Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
A PANDÊMIA DA COVID-19 COMO BRECHA PARA A PRÁTICA DE CORRUPÇÃO NO BRASIL Bruna Próspero1 Denis de Carvalho2 Érica Ferreira Gonçalves Mendes3 Keryston Prezoti4 RESUMO É de notório conhecimento que o Brasil sofre violentamente com o vírus da corrupção e nos últimos anos se vê vítima de grande retrocesso no arcabouço legal e institucional anticorrupção do país, todavia, em contrapartida é incontestável que a reação da sociedade brasileira está gradualmente mais inflamada e voltada a combater esta má-fé de nossos gestores públicos. Neste contexto o presente artigo se propõe a analisar os impactos do novo Coronavírus (COVID-19) nas práticas anticorrupção no Brasil, a partir da verificação das medidas adotadas para enfrentar a pandemia e, por meio de estudo bibliográfico e método dedutivo, se propõe a investigar a seguinte problemática: A pandemia de COVID-19 impactou as práticas anticorrupção no Brasil? Para tanto, em primeiro momento, discorre de forma genérica acerca dos aspectos históricos e conceituais da corrupção no Brasil. A posteriori, aborda o tema da pandemia de COVID-19 e seus impactos sobre a coisa pública do país. Por fim, verifica se a pandemia gerou brechas para a prática da corrupção no Brasil aferindo os impactos e consequências da corrupção direta ou indiretamente nas práticas anticorrupção e, consequentemente, no bem estar dos cidadãos brasileiros. O trabalho chegou ao resultado afirmativo acerca da existência de impactos da pandemia nas práticas anticorrupção e verificou que estes se deram de várias formas e, sobretudo, em razão do isolamento e distanciamento social comprometeu todo o arcabouço de ferramentas anticorrupção. PALAVRAS-CHAVE: Pandemia; COVID-19; Anticorrupção; Brasil. SUMÁRIO INTRODUÇÃO; 1. CORRUPÇÃO NO BRASIL ASPECTOS E CONCEITOS; 2. A PANDEMIA DE COVID-19 E SEUS IMPACTOS SOBRE A COISA PÚBLICA NO BRASIL; 3. A PANDEMIA DE COVID-19 COMO BRECHA PARA A PRÁTICA DE CORRUPÇÃO NO BRASIL; CONSIDERAÇÕES FINAIS; REFERENCIAS. INTRODUÇÃO Com a trágica e acelerada marcha da COVID-19 a escalada do vírus derrubou inúmeras estimativas elaboradas por políticos, médicos, cientistas e estudiosos sobre a intensidade e duração da crise. Em 11 de março de 2020, a Organização Mundial da Saúde 1 Graduanda em Direito pelo Centro Universitário Braz Cubas (2020). 2 Graduando em Direito pelo Centro Universitário Braz Cubas (2020). 3 Graduanda em Direito pelo Centro Universitário Braz Cubas (/2020) e Graduanda em Serviço Social pelo Centro Universitário Braz Cubas. 4 Graduando em Direito pelo Centro Universitário Braz Cubas (2020). (OMS) anunciou que o atual surto do Coronavírus 2019 (COVID-19), doença respiratória causada pelo Coronavírus 2 da Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS-COV-2), é uma pandemia.5 Em atenção ao declarado pela OMS, em 20 de março de 2020 o Senado Federal aprovou projeto de decreto legislativo reconhecendo o estado de calamidade pública no Brasil6 e em razão desta crise de escala global, o Brasil adotou algumas medidas para conter e mitigar a propagação do vírus. Partindo disso, o presente trabalho se ocupa de verificar se a pandemia impactou as práticas anticorrupção do país e gerou brechas para práticas corruptas e de má-fé de nossos gestores públicos. Esse estudo é de fundamental importância acadêmica e prática, uma vez que contribui para o fortalecimento dos esforços anticorrupção e evidencia a necessidade de mudanças na forma de encarar o combate à corrupção, utilizando-se de um olhar sereno, sem atribuição de visão político-partidários ou vieses ideológicos. Para tanto, inicia discorrendo uma visão genérica dos aspectos históricos e conceituais da Corrupção no Brasil e em segundo momento aborda a pandemia do COVID-19 e seus impactos sobre a coisa pública no Brasil e ao final, verifica a existência de brechas provenientes da pandemia para a prática de corrupção e como isso impactou nas práticas anticorrupção no País. 1. CORRUPÇÃO NO BRASIL: ASPECTOS E CONCEITOS Com o intuito de adentrar, posteriormente, no cerne da discussão proposta, impende o entendimento dos conceitos acerca da Corrupção. Desta feita, este primeiro tópico se ocupa em garantir uma visão geral, traçada em breves linhas, dos aspectos históricos e conceituais da Corrupção no Brasil. Com um olhar mais literal, o dicionário Michaelis,7 define corrupção como: a degradação de valores morais dos costumes, devassidão, depravação, ato ou efeito de subornar alguém para vantagens pessoais ou de terceiros com uso de 5Discurso de abertura do Diretor-Geral da OMS para a mídia global, sobre o COVID-19, em 11 de março de 2020. 6 O Decreto Legislativo n. 6 reconheceu a ocorrência do estado de calamidade pública, nos termos da solicitação do Presidente da República encaminhada por meio da Mensagem nº 93, de 18 de março de 2020 ao Congresso Nacional. 7 O Dicionário Michaelis é um dos mais confiáveis e tradicionais do Brasil. meios ilícitos, por parte de pessoas do serviço público, para obtenção de informações sigilosas, a fim de conseguir benefícios para si ou para outrem Segundo Rose Ackerman (2016) a corrupção contempla diversas conotações e interpretações e varia conforme o tempo e lugar, de forma que para abarcar uma faixa mais ampla de significados, pode-se definir corrupção como o abuso de um poder delegado, com a finalidade de obtenção de ganho privado. Definição que para a autora encerra a questão do principal agente na raiz de todos os tipos de corrupção, econômicos ou políticos – suborno, apropriação indébita, nepotismo, tráfico de influência, conflito de interesses, fraude contábil, fraude eleitoral dentre muitos outros. Assim, a título de exemplo, a corrupção inclui tanto aceitar um suborno para dar como aceito um imóvel sem as devidas condições de segurança, quanto exigir suborno pela aprovação de um imóvel perfeitamente de acordo com as condições de segurança. (ACKERMAN, 2016, p. 07, tradução nossa). Desta feita, a corrupção pode acontecer diariamente e de várias formas, porém, podemos ver de forma mais escandalosa e impactante dentro da política, e é neste entorno que a palavra corrupção é mais conhecida. Quando falamos em corrupção no Brasil, a história demostra que estes espetáculos não são apenas problemas da atualidade (HOLANDA, 1995). Cite-se, a exemplo, registros que D. João, em 1808, assim que desembarcou em terras brasileiras, foi presenteado por um suposto traficante de escravos com uma mansão e em troca lhe concedeu vantagens expressivas; ou ainda, o espantoso fato de que em 14 anos no Brasil, o Império distribuiu mais títulos de nobreza em terras tupiniquins do que em 700 da monarquia portuguesa. Some-se a esses registros o fato de que, desde a colônia, temos um Estado que nasce por acordo, na qual a instituição pública é usada em favor próprio e muitos outros registros que apontam que suborno, nepotismo, sonegação de impostos e falsificação de documentos não são coisas novas na nossa história e será perceptível que, embora a corrupção não seja um fenômeno exclusivamente brasileiro, de fato ela está enraizada em nossa nação. Todavia, os atos de corrupção não se limitam aos poderosos e influentes e um dos traços característicos do senso comum no Brasil é que o brasileiro típico tem um caráter duvidoso e que, a princípio, não se nega a levar algum tipo de vantagem no âmbito das relações sociais ordinárias (FIGUEIRAS, 2009). Em suma, podemos afirmar que não são apenas os grandes corruptos ou esquemas de corrupção que influenciam negativamente nossa sociedade, de fato, grande parte do problema está solidificado nos pequenos atos de corrupção, que, inclusive, foram apelidados de “jeitinho brasileiro”8 — embora esse fenômeno se dêem diferentes pontos do planeta e exista em todos os países do mundo. Segundo dados do Índice de Percepção da Corrupção de 2019 (Transparência Internacional), principal indicador de corrupção no setor público do mundo, em 2019, o Brasil manteve-se no pior patamar da série histórica do IPC, somando apenas 35 pontos9, valor mais baixo registrado desde 2012. Com esse resultado, o Brasil caiu mais posições no ranking composto por 180 países e territórios e passou a figurar no 106 lugar. Observa-se ainda, que este é o quinto recuo seguido na comparação anual - em 2018 o país já havia perdido pontos e caído nove posições. Este aumento da percepção da corrupção e queda da integridade do país se dá em virtude dos poucos avanços e inúmeros retrocessos que ocorreram no arcabouço legal e institucional anticorrupção do país. E se, por si só, o cenário da integridade Brasileira já é desolador figurando no pior patamar da série histórica do IPC, com as medidas drásticas e significativas tomadas em virtude do colapso nacional oriundo da pandemia, há de se cogitar a criação de oportunidades significativas para o avanço da corrupção. 2. A PANDEMIA DE COVID 19 E SEUS IMPACTOS SOBRE A COISA PÚBLICA NO BRASIL O primeiro caso de COVID-19 em solo Brasileiro foi confirmado em 26 de fevereiro de 2020 e transcorrido apenas 14 dias, em 11 de março de 2020, quando da declaração de pandemia pela OMS, os órgãos oficiais confirmavam a existência de 52 casos de infecções e 907 casos suspeitos, no dia 16 de março já era reconhecida a 8 Essa expressão conceitua o brasileiro como um típico cidadão voltado para seus desejos agonísticos. 9 A escala do IPC vai de 0 a 100, na qual 0 significa que o país é percebido como altamente corrupto e 100 significa que o país é percebido como muito íntegro. transmissão comunitária e confirmava-se 234 casos de infecção e o monitoramento de 2.064 casos suspeitos. 10 Com esse devastador avanço do vírus em ínfimo espaço de tempo o País se viu em situação de emergência quanto a saúde pública e reconheceu o sério risco do aumento desenfreado da curva de contágio comprometer nossos serviços de saúde (bem comum) a ponto deste ruir, não restando outra alternativa a não ser a regulamentação de critérios de isolamento e quarentena. A Lei n. 13.979 de 06 de fevereiro de 2020 trouxe normas para o enfrentamento da emergência de saúde pública decorrente da pandemia e dispôs acerca do isolamento, quarentena e impedimento de entrada no território Brasileiro11. Com o as medidas de isolamento e quarentena em vigor, a população passou a enfrentar outros desafios além da COVID-19 e em razão disto, raro se tornou encontrar alguma pessoa que não esteja com sua rotina afetada, de alguma forma, pelo coronavírus, vez que os impactos à população Brasileira se deram de inúmeras formas, seja pelo contágio, falecimento, desemprego generalizado, falência de negócios, desequilíbrio fiscal, suspensão de eventos, cancelamento de atividades governamentais, suspensão das aulas da rede de ensino ou quaisquer dos outros inúmeros impactos na esfera da liberdade, economia, saúde, segurança pública dentro outros pontos, tanto no setor público quanto no setor privado. Essas medidas de bloqueio econômico indireto resultaram em significativa desaceleração da atividade econômica do país e um visível aumento da instabilidade social, impactos que acarretaram em incertezas sobre quais as melhores estratégias que deveriam ser utilizadas para o enfrentamento da pandemia em solo nacional. O quadro de emergência nacional, exigiu do poder público medidas de controle e precaução, que em períodos de excepcionalidade, tornam possível a flexibilização do princípio da legalidade. Neste sentido, para auxiliar o enfrentamento à pandemia, foram estabelecidos direitos e deveres aos administrados, limitações às liberdades individuais, desobrigação de informação pelo poder público, flexibilizações ainda maiores nos 10Até a primeira semana de novembro de 2020 os sites oficiais do Governo brasileiro registravam 5.590.025 (cinco milhões, quinhentos e noventa mil e vinte e cinco) casos confirmados de COVID-19 e 161.106 (cento e sessenta e um mil e cento e seis) óbitos acumulados. 11 A supracitada lei considera isolamento a separação de pessoas doentes ou contaminadas, ou de bagagens, meios de transporte, mercadorias ou encomendas postais afetadas, de outros. Quanto a quarentena, o instituto legal considera ser a restrição de atividades ou separação de pessoas suspeitas de contaminação das pessoas que não estejam doentes, ou de bagagens, contêineres, animais, meios de transportes ou mercadorias suspeitos de contaminação, tudo com o intuito de evitar a possível contaminação ou propagação do coronavírus. contratos dos entes federativos, dentre outras medidas que deram maior discricionariedade aos administradores e gestores do poder público12. 3. A PANDEMIA DE COVID 19 COMO BRECHA PARA A PRÁTICA DE CORRUPÇÃO NO BRASIL Os primeiros reflexos e ações do poder público ao declarar instaurada a pandemia, especialmente em razão da situação emergencial do nosso sistema de saúde, foram as criações e instalações de hospitais de campanha, a contratação de profissionais da área da saúde e a compra de insumos e equipamentos para o combate do contágio da doença. Nesse contexto, foram necessárias ações urgentes para evitar o colapso econômico e social e uma das alternativas utilizadas, além do distanciamento social, foi a flexibilização das salvaguardas e responsabilização administrativa em prol da celeridade de resposta e obtenção de impacto efetivo frente as mazelas do vírus. A primórdio, destacaremos o Decreto legislativo n. 06 de 20 de março de 2020, que não apenas dispôs acerca do estado de calamidade pública, mas também reconheceu, em seu artigo 113, a dispensa das metas fiscais previstas no art. 2 da Lei n. 13.898 de 2019. Essa dispensa funcionou como um “cheque em branco” possibilitando que o governo não cumprisse a meta fiscal estabelecida sem a atemorização do cometimento de crimes de responsabilidade. Outros pontos a se considerar são as Medida Provisória 928 de 23 de março de 2020, que suspendia prazos de pedidos feitos via a Lei de Acesso à informação e a possibilidade oferecida pela Medida Provisória 961 de 06 de maio de 2020 aos entes federativos, vez que oportuniza a flexibilização das regras de licitações e contratos. A título de exemplo, a MP 961 autoriza que qualquer órgão da administração pública pague antecipadamente por algum bem ou serviço, desde que o ato seja caracterizado como 12Elencam-se, a exemplo, as disposições feitas pelo Decreto nº 47.246, de 12/3/2020, do Município do Rio de Janeiro e Decreto nº 40.520, de 14 de março de 2020, do Distrito Federal que objetivam regulamentar a Lei nº 13.979 e estabelecer as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do novo coronavírus no âmbito de seus territórios. 13 Decreto Legislativo n. 06 de 2020, Artigo 1: Fica reconhecida, exclusivamente para os fins do art. 65 da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, notadamente para as dispensas do atingimento dos resultados fiscais previstos no art. 2º da Lei nº 13.898, de 11 de novembro de 2019, e da limitação de empenho de que trata o art. 9º da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, a ocorrência do estado de calamidade pública, com efeitos até 31 de dezembro de 2020, nos termos da solicitação do Presidente da República encaminhada por meio da Mensagem nº 93, de 18 de março de 2020. “indispensável”, bem como, a alteração dos limites orçamentários para a dispensa da realização de processos licitatórios, aoqual passou a vigorar com os novos valores de até R$ 100 mil na contratação de obras e serviços de engenharia (antes esse limite era de R$ 33 mil) e de até R$ 50 mil para compras e outros serviços (o limite anterior era de R$ 17,6 mil). Por fim, para fortalecer as medidas adotadas na MP 961, foi publicada a Medida Provisória n. 966, em 13 de maio de 2020, que dentre outras disposições, previa que os agentes públicos somente poderiam ser responsabilizados nas esferas civil e administrativa se agirem ou se omitirem com dolo ou erro grosseiro pela prática de atos relacionados com as medidas de enfrentamento da emergência de saúde pública decorrente da pandemia e aos atos praticados em relação ao combate aos efeitos econômicos e sociais decorrentes do COVID-19, por derradeiro, estabelecia que a responsabilização pela opinião técnica não se estenderia de forma automática ao decisor que a houve adotado como fundamento de decidir. Junte-se estas flexibilizações e possibilidades ofertadas aos nossos administradores ao já sabido e citado fato de estarmos discorrendo sobre um Brasil que figura no pior patamar da série histórica do IPC, que tem como patrimônio cultural o “jeitinho brasileiro” e possuí inegável e vasto histórico de escândalos envolvendo corrupção e podemos inferir pela criação de oportunidades significativas para o avanço da corrupção. O propósito das respostas econômicas e legislativas, como já abordado, foi de prevenir a catástrofe econômica e social, fornecendo apoio financeiro, médico e social aqueles necessitados, em especial, aos pobres, idosos, desempregados e mais vulneráveis da população de modo geral, todavia, não se faz necessário buscas aprofundadas para verificarmos o quanto as medidas e estratégias escolhidas e adotadas pelo governo possibilitaram o aumento da corrupção e enfraqueceram o conjecturado das próprias medidas mitigadoras da pandemia. No dia 11 de maio de 2020, os veículos de comunicação já anunciavam a existência de 410 (quatrocentos e dez) procedimentos abertos, de forma preliminar, junto ao Ministério Público Federal, em razão de suspeitas de corrupção e desvio de verbas em 11 (onze) Estados que, em sua maioria, tratavam da aquisição de insumos hospitalares e respiradores. Em 21 de outubro de 2020, o próprio Ministério Público Federal assumiu ter ajuizado ações em face de 20 municípios por falta de transparência na divulgação dos gastos no enfrentamento à pandemia. Outro escândalo que locupletou os veículos de comunicação logo no início da pandemia foi a aquisição de respiradores em uma loja de vinho por valor superfaturado em 316% (valor unitário quatro vezes maior que o preço praticado no mercado), nesta oportunidade foram gastos R$ 2,9 milhões em 28 (vinte e oito) ventiladores pulmonares que, por fim, foram constatados, por especialistas, como inadequados e ineficientes para o uso em pacientes que contraíram o COVID-19. Em suma, embora algumas operações e notícias estimem valores desviados, ainda não é possível estabelecer o montante efetivamente superfaturado e desviado durante as ações que deveriam combater as mazelas da pandemia, todavia, é notório que os mecanismo criados para desburocratizar o maquinário público nesse cenário de emergência não está sendo utilizado de boa-fé. Por outro lado, no âmbito das medidas anticorrupção tivemos a demissão de secretários de governos, prisões, apreensões, afastamentos de gestores públicos envolvidos em desvios de verbas que deveriam ser aplicadas no combate ao COVID-19 e, ainda, a apresentação do Projeto de Lei n. 2739 de 19 de maio 202014, que pretende elevar a pena de um a dois terços do tipo penal de peculato, se os recursos desviados forem destinados à saúde e Projeto de Lei 2.708 de 202015, que criaria a figura do peculato qualificado, incidente quando a conduta se pautar sobre dinheiro, valor ou bem destinado ao combate a pandemias e epidemias, a pena sugerida seria de reclusão de 12 a 30 anos e multa, equivalente à da pena de homicídio qualificado. Em âmbito internacional, foram elaborados Rankings de transparência no combate à COVID-19, que objetivaram avaliar como os portais de transparência dos 26 estados, Distrito Federal, das capitais e do governo federal trazem informações sobre contratações emergenciais, doações e medidas de estímulo econômico e proteção social. No Ranking elaborado pelo Transparência Internacional, figura o Estado de Alagoas em primeiro lugar, com ótimo resultados no que concerne a transparência e Estados como São Paulo e Rio de Janeiro em décimo oitavo e vigésimo quinto, respectivamente. As medidas e respostas a má-fé de nossos gestores públicos comprovam-se cada vez mais ineficientes e enfraquecidas frente as manobras utilizadas pelos agentes corruptos para diminuir as ferramentas anticorrupção. Esse resultado se dá em razão da reunião de diversos fatores presentes durante uma pandemia, podemos destacar a desmobilização da sociedade civil; a menor 14 Projeto de Lei de iniciativa do Senador Plínio Valério (PSDB-AM) 15 Projeto de Lei de Iniciativa da Senadora Rose de Freitas (PODEMOS-ES) fiscalização da imprensa, vez que ambas estão focadas e pautadas com os efeitos da crise sanitária; a ausência de mecanismos suficientes de responsabilização administrativa e supervisão na alocação e distribuição dos pacotes de estímulo econômico; a falta de critérios claros, objetivos e transparentes para a qualificação e destinação das verbas públicas; a ausência de estudos acerca da consideração dos riscos e vulnerabilidades dos métodos de desembolso utilizados; a ineficácia dos canais de comunicação e divulgação, dentre muitos outros problemas que resultam no aumento da má-fé de nossos políticos. CONSIDERAÇÕES FINAIS As consequências de tais atos corruptos estão muito além apenas do impacto direto na estabilidade financeira do País, elas incluem ameaças diretas aos escassos recursos que deveriam ser alocados em atividades produtivas, tais como a educação, saúde e infraestrutura logística e, especialmente em tempos de crise, o não achatamento da curva deste vírus da corrupção ocasiona graves ameaças à democracia, restrições adicionais e a longo prazo à liberdade, depreciação do jornalismo independente e ativismo da sociedade civil e, ainda, riscos para a segurança nacional. Tais ameaças são ainda mais agravadas se notarmos que o setor mais atingido é o da saúde, setor este particularmente suscetível à corrupção devido à grande quantidade de recursos, assimetria de informação, número de atores, complexidade e natureza globalizada da cadeia de suprimentos de medicamentos e dispositivos médicos. Em tempos de pandemia, principalmente, todo e qualquer desvio realizado torna-se muito mais grave e representa total diferença entre a vida e a morte de pacientes dependentes do Sistema Único de Saúde e das verbas públicas. Os impactos da corrupção neste setor implicam em declínio total na capacidade de acesso, qualidade, equidade, eficiência e eficácia dos serviços prestados. Os impactos da pandemia nas práticas anticorrupção no nosso país incidem de várias formas e em razão do isolamento e distanciamento social, medidas que restringem a liberdade de movimento, todo o arcabouço de ferramentas anticorrupção se vê comprometido. Nos primeiros momentos de pandemia, verificou-se a má-fé de nossos gestores públicos e políticos e a ausência de transparência nos procedimentos aplicados na maioria das compras públicas, principalmente na área da saúde. Até mesmo o direito de acesso público à informação sofreu diversos reveses durante a crise sanitária; um deles foi a exclusão direta dos dados acerca dos números de infectados e óbitos decorrentes do coronavírus e outro foi a paralisação quase total das respostas às solicitações de acesso à informação.Essa ausência de transparência dos órgãos públicos gerou a possibilidade de silenciamento de denunciantes e retenção proativa de informações públicas no setor da saúde, bem como, a utilização de ferramentas de vigilância para preventivamente ameaçar, interceptar e encerrar qualquer atividade de mobilização de protesto (por vias digitais ou presenciais) contra qualquer abuso por parte do governo, o que obviamente força ativistas e jornalista a sujeitarem-se à autocensura. Esses mesmos “vigilantes” anticorrupção, seja as instituições de supervisão ou autônomos, impossibilitados de se reunirem e cumprir de forma efetiva suas funções ou mandatos, também necessitaram se adaptar aos moldes da quarentena e distanciamento social e se viram com mobilidade restrita, menos ou nenhuma resposta ao acesso e solicitações de informações públicas e uma mudança de foco de atenção para questões de saúde e segurança, com o intuito de minar os esforços anticorrupção e tornar as ações dos agentes corruptos mais opaca e irresponsável . Com essa dependência da internet, acelerou-se a capacidade de fraudadores e propagandistas produzirem conteúdo audiovisual falso e altamente convincente e, em alguns casos verificamos que algumas empresas de mídia social passaram a assumir papel de divulgar essas “notícias falsas” e propagar uma onda de ignorância e incerteza sobre como a população deve agir. Este excesso de narrativas concorrentes ofusca os verdadeiros esforços para combater o COVID-19 e a ocorrência de atos corruptos, gerando um cenário onde os políticos e empresários promovem suas próprias imagens, chamam atenção com marketing empresarial e influenciam que as mídias, jornais e editoras independentes sejam marginalizados pelas redes sociais, caluniados e até mesmo suprimidos, tornando mais difícil responsabilizar aqueles que tem poder. Também desafiam as capacidades anticorrupção de nossos país o clientelismo e práticas impróprias de lobby, vez que não raras foram os momentos onde políticos de alto escalão promoveram a utilização de medicamentos potencialmente prejudiciais e isentos de mérito cientifico no combate ao COVID-19, com o intuito de apresentar alguma resposta efetiva de combate ao vírus e porventura deixar o país mais despreparado, mal equipado e incapaz de gerir efetivamente a crise de saúde. Com a escassez de medicamentos apropriados e a corrida pela vacina e desenvolvimento de drogas capazes de auxiliar no combate ao vírus, criou-se espaço para o aumento de preço e revenda de produtos do mercado negro e produtos falsificados, gerando ainda mais caos e consequências gravíssimas aos hospitais que já sofrem com a falta de leitos e trabalhadores. Além disso, com o potencial crescimento no desemprego e na área informal as empresas de pequeno e médio porte podem se sentir tentadas a participar de movimentos de corrupção administrava como uma forma de contornar a situação e se manterem de portas abertas. Há ainda os impactos dos pequenos subornos e abusos de autoridades, vez que as pessoas mais abastadas financeiramente e mais poderosas utilizam de seus meios e influencias para evitar as medidas de quarentena. Por fim, a pandemia ainda pode ser utilizada como pretexto para limitações das liberdades de engajamento de ações coletivas e práticas anticorrupção, utilizando-se do poder consolidado durante a crise para diminuir os freios e contrapesos e ameaçar gravemente o estado de direito. Já por outro lado, as inúmeras denúncias de superfaturamento e desvio de verbas levaram a diversas demissões de secretários de governos, prisões, apreensões e afastamentos de gestores públicos e possibilitaram que a população compreenda a força que tem mesmo por meios digitais. Todos esses pontos impactam de alguma maneira as práticas anticorrupção em nosso país, em maioria, impossibilitando ou dificultam as formas que temos hoje de prevenir e combater os atos e agentes corruptos. Esses pontos, de gigantíssima relevância, demonstram a necessidade de reformas e mudanças nas metodologias de combate a corrupção e na elaboração e estudo mais efetivos e transparentes para a criação de institutos normativos em prol dos atos anticorrupção. O presente artigo se mostra relevante, tanto do ponto acadêmico quanto do ponto prático, por abordar com um olhar sereno, sem vieses políticos ou ideológicos acerca dos impactos da pandemia do COVID-19 nas ações anticorrupção no Brasil e contribui para mudanças profundas nas práticas e combate a corrupção. REFERÊNCIAS BRASIL. Dados sobre o COVID-19. 2020. Disponível em: https://coronavirus.saude.gov.br/. Acesso em: 06 out. 2020. BRASIL. DECRETO LEGISLATIVO Nº 6. 2020. Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/decreto-legislativo-249090982. Acesso em: 20 out. 2020. BRASIL. Lei nº 13.979. 2020. Dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019. Disponível em: https://www planalto.gov.br/ccivil-03/- ato2019-2022/2020/lei/l13979.htm. Acesso em: 06 out. 2020. BRASIL. Lei nº 8.666. 1993. Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8666cons.htm. Acesso em: 06 out. 2020. BRASIL. Medida Provisória n° 966. 2020. Disponível em: https://www.congressonacional.leg.br/materias/medidas-provisorias/-/mpv/141949. Acesso em: 20 out. 2020. BRASIL. MEDIDA PROVISÓRIA Nº 961. 2020. Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/medida-provisoria-n-961-de-6-de-maio-de-2020- 255615815. Acesso em: 20 out. 2020. BRASIL. Projeto de Lei n° 2708. 2020. Disponível em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/141971. Acesso em: 20 out. 2020. BRASIL. Projeto de Lei n° 2739. 2020. Disponível em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/141985. Acesso em: 20 out. 2020. ÉPOCA. A PANDEMIA COMO BRECHA PARA A CORRUPÇÃO NO BRASIL. 2020. Disponível em: https://epoca.globo.com/brasil/a-pandemia-como-brecha-para- corrupcao-no-brasil-1-24427569. Acesso em: 20 out. 2020. FÁBIO RISÉRIO. Instituto Ethos. A corrupção não está de quarentena!: o combate à corrupção para ser eficaz precisa ser encarado como uma política pública. 2020. Disponível em: https://www.ethos.org.br/conteudo/opinioes-e-analises/a-corrupcao-nao- esta-de-quarentena/. Acesso em: 20 out. 2020. FILGUEIRAS, Fernando. A tolerância à corrupção no Brasil: uma antinomia entre normas morais e prática social. Opin. Publica, Campinas , v. 15, n. 2, p. 386-421, Nov. 2009 . Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104- 62762009000200005&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 06 nov. 2020. https://doi.org/10.1590/S0104-62762009000200005. HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. 26. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. KAREN HUSSMANN. U4 Anti-Corruption Resource Centre. Health sector corruption: practical recommendations for donors. Practical recommendations for donors. Disponível em: https://www.u4.no/publications/health-sector-corruption. Acesso em: 20 out. 2020. METRÓPOLES. Compras emergenciais na pandemia são investigadas em 11 estados e no DF. Disponível em: https://www.metropoles.com/brasil/policia- br/compras-emergenciais-na-pandemia-sao-investigadas-em-11-estados-e-no-df. Acesso em: 20 out. 2020. MICHAELIS, Dicionário. Significado da Palavra Corrupção. Disponível em: https://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/busca/portugues- brasileiro/Corrup%C3%A7%C3%A3o/. Acesso em: 06 out. 2020. Ministério da Saúde. Painel Coronavírus. Atualizado em: 04/11/2020 18:30. Disponível em: https://covid.saude.gov.br/. Acesso em: 05 nov. 2020. Ministério PúblicoFederal. MPF processa 20 municípios por falta de transparência nos gastos do combate à pandemia. 2020. Disponível em: http://www.mpf.mp.br/se/sala-de-imprensa/noticias-se/mpf-processa-20-municipios- por-falta-de-transparencia-nos-gastos-do-combate-a-pandemia. Acesso em: 20 out. 2020. Rose-Ackerman, S., & Palifka, B. (2016). Corruption and Government: Causes, Consequences, and Reform (2nd ed.). Cambridge: Cambridge University Press. doi:10.1017/CBO9781139962933 SARAH STEINGRÜBER. U4 Anti-Corruption Resource Centre. Corruption in the time of COVID-19: a double-threat for low income countries. 2020. Disponível em: https://www.u4.no/publications/corruption-in-the-time-of-covid-19-a-double-threat-for- low-income-countries. Acesso em: 06 out. 2020. Senado Notícias. Governo flexibiliza regras para licitações e contratos durante pandemia Fonte: Agência Senado. 2020. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2020/05/07/governo-flexibiliza-regras- para-licitacoes-e-contratos-durante-pandemia. Acesso em: 20 out. 2020. Senado Notícias. Senadores querem aumentar punição a corrupção em pandemias. Fonte: Agência Senado. 2020. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2020/05/20/senadores-querem-aumentar- punicao-a-corrupcao-em-pandemias. Acesso em: 10 out. 2020. TRANSPARÊNCIA INTERNACIONAL BRASIL. Transparency International. Índice de Percepção da Corrupção 2019. Disponível em: https://transparenciainternacional.org.br/ipc/. Acesso em: 20 out. 2020. TRANSPARENCIA INTERNACIONAL BRASIL. Transparency International. Ranking de transparência no combate à COVID-19. 2020. Disponível em: https://transparenciainternacional.org.br/ranking/. Acesso em: 20 out. 2020. TRANSPARENCY INTERNATIONAL. Getting ahead of the curve. Exploring post- covid-19 trends and their impact on anti-corruption, governance and development. 2020. Disponível em: https://www.transparency.org/en/publications/getting-ahead-of- the-curve-exploring-post-covid-19-trends-and-their-impact-on-anti-corruption- governance-and-development. Acesso em: 20 out. 2020. TRANSPARENCY INTERNATIONAL. IMF COVID-19 Anti-Corruption Tracker. 2020. Disponível em: https://www.transparency.org/en/imf-tracker. Acesso em: 20 out. 2020. U4 ANTI-CORRUPTION RESOURCE CENTRE. COVID-19 AND CORRUPTION: Strengthening anti-corruption efforts during the pandemic. 2020. Disponível em: https://www.u4.no/topics/covid-19-and-corruption. Acesso em: 20 out. 2020. WORLD HEALTH ORGANIZATION. WHO Director-General's opening remarks at the media briefing on COVID-19 - 11 March 2020. Disponível em: https://www.who.int/dg/speeches/detail/who-director-general-s-opening-remarks-at-the- media-briefing-on-covid-19---11-march-2020. Acesso em: 20 out. 2020. WORLD JUSTICE PROJECT. Corruption and the COVID-19 Pandemic. 2020. Disponível em: https://worldjusticeproject.org/news/corruption-and-covid-19-pandemic. Acesso em: 20 out. 2020.
Compartilhar