inentali-
I Iiillu" I)oputar e divulgar as inovap6es filos6ficas que se revelem "his-
1I .I ji.«Ii`i`nte verdadeiras", Isto e, tomem-se conoretanente hist6ricas e
i`Ii\.iillliiiinte universais. Mas Grausci (199lc, p.12) coloca a seguinte
I il ii`NIIlti: "e prefen'vel `pensar' sem disto €er consciencia critica, de uma
liiillii`il'il desagregada e ocasional ou 6 preferivel elaborar apr6pria
I `.Ill.i`i)ctlo de mundo de uma maneira critica e consciente? Explica
I ill\. .`|l`}r esta concep¢ao de mundo ocasional e desagregada fazemos
I.i`i.IL` ilt) que denomina de "homers-massas" ou "homens-coletivos",
iii.\.Nlw LI iim grau de conformismo, sendo necessala a critica a essa
I iili..i`ii`.lit) de mundo para tomi-la "coerente e unitala". Esta critici-
iliiil``. iiii visao de Gramsci, (199lc, p. 12-13) requer urn "conhece-te a
'1 iiii'`ili`i", uma conscichcia da historicidade e a socializacao do saber
wi`'liiliiii`iiLcproduzido.
No ensino de filosofia dedicado nao a informar historicamente
`) discente sobre o desenvolvimento da filosofia passada, mas
pnra folma-Lo culfuralmente, para ajudi-lo a elaboTar critica-
mente o pr6prio pensamento e assjm partLcipar de uma comuni-
tliide

Continue navegando