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0 1 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ............................................................................................ 2 2 O PROCESSO HISTÓRICO DA CONSTITUIÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS .................................................................................................................. 3 2.1 A constituição dos direitos humanos .................................................... 3 2.2 Direitos humanos ................................................................................. 6 2.3 Direitos humanos e senso comum ....................................................... 9 3 DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS ...................... 11 3.1 Introdução .......................................................................................... 11 3.2 Origens da Declaração Universal dos Direitos Humanos ................... 11 3.3 Um importante instrumento na defesa dos direitos humanos ............. 13 3.4 Dispositivos da Declaração Universal dos Direitos Humanos ............ 14 3.5 Preâmbulo .......................................................................................... 15 4 SEGURANÇA PÚBLICA NO BRASIL E O PAPEL DOS ENTES FEDERADOS ............................................................................................................ 21 4.1 Segurança pública e entes federados ................................................ 24 5 INOVAÇÃO NA GESTÃO DA SEGURANÇA PÚBLICA ........................... 27 6 AVALIAÇÃO E MONITORAMENTO DAS POLÍTICAS DE SEGURANÇA PÚBLICA 30 6.1 Principais conceitos e discussões ...................................................... 31 6.2 A segurança pública no governo FHC ................................................ 38 6.3 A segurança pública no governo Lula ................................................ 44 7 REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................... 53 2 1 INTRODUÇÃO Prezado aluno, O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material virtual é semelhante ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma pergunta, para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão respondidas em tempo hábil. Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora que lhe convier para isso. A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser seguida e prazos definidos para as atividades. Bons estudos! 3 2 O PROCESSO HISTÓRICO DA CONSTITUIÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS Fonte:www.unisinos.br Os direitos humanos evoluíram ao longo do tempo conforme os contextos históricos. Eles se adequaram e foram construídos com base nas necessidades de cada momento. Em linhas gerais, os direitos humanos são direitos inerentes a todos os indivíduos, independentemente de cor, raça, sexo, classe social ou qualquer outra forma de distinção. O que se tem observado na atualidade é um movimento contrário à atuação dos defensores dos direitos humanos. Tal movimento é propagado pela mídia e por líderes políticos e governantes que possuem interesse em que a população desconheça ou desvalorize a importância de direitos dessa natureza (DORETO, 2018). Neste capítulo, você vai estudar o processo histórico de constituição dos direitos humanos. Também vai conhecer a sua definição e discutir aspectos relacionados aos direitos humanos com base no senso comum (DORETO, 2018). 2.1 A constituição dos direitos humanos Para começar, considere o Brasil Colônia. O povo daquela época não possuía autonomia enquanto nação e sofria uma intensa exploração (VINAGRE; PEREIRA, 4 2008). Já na época do Império (1822–1889), se registraram vio- lações importantes aos direitos humanos, especialmente no que se refere ao genocídio a que foram submetidos os índios e negros. Nesse aspecto, uma primeira conquista ocorreu em 1888, com a abolição da escravatura. Para Vinagre e Pereira (2008, p. 35), “[...] a escravidão é uma das maiores violações dos direitos humanos, posto que se refere à apropriação total do produto do trabalho da pessoa a esse regime, sendo, também, apropriação do seu corpo, da sua vida e do seu destino”. Com o fim da escravidão, os negros adquiriram direitos civis, pois teoricamente deixaram de ser propriedade do senhor e de ser considerados mercadorias (DORETO, 2018). Ao longo da história de violação de direitos, sempre houve resistência e enfrentamento. Um exemplo de movimento organizado e desenvolvido pela resistência negra foi a experiência bem-sucedida do Quilombo de Palmares. No entanto, apesar da resistência, essas vivências não eram favoráveis à efetivação de direitos, uma vez que muitas pessoas ainda eram forçadas a realizar trabalhos em grandes propriedades rurais, em que os proprietários determinavam limites ao próprio Estado. VINAGRE e Pereira (2008, p. 36) complementam: [...] no que se refere aos direitos políticos, estes eram restritos a uma elite; e dos direitos sociais, ainda não se falava, uma vez que a garantia dos mínimos sociais ficava a cargo da filantropia privada e da Igreja Católica, prevalecendo, pois, o caldo cultural clientelista e patrimonialista (Apud, DORETO, 2018). No período destacado, além dos negros, outros setores também desfavorecidos se mobilizaram na busca por direitos. Datam desse período a Revolta dos Alfaiates, a Revolução Farroupilha, a Guerra de Canudos e outros movimentos. Na luta por direitos, merece destaque o movimento pelo voto das mulheres, após a Revolução de 1930. Destaque também para o movimento operário e a sua luta por direitos civis e políticos, reivindicando o direito ao trabalho, à organização sindical e aos direitos trabalhistas (VINAGRE; PEREIRA, 2008 apud DORETO, 2018). Na Primeira República, Vinagre e Pereira (2008) destacam que os primeiros avanços em termos de direitos ocorreram após a entrada do Brasil na Organização Internacional do Trabalho (OIT), em 1919. Então, houve avanços na área de direitos relacionados ao trabalho, como previsto na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), de 1943. Os direitos políticos foram sendo efetivados de acordo com cada período histórico. No período da ditadura, por exemplo, direitos como a liberdade de expressão 5 e de organização política ficaram bastante restritos. Sobre isso, Vinagre e Pereira (2008, p. 37) consideram: No contexto ditatorial pós-golpe militar de 1964, os direitos civis e políticos foram brutalmente subtraídos pelas medidas de repressão mais sombrias da história do país. Com amparo em “instrumentos legais” — os atos institucionais —, foram cassados os direitos políticos de lideranças sindicais e partidárias, de artistas e intelectuais; foram fechadas as sedes das organizações estudantis e dos trabalhadores. O direito de opinião e organização foi restringido e adotada a censura nos meios de comunicação. Práticas de prisões arbirtrárias, torturas e execuções sumárias de opositores do regime eram frequentes. Direitos tais como a inviolabilidade do lar e da correspondência eram sistematicamente desrespeitados, assim como o direito à vida e à integridade física, em nome da ideologia da “segurança nacional”, que legitimava a autonomização do aparato policial, inclusive frente ao Estado. Para contrabalancear essaintensa repressão aos direitos, o governo trabalhou para a unificação e a universalização da Previdência. A década de 1970, por sua vez, foi marcada por movimentos da sociedade na luta por direitos. Grupos de mulheres, operários, negros, homossexuais e organizações da sociedade civil passaram a lutar pelos direitos humanos. Embora tenham conseguido avançar na luta por direitos, alguns considerados essenciais ainda não estavam assegurados, como os direitos à vida, à integridade física, à alimentação, à saúde, à educação, ao trabalho e tantos outros. Em 1988, houve a promulgação da Constituição Federal, que ratifica os direitos e acrescenta outros até então inexistentes (VINAGRE; PEREIRA, 2008 Apud DORETO, 2018). Para contrabalancear essa intensa repressão aos direitos, o governo trabalhou para a unificação e a universalização da Previdência. A década de 1970, por sua vez, foi marcada por movimentos da sociedade na luta por direitos. Grupos de mulheres, operários, negros, homossexuais e organizações da sociedade civil passaram a lutar pelos direitos humanos. Embora tenham conseguido avançar na luta por direitos, alguns considerados essenciais ainda não estavam assegurados, como os direitos à vida, à integridade física, à alimentação, à saúde, à educação, ao trabalho e tantos outros. Em 1988, houve a promulgação da Constituição Federal, que ratifica os direitos e acrescenta outros até então inexistentes (VINAGRE; PEREIRA, 2008). Veja: Ainda que sob a égide da moral liberal, a Declaração de 1948 avança em relação a textos dos séculos XVIII e XIX, posto que lança a inovação dos princípios da universalidade e indivisibilidade dos direitos humanos, acrescentando direitos civis e políticos, da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (da Revolução Francesa de 1789), a defesa dos 6 direitos econômicos, O processo histórico da constituição dos direitos humanos 3 sociais e culturais (como os direitos à educação, à saúde, a justas condições de trabalho e ao acesso à cultura), reivindicados desde as lutas operárias dos séculos XIX e XX e, em especial, após a Declaração dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado de Janeiro de 1918, advinda da Revolução Russa (VINAGRE; PEREIRA, 2008, p. 41 apud DORETO, 2018) Para Barroco (2008, p. 2): [...] a origem da noção moderna dos DH é inseparável da ideia de que a sociedade é capaz de garantir a justiça — através das leis e do Estado — e dos princípios que lhes servem de sustentação filosófica e política: a universalidade e o direito natural à vida, à liberdade e ao pensamento. O autor ainda afirma que a Declaração Universal dos Direitos Humanos é uma forma de confirmar, na prática, algo que até então não era reconhecido por toda a sociedade. 2.2 Direitos humanos Como você viu, após alguns acontecimentos históricos, como a Segunda Guerra Mundial, foi elaborada e aprovada a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Ela representa uma tentativa de contribuir com a luta da sociedade contra situações de discriminação, preconceito e opressão, valorizando a noção de igualdade entre todos os indivíduos e a dignidade humana. É dessas questões que tratam os chamados “direitos humanos”. Eles garantem a vida, a liberdade, o trabalho, a saúde, a educação, a dignidade, o respeito, entre outros direitos que buscam assegurar ao cidadão uma vida digna. Destaca-se o fato de que a Declaração foi proposta por meio de acordos internacionais, ratificada por meio de cartas, convenções e pactos. Isso assegura o seu caráter universal e representa o consentimento de toda a comunidade internacional envolvida. A proposta de que os direitos humanos sejam resguardados é feita por meio do Conselho de Segurança da ONU, que colabora com os países tanto na implantação desses direitos quanto no controle da sua violação. Os direitos humanos foram evoluindo ao longo do tempo conforme os contextos históricos, adequando-se e sendo construídos com base nas necessidades surgidas em cada momento. Para melhor representar essa evolução, utiliza-se uma classificação dos direitos humanos por meio de “gerações”, que, na verdade, situam as categorias propostas no momento histórico de sua construção. A primeira 7 classificação, conhecida como primeira geração, está associada ao século XVIII, à independência dos Estados Unidos, em 1787, e à Revolução Francesa, dois anos depois. Essa geração traz ideias de liberdade relacionadas especialmente aos direitos civis e políticos. Você deve considerar que nessa época se registrava uma luta da burguesia por melhores condições de comércio (liberdade). Portanto, os direitos conquistados restringiam-se a determinados indivíduos e não eram aplicados a toda a sociedade. Nessa geração, o Estado deveria limitar sua intervenção na ação humana, considerando o direito à liberdade de todos. São exemplos de direitos assegurados a liberdade de expressão, o direito de ir e vir, o direito à privacidade, entre outros. Já os direitos humanos considerados de segunda geração têm como marco oficial a Primeira Guerra Mundial (1914–1918), crescendo paralelamente à ideologia do estado de bem-estar social. Nesse percurso histórico, os trabalhadores também começam a lutar pelos seus direitos, contrapondo-se à restrição dos direitos a uma classe. Nessa lógica, a proposta é que os direitos até então limitados a uma classe sejam expandidos para todos os indivíduos por meio de políticas públicas que garantam saúde, trabalho, moradia, direito ao voto e a participar da vida pública, entre outros. Nessa geração, fica evidente a necessidade de se exigirem do Estado condições iguais para todos, com a finalidade de que tenham uma vida mais digna. A terceira geração de direitos surge na década de 1960 e tem como foco principal os ideais de solidariedade e fraternidade. Mediante o acirramento da luta de classes, os trabalhadores começam a lutar por direitos mais específicos, aqueles das chamadas “minorias sociais”, ou seja, grupos considerados em situação mais desfavorecida. É o caso de mulheres, pessoas com deficiências e outras que precisavam que seus direitos fossem mais detalhados, a fim de que suas necessidades fossem de fato asseguradas. Além da proteção aos grupos mais vulneráveis, inclui-se nessa proposta a proteção ao meio ambiente. Na atualidade, há discussões entre os intelectuais sobre a inclusão de uma quarta geração de direitos, que envolve informática e bioética, mas eles ainda divergem opiniões e tal geração não está de fato estabelecida. Marco (2006, p. 47) destaca que “[...] os avanços tecnológicos e as descobertas científicas colocam o mundo em perplexidade com os valores sociais e éticos das três gerações de direitos até aqui delineadas”, trazendo à tona a necessidade de 8 considerar outra geração de direitos. Assim, ainda que esta não esteja de fato consolidada entre os intelectuais, considerando a intensidade de discussões a respeito do tema e sua viabilidade, falam-se hoje nos “direitos de quarta geração”. Trata-se de uma geração que surgiu para acompanhar o desenvolvimento da humanidade e ajudar o direito a encontrar soluções e impor limites para responder a eventuais questionamentos decorrentes das inovações tecnológicas e do aprimoramento genérico. Fazem parte dessa geração os direitos à democracia, à informação e ao pluralismo (BONAVIDES, 1996 apud MARCO, 2006) Isso posto, é importante você conhecer um pouco do conteúdo da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Inicialmente, esse documento elenca alguns dos objetivos que levaram à sua elaboração. O primeiro deles refere-se ao reconhecimento de que a dignidade e a igualdade de direitos entre todos os indivíduos constitui o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo. Assim, o desconhecimento sobre os direitos origina responsáveis por atos de barbárie, que revoltam por seu elevado grau de crueldade.A Declaração possui 30 artigos. Entre eles: Artigo I Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade. Artigo II Todo ser humano tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, idioma, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição. [...] Artigo III Todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal. Artigo IV Ninguém será mantido em escravidão ou servidão; a escravidão e o tráfico de escravos serão proibidos em todas as suas formas. Artigo V Ninguém será submetido à tortura nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante. Artigo XVIII Todo ser humano tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, em público ou em particular. Artigo XIX Todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e idéias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras. (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 2009, documento on-line). Como você pode observar, a Declaração Universal dos Direitos Humanos envolve a proteção do indivíduo e o respeito à sua dignidade, de forma bastante ampla. Diante disso, você pode considerar que se trata de um marco na história dos direitos na sociedade. No entanto, é necessário o conhecimento da sociedade acerca 9 desses direitos e de sua importância para que eles sejam de fato assegurados e para que se possam evitar violações (DORETO, 2018). 2.3 Direitos humanos e senso comum Na atualidade, têm ocorrido importantes distorções no que se refere aos direitos humanos, especialmente vindas de setores sociais mais conservadores. Vários fatores contribuem para essa situação. Entre eles, destaca-se a mídia, que se encontra a serviço da classe dominante e, em razão disso, deixa de lado a sua função de informar com responsabilidade para disseminar notícias de forma sensacionalista. Nessa perspectiva, a relação entre os defensores dos direitos humanos e a mídia nunca seguiu um caminho tranquilo e sem embates. Sempre houve tensões. Em muitos casos, a mídia tem a função de servir à classe dominante, visando ao lucro. Isso, como você deve imaginar, acaba impactando negativamente a sociedade (COSTA, 2017). Por outro lado, as distorções sobre os direitos humanos também acontecem. Nem todos os indivíduos possuem acesso às informações e aos direitos de forma correta. Isso gera críticas infundadas e que trazem como consequência prejuízos à coletividade. Costa (2017) aponta que a mídia atua com um discurso diferente a cada momento histórico. Ela ora se posiciona a favor dos defensores dos direitos humanos, ora se coloca contra eles, tratando-os como se fossem defensores de bandidos. O autor acrescenta que a tentativa de construir um senso comum a respeito de direitos humanos intensificou-se a partir dos anos 1980, quando o Brasil buscava se adequar aos tratados e convenções que firmavam a necessidade de que esses direitos fossem assegurados em todo o País (OLIVEIRA, 2009 apud COSTA, 2017). Considere ainda o seguinte: A mídia em geral, e em particular a imprensa, gosta de investir no senso comum para manter a audiência e assegurar a manutenção do status quo, poucas vezes se preocupando em buscar novo enfoque diante de situação recorrente, mesmo quando os fatos apontam em outra direção e a conjuntura sugere a necessidade de se buscar nova abordagem. Muitos estereótipos e preconceitos arraigados na sociedade são decorrência dessa perseverança de atuar em sintonia com o senso comum, como ocorre com os movimentos sociais e, particularmente, os de defesa dos Direitos Humanos, sempre associados à defesa “de bandidos” quando atuam em prol de vítimas de maus 10 tratos ou arbitrariedades das autoridades policiais ou judiciárias (FREITAS, 2010 apud COSTA, 2017, p. 27). Costa (2017) afirma também que a mídia muitas vezes coloca seus interesses ligados à audiência e ao capital em primeiro lugar, em detrimento dos interesses coletivos. Assim, ela deixa de atender à sua responsabilidade com o que é repassado para a sociedade. São condutas dessa natureza que contribuem para a criação de estereótipos e preconceitos que acabam sendo disseminados e aceitos na sociedade. Você deve considerar, então, que no contexto do capitalismo não é possível conciliar a lógica da acumulação de riquezas, de capital e da exploração do trabalhador com as lutas a favor da garantia dos direitos humanos. Isso acontece pois, de acordo com essa lógica, os interesses pelo capital são individuais ou referem-se a uma classe específica, o que não ocorre com os direitos humanos, que buscam atender indistintamente a todos os indivíduos, sem discriminação de nenhum tipo. Assim, como você viu, a sociedade brasileira vive situações que requerem a defesa dos direitos humanos há muitos séculos. Sua história é marcada por exploração, discriminação e violência contra muitos grupos. Nesse sentido, O processo histórico da constituição dos direitos humanos os direitos humanos surgem para proteger e garantir a igualdade entre todos os indivíduos. No entanto, a defesa desses direitos nem sempre é vista como algo favorável. É por isso que a população deve conhecer o verdadeiro valor desses direitos, para que possa lutar por eles e valoriza-los. A mídia, enquanto importante instrumento de comunicação de massa, pode contribuir para que isso ocorra. No entanto, são necessárias instituições de fato comprometidas com a disseminação de informações corretas e com a sociedade. 11 3 DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS Fonte: wordpress.com 3.1 Introdução Estudar a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) é analisar os principais valores da humanidade, para que todos os seres humanos do planeta consigam ter no mínimo uma vida com dignidade. Assim, neste capítulo, para melhor entender a DUDH, você vai analisar o momento histórico em que ela tomou forma e vai estudar seus dispositivos, identificando e compreendendo seu papel e sua importância no Direito (SEIXAS, 2018). 3.2 Origens da Declaração Universal dos Direitos Humanos Os direitos humanos, não raras vezes, desafiam estudiosos de diversos âmbitos do conhecimento — como a Filosofia, a Sociologia, a História, o Direito, dentre muitos outros — a investigarem os precedentes históricos e a desvendarem os seus conceitos iniciais, tudo isso com a finalidade de entender o processo de surgimento, 12 proteção, abrangência e universalização desses tão importantes direitos, cujo marco, no plano internacional, deu-se com a positivação da DUDH (SEIXAS, 2018). Assim, de uma forma geral, o estudo acerca dos direitos humanos apresenta importantes características, como historicidade, universalidade, essencialidade, irrenunciabilidade, imprescritibilidade, inviolabilidade e efetividade. Isso porque os direitos humanos são fruto de um desenvolvimento social e jurídico, visto que tal proteção surgiu de forma progressiva, à medida que se desenvolvia o conceito e o reconhecimento de que todas as pessoas humanas são iguais e merecem, dessa forma, isonomia de direitos e proteção mínima efetiva (SEIXAS, 2018). Esse reconhecimento, apesar de parecer óbvio na contemporaneidade, não aconteceu de forma igualitária nem simultaneamente ao redor do planeta. Na verdade, esse reconhecimento e essa proteção são fruto de conquistas históricas, construídas gradualmente, devido à luta demovimentos sociais em prol da dignidade da pessoa humana (SEIXAS, 2018). Sobre a genealogia dos direitos humanos, é importante citar as palavras de Bobbio (1992, p. 30), que sintetiza essa importante discussão filosófica: [...] para a realização dos direitos do homem, são frequentemente necessárias condições objetivas que não dependem da boa vontade dos que os proclamam, nem das boas disposições dos que possuem os meios para protegê-los. Mesmo o mais liberal dos Estados se encontra na necessidade de suspender alguns direitos de liberdade em tempos de guerra; do mesmo modo, o mais socialista dos Estados não terá condições de garantir o direito a uma retribuição justa em épocas de carestia. Sabe-se que o tremendo problema diante do qual estão hoje os países em desenvolvimento é o de se encontrarem em condições econômicas que, apesar dos programas ideais, não permitiam desenvolver a proteção da maioria dos direitos sociais. O direito do trabalho nasceu com a Revolução Industrial e é estreitamente ligado à sua consecução. Quanto a esse direito, não basta fundamentá-lo ou proclamá-lo. Nem tampouco basta protegê-lo. O problema da sua realização não é nem filosófico nem moral. Mas tampouco é um problema jurídico. É um problema cuja solução depende de um certo desenvolvimento da sociedade e, como tal, desafia até mesmo a Constituição mais evoluída e põe em crise até o mais perfeito mecanismo de garantia jurídica. A efetivação de uma maior proteção dos direitos humanos está ligada ao desenvolvimento global da civilização humana. Dessa forma, é necessário entender o momento histórico no qual foi cunhado um dos mais importantes documentos de proteção à humanidade, a DUDH, que inaugurou uma nova era de direitos e proteção (SEIXAS, 2018). Após a Segunda Guerra Mundial, principalmente devido às atrocidades contra seres humanos nela cometidas, surgiu a necessidade de uma nova declaração de 13 direitos de cunho inclusive internacional, como explica Dallari (1993). O processo teve início em 1945, por meio da Carta das Nações Unidas (1930), com uma norma internacional “[...] destinada a fornecer a base jurídica para a permanente ação conjunta dos Estados em defesa da paz mundial” (DALLARI, 1993, p. 178), que serviu de pano de fundo para, em 1948, ser aprovada a DUDH (SEIXAS, 2018). Segundo Silva (2000), os princípios da universalidade e da indivisibilidade dos direitos individuais são os ideais da DUDH, que acabou por divulgá-los em todo o mundo e por ressaltar a condição de pessoa como requisito para a dignidade de todos. Portanto, com a DUDH, surgiu um novo conceito de proteção dos direitos humanos e iniciou-se, por consequência, o desenvolvimento da positivação internacional das normas relativas à proteção desses direitos mediante inúmeros tratados internacionais. Assim surgiu o chamado sistema normativo positivo global de proteção dos direitos humanos, composto por instrumentos de abrangência internacional específicos e gerais (Apud SEIXAS, 2018). 3.3 Um importante instrumento na defesa dos direitos humanos A DUDH, aprovada em 1948 pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em Paris, destaca-se como um importante instrumento de defesa dos direitos humanos no plano internacional, colocando esses direitos sob outro paradigma: o da necessidade do reconhecimento dos direitos fundamentais e da dignidade humana como fundamentos da liberdade, da justiça e da paz mundial, fazendo Declaração Universal dos Direitos Humanos 3 prevalecer a liberdade individual, a igualdade entre os seres humanos e o ideal democrático como formas de atingir o progresso econômico, social e cultural, conforme expõe Silva (2000). Para Douzinas (2007, p. 19): [...] os direitos humanos se tornam o princípio de libertação da opressão e da dominação, o grito de guerra dos sem teto e dos destituídos, o programa político dos revolucionários e dos dissidentes [...] Os direitos humanos são o fado da pós-Modernidade, a energia das nossas sociedades, o cumprimento da promessa do Iluminismo de emancipação e autorrealização (Apud, SEIXAS, 2018). 14 A DUDH inaugurou a forma como hoje entendemos os direitos humanos, uma vez que primou pelos princípios da universalidade e da indivisibilidade desses direitos e acabou por difundi-los pelo mundo inteiro. Assim, abriu caminhos para todo um sistema normativo positivo internacional de proteção e colocou o Direito Internacional em um novo patamar, o do Direito Internacional da Cooperação e da Solidariedade, no lugar do Direito da Paz e da Guerra. Zarca (1997, p. 9) explica que a DUDH: [...] traz um aspecto fundamental para a compreensão da modernidade. Um dos traços essenciais dessa modernidade não reside exatamente na definição do homem como sujeito de direitos? Sujeito ao qual se ligam, simplesmente porque é um ser humano, ou seja, naturalmente, direitos. Ora, essa definição do homem como um ser portador de direitos não é atemporal, já que foi inventada pela filosofia moral e política moderna, constituindo uma de suas principais inovações. Poderíamos dar várias formulações sobre a importância dessa inovação. Mas, eu ficarei com apenas uma: a transformação da noção renascentista de dignidade do homem na noção de homem como ser portador de direitos no século XVII. Transformação significa conservação e mudança. O que se conserva é a ideia de uma especificidade que caracteriza o homem enquanto tal e o distingue de todos os outros seres naturais. O que muda profundamente é que a dignitas hominis se refere menos ao lugar do homem na hierarquia dos seres, já que o homem tem sua própria liberdade de se constituir naquilo que ele é, e muito mais à noção do homem como ser portador de direito que define muito mais um dado do que uma responsabilidade sobre aquilo que ele será. Dessa forma, baseado em valores essenciais, pode-se dizer que o principal objetivo da DUDH é que os seres humanos, universalmente, ou seja, onde quer que se encontrem, consigam ter, no mínimo, uma vida com dignidade, independentemente de nacionalidade, sexo, idade e cor. Daí a grande importância dessa Declaração no plano internacional e como instrumento de proteção aos direitos humanos (Apud, SEIXAS, 2018). 3.4 Dispositivos da Declaração Universal dos Direitos Humanos Como vimos, a DUDH foi aprovada em 10 de dezembro de 1948 pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em Paris. A sua aprovação se deu por meio de uma resolução, a Resolução ONU nº. 217-A, destacando-se como um importante documento de defesa dos direitos humanos no plano internacional. Devido à grande importância desse instrumento na proteção dos direitos humanos, precisamos analisar os seus dispositivos legais. 15 A DUDH foi aprovada como resolução, não como tratado internacional. 3.5 Preâmbulo Preâmbulo é a introdução, a declaração inicial dos termos de um dispositivo legal. É no preâmbulo que vêm expressos os princípios, valores e objetivos que fundamentam o texto legal. O preâmbulo da DUDH se inicia trazendo a dignidade como elemento inerente à pessoa humana e, junto com a isonomia, fundamenta o ideário de liberdade, justiça e paz no mundo. Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e dos seus direitos iguais e inalienáveis constitui o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo (ORGANIZAÇÃO DA NAÇÕES UNIDAS, 2009). Contudo, nos parágrafos seguintes, o preâmbulo expõe a necessidade de consciência da humanidade e de se proteger os seres humanos das atrocidades praticadas pelos próprios seres humanos, de maneira universal: Considerando que o desconhecimento e o desprezo dos direitos do Homem conduziram a atos de barbárie que revoltam a consciência da Humanidade e que o advento de um mundo em que os seres humanos sejam livres de falar e de crer, libertos do terror e da miséria, foi proclamado como a mais alta inspiraçãodo Homem; Considerando que é essencial a proteção dos direitos do Homem através de um regime de direito, para que o Homem não seja compelido, em supremo recurso, à revolta contra a tirania e a opressão (ORGANIZAÇÃO DA NAÇÕES UNIDAS, 2009). O preâmbulo demonstra, na parte final, a necessidade de se universalizar de maneira isonômica a proteção aos direitos humanos fundamentais, como forma de promover o desenvolvimento das relações entre as nações, independentemente de onde se encontre o indivíduo: Considerando que é essencial encorajar o desenvolvimento de relações amistosas entre as nações; Considerando que, na Carta, os povos das Nações Unidas proclamam, de novo, a sua fé nos direitos fundamentais do Homem, na dignidade e no valor da pessoa humana, na igualdade de direitos dos homens e das mulheres e se declaram resolvidos a favorecer o progresso social e a instaurar melhores condições de vida dentro de uma liberdade mais ampla; 16 Considerando que os Estados-Membros se comprometeram a promover, em cooperação com a Organização das Nações Unidas, o respeito universal e efetivo dos direitos do Homem e das liberdades fundamentais; Considerando que uma concepção comum destes direitos e liberdades é da mais alta importância para dar plena satisfação a tal compromisso: A Assembleia Geral proclama a presente Declaração Universal dos Direitos Humanos como ideal comum a atingir por todos os povos e todas as nações, a fim de que todos os indivíduos e todos os órgãos da sociedade, tendo-a constantemente no espírito, se esforcem, pelo ensino e pela educação, por desenvolver o respeito desses direitos e liberdades e por promover, por medidas progressivas de ordem nacional e internacional, o seu reconhecimento e a sua aplicação universais e efetivos tanto entre as populações dos próprios Estados-Membros como entre as dos territórios colocados sob a sua jurisdição (ORGANIZAÇÃO DA NAÇÕES UNIDAS, 2009). Os arts. 1º e 2º da DUDH proclamam o direito à liberdade e à igualdade de todos os seres humanos, consagrando assim os princípios da igualdade material e da liberdade, sem qualquer discriminação: Artigo 1º Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade. Artigo 2º Todos os seres humanos podem invocar os direitos e as liberdades proclamados na presente Declaração, sem distinção alguma, nomeadamente de raça, de cor, de sexo, de língua, de religião, de opinião política ou outra, de origem nacional ou social, de fortuna, de nascimento ou de qualquer outra situação. Além disso, não será feita nenhuma distinção fundada no estatuto político, jurídico ou internacional do país ou do território da naturalidade da pessoa, seja esse país ou território independente, sob tutela, autônomo ou sujeito a alguma limitação de soberania (ORGANIZAÇÃO DA NAÇÕES UNIDAS, 2009) Igualdade material não significa tratar todos de forma igual, mas tratar os iguais de forma igual e os desiguais de forma desigual, de forma a igualar as possíveis diferenças. Os arts. 3º, 4º e 5º da DUDH consagram os direitos fundamentais à vida, à segurança jurídica (diferente da segurança pública) e à liberdade, proibindo a escravidão e a servidão, assim como o aliciamento das pessoas (é vedada a tortura e o castigo cruel ou degradante): Artigo 3º Todo indivíduo tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal. Artigo 4º Ninguém será mantido em escravatura ou em servidão; a escravatura e o trato dos escravos, sob todas as formas, são proibidos. Artigo 5º Ninguém será submetido a tortura nem a penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes (ORGANIZAÇÃO DA NAÇÕES UNIDAS, 2009). 17 Os arts. 6º e 7º da DUDH anunciam o princípio da isonomia formal que, diferentemente da igualdade material, estabelece a necessidade de igualdade entre as pessoas (igualdade perante a lei), bastando nascer humana para fazer jus ao reconhecimento e tratamento como ser humano, proibindo inclusive o incitamento de discriminação a qualquer ser humano, o que viola a DUDH: Artigo 6º Todos os indivíduos têm direito ao reconhecimento, em todos os lugares, da sua personalidade jurídica. Artigo 7º Todos são iguais perante a lei e, sem distinção, têm direito à igual proteção da lei. Todos têm direito à proteção igual contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação (ORGANIZAÇÃO DA NAÇÕES UNIDAS, 2009). Os arts. 8º, 9º, 10 e 11 trazem as garantias processuais e materiais das pessoas humanas: os remédios constitucionais de garantia a direitos protegidos pela DUDH; o devido processo legal; a vedação à prisão arbitrária, à detenção ou ao exílio arbitrários; a isonomia processual; a imparcialidade do magistrado; a publicidade dos atos processuais; a presunção de inocência; a legalidade e a irretroatividade da lei penal, salvo em benefício do réu. Artigo 8º Toda a pessoa tem direito a recurso efetivo para as jurisdições nacionais competentes contra os atos que violem os direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição ou pela Lei. Artigo 9º Ninguém pode ser arbitrariamente preso, detido ou exilado. Artigo 10º Toda a pessoa tem direito, em plena igualdade, a que a sua causa seja equitativa e publicamente julgada por um tribunal independente e imparcial que decida dos seus direitos e obrigações ou das razões de qualquer acusação em matéria penal que contra ela seja deduzida. Artigo 11º 1. Toda a pessoa acusada de um ato delituoso presume-se inocente até que a sua culpabilidade fique legalmente provada no decurso de um processo público em que todas as garantias necessárias de defesa lhe sejam asseguradas 2. Ninguém será condenado por ações ou omissões que, no momento da sua prática, não constituíam ato delituoso à face do direito interno ou internacional. Do mesmo modo, não será infligida pena mais grave do que a que era aplicável no momento em que o ato delituoso foi cometido (ORGANIZAÇÃO DA NAÇÕES UNIDAS, 2009). 18 O art. 12 proclama o direito à vida privada, à intimidade e à inviolabilidade de correspondência e domiciliar: Artigo 12º Ninguém sofrerá intromissões arbitrárias na sua vida privada, na sua família, no seu domicílio ou na sua correspondência, nem ataques à sua honra e reputação. Contra tais intromissões ou ataques toda a pessoa tem direito à proteção da lei (ORGANIZAÇÃO DA NAÇÕES UNIDAS, 2009). O art. 13 proclama o direito à liberdade de ir e vir (liberdade de locomoção), consagrando o direito de transitar pelo país e de sair e voltar quando quiser: Artigo 13º 1. Toda a pessoa tem o direito de livremente circular e escolher a sua residência no interior de um Estado. 2. Toda a pessoa tem o direito de abandonar o país em que se encontra, incluindo o seu, e o direito de regressar ao seu país (ORGANIZAÇÃO DA NAÇÕES UNIDAS, 2009). O art. 14 consagra o direito ao asilo político, excepcionando os casos que não comportam esse direito, quando o indivíduo é legitimamente perseguido por crimes de direito comum ou quando se trata de atos contrários aos objetivos e princípios das Nações Unidas: Artigo 14º 1. Toda a pessoa sujeita à perseguição tem o direito de procurar e de beneficiar de asilo em outros países. 2. Este direito não pode, porém, ser invocado no caso de processo realmente existente por crime de direito comum ou por atividades contrárias aos fins e aos princípios das Nações Unidas (ORGANIZAÇÃO DA NAÇÕES UNIDAS, 2009). O art. 15 trata do direito à nacionalidade como um direito humano, que deve ser assegurado a todos as pessoas: Artigo 15º 1. Todo o indivíduo tem direito a ter uma nacionalidade. 2. Ninguém pode ser arbitrariamente privado da sua nacionalidade nem do direito de mudar de nacionalidade (ORGANIZAÇÃO DA NAÇÕES UNIDAS, 2009). O art. 16 protege odireito à constituição de família, considerando a família como um núcleo natural e fundamental da sociedade, ressaltando a igualdade entre os cônjuges no casamento: Artigo 16º 1. A partir da idade núbil, o homem e a mulher têm o direito de casar e de constituir família, sem restrição alguma de raça, nacionalidade ou religião. Durante o casamento e na altura da sua dissolução, ambos têm direitos iguais. 2. O casamento não pode ser celebrado sem o livre e pleno consentimento dos futuros esposos. 3. A família é o elemento natural e fundamental da sociedade e tem direito à proteção desta e do Estado (ORGANIZAÇÃO DA NAÇÕES UNIDAS, 2009). 19 O art. 17 consagra um direito de primeira geração, que é o direito à propriedade sem interferências do Estado: Artigo 17º 1. Toda a pessoa, individual ou coletiva, tem direito à propriedade. 2. Ninguém pode ser arbitrariamente privado da sua propriedade (ORGANIZAÇÃO DA NAÇÕES UNIDAS, 2009). Os arts. 18 e 19 explicitam o direito à liberdade de pensamento, opinião, expressão, crença e consciência também como um direito humano e universal: Artigo 18º Toda a pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião; este direito implica a liberdade de mudar de religião ou de convicção, assim como a liberdade de manifestar a religião ou convicção, sozinho ou em comum, tanto em público como em privado, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pelos ritos. Artigo 19º Todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, o que implica o direito de não ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar, receber e difundir, sem consideração de fronteiras, informações e ideias por qualquer meio de expressão (ORGANIZAÇÃO DA NAÇÕES UNIDAS, 2009). O art. 20 traz a liberdade de reunião e de associação pacífica, não podendo ninguém ser obrigado a fazer parte de uma associação: Artigo 20º 1. Toda a pessoa tem direito à liberdade de reunião e de associação pacíficas. 2. Ninguém pode ser obrigado a fazer parte de uma associação (ORGANIZAÇÃO DA NAÇÕES UNIDAS, 2009) Os arts. 21 e 22 consagram o direito à utilização dos serviços públicos e à segurança social e o direito de se fazer representar diretamente ou indiretamente pelos mesmos, assim como asseguram o direito ao voto e à participação política no país. Artigo 21º 1. Toda a pessoa tem o direito de tomar parte na direção dos negócios públicos do seu país, quer diretamente, quer por intermédio de representantes livremente escolhidos. 2. Toda a pessoa tem direito de acesso, em condições de igualdade, às funções públicas do seu país. 3. A vontade do povo é o fundamento da autoridade dos poderes públicos: e deve exprimir-se através de eleições honestas a realizar-se periodicamente por sufrágio universal e igual, com voto secreto ou segundo processo equivalente que salvaguarde a liberdade de voto. Artigo 22º Toda a pessoa, como membro da sociedade, tem direito à segurança social; e pode legitimamente exigir a satisfação dos direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis, graças ao esforço nacional e à cooperação internacional, de harmonia com a organização e os recursos de cada país (ORGANIZAÇÃO DA NAÇÕES UNIDAS, 2009) 20 Os arts. 23º e 24º consagram os direitos trabalhistas, como o direito de ter um trabalho em condições justas, de escolher o trabalho, de proteção contra o desemprego involuntário, de igualdade de condições no trabalho, de remuneração justa e satisfatória, de liberdade de associação em sindicatos, bem como o direito a repouso e lazer, a uma jornada limitada e a férias periódicas e remuneradas. Artigo 23º 1. Toda a pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha do trabalho, a condições equitativas e satisfatórias de trabalho e à proteção contra o desemprego. 2. Todos têm direito, sem discriminação alguma, a salário igual por trabalho igual. Declaração Universal dos Direitos Humanos 11 3. Quem trabalha tem direito a uma remuneração equitativa e satisfatória, que lhe permita e à sua família uma existência conforme com a dignidade humana, e completada, se possível, por todos os outros meios de proteção social. 4. Toda a pessoa tem o direito de fundar com outras pessoas sindicatos e de se filiar em sindicatos para defesa dos seus interesses. Artigo 24º Toda a pessoa tem direito ao repouso e aos lazeres, especialmente, a uma limitação razoável da duração do trabalho e às férias periódicas pagas (ORGANIZAÇÃO DA NAÇÕES UNIDAS, 2009). Dos arts. 25º ao 29º são assegurados os direitos sociais; ou seja, esses artigos estabelecem uma vida socialmente digna como um direito humano, incluindo o direito à educação, inclusive gratuita, nos períodos elementares e fundamentais, assim como a possibilidade de acesso a todos à instrução técnico-profissionalizante e à instrução superior baseada no mérito. Asseguram também como direitos humanos a cultura e o pleno desenvolvimento da personalidade, devendo os direitos e as liberdades serem limitados apenas pela lei. Artigo 25º 1. Toda a pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para lhe assegurar e à sua família a saúde e o bem-estar, principalmente quanto à alimentação, ao vestuário, ao alojamento, à assistência médica e ainda quanto aos serviços sociais necessários, e tem direito à segurança no desemprego, na doença, na invalidez, na viuvez, na velhice ou noutros casos de perda de meios de subsistência por circunstâncias independentes da sua vontade. 2. A maternidade e a infância têm direito à ajuda e à assistência especiais. Todas as crianças, nascidas dentro ou fora do matrimônio, gozam da mesma proteção social. Artigo 26º 1. Toda a pessoa tem direito à educação. A educação deve ser gratuita, pelo menos a correspondente ao ensino elementar fundamental. O ensino elementar é obrigatório. O ensino técnico e profissional deve ser generalizado; o acesso aos estudos superiores deve estar aberto a todos em plena igualdade, em função do seu mérito. 2. A educação deve visar à plena expansão da personalidade humana e ao reforço dos direitos do Homem e das liberdades fundamentais e deve favorecer a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e todos os grupos raciais ou religiosos, bem como o desenvolvimento das atividades das Nações Unidas para a manutenção da paz. 3. Aos pais pertence a prioridade do direito de escolher o gênero de educação a dar aos filhos. Artigo 27º 1. Toda a pessoa tem o direito de tomar parte livremente na vida cultural da comunidade, de fruir as artes e de participar no progresso científico e nos benefícios que deste resultam. 2. Todos têm direito à proteção dos interesses morais e materiais ligados a qualquer produção científica, 21 literária ou artística da sua autoria. 12 Declaração Universal dos Direitos Humanos Artigo 28º Toda a pessoa tem direito a que reine, no plano social e no plano internacional, uma ordem capaz de tornar plenamente efetivos os direitos e as liberdades enunciadas na presente Declaração. Artigo 29º 1. O indivíduo tem deveres para com a comunidade, fora da qual não é possível o livre e pleno desenvolvimento da sua personalidade. 2. No exercício deste direito e no gozo destas liberdades ninguém está sujeito senão às limitações estabelecidas pela lei com vista exclusivamente a promover o reconhecimento e o respeito dos direitos e liberdades dos outros e a fim de satisfazer as justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar numa sociedade democrática. 3. Em caso algum estes direitos e liberdades poderão ser exercidos contrariamente e aos fins e aos princípios das Nações Unidas (ORGANIZAÇÃO DA NAÇÕES UNIDAS, 2009). O art. 30, último dispositivo da DUDH, assegura uma interpretação ampla das proteções asseguradas nessa Declaração pelos Estados, proibindo de forma expressa a utilização das garantias e liberdades como forma de destruição dos direitos assegurados na própria Declaração: Artigo 30º Nenhuma disposiçãoda presente Declaração pode ser interpretada de maneira a envolver para qualquer Estado, agrupamento ou indivíduo o direito de se entregar a alguma atividade ou de praticar algum ato destinado a destruir os direitos e liberdades aqui enunciados (ORGANIZAÇÃO DA NAÇÕES UNIDAS, 2009). 4 SEGURANÇA PÚBLICA NO BRASIL E O PAPEL DOS ENTES FEDERADOS Fonte: oidiario.com.br 22 Neste capítulo, você vai conhecer a trajetória da segurança pública no Brasil, em especial você vai conhecer o papel dos entes federados no cenário do debate, da construção e da implementação das políticas de segurança pública. Como você vai ver, no contexto contemporâneo, a inovação na gestão da segurança pública e a participação social são ferramentas fundamentais para que as demandas do cidadão sejam atendidas de forma efetiva (MENDONÇA, 2020). 4.1 A segurança pública no Brasil No Brasil, a primeira instituição policial surge com a transferência da família real portuguesa, em 1808. Apesar de ter moldes muito diferentes dos que você conhece hoje, a Intendência Geral da Polícia da Corte e do Estado do Brasil, sediada no Rio de Janeiro, era responsável pelo policiamento judiciário e pela fiscalização; além disso, atendia às necessidades relativas a serviços urbanos (MARCINEIRO; PACHECO, 2005). Menos generalista, a Divisão Militar da Guarda Real de Polícia tinha cunho mais coercitivo. Criada em 1809, detinha competências militares e estava subordinada ao Ministério da Guerra. Além de reprimir atos criminosos, atuava na captura de escravos fugitivos e na patrulha. Com a independência e a convulsão social que ela provocou, uma Guarda Real foi estabelecida, visando à proteção do País e de seus cidadãos. Essa força policial agia em conjunto com o Exército, criado em 1648, mas com limitações de atuação em virtude da dependência brasileira de Portugal. Posteriormente, a Regência pôs fim à Guarda Real, substituindo-a pelo Corpo de Guardas Municipais Voluntários Permanentes. Tais instituições eram regionalizadas, o que mais tarde possibilitou a alteração de cada uma de acordo com a unidade federativa (MENDONÇA, 2020). Note que há uma relação entre o policiamento brasileiro e as forças militares. A estrutura social vigente em todo o período anterior à proclamação da República colocava a manutenção da ordem sob os cuidados da nobreza e de grandes proprietários de terra. Além disso, a polícia exercia um controle que visava a coibir insubordinações, fossem às leis ou aos costumes. Nesse período, as forças policiais tratavam de garantir a presença do poder estatal em todos os territórios, em uma tentativa de se aproximar da população, de modo a solucionar os conflitos cotidianos. Aos poucos, a instituição policial tomou forma e adquiriu força para manter a ordem 23 social. Como seu poder ainda era submisso à coroa portuguesa, a instituição policial exigiu esforços da nobreza e dos magistrados brasileiros para se tornar submissa ao Poder Judiciário (MENDONÇA, 2020). O período imperial trouxe inovações importantes para a descentralização do poder policial. Com a promulgação do Código Processual Penal, em 1832, foram criadas duas autoridades provinciais, que eram indicadas pelo governador e coordenavam a polícia regionalmente: os chefes de polícia e os juízes de paz. Mas esse modelo não foi bem-sucedido; afinal, ao regionalizar o controle, o Estado perdia poder de decisão. Assim, o cargo de juiz de paz perde sua autonomia frente às forças policiais em 1841, ficando tal autonomia concentrada nos chefes de polícia, agora indicados diretamente pelo governo central (MENDONÇA, 2020). Com a proclamação da República, em 1889, somada aos resultados da abolição da escravidão, as relações sociais sofreram um impacto significativo. Os escravos fugitivos, antes alvo da polícia, transformaram-se em uma classe subalterna livre, e a classe dominante perdeu parte de seu poder. Além disso, a rápida urbanização das cidades e o adensamento demográfico exigiram das instituições policiais algumas adequações. Configurava-se a passagem do espaço rural para o urbano, agora com diferentes demandas de vigilância e repressão (MENDONÇA, 2020). O federalismo trouxe a descentralização de poderes, exigindo uma nova dinâmica para exercer o controle social. Apenas a vigilância e a repressão já não eram suficientes, e novos instrumentos precisavam ser pensados e implementados. O Código Penal de 1890 foi um desses instrumentos. Segundo Holloway (1997), o novo código voltou os olhos para as chamadas “classes perigosas”, tipificando como crimes a vadiagem, a prostituição, a embriaguez e a capoeira (MENDONÇA, 2020). É com o golpe de 1930 que a polícia começa a desempenhar um papel de destaque na manutenção do regime autoritário. Getúlio Vargas amplia as tarefas policiais para controlar as dissidências políticas e promove uma reforma no alto escalão das polícias civis em todo o País. Desse modo, somente pessoas de sua estrita confiança podiam ocupar cargos de comando (MENDONÇA, 2020). Para Faoro (1997), Vargas fazia repressão política e colocava todo o aparato policial sob suas ordens. Considere o seguinte: 24 A Constituição Federal de 1934 outorga o controle direto das forças públicas estaduais ao governo federal. É nesse texto constitucional que pela primeira vez na história há a imposição formal de um caráter eminentemente militarizado ao campo da segurança, tornando as forças estaduais, auxiliares do exército. Com isso a segurança pública brasileira segue na tênue e complexa dinâmica política e social que envolve o poder e a violência. Esse princípio metamórfico atinge especialmente as polícias que passam a receber uma espécie de upgrade em suas prerrogativas quanto ao uso do poder e do exercício da prática violenta (BONAMIGO; CHAVES, 2014, p. 461). A militarização das polícias toma corpo no regime militar. Assim como na Era Vargas, a polícia tinha como missão principal conter a oposição política, daí o histórico de abuso de autoridade, repressão violenta e tortura que marca esse período. Ainda que, pela perspectiva do governo, as polícias estivessem garantindo a ordem pública, os excessos cometidos no período da ditadura militar deixaram marcas profundas na história da instituição policial (MENDONÇA, 2020). No período seguinte, a centralização do comando começa a ser questionada, bem como o papel da instituição policial como um órgão de prestação de serviços para a sociedade. A Constituição Federal de 1988 reorganiza a estrutura das polícias, atribuindo a cada uma competências capazes de atender às necessidades sociais. 4.2 Segurança pública e entes federados Em um país como o Brasil, de dimensões continentais e com tanta diversidade cultural, o controle da criminalidade e a manutenção da ordem são desafios para os governos. Ainda que o planejamento e a implementação das políticas públicas de segurança atendam a critérios regionais, o monitoramento, o controle e a avaliação precisam estar dispostos de forma a permitir a rápida tomada de decisão e o reencaminhamento de ações (MENDONÇA, 2020). Com o fim da ditadura e o começo da abertura democrática, torna-se possível pensar em alternativas para alterar a realidade da ação policial. A Assembleia Nacional Constituinte se preocupa em dedicar um espaço na Constituição para inovar na segurança pública (MENDONÇA, 2020). O modelo policial reativo praticado até então (era necessário que o delito se efetivasse para que a polícia agisse) estava muito longe do que a sociedade precisava. Assim, a Constituição Federal de 1988 propõe e legitima uma ação policial proativa, com políticas de prevenção. Além disso, ainda inova ao determinar a gestão 25 participativa como elo fundamental para a resolução dos crescentes violência e criminalidade. No seu art. 144, a Constituição estabelece os órgãos policiais e suascompetências. Veja (BRASIL, 1988): Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: I — polícia federal; II — polícia rodoviária federal; III — polícia ferroviária federal; IV — polícias civis; V— polícias militares e corpos de bombeiros militares. Ao estabelecer cinco âmbitos de atuação das polícias, o legislador pretendia obter uma organização por competências, antes de uma organização hierárquica. Isto é, ele não desejava estabelecer uma concorrência na ação das instituições, que passam a atuar de acordo com as demandas dos entes federativos. O art. 144 ainda determina o seguinte (BRASIL, 1988): § 1º A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se a: I — apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei; II — prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o contrabando e o descaminho, sem prejuízo da ação fazendária e de outros órgãos públicos nas respectivas áreas de competência; III — exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras; IV — exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União. § 2º A polícia rodoviária federal, órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se, na forma da lei, ao patrulhamento ostensivo das rodovias federais. § 3º A polícia ferroviária federal, órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se, na forma da lei, ao patrulhamento ostensivo das ferrovias federais. § 4º Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares. § 5º Às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil. § 6º As polícias militares e corpos de bombeiros militares, forças auxiliares e reserva do Exército, subordinam-se, juntamente com as polícias civis, aos Governadores dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios. § 7º A lei disciplinará a organização e o funcionamento dos órgãos responsáveis pela segurança pública, de maneira a garantir a eficiência de suas atividades Veja que, com exceção da Polícia Rodoviária Federal e da Polícia Ferroviária Federal, a Polícia Federal e as polícias civis e militares apresentam competências muito semelhantes, o que pode significar uma dificuldade na definição e no cumprimento de suas competências. O legislador procurou determinar uma separação 26 regional e ainda de subordinação. Ao atribuir a uma lei futura a organização e o funcionamento dos órgãos de segurança pública, buscou descentralizar a organização de acordo com a realidade de cada ente federado. Veja a seguir uma síntese das competências de cada uma das polícias (MENDONÇA, 2020). Polícias militares: são as forças estaduais de segurança pública. Sua função principal é a preservação da ordem pública. O policiamento é ostensivo e reativo. As polícias militares são subordinadas aos governadores. Polícias civis: também são forças estaduais de segurança pública, no entanto atuam como polícia judiciária, como auxiliares na aplicação da lei pela Justiça Estadual. São consideradas forças de inteligência, pois, cabe a elas a investigação policial. Polícia Federal: trata-se de instituição subordinada diretamente ao Ministério da Justiça, portanto investiga os crimes julgados pela Justiça Federal. Policiamento marítimo e aeroportuário, fiscalização de fronteiras e alfândegas, além de emissão de passaportes, são de competência da Polícia Federal. Polícia Rodoviária Federal: a atuação da Polícia Rodoviária Federal está circunscrita às rodovias federais. Ela é responsável pela fiscalização de trânsito e pelo combate ao crime. Polícia Ferroviária Federal: é subordinada diretamente à União, como as outras polícias federais. É responsável pelo patrulhamento ostensivo nas ferrovias federais. Para Mendonça (2020) as polícias legislativa e do Exército são instituídas em regulamento próprio, por serem internas aos seus órgãos. Assim, não cabe a elas funções que extrapolem o âmbito da instituição em que atuam. Por isso, essas polícias não constam do art. 144 da Constituição Federal. Há ainda a Força Nacional de Segurança Pública, que atua em situações localizadas e que, por seu caráter não permanente, não pode ser considerada uma força policial. As guardas municipais, apesar da previsão constitucional, possuem especificidades locais e não compõem a força policial, dado o seu caráter preventivo e de vigilância. 27 Por fim, os corpos de bombeiros militares são instituições de defesa civil, mas também atuam como forças auxiliares do Exército quando necessário, assim como as polícias militares. Seu caráter é mais protetivo, estando a serviço da população no combate a situações de calamidade pública. Os estados federados desempenham dois papéis fundamentais: a preservação da ordem e a investigação em seus territórios. Isso ocorre tanto no policiamento ostensivo das polícias militares quanto nas forças de inteligência representadas pelas polícias civis (MENDONÇA, 2020). 5 INOVAÇÃO NA GESTÃO DA SEGURANÇA PÚBLICA Fonte: escola.mpu.mp.br Quando se fala em inovação de serviços públicos, surge uma série de entraves burocráticos a serem transpostos. Com a segurança pública, não é diferente. Como ela é uma questão de extrema importância para a sociedade e envolve tantos fatores, 28 qualquer mudança deve ser discutida e refletida com vistas a oferecer à sociedade condições de segurança suficientes para o exercício pleno da cidadania. Na inovação do setor público, destaca-se a exigência de novos arranjos políticos, o que exige investimento em recursos humanos, capacitação profissional e gestão eficiente de recursos econômicos. Face a tantas condicionalidades, cada mudança proposta, apesar de necessária, enfrenta resistências e causa desconforto. Na segurança pública, com a gestão participativa, novos atores são convidados a opinar e debater as demandas, sempre com suas especificidades (OLIVEIRA, 2020). A Constituição Federal e as legislações posteriores se propuseram a trazer novas ferramentas e instrumentos para se pensar a segurança pública, de maneira a romper com o paradigma de uma polícia truculenta. A Política Nacional de Segurança Pública, juntamente ao Sistema Único de Segurança Pública, visa a uniformizar e multiplicar as boas práticas nas diferentes polícias, bem como a atender o anseio da sociedade por segurança e bem-estar (OLIVEIRA, 2020). A prevenção ainda é reconhecida como uma das melhores estratégias para a redução dos índices de criminalidade. Mas trabalhar a prevenção exige uma interação cooperativa com a sociedade e com outras organizações públicas, além de incentivos dos entes federativos. A repressão continua sendo importante, no entanto pode ser minimizada por ações preventivas e educativas. Veja o que afirma Oliveira Junior (2016, p. 14): Parte-se do pressuposto de que a atuação de instituições participativas, tais como os conselhos comunitários de segurança pública (ou instituições congêneres) e os programas criados principalmente por iniciativa das polícias estaduais, como o Rede de Vizinhos Protegidos, consiste em uma forma relativamentenova de participação da sociedade civil na segurança pública no Brasil. Trata-se de programas, ações ou projetos costumeiramente classificados sob a rubrica do policiamento comunitário, ou modelos afins, como polícia de proximidade e outros. Políticas e programas têm trazido bons resultados, embora ainda tímidos, nas inovações em segurança pública no Brasil. Base comunitária, Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), programas de prevenção ao uso de drogas, conselhos de segurança, territórios de paz, entre tantas outras ações, destacam- -se como iniciativas importantes para modificar a realidade dos índices de violência e criminalidade do País (OLIVEIRA, 2020). 29 Como exemplo, você pode considerar a Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo, que criou em 2008 a Diretoria de Polícia Comunitária e de Direitos Humanos (DPCDH). Com a DPCDH, a instituição constrói um rol de valores para a aproximação com a comunidade. Isso passa pela capacitação profissional dos agentes policiais e por ações e programas de estreitamento do vínculo com a comunidade. Os valores da DPCDH são representados: pelos pilares da hierarquia e da disciplina; pela filosofia de polícia comunitária; pelo mais absoluto respeito aos direitos humanos; pela ação em defesa da vida, da integridade física e da dignidade das pessoas; pela ação com honestidade de propósitos, probidade, patriotismo, civismo e coragem. As relações humanas no ambiente de trabalho devem ser pautadas pela fraternidade, pela justiça, pela lealdade, pela constância de propósitos e pelo profissionalismo. Além disso, os policiais devem servir à população da mesma forma como gostariam de ser servidos (OLIVEIRA, 2020). As UPPs do Rio de Janeiro não foram bem-sucedidas como política permanente; várias unidades já foram desativadas. Todos os programas têm como base a polícia comunitária, filosofia organizacional compartilhada por todos os órgãos de polícia, visando sempre ao ligação entre os direitos humanos e a segurança pública: É uma filosofia e estratégia organizacional que proporciona uma nova parceria entre a população e a polícia. Baseia-se na premissa de que tanto a polícia quanto a comunidade devem trabalhar juntas para identificar, priorizar e resolver problemas contemporâneos tais como crime, drogas, medo do crime, desordens físicas e morais, e em geral a decadência do bairro, com o objetivo de melhorar a qualidade geral da vida na área (TROJANOWICZ; BUCQUEROUX, 1994, p. 4). A polícia comunitária atua a partir dos seguintes requisitos: 30 imagem da polícia protetora e amiga; aproximação entre a comunidade e a organização policial; noção de que o agente policial tem função didático-pedagógica, orientando e educando o cidadão; respeito aos direitos humanos e direitos fundamentais garantidos pela Constituição; noção de que o policial é um cidadão íntegro, um representante do Estado que atende às demandas sociais. Todas essas inovações no comportamento e nas competências das polícias requerem também uma modificação da participação da sociedade e, principalmente, dos órgãos públicos na promoção de uma cultura de justiça social. São necessárias políticas públicas transversais e integradas com vistas ao exercício pleno da cidadania (OLIVEIRA, 2020). 6 AVALIAÇÃO E MONITORAMENTO DAS POLÍTICAS DE SEGURANÇA PÚBLICA Fonte: gestaodesegurancaprivada.com.br 31 Neste capítulo, você vai estudar a avaliação e o monitoramento das políticas de segurança pública no Brasil. Ao longo do capítulo, você vai verificar como se organiza a estrutura federalista do Brasil e conhecer o histórico das políticas nacionais de segurança pública, com especial atenção aos planos nacionais de segurança pública propostos nos governos de Fernando Henrique Cardoso (FHC) e Luiz Inácio Lula da Silva. Você deve ficar atento às políticas públicas de segurança relacionadas aos diferentes níveis e segmentos de poder e à ramificação entre prevenção e repressão (OLIVEIRA, 2020). Por sua vez, o relacionamento entre a avaliação e o monitoramento deve ser compreendido junto às questões de performance policial, aos planos nacionais de segurança pública e aos apontamentos relativos aos direitos humanos. Também fique atento ao seguinte: violência, corrupção, criminalidade e brutalidade policiais são questões veementemente tratadas nos mais diversos planos nacionais, porém há recuos, pressões e reações, o que gera um histórico negativo de aplicação de políticas de segurança pública no Brasil (OLIVEIRA, 2020). Em síntese, a ideia é que, a partir das discussões propostas, você compreenda por que a segurança pública é uma das questões mais sensíveis no contexto brasileiro, ainda que sua presença seja corriqueira nas agendas políticas nacionais (OLIVEIRA, 2020). 6.1 Principais conceitos e discussões A segurança pública está intimamente vinculada à segurança interna, no sentido de preservação da ordem pública. Por outro lado, ela se contrapõe à segurança interna territorial e à segurança externa, que ficam sob a responsabilidade das Forças Armadas. Então, embora tenha um conceito complexo, a segurança pública pode ser lida como uma das causas da ordem pública, que por sua vez se vincula à ordem administrativa em geral, que engloba saúde, segurança, moralidade e tranquilidade pública, assim como boa-fé nos negócios (LAZZARINI, 2003 apud OLIVEIRA, 2020). Ademais, o conceito de segurança pública está atrelado à proteção da sociedade; está em jogo um sistema de desenvolvimento social que dirige um sistema 32 de proteção social, no âmago da sociedade civil, em conjunto com um sistema de desenvolvimento nacional e um sistema de proteção nacional. A ausência de um conceito de segurança pública na Constituição abre margem à interpretação. Assim, a segurança pública ganha enfoques distintos: defesa ou garantia contra ameaças, ou unicamente defesa contra a ameaça do crime e da contravenção penal (ESPÍRITO SANTO; MEIRELES 2003). As políticas de segurança pública no Brasil têm sido, de forma geral, organizadas e implementadas de maneira fragmentada e pouco planejada. No final dos anos 1980, houve a retomada da ordem democrática no País, e diversos direitos foram respaldados e reformulados pela Carta Maior. Todavia, o direito à segurança e à ordem, da mesma forma que a organização estrutural que deveria garanti-lo, acabou limitado a uma lista de organizações policiais apresentada no Título V — Da Defesa do Estado e das Instituições Democráticas. Com esse tratamento, a segurança ficou longe de assumir o caráter cidadão conferido aos outros setores da vida social do Brasil, que começava a se reajustar (BALLESTEROS, 2014 apud OLIVEIRA, 2020). A insuficiência constitucional relativa à segurança pública é vista por inúmeros autores como decorrência do abalo institucionalizado em relação à temática, resultante das violações e arbitrariedades cometidas durante a ditadura militar. Refrear o debate e afastar-se dessa temática na Constituinte teria permitido edificar a conciliação indispensável para a transição ao regime democrático (BALLESTEROS, 2014). Veja: As continuidades organizacionais [...] caracterizaram a segurança pública desde a promulgação da Constituição de 1988, somadas à falta de indicação sobre diretrizes de coordenação ou articulação, bem como à omissão com relação ao papel do governo federal e dos municípios neste setor. Tradicionalmente, as implicações da estrutura federalista para a caracterização das políticas públicas nacionais foram analisadas apenas para as políticas sociais e fiscais. Em raras oportunidades as análises desta natureza foram estendidas às políticas de segurança pública. Isso porque, no entender de alguns analistas, os vazios eram tão mais expressivos do que as ações empreendidas, que nãohaveria elementos sobre os quais fazer considerações teóricas. O federalismo como forma de organização político- territorial, segundo corrente majoritária da doutrina, tem forte impacto na estrutura administrativa e no desenho e implementação das políticas públicas, e a interação que se dá entre o governo central e os governos subnacionais em uma federação é essencial para definir o modo e a qualidade com que o Estado proverá direitos fundamentais dos cidadãos (BALLESTEROS, 2014, p. 8). 33 Ainda assim, alguns procedimentos governamentais indicam mudanças na forma como a segurança pública vem sendo administrada nos últimos 30 anos no Brasil. Embora o governo federal não tenha a competência legal para tratar do tema, sua atitude política construída com base em propostas que superam as limitações da normatividade tem sido utilizada para movimentar um ambiente baseado na inércia e na reatividade. Ainda que não consumadas, essas alterações devem ser consideradas significativas marcas da governança da segurança pública (BALLESTEROS, 2014). Nesse sentido, a implementação de políticas públicas de segurança não depende apenas do desenvolvimento de um bom planejamento, mas dos resultados práticos que advêm da excelência na governança e da determinação de prioridades, bem como do afastamento de pontos errôneos que podem gerar retrocessos. Assim, manter programas de segurança pública em funcionamento depende de dois fatores essenciais: a avaliação e o monitoramento (OLIVEIRA, 2020). Conjuntamente, esses fatores são formuladores de índices de qualidade e/ou ineficiência das ações e estratégias desenvolvidas pela atividade conjunta dos governos federal, estadual e municipal para a aplicação de projetos vinculados à segurança pública, ao combate ao crime e à violência, à reestruturação das polícias, ao aprimoramento de tecnologias e conhecimentos, etc. A avaliação de desempenho diz respeito à análise dos resultados atingidos por meio de determinada ação, a qual, por sua vez, pressupõe a competência, que é entendida como “[...] a capacidade de um indivíduo ou grupo em executá-la e, em certos casos, a eficiência, que é a virtude de produzir algum efeito tendo em vista uma relação de custos e benefícios [...]” (DURANTE; BORGES, 2011, p. 64). Assim, avaliar o desempenho é o mesmo que lhe conceder um conceito em relação às expectativas preestabelecidas. Dessa forma, a avaliação e, por conseguinte, o monitoramento são instrumentos que possibilitam ao gestor ter conhecimento dos resultados e impactos da ação de determinada política, programa ou plano. Por meio disso, ele pode estabelecer, rotineiramente, contratos com os agentes vinculados ao projeto ou política avaliada considerando os resultados que são esperados, procurando “[...] acompanhar os desafios propostos, corrigindo os rumos quando necessário e avaliar os resultados alcançados. [Estes] derivam do planejamento estratégico definido pelos gestores da organização ou departamento avaliado [...]” (DURANTE; BORGES, 2011, p. 65). Considere o seguinte: 34 A avaliação em processo [...] tem a particularidade de ser preventiva da eficiência e até mesmo da eficácia, dependendo da metodologia e dos instrumentais que são utilizados. Este tipo de avaliação é fundamental para a introdução da correção de rumos no decorrer do processo de implementação de políticas públicas. Essa avaliação é muito sensível politicamente porque afeta diretamente os responsáveis políticos e técnicos pela condução das políticas. A avaliação em processo destina-se a problematizar, em profundidade, a direção, os produtos e os resultados que a política esteja produzindo, mas enquanto ela está́ sendo implementada (DURANTE; BORGES, 2011, p. 66). Durante e Borges (2011, p. 66) também discorre sobre a importância dos indicadores de desempenho. Veja: Como ferramenta essencial para realizar a avaliação de desempenho, destacamos os indicadores de desempenho. A criação de um sistema de indicadores de desempenho pode ser um instrumento para avaliação das instituições de segurança pública e um autocontrole dos resultados do seu desempenho. Por outro lado, permite comparar o desempenho da instituição gestora com outras similares. Permite, ainda, destacar os pontos fortes e fracos dos diferentes setores das entidades gestoras, de maneira que sejam adotadas medidas corretivas para a melhoria da produtividade, dos procedimentos e das rotinas de trabalho. Por fim, permite a monitorização dos resultados das decisões dos gestores, facilitando a implementação de um sistema de gestão da qualidade. Os indicadores de desempenho devem proporcionar informações no que diz respeito aos objetivos das instituições e facilitar as tomadas de decisão, bem como o redirecionamento de ações que estão sendo desenvolvidas (Apud OLIVEIRA, 2020). Soares (2007), por sua vez, destaca que os efeitos da sazonalidade e da relatividade da aceleração são coeficientes muito simples para os mecanismos de avaliação e monitoramento de políticas públicas de segurança. Deve-se recordar as hipóteses vinculadas a fatores sociais que são causas capazes de promover condições ótimas para a formação ampliada de práticas criminosas; nesses casos, ainda que um excelente programa de segurança seja aplicado, os indicadores poderiam ser negativos. O autor assinala que tais indicativos poderiam ser apaziguados caso uma política de segurança não estivesse sendo empregada, mas isso “[...] conduziria o analista a um argumento contrafactual impossível de testar e, portanto, de comprovar [...]” (SOARES, 2007, p. 78 apud OLIVEIRA, 2020). O contrário também poderia ocorrer, ou seja, fatores negativos poderiam fracassar ou mesmo se extinguir, tendo como consequência resultados positivos e alheios às políticas de segurança. Nesse sentido, 35 Consideremos quatro exemplos da participação relativamente autônoma de fatores negativos [...]: dinâmicas demográficas ou a qualidade da saúde pública materno-infantil, ou o aperfeiçoamento das condições sanitárias, fruto de processo de urbanização, levam ao aumento do número de jovens na população. Sabemos que a magnitude da presença de jovens na população constitui uma variável significativa para o panorama da criminalidade e da violência. Eis aí um contexto favorável ao crescimento do número de crimes. Desastres naturais, como enchentes e tornados, podem gerar desabastecimento, desespero e uma onda de saques, de tal maneira que se produza um ambiente propício à proliferação de práticas criminosas de tipos diversos, contra a vida e o patrimônio. Crise econômica, provocando desemprego em massa e aprofundando desigualdades, na contramão de uma cultura hegemônica individualista e igualitária, pode funcionar como vetor facilitador da difusão de práticas criminosas. Crescimento econômico e elevação da renda média, universalização do acesso ao ensino público, em ambiente de intenso desenvolvimento tecnológico, no contexto da expansão do que se convencionou chamar “sociedade do conhecimento ou da informação”, tornam simples a reprodução doméstica de obras culturais (como filmes e gravações musicais) e incontrolável sua distribuição ilícita, colocando em xeque os termos que tradicionalmente definem a propriedade intelectual e alimentando verdadeira avalancha dos crimes apelidados “pirataria” (SOARES, 2007, p. 78 apud OLIVEIRA, 2020). Tais hipóteses correspondem a um grupo de elementos independentes do desempenho policial ou das políticas de segurança e representam a perspectiva de que boas práticas não são capazes de minimizar danos ou limitar consequências negativas. Dessa forma, não estaria correta a avaliação por meio do resultado vinculado da colisão de dinâmicas, vetores e processos, exceto se fosse realizado por metodologia comparativa de situações similares (SOARES, 2007). Os indicadores sociais devem possuir duas características
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