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JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA 1
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA2
Este e outras centenas de livros estão disponíveis GRÁTIS no site: 
www.servicosocialparaconcursos.org
https://www.facebook.com/groups/servicosociallivros/
https://www.instagram.com/servicosocialparaconcursos/
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA 3
Belo Horizonte, 2015
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA4
FICHA TÉCNICA
Prefeitura Municipal de Belo Horizonte
Secretaria Municipal Adjunta de Assistência Social
Gerência de Coordenação de Medidas Socioeducativas
Coordenadora do Projeto
Márcia Xavier Passeado
Organizadores
Amilton Alexandre da Silva
Carolina Silveira Flecha
Maira Cristina Soares Freitas
Sandra Regina Ferreira
Valéria Andrade Martins
Revisor Ortográfico
Anderson Hander Brito Xavier 
Projeto Gráfico e Diagramação
Núcleo de Comunicação e Mobilização / SMAAS 
M489
 BELO HORIZONTE. Prefeitura Municipal. Secretaria Municipal Adjunta de 
Assistência Social. Medidas Socioeducativas em Belo Horizonte - 
Reflexões Sobre a Prática. Org.por Amilton Alexandre da Silva, 
Carolina Silveira Flecha, et al...Belo Horizonte,
PBH/SMAAS,2015.
240 p.
ISBN: 978-85-60851-20-1
1.Medida socioeducativa. 2.Belo Horizonte I.Prefeitura Municipal.Secretaria
Municipal Adjunta de Assistência Social II.Gerência de Coordenação de 
Medidas Socioeducativas.
CDU- 362.74(81)
Ficha catalográfica – Rosângela Alves Guimarães – CRB-1966
Parceria: Secretaria de Estado de Defesa Social de Minas Gerais/ 
Subsecretaria de Atendimento às Medidas Socioeducativas por meio 
de celebração do convênio 043/2009.
Esse trabalho é composto por reflexões a partir da prática de acompanhamento de adolescentes 
em cumprimento de medidas socioeducativas em Meio Aberto. Qualquer dúvida, sugestões, 
contribuições ou críticas, envie seu email para gecmes@pbh.gov.br
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA 5
SUMáRIO
APresentAçãO ------------------------------------------------------------------------ 6
CiRCuitO De GestãO COmPaRtilhaDa --------------------------------------8
Márcia Xavier Passeado
CiRCuitO De ResPOnsabilizaçãO ------------------------------------------- 21
Responsabilização ou Responsabilizações? O adolescente, o Técnico e o 
Sistema
Amilton Alexandre da Silva, Grazielle Irailma G. Lopes, Maira Cristina 
S. Freitas, Pollyana Costa Penoni, Roberta Andrade e Barros e Valdiney 
Gonçalves de Quadros ------------------------------------------------------- 22
A Responsabilização do Estado como parte do processo de responsabilização
do Adolescente Autor de ato infracional 
Amanda Fernandes de Carvalho, Darissa Marielle Lucas Ferreira, 
Fabrícia Miranda Oliveira. -------------------------------------------------- 36
CiRCuitO De tRajetóRia De ViDa nas Ruas ---------------------------- 45
Os adolescentes em Trajetória de Vida nas Ruas e as medidas socioeducativas:
o olhar do NAMSEP – Assistência Social
Jucélia de Cassia Simões ----------------------------------------------------- 46
Os adolescentes e suas experiências de vida nas ruas: possibilidades e
desafios nas medidas socioeducativas. 
Carolina Silveira Flecha ------------------------------------------------------ 53
A mudança na legislação e as implicações para a juventude de vida nas ruas: 
Desafios para o atendimento
Henrique Cardoso Nunes ---------------------------------------------------- 65
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA6
CiRCuitO De ORientaDOR sOCial VOluntÁRiO e eDuCaDOR De 
referênCiA ------------------------------------------------------------------------------71
Medida Socioeducativa em meio aberto: um convite a ser executado por 
muitos
 Amilton Alexandre da Silva ----------------------------------------------------72
Orientador/a Social Voluntário/a – Um exercício de cidadania
 Roberta Andrade e Barros -----------------------------------------------------78
A importância do educador de referência no cumprimento da medida 
socioeducativa de Prestação de Serviço à Comunidade – PSC
 Rosimeire Diniz ------------------------------------------------------------------84
Anexo - Acredito no ser humano -----------------------------------------------------94
CiRCuitO De seGuRança ----------------------------------------------------------96
Entre a socioeducação e o Estado Penal: uma contribuição teórica a partir
do trabalho nas medidas socioeducativas
 Ana Cláudia Rosa Pimenta de Mattos, Aiezha Flávia Pinto Martins 
 Guabiraba, Carolina Silveira Flecha, Jair da Costa Júnior, Marcelle 
 Cardoso Zibral Santos, Pâmela Mara Benevides Felício e Valéria 
 Andrade Martins ----------------------------------------------------------------97
CiRCuitO De Família --------------------------------------------------------------126
O lugar da família no Serviço de Medidas Socioeducativas da Prefeitura de 
Belo Horizonte
 Juliana Vilela Nogueira, Priscila Ferraz D. Barcelos, Sandra Regina 
 Ferreira, Valéria Andrade Martins, Vinício Araújo Martins ---------127
CiRCuitO De tOxiCOmania e saúDe mental ---------------------------145
Uso de Drogas: uma abordagem possível no Serviço de Medidas 
Socioeducativas em Belo Horizonte
 Amilton Alexandre da Silva, Flaviane Bevilaqua Felicíssimo, Maira 
 Cristina S. Freitas, Marlúcia Oliveira de Assis ---------------------------146
Os efeitos do discurso capitalista na subjetividade contemporânea na nossa
prática no Serviço de Proteção Social a Adolescentes em Cumprimento de
Medidas Socioeducativas
 Laura Franchini de Campos Pinho -----------------------------------------155
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA 7
CiRCuitO De juVentuDes neGRas-------------------------------------------164
Negros e Medidas Socioeducativa: o que conta a história? 
 Carolina Silveira Flecha, Marcelle Zibral, Paulo Roberto da Silva e 
 Vivane Martins Cunha -------------------------------------------------------165
CiRCuitO De GêneRO e DiVeRsiDaDe sexual ---------------------------184
Adolescência, gênero e diversidade sexual: Reflexões nas medidas 
socioeducativas em Belo Horizonte
 Amilton Alexandre da Silva, Gustavo Adolfo de Magalhães, Leonardo 
 Tolentino Lima Rocha, Walkíria Glanert Mazetto ----------------------185
COmissãO De sistema De inFORmaçãO, aValiaçãO e 
mOnitORamentO ------------------------------------------------------------------215
Gestão de Qualidade do Serviço de Medidas Socioeducativas no 
Município de Belo Horizonte
 Patrícia de Cássia Carvalho, Márcia Xavier Passeado, Kaiser Cleisson 
 Pereira ---------------------------------------------------------------------------216
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA8
APRESENTAçÃO
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA 9
 A presente publicação é resultado da parceria entre a Secretaria 
Municipal Adjunta de Assistência Social – SMAAS e a Secretaria de Estado 
de Defesa Social – SEDS para apoio e fomento à execução das medidas 
socioeducativas em meio aberto de Belo Horizonte. Considerando-se que 
os adolescentes e suas famílias são atendidos pelo Serviço de Proteção 
Social a Adolescentes em Cumprimento de Medidas Socioeducativas de 
Liberdade Assistida e de Prestação de Serviços à Comunidade nas nove 
Secretarias Administrativas Regionais e que, durante os anos de 2013 e 
2014, houve a substituição de quase a totalidade da equipe técnica desse 
Serviço, priorizou-se, nesse momento, a capacitação das equipes técnicas 
de acompanhamento.
 Os Circuitos de Gestão Compartilhada foram dispositivos criados 
com o objetivo, dentre outros, de capacitar a equipe técnica. Ao todo 
foram constituídos nove Circuitos que trabalharam temas relevantes 
ao acompanhamento de adolescentes em cumprimento de medida 
socioeducativa de liberdade assistida e de prestação de serviços à 
comunidade. Essa publicação materializa a produção dos técnicos do 
Serviço que participaram dos Circuitos aolongo do ano de 2014, ao 
final do qual realizou-se a Jornada de Trabalho dos Circuitos de Gestão 
Compartilhada em que as discussões e reflexões foram apresentadas.
 A produção expressa o empreendimento de cada técnico na 
reflexão sobre os desafios da própria prática e na apropriação dos 
processos de trabalho que compõem o acompanhamento de uma medida 
socioeducativa. Dessa forma, não se trata da conclusão de um trabalho, 
ou de uma orientação metodológica, mas da elaboração de alguns pontos 
que o constituem em uma construção que é constante. Acreditamos que 
essa iniciativa é importante para o fortalecimento e avanço do atendimento 
socioeducativo e, que esse material, por sua temática abrangente, poderá 
servir como ponto de partida para reflexão e debate. 
 Gostaríamos de agradecer a cada um que se pôs a trabalho e aceitou 
esse convite, nosso muito obrigado pela dedicação, pelas discussões, pela 
disponibilidade e pela troca de ideias. Especialmente, gostaríamos de 
agradecer ao Professor Ibraim Vitor por sua participação na Jornada de 
Trabalho com a palestra: “A Produção Coletiva do Conhecimento”, que, 
de forma clara e precisa, tanto contribuiu para incitar o pensamento. Por 
fim, gostaríamos de agradecer aos mediadores das mesas de trabalho 
pela presença e pela troca de experiências. Desejamos a todos uma boa 
leitura. Gerência de Coordenação de 
medidas socioeducativas/GeCmes
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA10
Márcia Xavier Passeado
CIRCUITO 
DE GESTÃO 
COMPARTILHADA
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA 11
INTRODUçÃO
 Durante o ano de 2013, diante da renovação de quase a 
totalidade da equipe técnica contratada por servidores efetivos, por 
meio da realização de concurso público, verificou-se a necessidade 
de capacitar os novos integrantes para que o Serviço de Proteção 
Social a Adolescentes em Cumprimento de Medidas Socioeducativas 
de Liberdade Assistida e de Prestação de Serviços à Comunidade, 
doravante, denominado Serviço de MSE em Meio Aberto mantivesse 
a qualidade. Inicialmente, houve uma apresentação institucional 
dos processos mais amplos do trabalho e de conhecimentos gerais 
sobre administração pública e políticas públicas. Percebeu-se que 
essa capacitação inicial não seria suficiente para a transmissão 
dos conceitos, da lógica, da concepção, da natureza e do objeto 
do Serviço e de sua interlocução com o Sistema de Justiça, com as 
demais políticas setoriais, enfim, transmitir toda a complexidade da 
organização, do processo e dos procedimentos desse trabalho. 
 Pensou-se, então, como estratégia de gestão na criação 
dos Circuitos de Gestão Compartilhada, que tem como objetivos: 
(I) aproximar o trabalho prescrito do trabalho real1; (II) capacitar 
e qualificar equipe técnica; (III) promover reflexões sobre a 
metodologia, nos fluxos e nos procedimentos; (IV) possibilitar reflexão 
sobre a prática. Os circuitos pressupõem apropriação e produção 
simultâneas de conhecimentos relacionados à prática das equipes, 
agregando à gestão informações qualificadas para o monitoramento 
e avaliação das ações e para o traçado de novas estratégias de 
planejamento, procedimentos imprescindíveis para consecução das 
metas estabelecidas com maior efetividade.
DESCRIçÃO DO PROJETO DOS CIRCUITOS
 Propôs-se uma forma de capacitação que fosse além 
dos aspectos formais, que proporcionasse uma apropriação do 
conhecimento, integrasse a prática ao campo teórico e promovesse 
1 Trabalho prescrito e trabalho real são conceitos ergonômicos ligados à Psicodinâmica 
do Trabalho. O prescrito refere-se à tarefa imposta pela organização do trabalho, já o 
trabalho real refere-se à atividade realizada pelo trabalhador, a partir da apreensão e 
modificação dessas imposições, já que são recursos incompletos para recobrir todas 
as situações cotidianas do trabalho. Essa diferenciação foi feita a partir de estudos das 
linhas de montagens da indústria nos anos 60 com a observação de situações reais de 
trabalho numa lógica taylorista.
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA12
a transformação do próprio sujeito que está aprendendo. O 
conhecimento, assim assimilado, também sofre transformações, já 
que ocorre uma transdução do saber em algo novo.
 O dispositivo criado e adotado na capacitação foi por nós 
denominado de Circuito de Gestão Compartilhada, tendo como 
parâmetro o conceito de circuito elétrico da Física. A analogia do 
conhecimento à corrente elétrica traça uma circularidade no processo 
de aprendizagem e produz a transformação dos componentes 
constitutivos desse circuito e do próprio conhecimento. Pode-se, 
então, falar em sinergia, em que a soma do todo é superior à soma 
das partes, transformando-as.
 Destacam-se dois pontos, a saber: a tensão2 e a resistência3, 
importantes na definição dos valores de potenciais a serem utilizados 
para fazer circular a energia dentro do campo elétrico. De forma 
correlata, os pontos de tensão no interior dos Circuitos de Gestão 
Compartilhada e na interlocução destes com a cidade podem 
produzir um novo saber com potencial de transformação dos pontos 
de conexão de rede, assim como dos processos e dos procedimentos 
do próprio Serviço de MSE em Meio Aberto.
 A ideia do dispositivo foi motivada pela necessidade de 
capacitação ampliada da equipe e de desenvolvimento de recursos 
humanos, de adequação à nova legislação pertinente ao Serviço de 
MSE em Meio Aberto e de aperfeiçoamento da gestão. 
 Yves Clot (2006) ressalta a importância de se resgatar a 
subjetividade como parte da apropriação e elaboração dos processos 
de trabalho. A consciência é mediada pela atividade concreta do 
sujeito, ou dito de outra forma, a experiência só passa a ter sentido 
se incorpora no bojo do seu processo a experiência do trabalhador, 
do seu saber produzido na prática e pela prática, além do diálogo e 
confrontação com outros saberes (CLOT, 2006).
 O valor dos Circuitos de Gestão Compartilhada encontra-se 
no desenvolvimento dos recursos humanos, ao propor um modelo 
de capacitação participativa, em que a subjetividade atua de forma 
dinâmica. O sujeito no processo de aprendizagem capta os códigos 
e os signos da realidade vivida, transformando-os e produzindo 
novos sentidos. Segundo Gil (1997), o corpo atua na educação como 
2 A tensão elétrica é também conhecida como diferença de potencial, ou seja, é a diferença de 
potencial elétrico entre dois pontos, dito de outra forma é o trabalho que deve se imprimir para 
deslocar uma determinada carga entre dois pontos do campo elétrico. 
3 A resistência elétrica é a capacidade de um corpo se opor à passagem elétrica dentro do 
campo elétrico, independente da diferença de potencial aplicada.
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA 13
um transdutor de signos. Nesse processo de transdução, não só os 
códigos e signos são modificados, mas o próprio sujeito também se 
modifica em uma relação dialética com o meio.
 Alguns dos Circuitos lançaram-se em incursões pela cidade 
para mapear, dialogar e conhecer o estado da arte do que está sendo 
pensado, proposto e tratado sobre alguns dos temas que lhes são 
constitutivos. De forma análoga ao processo de aprendizagem acima 
descrito, quando os Circuitos fazem esse movimento e se lançam no 
território da cidade, eles captam, transformam e traduzem códigos 
e signos, produzindo novos sentidos para o seu interior. É nesse 
momento que surge a possibilidade de apontar novas direções para o 
funcionamento do Serviço de MSE em Meio Aberto e para o avanço 
da construção da política pública na qual se insere. 
Objetivos Propostos
l Capacitar e desenvolver a equipe técnica;
l Promover o diálogo entre a prática e a teoria;
l Aperfeiçoar a gestão e qualificar o Serviço;
l Formar circuitos com os seguintes temas transversais ao 
Serviço: (I) Família; (II) Responsabilização; (III) Saúde Mental e 
Toxicomania; (IV) Juventudes Negras; (V) Diversidade Sexual e 
Gênero; (VI) Sistema de Informação;(VII) Trajetória de Vida nas 
Ruas; (VIII) Segurança e Proteção.
Resultados Alcançados:
l Interlocução com as outras políticas setoriais;
l Fortalecimento do diálogo com o Sistema de Garantia de 
Direitos e com o Sistema de Justiça;
l Estabelecimento de parcerias com organizações sociais;
l Realização de estudos permanentes sobre temas transversais 
e relevantes ao Serviço de MSE em Meio Aberto;
l Levantamento de dados e elaboração de diagnósticos 
situacionais das ações existentes em relação aos temas 
propostos.
Resultados Esperados:
l Consolidação da interlocução com os diversos atores que 
integram a rede de atendimento socioeducativo;
l Ajustes na gestão do Serviço de MSE em Meio Aberto;
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA14
l Avanços da metodologia do Serviço;
 l Qualificação do atendimento prestado ao usuário.
 Os circuitos, a partir dos objetivos propostos e dos resultados 
alcançados, poderão, dentre outras coisas, beneficiar os técnicos 
nas relações de trabalho e no seu desenvolvimento, já que há uma 
função psicológica do trabalho. Segundo Clot, “o indivíduo é e se 
torna cada vez mais para os outros, primeiro na prática, em seguida 
institucionalmente [...] o trabalho é a capacidade de estabelecer 
engajamentos” (CLOT, 2006, p. 72).
 Ainda citando o autor:
 O trabalho é sem dúvida, um dos gêneros principais 
da vida social em seu conjunto, um gênero de situação 
do qual uma sociedade dificilmente pode abstrair-se 
sem comprometer sua perenidade; e da qual um sujeito 
dificilmente pode afastar-se sem perder o sentimento 
de utilidade social a ele vinculado, sentimento vital de 
contribuir para essa perenidade, em nível pessoal (CLOT, 
2003, p. 69).
 Dito de outra maneira, é com o trabalho que o indivíduo se 
inscreve em outra história, “uma história coletiva cristalizada em 
gêneros sociais, em geral suficientemente equívocos e discordantes 
para que cada um possa dar sua própria contribuição e sair de si” 
(CLOT, 2006). Há, portanto, a inscrição do indivíduo num projeto 
coletivo mais amplo.
 Compreende-se que a função psicológica do trabalho atua 
conferindo um sentido e, assim, uma proteção, já que a “[...] lei da 
reciprocidade que o trabalho impõe a cada um: poder ‘contribuir’ 
por meio de serviços particulares para a existência de todos, a fim 
de assegurar a sua própria” (WALLON, 1938, p. 203, citado por CLOT, 
2003, p. 75).
Públicos-alvo dos Circuitos
 l Técnicos de referência da Gerência de Coordenação das 
 Medidas Socioeducativas;
l Técnicos do Serviço de Medidas de LA e de PSC;
l Atores da rede que fazem interlocução com o Serviço;
l Beneficiários finais do Serviço de LA e de PSC.
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA 15
ações e etapas da implentação
 O dispositivo dos Circuitos de Gestão Compartilhada foi 
implementado em janeiro de 2014. Os temas foram escolhidos pela 
relevância e transversalidade à natureza e ao objeto de trabalho, 
construídos com a participação da equipe técnica. A participação 
nos circuitos não foi obrigatória. Realizou-se um planejamento 
das atividades, de forma que os circuitos não interferissem na 
continuidade do serviço ofertado. A adesão aos circuitos se deu 
de forma espontânea, de acordo com a área de interesse de cada 
técnico. 
 Compreende-se que, ao final do processo, todos os técnicos 
se beneficiarão dos resultados, seja pelas articulações feitas, pelo 
diálogo com as diversas instituições da rede, seja pela apresentação 
e divulgação do Serviço, pelos ajustes operacionais e metodológicos 
sugeridos à gestão, seja pela reflexão sobre a prática e pelo 
compartilhamento das construções feitas nos circuitos com os demais 
técnicos.
 Os encontros da maioria dos circuitos aconteceram 
quinzenalmente no horário de trabalho da equipe. As referências 
técnicas, que são ligadas à gestão do Serviço de Medidas 
Socioeducativas de LA e de PSC, participaram dos encontros, assim 
como das ações e das visitas técnicas que ocorreram. Inicialmente, a 
metodologia de trabalho previa: (I) definição da linha de pesquisa e 
da forma como o tema seria trabalhado; (II) o levantamento e estudo 
do material teórico e normativo existente sobre o tema na linha de 
trabalho escolhida; (III) elaboração de questões a partir de impasses 
vividos no trabalho; (IV) pesquisa sobre o estado da arte do tema do 
Circuito. 
 A partir da ação de alguns desses Circuitos, teve início a 
realização de visitas técnicas cujos objetivos foram: (I) propor a 
articulação em rede; (II) apresentar o Serviço; (III) buscar conhecer 
a rede; (IV) discutir questões surgidas da prática do trabalho, 
relacionando-as ao campo teórico e normativo; (V) planejar ações 
conjuntas. Pode-se afirmar que todos os Circuitos partiram da leitura 
e do estudo de material teórico e normativo. Estas foram algumas 
ações realizadas como resultado da proposta inicial:
Circuito Segurança e Proteção – visitas técnicas e articulações com os 
seguintes interlocutores da rede:
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA16
• Coordenadoria Municipal dos Direitos Humanos da Secretaria 
Municipal Adjunta de Direitos de Cidadania; 
• Corregedoria de Polícia Civil; 
• Defensoria dos Direitos Humanos – que possibilitou abertura 
de espaço para discussão dos casos acompanhados pelo 
Serviço de Medidas Socieducativas de LA e de PSC; 
• Núcleo de Atendimento às Vítimas de Crimes Violentos/
NAVCV – que convidou o serviço para participar da Rede de 
Enfrentamento à Violência Estatal.
Circuito Saúde Mental e Toxicomania – visitas técnicas e articulações 
com os seguintes interlocutores da rede:
• Programa de Acompanhamento das Medidas Protetivas — 
Novos Rumos — CATU, inserido no Programa PAI – PJ (Programa 
de Atenção Integral ao Paciente Judiciário) do Tribunal de 
Justiça do Estado de Minas Gerais;
• Cento de Atendimento e Proteção a Jovens Usuários de 
Tóxicos – CAPUT.
Circuito Trajetória de Vida nas Ruas – visitas técnicas e articulações 
com os seguintes interlocutores da rede:
• Conselho Tutelar;
• Centro de Passagem Dom Bosco (equipamento da rede 
socioassistencia de acolhimento institucional);
• Miguilim (Serviço de atendimento a adolescentes com 
trajetória de vida nas ruas).
Circuito Juventudes Negras – visita técnica e articulação com o 
seguinte interlocutor: Coordenadoria Municipal de Promoção da 
Igualdade Racial da Secretaria Municipal Adjunta de Direitos de 
Cidadania:
Circuito de Diversidade Sexual e Gênero – visita técnica e articulação 
com os seguintes interlocutores:
• Gerência de Articulação da Política Pública LGBT da 
Coordenadoria de Direitos Humanos da Secretaria Municipal 
Adjunta de Direitos de Cidadania;
• CONDIM – Coordenadoria de Direitos da Mulher da Secretaria 
Municipal Adjunta de Direitos de Cidadania;
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA 17
• Núcleo de Gênero e Diversidade Sexual da Secretaria 
Municipal de Educação.
Circuito Sistema de Informação – transformou-se em comissão 
permanente de trabalho com proposta de alteração do protocolo de 
registro de informações e revisão das metas4 e dos indicadores do 
Serviço. 
DEscrição Dos rEcursos utilizaDos E 
caractErização Da situação atual
 Essencialmente, os recursos utilizados foram os recursos 
humanos. Delimitamos o período de janeiro a julho de 2014 para 
exposição de parte das atividades realizadas a título de ilustração:
• realização de 68 reuniões com duração média de 2 horas, 
perfazendo total de 136 horas técnicas;
• realização de 12 visitas institucionais com duração média de 
3 horas, perfazendo total de 36 horas técnicas;
• realização de leitura de material normativo e teórico, previsão 
de 20 horas mensais, perfazendo total de 180 horas de estudo 
e pesquisa.
 Os Circuitos funcionaram durante o ano de 2014 e os técnicos 
dos circuitos foram motivados a escrever sobre questões relacionadas 
ao trabalho a partir das vivências que cada um teve nos Circuitos. O 
material produzido foi apresentado numa Jornada de Trabalhodos 
Circuitos de Gestão Compartilhada, que ocorreu, em dezembro de 
2014. A produção escrita compõe esta publicação.
 Foi perceptível a motivação dos técnicos com os Circuitos. 
Sentimentos de pertencimento e de valorização constituíram a 
ambiência em que estes ocorreram.
4 A meta do Serviço de Proteção Social à Adolescentes em cumprimento de Medidas 
Socioeducativas de LA e PSC foi estabelecida pela Instrução Normativa 002/2011, que tem 
por finalidade estabelecer diretrizes e procedimentos necessários à execução das medidas de 
proteção, previstas no Art. 101, inc. III, IV, V e VI e socioeducativas em meio aberto, previstas no 
Art. 112. inc. III e IV da Lei Federal Nº 8.069/1990, de responsabilidade da Prefeitura Municipal 
de Belo Horizonte, aplicadas ao adolescente em conflito com a Lei. O indicador geral de 
desempenho escolhido para a Assistência Social foi a taxa de reincidência e a meta estabelecida 
foi de 5%.
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA18
mecanismos ou métodos de monitoramento e avaliação de 
Resultados e indicadores utilizados 
• Os técnicos de referência da gestão do serviço de execução 
de medidas socioeducativas de LA e de PSC participaram dos 
Circuitos e do processo de discussão, estudos, visitas técnicas 
e produção escrita.
 Por meio da análise dos indicadores do Serviço no decorrer 
do primeiro ano de trabalho da nova equipe em comparação aos 
números atuais foi possível perceber um impacto positivo nos 
indicadores ao longo do período, demonstrando melhoria da 
efetividade e dos resultados. Uma das hipóteses para tal alteração é 
de que a apropriação do trabalho, por meio da capacitação, influencia 
os indicadores e resultados.
Resultados quantitativos e qualitativos concretamente mensurados
 A nomeação e a entrada em exercício são os primeiros passos na 
carreira pública, contudo, tornar-se um servidor público na acepção 
do termo é tarefa mais demorada e complexa. O conhecimento da 
organização e dos processos de trabalho, assim como o entendimento 
de que as políticas públicas são construídas e sustentadas também 
pelos servidores que dela fazem parte são exigências para se prestar 
um serviço de qualidade ao beneficiário final da Administração 
Pública.
 Acredita-se que a capacitação nesse modelo abrange não só a 
apreensão dos conhecimentos, mas cria formas de aprofundá-los e de 
envolver os técnicos nas articulações e interlocuções imprescindíveis 
para o serviço. Essa atuação possibilita a compreensão mais 
ampliada do campo de atuação do serviço e uma consciência maior 
do significado e da importância do trabalho do servidor público na 
construção cotidiana das políticas públicas.
 Com relação à mensuração dos resultados, a partir do 
Circuito Sistema de Informação, que se transformou numa comissão 
permanente, foram avaliados e analisados os indicadores do Serviço 
e foram revistas as metas, tornando-as mais condizentes com a 
realidade. A ideia é a criação e inclusão de novos indicadores, 
que possibilitem um número maior de cruzamento de dados, 
enriquecendo as leituras e análises qualitativas. 
 A Gerência de Informação e Monitoramento e Avaliação 
responsável pelo monitoramento da política realizou um estudo 
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA 19
estatístico com um dos técnicos da comissão permanente, oriunda 
do Circuito Sistema de Informação. Esse estudo utilizou um dos 
indicadores do Serviço e fez um levantamento dos últimos três anos, 
fazendo uma extração quinzenal dos dados, o que possibilitou a 
inserção dos mesmos numa curva estatística dentro de um gráfico, 
desenhando a frequência do indicador com maior precisão.
 A apresentação desse trabalho aos técnicos, utilizando-se os 
dados do Serviço nas regionais administrativas5 e comparando-os com 
os dados municipais, fez com que os técnicos, ao se depararem com 
os números e com o comportamento dos indicadores ao longo do 
período, percebessem a importância do registro dos dados no sistema 
de informação, tanto para retratar o trabalho que desempenham 
quanto para subsidiar as decisões gerenciais. Essas apresentações 
provocaram impactos e a alteração dos indicadores nas regionais. 
Pode-se inferir que ao ter acesso aos dados e visualizar os resultados 
alcançados, a equipe assimilou e elaborou essas informações e 
produziu novos sentidos.
 Outra consequência que se produziu foi uma maior implicação 
dos técnicos nos resultados e nas metas estabelecidas pelo Serviço, 
bem como a possibilidade de reflexão sobre os desafios e impasses 
vividos, o que gera compromisso na elaboração de estratégias 
para maior efetividade do Serviço. O estudo indica para a gestão a 
necessidade de pensar estratégias relacionadas à organização do 
trabalho e à criação de procedimentos para controle dos processos, 
dessa forma, os resultados não ficam tão submetidos às variações 
dos aspectos subjetivos do trabalhador.
LIçÕES APRENDIDAS
 Percebe-se que os Circuitos possibilitaram à equipe técnica 
participar do planejamento, elaboração e acompanhamento de 
políticas públicas, desenvolvendo análises e estudos para subsidiar 
decisões gerenciais. Esse método possibilita uma apropriação 
participativa, dinâmica e crítica dos processos de trabalho.
 Apreende-se desse processo que as mudanças se tornam 
possíveis a partir de um embrião, de uma ideia, que somados a 
5 O município de Belo Horizonte se divide em nove regiões admistrativas denominadas 
secretarias administrativas regionais municipais.
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA20
atitudes propositivas, transformam-se em ação. O que não faltam 
são argumentações justificáveis para a permanência do instituído, 
contudo, estamos diante da constante necessidade de nos 
reinventarmos. Segundo Chasin (1993), o homem é o único ser que 
se autoconstrói, em constante movimento de constituir-se. Trata-
se de conferir sentido aos processos de trabalho e colocá-los na 
perspectiva de processos inacabados e em construção.
 Pode-se afirmar que é possível trabalhar de forma inovadora, 
proativa e autoral na Administração Pública, a partir da valorização 
das ideias e dos potenciais individuais. A construção do trabalho feita 
de maneira compartilhada e conjunta promove espaço para produção 
de novos sentidos, que podem levar à ressignificação da atividade 
laboral e ser fonte de satisfação e realização para o trabalhador, 
promovendo mais qualidade de vida e saúde para o mesmo.
soluções adotadas Para a superação dos Principais Obstáculos 
encontrados
 Os Circuitos ocorreram durante o período de um ano. Após 
a apresentação do modelo concebido, percebeu-se, na organização 
das atividades, que cada Circuito adquiria características próprias, 
de acordo com a equipe técnica que o constituía, de acordo com 
as discussões feitas e de acordo com as prioridades definidas. As 
diferenças no funcionamento dos Circuitos devem-se, portanto, 
às suas peculiares, e exigem tanto dos seus participantes quanto 
da gestão, plasticidade, engajamento e uma atitude participativa. 
Especialmente da gestão, cujo desafio é acolher os processos que 
ocorrem em diferentes tempos e diferentes formas, monitorando-os 
e acompanhando-os. 
 Dessa maneira, pode-se falar não em obstáculos à execução, 
mas na necessidade de empreender esforços para localizar 
estratégias que preservassem as diferentes trajetórias, garantindo 
a singularidade do funcionamento de cada Circuito. Seguem alguns 
pontos elencados de situações que exigiram nova estratégia:
• O Circuito Sistema de Informação promoveu uma releitura do 
protocolo de registro de informações a partir das concepções, 
dos conceitos e da metodologia do serviço. Verificou-se que 
esse trabalho de monitoramento e avaliação das metas e dos 
indicadores do serviço deveria ser constante. Chegou-se à 
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA 21
conclusão de que seu funcionamento deveria ser no formato 
de uma comissão permanente para tratamento da informação;• Pensou-se inicialmente que a frequência dos encontros 
dos circuitos seria semanal, contudo, os encontros passaram 
a acontecer quinzenalmente, na maioria deles, levando-se 
em conta o tempo utilizado para leitura e estudo do material 
teórico e normativo proposto;
• O Circuito Juventudes Negras optou como produto 
dos encontros realizados a realização de oficinas com os 
adolescentes para que estes produzam um vídeo sobre o tema. 
Foi elaborado Termo de Referência e contratada entidade para 
esse fim. Essa opção envolveu todos os demais técnicos na 
necessidade de mobilização dos adolescentes para participação 
nas oficinas de produção de vídeo. O conhecimento produzido 
pelos técnicos, ampliou-se também para os adolescentes, 
resignificando o conhecimento.
 De forma geral, pode-se concluir que os resultados superaram 
as expectativas e trouxeram organicidade ao Serviço. Dentre 
as inúmeras possibilidades de capacitação, aperfeiçoamento e 
desenvolvimento, concebeu-se o modelo dos Circuitos, o que não 
exclui a possibilidade de utilização de outros modelos, que podem 
ocorrer concomitantemente.
 O concurso público é sem dúvida uma forma de reconhecimento 
e de fortalecimento das políticas públicas, além de um direito 
constitucional. Contudo, a aprovação no concurso é o primeiro passo 
da jornada, cabendo àqueles que se encontram na Administração 
Pública a tarefa de promover a formação dos novos servidores. 
Desafio seria uma definição melhor do que obstáculo, já que abarca 
na própria concepção as ideias de provocação e improviso, conceitos 
que expressam a necessidade de atitude criativa e dialógica no 
processo de desenvolvimento de recursos humanos no serviço 
público. 
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA22
REFERêNCIAS 
CHASIN, J. O que é o trabalho? Conferência proferida na Faculdade de 
Filosofia e Ciências Humanas da UFMG, 1993.
CLOT, Y. a função psicológica do trabalho. Tradução Adail Sobral, São Paulo: 
Vozes, 2006.
GIL, J. metamorfoses do corpo. Lisboa: Relógio D’água, 1997.
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA 23
CIRCUITO DE 
RESPONSABILIZAçÃO
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA24
RESPONSABILIZAçÃO OU 
RESPONSABILIzAçõES? 
O ADOLESCENTE, 
O TÉCNICO E O SISTEMA
Amilton Alexandre
Grazielle Lopes 
Maira Freitas
Pollyana Penoni
Roberta Andrade
Valdiney Gonçalves
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA 25
INTRODUçÃO 
 No início do ano de 2014, foi apresentada pela GECMES – 
Gerência de Coordenação de Medidas Socioeducativas, uma proposta 
de trabalho para os Analistas de Políticas Públicas, que visava à 
discussão de temas do cotidiano no trabalho com os adolescentes 
em cumprimento de medidas socioeducativas em meio aberto. 
 Tal proposta trouxe a ideia de circuitos elétricos, nos quais há 
uma ligação dos elementos com o intuito que se forme um caminho 
para que a corrente elétrica possa passar. Trazendo essa lógica para 
nossa realidade, esses elementos são os pontos de entrave da prática 
cotidiana com os adolescentes. Desse modo, a proposta teve como 
objetivo central fomentar a circulação de saberes, práticas e propostas 
visando à construção para que o produto dessa discussão pudesse ser 
transmitido dentro e fora do contexto das medidas socioeducativas. 
 Antes de iniciar o tema central desse Grupo, intitulado Circuito 
Responsabilização, é importante primeiramente explanar sobre a 
MSE. Conforme estabelecido na legislação nacional, os adolescentes 
são sujeitos inimputáveis penalmente, no entanto, respondem por 
seus atos por meio do cumprimento das MSE’s previstas no artigo 
112 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). As medidas 
socioeducativas representam a possibilidade do Estado aplicar, a 
medida socioeducativa ao adolescente autor de ato infracional, 
sendo este atendido e responsabilizado pelo ato cometido de forma 
educativa.
 De acordo com a Lei Nº 12.594/12, conhecida como a Lei 
do SINASE (Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo), 
aponta em seu capítulo inicial os principais objetivos de uma 
Medida Socioeducativa, sendo que o primeiro deles se refere à 
responsabilização: “A responsabilização do adolescente quanto 
às consequências lesivas do ato infracional, sempre que possível 
incentivando a sua reparação” (BRASIL, 2012).
 Considerando-se essa dimensão da responsabilização no 
campo socioeducativo, a presente temática que se analisa neste 
estudo está entre as mais complexas e desafiadoras a ser discutida. 
Para tanto, faz-se necessário entender o que é responsabilização. 
Segundo o Dicionário Aurélio, o significado de responsabilidade é 
responder “pelos próprios atos ou pelos de outrem” (1988, p. 443). 
 De acordo com Salum, “as Medidas Socioeducativas devem 
ser vistas como a possibilidade de que um adolescente seja 
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA26
responsabilizado por seus atos” (SALUM, 2012, p. 163). Isso significa 
que o adolescente é convocado a lidar com consequências do seu 
ato, refletindo sobre o seu comportamento e suas escolhas.
 Para o jurista SARAIVA (2002), responsabilizar o adolescente na 
medida socioeducativa não é fazê-lo objeto de intervenção estatal, 
como se ele fosse portador de algum tipo de moléstia, no caso, uma 
moléstia social, e que precisaria ser corrigida. É, de fato, reconhecê-lo 
como sujeito de direito, acolhendo, respeitando e refletindo com ele o 
seu modo de ver o mundo e suas relações.
 Assim, a responsabilização do adolescente que cometeu 
ato infracional deve ser entendida como a produção de uma nova 
resposta do sujeito frente ao campo social. Então, considerando-
se o Sistema de Atendimento Socioeducativo, faz-se necessário 
questionar se é possível uma responsabilização do adolescente de 
forma desarticulada e quais atores fazem parte desse processo.
 Com o objetivo de responder a essas questões, o presente artigo 
trará reflexões acerca do acompanhamento técnico e da relevância 
do sistema na responsabilização dos adolescentes autores de ato 
infracional. Inicialmente, será apresentada uma contextualização do 
tema.
RESPONSABILIZAçÃO JUVENIL E UMA 
BREVE ANáLISE DE CONJUNTURA
 Na conjuntura nacional, grande parte dos adolescentes em 
cumprimento de medidas socioeducativas encontra-se inserida em 
contexto de vulnerabilidade social, pois a realidade aponta, de um 
modo geral, para uma fragilização dos suportes de sociabilidade1. 
Conforme descreve Castel (CASTEL, 2000. apud Teixeira et al, 2000), 
os adolescentes em cumprimento de determinação judicial sofrem 
déficit de integração na educação, cultura, relações sociais primárias 
e secundárias, no trabalho, na moradia, sendo os fatores de exclusão 
1 Este termo foi utilizado neste estudo na definição de Georg Simmel (apud Alcântara, 2005) 
quando aponta que a sociabilidade é o resultante das condições inerentes e gestadas pelas 
múltiplas combinações interacionais acionadas a partir dos indivíduos, por grupos e por 
classes sociais, sintetizadas e cristalizadas na própria sociedade. E, embasado também no 
texto resumo, para fins didáticos da Professora da Escola de Serviço Social da PUC Minas, 
Maria Filomena Jardim, quando indica as duas lógicas de exclusão social: a) a primeira procede 
por discriminações oficiais e; b) a outra consiste em processos de desestabilização como 
a degradação das condições de trabalho ou a fragilização dos suportes (no caso as políticas 
públicas) de sociabilidade. 
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA 27
mais preponderantes do que os fatores de integração, mesmo após 
iniciado o cumprimento da medida socioeducativa. 
 Pensando-se a responsabilização juvenil pelo viés da realidade 
socioeconômica, percebemos, nos diversos relatos dos adolescentes, 
um discurso fulgente pautado na escolha da criminalidade para 
o acesso aos bens de consumo e ao dinheiro. Por outro lado, há 
também um envolvimento na criminalidade pela influência de amigos 
já envolvidos,que pode apontar pela busca de um reconhecimento 
pessoal e social. 
 Para o jurista De Paula (2006), o ato infracional seria um crime 
de desvalor social, sendo que este representa uma ação que atenta 
contra a paz e consequentemente contra o exercício pleno dos 
direitos inerentes à cidadania, e de respeito. 
 Quando ocorre o cometimento de um ato infracional, além 
de receber a aplicação de medidas socioeducativas, pode haver 
também a aplicação de medidas protetivas previstas pelo Estatuto da 
Criança e do Adolescente. Essas medidas, como bem assinala Salum 
(2012), preveem a proteção integral dos menores de idade e aliam-
se, no caso dos adolescentes em conflito com a lei, à proteção e à 
responsabilização.
 Atualmente, uma parcela significativa da opinião pública 
traz a ideia de que a inimputabilidade juvenil é sinônimo da não 
responsabilização pelos atos infracionais cometidos. Vicentim, Catão, 
Borghi e Rosa (2012) observam que as medidas socioeducativas não 
vão ao encontro da lógica penal dos adultos, na qual há punição, 
independentemente das características e das determinações sociais 
e, sobretudo, da etapa de desenvolvimento em que o “transgressor” 
se encontra.
 Entretanto, o Estatuto prevê a responsabilização do adolescente, 
considerando-se a condição peculiar de desenvolvimento que este se 
encontra. O cumprimento da MSE deve ocorrer de forma individual, 
respeitando a singularidade, as possibilidades e o contexto em que 
o adolescente está inserido. E, para que haja essa individualização, é 
imprescindível que o técnico responsável pelo acompanhamento do 
adolescente também faça parte desse processo de responsabilização. 
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA28
RESPONSABILIZAçÃO JUVENIL E O 
ACOMPANHAMENTO TÉCNICO 
 No acompanhamento técnico, o profissional encontra-se 
diante de um sujeito em formação que, devido a determinadas 
circunstâncias, veio a cometer um ato infracional. Desse modo, esse 
encontro é desafiador para ambas as partes, tanto para adolescente 
quanto para o profissional em sua ação socioeducativa nesse 
acompanhamento. 
 O pedagogo Antônio Carlos G. da Costa (1999) afirma que o 
adolescente necessita de uma efetiva ajuda pessoal e social para 
superação dos obstáculos ao seu pleno desenvolvimento como 
pessoa e como cidadão. 
 A prática do trabalho, somada às bases conceituais e 
orientadoras, tem como elemento central a responsabilização do 
adolescente na perspectiva do acolhimento, da participação e da 
autonomia desse adolescente na construção de seu próprio plano 
socioeducativo e na construção de uma nova trajetória de vida e em 
sua maneira de vivenciar e de se inserir na cidade. 
 Consideramos que todo o sistema socioeducativo deve 
estar comprometido e articulado para atingir o mesmo objetivo: a 
responsabilização do adolescente. Acreditamos que esse processo 
se inicia desde a apreensão do adolescente. A apreensão policial, 
a oitiva inicial, a audiência, e todos os trâmites legais que o 
adolescente vivencia em função de um ato infracional contribuem 
significativamente para o processo de responsabilização.
 Segundo o jurista Dr. José Honório Rezende , “A responsabilidade 
deve ser vista como uma resposta do adolescente frente às 
intervenções que lhe são dirigidas. Decorrerá, portanto, da adequação 
desta intervenção, de sua proporcionalidade e de sua necessidade” 
(REZENDE, 2012, p.44). 
 Em Belo Horizonte, existe o Centro Integrado de Atendimento 
ao Adolescente Autor de Ato Infracional (CIA), equipamento composto 
pelos principais órgãos que compõe o sistema socioeducativo, a 
saber: Juizado da Infância e Juventude, Ministério Público, Defensoria, 
Policia Militar, Policia Civil, SUASE-Subsecretaria de Atendimento 
Socioeducativo do Estado de Minas Gerais, Prefeitura de Belo 
Horizonte por meio do NAMSEP (Núcleo de Medidas Socioeducativas 
e Protetivas).
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA 29
 A chegada do adolescente ao CIA se dá após a apreensão 
policial. A partir daí, inicia seu percurso de peregrinação dentro dessa 
estrutura, o que, na maioria das vezes, pode durar mais de vinte 
quatro horas até a chegada ao NAMSEP.
 Nesse longo e exaustivo percurso, o adolescente passa pela 
Polícia Civil, Ministério Público, Defensoria e Vara Infracional e em 
audiência é interrogado sobre o ato infracional praticado para 
aplicação da medida socioeducativa. O que sobressai nesse momento 
são os atos infracionais, as provas e a materialidade. 
 Com o consentimento do adolescente e a não recusa ao que 
lhe foi determinado, pode-se dizer que a responsabilização jurídica 
foi iniciada e a sua condução ao NAMSEP foi feita em seguida, 
iniciando os procedimentos de inclusão do adolescente junto à 
medida socioeducativa em meio aberto. O que podemos observar, 
no primeiro acolhimento realizado no NAMSEP, é que muitas vezes o 
adolescente e sua família não apresentam suas questões, angústias e 
motivações no espaço da audiência. 
 O Núcleo configura-se como a porta de entrada do Serviço de 
Medidas e esse acolhimento inicial oferece ao sujeito a oportunidade 
de se posicionar, nesse sentido o sujeito se sobrepõe ao ato. A escuta 
qualificada e diferenciada contribui para esclarecer os direitos, 
deveres e possibilidades no cumprimento da medida socioeducativa.
A escuta qualificada se faz com o adolescente em separado, momento 
no qual os técnicos do NAMSEP estimulam a falar do motivo que o 
fez chegar ali, pois o que se torna relevante nesse atendimento é o 
sujeito e o que ele nos traz por meio da palavra, uma vez que o ato 
durante percurso já ficou em evidência.
 O acolhimento do adolescente realizado no Núcleo tem o 
objetivo da orientação acerca da MSE, contribuindo efetivamente 
para o encaminhamento do adolescente para as regionais. A escuta 
também contribui para a identificação de outras demandas, como 
situação de ameaça, elementos que serão de extrema importância, 
pois inauguram um espaço de reflexão necessário nessa passagem da 
responsabilização da cena jurídica para a subjetiva.
 Essa abordagem cuidadosa ao adolescente e sua família é 
necessária desde a entrada deste no serviço, conforme aponta 
FUCHS, MEZENCIO E TEIXEIRA: 
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA30
“O respeito à singularidade de cada adolescente e a 
todas as expressões da diversidade presentes no grupo de 
adolescente (de gênero, étnico-racial, cultural, religiosa). 
Para isto é necessário compreender o adolescente quanto à 
sua etapa de desenvolvimento e sua história pessoal na qual 
se inscreve a prática do ato infracional” (FUCHS, MEZENCIO 
& TEIXEIRA, 2012, p.36).
 Para a construção desse espaço de reflexão acerca do ato 
infracional cometido é fundamental que o início do processo se dê 
de forma legítima, considerando-se a importância de trabalharmos 
de forma articulada e sistêmica, respeitando todos os princípios que 
orientam o Sistema Socioeducativo. 
 Depois desse acolhimento inicial no NAMSEP, o adolescente 
será encaminhado para uma das nove regionais de BH, na qual se 
dará início ao cumprimento da medida, seja de prestação de serviços 
à comunidade, seja de liberdade assistida, conforme determinação 
judicial.
 A responsabilização no cumprimento da prestação de serviços 
à comunidade (PSC) propõe a ação responsabilizadora quando 
constrói de forma participativa, isto é, junto com o adolescente, uma 
atividade socioeducativa condizente com suas escolhas e implicações. 
Essa medida propõe que o adolescente se responsabilize tanto pela 
atividade como pelas novas relações construídas nesta prática.
 Ainda sobre esse processo de responsabilização, vale destacar 
a importância em relação à abrangência que este trabalho com o 
adolescente possa repercutir em vários lugares, cenários ou espaços. 
Nesse sentido, o acompanhamento técnico não deve se restringir 
somente à sala de atendimento e aos seus encaminhamentos. 
 Desse modo, a responsabilização ocorre, como aponta Costa 
(1999), pelaeducação emancipadora, pois procura compreender o 
adolescente a partir do que ele é, do que ele sabe e do que é capaz. 
Busca-se, assim, criar espaços estruturados a partir dos quais o 
adolescente possa se desenvolver individual e socialmente. 
 Em se tratando da medida de liberdade assistida (LA), a 
responsabilização se dará principalmente por um trabalho de reflexão 
propositiva, por meio da fala e da escuta. Essa será uma oportunidade 
para dar voz ao adolescente. E, a partir de então, fazê-lo repensar 
suas condutas e construir um novo projeto de vida.
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA 31
 A partir dessa escuta e da construção de novos projetos, é 
fundamental a articulação em rede e a presença do Orientador Social 
Voluntário.
 O Orientador Social Voluntário é uma pessoa da sociedade 
civil que, voluntariamente, se dedica a acompanhar um adolescente 
que esteja cumprindo a medida de liberdade assistida. Esse 
acompanhamento se dará por meio de encontros semanais, seja para 
conhecer museus, teatros, praças, seja para aprender violão, inglês, 
dentro outros. As atividades realizadas ocorrerão de acordo com as 
possibilidades e demandas dos envolvidos. O Orientador faz parte 
do processo de responsabilização do adolescente, quando este se 
propõe a ser uma referência ética para os adolescentes.
 No trabalho com adolescentes, apostamos que sua 
responsabilização não se trata apenas de reconhecer o caráter ilícito 
do ato, mas, sim, de construir novas soluções que apontem para novo 
modo do adolescente se enlaçar com a cidade, com sua comunidade 
e também com sua família. 
 Nas medidas socioeducativas, a relação educador e 
adolescente é um importante instrumento nesse processo Fuchs, 
Mezencio e Teixeira nos orienta que o educador deva ter a capacidade 
de estabelecer vínculos com o adolescente:
 “Esta compreensão exige que o educador tenha 
capacidade e se disponha a estabelecer vínculos 
significativos com o adolescente, uma condição para 
construir relações de confiança e para que o educador 
se constitua como referência para esse adolescente. Ou 
seja, para que apalavra do educador tenha potência para 
auxiliar o adolescente a mobilizar e a potencializar suas 
capacidades e habilidades para superar suas dificuldades 
e experimentar outras possibilidades de “estar no mundo” 
(FUCHS, MEZENCIO & TEIXEIRA, 2012, p.36).
 Essa relação não é sem desafios no acompanhamento. 
Os estudos de COSTA (1999) podem elucidar dois aspectos: (I) 
quando o acompanhamento técnico tenta absorver somente o 
acompanhamento ao adolescente, esquecendo que o ato infracional 
pelo qual este responde é uma categoria essencialmente de natureza 
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA32
jurídica e; (II) quando o cotidiano profissional se transforma em 
rotina, a inteligência e a sensibilidade fecham-se para o inédito e o 
específico de cada caso, de cada situação.
 Aprofundando-se nesse segundo desafio elencado, tem-
se então a importância da presença técnica para o adolescente 
em cumprimento de medidas socioeducativas, pois tal presença é 
fundamental no trabalho socioeducativo. No entanto, tal presença 
é desafiadora frente à cotidianidade do exercício profissional e das 
burocracias institucionais. 
 Segundo Magalhães (2006), 
Via de regra, profissionais das áreas de serviço social e 
psicologia, por exemplo, interagem profissionalmente 
com pessoas que lhes contam seus sonhos, suas 
dificuldades, seus conflitos e até mesmo suas intimidades. 
Então, apesar da vivência de um cotidiano profissional 
muitas vezes massificante, seu trabalho é desenvolvido 
tendo como tônica o ser humano, seja no âmbito 
individual ou social. Sendo assim, deverão dispor de um 
tempo, ou dar-se um tempo, para que a cotidianidade do 
exercício de sua profissão não termine por se caracterizar 
pelo mecanicismo. Afinal, o cotidiano, segundo Heller, é 
a esfera da sociedade que mais possibilita a alienação 
(MAGALHÃES, 2006, p. 17). 
 Frente a tais desafios no acompanhamento técnico, Costa 
enfatiza que:
 “nenhuma lei, nenhum método ou técnica, nenhum recurso 
logístico, nenhum dispositivo político-inconstitucional 
pode substituir o frescor e a imediaticidade da presença 
solidária, aberta e construtiva do educador junto ao 
educando” (COSTA, 1999, p.57). 
 Desse modo, considerando-se a produção de uma nova 
resposta no campo social como elemento orientador do processo de 
responsabilização do adolescente, cabe destacar que ela acontece 
também pelo viés do acompanhamento técnico. Todavia, não 
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA 33
podemos compreender que este seja suficiente, é de suma importância 
ressaltar o papel do sistema nesse processo de responsabilização.
RESPONSABILIZAçÃO JUVENIL E O SISTEMA 
SOCIOEDUCATIVO
 Vicentin, Catão, Borghi e Rosa destacam que o processo de 
responsabilização nas MSE não se restringe ao adolescente, “mas 
também aos diferentes atores envolvidos, inclusive do Poder Público, 
provocando rearranjos e novas fronteiras entre o sancionatório, o 
educativo e a garantia de cidadania” (VICENTIM, CATÃO, BORGHI e 
ROSA, 2012, p. 277), especialmente quando se refere ao acesso a 
direitos, como saúde, educação, esporte, lazer, cultura.
 Nesse sentido, levando-se em conta o atual contexto 
socioeconômico brasileiro, marcado por políticas públicas ainda 
fragilizadas, ressalta-se que a responsabilização do adolescente 
também dialoga com a responsabilidade do Estado. Caliman descreve 
que
A marginalidade por frustração das necessidades 
emergentes, também identificada como nova 
marginalidade, não está ligada à insatisfação 
das necessidades materiais, mas à frustração das 
necessidades emergentes e pós-materiais. Trata-se 
basicamente do mal-estar que nasce de situações como: 
a falta de comunicação interpessoal, a solidão e o 
isolamento que atinge os jovens sem pertença social, os 
alienados e os culturalmente desenraizados; a deficiência 
e o mal-estar psíquico e físico; a privação cultural; a 
impossibilidade e a incapacidade de certos jovens em 
ter acesso às instituições (família, igreja, associações, 
movimentos) para a satisfação de novas necessidades. 
Imaginemos, por exemplo, as frustrações devidas à 
impossibilidade dos jovens pobres em participar das mais 
diversas modalidades esportivas, uma demanda juvenil 
que se manifesta particularmente forte nos últimos 
tempos (CALIMAN, 2008 p. 126). 
 
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA34
 Retomando-se o viés de atuação do trabalho com os 
adolescentes são comuns os desafios relacionados à escassez ou 
carência das políticas públicas voltadas para juventude e suas 
garantias de direitos. Assim sendo, é importante ressaltar que essa 
reflexão não tem a proposta de vitimizar a juventude, mas sim, de 
considerá-la protagonista de suas escolhas. 
 No entanto, com base na dimensão socioeducativa, não há 
como negar que tal realidade, aqui nomeada de “responsabilidade 
do Estado”, potencializa o desafio da responsabilização juvenil, pois 
coloca frágil a relação de reconhecimento do adolescente como 
cidadão de direitos nas políticas públicas e, inclusive, no próprio 
sistema socioeducativo.
 Segundo De Paula (2006), o Estado persegue a paz social e, 
para que isso ocorra, busca-se a construção de políticas públicas. O 
autor relata, portanto, que nesse contexto é difícil vislumbrar eficácia 
no combate à criminalidade infanto-juvenil derivada exclusivamente 
de uma única política pública, ainda que formalmente concebida 
como direcionada à questão.
 O adolescente em cumprimento de medidas socioeducativas 
nesse contexto de fragilização de seu próprio reconhecimento como 
cidadão de direito em condição peculiar de desenvolvimento, de 
modo geral, é um sujeito rotulado e simplificado em relação a sua 
conduta infracional. Em alguns momentos, é possível observar que 
esse cenário de rotulagem é vivenciado pelos adolescentes até na 
cidade e na rede de atendimentosocioeducativa.
 Tomando por base a realidade de fragilização das políticas 
públicas, observa-se a importância e o desafio para que também 
ocorra a responsabilização da sociedade e, principalmente, do 
Estado frente à garantia de direitos do adolescente. É fundamental 
um sistema socioeducativo integrado que tenha um novo olhar para 
esse adolescente, levando-se sempre em conta uma perspectiva 
emancipatória e ativamente socioeducativa.
 Assim, a responsabilização no cumprimento da medida 
socioeducativa deverá ser compreendida não apenas como um 
convite, mas como uma convocação para que o SINASE seja posto em 
prática. É reconhecer que o adolescente que cumpre MSE não seja 
rotulado como “o adolescente da medida”, mas sim um sujeito que, 
independentemente do cometimento de atos infracionais, esteja 
matriculado e frequente na escola, tendo fácil acesso ao Centro de 
Saúde, frequentando instituições que ofertam esportes, lazer, cultura 
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA 35
etc. Desta forma, o processo de responsabilização do adolescente 
implica também em um envolvimento e participação efetiva da rede 
para garantir sua proteção.
CONSIDERAçÕES FINAIS
 Nosso percurso de discussão foi caminhando pelas diversas 
vertentes que esta temática nos convoca: a responsabilidade do 
adolescente, do técnico e de todo o sistema socioeducativo. 
 Para que esse adolescente possa se responsabilizar pelo ato 
que cometeu, é imprescindível que todos os atores do Sistema 
Socioeducativo, sociedade civil, trabalhadores das políticas públicas 
e também a família se responsabilizem e se mostrem disponíveis a 
participar desse complexo processo na vida desse adolescente.
 O trabalho no Serviço de Proteção Social ao Adolescente 
em cumprimento de Medidas Socioeducativas em Meio Aberto 
busca a partir do acompanhamento técnico a cada adolescente 
responsabilizá-lo pelo ato infracional cometido, na perspectiva da 
garantia de direitos e, construir junto a ele novas formas de vivenciar 
a cidade e o seu direito a ela. E desse modo, seguimos articulando 
e envolvendo todos os atores para efetivação de uma política de 
atendimento socioeducativa.
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA36
REFERêNCIAS 
ALCANTRA JR., José. O conceito de sociabilidade em Georg Simmel. Ciências 
humanas em Revista, São Luís, v 3. nº 2, 2005, p. 31 – 35. 
BRASIL. estatuto da criança e do adolescente: Lei n. 8.069, de 13 de julho 
de 1990.
BRASIL. lei nº 12.594 de 18 de janeiro de 2012. Institui o Sistema Nacional 
de Atendimento Socioeducativo (SINASE), regulamenta a execução das 
medidas socioeducativas destinadas a adolescente que pratique ato 
infracional; e altera as Leis nos 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da 
Criança e do Adolescente); 7.560, de 19 de dezembro de 1986, 7.998, de 
11 de janeiro de 1990, 5.537, de 21 de novembro de 1968, 8.315, de 23 
de dezembro de 1991, 8.706, de 14 de setembro de 1993, os Decretos-Leis 
nos 4.048, de 22 de janeiro de 1942, 8.621, de 10 de janeiro de 1946, e 
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JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA38
A RESPONSABILIZAçÃO 
DO ESTADO COMO 
PARTE DO PROCESSO DE 
RESPONSABILIZAçÃO DO 
ADOLESCENTE AUTOR 
DE ATO INFRACIONAL
Amanda Fernandes de Carvalho
Darissa Marielle Lucas Ferreira
Fabrícia Miranda Oliveira
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA 39
INTRODUçÃO
 Este trabalho é fruto de reflexões realizadas durante encontros 
ocorridos no decorrer do ano de 2014, entre os profissionais que 
atuam no Serviço de Proteção Social a Adolescentes em Cumprimento 
de Medida Socioeducativa de Prestação de Serviços à Comunidade de 
de Liberdade Assistida da Prefeitura de Belo Horizonte. Tais encontros 
fizeram parte do circuito de discussões, cujo tema abordado se 
relaciona à responsabilização do adolescente autor de ato infracional.
Trata-se de um tema complexo que desafia os técnicos no cotidiano 
profissional a buscarem sua compreensão, uma vez que se caracteriza 
como um dos objetivos da medida socioeducativa. Essa complexidade 
se deve ao fato da responsabilização de cada sujeito ocorrer de forma 
singular e o trabalho socioeducativo demandar o engajamento de 
diversos atores da rede de serviços públicos da cidade.
 Para pensarmos a responsabilização no processo do 
cumprimento da medida socioeducativa, durante a realização das 
discussões do circuito, foi preciso abordar o tema sobre diferentes 
perspectivas. Para isso, recorremos a diversas abordagens teóricas 
que tratam do tema. 
 Sobre as diversas correntes que abordam o assunto durante 
as discussões, é possível observar que trabalhar a responsabilização 
dos adolescentes autores de ato infracional exige uma rede de 
serviços públicos que também esteja comprometida com sua função. 
Assim, é preciso que instituições, equipes e atores que atuam nas 
políticas públicas estejam efetivamente engajados em sua atuação 
e que, principalmente, reconheçam o seu papel no atendimento a 
esses sujeitos. Demonstrar a importância dessa responsabilização do 
Estado é o principal objetivo desse trabalho. 
AS DIFERENTES FORMAS DE RESPONSABILIZAçÃO
 Para discorrer sobre a responsabilização do Estado, é 
importante a compreensão dos conceitos de responsabilização 
jurídica e subjetiva que são constantemente utilizados no cotidiano 
pelos profissionais que atuam no Serviço de Medidas Socioeducativas 
emMeio Aberto e baseiam muitas decisões do fazer técnico nessa 
área.
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA40
Responsabilização jurídica
 De acordo com o volume 01 do Caderno de Metodologia 
de Medidas Socioeducativas em Meio Aberto de Belo Horizonte 
(2010), a passagem pelo sistema judiciário pressupõe o advento da 
responsabilidade jurídica, o que poderia significar a obediência às 
exigências típicas e formais da lei em função do ato cometido, mesmo 
que o adolescente não se responsabilize subjetivamente por ele.
Responsabilização subjetiva
 Já a responsabilização subjetiva acontece quando o 
cumprimento da medida socioeducativa toma um valor para o 
sujeito. É importante considerar que esse valor é construído de forma 
bastante singular. 
 São indicadores de responsabilização subjetiva quando 
as respostas frente à ordem judicial alcançam questões 
significativas relacionadas à forma de relacionamento 
do adolescente com os membros de sua comunidade, a 
disposição dos vínculos familiares, o seu envolvimento 
com o processo educativo e profissional, o modo como 
concebe sua vida e suas escolhas sociais e afetivas 
(Caderno de metodologia de medidas socioeducativas 
em meio aberto de Belo Horizonte, 2010, p.34).
 Para Salum (2012), a responsabilidade subjetiva será um 
efeito, ela virá como consequência e será fruto de um trabalho com 
o adolescente. No trabalho socioeducativo, a forma como o outro 
(seu semelhante) lhe aparece é fundamental: “pode ser aquele que 
acompanha, acolhe, acredita, ampara, ou, ao contrário, mesmo que 
de forma velada, pode ser aquele que segrega, exclui, preconcebe 
e determina” (SALUM, 2012, p.182). Se tomarmos esse “outro” 
como todas as instituições e atores com os quais cada adolescente 
se relaciona, podemos avaliar a importância de cada uma deles na 
construção do processo de responsabilização. 
 Esse processo se inicia no momento da abordagem policial, 
logo após o cometimento do ato infracional e vai se desenvolvendo 
durante a passagem do sujeito no Centro Integrado de Atendimento 
ao Adolescente Autor de Ato Infracional (CIA), no desenrolar da 
audiência, na forma como ele será orientado a retornar para casa ou 
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA 41
encaminhado para permanecer no Centro de Internação Provisória 
(CEIP) e, finalmente, na forma como ele será acolhido para o 
cumprimento da medida socioeducativa em meio aberto. 
 Durante o cumprimento da medida socioeducativa em meio 
aberto, novos atores da rede de serviços públicos vão se tornando 
esse “outro” com quem o sujeito irá se relacionar. Nesse trajeto, essas 
relações terão papel fundamental no processo socioeducativo. Para 
Salum, “o adolescente poderá formular respostas que o direcionem 
a responsabilidade subjetiva, desde que a medida seja realmente 
socioeducativa” (SALUM, 2012, p.183). 
Responsabilização do estado
 No que tange ao poder público, vale ressaltar que as medidas 
socioeducativas de meio aberto em Belo Horizonte são executadas 
dentro da Política de Assistência Social, uma política que veio ganhar 
status de direito do cidadão na Constituição de 1988 e, somente 
cinco anos depois se concretiza na Lei Orgânica da Assistência Social 
(LOAS). Isso aponta o quão essa política é recente e mesmo diante 
de tantos avanços ainda se encontra em processo de construção. 
Diante desse cenário, em 2012, foi instituído o Sistema Nacional de 
Atendimento Socioeducativo (SINASE) que regulamenta a execução 
das medidas destinadas a adolescentes autores de ato infracional. De 
acordo com o § 1º da lei:
 Entende-se por SINASE o conjunto ordenado de 
princípios, regras e critérios que envolvem a execução de 
medidas socioeducativas, incluindo-se nele, por adesão, os 
sistemas estaduais, distrital e municipais, bem como todos 
os planos, políticas e programas específicos de atendimento 
a adolescente em conflito com a lei (BRASIL, 2012).
 Logo, esse Sistema institui a competência de cada ente 
federado e faz a interface dos demais subsistemas que são integrados 
a garantia de direitos do indivíduo, tais como a Saúde, Educação, 
Assistência Social, Judiciário e Segurança Pública. Para que haja a 
efetiva garantia desses direitos, faz-se necessária a intersetorialidade 
desses subsistemas, visto que o que se observa na prática é que 
muito desses adolescentes só são lembrados socialmente pela via 
da infração, muitos já tiveram seus direitos violados, mas ganham 
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA42
visibilidade somente quando se tornam violadores de direitos, ou 
seja, quando praticam o ato infracional. 
 A implicação da rede de serviços públicos é de suma 
importância na responsabilização do adolescente, uma vez que sem 
essa integração o trabalho se torna frágil e fácil de perder seu caráter 
socioeducativo, correndo o risco de entrar em uma lógica somente 
punitiva. Nessa perspectiva, Nicodemos afirma que:
“(...) a execução da pena vai cumprir antes de tudo 
um papel estigmatizante sobre o indivíduo frente a 
sociedade. A condição de apenado potencializa o processo 
de exclusão social e econômica, criando categorias 
inferiores de pretensos cidadãos, que serão subjugados 
a toda sorte de vicissitudes de um sistema exploratório” 
(NICODEMOS apud BARATTA, 2002, p.64).
 Considerando-se essa visão equivocada sobre esse processo, o 
adolescente autor de ato infracional perde sua identidade de cidadão 
de direitos e passa a ser visto somente pela via do cometimento do ato 
infracional. Assim, devemos considerar a responsabilização do Estado 
nesse contexto, como colocado por Nicodemos “o aspecto político 
coloca em evidência um largo distanciamento entre a realidade em 
que estão milhares de infantojuvenis e o que a Lei Nº 8069/90, o 
Estatuto da Criança e Adolescente, determina” (NICODEMOS apud 
BARATTA, 2002, p.64). Esse distanciamento fica evidente no artigo 4º 
dessa legislação que preconiza:
 Art. 4º. É dever da família, da comunidade, da sociedade 
em geral e do poder público assegurar, com absoluta 
prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à 
saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, 
à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, 
à liberdade e à convivência familiar e comunitária (Lei 
federal 8068/90 ECA).
 O que se observa na prática é que há um abismo entre o 
que é preconizado pela referida lei e a realidade enfrentada pelos 
adolescentes, que, na maioria das vezes, estão fora da escola, 
vivenciam conflitos familiares complexos e não têm acesso à 
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA 43
informações sobre serviços públicos básicos. Assim como destaca 
Salum (2012):
 Os adolescentes envolvidos com infrações têm 
geralmente, as mesmas características das quais 
destacaremos as principais: apresentam dificuldades 
familiares e estão em processo de ruptura, ou 
abandonaram o vínculo com a escola. Quer dizer, 
demonstram embaraços com as principais instituições 
socializadoras, instâncias que deveriam ampará-los 
na oferta de recursos na sua busca por emancipação 
(SALUM, 2012, p.173).
 Então, entende-se que a prática do ato infracional não pode 
ser compreendida de forma isolada, uma vez que se trata de um 
fenômeno complexo que surge em um contexto que tem enfoques 
subjetivos, sociais e econômicos. 
a reciprocidade de ações no contexto da responsabilização do 
estado 
 Durante os encontros denominados Circuitos, os profissionais 
do Serviço de Medidas Socioeducativas de LA e de PSC trouxeram 
para reflexão a importância da presença e sintonia das formas 
de responsabilização elencadas no desenvolvimento da medida 
socioeducativa.
 O Brasil apresenta um passado recente no qual crianças 
e adolescentes ficavam à margem na sociedade. Em um mundo 
totalmente adultocêntrico, esses dois segmentos não eram 
considerados em sua singularidade e tão pouco vistos como sujeitos 
de direitos. Mas o cenário mudou com a vinda da contemporaneidade, 
ultrapassamosao Código de Menores e começamos a estabelecer 
outras relações com esses sujeitos.
 Esse novo tratamento foi consolidado com a promulgação da 
Constituição Federal de 1988 e aprovação do Estatuto da Criança e 
do Adolescente. Foi dada a esse seguimento uma atenção especial 
e a condição peculiar de pessoa em desenvolvimento foi levada em 
consideração. Porém, outras transformações estavam ocorrendo, tais 
como as famílias e suas novas formas de organização e dinamicidade.
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA44
 Nessa perspectiva, a responsabilização compartilhada entre 
os diferentes atores envolvidos potencializa as ações construídas 
com os adolescentes autores de ato infracional. Novas estratégias 
precisam ganhar corpo tanto nos níveis individual e coletivo, “a fim 
de fortalecer os sujeitos e suas comunidades para que assumam seu 
lugar na gestão dos conflitos de que são parte” (VINCENTIN; CATÃO; 
BORGHI; ROSA, 2011/2012, p. 272).
 Tomar como caminho a culpabilização desses sujeitos impede 
a possibilidade de leitura dos processos de exclusão/vulnerabilização, 
os quais estão acometidos. No âmbito da socioeducação, a relação 
estabelecida com o adolescente, por meio da dicotomia obediência/
desobediência e a compreensão da responsabilização, como uma 
qualidade que o sujeito possa ou não possuir, conduz a sérios 
desafios na construção de laços sociais desses indivíduos, bem como 
de inclusão destes em políticas públicas. 
 Tomando-se a nossa prática profissional como referência, 
percebe-se que o cumprimento da medida socioeducativa passa 
inevitavelmente pelo encontro entre um adolescente e diversos outros 
atores. Dessa forma, o contexto na qual a escassez de reciprocidade de 
ações entre as instituições envolvidas nesse processo se faz presente, 
caminha-se na contramão de “rearranjos e novas fronteiras entre o 
sancionatório, o educativo e a garantia de cidadania” (VINCENTIN; 
CATÃO; BORGHI; ROSA, 2011/2012, p. 271).
 No que se refere à implicação da rede de serviços públicos para 
a contribuição do processo de responsabilização dos adolescentes 
nas medidas socioeducativas, a reciprocidade de ações entre todas 
as instituições envolvidas se apresenta como um tema árduo, 
uma vez que essas instituições nem sempre se veem como parte 
desse processo. Isso favorece o surgimento de “buracos” na rede 
que impactam diretamente no processo de responsabilização do 
adolescente. 
Conclusões e Perspectivas 
 É possível perceber que os adolescentes autores de ato 
infracional formulam diferentes respostas que os direcionam 
à responsabilização. Essas respostas podem surgir de diversas 
formas, pois cada um se apresenta a seu modo e de acordo com sua 
particularidade. 
 O que se observa na prática é que a responsabilização de 
cada adolescente acontece em um momento muito peculiar, seja na 
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA 45
audiência, seja no decorrer dos atendimentos ou mesmo na relação 
com o educador de referência (no caso da medida de prestação de 
serviços à comunidade) ou com o orientador social voluntário (no caso 
da medida de liberdade assistida). Outras vezes, a responsabilização 
acaba se atrelando a algum acontecimento da vida do adolescente 
que pode não estar relacionado à medida socioeducativa e o 
acompanhamento técnico pode favorecer a construção de novas 
escolhas baseadas nessas vivências. 
Quanto à responsabilização jurídica, percebe-se que, em alguns 
casos, ela pode ser alcançada, uma vez que muitos adolescentes 
temem pela aplicação de outras sanções judiciais. Dessa forma, o 
caráter punitivo da medida acaba tendo maior peso em detrimento 
ao caráter socioeducativo. Como já foi exposto, o cumprimento das 
exigências formais da lei pode ocorrer até mesmo sem o adolescente 
se responsabilizar subjetivamente.
 As instituições pelas quais o adolescente perpassa na trajetória 
pós-ato infracional são imprescindíveis para que os eixos do Serviço 
de Medidas Socioeducativas (família, escola, profissionalização, 
saúde, cultura e esporte) possam ser trabalhados. Tais instituições 
possibilitam o contato do adolescente com o diferente, com 
a produção de outras possibilidades de resposta, conforme a 
perspectiva apontada por Lewkowics (2009). Para esse autor, as 
condições de violência são criadas devido ao fato de o sujeito ter 
restringidas as suas possibilidades de escolhas e acabar respondendo 
de uma única maneira. 
 Assim, não existe uma receita pronta para a responsabilização 
do adolescente e é importante que a rede de serviços públicos 
esteja interligada e funcionando de forma sistêmica para favorecer a 
construção de novos caminhos para esses sujeitos.
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA46
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JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA 47
CIRCUITO DE
TRAJETÓRIA DE VIDA 
NAS RUAS
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA48
OS ADOLESCENTES EM 
TRAJETÓRIA DE VIDA 
NAS RUAS E AS MEDIDAS 
SOCIOEDUCATIVAS: 
O OLHAR DO NAMSEP – 
ASSISTêNCIA SOCIAL
Jucélia Cassia de Arruda Simões
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA 49
INTRODUçÃO
 O presente artigo tem por finalidade trazer uma discussão 
sobre os adolescentes em trajetória de vida nas ruas na cidade 
de Belo Horizonte, que, após cometerem atos infracionais, são 
apreendidos e sentenciados com as medidas socioeducativas de 
prestação de serviços à comunidade e liberdade assistida. Ao serem 
apreendidos, são encaminhados ao Centro Integrado de Atendimento 
ao Adolescente Autor de Ato Infracional– CIA/BH, que é formado por 
sete instituições que compõem o sistema socioeducativo, sendo uma 
delas a Prefeitura Municipal de Belo Horizonte, representada pelo 
Núcleo de Atendimento às Medidas Socioeducativas e Protetivas – 
NAMSEP, instituição a qual será dada ênfase. O NAMSEP é a porta 
de entrada do Serviço de Medidas Socioeducativas em Meio Aberto 
de Belo Horizonte, é responsável pelo acolhimento, orientação e 
encaminhamento dos adolescentes para as regionais1 do município 
onde o trabalho de acompanhamento da equipe técnica a esses 
adolescentes e o cumprimento de medida terão início.
 Dados da Primeira Pesquisa Censitária Nacional sobre Crianças e 
Adolescentes em Situação de Rua, realizada no ano de 2010 e divulgada 
em 2011, revelam que aproximadamente 24 mil crianças estão em 
situação de rua, com idade predominante entre 12 a 15 anos.
 A pesquisa foi realizada a partir de convênio entre a Secretaria 
de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH) e o Instituto 
de Desenvolvimento Sustentável (Idest) em 75 cidades brasileiras 
com população superior a 300 mil habitantes.
 O conceito de trajetória de vidas nas ruas, neste estudo, será 
definido como percurso, considerando-se os adolescentes que fazem 
da rua sua moradia, como aqueles que ficam entre casa e rua, ou 
seja, passam períodos curtos ou longos nas ruas retornando para 
casa para dormir ou esporadicamente.
UM POUCO SOBRE A EXPERIêNCIA 
DE BELO HORIZONTE
 O Centro integrado de Atendimento ao Adolescente Autor de 
Ato Infracional – CIA/BH surge em dezembro de 2008, para atender 
1 O Município de Belo Horizonte se divide em 9 regiões administrativas denominadas Secretarias 
Administrativas Regionais Municipais.
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA50
ao artigo 88 do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, inciso 
V que traz a importância do atendimento ao adolescente autor de 
ato infracional acontecer preferencialmente em um mesmo espaço, 
conforme transcrito abaixo: 
“integração operacional de órgãos do judiciário, ministério 
público, defensoria, segurança pública e assistência social, 
preferencialmente em um mesmo local, para efeito de 
agilização do atendimento inicial a quem se atribua autoria 
de ato infracional” (BRASIL, 1990).
 Em 2012, a Prefeitura de Belo Horizonte passa a compor as 
instituições que o integram, sendo representada pelo NAMSEP, que 
é formado por técnicos das políticas de assistência social, saúde e 
educação.
 Os adolescentes atendidos pelo NAMSEP tiveram como 
determinação judicial pelo cometimento do ato infracional medidas 
protetivas e/ou socioeducativas, esta última executada em meio 
aberto, cuja responsabilidade de execução é do município. Abaixo 
estão listadas as medidas protetivas e socioeducativas, que originam 
o atendimento no NAMSEP.
Art. 101 (Medidas Protetivas)
II. orientação, apoio e acompanhamento temporários;
III. matrícula e frequência obrigatórios em estabelecimento 
oficial de ensino fundamental;
IV. inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à 
família, a criança e ao adolescente;
V. requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico 
em regime hospitalar ou ambulatorial;
VI. inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, 
orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos.
Art. 112 (Medidas Socioeducativas)
II. Advertência
III. prestação de serviço à comunidade.
IV liberdade assistida
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA 51
 O NAMSEP é a porta de entrada do Serviço de Medidas 
Socioeducativas em Meio Aberto de Belo Horizonte, bem como o 
atendimento e encaminhamento das medidas protetivas. Tem 
a proposta de um atendimento pontual, no entanto a realidade 
apresentada assume contorno um pouco diferente; alguns 
adolescentes cometem infrações novamente, sendo encaminhados 
ao NAMSEP para novo atendimento.
 Dentre os adolescentes atendidos, estão os adolescentes 
que possuem trajetória de vida nas ruas, e que, por essa condição, 
tornam-se um público desafiador para as políticas públicas.
 Esses adolescentes em meio à movimentação pela cidade vão 
construindo e reconstruindo seus vínculos, substituíram o espaço 
doméstico pelas ruas, fazendo delas o lócus ordenador de suas 
relações e identidade (GREGORI, 1978).
 De acordo com MELO (2011), a maioria das pessoas em situação 
de rua viveu um processo de “adentrar a rua”, ou seja, a vida nas ruas 
não estava posta desde que nasceram.
 Melo (2011), citando Snow & Anderson (1998), aponta uma 
questão importante:
“Nossas observações indicam que o mundo social dos 
moradores de rua (...) é um mundo social que não é criado 
ou escolhido pela grande maioria dos moradores de rua, 
pelo menos não inicialmente, mas para o qual a maioria 
foi empurrada por circunstâncias além de seu controle. 
É, contudo, um mundo social no qual os habitantes 
partilham um destino singular: o de ter de sobreviver 
nas ruas e becos da cidade (...) (SNOW & ANdERSON 
1998:77)
 Ao serem atendidos no NAMSEP, é comum relatarem a 
existência de uma família, moradia, até o momento em que uma 
situação ou várias situações atravessam a história, trazendo 
desestabilização, contribuindo, dessa forma, para o início da trajetória 
de vida nas ruas, conforme relato de adolescentes:
Adolescente Maurício:
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA52
“Minha mãe faleceu em 2004, fui morar com um tio, 
depois com outra tia, já fiquei em abrigo...sabe quem 
gosta de filho é mãe.”
Adolescente Juca:
“Estou na rua já faz uns três anos e meio, foi após a morte 
de meu pai, foi assassinado, só encontrei o caminho do 
mau, fiquei revoltado com a morte dele, parei de estudar 
e ai saí para a rua... não quero morar com minha mãe, 
mas ela também sofreu muito com a morte de meu pai.”
 
 Relatam ainda semelhanças quanto à forma de sobrevivência 
nas ruas, sendo necessário, muitas vezes, recorrem ao ato infracional 
por meio do furto e do roubo para garantir esta sobrevivência.
 O que se percebe é que esses adolescentes, na maioria das 
vezes, são atendidos no NAMSEP e não iniciam o cumprimento da 
medida. O NAMSEP não deve ser um local onde os adolescentes 
criem vínculos, estes devem ser criados com o técnico na regional. 
No entanto, fica a angústia por parte da equipe técnica, angústia que 
vira ponto de trabalho. Sabe-se que inúmeras são as intervenções 
necessárias, mas que a primeira delas é formatar o atendimento 
de modo que adolescentes não precisem a cada novo atendimento 
repetir a história já contada, sendo que técnicos diferentes realizam 
os atendimentos nesse equipamento.
 O registro, por parte da equipe técnica, da história desses 
adolescentes é muito importante para que, caso aconteçam novos 
atendimentos, eles se sintam reconhecidos em sua singularidade, 
sintam-se vistos, é importante que eles identifiquem que sabemos 
quem ele é.
 Mais do que isso, faz-se necessário pensar o que está posto 
para esses adolescentes enquanto estratégias de intervenção, uma 
vez que, em novas passagens, eles relatam aos técnicos do NAMSEP 
que evadiram dos conselhos tutelares, dos abrigos e, na maioria 
das vezes, estão em descumprimento de medida. Neste cenário 
continuam nas ruas, tendo como mudança do atendimento anterior 
apenas um ato infracional a mais em sua Certidão de Antecedentes 
Infrancional – CAI, estando de “volta” ao sistema após cometimento 
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA 53
de novo ato infracional, percorrendo como sempre as mesmas 
instituições. 
 É fato que, ao serem apreendidos, muitas vezes, os adolescentes 
podem receber medidas mais gravosas, podendo ser determinada 
como intervenção estatal as medidas de internação e semiliberdade, 
bem como as consequências do descumprimento de uma medida 
determinada judicialmente.
CONCLUSÃO
 Sabemos ainda que o papel da medida socioeducativa é 
trabalhar com os adolescentes a responsabilização pelo cometimento 
do ato infracional, no entanto o que deve ser pontuadoé se esses 
adolescentes precisam somente de punição e responsabilização, pois 
como trabalhar a responsabilização sobre o que os adolescentes em 
trajetória de vida nas ruas fizeram, sem primeiramente questionar 
qual proteção a eles foram, estão sendo e serão de fato efetivadas? 
Também foram ou estão sendo responsabilizados aqueles que, 
porventura, violaram seus direitos? O que realmente os adolescentes 
em trajetória de vidas nas ruas precisam em se tratando do ponto 
de vista das políticas públicas? A responsabilidade pela proteção está 
sendo de fato efetivada?
 Acreditamos que ainda temos um longo caminho pela frente 
para efetivar a prioridade absoluta e a proteção integral preconizadas 
pela Constituição Federal de 1998 e pelo ECA. De acordo com CAMPOS 
(2008), ainda temos muito a fazer enquanto Estado, sociedade e 
família para cumprir as obrigações elencadas nas leis.
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA54
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JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA 55
OS ADOLESCENTES E SUAS 
EXPERIêNCIAS DE VIDA NAS 
RUAS: POSSIBILIDADES E 
DESAFIOS NAS MEDIDAS 
SOCIOEDUCATIVAS
Carolina Silveira Flecha
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA56
INTRODUçÃO
 Este texto foi elaborado entre fevereiro a novembro de 2014, 
a partir de conversações de trabalhadores do Serviço de Proteção 
Social à Adolescentes em Cumprimento de Medida Socioeducativa1 
de Liberdade Assistida e de Prestação de Serviços à Comunidade. Os 
encontros ocorreram com a criação do “Circuito Trajetória de Vida nas 
ruas”, cuja proposta era compartilhar e refletir sobre os desafios do 
acompanhamento aos adolescentes com trajetória/ experiência de 
vida nas ruas em relação às medidas socioeducativas em meio aberto.
 Várias indagações foram lançadas neste percurso, quando nos 
debruçamos sobre a leitura de autores que literalmente adentraram 
“o universo das ruas”, a fim de se aproximar das experiências e dos 
sujeitos que, por diversos motivos, passaram a viver nas ruas. À nossa 
maneira, também nos desalojamos dos saberes e saímos a campo, 
buscando uma interlocução com a rede parceira. Nosso desejo inicial 
era escutar e conhecer a prática de outros trabalhadores que também 
acolhiam adolescentes com trajetória de vida nas ruas. 
 Assim foram realizadas conversas com atores sociais que 
atuam no Conselho Tutelar, rede socioassistencial2 e organizações 
não governamentais, além de entrevistas com psicólogos e 
assistentes sociais do Serviço que trouxeram pontos nevrálgicos 
sobre acompanhamento de adolescentes com experiências de vida 
nas ruas inseridos nas medidas socioeducativas de liberdade assistida 
e de prestação de serviços à comunidade.
 Nesses encontros, transmitimos aos parceiros sobre nosso 
fazer, além de compartilhamos os impasses que vivenciamos no 
acompanhamento dos adolescentes com experiências de vida nas 
ruas no Serviço de Medidas Socioeducativas de Belo Horizonte, bem 
como na articulação com a rede. 
 Nosso objetivo fundamentou-se na criação de um espaço de 
discussão, reconhecendo fragilidades e potencialidades tanto no 
1 Medidas socioeducativas: são medidas aplicadas ao adolescente autor de ato infracional, 
pela autoridade competente, conforme a capacidade do adolescente de cumpri-las, as 
circunstâncias e a gravidade da infração. Essas medidas estão dispostas no Estatuto da 
Criança e do Adolescente, artigo 112, incisos I a VI: advertência, obrigação de reparar o dano; 
prestação de serviços à comunidade; liberdade assistida; inserção em regime de semiliberdade; 
internação em estabelecimento educacional. (BRASIL, 1990).
2 Rede socioassistencial: Conjunto integrado de ações da iniciativa pública e da sociedade que 
ofertam e operam benefícios, serviços, programas e projetos, o que supõe a articulação entre 
todas essas unidades de provisão de proteção social, sob a hierarquia de básica e especial, e 
ainda por níveis de complexidade. (BRASIL, 2005).
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA 57
3 Sistema Único de Assistência Social (SUAS) conforme Coletânea de termos técnicos utilizados 
no SUAS/BH: é um sistema público, não contributivo, descentralizado e participativo previsto 
pela LOAS, que tem por função a organização das ofertas dos serviços, a gestão do conteúdo 
específico da assistência social, no campo da proteção social, de forma integrada entre os entes 
federativos (União, Estados, Municípios e Distrito Federal). O SUAS se organiza em serviços de 
proteção social básica e proteção social especial de média e alta complexidade. (Brasil, 2005).
acompanhamento aos adolescentes com experiência de vida nas ruas 
em relação às medidas de liberdade assistida e prestação de serviços 
à comunidade como em relação à rede composta por outros serviços 
inseridos no Sistema Único de Assistência Social / SUAS3 e em outras 
políticas públicas. Nesse percurso, concluiu-se que será necessário 
um esforço para integração no âmbito da própria Assistência Social, 
além de um maior envolvimento de outras políticas públicas. 
 Aliada à criação de políticas intersetoriais integradas, cabe 
ainda discutirmos sobre a mobilização da sociedade, uma vez que 
na atualidade há predominância de discursos higienistas, que 
apregoam a exclusão daqueles que não se enquadram aos modos 
de vida socialmente valorizados. Silva (1996) já afirmava que a ideia 
de responsabilidade de todos trocada por cordão sanitário ou por 
técnicas ruidosas de limpeza. 
 Convém nos perguntamos se, em alguns momentos, as políticas 
públicas também não estariam a serviço de vozes da sociedade 
que clamam pela segregação em detrimento da convivência dos 
dessemelhantes na cidade.
 Diante de um tema tão complexo, delimitaremos essa escrita, 
abordando numa primeira parte o conceito de trajetória de vida nas 
ruas e as realidades postas para aqueles que ocupam a rua como 
espaço de moradia e sobrevivência. 
 De antemão, já sinalizamos que não se trata de traçar um 
perfil tipológico sobre os adolescentes que vivem nas ruas, o que 
evidentemente aniquilaria a singularidade de cada um. 
 Além disso, serão apresentados estudos sobre processos 
de exclusão relacionados à experiência de vida nas ruas, além de 
considerações acerca do que é a rua para o próprio adolescente. A 
intenção é lançar questões, bem como contribuir para a elaboração 
de propostas tangíveis para os adolescentes com experiência de vida 
nas ruas que estejam respondendo às medidas socioeducativas de 
liberdade assistida e prestação de serviços à comunidade.
 Numa segunda parte, daremos visibilidade às indagações e 
desafios surgidos no acompanhamento desses adolescentes em relação 
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA58
às medidas socioeducativas de Liberdade Assistida e Prestação de 
Serviçosà Comunidade. 
EXPERIêNCIAS DE VIDA NAS RUAS: 
EXCLUSÃO, VIOLêNCIA E RESISTêNCIA 
 O primeiro aspecto que merece nossa atenção se refere 
ao modo como cada adolescente ocupa a rua: há aqueles que 
trabalham na rua e retornam para casa. Outros “passam a utilizar 
as ruas (incluindo casas abandonadas, terrenos baldios, etc.) como 
seu local de moradia, trabalho informal, lazer, vivência de relações 
socioafetivas.” (CAMPOS, 2008, p.39) 
 Conforme Campos (2008), a trajetória de vida nas ruas seria 
uma categoria construída para auxiliar a reflexão sobre a realidade 
de adolescentes que fazem da rua sua moradia, identificando-
se outras vulnerabilidades advindas desse contexto: ausência de 
suporte familiar, abandono da escola, vínculo familiar e comunitário 
fragilizado ou inexistente, uso de substâncias psicoativas, prática de 
mendicância e de delitos, aspectos de abandono e descuido com a 
aparência.
 A invisibilidade, o estigma e a violência, associados ao processo 
de exclusão são fenômenos que incidem sobre aqueles que vivem nas 
ruas. Nos parágrafos abaixo, serão expostas ideias de autores sobre 
os temas mencionados acima.
 A exclusão social é uma categoria de análise, que pode ser 
compreendida de várias formas. No contexto brasileiro, alguns 
autores argumentam que a exclusão social não seria demarcada por 
fronteiras nítidas entre um grupo que estaria “fora” e aqueles que 
estão “dentro”. 
 Para Da Matta, citado por Escorel, o Brasil opera com uma lógica 
de inclusividade através de relações hierárquicas complementares, 
delineando contínuas diferenciações entre os iguais. Conforme Escorel 
na sociedade brasileira a categoria de exclusão social tem pertinência 
quando “é pensada como um processo que opera uma interação 
excludente.” (ESCOREL, 1999, p.73)
 Nesse artigo, a categoria exclusão social será pensada a partir 
dessa ideia de “interação excludente”. Os fenômenos da invisibilidade, 
estigma e violência podem ser pensados por esse viés da exclusão social.
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA 59
 Soares (2005) afirma que a invisibilidade seria:
 “quando não se é visto e se vê o mundo oferece o 
horizonte, mas furta a presença, aquela a verdadeira 
que depende da interação, da troca, do reconhecimento, 
da relação humana. Tudo aparece apenas à visão, não 
ao toque ou à troca: o mundo da vida social fecha-se à 
participação. Não ser visto significa não participar, não 
fazer parte, estar fora, tornar-se estranho.” (SOARES, 
2005, p. 167). 
 O estigma conforme Soares (2005), seria uma forma de anular 
o sujeito, dissolvendo sua identidade e lhe impondo um retrato 
estereotipado sobre quem ele é.
 Quanto ao fenômeno da violência, nos limitaremos aos 
aspectos apontados por Campos (2008) e Walty (2005), uma vez que 
a discussão sobre essa temática é multifacetada. 
 Campos (2008) analisa o fenômeno das crianças e adolescentes 
que vivem nas ruas como uma trajetória de violências. Ela afirma 
que “a violência pode, em muitos casos, ser o motivo que levou a 
“escolha” por viver nas ruas. Assim, a rua como espaço de moradia 
e sobrevivência apresenta-se, para alguns, como uma opção de fuga 
da violência vivida em casa e/ou comunidade, tanto a violência física 
como outras formas de violência.” (CAMPOS, 2008, p. 40) A violência 
teria a função perversa de “educar para a rua”. 
 Os profissionais do campo socioeducativo devem compreender 
esse ciclo de violências, bem como os fenômenos de invisibilidade 
e estigma, uma vez que os atos infracionais cometidos por esses 
adolescentes, geralmente, têm sua origem nesse contexto. 
 Ivete Walty (2005), autora do livro Corpus rasurado: exclusão 
e resistência na narrativa urbana nos oferece outro olhar sobre a 
violência na vida dos sujeitos que se apropriam das ruas. Por meio 
de pesquisa sobre a produção cultural da população de rua de Belo 
Horizonte, Walty demonstrou que a violência se inscreve também 
nas narrativas, traduzindo o cotidiano de suas vidas.
 Nos depoimentos de moradores de rua, em dez grupos 
distintos, a autora observou “a incidência de verbos ligados a ações 
que resultam no padecimento dos corpos, como bater, machucar, 
brigar, revoltar, prejudicar, queimar, estuprar, matar e suicidar”, 
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA60
(WALTY, 2005, p. 65) enfatizando que estes verbos aparecem centenas 
de vezes. 
 As investigações dessa autora indicam que o corpo do morador 
de rua é objeto de violência, inclusive da violência institucionalizada. 
Contudo, apesar das vulnerabilidades e exposição à violências 
enfrentadas pelos adolescentes com trajetória de vida nas ruas, 
há também significados positivos sobre essas experiências. Os 
adolescentes vivenciam a liberdade e a aventura de “ganhar” a vida. 
Nesse sentido, o livro publicado por Esmeralda Ortiz, habitante de São 
Paulo, que viveu nas ruas durante infância e adolescência exprime de 
forma contundente os significados atribuídos pelos adolescentes ao 
espaço da rua. 
 “Eu me sentia mal pra caramba, tinha inveja dos 
mendigos, tinha inveja de todo mundo. E eu pensando: 
“Eles são felizes. Não precisam acordar cedo, não 
precisam trabalhar, não precisam fazer nada. Todo 
mundo aí na pior, mas feliz” (ORTIZ, 2001, p.149).
 Tendo em vista a perspectiva de Esmeralda Ortiz, devemos 
nos perguntar como trabalhamos, auxiliando o adolescente a 
“atravessar” a rua. Certamente, não se trata apenas de providenciar 
encaminhamentos, tais como: abrigo, moradia, escola, trabalho, 
pois houve um processo de ruptura, ainda que parcial com a ordem 
social, e um engajamento num outro modo de vida. Dessa forma, é 
fundamental o acolhimento do adolescente e dos significados que o 
mesmo atribui às suas experiências. 
 Num outro trecho do livro de Ortiz (2001) sentimentos de perda 
e dor são descritos pela autora durante o processo de saída da rua.
“Na minha nova casa, mesmo que eu quisesse não 
poderia entrar metade daquelas pessoas que passaram 
pela minha vida, que viveram no mesmo ambiente que 
eu, que usavam drogas, que furtavam, porque metade 
deve ter morrido ou está presa, a outra metade deve 
estar usando drogas. A Pizinha, minha grande amiga de 
rua, de Febem, de todos os lugares, tive que abrir mão da 
Pizinha, tive que abrir mão dos meus outros amigos. Foi 
uma grande mudança, foram as piores perdas que eu tive 
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA 61
na minha vida. Meu mundo tinha acabado. Eu achava que 
todo mundo era feliz, menos eu.” (ORTIZ, 2001, p. 191).
 O texto evidencia que a saída da rua interrompeu uma 
trajetória de violências, entretanto desencadeou processo de luto. 
Nessa escrita, Esmeralda traz representações da rua como lugar de 
amizade, liberdade, aventura, drogas. 
 Dessa maneira, conclui-se que o modelo de política pública 
adotado deve ser balizado pelos saberes daqueles que vivem nas ruas. 
É por essa via que será possível sustentar uma prática que acolha o 
adolescente como sujeito de direitos e de sua própria história. 
DESAFIOS E SAíDAS POSSíVEIS
 Conforme já apresentado anteriormente, o acompanhamento 
dos adolescentes com experiências de vida nas ruas em relação 
às medidas socioeducativas de liberdade assistida e prestação de 
serviços à comunidade tem apontado desafios que incidem tanto no 
fazer técnico como na interface com o Poder Judiciário e articulação 
com a rede de proteção. Dessa maneira, torna-se fundamental 
problematizar essa realidade visando à construção de novos saberes 
e fazeres. 
 Um primeiro desafio incide diretamente no fazer técnico e 
se refere à baixa adesão dos adolescentes com experiência de vida 
nas ruas em relação ao Serviço de Medidas Socioeducativas. Após 
passagem pelo Centro Integrado de Atendimento ao Adolescente 
Autor de Ato Infrancional (CIA), alguns desses adolescentes “somem”, 
não comparecendo ao primeiro atendimento na regional4. 
 Diante dessa não adesão dos adolescentes logo após a 
aplicação da medida socioeducativa, os técnicos realizambusca ativa, 
com objetivo de localizá-los. 
 É importante destacar aqui que as intervenções construídas 
devem levar em consideração que esse adolescente está ocupando a 
rua e esse espaço incide diretamente em seu modo de vida. 
4 O município de Belo Horizonte se divide em nove regiões administrativas denominadas 
secretarias administrativas regionais municipais.
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA62
 Assim, tanto nos contatos com a rede (serviços socioassistenciais, 
educação, saúde, cultura, esporte, lazer, organizações não-
governamentais) como nos contatos com familiares desses 
adolescentes, é necessário colher informações sobre à quanto tempo 
o adolescente se encontra na rua, se há preservação de vínculos 
familiares, se há vinculação com espaços da rede/profissionais, 
etc. O objetivo é conhecer a realidade desse jovem possibilitando 
intervenções mais qualificadas no processo de busca ativa. Trata-
se de uma primeira questão que se coloca para os técnicos. Como 
alcançar este adolecente que se encontra na rua?
 Outra questão concerne ao manejo do profissional para 
suportar o acompanhamento de adolescentes que estão expostos 
às várias violações de direitos na rua. Afinal, como acompanhar 
adolescentes que vivenciam uma trajetória de violências? 
 Trata-se de um ponto delicado do trabalho, pois os técnicos 
podem ser afetados por essa árida realidade, e certamente, não é 
tarefa fácil suportar a “desproteção” e “desamparo” dos adolescentes. 
Contudo, esse trabalho de “garantir a proteção” faz parte de um 
processo de construção em conjunto com os adolescentes, afim de 
não torná-los meros objetos de intervenção do Estado. 
 Desse modo, o trabalho inicia-se a partir da escuta do 
adolescente, acolhendo o que o mesmo tem a dizer sobre sua 
vinculação com a rua, os riscos aos quais está exposto, uma vez que 
o desejo de se “proteger” e ser “protegido” deve partir do próprio 
adolescente. 
 Outro aspecto a ser discutido refere-se à circulação dos 
adolescentes que ora estão em casa, ora na rua, ora no acolhimento 
institucional. Por meio de um relato de um técnico5 do Serviço de 
Medidas de Liberdade Assistida, abordam-se impasses que podem 
surgir a partir da não fixação dos adolescentes a um domicílio. Foi 
exposto que a adolescente respondia à medida, quando uma mínima 
organização era possibilitada com sua permanência num abrigo 
5 Material colhido a partir de entrevistas realizadas com o psicólogo Vinício de Araújo Martins, 
da regional Noroeste e a assistente social Camila Ticiane, da Regional Centro- Sul. Ambos 
trabalhadores do Serviço de Proteção Social ao adolescente em cumprimento de medida 
socioeducativa de Liberdade Assistida e Prestação de Serviços à Comunidade.
 Material colhido a partir de supervisão coletiva de caso apresentado pela psicóloga Pâmela 
Mara Benevides Felício que compõe a equipe do Serviço de Proteção Social ao adolescente 
em cumprimento de medida socioeducativa de Liberdade Assistida e Prestação de Serviços à 
Comunidade da Regional Leste no município de Belo Horizonte.
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA 63
institucional. Ressaltou-se ainda que quando “a adolescente evadia 
do abrigo, sumia da medida”. 
 Por meio desses relatos, levanta-se a hipótese de que as 
respostas dos adolescentes às medidas de Liberdade Assistida e 
Prestação de Serviços à Comunidade variam conforme o espaço onde 
eles se encontram: abrigo, rua, ou casa. Portanto, é fundamental 
construir com os adolescentes um projeto que seja possível durante 
o cumprimento da medida socioeducativa, pois é provável que 
num abrigo os adolescentes possam estabelecer relações consigo 
mesmo e com o mundo de maneira mais organizada, com respostas 
mais próximas às expectativas sociais. Por outro lado, evidencia-
se que quando o adolescente está vivendo nas ruas, esse contexto 
propicia a criação de novos modos de vida e as respostas às medidas 
socioeducativas serão distintas.
 Outra discussão indispensável refere-se às articulações 
entre os técnicos do Serviço de Medidas Socioeducativas de LA 
e PSC e profissionais da rede de proteção. Inicialmente cabe nos 
indagarmos sobre as expectativas do Serviço em relação ao ideal 
de proteção integral, uma vez que, como vimos anteriormente 
não basta encaminhar os adolescentes para a rede de serviços 
socioassistenciais. Isso ocorre porque usualmente os adolescentes 
não acolhem as ofertas que lhes são disponibilizadas. 
 Ademais, é preciso lembrar que os profissionais que atuam 
na rede de proteção também demandam tempo para construção 
de vínculos com os esses jovens. Assim é tarefa primordial conhecer 
a realidade de cada ator envolvido no processo pois desta forma 
as intervenções propostas serão construídas, considerando 
possibilidades e limites do adolescente de sua família do campo 
socioeducativo e da rede de proteção.
 Durante o percurso do Circuito foram realizadas visitas 
institucionais. Nas discussões os profissionais que trabalhavam 
com adolescentes com trajetória de vida nas ruas apontaram como 
principais impasses a sobreposição de ações e a falta de diálogo. 
Dessa forma, avaliamos que seria fundamental o estabelecimento de 
fluxos e pactuação de responsabilidades entre os atores que atuam 
na rede de proteção e no Serviço de Medidas Socioeducativas de Belo 
Horizonte.
 Outro desafio que está posto para o Serviço refere-se aos efeitos 
da avaliação do descumprimento de medida, que ocasionam nova 
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA64
intervenção do Judiciário. Para ilustrar essa situação, apresentamos 
análise inicial dos dados extraídos do Sistema de Gestão de Políticas 
Sociais (SIGPS) sobre a situação dos adolescentes com trajetória de 
vida nas ruas no período de março a agosto de 2014. 
 Naquele período, foram registrados vinte e quatro inserções 
de adolescentes com trajetória de vida nas ruas, em um universo de 
aproximadamente mil e oitocentos adolescentes. Treze casos foram 
desligados. Desses desligamentos, apenas um caso foi encerrado 
por conclusão da medida socioeducativa. Nove desligamentos foram 
registrados pelos seguintes motivos: regressão de medida, devolução 
técnica do caso, abandono/ infrequência/ evasão, esgotamento 
das possibilidades de intervenção. Posteriormente a esse período, 
identificamos que outros adolescentes foram desligados, destacando-
se os seguintes motivos: descumprimento de medida e aplicação de 
medida mais gravosa. 
 A amostra dos dados apresentados retrata um cenário 
dramático, uma vez que os adolescentes com trajetória de vida 
nas ruas cumprindo medidas de Liberdade Assistida e Prestação de 
Serviços à Comunidade têm, de um modo geral, retornado ao Sistema 
Judiciário de maneira cíclica. A partir dessa constatação avalia-se que 
é necessário ampliar o leque de respostas diante do não alcance da 
medida socioeducativa. 
 Nossa aposta é de que a criação de um espaço de debate com 
participação dos técnicos do Serviço de Medidas Socioeducativas de LA 
e PSC, dos profissionais que compõem a rede de proteção, Conselheiros 
Tutelares e técnicos do Sistema Judiciário auxiliaria na transformação 
dessa realidade. Não resta dúvida de que o sistema socioeducativo 
não deve se apresentar como a única saída para os adolescentes com 
experiência de vida nas ruas. 
 Frente a essa exposição, por fim, retomamos o objetivo desse 
estudo, destacando que o acompanhamento dos adolescentes com 
experiência de vida nas ruas em relação às medidas socioeducativas 
de liberdade assistida e prestação de serviços à Comunidade 
apresenta desafios que exigem reflexão e intervenções construídas a 
partir das realidades vividas por esses sujeitos. 
 A ruptura com a ordem social, a trajetória de violências, 
o desamparo, a invisibilidade, os estigmas, o circuito casa – rua- 
acolhimento institucional, a fragilidade de vínculos familiares 
e comunitários, o uso de substâncias psicoativas, todos esses 
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOSDE GESTÃO COMPARTILHADA 65
fenômenos atravessam o acompanhamento desses adolescentes em 
relação às medidas socioeducativas e impactam em suas respostas no 
âmbito socioeducativo. O estabelecimento de fluxos e a pactuação de 
responsabilidades entre os atores envolvidos bem como a construção 
de intervenções em rede devem garantir à proteção integral sem 
abrir mão da singularidade desses jovens.
 Por último, esse texto nos orienta que nossa prática deve 
ter como ponto de partida o acolhimento dos modos de vida dos 
adolescentes com experiência de vida nas ruas, pois somente por 
esse viés, será possível construir com esses jovens uma resposta à 
interpelação da lei.
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA66
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JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA 67
A MUDANçA NA LEGISLAçÃO 
E AS IMPLICAçÕES PARA 
A JUVENTUDE COM 
TRAJETÓRIA DE VIDA 
NAS RUAS: DESAFIOS 
PARA O ATENDIMENTO
Henrique Cardoso Nunes
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA68
 O presente artigo foi concebido a partir das idas a campo, 
leituras e discussões realizadas pelo Circuito promovido pela 
Gerência de Coordenação de Medidas Socioeducativas, cuja temática 
é Trajetórias de Vida nas Ruas.
 Conforme afirma Melo (2011), em sua experiência etnográfica 
com pessoas em situação de rua, cada indivíduo possui em sua 
história singular um “processo de ruptura” em algum momento de 
sua vida, tornando substrato crucial para avaliar os determinantes 
que culminam no início e permanência nas ruas. Depreende-se que 
conflitos familiares, uso abusivo de drogas, desilusões amorosas, 
fracassos trabalhistas e outros podem se tornar desencadeadores 
desse processo, caracterizado pela fragilidade e rompimento de 
vínculos familiares e comunitários. Trata-se, em muitos casos, de 
uma forma de lidar com angústias e desenlaces, alinhado a uma 
desestrutura econômico-social que aflige o país historicamente. 
Porém, não existe apenas um perfil de trajetória nas ruas, ou seja, 
ela não é caracterizada da mesma forma e nem sempre é a mesma. 
Alguns podem permanecer fora de casa por anos seguidos, outros 
apenas por pouco tempo. Já existem aqueles que ora estão na rua, 
ora retornam para casa. 
 O público de adolescentes encaminhados para cumprimento de 
medidas socioeducativas abrange também esse contingente. Segundo 
o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei nº 8.069/1990, 
determinações judiciais da Vara da Infância e da Juventude sentenciadas 
para responder a essas sanções são aplicáveis a crianças e adolescentes 
quando verificada a prática de ato infracional análoga ao crime. De 
acordo com os níveis de complexidade estabelecidas na Política Nacional 
de Assistência Social (PNAS), o Centro de Referência Especializado de 
Assistência Social (CREAS) encontra-se situado na Média Complexidade, 
estando o Serviço de Proteção a Adolescentes em Cumprimento de 
Medidas Socioeducativas de LA e PSC dentro do CREAS, conforme 
Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais, Resolução CNAS nº 
109 de 11 de novembro de 2009.
 Nesse sentido, um dos grandes desafios de técnicos e 
demais profissionais, que realizam o acompanhamento de casos de 
adolescentes em situação de vida nas ruas, seja para cumprimento de 
medidas socioeducativas ou de outros Serviços da área da Assistência 
Social, é justamente tentar criar algum tipo de laço naquilo que 
já se encontra rompido, bem como lidar com o perfil “nômade” 
desses adolescentes. A busca ativa torna-se diferenciada nesses 
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA 69
casos, já que muitas vezes não há uma família presente na vida do 
adolescente, o que demanda uma articulação maior com a rede. 
Na experiência de um ano de atendimento no Serviço de Medida 
Socioeducativa de Liberdade Assistida, pude me deparar com casos 
em que adolescentes não são localizados ou descumprem a medida 
permanecendo na trajetória de rua, caracterizando infrequências que 
acabaram culminando no retorno dos processos à Vara da Infância e 
da Juventude. Assim, a tendência itinerante e o fato de não haver 
um endereço fixo dificulta a localização e, em decorrência disso, a 
continuidade do acompanhamento. 
 O filme O Contador de Histórias, do diretor Luiz Villaça1, 
é embasado no livro de mesmo nome do autor Roberto Carlos 
Ramos. Ele retrata a história real desse antigo morador da Pedreira 
Prado Lopes em Belo Horizonte, que passou determinado período 
na Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor (FEBEM). Roberto, 
tido como “irrecuperável”, segundo prontuários dessa instituição 
de “acolhimento”, torna-se tempos depois mestre em Pedagogia 
e é tido como um dos melhores contadores de história do mundo, 
conforme informações do site Wikipedia. Naquele momento vigorava 
o Código de Menores, instituído pelo Decreto nº 17.943, de 12 de 
outubro de 1927, anterior ao ECA. Roberto se enquadrava no perfil 
da população de crianças e adolescentes da chamada Doutrina da 
Situação Irregular, contingente que necessitaria, de acordo com 
a sociedade da época, passar por esse “acolhimento” que mais se 
assemelhava ao que ele menciona como ‘recolhimento’, uma espécie 
de limpeza urbana e controle social. Consta no texto daquele Decreto 
que o objetivo daquele Código seria garantir “medidas de assistência 
e proteção”, ao mesmo tempo que submeter crianças e adolescentes 
à autoridade competente. 
 Dessa forma, podemos pensar, conforme Barros-Brisset 
(2014), que crianças e jovens denunciam em suas histórias e falas 
o “mestre de seu tempo”. Para a autora, cada sujeito emite saídas e 
significações próprias ao sufoco dos significantes dominantes. Essa 
crítica se dá pelo controle desse Outro, a partir da docilização dos 
corpos (FOUCAULT, 2007). Nesse sentido, depreende-se do filme 
vários exemplos dessas lógicas punitivas da instituição que incidem 
sobre a vida dos adolescentes, dificultando ainda mais a formação 
de vínculos positivos que poderiam trazer alguma ressignificação e 
mudança em suas vidas. 
1 Lançado em 2009.
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA70
 Ainda nessa direção, nos remetemos à Análise Institucional2. 
Ardoino & Lourau (2003) afirmam que uma abordagem institucional 
estuda o invisível presente nas instituições. O olhar da Psicossociologia,por exemplo, considera as normas e valores, além de também dar 
importância a como os atores se posicionam no cotidiano institucional. 
Assim, quando nos referimos às instituições não estamos somente 
nos remetendo às partes visíveis das organizações, suas estruturas 
físicas ou organogramas, mas às lógicas sutis que perpassam as 
relações e sinalizam um modo de funcionamento imperceptível 
a uma visão mais superficial da situação. Os que compartilham 
daquele contexto podem chegar à conclusão de que podem senti-la. 
Algumas vertentes dentro da Análise Institucional tiveram bastante 
influência de pressupostos da Psicanálise, na medida em que passam 
a considerar na análise os “não ditos”, repetições e sintomas dentro 
da instituição. Os autores citam análises evidenciando, por exemplo, 
dificuldades dentro da escola frente às mudanças do mundo moderno 
e intervenções para reforma de hospitais psiquiátricos, no caso da 
Psicoterapia Institucional. 
 Na esperança de que aquela instituição disciplinasse o filho, 
ensinando-lhe uma profissão, a mãe de Roberto, e de outros de 
nove filhos, resolve apostar na propaganda chamativa do televisor 
de que a FEBEM traria um futuro melhor para a criança, como no 
caso de ensinar-lhe alguma profissão. Talvez ela pensasse “que 
fim terá meu filho ali na comunidade, naquelas condições?” Sem 
ter o que comer, cuidando da casa sozinha, uma vez que o marido 
abandonara os filhos, a mãe devolve ao Estado a falta, mas encontra 
em contrapartida o que alguns autores chamariam de “Deserto do 
Outro”. A partir do que Roberto denomina no filme de “metodologias 
pedagógicas” daquela instituição, ele deparou-se até mesmo com a 
violência física, evidenciando lógicas claras de vigilância e punição 
endereçadas a esse segmento juvenil, majoritariamente pobre e 
negra do país. Apesar disso, de forma bastante excepcional, Roberto 
acaba tendo uma história diferente de todos os outros internos da 
FEBEM, já que conseguiu ser adotado, no caso por uma francesa 
chamada Margherit Duvas.
 Algumas perguntas importantes podem então ser levantadas a 
partir da análise do filme pensando nos dias atuais com a promulgação 
2 A Análise Institucional considera que as instituições não seriam apenas a estrutura física, mas 
as lógicas sutis que perpassam as relações e sinalizam um modo de funcionamento invisível a 
uma visão mais superficial da situação. 
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA 71
do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), lei 8.069/90. Haveria 
lógicas sutis subjacentes às instituições que acompanham esses 
adolescentes e que dificultam a efetividade da ação? Por que há 
tantas evasões de adolescentes das instituições, como Conselhos 
Tutelares, Centros de Passagem, Abrigos, Acolhimento Institucional 
ou até mesmo descumprimento das medidas socioeducativas? Qual 
histórico cada um desses indivíduos possuem com cada instituição? 
Uma fala interessante pode ser talvez um bom começo para responder 
a essas questões: “nós não é fácil. Se nós fosse fácil, nós ‘tava em 
casa”. (BARROS-BRISSET, 2014). 
 De todo modo, percebemos esse desafio posto para os Serviços 
e para as Políticas Públicas voltadas a essa população. No caso das 
medidas socioeducativas, como um adolescente em trajetória de 
vida nas ruas pode responder satisfatoriamente a uma determinação 
judicial a partir de indícios de responsabilização considerando 
seu contexto de fragilidade ou rompimento dos vínculos sociais e 
familiares? Percebe-se ainda uma dificuldade em lidar com o perfil 
dinâmico e itinerante desses adolescentes, bem como garantir os 
aspectos de proteção. 
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA72
REFERêNCIAS 
ARDOINO, Jacques, LOURAU, Rene. as pedagogias institucionais. São Carlos: 
Editora Rima, 2003.
BARROS-BRISSET, Fernanda Otoni de. Direito e psicanálise: controvérsias 
contemporâneas. Editora CRV. Curitiba, 2014.
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BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. tipificação 
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Acesso em: 24 de novembro de 2014.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: história da violência nas prisões. 
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Federal do Paraná, Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes, Curitiba. 2011
BRASIL. Decreto nº 17.943-a de 12 de outubro de 1927 – Código de Menores. 
Consolida as leis de Assistência e Proteção a menores.
Filme: O contador de histórias, Brasil (2009). Direção: Luiz Villaça. Roteiro: 
Mauricio Arruda, José Roberto Torero, Mariana Veríssimo, Luiz Villaça. 
Fotografia: Lauro Escorel. Elenco principal: Maria de Medeiros, Marco 
Ribeiro, Paulo Henrique Mendes.
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA 73
CIRCUITO DE
ORIENTADOR SOCIAL
VOLUNTáRIO E 
EDUCADOR DE
REFERêNCIA
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA74
MEDIDA SOCIOEDUCATIVA 
EM MEIO ABERTO:
UM CONVITE A SER 
EXECUTADO POR MUITOS
Amilton Alexandre da Silva
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA 75
“Há um tempo em que é preciso
abandonar as roupas usadas
que já tem a forma do nosso corpo
e esquecer os nossos caminhos
que nos levam sempre aos mesmos lugares.
É o tempo da travessia
e, se não ousarmos fazê-la
teremos ficado, para sempre,
à margem de nós mesmos”.
Fernando Teixeira de Andrade
 Este texto introduz algumas reflexões acerca da prática no 
Serviço de Proteção Social a Adolescentes em Cumprimento de Medida 
Socioeducativa de Liberdade Assistida e de Prestação de Serviços 
à Comunidade no Município de Belo Horizonte, principalmente no 
que tange à participação da sociedade civil como corresponsável na 
intervenção socioeducativa. 
 No modelo do Município, a metodologia se utiliza de duas 
estratégias de participação da comunidade que incide diretamente 
sobre a qualidade de trabalho realizado com os adolescentes que 
cumprem essas medidas socioeducativas citadas: a presença do 
Educador de Referência no acompanhamento no posto de atividade 
da medida socioeducativa de prestação de serviços à comunidade 
e o acompanhamento do Orientador Social Voluntário na medida 
socioeducativa de liberdade assistida.
 Sem detalhar muito no Estatuto da Criança e do Adolescente, 
a medida socioeducativa de prestação de serviços à comunidade 
requer um acompanhamento ao jovem que cometeu o ato infracional 
e necessita de uma instituição para desenvolver a atividade, como 
forma de responsabilizar-se pelo ato infracional cometido. Esse 
acompanhamento, diferentemente daquele realizado pelo técnico 
da área social, é o de ser suporte no desenvolver da rotina de 
cumprimento da atividade. 
 Para tal, esse agente se torna também um “educador”, o 
qual denominamos Educador de Referência, que lidará diretamente 
com adolescente e as questões que ele apresenta no dia a dia da 
atividade. Sobre essa função, o texto seguinte da autora Rosimeire 
Diniz “A importância do educador de referência no cumprimento da 
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA76
medida socioeducativa de Prestação de Serviço à Comunidade – PSC” 
traz importantes reflexões, inclusive com localização da medida no 
Estatuto.
 Na medida socioeducativa de liberdade assistida, além 
do acompanhamento do técnico, o Serviço de Proteção Sociala Adolescentes em Cumprimento de Medida Socioeducativa de 
Liberdade Assistida e de Prestação de Serviços à Comunidade em Belo 
Horizonte conta também com a participação voluntária de um ator da 
sociedade nesse processo. Essa experiência é reconhecer que lidar 
com o adolescente que vive situações difíceis, como dizia Antônio 
Carlos Gomes da Costa (1999), não é um trabalho exclusivamente do 
Estado, designado para tal, mas que todos são convidados a contribuir. 
Essa prática será mais desenvolvida no texto “Orientador/a Social 
Voluntário/a: um exercício de cidadania”.
 A discussão sobre o tema termina com um relato de uma 
Educadora de Referência dizendo do que é, no cotidiano, acompanhar 
um adolescente que se apresenta para o cumprimento da medida 
socioeducativa de prestação de serviço à comunidade na instituição. 
 Toda essa produção foi proposta para debate e reflexão pela 
gestão por meio de discussões em grupo, o qual foi denominado 
Circuito de Gestão Compartilhada. Uma prática nova no Serviço, que 
acumula uma experiência de 17 anos de execução da medida de LA e 
10 na medida de PSC.
 O Circuito de Gestão Compartilhada discutiu o trabalho dos 
Orientadores Sociais Voluntários e dos Educadores de Referência, 
buscando enfatizar o papel desses atores como ponto atuante da 
sociedade nas medidas socioeducativas. 
 Muitos desafios foram visualizados durante a discussão do 
Circuito, como por exemplo, o papel do voluntariado na política 
pública, a resposta da sociedade frente a esse convite, o olhar 
estigmatizante da sociedade para com o adolescente autor de 
ato infracional, o sistema de justiça e as intervenções das próprias 
políticas públicas.
 Entretanto, a Gerência de Coordenação de Medidas 
Socioeducativas não abriu mão de discussão desse tema tão caro 
para o trabalho das duas modalidades de intervenção socioeducativa. 
Desta forma priorizou-se destacar que essa política pública está 
alinhada com o próprio Estatuto da Criança e do Adolescente que 
preconiza em seu artigo 4º que é dever da família, da comunidade 
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA 77
e da sociedade geral e do Poder Público assegurar, com absoluta 
prioridade, a garantia dos direitos sociais básicos.
 Se a intervenção estatal já preconiza o acesso às várias políticas 
públicas, e com a efetiva participação da família nesse processo, a 
comunidade e a sociedade em geral que irão “validar” e acompanhar 
esse momento de mudança do jovem. E é nela que o adolescente vai 
construir novas formas de relacionamento, que não a prática do ato 
infracional.
 Falar sobre medida socioeducativa requer sempre uma reflexão 
sobre a implementação do Estatuto da Criança e do Adolescente e a 
mudança de lógica na abordagem de crianças e adolescentes autores 
de atos infracionais, a partir da promulgação da lei. A lógica que 
vigorava anterior ao ECA era não como sujeito de direitos, mas como 
objetos de intervenção do Estado, classificando a infância “desvalida 
ou desviada” como situação irregular. O “menor”, nessa condição, 
caberia ao Estado acolhê-lo, ou por assim dizer, recolhê-lo e intervir 
com a perspectiva de corrigi-lo. 
 Crianças e adolescentes que cometem algum delito sempre 
existiram na sociedade. A grande questão refletida neste estudo 
refere-se à forma com que essa própria sociedade, representada 
pelo poder do Estado, lida com essa questão, de forma a auxiliar, 
com responsabilidade, aqueles que acreditamos ser o “futuro do 
amanhã”. 
 O Código de Menores – legislação que precedeu o ECA – 
entrou em declínio justamente pela insuficiência de resposta ao 
futuro das crianças e adolescentes, pelos movimentos da sociedade 
civil organizada que, no momento político favorável, lutou pela 
democratização do país, pela promulgação de uma nova Constituinte, 
e, por conseguinte, pela criação do Estatuto da Criança e do 
Adolescente.
 A partir de toda a mudança no país, muda-se também o olhar, 
sobretudo, à adolescência. Acredita-se, a partir de então, que o 
adolescente não é mais somente problema, mas solução de muitas 
distorções da sociedade. A perspectiva de se trabalhar cidadania com 
os adolescentes demonstra-se como alternativa às mazelas por anos 
desconsideradas pela sociedade.
 O adolescente passa a ser visto não mais como crianças grandes, 
e nem adultos não formados. São sujeitos que têm direitos específicos 
e que vivem um momento intenso e excepcional de mudanças. Além 
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA78
de ser uma fase de descoberta, deve-se incentivar principalmente as 
oportunidades, visto que é um momento de ir tentando as escolhas 
que são necessárias para a formação do indivíduo.
 Mesmo com toda essa inovação trazida pela concepção do 
Estatuto da Criança e do Adolescente, ele passa a ser visto de forma 
ambígua, incerta e muitas vezes associadas a interpretações negativas 
do nosso tempo. Algumas pessoas entendem a instabilidade 
emocional, a postura desafiadora, o imediatismo e as ações 
irrefletidas atitudes típicas de pessoas que estão em transgressão 
com as normas e as leis. Contudo, essas pessoas desconsideram que 
essas marcas são características da sociedade moderna, que leva 
todos, independentemente de serem adolescentes ou não, a tais 
atitudes.
 Devemos atentarmo-nos, neste momento, à necessidade 
de parâmetros de valores morais e éticos para os adolescentes. 
A existência de estruturas fortes e de figuras de identificação são 
fundamentais para a construção de valores pessoais e formação de 
caráter para as crianças e adolescentes
 Esperamos que, por meio dessas reflexões, possamos olhar para 
o Orientador Social Voluntário e para o Educador de Referência como 
colaboradores imprescindíveis do papel de agentes socioeducativos 
para os adolescentes. 
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA 79
REFERêNCIAS 
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de 1990. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br> Acesso em: 07 de 
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de Atendimento Socioeducativo (SINASE), regulamenta a execução das 
medidas socioeducativas destinadas a adolescente que pratique ato 
infracional; e altera as Leis nos 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da 
Criança e do Adolescente); 7.560, de 19 de dezembro de 1986, 7.998, de 
11 de janeiro de 1990, 5.537, de 21 de novembro de 1968, 8.315, de 23 
de dezembro de 1991, 8.706, de 14 de setembro de 1993, os Decretos-Leis 
nos 4.048, de 22 de janeiro de 1942, 8.621, de 10 de janeiro de 1946, e 
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________. Por uma Pedagogia Da esperança. Brasília. Centro Brasileiro para 
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SêDA, Edson. a criança e o Direito alterativo. Campinas: ADêS, 1995.
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA80
ORIENTADOR/A SOCIAL 
VOLUNTáRIO/A - UM 
EXERCíCIO DE CIDADANIA
Roberta Andrade e Barros
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA 81
 Em Belo Horizonte, o cumprimento da medida socioeducativa 
(MSE) de liberdade assistida (LA) é referenciado a um/a técnico/a, 
Analista de Políticas Públicas (APP), formado/a em Psicologia ou 
Serviço Social. Essa medida socioeducativa tem como principais eixos 
a responsabilização, a família, a escola e a profissionalização/trabalho 
dos/as adolescentes que cometem atos infracionais. Essas questões 
são trabalhadascom o/a adolescente no período mínimo de seis 
meses.
 Além do/a APP, um ator que pode fazer parte do processo 
de cumprimento da liberdade assistida é o/a orientador/a social 
Voluntário/a, desde que o adolescente aceite. Para ser orientador/a 
o/a cidadão/ã deve ter mais de 21 anos de idade e residir no Município 
de Belo Horizonte, não sendo exigida escolaridade nem formação 
profissional. Os interessados no trabalho voluntário procuram o 
Serviço de Medidas Socioeducativas em uma das nove Regionais1 da 
Prefeitura de Belo Horizonte sendo encaminhados para a Gerência de 
Coordenação das Medidas Socioeducativas (GECMES) onde passarão 
por um acolhimento e receberão as informações necessárias. 
 O termo orientador tem como definição “que, ou aquele que 
orienta” e orientar significa “dirigir, encaminhar, guiar” (Dicionário 
Michaelis/versão digital). O termo social remete ao pertencimento 
da sociedade e o termo voluntário refere-se ao que foi feito por 
vontade própria e sem remuneração. Assim, no contexto do Serviço 
de Medida Socioeducativa de LA, o/a orientador/a social pode ser 
compreendido como uma pessoa da sociedade que se prontifica a 
acompanhar um/a adolescente em cumprimento de medida de LA. 
Ele/a vai voluntariamente se comprometer a ser uma referência ética 
para o/a adolescente.
 Na prática, o papel do/a orientador/a social voluntário/a 
será o acompanhamento de um/a adolescente que cumpre LA por, 
aproximadamente, 3 horas semanais, em que haverá o convívio e a 
troca de experiências entre os dois. A ideia é que o/a orientador/a 
possa apresentar a cidade para o/a adolescente que, muitas vezes, 
não tem acesso a equipamentos de esporte, lazer, cultura, dentre 
outros. O/a orientador/a social voluntário/a pode levá-lo/a para 
conhecer museus, parques, praças. Há experiências de orientadores 
1 O Município de Belo Horizonte se divide em nove regiões administrativas, denominadas 
Secretaria de Administração Regional Municipal, conhecidas também como Regional: Barreiro, 
Centro-Sul, Leste, Oeste, Pampulha, Noroeste, Nordeste, Norte e Venda Nova.
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA82
que ensinaram inglês e violão. As atividades desenvolvidas variam 
de acordo com o perfil do/a adolescente e do/a Orientador/a Social 
Voluntário/a, com os conhecimentos, demandas e possibilidades de 
cada um deles.
 De acordo com zacché, dois importantes princípios do Serviço 
de Liberdade Assistida de Belo Horizonte são “a participação da 
sociedade civil e da garantia de um acompanhamento individualizado 
ao adolescente” (2012, p. 53). E esses dois pontos estão relacionados 
aos/às orientadores/as sociais, uma vez que trata-se de alguém da 
sociedade civil. Além disso, a escolha desse/a orientador/a social 
voluntário/a é baseada no perfil tanto do/a orientador/a como do/a 
adolescente.
 Pode acontecer que o primeiro contato entre orientador/a 
Social voluntário/a e adolescente ocorra motivado pela necessidade 
desse último retirar os documentos civis, como Carteira de Identidade 
e CPF. Por exemplo, o/a adolescente não sabe se locomover no centro 
da cidade e aceita ser acompanhado por um/a orientador/a. O que, 
inicialmente, poderia parecer como uma ajuda estritamente de 
deslocamento, acaba se tornando uma oportunidade de um encontro 
desses dois sujeitos.
 Em algumas ocasiões, o acompanhamento do/a orientador/a 
social voluntário/a se restringe a um único encontro, “apenas” 
para fazer os documentos civis, em outras, esse acompanhamento 
se estende durante todo o cumprimento da Medida. Mas, mesmo 
quando ocorre um único encontro, essa pode ser a possibilidade de 
transformação, tanto do/a adolescente como do/a orientador/a. 
 Para ilustrar, podemos relatar o caso de um adolescente, Vitor2, 
de 15 anos, cuja namorada, de 13 anos, estava grávida de gêmeos. 
Ele não tinha a Carteira de Identidade e necessitá-la providenciá-la 
para registrar os filhos. Depois de alguns encontros marcados com 
a orientadora e do não comparecimento do adolescente, ele se 
apresentou. 
 Nesse mesmo dia, os dois seguiram para o centro da cidade, ele 
começou a contar a sua vida, o que pretendia fazer: começar a trabalhar 
“fichado” para arcar com as despesas da criação dos filhos, os valores 
que gostaria de transmitir aos dois, os nomes que havia escolhido... 
E ela foi escutando o que Vitor tinha para dizer, conhecendo aquele 
2 Com o objetivo de resguardar a identidade do adolescente, ao longo deste texto, será usado 
nome fictício, inventado pela autora.
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA 83
sujeito que ali se apresentava, não um adolescente em conflito com 
a lei, mas um adolescente que fazia planos, que estava preocupado 
com sua nova família e que se mostrava responsável. 
 No caminho, eles enfrentaram olhares curiosos de pessoas que 
não compreendiam qual era a relação entre aqueles dois, uma jovem 
branca e um adolescente negro, com cabelos e bigode pintados de 
loiro. Ao chegarem ao órgão que emitia os documentos, a atendente 
perguntou se Vitor sabia assinar, ele respondeu que sim, mas, na 
hora da assinatura, não conseguiu escrever seu nome. O adolescente 
tentou algumas vezes, a funcionária, já sem paciência, disse que a 
próxima seria a última vez e que, se ele não conseguisse, sua carteira 
não teria a assinatura, mas apenas o seu “dedão” e que aquilo seria 
“uma vergonha para um pai de família, imagina o que seus filhos vão 
pensar quando crescerem.. que o pai não sabe escrever” (sic).
 A orientadora pediu um tempo para a atendente e foi para 
o canto com o adolescente. Em uma folha em branco, ela escreveu 
no topo “Vitor” e ele copiou embaixo, por diversas vezes, até que o 
socioeducando se sentisse confiante para assinar. Eles voltaram ao 
guichê e deram continuidade ao procedimento. Na hora da assinatura, 
os dois ficaram apreensivos, trocaram olhares. A orientador/a social 
voluntário/a se incumbiu de motivá-lo, dizendo que ele tinha a letra 
muito bonita e que os filhos ficariam orgulhosos ao verem a Carteira 
de Identidade do pai, com sua assinatura. Muito concentrado, Vitor 
conseguiu escrever seu nome. Sua carteira não teria apenas o seu 
“dedão”, mas nela constaria seu nome, escrito por ele próprio, com a 
ajuda de uma Orientadora Social Voluntária.
 Depois disso, foram agendados outros encontros, mas ele não 
compareceu, pois estava trabalhando com o tio. Para a orientadora, 
ficou a lembrança daquele adolescente que queria construir um 
novo caminho e a alegria de ter podido, de alguma maneira, ajudá-lo 
nesse processo. Para Vitor, não podemos saber das consequências 
subjetivas, mas temos a certeza de que há a materialização desse 
encontro, uma Carteira de Identidade que ele foi capaz de assinar.
 Em tempos de efervescentes discussões sobre a redução 
da maioridade penal e da crescente defesa pela internação de 
adolescentes que cometem atos infracionais, tornar-se um/a 
Orientador/a Social é uma resposta possível e diferente para pessoas 
que acreditam que existem outros caminhos. Ser OSV é ter consciência 
do seu direito e do seu dever enquanto cidadão, de participar de 
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA84
uma política voltada aos adolescentes que, por algum motivo em sua 
história de vida, se envolveram com a prática de ato infracional. É 
sair de uma posição queixosa e passiva e assumir um papel ativo, de 
esforço coletivo para mudanças sociais.
 Quando o/a socioeducando/a tem a oportunidade de ser 
acompanhado por um/a orientador/a, ele/a compreende que não 
está sozinho/a, que junto dele/a e do/a técnico/a de referência existe 
uma rede que está disposta a participar da construção de um novo 
rumo para sua vida. Sendo essa rede composta não apenas pela 
Assistência Social, pela Educação, pela Saúde, dentre outros setores, 
mas também pelo/a cidadão/ã que, sem nenhuma retribuição 
financeira, está disposto/a a acompanhá-lo/a. 
 Segundo Brandão (2010), a orientação social voluntária 
oferece:
 “A possibilidadede que o Orientador perceba o 
adolescente para além ou muito antes do ato infracional 
e, ao mesmo tempo, se perceba como cidadão que se 
importa com esse adolescente. Trata-se da possibilidade 
de se viver um exercício de cidadania” (BRANdÃO, 2010: 
p. 73). 
 Diante do exposto, podemos refletir que compete à Prefeitura 
de Belo Horizonte colocar as medidas socioeducativas como um 
dos principais temas na agenda da cidade e que cabe ao Serviço 
de Medidas Socioeducativas mostrar aos/as adolescentes quão 
positivo pode ser esse acompanhamento e convidar a sociedade 
civil a compartilhar conosco essa responsabilidade, aceitando como 
cidadãos/ãs esse desafio.
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA 85
REFERêNCIAS 
Dicionário michaelis, versão online. Verbetes “orientador” e “orientar”.
Disponível em: http://michaelis.uol.com.br/ Acesso em: 06 de novembro de 
2014.
RIBEIRO, Carla Andréa; MEZENCIO, Márcia de Sousa, MOREIRA, Mário César 
R. (ed). medidas socioeducativas em meio aberto: a experiência de Belo 
Horizonte. Belo Horizonte: Santa Clara, 2010. Vol. 1 Metodologia
zACCHÉ, Kátia Simone. Orientadores sociais Voluntários no Programa 
liberdade assistida de belo horizonte: contextualização e experiência. 
Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal de Minas 
Gerais, Faculdade de Educação, Belo Horizonte. 2012. 104 fls.
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA86
A IMPORTâNCIA DO 
EDUCADOR DE REFERêNCIA1 
NO CUMPRIMENTO DA 
MEDIDA SOCIOEDUCATIVA 
DE PRESTAçÃO DE SERVIçO À 
COMUNIDADE – PSC
Rosimeire Diniz
1 Do Conceito - Educador/ adj.s.m: e·du·ca·dor |ô| : Que ou aquele que educa. Referência| 
s. f. | s. f. pl.: re·fe·rên·ci·a (latim referentia, -ae, plural neutro de referens, -entis, particípio 
presente de refero, referre): trazer ou levar de novo, remeter, dar, responder, relatar. 1. .Ação de 
referir; 2. A coisa referida; 3. Menção, .registro; 4. Ponto de .contato ou relação que uma coisa 
tem com outra; 5. Conjunto de qualidades ou características tomadas como modelo; 6. Alusão.
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA 87
“Ninguém chega a tornar-se humano se está só: 
tornamo-nos humanos uns aos outros.”
Savater, Fernando
DA CONTEXTUALIZAçÃO
 As medidas socioeducativas surgem em consequência da 
promulgação da Constituição Federal Brasileira de 1988, quando as 
crianças e adolescentes passam a ser vistos como sujeitos de direito 
de uma “proteção integral”, o que os possibilitam ser reconhecidos 
como cidadãos em condição peculiar de desenvolvimento. Esse 
entendimento vem ser regulamentado no Estatuto da Criança e do 
Adolescente – ECA pela Lei Nº 8.069/90.
 O ECA prevê que sejam aplicadas aos adolescentes que 
cometem algum tipo de ato infracional uma medida socioeducativa, 
na perspectiva de educar e não apenas de punir.
 É necessário refletir sobre o motivo do ECA, embora ter 
superado a compreensão do “menorismo”, ainda ser interpretado 
muitas vezes equivocadamente. Por exemplo, quando é explícita a 
contradição que mostra que o mesmo adolescente que legalmente 
não é mais tratado como incapaz, ainda permanece privado da 
garantia de direito de ser ouvido sobre suas “verdades” em audiência, 
tendo, apenas, que responder por uma medida hora carregada de 
unilateralidade.
 Para que possamos pensar sobre a real efetivação desses 
direitos, é necessário esclarecer que a maioria dos adolescentes que 
chegam a receber uma medida socioeducativa são do sexo masculino 
em situação de vulnerabilidades sociais. Geralmente são adolescentes 
pobres e negros oriundos dos vários aglomerados existentes 
na cidade (não que adolescentes de outras classes sociais não 
cometam atos infracionais; na verdade, percebe-se que as condições 
socioeconômicas os colocam em situação menos vulnerável, o que 
percebemos cotidianamente) que, como todos, estão expostos às 
várias mazelas do capitalismo. 
 A grande desigualdade socioeconômica expõe e cobra dos 
adolescentes uma resposta que só pode ser apresentada com notável 
discrepância entre um adolescente de classe média e um adolescente 
que chega todos os dias para cumprir uma medida socioeducativa. 
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA88
“O chamado ao consumo busca retardar a tomada de 
consciência, mergulhando o consumidor numa atmosfera 
irreal, onde o futuro aparece como miragem.” (SANTOS, 
2007, p. 39)
 A lógica do capitalismo expõe os adolescentes à necessidade de 
se adequar ao consumismo de qualquer forma, independentemente 
da consequência. Nos atendimentos realizados aos adolescentes, é 
possível perceber que o cometimento do ato infracional é oriundo, 
na maioria das vezes, “da necessidade” de obter dinheiro. Embora 
socialmente incorreta, é o adolescente respondendo à sua maneira, 
a pressão do mundo capitalista.
 “Trabalhava no tráfico para comprar coisa para mim, 
um celular bacana da hora, suave, e ser igual aos outros, 
ser igual à galera”. 
 A fala de um adolescente em cumprimento de Medidas 
também pode ser lida como quero existir, quero ser incluído. Quando 
o adolescente responde a tal cobrança com o cometimento de um ato 
infracional, ele passa a não ser mais visto como sujeito pertencente 
ao sistema, mas como um sujeito, necessário a ser logo colocado à 
parte da lógica capitalista. O mesmo sistema que inclui exclui sem a 
possibilidade de escolha em ambas as situações. 
 Ao adolescente é atribuído a identidade de quem ameaça e traz 
insegurança à população. Os condicionantes não são mais avaliados e 
o ato infracional equivocadamente passa a ser atribuído à identidade 
do adolescente, quando deveria ser visto como uma contingência 
na sua vida, que pode e deve ser trabalhada, para que seja alterada. 
Afinal, o cometimento do ato infracional não priva o adolescente do 
direito/condição de ser alguém em processo de desenvolvimento, 
pelo contrário, faz parte deste.
DAS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS
 Embora sancionatórias, as medidas socioeducativas aplicadas 
aos adolescentes, têm o propósito de ser pedagógica e educativa, 
uma vez que a finalidade é que o adolescente consiga produzir 
uma reflexão crítica em relação ao ato infracional cometido e aos 
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA 89
condicionantes que o levaram ao cometimento deste, em que se 
priorize a orientação, reflexão e responsabilização. Neste processo é 
de extrema importância que estejam envolvidos o adolescente, sua 
família a sociedade e o Estado.
 O ECA define no seu Art. 112. que verificada a prática de ato 
infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente 
as seguintes medidas:
I – advertência;
II – obrigação de reparar o dano;
III – prestação de serviços à comunidade;
IV – liberdade assistida;
V – inserção em regime de semiliberdade;
VI – internação em estabelecimento educacional;
VII – qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI.
§ 1º A medida aplicada ao adolescente levará em conta a sua 
capacidade de cumpri-la, as circunstâncias e a gravidade da 
infração.
§ 2º Em hipótese alguma e sob pretexto algum, será admitida 
a prestação de trabalho forçado.
§ 3º Os adolescentes portadores de doença ou deficiência 
mental receberão tratamento individual e especializado, em 
local adequado às suas condições.
 As medidas socioeducativas são aplicadas levando-se em 
consideração:
> a gravidade da situação;
> o grau de participação e a circunstância em que ocorreu o ato 
infracional;
> sua personalidade, a capacidade física e psicológica para 
cumprir a medida socioeducativa;
> as oportunidades de reflexão sobre seu comportamento 
visando à mudança de atitude.
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA90
DA MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE PRESTAçÃO DE 
SERVIçO À COMUNIDADE – PSC
Conforme dispõe o ECA, Art. 117:
A prestação de serviços comunitários consiste na 
realização de tarefas gratuitas de interesse geral, por 
período não excedente há seis meses, junto a entidades 
assistenciais, hospitais, escolase outros estabelecimentos 
congêneres, bem como em programas comunitários ou 
governamentais.
Parágrafo único. As tarefas serão atribuídas conforme as 
aptidões do adolescente, devendo ser cumpridas durante 
jornada máxima de oito horas semanais, aos sábados, 
domingos e feriados ou em dias úteis, de modo a não 
prejudicar a frequência à escola ou à jornada normal de 
trabalho (BRASIL, 1990).
 Mesmo já normatizada/regulamentada, a vivência diária com 
os adolescentes que recebem uma medida socioeducativa, no caso 
da medida de prestação de serviço à comunidade –PSC, deixa claro a 
discrepância entre o normatizado e o real vivido por eles na Medida 
Socioeducativa. 
 A prioridade absoluta, que lhe é garantida devido a sua fase 
peculiar de desenvolvimento, é burlada o tempo todo e vários de 
seus direitos são violados. Muitos são privados de uma condição 
de saúde adequada, estão fora da escola, expostos cotidianamente 
às influências do tráfico de drogas, além de viver em situação de 
vulnerabilidade social. 
 Diante desta violação dos direitos constitucionais desses 
adolescentes, percebemos que a fragilidade por parte dos órgãos 
fiscalizadores e da própria sociedade em geral, demonstra a ausência 
de preocupação que se deveriam ter com as possíveis consequências 
e repercussões dessas violações nas relações sociais. 
 Quando da aplicação da medida socioeducativa de PSC 
por parte do poder judiciário, vários condicionantes devem ser 
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA 91
observados como: a condição socioeconômica, a falta de estrutura 
familiar e falta de oportunidades.
 A medida socioeducativa de PSC exige do adolescente que o 
cumprimento obrigatório gratuito de uma atividade na comunidade, 
preferencialmente onde está inserido. 
 No entanto, para que esta possibilite a efetivação de um 
processo de reflexão, é necessária a participação da família, da 
comunidade e do poder público. Somente assim será possível garantir 
a promoção desse adolescente de forma não punitiva, mas formativa 
e pedagógica, por meio de orientação, manutenção dos vínculos 
familiares e comunitários, escolarização, qualificação e inserção no 
mercado. 
“A escolha da atividade e do lugar para o cumprimento 
da medida não são alheios a historia do adolescente, pois 
ambos têm um significado singular que se apura durante 
o acompanhamento de cada adolescente” (RIBEIRO & 
MEZÊNCIO & MOREIRA, 2010, p.37).
 
“O adolescente é chamado a pensar em locais para 
cumprimento da medida. Tais escolhas não deixam 
de ser marcadas por um acento subjetivo, o que abre 
a perspectiva para que ele se sirva da medida para se 
reinventar e se apresentar de outra forma para sua 
própria comunidade.” (RIBEIRO & MEZÊNCIO & MOREIRA, 
2010, p.38).
 Para que a medida socioeducativa de PSC realmente tenha 
o alcance esperado, é de extrema importância que o local onde o 
adolescente se apresente para cumpri-la tenha uma pessoa que se 
disponha a exercer a função de “educador de referência”. 
DO EDUCADOR DE REFERêNCIA
 Quando o adolescente se apresenta à instituição escolhida, 
para cumprir a medida socioeducativa, é de extrema importância, 
para o processo de responsabilização, que este encontre um espaço 
acolhedor e respeitoso, onde não repitam o movimento tão comum 
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA92
de vincular sua identidade ao ato infracional, mas sim, às suas 
características, qualidades e competências pessoais.
 Por essa razão, há uma suntuosidade do papel do educador de 
referência nesse processo. Papel que ultrapassa a intensão de querer 
mudar o adolescente a todo custo, desconsiderando sua essência, 
até mesmo porque o cometimento de ato infracional na adolescência 
não é definitivo para a vida deste. A adolescência é um tempo de 
experimentação. É nesse momento de escolha, em que o adolescente 
requer uma orientação, que o educador de referência torna-se peça 
primordial no processo de responsabilização e reflexão sobre o ato 
infracional cometido.
 O adolescente não deve ocupar o papel de um agente passivo, 
mas, sim, de quem interage e coparticipa do próprio processo de 
desenvolvimento. Sentir-se acolhido e reconhecido é o primeiro 
passo para que se reflita sobre a necessidade de mudar e progredir. 
Os adolescentes não se vinculam às instituições, mas às pessoas que 
dela fazem parte. Segundo um adolescente em cumprimento de 
medida socioeducativa: 
“Aqui me senti aceito, não fui discriminado como em 
outros lugares.” 
 Por estarem vivendo uma fase de desenvolvimento e de 
construção, os adolescentes entendem e absorvem grande parte do 
que lhe é apresentado, o que justifica muitas vezes a entrada na “vida 
infracional”. 
 Diante desse contexto, é claro que não existe uma relação 
de ações prontas e acabadas para que o educador possa cumprir, 
não existe uma receita. É uma construção individual com cada 
adolescente, que responde também, diferentemente, um do outro à 
interferência do educador no processo de responsabilização pelo ato 
infracional cometido. É um ensaio de erros e acertos, mas que devem 
ser desempenhados por pessoas que realmente acreditam no que 
fazem.
 Os adolescentes autores de atos infracionais não nascem 
infratores. Na maioria das vezes, o cometimento do ato infrancional é 
oriundo das sequelas da vida cotidiana, são reflexos das possibilidades 
que lhe são apresentadas. É necessário que a pessoa que se disponha 
a ser um educador de referência, num processo de cumprimento 
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA 93
de uma medida socioeducativa de PSC, tente se despir de todo 
e qualquer tipo de preconceito para que consiga absorver o que 
realmente é apresentado por cada adolescente, que esteja disposto 
a receber/acompanhar.
 O papel de um educador de referência não deve se restringir a 
procedimentos formais e/ou burocráticos, caso contrário, sua ação irá 
retroagir e centrar equivocadamente apenas no ato infracional em si.
“A adolescência é o tempo propício para testar 
a consistência das referências e se aventurar na 
experimentação de outros mundos, oportunizada pela 
circulação social em busca de um reconhecimento 
diferente do recebido na infância, distante do infantil. Esse 
reconhecimento, via de regra, é buscado e encontrado no 
grupo de iguais”. (CEdEdICAS/ RS, p. 14).
 Ao educador de referência cabe “fazer-se referência”, tornar-
se parte de um processo de reconhecimento e apropriamento de 
uma “Lei Simbólica”1 através da construção de laços para além da 
determinação judicial. Já que, embora ciente de uma “Lei Jurídica”, o 
adolescente, ainda assim, pode cometer um ato infracional. 
 É neste papel de referência que o Educador tem a possibilidade 
de trabalhar junto com o adolescente as construções apresentadas 
por ele no processo de reflexão sobre o ato infracional cometido, 
ainda que estas não sejam as esperadas, afinal a resistência faz parte 
deste processo. O Educador de Referência no campo socioeducativo é 
mais um recurso para que o adolescente no seu processo de reflexão 
aproprie da Lei Simbólica.
 Vale ressaltar que nesse processo não se pode excluir a 
necessidade da apropriação de Lei Jurídica, uma vez que a Lei 
Simbólica possibilita a apropriação da Lei Jurídica, à qual o adolescente 
legalmente responde. Para que o adolescente responda a Lei Jurídica, 
ele precisa construí-la no simbólico, ela precisa ter sentido para ele, 
caso contrário, o provável será que, mesmo se distanciando da vida 
infracional por certo tempo ele não conseguirá realizar movimentos 
capazes de sustentá-la podendo voltar a infracionar outras vezes.Esse 
1 Estes termos Lei Simbólica e Lei Jurídia foram apresentados pelo Manual de Orientações 
para Implementação das Medidas Socioeducativas em Meio Aberto de Liberdade Assistida 
e Prestação de Serviço a Comunidade – Centros de Defesas da Criança e do adolescente 
(CEDEDICAS/RS, Santo Angelo e Santa Maria).
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA94sentido para a Lei Jurídica, muitas vezes é construído no espaço de 
cumprimento da medida socioeducativa junto com o educador de 
referência, por isso sua importância neste processo. 
 Percebe-se que passar pelo processo socioeducativo sem se 
apropriar dos objetivos das medidas não é o suficiente para que o 
adolescente rompa a trajetória infracional. As sequelas das mazelas 
que o colocaram neste lugar os impossibilitam muita vezes de se 
movimentarem para superar o lugar ocupado. Portanto, este espaço 
da medida socioeducativa, onde o educador de referência tem um 
papel muito importante, deverá possibilitar ao adolescente tornar-se 
um sujeito reflexivo para que este consiga questionar o motivo que 
o levou a ocupar tal lugar, e assim conseguir romper com a trajetória 
infracional.
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA 95
REFERêNCIAS
BRASIL. lei nº 12.594 de 18 de janeiro de 2012. Institui o Sistema Nacional 
de Atendimento Socioeducativo (SINASE), regulamenta a execução das 
medidas socioeducativas destinadas a adolescente que pratique ato 
infracional; e altera as Leis nos 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da 
Criança e do Adolescente); 7.560, de 19 de dezembro de 1986, 7.998, de 
11 de janeiro de 1990, 5.537, de 21 de novembro de 1968, 8.315, de 23 
de dezembro de 1991, 8.706, de 14 de setembro de 1993, os Decretos-Leis 
nos 4.048, de 22 de janeiro de 1942, 8.621, de 10 de janeiro de 1946, e 
a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei no 
5.452, de 1o de maio de 1943.
BRASIL. estatuto da criança e do adolescente: Lei n. 8.069, de 13 de julho 
de 1990.
CEDEDICA - Manual de Orientações para Implementação das Medidas 
Socioeducativas em Meio Aberto de Liberdade Assistida e Prestação de 
Serviço à Comunidade – Cededica RS/ Santa Maria). Disponível em: http://
www.cededica.org.br. Acesso em 04 de novembro 2014
CRAIDY, Carmem Maria. Medidas Socioeducativas – PSC Faculdade de 
Educação/ UFRGS. Disponível em http://www.mprs.mp.br/areas/infancia/
arquivos/revista_digital/numero_03/revista_digital_ed_03_1.pdf Acesso 
em 26 de março 2015.
Dicionário eletrônico da língua Portuguesa Priberam – disponível em 
http://www.priberam.pt/dlpo/chave Acesso em 04 de novembro 2014.
IAMAMOTO, Marilda Villela. O serviço social na Contemporaneidade: 
trabalho e formação profissional. São Paulo: Cortez, 2000.
PEREIRA, Maria Nazaré. (Org). Coletânea de termos técnicos utilizados 
no suas/bh. Prefeitura Municipal de Belo Horizonte, Secretaria Municipal 
Adjunta de Assistência Social. Belo Horizonte: ASCOM, 2012.
RIBEIRO, Carla Andréa; MEZENCIO, Márcia de Sousa, MOREIRA, Mário César 
R. (ed). medidas socioeducativas em meio aberto: a experiência de Belo 
Horizonte. Belo Horizonte: Santa Clara, 2010. Vol. 1 Metodologia
SANTOS, Milton. espaço do Cidadão. 7.ed. São Paulo: Editora da Universidade 
de São Paulo, 2007.
SAVATER, Fernando. as perguntas da vida. Tradução de Mônica Stahel. São 
Paulo: Martins Fontes, 2001.
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA96
ACREDITO NO SER HUMANO
 Acredito no ser humano, acredito que todos têm que ter uma 
oportunidade de mudança. Infelizmente vivemos em uma sociedade 
totalmente consumista e que fez da tecnologia a sua muleta de 
vida. Nossos jovens estão perdidos diante de tantas informações e 
tantas cobranças ao mesmo tempo. A necessidade de as mulheres 
hoje ajudarem no orçamento familiar ou até mesmo de serem 
a mantenedora faz com que seus filhos se sintam sozinhos ou 
abandonados. Mas ou se come ou morre de fome. A facilidade em 
que o mundo das drogas oferece hoje para os nossos jovens é muito 
maior do que as oportunidades de emprego e estudo. 
 Ao acompanhar esses jovens, tenho acompanhado também o 
sofrimento da família e a discriminação da sociedade diante desse 
grande problema que é de todos!
 Quando um jovem comete qualquer delito, a sua família 
fica fadada pela sociedade como se todos fossem criminosos, o 
preconceito é muito real e mais triste do que possamos imaginar.
 A nossa cultura egoísta faz com que todos pensem que não 
temos nada a ver com os crimes e delitos, acorridos pela nossa 
juventude. Ao contrário do que se pensa, somos sim responsáveis 
pela construção da dignidade humana e de um país melhor. 
 Receber um jovem assistido é muito mais do que acompanha-
lo para cumprir a pena determinada pela justiça; é uma oportunidade 
de sermos melhores do que somos, ensinarmos e recebermos 
ensinamentos deles. Esses jovens estão gritando por socorro, por 
compreensão, oportunidade e pelo amor. E suas famílias estão 
gritando pela recuperação de seus filhos.
 Quando recebemos os jovens, recebemos também suas 
famílias. A diferença está na forma que iremos recebê-los. 
 Não há recuperação na humilhação e discriminação. 
 Não há recuperação no julgamento e no medo.
ANEXO
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA 97
 Não há recuperação na indiferença e na falta de amor.
 A recuperação se dá quando mostramos a esses jovens que 
eles são amados, quando acreditamos neles e lhes mostramos a 
importância que eles têm na sociedade. Esses jovens precisam se 
sentir úteis e confiantes. Colocar um jovem infrator para fazer aquilo 
que ninguém quer fazer não adianta, escondê-los em repartições ou 
setores em que não terão contatos com outros só o fazem se sentir 
inúteis e diferentes.
 Para todo o ser humano, a base de qualquer mudança tem que 
estar pautada e edificada no amor, paciência e compreensão. 
Marta Amélia Moreira Santos Lima
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA98
CIRCUITO DE
SEGURANçA
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA 99
ENTRE A SOCIOEDUCAçÃO 
E O ESTADO PENAL: UMA 
CONTRIBUIçÃO TEÓRICA A 
PARTIR DO TRABALHO NAS 
MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS
Ana Cláudia Rosa Pimenta de Mattos
Aiezha Flávia Pinto Martins Guabiraba
Carolina Silveira Flecha
Jair da Costa Júnior
Marcelle Cardoso Zibral Santos
Pâmela Mara Benevides Felício
Valéria Andrade Martins
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA100
INTRODUçÃO
 Falar do início do trabalho realizado pelo Circuito de Proteção e 
Segurança ao Adolescente Ameaçado de Morte é remeter ao sentimento 
de indignação, angústia e impotência frente a um fenômeno tão 
avassalador para o adolescente, sua família e trabalhadores envolvidos 
no acompanhamento da medida socioeducativa.
 A ameaça à vida, a um direito primordial a todo ser humano, 
traz interrogações em relação aos limites do trabalho realizado junto 
ao adolescente e sua família. O caráter socioeducativo perpassa a 
concepção da responsabilização e também da proteção. Mediante uma 
situação de ameaça ou de extrema violência, qual intervenção deve ser 
feita? Como dialogar com este adolescente sobre sua responsabilização, 
se seu direito fundamental está em risco? A quem cabe garantir a 
proteção desse adolescente de forma a preservar a sua vida?
 Essas inquietações, questionamentos, frustrações frente aos 
dados, que a cada ano mostram o número elevado de adolescentes 
em situação de ameaça à suas vidas, bem como os casos de óbito por 
assassinato, mobilizaram alguns técnicos, representando também 
a angústia da equipe das medidas socioeducativas, a discutir e 
iniciar uma escrita sobre o tema. Vale ressaltar que todo o trabalho 
é fruto de debates, contribuições teóricas e avaliações realizadas 
pelos membros do circuito a partir, principalmente, de seu trabalho 
junto aos adolescentes e familiares que vivenciam, ou vivenciaram, 
situações de violência e ameaça à vida. 
 Este estudo visa contribuir com a compreensão desses 
fenômenos, tensionando o diálogo junto a Rede de Proteção1 ao 
Adolescente, bem como com a sociedade em geral, para que se 
busque novas intervenções e práticas que garantam a segurança e 
sobrevivência dos adolescentes. 
 O debate não é novo no serviço de medida socioeducativa de 
BH e, certamente, não se encerra com este trabalho. Este material 
objetiva compor o que já foi debatidoe escrito até então e manter 
o caminho e o diálogo, tão necessário e urgente, aberto para futuras 
contribuições.
1 A Rede de Atendimento Socioeducativo é o conjunto de ações articuladas entre as diversas 
políticas públicas, instituições privadas e outras instituições (Saúde, Educação, Assistência 
Social, Poder Judiciário, Conselho Tutelar, Ministério Público, Defensoria Pública, ONG´s, 
Cultura, Esporte, dentre outros) de maneira a atender não só as necessidades básicas do 
adolescente como também promover integralmente seu desenvolvimento considerando todas 
as especificidades e singularidades. 
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA 101
 O Circuito se encontrou quinzenalmente, desde março de 
2014. As discussões realizadas foram registradas e compõem o 
trabalho que será apresentado a seguir. Os participantes do circuito, 
Analistas de Políticas Públicas (Psicólogos e Assistentes Sociais) tanto 
da Medida Socioeducativa de Liberdade Assistida – LA quanto da 
Prestação de Serviços à Comunidade – PSC podem e devem se definir 
como militantes na defesa pela vida, pelo acesso aos direitos, pela 
construção de uma sociedade mais inclusiva e, consequentemente, 
menos violenta. 
 No decorrer da discussão, muitas questões foram trazidas, 
debatidas e expostas. Assim, foi necessário traçar uma prévia do 
caminho que se buscaria seguir na construção deste trabalho. O 
fenômeno é complexo e, neste momento, a escrita não conseguiria 
abarcar todas as possibilidades de discussão.
 Nos encontros, os participantes trouxeram como ponto de 
maior incômodo as situações de violência policial e o lugar do 
Estado neste contexto. A partir daí, foi avaliado pelo grupo que 
este seria o foco da discussão, porém pensando qual seria a melhor 
estratégia a ser adotada, tendo em vista a delicadeza da questão. É 
importante ressaltar que essa discussão continuará, tendo em vista 
que as situações de ameaças de morte e violência sofridas pelos 
adolescentes não se restringem à ação policial, mas tem múltiplas 
facetas que devem ainda ser tratadas em outros momentos e espaços 
a serem construídos e fortalecidos.
 Foram então realizadas leituras de textos que trataram sobre a 
questão da violência sofrida pela população brasileira, principalmente 
a jovem, negra e pobre, sobre o papel do Estado na garantia da 
segurança e defesa social, além de relatos de situações vivenciadas 
pelos participantes do circuito, bem como por seus colegas do Serviço 
de Medidas de LA e PSC na Regional. O grupo também avaliou que 
para contribuir com a construção do texto, que podemos considerar 
como um manifesto, como para fomentar e fortalecer a Rede que 
também lida com essa situação de violência, era necessário agregar 
outros parceiros. Essa ação também será apresentada neste trabalho. 
 É importante esclarecer que a apresentação do trabalho 
realizado pelo circuito se divide em duas partes, condizentes com 
as duas frentes de ações assumidas pelo grupo. A primeira parte, 
de caráter mais téorico, objetiva contribuir com a discussão sobre 
a construção das MSE’s na perspectiva do reconhecimento da 
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA102
garantia de direitos, porém em um campo que, muitas vezes, se 
constitui por um Estado historicamente penal. A segunda parte, a 
qual denominamos “Circulando”, traz um breve relato de duas ações 
construídas e vivenciadas pelo Circuito. O objetivo deste relato é 
compartilhar a proposta desse grupo de se fazer “circular”, junto à 
Rede que também acolhe os adolescentes que vivenciam este tipo 
de violência, os incômodos, as angústias, dúvidas e anseios gerados 
pelas situações relatadas no serviço de medidas socioeducativas. 
PRIMEIRA PARTE
PeRCuRsO históRiCO: a instauRaçãO De um PROCessO 
PiOneirO
 Em Belo Horizonte, no ano de 1998, depois de uma série de 
convenções internacionais que rezam sobre os direitos dos povos e 
oito anos após a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente 
– ECA, é implementado na cidade o Programa Liberdade Assistida – 
LA. Vale ressaltar que o município, nesse momento, desponta como 
precursor na implantação de uma nova política de atendimento 
ao adolescente autor de ato tipificado como infracional2. O foco é 
o atendimento socioeducativo, conforme preconiza a legislação 
citada acima, em campo de atuação que visava à construção da 
responsabilização junto ao adolescente, porém sem desconsiderar 
os aspectos de proteção necessários para que essa travessia fosse 
possível. Entretanto, como iremos observar ao longo da descrição 
deste trabalho, essa concepção não foi assimilada por todos os 
envolvidos na Rede de Atendimento aos adolescentes.
 Antes de tratar das especificidades da cidade de Belo Horizonte, 
faremos uma breve contextualização da discussão que culminou 
na elaboração de instrumentos normativos para dar tratamento 
2 Consideramos esse termo mais coerente com a base teórica adotada por nosso grupo, uma 
perspectiva crítica, de que os atos são considerados infracionais ou tipificados como infracionais 
no atual momento histórico e social, e principalmente que os atos são considerados infracionais 
de acordo com a classe social a que se pertence. No caso dos adolescentes em cumprimento de 
medida socioeducativa, a classe subalternizada, como descrevemos em nosso texto, uma vez 
que aqueles adolescentes de classes dominantes, embora cometam atos considerados ilegais, 
não chegam, de modo geral, às medidas socioeducativas. Ademais, optar por tais termos 
significa mostrar que não concordamos com as diversas denominações comuns que definem 
os adolescentes pelo ato cometido, como adolescentes em conflito com a lei, autores de ato 
infracional, excluídos, menores, bandidos, infratores, delinquentes, jovens em situação de risco, 
pivetes, trombadinhas, traficantes, ladrões, adolescentes perigosos, marginais, nomeações as 
quais presentificam e ratificam esse ato como se imutável fossem aqueles que os cometeram.
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA 103
à questão que envolve crianças e adolescentes a quem se atribui a 
autoria de atos infracionais. 
 O processo de elaboração dos instrumentos normativos, 
a exemplo do ECA e SINASE3, fora pensado como forma de buscar 
contemplar uma questão social complexa, de adolescentes envolvidos 
em atos nomeados como violentos e criminosos. Segundo Castel, a 
“questão social pode ser caracterizada por uma inquietação quanto 
à capacidade de manter a coesão de uma sociedade. A ameaça de 
ruptura é apresentada por grupos cuja existência abala a coesão do 
conjunto” (CASTEL, 2005). 
 Toda discussão, em torno da construção e implementação 
de um estatuto e normativas específicas para dar tratamento a 
essa questão, emerge da necessidade de pensar Políticas Públicas 
capazes de lidar com as situações que envolvem adolescentes no 
cometimento de atos considerados infracionais. Essas Políticas 
Públicas, mediadas por essas legislações, devem compreender que 
a pessoa a quem se atribui a autoria do ato infracional é um sujeito 
em desenvolvimento. Dessa forma, está em um processo de travessia 
para a vida adulta, o qual deve ser balizado por referências que o 
auxiliem nessa construção, garantindo a proteção e ao mesmo tempo 
mediando a definição de acordos, regras e normas. 
 O processo, portanto, deve ser conduzido tendo como foco 
central a humanização do sistema e rede de atendimento aos 
adolescentes que se envolveram em atos tipificados como violentos 
e criminosos. Ademais, o horizonte almejado considera o valor 
intrínseco de crianças e adolescentes como sujeitos de direitos e 
pessoas em situação peculiar de desenvolvimento, instituído pela 
doutrina da proteção integral, conceito basilar do ECA. Significa, 
assim, uma ruptura radical com a velha doutrina da situação irregular 
do código de menores. 
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado 
assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, 
com absoluta prioridade, o direito à vida,à saúde, à 
alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, 
3 O SINASE prevê compromissos da União, dos estados/Distrito Federal e dos municípios para 
o atendimento do adolescente em cumprimento de medidas socioeducativas. Conta com a 
participação das políticas setoriais básicas, tais como educação, saúde, formação profissional, 
cultura, esporte, lazer, visando ao atendimento dos adolescentes e acompanhamento de suas 
famílias. (Lei 12594/2012-BRASIL, 2013).
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA104
à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à 
convivência familiar e comunitária, além de colocá-los 
a salvo de toda forma de negligência, discriminação, 
exploração, violência, crueldade e opressão. (Redação 
dada Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010).
 Esse novo ordenamento no tratamento de tais questões, 
não somente relacionadas à garantia de direitos das crianças e dos 
adolescentes, como também, de outras classes e minorias, faz parte 
de uma série de convenções das quais o Brasil passa a ser signatário. É 
importante salientar que o que nomeamos como novo ordenamento 
está inserido no fundamento de uma noção de dignidade da pessoa 
humana que emerge politicamente ao final da Segunda Guerra 
Mundial. Diante das atrocidades cometidas durante a Segunda 
Guerra, é criada a Organização das Nações Unidas – ONU, em 1945 
e, na sequência, em 1948 é promulgada a Declaração dos Direitos 
Humanos. 
 A partir desse marco, teremos a criação de importantes 
documentos normativos internacionais e nacionais, que visam 
preparar o terreno para uma postura renovada dos governos diante 
de questões específicas. 
 Retomando o diálogo sobre o processo de implantação do 
Serviço de Medidas Socioeducativas – MSE’s em Belo Horizonte, 
é importante dizer que em 1998 o serviço ainda respondia sob a 
denominação de Programa, e apenas na modalidade de Liberdade 
Assistida – LA. Somente em 2004 é assumida pela PBH a execução 
da medida de Prestação de Serviços à Comunidade – PSC. Com 
a instauração do Sistema Único de Assistência Social – SUAS esses 
programas passam a compor o Centro de Referência Especializado de 
Assistência Social – CREAS, com a denominação de Serviço de Proteção 
Social a Adolescentes em Cumprimento de Medida Socioeducativa de 
Liberdade Assistida (LA) e de Prestação de Serviços à Comunidade 
(PSC). O serviço de acompanhamento de medidas socioeducativas 
segue a mesma lógica de atendimento pelo georreferenciamento, 
sendo executado nas nove regionais administrativas da cidade. 
 Assim, pode-se dizer que o atendimento ao adolescente autor 
de atos considerados infracionais, no município de Belo Horizonte, 
tem um novo princípio que norteará a sua execução. Passa-se 
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA 105
para a lógica de serviço, compondo uma Rede de políticas públicas 
intersetoriais que devem promover ações socioeducativas e traz, 
já em sua denominação, a referência ao princípio da proteção, que 
deverá mediar a condução de todo o processo junto ao adolescente e 
sua família. 
 Em 2008, de forma pioneira e inédita no Brasil, é inaugurado em 
Belo Horizonte o Centro Integrado de Atendimento ao Adolescente 
Autor de Ato Infracional – CIA, uma iniciativa do sistema de justiça em 
parceria com o Município e o Estado. O centro representava naquele 
momento um avanço histórico e acenava para uma perspectiva de 
garantia de direitos e busca da efetivação dos preceitos do ECA e da 
Constituição Federal. 
 O CIA conta com uma estrutura a qual estão integrados os 
serviços que fazem o atendimento socioeducativo, são eles: a Vara 
Infracional da Infância e Juventude, o Ministério Público (MP), 
a Defensoria Pública, a Polícia Militar (PMMG), a Polícia Civil, a 
Secretaria de Estado de Defesa Social e a Prefeitura Municipal de Belo 
Horizonte. 
 Esse espaço foi criado para dar maior agilidade aos 
procedimentos inerentes à apuração do ato infracional, bem como 
suas consequências, sendo assim, cada um desses atores deve 
desenvolver seu papel, de modo a trabalhar interinstitucionalmente.
É fundamental, ao falar do CIA, destacar a criação do Núcleo de 
Atendimento às Medidas Socioeducativas e Protetivas – NAMSEP – 
em novembro de 2011, iniciando o funcionamento em janeiro de 
2012. Sua função é atender às diretrizes do Sistema Socioeducativo 
tratadas pelo SINASE no que se refere ao atendimento integral e 
ágil para apuração do ato infracional e a execução das medidas 
socioeducativas e protetivas. O NAMSEP tem por objetivo agilizar 
o processo de execução das medidas quando trata das que são 
de responsabilidade da PBH. O núcleo é formado por técnicos 
da Secretaria Municipal Adjunta de Assistência Social, Secretaria 
Municipal de Educação e Secretaria Municipal de Saúde.
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA106
SOCIOEDUCAçÃO, SISTEMA DE 
PROTEçÃO E POLíCIA
 O acompanhamento ao adolescente em cumprimento de MSE, 
em meio aberto, traz a perspectiva de um trabalho que se desenha 
na construção de novas possibilidades, de novos laços, com apoio 
da família e da Rede. Essas referências devem estar disponíveis 
para serem acessadas, contribuindo para novos experimentos, 
trazendo novos significados auxiliando no reposicionamento diante 
a prática tida como infracional. A liberdade é o “lugar” possível onde 
essas construções devem se dar. Essa é uma das dimensões mais 
interessantes do trabalho, que foca a perspectiva restaurativa em 
contraposição ao viés da punição.
 Porém, é importante pensar e problematizar sobre que campo 
de trabalho se estar falando. Ao mesmo tempo que se desenha uma 
nova perspectiva, visando à responsabilização desse adolescente 
frente a um ato considerado infracional cometido, nos deparamos 
com muitos adolescentes, sujeitos de ação, que respondem de forma 
violenta a uma sociedade que insiste em não se reposicionar frente a 
questões históricas de desigualdade, preconceito e inclusão perversa.
 Considera-se importante fazer uma reflexão sobre a concepção 
do termo inclusão perversa. A autora Sawaia (2006) concebe a 
ideia de inclusão social como um processo de disciplinarização dos 
excluídos, portanto um processo de controle social e manutenção da 
ordem na desigualdade social. 
 Para ela, o conceito de exclusão social não pode ser reduzido 
à dimensão econômica, colocada tão somente como sinônimo 
de pobreza material, ou à dimensão social, em que o conceito de 
discriminação é eleito como aquele que irá dar conta de tal definição. 
De tal modo, essas análises acabam por enfocar apenas uma das 
características do processo, relegando, então, talvez a noção central 
do conceito, que seria o de injustiça social, que se define pelo viés 
da discriminação social e do sofrimento ético-político vivido pelos 
sujeitos excluídos.
 É preciso tomar essa análise sob perspectiva ético-
psicossociológica, em que uma visão sócio histórica possa contribuir 
em se pensar a exclusão como uma dialética inclusão/exclusão. 
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA 107
 Sob esse olhar, exclusão social e inclusão social perversa 
parecem ser gradações – tonalidades diferenciadas – da mesma 
coloração: a desigualdade social. Existe, portanto, uma contradição: 
a sociedade inclui para excluir e essa transmutação é, segundo 
Sawaia(2006), condição da ordem social desigual, o que implica 
o caráter ilusório da inclusão. Isso permite dizer que todos estão 
incluídos de algum modo, nem sempre decente ou digno, mas por 
meio de uma inserção marcada por insuficiências e privações.
 Utilizando-se desse conceito, pode-se pensar como as relações 
sociais se estabelecem e como as ofertas das políticas públicas serão 
dimensionadas. Tendo como foco o sistema de segurança pública, 
percebe-se que ele abarca toda a sociedade, porém as intervenções 
são direcionadas de maneiras distintas para os diferentes grupos 
sociais. 
 Em Minas Gerais, por exemplo, a Secretaria de Estado deDefesa Social, em seu site, afirma como “missão” pública “promover 
a segurança da população, desenvolvendo ações de integração 
operacional dos órgãos de Defesa Social, custódia e reinserção social 
dos indivíduos privados de liberdade, proporcionando a melhoria da 
qualidade de vida das pessoas” (SEDS, 2013). Em outras palavras, 
a ideologia da defesa social visa excluir do convívio comunitário as 
pessoas condenáveis, elegendo seus inimigos internos, esses sim 
não terão qualquer “melhoria na qualidade de vida”. E, ao invés 
de fortalecer a proteção social, a Defesa Social fortalece o aparato 
policial, prisional, punitivo (OLIVEIRA, 2010).
 O Estado pensa em dispositivos disciplinares de contenção 
da violência e da criminalidade pela via da repressão cada vez mais 
violenta, do isolamento e da vigilância ostensiva como no caso dos 
modelos de penitenciária e centros socioeducativos.
 Como descrito, a resposta do Estado para as questões da 
criminalidade têm sido a ampliação do aparato policial. A polícia, 
portanto, é apontada como produtora e promotora de segurança 
pública para toda sociedade. Mas será que a segurança pública está 
para toda a população? Será que a segurança pública se limitaria a 
esse tipo de intervenção?
 Em relação à representatividade que tem a polícia na sociedade, 
esta está de acordo com a posição social que as classes ocupam. 
Para alguns, a polícia representa de fato a segurança e para outros, 
uma profunda insegurança e medo. A socióloga Vera Malagutti em 
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA108
um vídeo gravado para o programa Café Filosófico cita um trecho de 
um antigo jornal carioca, o “Pão de Açúcar”, onde o editorial dizia: 
¨Precisamos de uma polícia que a nós inspire confiança e aos escravos 
infunda terror¨. Segundo ela, essa continua sendo a matriz ideológica 
da polícia brasileira até hoje, na medida em que a polícia continua 
defendendo a “demanda social” que na verdade significa a demanda 
das elites brasileiras.
 Diante disso, é importante refletir que essa realidade assola 
cada dia mais, pois quando se vê atualmente na “zona sul” residências 
monitoradas pela polícia militar, sabemos que aquele local é uma 
área segura, onde esse monitoramento é uma forma ostensiva de 
repressão às atividades criminosas. Por outro lado, na favela ou 
aglomerado, a monitoria da polícia é uma forma de contenção a 
determinada população vista como potencialmente criminosa. Os 
agentes, a todo tempo, estão abordando “cidadãos” e tentando ao 
máximo contê-los restritamente na comunidade local, como se só ali 
estes pudessem estar.
 Segundo Filho (1999), a função policial tem dois aspectos 
centrais: a manutenção da ordem que é o principal caráter da 
ostensividade policial que reprime ações criminosas pela presença 
e atua para mediar conflitos; e o aspecto simbólico da justiça, que 
refere-se à aplicação da legislação penal vigente quando a contenção 
pela ostensividade não é possível.
 A polícia está perdendo o caráter ostensivo, que preconiza um 
empoderamento pela presença e não pela atuação, tendo em vista 
que o ideal é atuar o mínimo e quando necessário, mas o que acontece 
atualmente é uma ¨brutalidade policial cujas raízes parecem ser mais 
profundas que o ato de indivíduos isolados¨ (Filho, 1999, p. 1).
 Para compreender o que é prescrito pela própria instituição, é 
importante se referenciar nas fontes da Polícia4:
Visão da PmmG:
Sermos reconhecidos como referência na produção de 
segurança pública, contribuindo para a construção de um 
ambiente seguro em Minas Gerais.
4 Para maiores informações, consultar o site da PMMG - https://www.policiamilitar.mg.gov.br/
portal-pm/9bpm/conteudo.action?conteudo=1213&tipoConteudo=itemMenu
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA 109
missão da PmmG:
Promover segurança pública por intermédio da polícia 
ostensiva, com respeito aos direitos humanos e participação 
social em Minas Gerais.
Valores da PmmG:
Representatividade, respeito, lealdade, disciplina, ética, justiça 
e hierarquia.
 Essas são, portanto, as prescrições que norteiam o trabalho da 
polícia. Contudo, percebe-se que essa instituição vem se distanciando 
de seus princípios, na medida em que, no cotidiano do trabalho, com 
os adolescentes estes relatam que são vítimas de ações truculentas 
da polícia. 
 A contradição se instaura entre o que é prescrito nas normas 
e o que é real. Combater o crime não é o mesmo que ir à guerra. Os 
modelos de policiamento que foram pensados no Brasil, de repressão 
pela ostensividade e de apreensão para exemplo social e não para 
encarceramento da população, parecem não ser mais vigentes nessa 
sociedade.
 O que a sociedade espera da polícia não é o combate ao crime, 
mas a eliminação dos criminosos e como dito na “missão da polícia”, 
deve-se atender às demandas da sociedade, essa que cada vez 
mais grita por justiça. Mas que justiça é essa que se quer enquanto 
sociedade? Deseja-se mesmo resolver os conflitos sociais ou procura-
se exterminar da sociedade o que (ou quem) se conflita e teme?
 Portanto, a polícia se utiliza do poder que lhe é concedido 
pelo Estado, enquanto garantidor da segurança, mas desfruta ainda 
de um poder que lhe é dado pela sociedade justiceira. Não justiceira 
que clama por justiça, no sentido puro da palavra, mas justiceira que 
escolhe as classes que podem circular, atuar e ser julgadas, e mais, 
como devem ser julgadas, por exemplo, com os episódios nos quais se 
vê os adolescentes sendo amarrados em postes, sendo espancados, 
além dos linchamentos divulgados pela mídia.
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA110
ESTIGMAS, MíDIA E RACISMO 
INSTITUCIONAL
 Esse capítulo foi pensado a partir de um incômodo, 
compartilhado entre os técnicos das medidas socioeducativas que 
participam deste circuito, no que se refere aos adolescentes que 
chegam para cumprir as medidas socioeducativas. Nota-se que há 
um “perfil” dominante entre os adolescentes atendidos no serviço. 
Porém, cabe neste estudo, antes de dizer desse “perfil”, pensar na 
atuação da polícia na cidade para compreender a predominância 
destes nas medidas.
 De acordo com Coelho (1986), a polícia enquanto instituição 
necessita selecionar as áreas da cidade nas quais irá focar as suas 
atividades repressivas, uma vez que não há contingente suficiente 
de profissionais para atuarem em todos os territórios da cidade. 
Com isso, os adolescentes que chegam às medidas, em sua maioria, 
fazem parte desses locais preestabelecidas para serem alvos das 
abordagens, e não dizem, dessa forma, de todo o contingente de 
jovens que cometem atos considerados infracionais.
 Coelho aponta que os locais “selecionados” para terem a 
atuação da polícia são os mesmos estigmatizados pela sociedade: a 
periferia.
 De acordo com Piccolo (2006), essa imagem que se possui da 
favela faz com que a nossa sociedade viva uma representação social5 
de cidade “bipartida”: uma parte seria a do asfalto, visto como algo 
organizado, estruturado e que vive com medo, já a outra parte, a 
periferia, é vista como violenta, desorganizada e precária, precisando 
a todo o momento ser vigiada e contida pelo Estado. A partir dessa 
visão que se tem da periferia, cria-se também um estereótipo dos 
sujeitos que residem nesse local.
 E são esses jovens moradores da periferia que chegam 
para cumprir as medidas socioeducativas, e como visto, não 
aleatoriamente. Segundo Coelho:
5 O conceito de representações sociais foi abordado pela primeira vez por Serge Moscovici 
em 1978, no seu livro A Representação Social da Psicanálise, com inspiração no conceito de 
Representações Coletivas de Durkheim. Serge Moscovici é psicólogo social e pretendia nessa 
obra verificar qual era a representação que o leigo tinha da psicanálise quando ela passou do 
alvo dos especialistas para o das pessoas “comuns” (MOSCOVICI, 1978).
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA 111
 Também os estereótipos que os policiaistêm do 
criminoso ou do infrator contumaz das leis constituem 
referências importantes para a sua atuação; e, como os 
indivíduos de status socioeconômico baixo são aqueles 
que mais se ajustam a tais estereótipos, são eles que 
constituem os alvos por excelência policial (COELHO, 
1986: 276).
 Ainda pensando nesse perfil do jovem que chega às medidas 
socioeducativas, em relação à raça/cor, perceber-se analisando o 
“Diagnóstico do acompanhamento e fiscalização da execução das 
medidas socioeducativas da Vara Infracional da Infância e Juventude 
de Belo Horizonte” realizado pelo CRISP em 2013, que 31% dos jovens 
atendidos no CIA são pretos, porém esse dado, como é colocado 
na própria pesquisa, pode ser acrescido, uma vez que apenas 30% 
dos casos que chegam ao CIA possuem a informação raça/cor 
devidamente preenchida nos cadastros.
 No Sistema de Informação e Gestão de Políticas Sociais 
– SIGPS6, também é possível extrair tais informações. Os dados 
coletados no período de março a agosto de 2014 revelaram que foram 
atendidos 656 jovens brancos do sexo masculino e 333 jovens pretos 
do sexo masculino. Em contrapartida, o número é elevado quando se 
fala de jovens pardos, o mesmo sobe para 1595. Nos atendimentos 
realizados nas regionais pelos técnicos, é notório o número superior 
de jovens negros que chegam para cumprir a medida, sendo que esses 
adolescentes, em sua maioria, também são moradores da periferia.
 O estereótipo associado à raça e à classe social aumenta, 
dessa forma, a probabilidade do negro e do pobre de sofrer uma 
abordagem policial e de ter uma punição pelo ato tipificado então 
como infracional. Coelho (1986) comenta que o jovem branco que 
reside em um bairro de classe média ou alta quando comete o mesmo 
ato do jovem negro morador da periferia não possui as mesmas 
sanções do que esses últimos, uma vez que há, como o autor coloca, 
“imunidades institucionais” que protegem os sujeitos com o status 
6 SIGPS – Instrumento utilizado pelos trabalhadores da Prefeitura de Belo Horizonte. Prevê 
o desenvolvimento de solução tecnológica baseada no conceito de Prontuário Eletrônico do 
Usuário/grupo familiar. Sua função é proporcionar aos usuários da Secretaria Municipal de 
Políticas Sociais e de suas Adjuntas (Abastecimento, Assistência Social, Direitos de Cidadania), 
em parceria com as Secretarias de Saúde e de Educação, maior mobilidade no atendimento 
prestado aos cidadãos e reunir informações fidedignas e atualizadas para a avaliação das 
políticas e de seus resultados.
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA112
socioeconômico alto e de cor/raça branca. Dessa forma, esses jovens 
não chegam, em sua maioria, às medidas socioeducativas.
Esse “processo seletivo” dos jovens – preto, morador da periferia –
está associado à invisibilidade e à inclusão perversa desses sujeitos 
por parte da sociedade e aos estigmas e preconceitos que lhe são 
associados, fazendo com que tudo que é singular àquela determinada 
pessoa deixe de existir. Nesse sentido, comenta Soares:
 Um jovem pobre e negro caminhando pelas ruas 
de uma grande cidade brasileira é um ser socialmente 
invisível... No caso desse nosso personagem, a 
invisibilidade decorre principalmente pelo preconceito ou 
da indiferença. Uma das formas mais eficientes de tornar 
alguém invisível é projetar sobre ele ou ela um estigma, 
um preconceito... Tudo aquilo que distingue a pessoa, 
tornando-a um indivíduo; tudo o que nela é singular 
desaparece. O estigma dissolve a identidade do outro e a 
substitui pelo retrato estereotipado e a classificação que 
lhe impomos (ATHAYDE & BILL SOARES, 2005: 175). 
 O estigma ocorre devido às categorizações que a sociedade 
cria em relação aos sujeitos, colocando atribuições e características 
a estes, sendo que estas podem incluir ou excluir a pessoa/grupo da 
sociedade, de acordo com Goffman:
 Enquanto o estranho está à nossa frente, podem 
surgir evidências de que ele tem um atributo que o torna 
diferente de outros que se encontram numa categoria 
em que pudesse ser incluído, sendo, até, de uma espécie 
menos desejável – num caso extremo, uma pessoa 
completamente má, perigosa ou fraca. Assim, deixamos 
de considerá-lo criatura comum e total, reduzindo-o a uma 
pessoa estragada e diminuída (GOFFMAN, 1988: 12).
 Os sujeitos estigmatizados passam a ser discriminados devido 
a sua não aceitação por parte da sociedade. Goffman (1988) relata 
que, a partir dessa discriminação, as “chances de vida” do sujeito são 
diminuidas, uma vez que se cria uma “teoria do estigma”, aceitando 
sua inferioridade e justificando práticas sociais excludentes. 
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA 113
 Um fator que é discutido em relação ao morador da periferia 
no documentário Notícias de uma guerra particular7 é a falta de 
oportunidades – relacionadas à sua invisibilidade na sociedade, 
devido ao estereótipo criado em torno dele. 
 Os moradores dos aglomerados relataram no documentário o 
tratamento arbitrário que recebiam da polícia quando essa realizava 
suas operações nas comunidades em questão, utilizando de meios 
violentos e desrespeitosos. Isso gera uma sensação de desconfiança 
dos moradores para com os policiais, pois a polícia está relacionada 
aos abusos e violências cometidos contra “as classes inferiores em 
geral e contra os moradores de favelas e conjuntos em particular” 
(ALVITO e zALUAR, 1999, P. 244).
 Nesse documentário, é demonstrado também que as 
desigualdades socioeconômicas e a falta de oportunidades reforçam 
a posição de estigmatizado do morador de periferia, como, por 
exemplo, falar que quem mora na periferia é praticante de alguma 
atividade criminosa. 
 De acordo com Otoni (2008), essa exclusão e invisibilidade 
não ocorre de maneira explícita, uma vez que todos os sujeitos, 
perante o Estado, possuem os mesmos direitos e deveres na nossa 
sociedade. Os recursos e os serviços estão distribuídos na cidade – há 
equipamentos de políticas públicas, de segurança, saúde, educação – 
porém, apesar de todos terem o direito a sua utilização, nem toda a 
população possui o mesmo acesso a esses recursos. A inclusão desses 
sujeitos passa a ser restritiva, fazendo com que haja uma manutenção 
da desigualdade social. 
 Essa falsa inclusão resulta no sentimento de não pertencimento 
da cidade e faz com que os sujeitos criem maneiras de se tornarem 
visíveis nesta, seja pela arte ou violência, por exemplo. Sendo que 
Otoni (2008) relata que quando há o acesso aos recursos que lhe são 
de direitos “a violência esvazia sua potencialidade de expressão”. E 
ainda:
7 O documentário: “Notícias de uma guerra particular”, de João Moreira Salles e Kátia Lund, 
é uma das mais significativas produções a respeito do grave problema da violência urbana. 
Ao retratar os conflitos entre a polícia e o tráfico, o documentário se propõe a ouvir os 
principais envolvidos na questão trazendo a reflexão para o espectador. Não procura culpados, 
mas compartilha com a sociedade a responsabilidade sobre a “tragédia social” brasileira. 
Estruturado em forma de entrevistas, a sucessão dos depoimentos se encadeiam de forma que 
esclarece sobre a forma como o tráfico se processa, sem estabelecer um juízo de valor sobre a 
respeito dos traficantes, dos policiais e dos próprios moradores (XAVIER, 2006, p.18). 
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA114
 O acesso a recursos o leve a tolerar o mal-estar que 
habita o mundo e alguma satisfação possa se inserir no 
seu convívio com o mundo e com o próximo. Não todo 
o gozo, não toda a liberdade, mas o direito de viver 
fazendo parte da cidade e de sustentar o peso de sua 
responsabilidade e dos seus atos, de ligar suas ideias, 
sonhos e paixões aos elos e grilhões que, por toda parte, 
encontram-se (OTONI, 2008: 146).
 Desta forma, percebe-se que os ditos excluídos da sociedade 
começam a se aglomerar em áreas afastadas do contexto urbano, 
essas são de baixa infraestrutura e acessos escassos aosserviços 
do estado, apesar de possuírem todos os deveres de cidadãos do 
“asfalto”, seus direitos são frequentemente violados.
 A mídia em nossa sociedade possui um papel importante 
em relação ao discurso criado e propagado quanto ao morador da 
periferia e que está diretamente ligado a esse “processo seletivo” dos 
jovens que chegam para cumprir a medida socioeducativa. 
 Batista (2010) coloca que “a mídia é a principal protagonista 
do sistema penal. O que estiver no Jornal Nacional hoje é o que vai 
pautar a ação da polícia amanhã”. E não é diferente quando o assunto 
está relacionado ao jovem que está em “conflito com a lei”. Há uma 
hipervisibilidade na mídia quando ocorre algum crime/ato infracional 
atribuído a jovens moradores da periferia.
 De acordo com Bourdieu “Os jornalistas têm óculos especiais 
a partir dos quais veem certas coisas e não outras; e veem de certa 
maneira as coisas que veem. Eles operam uma seleção e uma 
construção do que é selecionado”. Assim, a mídia pode influenciar 
para que a sociedade tenha sentimentos de ódio ou de pena por 
determinados sujeitos. O autor ainda aponta que a mídia não vai 
servir a toda sociedade, mas sim as pessoas que fazem parte da 
classe socioeconômica alta, sendo responsável por expandir e impor 
o pensamento dessa elite dominante. 
 Dessa forma, o discurso produzido pela mídia acaba por reforçar 
a imagem de marginal e a periculosidade desses jovens que cometem 
atos tipificados como infracionais, produzindo na sociedade o medo, 
e o anseio de eliminação e/ou exclusão desses sujeitos por medidas 
mais duras como a redução da maioridade penal e assim ter a sua 
segregação da sociedade. 
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA 115
ESTADO PENAL E A 
CRIMINALIZAçÃO DA POBREZA
 Em um contexto mais amplo da concepção de política pública, 
podemos situar Minas Gerais como um dos estados que leva a cabo 
a implementação e execução dos preceitos e medidas neoliberais, 
em especial na política de Segurança Pública. Tais preceitos são 
facilmente notados na expressiva alocação, quando comparamos 
com outras políticas públicas, de recursos públicos na incrementação 
e ampliação do aparato repressivo e construção de novas unidades 
prisionais e centros socioeducativos. 
 Em Minas Gerais, segundo site da Secretaria de Estado de Defesa 
Social8, entre 2003 e 2012, foram criadas 930 vagas para atendimento 
às medidas socioeducativas de meio fechado. Nesse período, o 
número de unidades mais do que dobrou. Em 2005, eram 16 unidades 
e 420 vagas. Em 2010, 29 unidades socioeducativas, entre 19 centros 
de internação, internação provisória e 10 casas de semiliberdade, 
totalizando 1.090 vagas. Já atualmente, conta-se com 33 unidades 
socioeducativas, sendo 23 centros socioeducativos para internação e 
internação provisória e as mesmas 10 casas de semiliberdade. Segundo 
o Plano de Defesa Social de 2014 e 20159, até dezembro de 2014, 
haverá a criação de mais 170 vagas no meio fechado e a médio prazo, 
afirmam que haverá a ampliação de mais 605 vagas.
 Esse elevado aporte de recursos na área de segurança pública, 
de forma acentuada nos mecanismos de repressão, detenção e 
contenção, não se traduziria em uma relação injusta e perversa, se 
essa escolha não se desse à revelia e em detrimento de políticas 
sociais que visam garantir desenvolvimento de potencialidades e 
superação das condições de vulnerabilidade e risco. 
 De acordo com Wacquant (2001), essa dissiparidade entre o 
investimento em políticas sociais e o recrudescimento das penas tem 
explicação em uma visão de mundo neoliberal, onde um paradoxo se 
coloca: tratar com “mais Estado” policial e penitênciário o “menos 
Estado” social. 
8https://www.seds.mg.gov.br/index.php?option=com_
content&task=view&id=1128
9https://www.seds.mg.gov.br/images/seds_docs/PlanoEstadual/plano%20
estadual%20defesa%20social%202014-2015.pdf
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA116
 Nesse terreno, a doutrina da “tolerância zero”, iniciada em 
Nova York na década de 90, pretende legitimar a gestão policial e 
judiciária da pobreza. Tal proposta foi difundida também por outros 
diversos países. “E com ela a retórica militar da “guerra” ao crime e 
da “reconquista” do espaço público, que assimila os delinquentes(reais 
e imaginários), sem-teto, mendingos e outros marginais a invasores 
estrangeiros”(WACqUANT, 2001: 30).
 Segundo o autor, o tratamento social da miséria coloca-
se em termos particularmente cruciais nos países recentemente 
industrializados da América do Sul, tais como Brasil, Argentina, Chile, 
Paraguai e Peru.
 No Brasil, tal concepção ganhou expressão no ano de 1999. 
Segundo Wacquant (2001), neste ano o Governo Federal importou tal 
instrumento aumentando significativamente o seu efetivo de policiais 
militares e civis. A partir daí notamos, como já apontado no Estado de 
Minas Gerais, um elevado crescimento do aparato policial-judiciário 
como ferramenta de combate à criminalidade e consequentemente o 
fortalecimento do Estado Penal.
 Entretanto, tal perspectiva não é sem consequências. Além do 
risco em sustentar um Estado policialesco e tirânico, a sobrecarga dos 
tribunais e das prisões se torna um problema. 
 É interessante a perspectiva de Wacquant (2010), que define 
as principais instituições cuja existência está intrinsecamente 
relacionada à existência do Estado Penal: Polícia, Tribunais e Prisão. 
 Para compreender o Estado Penal, é preciso observar que ele 
tem uma estreita relação com as mudanças do mundo do trabalho.
 A partir da década de 70, ocorreram marcantes transformações, 
como a globalização, crescimento do capital móvel e transnacional, 
revolução tecnológica, queda do modelo fordista, o crescimento 
do toyotismo, o que culminou com desemprego alto, precarização 
das relações e vínculos de trabalho, como terceirização, trabalhos 
temporários e trabalho informal, bem como desregulamentações das 
leis do trabalho. Assim, como nos diz Vera Telles (2006), se as gerações 
anteriores estavam todas empregadas em indústrias e trabalhos 
perenes, atualmente, as gerações mais novas das classes populares 
se deparam com empregos temporários, com vínculos precarizados, 
longos períodos de desemprego, subemprego e trabalho informal. 
 Assim, com o avanço da globalização e do neoliberalismo, o qual 
Wacquant (2010) considera ascendente, houve um desenvolvimento 
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA 117
do setor terciário como o responsável por absorver a maior parte dos 
trabalhadores, o setor de serviços. Desse modo, houve uma erosão 
do salário estável e a decomposição das solidariedades de classe 
que a estabilidade econômica sustentava. As mutações do emprego 
trouxeram efeitos destruidores na estrutura social, principalmente 
nos níveis inferiores dessa estrutura. Àqueles a quem não são 
garantidas as pré-condições para se inserirem na competição atual, 
na busca pela pequena esfera do mundo do trabalho que ainda 
significa estabilidade, sobraram opções precárias de inserção. É 
preciso considerarmos então que aqueles que não se inserem nesses 
trabalhos precarizados ofertados, os que resistem a essa inserção 
ou são, como diz Wacquant (2010), “indóceis”, “insubmissos” como 
muitos adolescentes atendidos nas medidas socioeducativas, que 
buscam “no tráfico de drogas uma forma de inserção ilegal no mundo 
do trabalho” (Fefferman, 2006), são punidos pelo Estado Penal. 
 Em seu Livro, Prisões da Miséria, Wacquant (2001), enfatiza 
que as políticas penais se voltam a este restante – aos miseráveis, 
aos inúteis e aos insubordinados que não conseguem responder à 
ordem econômica. Nesse sentido o que há é uma transição do Estado 
Providência para o Estado Penitência, que com mãos de ferro se 
destinam a esse público.
 Focando na polícia, uma das principais instituições do Estado 
Penitência, de acordo com as discussões realizadas ao longo do 
Circuito, podemos compreender que sua função é bem explicitada 
pelo chefe dapolícia civil, Hélio Luz, no documentário Notícias de 
uma Guerra Particular (1997): 
 É uma polícia política mesmo. Nós vivemos em uma 
sociedade injusta e nós garantimos essa sociedade 
injusta. O excluído fica sob controle. Ai dele que saia 
disso. A instituição que existe é uma instituição que foi 
criada pra ser violenta e corrupta, não é? E o pessoal 
estranha. Por quê ela foi criada pra ser violenta e 
corrupta? A polícia foi criada pra fazer segurança 
de estado, e segurança da elite. Eu faço política de 
repressão, entende? É em benefício do estado, pra 
proteção do estado, tranquilamente. Mantenho a favela 
sobre controle. Como é que você mantém dois milhões de 
habitantes sobre controle? Ganhando salário mínimo? 
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA118
Quando ganha. Como você mantém todos os excluídos 
sobre controle, calmos? Com repressão, lógico. A polícia 
foi feita pra isso, pra separar quem não é igual perante a 
lei. Todos são iguais perante a lei dependendo de quanto 
cada um ganha. A polícia brasileira cumpre bem o seu 
papel de proteger o Estado e a classe dominante. Então 
ela sempre foi violenta, ela sempre foi corrupta. A polícia 
para a proteção da sociedade não existe, ela vai ter que 
ser construída, existe a polícia para a segurança do estado 
(documentário Notícias de uma Guerra Particular, 1997).
 Pensar em algumas perspectivas que buscam compreender 
o lugar do Serviço de Medidas Socioeducativas na política de 
Assistência Social é fundamental para conceber como se dará a 
execução do trabalho. Segundo Wacquant, a Assistência Social é 
um braço do sistema penal, na medida em que significa a regulação 
institucional dos pobres, ela integra esse Estado Penitência. Se 
antes das transformações ocorridas a partir da década de 70, a 
Assistência Social tinha como função assistir aos pobres, protegendo-
os, segundo Wacquant (2010, p. 204), “a regulação das famílias das 
classes populares não passa mais apenas pelo braço maternal e 
complacente do Estado” e se dá pela vigilância e controle das novas 
classes perigosas.
 Wacquant traz a contribuição a partir da criminologia crítica, 
que, assim como outros autores desse campo, compreendem a 
criminalidade como construída socialmente em meio às correlações 
de força que constituem uma sociedade. Conforme Baratta (2002), 
a criminalidade não existe na natureza, não reside na genética, não 
reside apenas na subjetividade. Criminosos há nas classes mais 
favorecidas, entretanto, suas condutas não são criminalizadas, são 
impunes. Há uma seleção da população criminosa na perspectiva 
macrossociológica da interação e das relações de poder entre os 
grupos sociais, do mesmo modo que há uma desigual distribuição de 
bens e oportunidades entre os indivíduos (Baratta, 2002). 
 Há uma seleção social dos indivíduos que se envolvem com 
a criminalidade e aqueles com maiores chances de rotulação como 
população criminosa, estão concentrados nos níveis mais baixos 
da escala social (subproletariado e grupos marginais). A posição 
precária no mercado de trabalho (desocupação, subocupação, falta 
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA 119
de qualificação profissional), baixa escolaridade e vínculos familiares 
fragilizados são características dos indivíduos selecionados como 
classe perigosa. 
 Essa perspectiva crítica desvela que, na visada criminologia 
tradicional, não se questiona o Estado, uma vez que as escolhas pelo 
crime são compreendidas como meramente individuais, portanto, 
deve-se transformar o sujeito e seus comportamentos individuais, 
e não o Estado, não a distribuição de renda desigual, tampouco a 
política socioeconômica atual. Essa perspectiva vai no sentido oposto 
do que diz Wacquant (2001), de que a urgência, no Brasil é lutar em 
todas as direções não contra os criminosos, mas contra a pobreza e a 
desigualdade.
 A criminologia tradicional persiste, cada vez mais, fortalecida 
pela sociedade punitiva. O sujeito deve ser punido por ter escolhido 
o crime, como se dispusesse à mão de toda uma gama de escolhas 
de atuações. Desse modo, uma leitura meritocrática recai sobre os 
sujeitos, de acordo com a ideologia individualista e neoliberalista atual. 
 Segundo Souza (2011) esta é uma área da qual também é 
importante se lançar mão:
A desigualdade tem que assumir uma forma “individual” 
para ser legítima. Essa forma individualizada de 
desigualdade, construída para negar a forma real e efetiva 
da produção classística da desigualdade, é exatamente 
a ideologia da meritocracia. Segundo essa ideologia, 
a desigualdade é “justa” e “legítima” quando reflete o 
“mérito” diferencial dos indivíduos. (...) É precisamente o 
efeito gigantesco e universal dessa ideologia que permite 
que se fale todos os dias da desigualdade econômica 
brasileira sem que isso incomode ninguém. (...) O que é 
escondido pela ideologia do mérito é, portanto, o grande 
segredo da dominação social moderna em todas as 
suas manifestações e dimensões, que é o “caráter de 
classe” não do mérito, mas das precondições sociais que 
permitem o mérito (SOUZA, 2011: 120-121).
 Manter, portanto, um olhar individualizante sobre o 
cometimento de atos considerados socialmente como infracionais, 
vai de acordo com a ideologia que constitui uma das bases do Estado 
Penal, favorecendo a manutenção desse estado punitivo.
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA120
SEGUNDA PARTE
CIRCULANDO
 Nomear essa experiência como CIRCULANDO, de certo não 
é mera coincidência ou sem qualquer intenção. Os adolescentes 
ameaçados de morte e vítimas de violência policial vivenciam 
situações de cerceamento e restrição de circulação, ainda mais severos 
se comparadas a experiências até então. Nesse sentido, quando o 
grupo se propõe a circular pela cidade, faz um manifesto contra esse 
panorama e busca provocar e fortalecer uma rede de proteção, a fim 
de garantir a esses sujeitos oportunidades de desfrutar da cidade e 
de suas vidas.
 Relato do que tem sido construído, vivido, experimentado
REDE
 Mediante os relatos de casos de ameaça e violência policial, 
que suscitaram uma série de indagações, dúvidas e anseios, o grupo 
se sentiu instigado a conversar com algumas instituições que também 
discutem políticas de direitos humanos e proteção a crianças e 
adolescentes. O objetivo principal foi discutir como acolhem, escutam 
e encaminham os casos, bem como as possibilidades de construir e 
qualificar fluxos.
 Inicialmente, foi pensado sobre como seria feito o mapeamento 
dessa Rede. Partindo do conhecimento e da vivência dos próprios 
participantes, alguns locais foram sendo sugeridos:
– Corregedoria de Polícia;
– Coordenadoria Municipal de Direitos Humanos;
– Defensoria dos Direitos Humanos;
– Núcleo de atendimento às vítimas de crimes violentos- 
NAVCV;
–Fórum de Medidas Socioeducativas nas Comissões de Violência 
Institucional e Prevenção da Letalidade de Adolescentes e 
Jovens;
– Rede de Enfrentamento a Violência Estatal – REVE.
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA 121
 Outros espaços também foram sugeridos, mas, tendo em vista 
a dinâmica do grupo e a disponibilidade para algumas ações, foram 
priorizadas as instituições citadas acima. Também foi realizada a 
discussão de que a ida à Corregedoria, tendo em vista a especificidade 
de sua atuação, bem como pontos ainda frágeis neste diálogo e fluxo, 
seria acessada posteriormente, se possível, contando com a presença 
e apoio dos demais componentes da Rede, a ser fortalecida. Não se 
pretende aqui pormenorizar a ida realizada em cada instituição, mas 
apontar questões que foram interessantes nesta trajetória. 
 Um dos principais aspectos observados foi a resistência da 
maioria das instituições visitadas em falar, abertamente, sobre as 
situações de violência policial e sobre como tratar/ cuidar desta 
situação. As orientações, em sua maioria, foram de fluxos já conhecidos 
pelo serviço, principalmente em relação ao encaminhamentoà 
Corregedoria de Polícia. Esse ponto foi bastante debatido, tendo em 
vista que, apesar dessa instituição ser o espaço legítimo para se tratar 
esse tipo da violência sofrida pelo adolescente e sua família, também 
pode se configurar como um local de exposição. Essas mesmas 
instituições pontuaram que não recebem formalmente denúncias em 
relação à violência policial, e, quando surge algum relato, remetem à 
Corregedoria. 
 No decorrer destas interlocuções, foi possível perceber que 
um dos problemas que essas instituições identificam como motivo 
que dificulta o seu envolvimento nesses casos refere-se ao fato de 
os adolescentes não falarem sobre isso. Foi debatido que, na maioria 
das situações, os adolescentes e seus familiares além de estarem 
assustados e amedrontados com a situação vivenciada, ficam 
receosos de também receberem represálias por se tratar de uma 
instituição do estado, ligado à polícia, que os ameaça. Como confiar 
na proteção desse Estado? 
 Vale ressaltar que esse também é um ponto de grande 
incômodo no Serviço de MSE, pois, quando ocorre uma situação de 
ameaça que necessite do envolvimento de outros atores da rede 
para que haja a segurança do adolescente/família, percebemos uma 
dificuldade em tê-lo. Além disso, há sempre a preocupação de que a 
família esteja sendo colocada em uma situação delicada, pois a Rede 
orienta sobre os procedimentos a serem feitos, mas também indaga 
a essa mesma família se “vale a pena” assumir as consequências da 
denúncia. 
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA122
 Um dos desafios apresentados em todos os espaços nos quais 
o circuito apresentou essa discussão foi o de como dialogar com a 
instituição policial, pensando não apenas nas situações de ameaça, 
mas também em relação às abordagens, muitas vezes violentas, que 
não condizem com uma proposta socioeducativa.
 O debate ocorrido nesses encontros foi extremamente rico 
para que, além de provocar e fortalecer uma aproximação, o trabalho 
dos demais integrantes dessa Rede ficasse mais claro para o serviço. 
O diálogo foi possível, mas ainda com questões a serem melhor 
esclarecidas, bem como assumidas por todos os envolvidos neste 
trabalho. 
 Um das reflexões construídas nesses encontros foi que o grande 
desafio é integrar a ponta de um processo que não é integrado, 
dialogando com quem executa. É necessário fomentar um processo 
de mudança no sistema, repensando seu modelo. As demandas são 
recebidas pelo próprio sistema denunciado e a resposta será uma 
reprodução das facetas deste sistema. 
 Neste trabalho junto à Rede, foi possível reafirmar que o 
campo de trabalho não é tranquilo e simples. A atuação da polícia 
envolve práticas e posições enraizadas há anos no funcionamento do 
Sistema de Segurança Pública e Defesa Social do Brasil. Ficou claro 
que isoladamente cada instituição fica frágil nas intervenções a que 
se propõe. 
 Os componentes do Circuito, assim como os demais colegas de 
trabalho das regionais, tentam, em seu cotidiano, lidar com todos os 
sentimentos que permeiam esse limite de atuação. Ao mesmo tempo, 
o trabalho realizado com o Circuito, e que certamente não para por 
aqui, se desenha como uma forma de dialogar com os outros sobre 
esses limites e também criar espaços para que novas ações sejam 
criadas. Ainda há muito que se fazer, porém pode-se dizer que nestes 
encontros algumas possibilidades começaram a ser desenhadas. 
Talvez, a principal foi a possibilidade de levar e colocar a temática 
na pauta de outros espaços, garantindo que a voz do técnicos, assim 
como a dos adolescentes e seus familiares, possam “circular” e serem 
ouvidas, com vistas a construção de ações concretas.
 Conforme nos alerta o autor Antônio Carlos Gomes da Costa, 
em seu livro Pedagogia da Presença: 
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA 123
Por vezes, o educador interroga-se sobre o sentido de 
seus esforços. Sente que, para que uma solução orgânica 
e consequentemente para o conjunto desses jovens 
fosse encontrada, seria necessário reanimar milhares 
de consciências adormecidas, sensibilizar no seu todo 
e chamar à responsabilidade os que têm nas mãos o 
poder de decidir, para que se pudesse romper de forma 
radical, com a incompetência, a organização irracional, o 
interesse mal formulado e a legislação inadequada. Este 
tipo de questionamento leva o educador a perceber que 
a sua atuação não é apenas trabalho; ela é também e 
fundamentalmente, luta. (COSTA, 1997: 36).
Discussão, análise e avaliação referente às situações de adolescentes 
(e seus familiares) ameaçados de morte e adolescentes que vieram 
a óbito no serviço de mse de meio aberto de belo horizonte
 Mediante as situações acompanhadas pelos técnicos do 
Serviço de MSE que se deparam cotidianamente com relatos dos 
adolescentes que descrevem estarem vivenciando situações de 
ameaça de morte, além das situações mais agravantes nas quais 
os adolescentes vêm a óbito por motivo de assassinato, devido 
principalmente ao envolvimento com o tráfico, faz-se necessário, e 
urgente, qualificar a discussão e as ações frente a esse fenômeno. Os 
dados tornam-se alarmantes a cada ano, tornando fundamental que 
se estabeleça um diálogo mais qualificado e propositivo frente a essa 
realidade. 
 Dessa forma foi pensado que uma estratégia para qualificar 
essa discussão seria estabelecer uma conversa mais próxima das 
equipes regionais, bem como da coordenação CREAS. A proposta 
é que, a partir da apresentação dos dados referentes às situações 
de ameaça e óbito do ano de 2013 e primeiro semestre de 2014, 
se possa qualificar as informações, compartilhando experiências, 
agregando parceiros, buscando compreender melhor a realidade 
vivenciada pelos adolescentes, suas famílias e pela comunidade onde 
vivem, ampliando as possibilidades de intervenção para garantia do 
direito à vida, à proteção e à segurança de nossos adolescentes. 
 Para tanto, é fundamental estabelecer espaços que dialoguem 
sobre essa realidade que perpassa o cumprimento da medida 
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA124
socioeducativa. Também é imprescindível ampliarmos a percepção 
de todos os envolvidos no atendimento aos adolescentes em 
cumprimento de MSE sobre o contexto no qual eles e seus familiares 
estão inseridos, a forma como lidam com as situações de violência 
que vivenciam cotidianamente e, assim, assumir uma posição que 
aponte para “perspectiva da vida” em contraposição “a naturalização 
da morte”, o que muitas vezes é a posição assumida pelo adolescente, 
sua família e a própria sociedade.
 Tendo em vista que as situações de ameaça e óbitos têm sido 
foco de estudo e intervenções do Circuito de Segurança e Proteção 
ao Adolescente em situação de Ameaça de Morte, foi proposto que 
a equipe que compõe este grupo fizesse a discussão junto às equipes 
das regionais, dialogando a partir das situações vivenciadas por cada 
equipe, mediando à discussão com a coordenação e demais parceiros. 
 O trabalho realizado em cada regional propiciará a construção 
de um material a ser utilizado para fortalecer e também rever algumas 
práticas e fluxos, agregar novos parceiros, buscando estratégias que 
possam garantir efetivamente a proteção e a garantia do direito a 
vida dos adolescentes e seus familiares em situação de ameaça. Esse 
produto será discutido e apresentado posteriormente. 
CONSIDERAçÕES FINAIS
 O Circuito de Segurança e Proteção ao Adolescente Ameaçado 
de Morte se debruçou sobre a temática das violências sofridas 
pelos adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas 
em meio aberto; violências específicas, das quais são vítimas os 
adolescentes e seus familiares. Focou nas agressões e ameaças 
à vida dos adolescentes e seus familiares, cometidas por parte do 
Estado, encarnado nos trabalhadores de uma instituição, a polícia. 
Esse foco se deu a partir de uma escolha decorrente de discussões do 
grupo, e que tinha como ponto comum contribuir para a atuação dostrabalhadores que acompanham esses adolescentes como também 
integrar e fortalecer a rede de serviços. Essa violência permeia 
o cotidiano de nosso trabalho, e nos deixa sempre com grandes 
questões. Nesse sentido, mais do que procurar dar respostas, a 
intenção foi de provocar reflexões. 
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA 125
 Para tanto, foi importante realizar uma discussão teórica 
que colabora para uma perspectiva crítica sobre o fenômeno da 
violência policial, ampliando o olhar para a compreensão de que essa 
violência é legtimada por todo o sistema. É necessário compreender 
a complexidade dessa violência que não deveria, mas que ainda faz 
parte do nosso cotidiano, e que também se reflete no trabalho das 
medidas socioeducativas. 
 Há que se localizar a função posta para a polícia, de ser a 
responsável por “proteger” parte da sociedade e conter aqueles 
considerados perigosos para essa mesma sociedade. O objetivo 
foi, portanto, aprofundar em uma perspectiva crítica a respeito da 
atuação desse Estado, do qual o maior braço parece ser a polícia e o 
próprio Sistema Judiciário.
 Sobre o ponto trazido por Wacquant (2010), de que a 
assistência social pode ser vista como braço do sistema penal, embora 
possa parecer incômodo, é necessário encará-lo de frente, já que o 
Serviço no qual estamos inseridos é constantemente tensionado por 
ideologias diferentes e muitas vezes divergentes. Deve-se cuidar para 
que não se reproduza o lugar de punição da pobreza na execução 
das medidas socioeducativas. É preciso que a execução busque a 
promoção e inserção social, papel da Política de Assistência Social, 
o diálogo com a Rede de Proteção a partir de uma concepção de 
política pública em um Estado de Direito. E é nessa perspectiva que 
este Circuito aposta seu trabalho e suas contribuições.
 Essa perspectiva também alerta que é necessário compreender 
como as demais políticas públicas se desenham em uma sociedade 
que pune, na qual o direito não é para todos, e que a segurança 
pública é uma defesa do Estado que define quem será protegido e 
quem será punido. 
 Há toda uma rede, com a se lida, que está igualmente inserida 
nesse sistema social. E é preciso questioná-la e, ao mesmo tempo, 
fortalecê-la. Essa foi a conclusão construída a partir das reuniões 
e discussões das quais o Circuito participou, descrita na segunda 
parte deste estudo. Procurou-se conhecer a rede de proteção ao 
adolescente e quais recursos há disponíveis, bem como seu modo 
de funcionamento, para o acesso dos adolescentes e familiares que 
sofreram violência policial e, consequentemente, violência estatal. 
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA126
 Finalmente, sem considerar o presente estudo como um trabalho 
concluido, o objetivo deste Circuito é propor um enfrentamento a 
essas práticas que reforçam que os adolescentes devem ser temidos 
e perseguidos cotidianamente como delinquentes, como assuntos de 
polícia. Busca-se apresentar um contraponto, no qual fica evidente 
que na concepção do trabalho nas MSE, a socioeducação deve ser 
assunto não de polícia, mas de política.
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA 127
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JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA128
CIRCUITO DE
FAMíLIA
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA 129
O LUGAR DA FAMíLIA NO 
SERVIçO DE MEDIDAS 
SOCIOEDUCATIVAS DA 
PREFEITURA DE BELO 
HORIZONTE 
Juliana Vilela
Priscila Barcelos
Sandra Ferreira
Valéria Martins
Vinício Martins
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA130
INTRODUçÃO 
 No início deste ano de 2014, os técnicos responsáveis por 
executar as medidas socioeducativas em meio aberto, previstas no 
Estatuto da Criança e do Adolescente – liberdade assistida e prestação 
de serviço à comunidade –, foram convidados pela Gerência de 
Coordenação das Medidas Socioeducativas a participarem de grupos 
de discussão a respeito de diversos temas referentes ao cotidiano 
de seu trabalho. A proposta era que, a partir de uma problemática 
que desafiasse o dia a dia do trabalho e, por meio de encontros de 
conversação, fosse construído um percurso que lograsse alcançar 
algum saber sobre o problema com o qual se iniciou. Por esse viés, o 
coletivo se formou com pessoas tocadas por um tema, que circulou 
de forma horizontalizada para exposição de ideias, questionamentos, 
confrontação de argumentos e ideais.
 O texto que segue é um testemunho do percurso construído 
pelo Circuito Família, que se propôs a discutir o trabalho realizado 
com as famílias dos adolescentes em cumprimento de medidas 
socioeducativas em meio aberto. Trata-se de um saber provisório, 
que não pretende esgotar o tema e que descortinou mais novas 
perguntas do que propriamente respostas definitivas, fato que deve 
motivar o grupo a seguir instigado e implicado na continuação da 
proposta do Circuito no próximo ano.
 Os participantes estavam motivados por demandas e anseios 
que cada um trazia em relação a essa problemática. Muitos 
questionamentos, dúvidas e críticas, levantados pelos membros 
do grupo, convergiram para um ponto comum. As discussões da 
temática nos espaços regionais também ecoaram na construção deste 
trabalho, contribuindo para que importantes reflexões sobre o tema 
fossem apresentadas pelos participantes do Circuito na discussão 
desenvolvida neste estudo.
 As contribuições técnicas que culminaram na escrita deste 
texto se constituíram, portanto, a partir das experiências de cada um, 
inquietações das equipes regionais, relatos de casos, experiências e 
pela busca por esclarecimentos e respostas possíveis, bem como a 
identificação de desafios futuros. O debate suscitou um rico diálogo 
a respeito do tema, permitindo aos participantes obterem algumas 
elucidações sobre a prática cotidiana, a partir da discussão sobre 
intervenções bem-sucedidas, bem como sobre outras práticas a 
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA 131
serem mais bem discutidas e avaliadas quanto à pertinência de sua 
incorporação na metodologia do serviço.
 Além disso, também se discutiu sobre a intervenção realizada 
pelo conjunto da rede de atendimento ao adolescente na cidade, e 
sobre as ações realizadas juntoàs famílias destes. No que se refere 
aos serviços previstos nos diferentes níveis de proteção do Sistema 
Único de Assistência Social-SUAS, a partir da leitura das diversas 
normativas que orientam a execução de cada um, buscou-se 
identificar os pontos comuns, e principalmente, as orientações que 
demarcam a especificidade na execução de cada serviço (foco, campo, 
metodologia, entre outros elementos). O objetivo visou compreender 
aquilo que compete aos executores, de forma a localizar melhor no 
Serviço de MSE nesta rede e, assim, alinhar o entendimento em 
relação à referência e à contrarreferência.
 Sobre o grupo, é interessante ressaltar um aspecto que, apesar 
de pouco discutido ou analisado por seus componentes, nos chamou 
a atenção: todos os técnicos que demonstraram interesse em 
participar deste Circuito são do Serviço de Medidas Socioeducativas 
de Liberdade Assistida e psicólogos, com exceção da técnica Valéria, 
que é Assistente Social. 
 O grupo se propôs a reunir-se quinzenalmente às quintas-
feiras, porém, devido a contratempos, alguns encontros previstos 
não aconteceram. Foram discutidos documentos legais que orientam 
a execução do serviço dentro do SUAS, textos que focam na discussão 
sobre a importância, necessidade e especificidades do trabalho 
junto com às famílias, além de troca de experiências, visões, pontos 
críticos e posicionamentos pessoais e técnicos. Os encontros foram 
registrados, permitindo, por meio das discussões realizadas, a 
construção do texto.
 Podemos considerar que o ponto de partida no debate 
do Circuito foi a problematização sobre a existência do trabalho 
com famílias no Serviço de Medidas Socioeducativas e como este 
trabalho se dá. Tal discussão se justificou, principalmente, pelos 
questionamentos que frequentemente são feitos por trabalhadores 
de outros serviços socioassistenciais, bem como por parceiros 
externos, de que as medidas socioeducativas de LA e PSC não 
contemplam, no acompanhamento ao adolescente, intervenções 
junto à família do mesmo. Essa questão ganhou espaço no debate 
do grupo, definindo-se como um dos principais temas discutidos e 
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA132
postulados neste trabalho. Propiciou um espaço em que se pode 
aprofundar a discussão desses questionamentos e afirmativas, 
demarcando o posicionamento técnico dos participantes do grupo 
com vistas a contribuir para o posicionamento dos demais técnicos, 
da gerência, dos outros serviços do SUAS e da rede parceira.
 Um consenso, já inicial na discussão do Circuito, refere-se à 
afirmação de que existe e é realizado o trabalho com as famílias dos 
adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas em meio 
aberto. A partir deste ponto, o percurso trilhado pelos participantes 
foi de exposição de questionamentos, ideias, confrontação de 
argumentos, principalmente no que se referia sobre quando e como 
este trabalho acontece. Na medida em que as discussões avançavam, 
houve a ampliação do campo de percepção dos participantes sobre 
o fenômeno, realçando as diferentes visões e compreensões acerca 
do tema. Houve contraposição de ideias sobre como acontece – ou 
deve acontecer – o trabalho com famílias no serviço, bem como 
divergências em relação a alguns pontos e mal entendidos sobre 
outros. Porém, à medida que a discussão avançava, o Circuito foi 
afinando o diálogo e percebendo que, apesar de alguns membros 
privilegiarem enfoques diferenciados – muitas vezes orientados por 
formações e orientações teóricas distintas –, todos estavam dizendo 
sobre possibilidades, limites e intervenções bastante semelhantes, 
próprias ao trabalho com a família. Neste processo percebeu-se que 
é primordial que se mantenha a discussão e o diálogo mediado pelas 
legislações, orientações e contribuições teóricas, para que se tenha 
cada vez mais clareza de nosso foco e também sobre qual campo o 
trabalho será realizado.
 É importante dizer que em todas as legislações vigentes sobre 
o trabalho do serviço em questão, o eixo “Família” está colocado 
para as duas medidas socioeducativas em meio aberto, porém as 
discussões e questionamentos foram mais intensamente direcionados 
para a medida de Liberdade Assistida (LA). Infere-se que isso ocorreu 
em função da composição do grupo, bem como pela orientação 
metodológica dessa medida, na qual o acompanhamento dos eixos 
norteadores do cumprimento, dentre eles o eixo família, tem um 
enfoque mais sistemático, com tempo e espaços que se diferem da 
execução da medida de PSC. Deve-se ressaltar que as reflexões devem 
ser apropriadas e debatidas pelos técnicos de ambas as medidas, 
contribuindo para que possam refletir acerca do trabalho comum que 
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA 133
compõem o Serviço de Proteção ao Adolescente em Cumprimento de 
Medida Socioeducativa de LA e PSC.
 Neste trabalho são apresentadas questões que objetivam 
compor o que já foi construído até o momento, bem como abrir 
caminhos para outras possibilidades de diálogo. O debate não se 
esgotou, como é viável ser. Ao contrário, suscitou nos próprios 
componentes do Circuito o ensejo para que a discussão se mantenha 
viva, seja agregada as equipes do Serviço de MSE de LA e PSC das 
Regionais, caminhe para produções que contribuam para ampliar 
a metodologia, propor práticas que enriqueçam o trabalho e que 
incorporem mais esclarecimentos aos fluxos articulados junto à 
rede. Uma possibilidade, que não será muito aprofundada nesta 
produção, mas que já se configurou como uma proposta do Circuito 
a ser dialogada com os técnicos, refere-se à formação de grupos de 
adolescentes e jovens para discussão a respeito da representação da 
família em suas vidas e de seu papel/responsabilidade no apoio ao 
cumprimento da MSE aplicada.
 Discutir o trabalho realizado com as famílias nas medidas 
socioeducativas demanda trabalho e esforços teóricos e práticos por 
parte dos envolvidos com esse fazer. A presente produção, que busca 
contribuir com este debate, foi escrita a várias mãos e olhares e é 
fruto dessa possibilidade de encontro denominado Circuito.
Desfazendo nós
 É sabido que o questionamento acerca do trabalho realizado 
com famílias no Serviço de Medidas Socioeducativas tem sido 
recorrente em discussões entre os executores dos serviços do 
SUAS e dos demais trabalhadores da Rede de Proteção da Infância 
e Adolescência. Uma pergunta que se repete ao longo do processo 
de implantação, implementação e execução do serviço de MSEs, 
refere-se a qual trabalho é, ou deve ser, desenvolvido com as famílias 
dos adolescentes. O questionamento muitas vezes ocorre devido 
à compreensão equivocada de que o trabalho das medidas se 
desenvolve apenas com o adolescente, na construção de um processo 
de responsabilização subjetiva frente à prática de atos infracionais. 
É verdade que um processo de responsabilização deve acontecer, 
porém, ele não é solitário. Uma vez que o trabalho se dá com sujeitos 
em desenvolvimento e que se encontram sob responsabilidade de 
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA134
outros – adultos responsáveis por sua formação e cuidados – estes 
devem obrigatoriamente participar de seu processo socioeducativo, 
e isso está claramente previsto nas legislações que norteiam nosso 
trabalho. Portanto, é sim realizado um trabalho com as famílias dos 
adolescentes em cumprimento de medida em meio aberto, e seu 
direcionamento se dá a partir da especificidade do adolescente e da 
família que nos chega e de como é construído e planejado o trabalho 
de acompanhamento a ambos.
 É preciso compreender que uma análise superficial deste 
processo distorce a discussão sobre como a execução das medidas 
socioeducativas de LA e PSC em Belo Horizonte, ancorada em 
concepções reguladas por princípios, normas e orientações 
metodológicas e éticas, constrói seu trabalho com adolescentes 
e/ou com a adolescência. A situação peculiar de sujeito em 
desenvolvimento, inserido em uma redeque inclui não apenas a 
família, mas também os espaços comunitários, a escola, entre outros, 
com a qual ele estabelece diversos laços, deve ser considerada a todo 
o momento. É necessário superar a dicotomia “sujeito - adolescente” 
versus “outros - rede - coletividade”, e estar sempre avisado de que não 
existe sujeito sem outro. Cada adolescente que se apresenta possui 
sua “rede” própria que o liga a outros, singularmente constituída, 
a qual participou – e participa – de seu processo de subjetivação. 
Portanto, conhecer e trazer a “rede” singular do adolescente para 
a cena do acompanhamento socioeducativo é essencial para que 
qualquer movimento de responsabilização, e de invenção de novas 
possibilidades, aconteça.
O que nos orienta
 Neste item, propõe-se visitar as principais leis que regem a 
execução das medidas socioeducativas, a saber, o Estatuto da Criança 
e do Adolescente, a Lei nº 12.594/2012 que institui o Sistema Nacional 
de Atendimento Socioeducativo – SINASE, bem como a Tipificação 
Nacional dos Serviços Socioassistenciais do SUAS. A finalidade é 
resgatar os objetivos essenciais das medidas socioeducativas, seus 
princípios e diretrizes, e também recolher o que está previsto no que 
se refere ao trabalho com famílias. 
 Ao longo deste percurso, também buscar-se-á estabelecer 
um diálogo entre tais direcionamentos, específicos às medidas, e os 
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA 135
princípios e diretrizes gerais da política de Assistência Social. Esse 
diálogo nos parece particularmente importante, uma vez que as 
MSE´s se encontram, no município de Belo Horizonte, inseridas na 
política pública de Assistência Social, conforme orienta o SUAS.
 Conforme esclarece o autor Mário Volpi 
as medidas sócioeducativas comportam aspectos de 
natureza coercitiva, uma vez que são punitivas aos 
infratores, e aspectos educativos no sentido da proteção 
integral e oportunização, e do acesso à formação e 
informação. (VOLPI, 2002: 20).
 Portanto, é preciso compreender que as duas dimensões devem 
estar contempladas na execução das medidas socioeducativas. Posto 
esse tensionamento, deve-se atentar para que o trabalho contemple 
a responsabilização do sujeito/cidadão a quem se atribui a autoria 
do ato infracional, porém, reconhecendo que estamos acolhendo, 
trabalhando com adolescentes cuja 
 situação peculiar de pessoa em desenvolvimento 
coloca os agentes envolvidos na operacionalização 
das medidas sócio educativas a missão de proteger, 
no sentido de garantir o conjunto de direitos e educar 
oportunizando a inserção do adolescente na vida social. 
Esse processo se dá a partir de um conjunto de ações que 
propiciem a educação formal, profissionalização, saúde, 
lazer e demais direitos assegurados legalmente. (VOLPI, 
2002: 14).
 
 A execução da medida pela Política de Assistência Social 
nos obriga a refletir sobre esse tensionamento, tendo em vista 
que compomos hoje o Sistema Único de Assistência Social (SUAS), 
que trata de intervenções estatais que visam à proteção social e à 
garantia de direitos de cidadania para a população que se encontra 
em situação de vulnerabilidade e violações. Estabelecer pontes e 
interlocuções, assim como pontos de encontro e desencontro, entre 
a responsabilização frente ao ato infracional e a proteção social 
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA136
é fundamental para o acompanhamento junto aos adolescentes, 
cumprindo de fato aquilo que cabe ser trabalhado em uma medida 
socioeducativa. Buscar a correlação dessas dimensões é um desafio, 
visto que, se a execução enfoca apenas a proteção, desconsidera-
se a necessidade, e até mesmo o direito, do adolescente refletir 
sobre a sua prática. Mas se apenas a dimensão coercitiva é tomada, 
desconsidera-se todo um processo social em que esse adolescente 
está inserido, além de não reconhecer sua condição de adolescente. 
O ECA, como as demais legislações que se seguiram, ampara-se na 
doutrina da proteção integral, configurando-se como um avanço na 
política de atendimento ao adolescente a quem se atribui a autoria 
do ato infracional e buscando o rompimento com os princípios da 
doutrina da situação irregular do antigo Código de Menores. “Todo o 
sistema de contenção do adolescente do antigo Código e da Política 
de Bem-estar do Menor estava organizado para tratar um delinquente 
e não para atender um adolescente que transgrediu uma norma 
(VOLPI, 2002:15).” 
 
Os objetivos das medidas socioeducativas a partir do sinase
 A Lei nº 12.594/2012 que institui o Sistema Nacional de 
Atendimento Socioeducativo – SINASE regulamenta a execução das 
medidas destinadas a adolescentes que pratiquem ato infracional. Trata-
se de um 
conjunto ordenado de princípios, regras e critérios que 
envolvem a execução de medidas socioeducativas, 
incluindo-se nele, por adesão, os sistemas estaduais, 
distrital e municipais, bem como todos os planos, políticas 
e programas específicos de atendimento a adolescentes 
em conflito com a lei. (BRASIL, 2006).
 Logo no princípio da lei, no artigo 1º, estão listados os objetivos 
de todas as medidas socioeducativas previstas no Estatuto da Criança 
e do Adolescente (ECA). São estes:
I – a responsabilização do adolescente quanto às consequências 
lesivas do ato infracional, sempre que possível incentivando a 
sua reparação;
II – a integração social do adolescente e a garantia de seus 
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA 137
direitos individuais e sociais, por meio do cumprimento de seu 
plano individual de atendimento; e
III – a desaprovação da conduta infracional, efetivando as 
disposições da sentença como parâmetro máximo de privação 
de liberdade ou restrição de direitos, observados os limites 
previstos em lei. (Art. 1º § 2º Lei nº 12.594).
 No artigo 35 da referida lei, encontram-se os princípios que 
devem reger a execução das medidas socioeducativas:
I - legalidade, não podendo o adolescente receber tratamento 
mais gravoso do que o conferido ao adulto;
II - excepcionalidade da intervenção judicial e da imposição 
de medidas, favorecendo-se meios de autocomposição de 
conflitos; 
III - prioridade a práticas ou medidas que sejam restaurativas 
e, sempre que possível, atendam as necessidades das vítimas; 
IV - proporcionalidade em relação à ofensa cometida;
V - brevidade da medida em resposta ao ato cometido, em 
especial o respeito ao que dispõe o art. 122 da Lei nº 8.069, 
de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente);
VI - individualização, considerando-se a idade, capacidades e 
circunstâncias pessoais do adolescente;
VII - mínima intervenção, restrita ao necessário para a realização 
dos objetivos da medida; 
VIII - não discriminação do adolescente, notadamente em 
razão da etnia, gênero, nacionalidade, classe social, orientação 
religiosa, política ou sexual, ou associação ou pertencimento a 
qualquer minoria ou status; e
IX - fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários no 
processo socioeducativo. (BRASIL, Lei nº 12.594/2012). 
 No que diz respeito aos objetivos das MSEs, tem-se como 
essencial a responsabilização do adolescente frente ao ato cometido 
– da qual inevitavelmente participa a desaprovação da conduta 
infracional –, somada à garantia de seus direitos enquanto cidadão e 
da possibilidade de construção de novas saídas de integração social, 
materializada em seu Plano Individual de Atendimento. Em síntese, 
responsabilização, garantia de acesso aos direitos de cidadania e 
construção de um projeto de integração social definem o objetivo do 
processo socioeducativo. 
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA138
 Já em relação aos princípios que devem reger a execução das 
medidas, percebe-se o seu caráter excepcional, breve e proporcional 
ao ato cometido. A intervenção deve acontecer no menor tempo 
possível para alcançar os objetivos almejados. O princípio da 
brevidade deve ser observado na perspectiva de que a construção denovas saídas se dará por parte do adolescente, junto a sua Rede, que 
podemos denominar como de apoio (familiar e comunitária).
 Este ponto é bastante importante para se pensar nossa relação 
com a política de Assistência Social, na qual o serviço de MSE se insere. 
Dimensionar e ter claro o foco, o tempo e como a intervenção vai 
se dar, considerando a necessidade de sanção/socioeducação, como 
também de proteção social e garantia de direitos, muitas vezes não 
é fácil no trabalho cotidiano. Isso se torna mais complexo quando se 
considera que, na maioria esmagadora dos casos, o público (incluindo 
não apenas os adolescentes, mas também seus familiares) que chega 
ao serviço é marginalizado e possui inúmeros direitos violados. 
 É absolutamente necessário se ater a todo esse contexto 
vivenciado pelo adolescente e sua família, respeitando na intervenção 
os princípios da excepcionalidade e brevidade e concluindo a medida 
sempre que os objetivos socioeducativos tenham sido alcançados. 
Porém, é imprescindível dizer que esses objetivos serão alcançados 
à medida que se considera que toda intervenção é mediada pelos 
princípios da doutrina da Proteção Integral. Não se separa, não se 
exclui, compõe. E, nessa perspectiva, a construção do cumprimento 
da medida junto ao adolescente deverá contemplar os diversos 
campos de sua vida, considerando como sujeito em desenvolvimento 
e de direitos. A família e a Rede serão convocadas a compor e se 
responsabilizar junto ao adolescente na garantia desses direitos. 
Mas, é necessário se questionar sobre a particularidade de cada 
família que se apresenta, suas condições de garantir a proteção, o 
lugar do adolescente nesse espaço familiar, o tempo de se trabalhar 
com o adolescente e o tempo de se trabalhar com o núcleo familiar. 
Esses pontos serão mais bem discutidos no capítulo posterior. A Rede 
também deve ser pensada, mas esse é um tema para outro trabalho.
a família no processo socioeducativo
 No que tange à família no Serviço de Medidas Socioeducativas, 
uma das competências dos serviços de Prestação de Serviço à 
Comunidade e de Liberdade Assistida visa “receber o adolescente e 
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA 139
seus pais ou responsável e orientá-los sobre a finalidade da medida e 
a organização e funcionamento do programa”. (BRASIL, 2006). 
 Já no artigo 49, que trata dos direitos do adolescente submetido 
ao cumprimento de medida socioeducativa, tem-se, como primeiro 
direito listado, “ser acompanhado por seus pais ou responsável e por 
seu defensor, em qualquer fase do procedimento administrativo ou 
judicial”. (BRASIL, 2006: 15). 
 A Lei nº 12.594/2012 do SINASE também prevê a obrigato-
riedade da participação da família do adolescente nas medidas 
socioeducativas, especialmente quando, no artigo 52, dispõe sobre 
o PIA – Plano Individual de Atendimento, que é “um instrumento 
de previsão, registro e gestão das atividades a serem desenvolvidas 
com o adolescente”. Nesse artigo, consta um parágrafo único que 
relembra as responsabilidades da família no processo socioeducativo 
do jovem, já previstas no ECA: 
 O PIA deverá contemplar a participação dos pais ou 
responsáveis, os quais têm o dever de contribuir com o 
processo ressocializador do adolescente, sendo esses 
passíveis de responsabilização administrativa, nos temos 
do art. 249 da Lei 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto 
da Criança e do Adolescente), civil e criminal. (BRASIL, 
2006: 16).
 
 Segundo Volpi “a operacionalização deve prever, 
obrigatoriamente, o envolvimento familiar e comunitário, mesmo no 
caso da privação da liberdade (Volpi, 2002: 21)”. E não podemos 
nos esquecer que, no princípio de número IX, postulado no artigo 
35 anteriormente citado, é previsto o “fortalecimento dos vínculos 
familiares e comunitários no processo socioeducativo.” (BRASIL, 
2006: 12). 
 O envolvimento da família no processo de construção do 
cumprimento da medida não pode ser visto como uma prática 
para atender procedimentos. É claro que o espaço primordial no 
cumprimento da MSE é construído com e para o adolescente “(...) 
partindo do que ele é, do que ele sabe, do que ele se mostra capaz, e, 
baseando nisso, busca criar espaços estruturados a partir do quais o 
educando possa ir empreendendo (ele mesmo) a construção do seu 
ser em termos pessoais e sociais (COSTA, 1997: 30). Porém não é uma 
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA140
travessia solitária, sem referências ou pontos de apoio que auxiliem o 
adolescente nessa construção. 
 No desenho do processo socioeducativo, o adolescente é 
considerado em todo o processo enquanto sujeito de direitos, 
cidadão, que possui condições de ter uma posição crítica, refletindo 
sobre seus atos e ações, “participando nas decisões de seu interesse e 
no respeito à autonomia no cumprimento das normas legais (Volpi, 
2002: p.14).” Mas também é um sujeito em transição, que necessita 
de orientações, apoio, mediações, “balizes” que venham a ser 
construídas e reconstruídas de forma positiva, sendo que uma das 
principais referências é seu núcleo familiar. Toda a constituição do 
sujeito ocorre em processos sociais e relacionais ao longo de sua vida, 
a família tem papel primordial nesse processo de desenvolvimento. 
Nesse sentido, o trabalho desenvolvido deve considerar que 
possibilidades podem ser criadas quando se envolve esse grupo na 
intervenção com o adolescente. 
 Durante o acompanhamento socioeducativo do adolescente, a 
família deve ser envolvida, considerando-se tudo aquilo que é trazido 
e posto pelos seus membros, observando como estes se organizam 
e o lugar do adolescente nessa dinâmica. Importante localizar os 
pontos de conflitos e de potencialidades presentes nessa relação, e 
pensar o “efeito” disso na posição do adolescente. 
 É necessário ressaltar que nem sempre a família representa 
uma referência de proteção aos seus membros. Torna-se fundamental 
entender a sua dinâmica, compreender os seus movimentos e a sua 
participação no processo do e com o adolescente. A partir de então, 
cabe ao técnico avaliar as situações e planejar as intervenções com 
o adolescente, a sua família e a Rede, buscando fortalecer e/ou 
construir o apoio da família no cumprimento da MSE. Também cabe 
à equipe técnica, quando necessário, mediar a inserção da família 
em outros espaços de promoção dos seus laços e fortalecimento da 
função protetiva de seus membros.
 Para além das descrições e orientações nas legislações e no 
SINASE, a família é reconhecida como um espaço de afetividade, 
proteção, acolhida, convívio, conflitos, sociabilidade, autonomia, 
exercício da cidadania. Dessa forma, ela participa ativamente e 
contribui no processo socioeducativo do jovem, indicando orientações 
e, uma vez que o fortalecimento dos vínculos familiares também é 
almejado, ela pode vir a participar de intervenções orientadas nesse 
sentido, sendo atendida com maior frequência e/ou apontando 
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA 141
encaminhamentos a serem realizados, que lhe sejam necessários, 
por exemplo. 
a vulnerabilidade social crônica nas medidas: um dilema ético
 Não é raro chegarem famílias extremamente vulneráveis, 
com demandas que extrapolam o alcance da atuação do Serviço de 
Medidas Socioeducativas frente às desigualdades, em suas múltiplas 
dimensões sociais, econômicas, políticas e culturais. Cotidianamente, 
é demandando ao serviço o acompanhamento das famílias dos 
adolescentes mediante diversas situações que perpassam o núcleo 
familiar, principalmente as situações decorrentes das violações de 
direitos. Ao serem identificadas pelos executores, é necessário refletir 
sobre qual é intervenção mais adequada e a quem lhe compete.
 Porém, percebe-se impasses em realizar essas discussões 
na Rede. Pode-se supor que tais dificuldades são oriundas de 
embaraços em relação a alguns conceitos acerca dos princípios gerais 
e organizativos da política de Assistência social.Um dos pontos a 
considerar refere-se ao entendimento sobre a centralidade da família 
e a matricialidade sociofamiliar1, previstas para todos os serviços que 
compõem essa Política. Verifica-se que muitas vezes os princípios, 
citados anteriormente, são postos como finalidades nos diferentes 
serviços desconsiderando as especificidades de cada um deles 
dentro do SUAS. Considera-se que cada serviço socioassistencial deve 
incorporar os princípios e as diretrizes da normativa nas suas ações, 
estabelecendo as suas competências, de modo que o atendimento 
e acompanhamento tenham finalidades e objetivos distintos, 
alcançando assim, os resultados esperados.
 Atualmente, em Belo Horizonte, as equipes técnicas são 
orientadas a acolher as demandas trazidas pelos adolescentes e seus 
familiares. Muitas vezes são situações que apontam para extrema 
vulnerabilidade social, necessitando de outras intervenções em 
1 Nas Diretrizes apontadas na Política Nacional de Assistência Social (PNAS) de 2004, que devem 
reger os serviços socioassistenciais, encontramos como diretriz número IV a “Centralidade 
na família para concepção e implementação dos benefícios, serviços, programas e projetos” 
(PNAS, 2004 p. 27). Nos objetivos da mesma Política, encontramos como o terceiro: “Assegurar 
que as ações no âmbito da assistência social tenham centralidade na família, e que garantam a 
convivência familiar e comunitária;” (PNAS, 2004, p. 27). E, por fim, temos, também, colocado 
como o primeiro eixo estruturante dos serviços e da rede socioassistencial, a “Matricialidade 
Sócio-Familiar” (PNAS, 2004, p. 33), que se refere à centralidade da família como núcleo social 
fundamental para a efetividade de todas as ações e serviços da política de assistência social. 
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA142
serviço socioassistencial e ou da rede de atendimento pública. Cabe 
ao técnico, no acompanhamento ao adolescente, e à própria família, 
delimitar quais questões serão trabalhadas na MSE e quais serão 
referenciadas nos demais serviços da proteção social, também com 
vistas à garantia de direitos. Nesses casos, assinala a incompletude 
institucional dos diversos serviços e, dessa forma a interlocução 
permanente, estabelecendo fluxos de encaminhamentos, informação, 
referência e contrarreferência a outros serviços socioassistenciais 
– principalmente aqueles especializados no acompanhamento a 
famílias –, é fundamental.
 Os programas socioeducativos deverão utilizar-se do 
princípio da incompletude institucional, caracterizado 
pela utilização do máximo possível de serviços (saúde, 
educação, defesa jurídica, trabalho, profissionalização, 
dentre outros), na comunidade, responsabilizando as 
políticas setoriais no atendimento aos adolescentes. 
(VOLPI, 2002:21).
 Ressaltar esse compromisso ético das no Serviço de Medidas 
Socioeducativas é particularmente importante para não corrermos 
o risco de criminalizar a pobreza, as injustiças e as vulnerabilidades 
sociais mais do que elas já são criminalizadas. Essa discussão 
proporciona a reflexão, tão importante e necessária, sobre o fazer 
na execução das medidas, atentando aos limites e possibilidades 
desse serviço no SUAS, dialogando sobre como operacionalizar o 
princípio da centralidade e a matricialidade da família no fazer da 
socioeducação. 
 Revisitando as legislações que orientam a execução do serviço, 
fica claro que deve ser considerada a centralidade da família, porem 
não é um serviço cuja especificidade seja o acompanhamento a 
famílias. A própria Tipificação Nacional dos Serviços Socioassitencias 
define: 
O serviço tem por finalidade prover atenção 
socioassistencial e acompanhamento a adolescentes e 
jovens em cumprimento de medidas socioeducativas em 
meio aberto, determinadas judicialmente. deve contribuir 
para o acesso a direitos e para a resignificação de valores 
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA 143
na vida pessoal e social dos adolescentes e jovens. Para 
a oferta do serviço faz-se necessário a observância da 
responsabilização face ao ato infracional praticado, 
cujos direitos e obrigações devem ser assegurados de 
acordo com as legislações e normativas específicas para 
o cumprimento da medida. (BRASIL, 2009: 34).
 O Serviço de Medidas Socioeducativas de LA e PSC se 
configuram como os únicos serviços dessa política de Assistência 
que possuem, além do caráter de proteção e reinserção social, 
um viés sancionatório. As medidas socioeducativas são aplicadas 
a um adolescente quando comete um ato infracional e todos os 
procedimentos devem incidir na sua responsabilização como eixo 
central da intervenção socioeducativa.
 No cumprimento da medida, caso o usuário negue o 
acompanhamento, ou seja, descumpra a medida socioeducativa, 
pode, por decisão judicial, sofrer a aplicação de sanção com a privação 
de liberdade e responder judicialmente por sua recusa. Trabalha-
se com medidas judiciais e, dessa forma, é importante se ater aos 
princípios da excepcionalidade e da brevidade na intervenção, 
buscando alcançar a responsabilização do adolescente. Tomar o 
processo socioeducativo do adolescente, judicialmente imposto, 
como algo indiferenciado do tratamento a ser dado às demandas 
assistenciais e às vulnerabilidades que sua família possa apresentar, 
significa judicializar tais vulnerabilidades, gerando um impasse 
importante a ser problematizado. 
 A abordagem e os procedimentos metodológicos do serviço 
de MSE imprimem características no desenho das suas ações 
que garantem a construção do caso a caso. Isso significa que o 
acompanhamento é um processo a ser construído com o adolescente 
e a sua família, a partir da identificação de potencialidades, riscos e 
vulnerabilidades apontadas por eles. Pode-se ainda ofertar diferentes 
possibilidades de intervenção, encaminhamentos para outros serviços 
da rede e até mesmo a concessão de benefícios socioassistenciais, 
necessários à superação da demanda apresentada. Tais estratégias 
visam potencializar os recursos e a capacidade de proteção da família. 
 Porém, quando a vulnerabilidade familiar é crônica, exige 
um tipo de cuidado e manejo que não coincide com o processo 
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA144
socioeducativo do adolescente. O tempo de conclusão do processo 
socioeducativo nem sempre coincide com o tempo necessário de 
acompanhamento à família frente as suas demandas e complexidades 
das suas relações. Portanto, o adolescente não pode responder 
judicialmente pelas vulnerabilidades que seu contexto sociofamiliar 
apresenta, cabe a ele responder e se responsabilizar pela autoria da 
prática infracional. É direito da família e do adolescente que essas 
demandas sejam tratadas por um serviço da proteção social, e não 
em uma medida judicial, em que o que está em jogo é um processo 
infracional em nome do adolescente.
CONSIDERAçÕES FINAIS
 O Circuito “Família” teve como função provocar discussão 
e tecer elementos que possam contribuir para o direcionamento 
do trabalho realizado com famílias nas MSE´s em meio aberto. 
Fortalecer a concepção desse trabalho e aprimorar a prática para 
os executores também eram objetivos almejados pelo grupo de 
discussão. A ampliação do debate, por meio de conversas e perguntas 
em torno do tema, propiciou aos participantes obterem mais clareza 
da prática e do foco de intervenção, não apenas com as famílias dos 
adolescentes, mas também com o conjunto da rede de atendimento 
a esse público na cidade. Os tensionamentos presentes nos fluxos 
de trabalho e em conceitos disseminados no cotidiano da prática 
foram apontados e discutidos, e saídas para os impasses que tais 
tensionamentos suscitam também puderam ser rascunhadas. 
 Ao longo do percurso construído, ficou claro que a forma com 
que a família estará presente no acompanhamento – presença prevista 
para todas as suas etapas – deve ser construída junto ao adolescente. 
Cabe a ele apontar quais são suas referências positivas,seus pontos 
de embaraço e sofrimento, suas fragilidades e potencialidades, assim 
como determinar seu espaço e seu tempo de elaboração. O técnico, 
mediador dessa construção, deve estar atento a esses detalhes, 
considerando-os no planejamento de seu trabalho. É igualmente 
importante não perder de vista que existe uma responsabilidade da 
família nesse processo. O convívio familiar e comunitário é direito de 
todos os adolescentes, inclusive daqueles a quem se atribui prática 
de ato infracional. 
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA 145
 Conforme nos esclarece o autor Antônio Carlos Gomes da 
Costa, 
Existir para o adolescente não é um problema metafísico, 
é dispor de alguns bens (materiais e não materiais) 
essenciais. O primeiro deles é ter valor para alguém, ser 
acompanhado e aceito, estimado num universo que lhe é 
particular, onde possa desenvolver as capacidades ainda 
não (ou insuficientemente) manifestas de sua pessoa 
(Costa, 1997, p: 40).
 Considera-se que a família é um dos bens mais essenciais dos 
quais os adolescentes dispõem na construção de sua existência. 
Assim, torna-se ainda mais importante ao Serviço de Medidas de LA 
e PSC trabalhar junto ao grupo familiar, orientado pelas necessidades 
e particularidades que o adolescente e seus familiares apresentam. 
 Este trabalho consistiu em um ensaio reflexivo sobre o fazer 
com as família no Serviço de Medidas Socioeducativas em Meio 
Aberto. Foram discutidos os eixos e a estrutura do serviço, suas 
ações e formas de implementação bem como sobre as metodologias 
existentes. Toda essa discussão esteve alinhada a conceitos, 
concepções e diretrizes definidas nas normativas vigentes sobre o 
tema em questão. Reconhece-se que ainda há poucas publicações 
e teorizações sobre o assunto, existindo, portanto, um terreno fértil 
e propício à construção de reflexões e produção. Espera-se que essa 
exposição favoreça à continuidade desse debate e estimule novas 
construções. 
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA146
REFERêNCIAS
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nº. 8.069, de 13 de julho de 1990. 
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8.742 de 7 de dezembro de 1993, publicada no DOU de 8 de dezembro de 
1993. 
BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. norma 
Operacional básica nOb/suas. Brasília, 2005.
BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Política 
nacional de assistência social - Pnas. Brasília, 2004. 
BRASIL. lei nº 12.594 de 18 de janeiro de 2012. Institui o Sistema Nacional 
de Atendimento Socioeducativo (SINASE), regulamenta a execução das 
medidas socioeducativas destinadas a adolescente que pratique ato 
infracional; e altera as Leis nos 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da 
Criança e do Adolescente); 7.560, de 19 de dezembro de 1986, 7.998, de 
11 de janeiro de 1990, 5.537, de 21 de novembro de 1968, 8.315, de 23 
de dezembro de 1991, 8.706, de 14 de setembro de 1993, os Decretos-Leis 
nos 4.048, de 22 de janeiro de 1942, 8.621, de 10 de janeiro de 1946, e 
a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei no 
5.452, de 1o de maio de 1943.
BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. tipificação 
nacional de serviços socioassistenciais - Resolução 109, de 11 de novembro 
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COSTA, Antônio Carlos Gomes da. Pedagogia da presença, da solidão ao 
encontro. Belo Horizonte: Modus Faciendi, 1997.
SARAIVA, João Batista Costa. sinase, lOas, suas, mDs, CReas, CRas, 
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infracional: os riscos da revivência da doutrina da situação irregular sob um 
novo rótulo. 2010. Disponível em: www.jbsaraiva.blog.br/blog, Acesso em: 
22 de outubro de 2014.
VOLPI, Mário (Org.). O adolescente e o ato infracional. São Paulo: Cortez, 
2002.
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA 147
CIRCUITO DE
TOXICOMANIA
E SAÚDE MENTAL 
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA148
Amilton Alexandre
Flaviane Bevilaqua
Maira Freitas
Marlúcia Oliveira
USO DE DROGAS: UMA 
ABORDAGEM POSSíVEL 
NO SERVIçO DE MEDIDAS 
SOCIOEDUCATIVAS EM 
BELO HORIZONTE
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA 149
 A proposta deste Circuito surge a partir de alguns impasses 
vivenciados na prática do atendimento aos adolescentes em 
cumprimento de medida socioeducativa de liberdade assistida e 
prestação de serviço à comunidade. Os encontros foram permeados 
por várias discussões, tanto políticas quanto clínicas, em torno da 
criminalização do uso de droga, da aplicação de medida protetiva 
para tratamento toxicômano, conforme estabelecido no Estatuto 
da Criança e do Adolescente, e principalmente em relação a quais 
respostas possíveis a intervenção socioeducativa pode encontrar 
para os casos de uso abusivo de drogas. 
 O consumo de drogas sempre esteve presente na sociedade 
e ocupa, ao longo da história, lugares privilegiados como elemento 
fundamental nos rituais religiosos, presença constante em momentos 
de comemoração e envolvido em diferentes simbolismos (Gigliottia 
& Bessa, 2004). Dessa forma, esse consumo não pode ser analisado 
isoladamente, mas, sim, deve ser visto no conjunto da vida social, 
uma vez que as consequências desse uso dependem de fatores 
psicológicos, contextuais, culturais e das propriedades das substâncias 
entorpecentes (Andrade & Espinheira, 2008). 
 Em se tratando de adolescência, verifica-se que esta constitui 
um momento peculiar na vida do sujeito, momento de transformação 
da imagem, do corpo, uma vez que não se é criança, mas também 
ainda não é adulto, vive-se numa travessia. Nesse momento, o sujeito 
vive o desligamento da autoridade dos pais, e uma aproximação e 
identificação com o seu grupo de pares (Marques & Cruz, 2000). O 
encontro do adolescente com a droga é um fenômeno muito mais 
frequente do que se pensa e, por sua complexidade, difícil de ser 
abordado.
 Esse período de transformações, de não saber fazer diante 
do encontro com o outro sexo, junta-se a exigências de responder 
a normas e padrões da sociedade que o coloca num lugar de 
desconforto e angústia. Se, para o adolescente, há uma instabilidade 
causada pela sua condição de adolescer, para o técnico do Serviço das 
Medidas Socioeducativas, a necessidade é reconhecer e considerar 
essa condição desse jovem.
 Durante o acompanhamento no Serviço de Medidas 
Socioeducativas, alguns adolescentes são apreendidos e recebem 
medida protetiva numa perspectiva de garantia dos direitos quando 
estes já foram ameçados ou violados. Recebem, além da medida 
socioeducativa, as Medidas Protetivas V prevista no ECA, que se refere 
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA150
à requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em 
regime hospitalar ou ambulatorial; e a Medida Protetiva VI, que impõe 
a inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação 
e tratamento de alcoólatras e toxicômanos. A aplicação dessas 
medidas protetivas se dá, na maioria dos casos, em resposta ao relato 
do adolescente e/ou de seu familiar sobre o seu envolvimento com 
as drogas ou quando o adolescente é apreendido com quantidade 
de drogas que atribui ao ato infracional somente como uso. São 
relatos breves em um espaço em que não há a possibilidade de uma 
avaliação técnica sobre seu envolvimento, tendo frequentemente 
encaminhamentos precipitados ou equivocados. 
 É notável que o Serviço de Medidas Socioeducativas tem 
recebido, frequentemente, adolescentes que relatam uso de drogas. 
Muitas vezes os familiares que nos endereçam dificuldades em lidar 
com esses adolescentes e o uso, demarcando que esse uso segrega-o 
da convivência familiar e impossibilita-o de construir novos projetos 
para sua vida. 
 As instituições públicas também nos trazemos embaraços 
vivenciados com adolescentes usuários de drogas. A infrequência dos 
adolescentes nas instituições, as poucas participações em atividades, 
apatias ou agitações são justificativas atribuídas como consequência a 
esse uso, sem de fato considerar o sujeito adolescente e as condições 
que o faz usar a droga. 
 Os adolescentes nos apresentam os excessos no uso da droga 
e as consequências nefastas vivenciadas no corpo e nos laços sociais. 
Relatam o uso da droga e a dimensão que esta prática ocupa na vida, 
com todos os seus desdobramentos e efeitos. Há ainda aqueles que 
não conseguem sequer elaborar de forma reflexiva esse mal-estar 
que vivem no corpo. 
 Faria lembra que o usuário de drogas “é aquele que chega ao 
serviço tentando fazer acreditar que há um problema entre ele e a 
droga” (FARIA, 2006, p.35). Nesses casos, os sujeitos já localizam o 
seu uso de drogas e se nomeiam como usuários, mas que chegam 
nos serviços sem demandas e sem transferência. No caso dos 
adolescentes autores de atos infracionais, é comum essas nomeações 
vir dos outros: judiciário, família, escolas e outras instituições, mas 
muitas vezes, não se trata de uma questão para o jovem. 
 Com isso, surgem algumas questões inerentes ao 
acompanhamento no Serviço de Medidas Socioeducativas: qual 
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA 151
tratamento possível nas medidas socioeducativas? O que cabe a cada 
técnico deste Serviço das Medidas Socioeducativas em Meio Aberto 
no acompanhamento destes adolescentes? Seria o uso de drogas 
uma demanda endereçada a este serviço?
 No início do cumprimento das medidas socioeducativas, 
o jovem se depara com a proposta de construção de seu Plano 
Individual de Atendimento – PIA. O PIA consiste, segundo a própria 
lei, 12.594/2012, em instrumento de previsão, registro e gestão das 
atividades a serem desenvolvidas com o adolescente. É citado em outra 
parte da lei que esse projeto será elaborado sob a responsabilidade 
da equipe técnica do respectivo programa de atendimento, com a 
participação efetiva do adolescente e de sua família, representada 
por seus pais ou responsável. 
 Esse processo se aproxima bastante de uma concepção que a 
saúde propõe para cada usuário do sistema, sobretudo no que diz 
respeito à saúde mental e ao usuário de drogas: o projeto terapêutico. 
Cirino cita que:
 “Este projeto, sempre individual, é definido como 
conjunto de ações propostas ao usuário, com o objetivo 
de incentivar o aumento de sua autonomia, organizar o 
aumento de sua permanência/frequência na instituição e 
propiciar melhoria na sua qualidade de vida. Ela deve se 
fundamentar nas queixas, nas escolhas, nas necessidades 
e nas aspirações dos usuários, bem como nos recursos 
dos CAPSad para sua realização” (CIRINO & MEdEIROS, 
2006, p. 43).
 O primeiro ponto orientador da nossa prática é o princípio 
ético não segregativo. Como nos adverte Beneti: “Necessário hoje 
não recuar diante desse real contemporâneo, que é o consumo de 
droga” (BENETI, 2014, p.28). Não recuar é suportar o encontro com o 
real, dando lugar à palavra, para que cada adolescente possa dizer da 
sua vida, da história, e de seu encontro com a droga. Ao escutar esse 
adolescente, é importante manter-nos afastados de julgamentos e da 
visão estigmatizante que a sociedade imprime ao usuário de drogas. 
Usuários de drogas são mais estigmatizados pela sociedade que 
outros agravos de saúde. Com essa marca imposta pela sociedade, 
são considerados, únicos responsáveis pela sua condição, colocando 
mais dificuldades na abordagem e tratamento de seu uso/abuso de 
droga. (CORRIGAN et al. 2005; SCHOMERUS et al. 2011).
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA152
 Nesse sentido, a condição de estigmatização se torna muito 
mais danosa ao sujeito do que o próprio uso em si. Pertencer a um 
grupo socialmente desvalorizado, pode produzir uma identificação 
com tais estigmas e reforçar uma segregação, sem que elas ocorram 
efetivamente.
 Diante desse desvalor social sobre o adolescente usuário de 
drogas, deparamo-nos com adolescentes silenciados, mortificados, e 
sem alcance das políticas públicas. A orientação ética na condução 
desses casos visa querer saber qual o lugar, a função desse objeto na 
vida de cada adolescente. A pergunta se endereça ao sujeito, e não 
ao objeto droga. “Vamos escutar esse tipo de sujeito, vamos dar a 
palavra a esse tipo de sujeito, desejando saber por que ele consome 
esta substância droga.” (BENETI, 2014, p.28). 
 Ao dar a palavra, se instaura o lugar da acolhida. Um lugar que 
o sujeito pode se colocar, a despeito de qualquer preconceito ou 
julgamento, de qualquer saber a priori. 
“O que se oferece na entrada, mais do que um diagnóstico 
e um saber fazer, é a hospitalidade, a oferta de um lugar 
para o sujeito depositar o sofrimento que porta em si, 
para desembaraçar-se disso.” (BARROS, 2010, p.58). 
 Em relação ao acolhimento desses adolescentes nessa 
condição, nos reportamos também à reflexão da professora Gontijo 
(2006), quando esta faz referência à necessidade da hospitalidade 
para o ato de acolher. Uma hospitalidade que nos remete a acolher o 
“estrangeiro”, aquele que não sabemos como chegará. Portanto, esse 
acolhimento é anterior à demanda, ou seja, não deve haver nenhuma 
condição prévia ao acolhimento.
 Nesse espaço de acolhimento, o técnico se posiciona para a 
construção de um vínculo com o adolescente. Estabelecer vínculo 
exige um movimento de abertura, sensibilidade e compromisso do 
profissional para conhecer esse adolescente, suportando a própria 
dinâmica da adolescência. 
 Por meio do vínculo estabelecido com o adolescente, será 
possível provocar reflexões importantes sobre o uso da droga, e 
com isso, possibilitar a construção de novas soluções, respeitando 
as escolhas do próprio sujeito. Ressaltamos que o sujeito não deve 
ser olhado apenas a partir do seu consumo de drogas e, sim, em sua 
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA 153
totalidade, considerando seus desejos, dificuldades e potencialidades. 
Os novos modos do adolescente se enlaçar com a cidade aponta para 
saídas diante dos prejuízos ocasionados pelo uso de drogas.
ACOLHIMENTO, ORIENTAçÃO E 
ENCAMINHAMENTO
 As discussões desse circuito caminharam para a compreensão 
que o tratamento possível de ser ofertado ao adolescente usuário de 
drogas no Serviço de Medidas Socioeducativas em Meio Abertoa ponta 
para esta tríade: Acolhimento, Orientação e Encaminhamento. 
 O acolhimento qualificado e cuidadoso conforme discorrido 
anteriormente é o ponto crucial na vinculação do jovem ao serviço 
e é o ponto de partida para a construção de uma demanda, seja na 
perspectiva do tratamento do uso de drogas ou de outras escolhas 
que o próprio adolescente visualiza como alternativa para sua vida, 
como o trabalho, o retorno à escola, um namoro. Escolhas que 
demonstram que o uso de droga não mais ocupa o lugar central. 
 Frente aos adolescentes que expressam demanda por 
tratamento, o Serviço das Medidas Socioeducativas pode contribuir 
como ponto de interlocução entre o adolescente e o serviço de saúde 
mais adequado.
 As discussões desse circuito refletiram as ações da Assistência 
Social em articulação com todas as outras políticas/instituições que 
também possam estar envolvidas nessa temática: Saúde, Educação, 
Judiciário, Esporte, Cultura, entre outros. Por se tratar de uma temática 
complexa, faz-se necessário que todas as ações e intervenções se deem 
de forma articulada e complementar, entretanto sem desconsiderar as 
especificidades e o alcance de cada política no tratamento do usuário. 
 Trabalhar a perspectiva da incompletude institucional, 
já lembrada no ECA, contribui para percebermos que tanto 
“diagnósticos” quanto decisões devem ser trabalhadas de 
forma responsável e zelosa com adolescente usuário de 
drogas. Conforme refletido no Curso SUPERA1, desenvolvido 
pela Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas, 
1 SUPERA: Sistemapara detecção do Uso abusivo e dependência de substâncias 
Psicoativas: Encaminhamento, intervenção breve, Reinserção social e 
Acompanhamento/ coordenação [da] O Sistema Único de Assistência Social e as 
Redes Comunitárias: módulo 7. - 5.ed – Brasília: Secretaria Nacional de Políticas 
Sobre Drogas, 2014. 148 p
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA154
Ao desenvolver o Plano Individual de Atendimento (PIA) 
de cada adolescente, a equipe do serviço deverá estar 
atenta ao seu contexto de vida, considerando suas 
relações familiares, comunitárias e sociais. Nas situações 
em que a equipe do serviço perceber o uso ou dependência 
de crack e outras drogas, deverão considerar essa 
situação para o desenvolvimento do acompanhamento, 
esclarecendo o adolescente e seus familiares sobre as 
possibilidades de tratamento e a sua importância. Nessas 
situações, o acompanhamento no serviço deverá utilizar-
se de estratégias para motivar e apoiar o adolescente e 
sua família na busca por cuidados de saúde. (SUPERA, 
2014, p.50).
 Assim, o acompanhamento no Serviço de Medidas 
Socioeducativa em Meio Aberto tem uma função importante de acolher 
o adolescente e suas demandas, orientar sobre as possibilidades de 
tratamento, bem como construir um encaminhamento. O técnico 
pode se constituir como ponte: entre aquele que demanda e o lugar 
possível de tratamento. 
 A orientação acerca das possibilidades ofertadas na rede 
depende do mapeamento prévio das instituições e tratamentos 
existentes, respeitando sempre a posição do sujeito frente a essa 
oferta. E, por último, o encaminhamento deve se dar a partir da 
interlocução entre os diferentes atores presentes, demandando, 
inclusive, reuniões para estudo de caso, onde podemos socializar 
as impressões obtidas pelo serviço, e a partir daí construir, 
conjuntamente, estratégias de intervenções possíveis para o caso. 
 Várias intervenções podem ser trabalhadas com o adolescente 
que traz essa questão para os atendimentos e demanda tratamento. 
Cabe ao técnico deste serviço, além de realizar o manejo nos 
atendimentos, mapear a rede de atendimento em saúde ofertada no 
território para realizar os encaminhamentos qualificados, bem como 
considerar as instituições pertinentes a cada caso.
 A construção de um encaminhamento preciso deve considerar 
vários aspectos para além de uma concepção reducionista da saúde/
doença. Dessa forma, em consonância com a Politica de Atenção ao 
Usuário de álcool e Outras Drogas (BRASIL, 2004), o olhar que se deve 
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA 155
ter para cada caso não deve perpassar somente pela abordagem 
médico-hospitalar. Deparamo-nos muitas vezes com famílias e 
algumas instituições que demandam “tratamento” numa lógica de 
exclusão e separação do usuário do convívio social.
 O que se é esperado, na abordagem e tratamento de saúde 
dos adolescentes, é reconhecer diversas práticas como processos 
positivos frente ao uso de drogas
“... temos que, necessariamente, lidar com as 
singularidades, com as diferentes possibilidades e escolhas 
que são feitas. As práticas de saúde, em qualquer nível 
de ocorrência, devem levar em conta esta diversidade. 
devem acolher, sem julgamento, o que em cada situação, 
com cada usuário, é possível, o que é necessário, o que 
está sendo demandado, o que pode ser ofertado, o que 
deve ser feito, sempre estimulando a sua participação e o 
seu engajamento.” (BRASIL, 2004).
 A saúde pública ainda enfrenta várias questões em relação à 
atenção ao usuário de álcool e outras drogras. Entretanto, ressaltamos 
que o encaminhamento do adolescente em cumprimento de medida 
socioeducativa para acolhimento/tratamento nessa rede de saúde do 
município se faz necessário e importante. 
 O trabalho do Serviço de Medidas Socioeducativas com os 
adolescentes que fazem uso abusivo de drogas percorre o caminho do 
acolhimento, orientação e encaminhamento, considerando sempre as 
construções feitas pelo sujeito. Essa abordagem se insere como parte 
de uma rede de proteção social ao usuário e sua família, integrando a 
tantas outras ações e políticas, necessárias a cada situação. 
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA156
REFERêNCIAS
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SCHOMERUS, Georg. et al. The stigma of alcohol dependence compared 
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JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA 157
OS EFEITOS DO 
DISCURSO CAPITALISTA 
NA SUBJETIVIDADE 
CONTEMPORâNEA E NA 
NOSSA PRáTICA NO SERVIçO 
DE PROTEçÃO SOCIAL 
A ADOLESCENTES EM 
CUMPRIMENTO DE MEDIDAS 
SOCIOEDUCATIVAS
Laura F. Campos de Pinho
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA158
 A toxicomania se apresenta como um fenômeno recorrente na 
contemporaneidade, ainda que possamos afirmar que seja oriundo 
da modernidade. Dessa época podemos recortar um panorama não 
muito diverso do nosso atual: a ciência e o capitalismo adquirindo 
espaço e poder nos mais diversos campos do saber e do social.
 Não podemos confundir, entretanto, o fenômeno 
toxicomaníaco contemporâneo com a história das drogas. Na 
antiguidade era muito comum o uso de drogas associado a práticas e 
rituais culturais e religiosos. Nessa época o homem fazia uso da droga 
e ficava sob o efeito dela para cultuar seus deuses, rituais geralmente 
experimentados por um grupo de pessoas com ideais comuns. 
Caracterizava-se por um uso restrito e controlado, diferentemente do 
que testemunhamos hoje, em que, segundo Eric Laurent (1994), há 
um efeito exagerado, um consumo generalizado jamais presenciado 
na história; e a proliferação de um saber testemunhado pelas 
tecnologias, à medida que se identifica absolutamente com as leis do 
mercado.
 É uma sociedade caracterizada pela falência dos ideais que, 
como afirma categoricamente Cristina Sandra Pinelli Nogueira, 
“perdem terreno para os objetos deconsumo, instalando uma crise 
de identidade cultural e econômica.” (NOGUEIRA, 1996, p.124). O 
sujeito fica diminuído em um espaço onde não é permitido desejar, 
pois a oferta surge antes mesmo da demanda. Não há lugar para a 
subjetividade de cada um, e a sociedade capitalista determina que se 
consuma cada vez mais, sobrepondo-se a ação sobre o dizer. Nesse 
contexto, o sujeito não se permite e nem mesmo admite a falta, pois 
pode até ser condenado por isso.
 A incidência do fenômeno da toxicomania é o que podemos 
caracterizar como efeito do discurso capitalista (LACAN, 1992). O 
discurso é um modo de estabelecer laços com o outro, uma atitude 
frente ao outro, pois sempre que se está em uma relação com outra 
pessoa, se está inserido em um discurso.
O discurso como laço social é um modo de aparelhar o 
gozo com a linguagem na medida em que o processo 
civilizatório, para permitir o estabelecimento das relações 
entre as pessoas, implica a renúncia da tendência pulsional 
em tratar o outro como um objeto a ser consumido: 
sexualmente e fatalmente. (qUINET, 2006: p. 17).
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA 159
 Na Idade Moderna, Descartes, no campo filosófico, inaugura 
o pensamento moderno. Com o cogito cartesiano, instaura-se 
a alteridade do mundo, e o sujeito se assegura de o que está 
representado na consciência. Trata-se de uma certeza básica na 
qual se está seguro de poder representar “o todo” e dominar todo 
o representado. O mundo se torna objeto e, ao mesmo tempo, 
se agrega um conceito novo que surge fundamentalmente com 
Descartes, o conceito de sujeito pensante. Segundo Lacan, trata-se 
“da ideia imaginaria do todo, tal como o corpo a proporciona, como 
algo que se sustenta na boa forma de satisfação, no que, no limite, 
constitui una esfera […]” (LACAN, 1969-70, p. 31, nossa tradução).
 Nesse sentido, o discurso capitalista também introduz a ideia 
de que há uma complementaridade entre sujeito e objeto. Em todo 
lugar, há um bombardeio de serviços e objetos de consumo que 
prometem uma vida plenamente feliz. Os gadgets1, como as drogas, 
por exemplo, são oferecidos como suplência à divisão inerente ao 
sujeito. Relacionar-se com objetos possibilita que o sujeito se satisfaça 
com uma suposta plenitude.
 O objeto na psicanálise, em contrapartida, não é um 
complemento do sujeito, o objeto provoca a divisão. O objeto da 
ciência se diferencia do objeto da psicanálise, o qual é qualquer 
coisa, menos objetivo, pois está vinculado ao sujeito do inconsciente. 
A psicanálise estabelece um objeto diferente, o objeto a, que causa 
a divisão do sujeito. O par sujeito-objeto do conhecimento fica 
profundamente subvertido pela psicanálise.
 A certeza de saber, o que a ciência busca, não é o mesmo que 
aquele saber que concerne a cada um de nós como sujeito. Lacan 
assinala que, na experiência psicanalítica, há uma relação muito 
particular de um sujeito com o saber que tem acerca de si mesmo; 
o qualifica como sintoma. O sujeito se fixa a certa experiência à qual 
não está sozinho, senão que orientado por um saber que se manifesta 
no sintoma.
 Entretanto, sabemos que a subjetividade é histórica e as 
configurações clínicas se modificam com o tempo, perante outras 
constelações de saber. Hoje há novas relações do sujeito com o saber, 
o que produz novas formas de subjetivação.
1 São bugingangas, segundo Lacan, “pequenos objetos a que vão encontrar ao sair, no 
pavimento de todas as esquinas, atrás de todas as vitrines, na proliferação destes objetos feitos 
para causar o desejo de vocês.” Lacan, Jacques. O Seminário XVII: no avesso da psicanálise - Rio 
de Janeiro: Jorge zahar, 1992, pg - 172
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA160
 O contexto atual traça o plano ideal para a emergência de 
uma série de sintomas que se diferencia radicalmente dos sintomas 
clássicos da época de Freud. Os novos sintomas, chamados também 
de sintomas contemporâneos, ou patologias do ato, não são sintomas 
no sentido freudiano, não são formações do inconsciente. Nesse 
leque de novos sintomas, a toxicomania, ou o abuso de drogas, se 
apresenta de modo frequente na nossa prática.
 Os sintomas que se apresentam hoje possuem certas 
particularidades que colocam limites à nossa prática. Entretanto, 
assim como aconteceu com a psicose – que em outra época era 
colocada nos limites abordados pelo discurso psicanalítico – não se 
deve retroceder diante dos novos sintomas; “… melhor, pois, que 
renuncie quem não possa unir a seu horizonte a subjetividade de sua 
época.” (LACAN, 1971, nossa tradução).
 Com essa perspectiva, não podemos ter como objetivo 
imediato um tratamento psicanalítico. Desse modo, ainda que não 
seja o discurso analítico o qual opera na nossa lida diária com os casos 
de uso e abuso de drogas, é importante apostar que há lugar para o 
desejo na nossa prática. Mesmo sem haver demanda, é imprescindível 
que sempre haja acolhida, aceitando o próprio ato como demanda; e, 
do nosso lado, um ato de oferta de amor, um convite ao dizer. 
 Com o objetivo de ilustrar como se apresentam os casos de uso 
e abuso de drogas na contemporaneidade, trazemos o caso de um 
jovem que foi acolhido no Serviço de Proteção Social a Adolescentes 
em Cumprimento de Medidas Socioeducativas no dia 04 de outubro 
de 2013. 
 Carlos compareceu desacompanhado aos primeiros 
atendimentos. À primeira vista, não me pareceu ser um jovem 
recém-saído da adolescência. A vestimenta simples, tal como sua 
feição e postura, era expressão de alguém que havia vivido mais do 
que aqueles 19 anos.
 Natural de Belo Horizonte, Carlos estava certo de que havia 
nascido em Betim, talvez porque morou em mais lugares do que 
gostaria. Os pais de Carlos nunca viveram juntos, mas lhe deram 
muitos irmãos, mais especificamente vinte, alguns dos quais pouco 
se têm notícia, outros que estão muito ocupados em descumprir a 
lei, mas há aquele que o “entende bem”. Sua mãe vive hoje em uma 
cidade da região metropolitana de Belo Horizonte com seu atual 
companheiro e tem mais três filhos. Com eles, Carlos viveu até os 13 
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA 161
anos, mas, ao ver o padrasto bater em seu irmão Luiz, o enfrentou. 
Não se dava muito bem com ele, que batia nos seus irmãos e em sua 
mãe. Devido a isso, saiu de casa para morar com o pai. 
 Seu pai tem mais dezessete filhos, de diferentes 
relacionamentos. Carlos não tem boa convivência com o pai, que tem 
envolvimento com o tráfico, assim como vários de seus filhos. Após 
um desentendimento com o pai, este queimou seus documentos e 
roupas, o que o motivou a sair de casa e viver na rua. É com muita 
revolta que fala sobre o pai, que causou muito sofrimento a ele e sua 
mãe. Esse pai que insiste em lhe dar uma “boca de fumo” para ele 
ganhar muito dinheiro. “Essa herança eu não quero”, diz Carlos.
 Durante o tempo em que viveu com o pai, começou a fazer 
uso de drogas e também a vendê-las. Seu pai era chefe do tráfico 
e dono de algumas bocas de fumo numa região de Belo Horizonte. 
Costumava pedir ao filho que ficasse com ele e cuidasse de uma das 
bocas, pois dessa forma ele iria ganhar muito dinheiro. Contudo, 
Carlos resistiu a esse pedido, e brigava com o pai, chegando algumas 
vezes às vias de fato. Certa vez, chegou ao atendimento machucado, 
com o olho roxo, dizendo que havia brigado com o pai, devido a sua 
insistência em tê-lo como seu sucessor no tráfico de drogas. 
 Ao ser convidado a dizer o que lhe trazia ao Serviço de Medidas 
Socioeducativas, começou contando sobre a briga com o pai, que 
havia queimado todos os seus documentos, e tempo depois, quando 
foi à delegacia fazer um boletim de ocorrência, constava um Mandado 
de Busca e Apreensão em seu nome. Na ocasião, não apresentou 
nenhuma resistência e se dirigiu, junto aos policiais, ao CIA-BH Centro 
Integrado de Atendimento ao Adolescente Autor de Ato Infracional, 
para uma Audiência de Justificação2. O Promotor de Justiça requereu 
a conversão daMSE de Liberdade Assistida aplicada em outubro de 
2012 para a de Prestação de Serviços à Comunidade, proposição que 
foi acolhida pelo juiz.
 De acordo com a CAI (Certidão de Antecedentes Infracionais) 
do jovem, sua trajetória infracional é curta, resumindo-se a furtos da 
época em que vivia na rua, e uma passagem pelo tráfico, no qual 
“soube entrar e sair”. Cometeu um roubo no ano passado, mas 
não iniciou o cumprimento da medida socioeducativa de liberdade 
assistida, pois perdeu o encaminhamento. Nessa ocasião, estando 
2 Trata-se de uma audiência em que o adolescente é intimado a comparecer para justificar o 
descumprimento da medida socioeducativa à ele determinada judicialmente.
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA162
em situação de rua há aproximadamente dois anos, recebeu também 
a medida protetiva referente ao Art. 101, inciso VII do ECA, e foi 
encaminhado a uma Casa de Passagem3, onde ficou pouco tempo até 
completar 18 anos.
 Sobre sua passagem pelo abrigo, a diretora afirma que 
constava no prontuário a informação de que o jovem era sozinho, não 
tinha pai, mãe ou irmãos. Lembro-me de haver pensado se aquela 
história contada não era apenas uma estória, um conto, fragmentos 
de memória encobertos de tragédia e fantasia.
 Após sair do abrigo, voltou a ficar em situação de rua. 
Permanecia nos arredores de uma praça da cidade, e "dormia de 
dia porque tinha medo de dormir à noite, por medo de acontecer 
algo". Durante esse período, o uso de drogas aumentou, era uma 
maneira encontrada por ele de suportar viver nas ruas. Foi então que 
conheceu um rapaz, chamado Renato, que o levou para morar com 
ele por dois meses. Por meio desse rapaz, conheceu também Renata, 
e foi convidado por ela a trabalhar na marcenaria que ela mantém em 
sua residência, passando também a morar com ela.
 Sobre seu relato, poucos eram os elementos para confirmá-lo. 
Talvez fosse o suficiente para conduzir o acompanhamento até onde 
aquele sujeito o quisesse ou pudesse levar, mas sabia que precisava 
colher mais dados a respeito daquele jovem e fui movida por um 
desejo de saber mais sobre aquele que se apresentava como Carlos. 
Muitos foram os contatos realizados para ir tecendo, junto a ele, a 
trajetória de sua vida. 
 A partir de demanda do próprio jovem, o Serviço de MSE 
entrou em contato com o CRAS (Centro de Referência da Assistência 
Social) da cidade de sua mãe com o objetivo de localizá-la. A equipe se 
disponibilizou a visitar essa família e nos informar sobre o endereço. 
Entretanto, o jovem resolveu se antecipar e viajar sozinho para lá. 
Lembro-me de que naquele dia chegamos a entrar na internet para 
ver o mapa de sua cidade, onde ele conseguiu localizar sua escola e 
uma ou duas ruas conhecidas, onde talvez um tio pudesse continuar 
vivendo até hoje. Dizia lembrar-se também que a mãe costumava 
trabalhar como doméstica na casa de uma família que sabia onde 
era. Confesso que não sabia se aquele seria de fato seu destino, ou se 
3 Trata-se de um acolhimento institucional, no qual crianças e adolescentes são acolhidos 
provisoriamente a partir de um encaminhamento realizado pelo juizado da criança e juventude, 
aguardando um possível retorno à convivência familiar e comunitária.
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA 163
voltaria a procurar o serviço, mas, em uma espécie de aposta acertada, 
forneci-lhe alguns vales sociais, o suficiente para a passagem de ida, 
pois astuto como era, ele me garantiu que conseguiria a de volta.
 Foi então que poucos dias depois um senhor ligou informando 
que Carlos havia ido à sua casa à procura da Sra. Jucélia, sua empregada, 
e que ele havia passado esse número e pedido para ele entrar em 
contato comigo, avisando que havia encontrado sua mãe. Esse 
senhor era um Promotor de Justiça aposentado que conhecia Carlos 
desde a infância, e agora queria saber se ele havia ido àquela cidade 
fugindo da polícia, informação que insisto em retificar e esclareço 
sua situação atual. Foi assim que consegui entrar em contato com a 
mãe de Carlos e ter a notícia de que ele havia começado a trabalhar 
informalmente na construção civil. Após contato com a Sra. Jucélia, 
no dia 04 de novembro, o jovem e sua mãe compareceramao CREAS 
(Centro de Referência Especializado de Assistência Social da Regional 
Leste de Belo Horizonte).
 Nessa ocasião, Carlos apresentou-se com a mesma feição do 
jovem amadurecido que me pareceu na primeira vez que o encontrei. 
Mas agora estava cuidado, com um sorriso no rosto que lhe era 
comum, e com a mesma disponibilidade de sempre.
 Sua mãe conta que ele chegou à cidade dizendo que havia 
estado preso e por isso estava sumido e apresentava-se descuidado. 
Ela se dirige a ele dentro da sala de atendimento e lhe pergunta por 
que não havia dito a verdade. Ele não soube responder, mas disse que 
foi para as ruas porque “queria ter minha independência”, “conquistar 
minhas coisas sozinho” e escrever sua história com as próprias 
mãos. Naquele momento pensei, e sigo acreditando, que aquela 
não deixava de ser a verdade do que havia passado. Talvez sentisse 
que estava mesmo preso, aprisionado na rua, circunscrito no espaço 
ínfimo entre passado e presente, ou mesmo na “terceira margem do 
rio”4, suspenso naquele tempo roubado de sua adolescência, o que 
lhe conferia agora aquele rosto amadurecido.
 Naquela ocasião, pude dar algumas orientações com relação 
aos documentos de Carlos, que precisavam ser providenciados. 
Àquela altura, ele já tinha a Certidão de Nascimento encontrada 
por nós, eu e ele, em um cartório há dois quarteirões do CREAS 
Leste, muito mais perto do que jamais pudéssemos imaginar. Pouco 
4 Título de um conto da obra “Primeiras estórias” (1962) de Guimarães Rosa.
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA164
tempo depois, eles voltaram para aquele que seria seu último 
atendimento, e Carlos trouxe todos os seus documentos, além de um 
pequeno papel referente a um exame médico realizado havia poucos 
dias, autorizando o jovem a dar início às suas atividades em uma 
construtora de sua cidade.
 Resta-nos pensar como a sua passagem pela Vara da Infância 
e da Juventude teve marcas importantes na história desse jovem. Da 
última audiência, lembra que o Juíz lhe questionou por que ele havia 
decidido interromper a trajetória infracional, pois sua experiência lhe 
dizia que isso não era fato corriqueiro. Do “Honório”, lembra-se de 
ter lhe indagado o que um rapaz como ele estaria fazendo ali. Penso 
que talvez a lei de ferro do pai tenha fracassado para esse sujeito, 
mas decerto a Lei não deixou de causar efeito para ele, que, com 
passos falsos e outros acertados, soube escolher o rumo certo nesse 
momento de sua vida e nas medidas socioeducativas, veio só de 
passagem.
 Trazemos esse caso para apresentação pensando na vertente 
da invenção que esse sujeito pôde realizar para tornar possível um 
laço com o social. As invenções são fundamentais para esse sujeito 
diante da herança paterna que lhe é oferecida: a boca de fumo; 
herança que ele recusa. Quando ele vai para a rua e inventa histórias 
sobre ele e sua família, parece ser uma tentativa de possibilitar uma 
realidade mais suportável para esse sujeito. Nesse caso, a droga 
não se torna fundamental na vida dele que, apesar de ter feito uso 
abusivo desta durante sua vida nas ruas, não se tornou adicto a ela. 
E, também, com relação ao tráfico, “soube entrar e sair”. Estamos 
falando da posição de um sujeito que escolhe, inventa outra vida, 
ainda que capenga e na marginalidade, invenção que foi acolhida e 
suportada nos atendimentos.
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA 165
REFERêNCIAS 
QUINET, Antônio. Desejo como poder. Disponível em <http://
psicanaliselacaniana.vilabol.uol.com.br/artigos.html> Acesso em 23 
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LACAN, Jacques. Función y campo de la palabra y el lenguaje en 
psicoanálisis. In: escritos i, México: Siglo XXI, 1971, p. 138.
LACAN, Jacques. Psicoanálisis, radiofoníay televisión. Barcelona: 
Anagrama, 1980.
LACAN, Jacques; MILLER, Jacques-Alain. O seminário: livro 17: o 
avesso da psicanálise. Rio de Janeiro: J. zahar, 1992. 208p. (Campo 
Freudiano no Brasil)
NOGUEIRA, Cristina Sandra Pinelli. novas considerações sobre a 
abordagem psicanalítica no tratamento da toxicomania. In: IX 
JORNADA DO CENTRO MINEIRO DE TOXICOMANIA.
PACHECO, Lilany Vieira et al. As regras e a lei na instituição. Periódico 
Curinga, Belo Horizonte, n.18, p.71-88, 2002.
TOXICOMANIA, FHEMIG, Belo Horizonte, 1996. subversão do sujeito 
na clínica das toxicomanias. Belo Horizonte: Centro Mineiro de 
Toxicomania, 1996. p.122-130.
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA166
CIRCUITO DE
JUVENTUDES 
NEGRAS
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA 167
NEGROS E MEDIDAS 
SOCIOEDUCATIVAS: 
O QUE CONTA A HISTÓRIA?
Carolina Silveira flecha
Marcelle Zibral
Paulo Roberto da Silva
Vivane Martins Cunha
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA168
INTRODUçÃO
 A proposta do Circuito Juventudes Negras é abordar a temática 
da juventude negra no campo das políticas públicas, principalmente 
da Assistência Social no Município de Belo Horizonte, mais 
especificamente, no Serviço de Proteção Social a Adolescentes em 
Cumprimento de Medidas Socioeducativas de LA e PSC1. 
 O circuito iniciou suas atividades no final de 2013, após a 
realização de um seminário intitulado Diálogos sobre a Juventude 
Negra, no qual foram debatidos aspectos que perpassam a vivência 
da juventude negra e o racismo institucional2, estando presentes 
convidados de ONG´s, Movimentos Sociais e Poder Público. Esse 
seminário foi importante para colocar em pauta as questões 
relacionadas à realidade da juventude negra, tendo como um de seus 
desdobramentos a constituição de um grupo permanente para dar 
continuidade às discussões então iniciadas. Assim, posteriormente, 
esse grupo integrou a proposta de gestão compartilhada da gerência 
de MSE e tornou-se um dos seus circuitos. 
 Atualmente o circuito conta com quatro analistas de políticas 
públicas: Vivane (PSC/Noroeste), Paulo (PSC/Norte), Marcelle (LA/
Norte) e Carolina (técnica de referência da gerência de MSE). É 
interessante observar que os técnicos que compõem o Circuito e 
os que já o compuseram3 se autodeclaram negros e/ou possuem 
perspectiva social compartilhada, ou seja, têm experiências, histórias 
e compreensões sociais similares decorrentes dos posicionamentos 
que ocupam nas relações e estruturas sociais ou possuem relações 
sociais que propiciam experiências e percepções sociais semelhantes 
(Young, 2006). De acordo com essa autora, perspectiva social é um 
modo de olhar os processos sociais sem determinar o que se vê 
(Young, 2000. pág. 163), por isso mesmo é particular e parcial4. 
 Desse modo, nos primeiros encontros, os participantes do 
Circuito Juventudes Negras compartilharam experiências, percepções 
1 O art. 2º do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) apresenta a seguinte definição: 
Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e 
adolescentes aquele entre doze a dezoito anos de idade. Parágrafo Único – Nos casos expressos 
em lei, aplica-se excepcionalmente este Estatuto às pessoas entre dezoito anos e vinte anos 
de idade. Para o adolescente, pode ser aplicada MSE. Já para crianças, menores de 12 anos, 
somente medidas de proteção.
2 O Estado, por meio de seus agentes, atua de forma discricionária com base na cor da pele. 
3 É importante ressaltar que outros técnicos integraram o circuito e deixaram as suas 
contribuições, a saber: Vinicius (LA/Barreiro), Josiane (PSC/Barreiro) e Jair (LA/Nordeste). 
4 Para aprofundar entendimento sobre o conceito de perspectiva social da autora segue a 
sugestão do texto: Representação Política, Identidade e Minorias (2006).
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA 169
e leituras, para, assim, construir um campo de pensamento e de 
intervenção coletiva. Além disso, foi realizado um encontro com 
a gerente da Coordenadoria da Promoção da Igualdade Racial da 
Prefeitura de Belo Horizonte no intuito de conhecer ações direcionadas 
à juventude negra no município. Vale destacar que, nesse primeiro 
diálogo com a Coordenadoria de Promoção de Igualdade Racial, 
muitas questões foram identificadas propondo-se a elaboração de 
um projeto em comum posteriormente. 
 As conversações entre os participantes do grupo e com 
parceiros da rede favoreceram a construção do percurso do Circuito, 
além de auxiliar na delimitação do foco do trabalho. 
 As políticas públicas voltadas para adolescentes em Belo 
Horizonte aumentaram na última década, entretanto, ainda são 
insuficientes. No que condiz às políticas que visam combater o 
racismo e o genocídio da juventude negra, o cenário apresentado é 
ainda mais árido. O impacto dessa ineficiência pode ser constatado 
nos dados apresentados pelo Mapa da Violência: Homicídios e 
Juventude no Brasil (2013). Nessa pesquisa verifica-se uma queda 
significativa da taxa de homicídio na Região Sudeste, exceto em Belo 
Horizonte. Nesse Município, o número de homicídios cresceu 21,5%, 
ultrapassando 100 mil homicídios por 100 mil jovens5. Observa-se 
que a taxa de vitimização do jovem branco é menor do que um jovem 
negro, sendo aproximadamente um para cada três.
 Em relação à abordagem dessa temática no âmbito socioeducativo, 
houve um avanço com a instituição do Sistema Nacional do Sistema 
Socioeducativo (SINASE), em 2012, sendo que na Lei 12.594/2012 é 
proposta a integração entre adolescentes e seus familiares, abordando 
temas referentes às relações étnico-raciais. Esse reconhecimento é 
importante, contudo, o Serviço ainda deve fomentar ações junto à 
equipe técnica, de modo que as relações étnico-raciais sejam, de fato, 
um tema presente na prática das medidas socioeducativas. 
 A proposta do Circuito é propiciar esse debate, de modo 
que os analistas de políticas públicas possam construir concepções 
menos fragmentadas dos sujeitos e suas realidades, levando em 
consideração também as relações étnico-raciais. Ademais, é nosso 
desejo instigar pesquisas nessa área, uma vez que já é constatado 
que os jovens negros são as maiores vítimas da violência racial e seus 
5 Mapa da Violência: Homicídios e Juventude no Brasil (2013) considera-se jovens a faixa etária 
que compreende dos 15 aos 24 anos. 
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA170
impactos. Cabe questionarmos ainda sobre os efeitos perversos da 
exclusão social para os adolescentes negros e pardos, pois até mesmo 
pelo fato dessa discussão ser incipiente na Política de Assistência 
Social e no Serviço de Medidas Socioeducativas, praticamente não há 
intervenções que tratem das violações sofridas pelos adolescentes 
devido à discriminação racial. 
 Por outro lado, é fundamental escutar os adolescentes 
acompanhados no Serviço, com objetivo de construir políticas 
públicas que acolham seus saberes e experiências sobre as relações 
étnico-raciais. 
 Assim, ao longo do percurso do Circuito, concluímos que seria 
importante escutá-los, inaugurando essa discussão no Serviço.
 Os participantes desse Circuito construíram a proposta de uma 
realização de oficina de vídeo com adolescentes, buscando captar e 
expressar nesse trabalho a percepção que esses jovens têm sobre 
essa temática. 
 Nossa aposta é que o vídeo produzido pelos adolescentes seja 
utilizado como material para discussões sobre a temática étnico-racial 
com outros adolescentes acompanhados pelos diversos serviços que 
compõem a rede socioassistencial do município de Belo Horizonte.
JUVENTUDE – CONCEITO
 A juventude é um conceito impreciso, variando de acordo com o 
contexto social e a perspectiva científica que se propõem a estudá-lo, 
podendo ser definido a partir de aspectos e propriedades biológicas, 
psicológicas e sociais. Tal imprecisão se deve ao fato do conceito de 
juventude ser construído, geralmente, levando-seem conta o recorte 
biológico, psicológico ou social, desconsiderando-se outros aspectos 
que se entrelaçam e dão uma importância em si mesma a essa fase da 
vida, e não como mera transição entre a infância e a vida adulta. Logo, 
buscaremos definir essa fase do ciclo de vida, tentando delimitar as 
transformações físicas e as representações sociais acerca desta.
 A juventude passou a despertar o interesse científico e político 
com o advento da revolução industrial e a criação da escola, espaço 
propício para socialização secundária, em que o sujeito adquiria o 
conhecimento formal, sendo preparado para entrar no mundo do 
trabalho (STENGEL, 2000).
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA 171
 Pode-se dizer que o que antecede a juventude é a adolescência, 
sendo esta marcada por transformações tanto físicas (puberdade) 
quanto psicossociais. A adolescência é, dessa forma, considerada o 
início da juventude. 
 A puberdade é definida por um conjunto de fenômenos 
biológico-corporais que têm na maturação dos órgãos sexuais a 
principal característica. Também marcada por intensas transformações 
psicológicas como sentimento de luto, crise de identidade, rebeldias, 
tendência à formação de grupos e desligamento da família (Stengel, 
2000). Se o início da juventude pode ser delimitado por esses 
fenômenos (psicossociais e fisiológicos/ adolescência), a saída dessa 
fase (a juventude) não é tão bem delimitada. Ou seja, é necessário 
alcançar um conjunto de experiências e critérios aceitos socialmente 
para ingressar na vida adulta. 
 Verifica-se hoje uma ampliação da juventude em determinadas 
camadas sociais, sendo provocada pela necessidade de maior 
especialização do mercado de trabalho, para somente depois se 
inserir profissionalmente. Essa não é a experiência da juventude de 
classe popular. O que é possível verificar é a inserção, muito cedo, 
dos jovens de nível socioeconômico baixo no mercado de trabalho ou 
subempregos (DAYRELL, 2001).
 Há características consideradas comuns entre jovens de 
diversas culturas, por exemplo, o processo de desenvolvimento 
físico. Todos os jovens, independentemente de classe social, vão viver 
o desenvolvimento físico e psíquico não de forma única, pois esse 
desenvolvimento dependerá de características e de oportunidades 
relacionadas à sua cultura e ao seu poder aquisitivo. Outra questão 
também importante a ser considerada é a representação que cada 
sociedade construirá e sustentará acerca da sua população juvenil. 
Cada sociedade vai representá-la de forma diferenciada (ABRAMO, 
2005).
 Por exemplo, na década de 1960, o jovem era representado 
como um sujeito rebelde e engajado nas ações de transformações 
sociais. O movimento estudantil e o movimento cultural foram muito 
importantes na luta pela implantação de um Estado democrático no 
Brasil. Contudo, essa representação não corresponde à realidade de 
todos os jovens brasileiros daquela época. A rebeldia e o engajamento 
social dizem respeito a jovens de uma determinada camada social. 
Os jovens das demais passaram despercebidos e segundo Helena 
Wendel Abramo (2005):
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA172
Novos atores juvenis, em grande parte dos setores 
populares, que vieram a público principalmente por 
meio de expressões ligadas a um estilo cultural, colocam 
questões que os afetam e preocupam, diferentes daquelas 
colocadas pelas gerações juvenis precedentes e para as 
quais não havia nem formulações elaboradas no plano 
da política. (ABRAMO, 2005: 39),
 Compreender a juventude apenas como um período de 
transição não permite considerá-lo em sua totalidade, ignorando 
assim o seu presente. Para superar essa limitação, Juarez Dayrell 
(2003) apresenta a noção de jovem como sujeito social. Para Charlot, 
citado por Dayrell (2003), sujeito é um ser humano aberto ao mundo, 
possuindo uma historicidade, portador de desejo que lhe põe em 
movimento, estando em relação com os outros seres humanos, com 
origem familiar e lugar na sociedade. O sujeito é ativo, age no e sobre 
o mundo e nessa ação se constitui e altera o contexto no qual está 
inserido. 
 Logo, juventude é um processo de intensas transformações 
corporais e sociais no qual a construção de si mesmo é influenciada 
pelas trocas feitas no campo social. Portanto, não existe uma forma 
universal de ser jovem. A construção do jovem depende da sociedade 
e dos recursos que lhes são oferecidos e da participação direta destes 
nessa construção como aponta Guattari:
A juventude, embora esmagada nas relações econômicas 
dominantes que lhe conferem um lugar cada vez mais 
precário e mentalmente manipulado pela produção de 
subjetividade coletiva da mídia, nem por isso deixa de 
desenvolver suas próprias distâncias de singularização 
com relação à subjetividade normalizada. A esse respeito, 
o caráter transnacional da cultura rock é absolutamente 
significativo: ela desempenha o papel de uma espécie 
de culto iniciático que confere uma pseudo-identidade 
cultural a massas consideráveis de jovens, permitindo-
lhes constituir um mínimo de Territórios existenciais 
(GUATTARI, 2001:06).
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA 173
 Portanto, essa é a noção que norteia esse artigo e que 
visa ampliar a compreensão da situação dos jovens negros na 
sociedade brasileira, em particular dos jovens que cumprem medida 
socioeducativa em Belo Horizonte.
O NEGRO NO BRASIL: CONCEPçÕES 
ACERCA DO TERRITÓRIO 
 Arrancados do continente africano sem poder escolher vir ou 
não, os negros eram jogados em navios e trazidos para o Brasil. A 
recepção no país já era marcada de extrema violência e todo um ser 
traduzido em um corpo tratado como mercadoria. Em seguida eram 
jogados em acomodações escuras, insalubres e cheias de grades, 
chamadas senzalas. Espaços que ficavam sempre à vista, permitindo 
a vigilância constante. Vigilância porque os que ali estavam poderiam 
fugir, roubar ou mesmo praticar atos violentos. 
 Todo esse contexto ao qual foram sendo submetidos, e, tendo 
o território restrito à senzala e ao terreiro das grandes fazendas, 
fizeram com que os negros criassem, nas relações com o corpo, uma 
forma de se relacionarem e de se expressarem. Fato que podemos 
perceber nas diversas manifestações afrodescendentes presentes na 
atualidade.
 O corpo negro representa muito. Nele está impressa toda 
a construção simbólica de relação com a sociedade, de submissão 
como era na época da escravidão, ou com os espaços onde moram 
e como vivem. Essa relação se reflete nos espaços que ocupam na 
organização territorial do país e influenciam a construção da sua 
identidade, do imaginário e das relações sociais. 
 Desde que pisaram nesse solo, a população negra vem sendo 
inferiorizada, marginalizada e relegada à exclusão nos espaços mais 
insalubres do país. Fato que não ocorreu com todos que chegaram 
no Brasil. Com a abolição da escravatura, muitos imigrantes europeus 
vieram para o Brasil. Para estes, foram construídas políticas públicas 
com o intuito de formação de colônias, integração das famílias e 
concessão de terras para se estabelecerem. Já para a massa de 
escravos recém-libertados, criaram-se projetos de marginalização 
e construção de instituições, como centros de reclusão e hospitais 
psiquiátricos, com o objetivo de privar do direito à liberdade. 
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA174
 Conclui-se que a construção do estereótipo acerca da 
população negra, rotulada como marginal, violenta, incapaz, vem 
se reproduzindo desde a época da escravidão. Num trecho de um 
relatório, datado do ano de 1879, enviado ao chefe da província de 
São Paulo, pelo chefe de polícia, é possível evidenciar a construção da 
ideologia racista.
São considerados vagabundos pelo art. 300 do regimento 
nº120 de 31 de janeiro de 1842, os indivíduos que não 
tem domicílio certo nem profissão ou oficio, nem renda 
ou meio conhecido de subsistência. Não tem domicílio 
certo os que não mostraremter fixado em alguma parte 
do Império a sua habitação ordinária e permanente, 
ou não estiverem assalariados ou agregados à alguma 
pessoa ou família. Relatos de sanitaristas, agentes de 
saúde, chefes de polícia e políticos da época traçam uma 
imagem de horror em relação aos lugares e estilo de vida 
dos pretos6. 
 A omissão do Estado, em relação à população negra, provocou 
falta de oportunidades e, diante desse contexto, muitos negros 
passaram a perambular sem rumo, tentando encontrar meios de 
sobrevivência. 
 A propagação dessa ideologia racista conseguiu deturpar as 
manifestações e formas de expressão afrodescendente presentes na 
capoeira, no jongo, no batuque, na religiosidade, na forma de falar, 
de vestir e de brincar. Essas expressões foram construídas no convívio, 
nas senzalas e nos terreiros das fazendas, com as quais os negros 
aprenderam a significar o novo território onde se encontravam.
 Território como algo muito maior do que simplesmente o 
espaço onde se vive. Mas aquele que foi sendo construído desde 
os tempos das senzalas e dos terreiros carrega nas manifestações 
culturais um jeito de ser e construir a vida. Território que é socialmente 
construído se tornando o espaço da comunidade e que gira em torno 
da produção e reprodução de outros territórios, que sejam físicos e 
simbólicos, de identidades e identificações, com referência a origens 
e destinos comuns, como é afirmado por Boaventura de Souza Santos 
(2000):
6 RACIONAIS MC´S. 1000 Trutas 1000 Tretas. 2007. 1 DVD. 
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA 175
 Pode ser hoje surpreendente considerar o espaço da 
comunidade, que se baseia na ideia de território físico 
e simbólico, como um espaço estrutural autônomo. É 
consensual a ideia de que o Estado moderno – uma 
entidade hiperterritorial – ao reivindicar o controle 
exclusivo sobre um determinado território produziu 
a fusão do espaço da comunidade com o espaço da 
cidadania. Tendo em conta especificamente os processos 
históricos de formação do Estado na maioria das 
sociedades periféricas e semiperiféricas, sustento, em 
alternativa, que o espaço da comunidade se manteve 
como um lugar autônomo de relações sociais, irredutível 
às relações sociais aglomeradas em torno do espaço de 
cidadania (SANTOS, 2000: 276).
 Podemos inferir que, nos espaços das periferias e favelas, 
obviamente, iremos encontrar boa parte da população negra de 
nosso país, fruto da organização territorial excludente construída ao 
longo dos anos. Não podemos deixar de pensar o território como algo 
vivo: espaço dinâmico de construção do imaginário, da identidade e 
subjetividade da população negra. Espaço de suma importância para 
quem foi expatriado e teve que se reconstruir e um novo local. 
 Esse espaço é de fundamental importância para seus habitantes 
(periferias e favelas), mas as políticas públicas não têm cumprido seu 
papel, já que as ações para promoção desses territórios e valorização 
das manifestações culturais de seus moradores são insuficientes. O 
que lhes cabe é a força repressiva da polícia e políticas que segregam 
ainda mais esses moradores. 
 E, se em 1879 o chefe de polícia traçava um perfil de qual era a 
população negra e pobre que ameaçava a cidade, atualmente, ainda se 
opera essa lógica, perpetuando-se a imagem que associa a população 
negra à criminalidade e alvo das ações repressivas da polícia. 
CONSTRUçÃO DO ESTIGMA DO JOVEM 
NEGRO FAVELADO 
 Segundo o conceito de território, podemos perceber que é no 
espaço vivido que as pessoas, os jovens, as crianças também vão se 
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA176
deparar com as diversas formas de violência. Se o território, em um 
sentido mais amplo, trata da relação social com o espaço, diz também 
de como são apreendidos as relações oferecidas por esse espaço e 
como cada um irá construir sua história. 
 Não devemos pensar que os problemas de uma determinada 
sociedade resumem-se à questão social e econômica, devemos 
também analisar a questão espacial, pois é no espaço físico vivido 
que a vida acontece. É onde se manifesta a violência, a discriminação 
racial, a miséria, o preconceito, a exclusão social e, por outro lado, a 
solidariedade, as trocas afetivas, a cultura, arte e a invenção. 
 Assim, as experiências dos jovens negros que vivem nas 
favelas são marcadas pelo tratamento desigual, violência e abandono 
por parte do Estado, considerando-se a juventude negra enquanto 
categoria diferenciada, pois juventudes são várias, como afirma 
Dayrell (2001).
 Quando a violência é atribuída àquele jovem morador da 
periferia ou favela, devemos considerar que esse fato é decorrência 
de uma violência maior que pode ser definida como violência social. 
Esses jovens são atingidos também pela violência racial que foi 
ideologicamente construída ao longo de toda a história de nosso país. 
A violência é sempre atribuída aos moradores jovens desses locais, 
ocultando-se a violência que é praticada pelo Estado em não oferecer 
escolas, espaços urbanizados, saneamento básico, segurança pública, 
saúde, educação, cultura, trabalho, lazer e perspectiva de vida. 
Carregando o peso da história, ainda é deixado a estes o preço da 
negligência com que é tratada a segurança pública nesses espaços.
 Podemos concluir que o jovem negro também é a maior vítima 
da violência e da instituição que deveria protegê-lo, a polícia. Nesse 
sentido, poderíamos dizer que o resultado do cenário de violência 
que encontramos nas cidades brasileiras está ligado às condições 
socioeconômicas, ao território e também à raça.
 Essas questões também incidem em nosso olhar, como 
técnicos do Serviço Medidas Socioeducativas de LA e PSC, bem como 
nas diretrizes do Serviço, pois partir da concepção de que o sujeito 
adolescente não pode ser responsabilizado pela violência social e 
estatal que assola o país nos possibilita assumir o lugar de cidadãos. 
Acreditamos também que é vital certa dose de engajamento tanto 
para transformação dessa sociedade como para criação de políticas 
públicas igualitárias e de qualidade. 
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA 177
JUVENTUDE NEGRA E MEDIDA SOCIOEDUCATIVA
 O jovem que chega ao Serviço de Medidas Socioeducativas 
possui um “perfil” bem definido de acordo com os dados do SIGPS 7. 
Os dados aqui expostos são referentes ao período do mês de março 
a julho de 2014, neles encontramos um número superior de jovens 
negros do sexo masculino em relação aos jovens da cor/raça branca. 
Ao todo são 715 jovens brancos e, em contrapartida, há 2081 pretos 
e pardos. Desse total há 656 jovens brancos do sexo masculino e 1928 
jovens negros e pardos do sexo masculino. 
 Tais dados entram em concordância com as informações 
obtidas na pesquisa realizada pelo CRISP8, em 2002, que demonstram 
que a maioria dos envolvidos em homicídios no município de Belo 
Horizonte eram negros, do sexo masculino e moradores das vilas e 
favelas. 
 Assim percebemos que ser negro, jovem, pobre e do sexo 
masculino é praticamente um pré-requisito para a entrada no Serviço 
de Medidas Socioeducativas. De acordo com Adorno (1996):
Nenhum estudo contemporâneo, contudo, comprova 
maior inclinação dos negros para o cometimento de 
crimes, comparativamente aos brancos. Ao contrário, 
desde fins da década de 1920, alguns estudos americanos 
já haviam demonstrado o quanto preconceitos sociais 
e culturais, em particular o racismo, comprometiam 
a neutralidade dos julgamentos e a universalidade na 
aplicação das leis penais (ADORNO, 1996: 287).
 
 É necessário refletir se o grande número de jovens negros 
cumprindo medidas socioeducativas de LA e PSC provém dos 
estigmas que esses sujeitos carregam. Como vimos, na sociedade 
em que vivemos existe uma visão social construída muito marcante 
em relação ao negro, como sendo uma raça inferior em relação à raça 
branca. 
 Mesmo após a abolição da escravidão, com a assinatura da 
Lei áurea, o racismo resiste. Atualmente, nãohá mais escravos sendo 
7 SIGPS – Sistema de Gestão da Informação das Políticas Sociais
8 CRISP – Centro de Estudos em Criminalidade e Segurança Pública
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chicoteados no tronco, mas, apesar de alguns avanços, a sociedade 
brasileira ainda não se libertou das marcas deixadas pelo período 
da escravidão. Será necessário trilhar um longo caminho até que 
possamos celebrar igualdade de direitos entre negros e brancos 
brasileiros. 
 Assim, ser negro, possuir baixo poder econômico, viver nas 
periferias das grandes cidades, desemprego na família, violência 
doméstica, entrada precoce no mercado de trabalho por via do 
subemprego contribuem para um quadro de exclusão e desvalorização 
desses jovens e da camada social à qual pertencem. Dayrell (2001) 
aponta que esses jovens acabam sendo “proibidos de ser” e seu 
desenvolvimento humano se torna em todos os níveis (biológico, 
psicológico e social) precários. 
 As consequências desses fenômenos não são sentidas apenas 
pelo sujeito, e sim por toda a sociedade. Acreditamos que isso não é 
uma novidade e que todos sabem que o Brasil baseia-se no sistema 
capitalista e este, por sua vez, é “uma fantástica fábrica de riqueza e 
miséria” (DELEUZE, 2004) que tem no consumismo uma maneira de 
manter-se em movimento e justificar-se frente à sociedade, dando a 
falsa impressão de igualdade. Fato que é de conhecimento de todos. 
Mas, por que essa situação permanece?
 Soares (2004) responde a essa questão com o conceito de 
invisibilidade social, que é um meio de “adaptação social” que 
utilizamos para mantermos nossas vidas. O mesmo incide sobre os 
jovens negros que chegam ao Serviço de Medidas Socioeducativas.
 O autor ainda aponta que a invisibilidade social ocorre de 
duas maneiras. A primeira seria a indiferença, na qual ignoramos a 
presença desse sujeito no nosso cotidiano, funcionando como um 
meio de conservar nossa “paz de espírito” frente às imagens tão 
desoladoras que a miséria provoca. A segunda seria a projeção de 
um padrão comportamental, um estigma, o preconceito, também 
chamado, por esse autor, de hipervisibilidade. 
 Essas duas formas de “proteção” acabam suprimindo 
a singularidade do sujeito promovendo a degradação de sua 
autoestima, como afirma Tella (2006):
 Ser foco de descriminação devido à origem social ou 
à cor da pele e alvo das representações sociais e étnicas 
carregados de estigmas inviabiliza a construção de uma 
auto imagem positiva da pessoa e as do grupo ao qual 
pertence (TELLA, 2006:01).
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA 179
 Assim, os jovens desse contexto serão desqualificados, 
construindo uma autoimagem precária acerca de seu ser e de sua 
comunidade. As dinâmicas criminais, por sua vez, oferecem, para 
esses jovens, o que a sociedade lhes nega, fornecendo possibilidades 
de ganhos financeiros, permitindo a aquisição dos bens de consumo, 
ou ainda levando o mínimo necessário para a sobrevivência humana, 
extrapolando os ganhos materiais e atingindo níveis psicológicos, tais 
como: sentimento de pertença a um grupo, reconhecimento como 
sujeito e uma identidade. Podemos afirmar que esses elementos são 
fatores importantes para a nossa formação enquanto sujeito e que a 
sociedade “normal” lhes nega. 
Há uma fome mais funda que a fome, mais exigente e 
voraz que a fome física: a fome de sentimento e de 
valor; de reconhecimento e acolhimento; fome de ser – 
sabendo-se que só se alcança ser alguém pela mediação 
do olhar alheio que nos reconhece e valoriza (ATHAYDE, 
BILL, SOARES, 2005: 215).
 De acordo com Soares (2004), essa invisibilidade social não 
é algo determinante para o sujeito. A maioria dos jovens negros das 
classes populares não buscam, no mundo do crime, um meio de 
superar essa condição. No seio de toda essa escuridão, existe uma 
porta de saída que como aponta Soares:
 Já há um modelo jovem alternativo, em pleno 
funcionamento nos bairros pobres, nas vilas, favelas e 
periferias. Não fosse assim, o tráfico e o crime teriam 
recrutado muito mais do que a minoria que logrou 
envolver em suas falanges guerreiras. Há a personagem 
alternativa que corresponde ao modelo cultural (e político, 
eu acrescentaria) alternativo: ela (ou ele) é pacifica e 
pacifista, valoriza a solidariedade e a compaixão, difunde 
a crença na justiça e na igualdade, criticando duramente 
o país que estamos fazendo: um Brasil que nega esses 
valores, na prática enaltecendo-os no discurso. O hip hop, 
mesclando o break, o grafitti e o rap, é sua principal forma 
de expressão e organização. Concorrem para a afirmação 
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA180
desse modelo alternativo de meninos e meninas (SOARES, 
2004: 153).
 
Verificamos que a oficina de vídeo também seria uma possibilidade 
de dar visibilidade a esses jovens, uma vez que esta possui o papel 
de fazer com que os participantes reflitam sobre seu contexto 
social e os estigmas lançados em relação a eles, fazendo com que 
estes se reconheçam enquanto discriminados, ressignificando-se 
enquanto sujeitos e sendo protagonistas na construção de realidades 
alternativas as que são impostas.
 Somente a partir dessa tomada de consciência o jovem poderá 
agir em relação ao preconceito, e, ao mesmo tempo, afirmar essa 
identidade (TELLA, 2006), sendo capazes de traduzir e expressar, por 
meio do vídeo, os frutos das reflexões que ocorreram ao longo das 
oficinas.
 
JUVENTUDE NEGRA E AS POLíTICAS PÚBLICAS
 Lidar com todas essas dimensões que falamos até o momento 
demanda o entrelaçamento de diversas intervenções que deveriam 
ocorrer no âmbito das políticas públicas. Realidade que ainda não 
vemos acontecer em nosso país. Essa temática dificilmente chega 
às agendas de governo e poucas são as ações construídas para essa 
população.
 O racismo institucional ainda é muito presente no processo de 
construção das políticas públicas e na priorização de alguns públicos. 
Afinal, quem são os responsáveis por construir e implementar 
políticas? O racismo ainda é fortemente perpetuado pelos agentes 
públicos no exercício de seu trabalho. Presenciamos políticas e 
ações governamentais que favorecem uma parcela da população em 
detrimento de outra, como sempre ocorreu no Brasil.
 Como vimos, o tema ainda não conseguiu atingir a 
transversalidade que é necessária para impactar as políticas 
fundamentais, como a educação, a saúde, a assistência social, 
trabalho, esporte, a segurança pública, dentre outras. O resultado 
é um enorme número de jovens negros, pobres e moradores de 
periferias e favelas que perdem suas vidas sem ao menos ter a chance 
de poder começar a vivê-la.
 Diante de todo esse caos que vem se acumulando ao longo 
da história, a temática da juventude negra só entrou para a pauta 
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA 181
de governo no ano de 2008. Isso se deu por meio da Conferência 
Nacional de Políticas Públicas para a Juventude. Nessa conferência 
uma das propostas que foi votada trazia, em seu conteúdo, a resolução 
tirada do 1º Encontro Nacional da Juventude Negra (ENJUNE)9. Essa 
resolução propunha a criação de programas para organização da 
juventude negra e também de temas para serem inseridos na agenda 
do governo.
 A partir desse momento, tivemos algumas ações tímidas, mas 
que representam muito para aqueles que foram negligenciados por 
toda a sua história. As políticas para a juventude negra são bem 
recentes no país e caminham juntas. Podemos dizer que são divididas 
em 3 tipos, como segue:
– universais: que visam atingir todos os jovens;
– atrativas: que visam atrair os jovens negros, estabelecendo o 
critério racial para inserção.
– específicas: que visam atingir determinado público no âmbito 
da juventude negra, como por exemplo, trazendo o recorte de 
idade.
 Dentre essas políticas, podemos destacar como sendo 
específicas para a juventude negra:
• o Plano Nacional de Implementação da lei 10.639, que incluio ensino das relações étnico-raciais, cultura afro-brasileira e 
africana na disciplina de história do ensino fundamental. 
• Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Cientifica, que, 
por meio do SEPPIR, criou a linha PIBIC de ações afirmativas;
• Projeto Farol/Secretaria Especial de Politicas de Igualdade 
Racial, que promove a cidadania entre jovens negros em 
situação de risco social ou em conflito com a lei;
• O PROUNI, que reserva 50% das suas bolsas para estudantes 
negros;
9 Encontro Nacional de Juventude Negra. O objetivo é criar novas perspectivas para militância 
étnico/racial respondendo, de forma organizada e precisa, a todas as formas de violência racial 
às quais o povo negro, especialmente a sua juventude, vem sendo submetido. O 1º encontro 
ocorreu durante os dias 27 a 29 de julho de 2007, na cidade de Lauro de Freitas, Bahia. Os temas 
tirados nesse encontro foram os seguintes: cultura; segurança, vulnerabilidade e risco social; 
educação; saúde; terra e moradia; comunicação e tecnologia; religião do povo negro; meio 
ambiente e desenvolvimento sustentável; trabalho; intervenção social nos espaços políticos; 
reparações e ações afirmativas; gênero e feminismo; Identidade de gênero e orientação sexual; 
Inclusão de pessoas com deficiência.
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA182
• Finalmente, as cotas em algumas instituições de ensino 
público.
 Alguns avanços são vislumbrados, mas ainda não conseguem 
impactar o preconceito que é diariamente sofrido pelo jovem 
negro. Ao longo do artigo, ressaltou-se que o racismo está presente 
em mais de 2/3 da história do país. A forma com que o tema vem 
sendo tratado, ou melhor, destratado, culminou em uma realidade 
social que já não somos capazes de suportar. Cabe ainda construir 
maiores esclarecimentos sobre o tema, abrir mais espaços de diálogo 
e pressionar o poder público, exigindo seu reposicionamento e 
responsabilidade diante do peso da história vivida pelos negros no 
Brasil e seus reflexos na atualidade. 
CONSIDERAçÕES FINAIS
 A partir deste artigo, podemos constatar que ser jovem está 
além de uma mera transição. Inseridos em um contexto social que 
impera a desigualdade, que vende a falsa imagem de uma igualdade 
racial e social, jovens negros membros das camadas populares são 
invisíveis aos olhos da sociedade e impedidos de se constituírem 
como sujeitos, sendo assim capturados pelas dinâmicas criminais, 
que pintam um triste quadro de mortes precoces e altos índices 
de violência, que ceifam boa parte da nossa juventude e não são 
mostrados na mídia.
 Infelizmente, mesmo diante desses fatos, ainda escutamos 
dizer que o Brasil não é mais racista e que os negros devem se libertar 
dessa herança social, cultural e simbólica. No entanto, muitos não 
percebem que a ideologia racista tomou nova roupagem: os negros 
são culpabilizados, rotulados como racistas ou responsáveis por seus 
sentimentos de baixa autoestima.
 Os espaços de socialização, tais como escolas, igrejas e a mídia, 
de um modo geral, permanecem reproduzindo a ideologia racista, ao 
invés de contribuírem com informações relevantes sobre a construção 
da história da população negra no Brasil. 
 Dessa forma, observamos que foi fundamental fazer esse trajeto 
para compreender como os estigmas e preconceitos surgiram em 
relação a esse jovem negro morador da periferia, e, principalmente, 
em como eles contribuíram para a construção da imagem desse 
sujeito em relação a ele mesmo e ao seu contexto.
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA 183
 Acreditamos que as políticas públicas de combate ao racismo 
devem promover ações para toda a sociedade, mas as ações 
afirmativas devem ser incentivadas de forma a garantir os direitos 
dos negros e o fortalecimento de sua identidade como modo de 
enfrentamento do estigma e exclusão social que historicamente lhes 
foram impostos. 
 Portanto, esperamos que, a partir da contextualização da 
história do negro no Brasil e da análise sobre os estereótipos 
construídos, este texto sirva de instrumento para aqueles que 
trabalham com esse público no Serviço de Medidas Socioeducativas. 
Bem como, possa provocar reflexões sobre o porquê da maioria dos 
adolescentes que recebem sanções do judiciário serem negros e o 
porquê do uso da violência policial ser legitimada pela sociedade 
brasileira. 
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA184
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JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA186
CIRCUITO DE
GêNERO E
DIVERSIDADE
SEXUAL
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA 187
ADOLESCêNCIA, GêNERO
E DIVERSIDADE SEXUAL:
REFLEXÕES NO SERVIçO 
DE MEDIDAS
SOCIOEDUCATIVAS 
EM BELO HORIZONTE
Amilton Alexandre
Gustavo Adolfo de Magalhães
Leonardo Tolentino Lima Rocha
Walkíria Glanert Mazetto
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA188
INTRODUçÃO
 Patrícia1, 16 anos de idade, apreendida por cometer ato 
infracional análogo ao crime tipificado como tráfico de drogas, 
recebeu sentença de cumprimento de medida socioeducativa de 
prestação de serviços à comunidade. A adolescente reside em uma 
favela de Belo Horizonte/MG, tem uma filha – Eduarda, 02 anos de 
idade – e morava com o pai de sua filha – Diego, 18 anos. Patrícia 
afirma que não temenvolvimento com o tráfico de drogas e não 
cometeu o ato infracional, assumiu o ato no lugar de seu parceiro, 
pois Diego é maior de idade e estava em liberdade condicional. A 
adolescente sonha em terminar seus estudos e arrumar um emprego, 
mas Diego preferia que ela ficasse em casa cuidando da Eduarda. O 
casal tinha um relacionamento conflituoso e Patrícia constantemente 
recorria à casa da mãe em busca de acolhimento.
 Luiz, 17 anos de idade, chega para atendimento no Serviço de 
Medidas Socioeducativas em Meio Aberto por ter cometido o ato 
infracional de agressão e difamação a um colega de escola. As razões 
narradas no termo de audiência preliminar constam: “que no interior 
da Escola Joaquina da Silva, nesta capital, o representado agrediu o 
adolescente José, batendo nas costas do mesmo com um livro, sem 
causar lesões. Consta, ainda, que o representado ameaçou causar mal 
injusto e agrave a mesma vítima, dizendo lhe que iria chutar a cabeça 
de José até estourá-la. O representado agrediu e ameaçou a vítima 
pela simples razão de ela ser homossexual, motivo torpe, portanto.” 
Durante os atendimentos, pôde-se trabalhar com este a agressão e 
a ameaça feita ao colega e concluiu-se que ele também é vítima da 
mesma homofobia da qual é acusado, pois age de maneira violenta 
quando sua masculinidade é colocada em questão e sua reputação 
heterossexual é colocada em dúvida. Nos atendimentos o adolescente 
traz que José vinha espalhando para todos na escola de que os dois 
eram namorados. Diante da hegemonia da heterossexualidade, Luiz 
não suporta a situação criada de questionamento da sua sexualidade 
heteronormatizada e reage de forma violenta.
 Roberto, 17 anos de idade, recebe medida socioeducativa em 
meio aberto em virtude do cometimento do ato infracional de roubo. 
O adolescente afirma que cometeu o ato porque precisava de dinheiro 
1 Para preservar a identidade dos/as adolescentes, os nomes utilizados nos casos relatados são 
fictícios.
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA 189
e queria auxiliar com as despesas familiares. A genitora, Sra. Neusa, 
relata que não aprova o ato do filho, mas que realmente estavam 
passando por uma situação econômica difícil, estava desempregada, 
e sobrevivendo apenas com a renda proveniente do auxílio de uma 
filha e do benefício socioassistencial do Programa Bolsa Família. A 
Sra. Neusa relata que sofreu por muitos anos violência doméstica do 
marido e pai de seus filhos, e, após denunciá-lo, ele fugiu para outra 
cidade e tem outra mulher hoje. A Sra. Neusa possui medida protetiva 
com base na Lei Maria da Penha e é acompanhada pelo Benvinda 
(Centro de Apoio a Mulher), mas afirma que às vezes o ex-marido 
aparece em sua casa para atormentá-la. Roberto, que cresceu e vive 
nesse cenário de violência, afirma que sente-se na obrigação de “ser o 
homem da casa” e pretende matar o pai.
 Os casos brevemente relatados acima apresentam pontos 
de interlocuções importantes para o manejo da intervenção 
socioeducativa proposta pelo Serviço de Proteção Social a 
Adolescentes em Cumprimento de Medidas Socioeducativas de 
Liberdade Assistida e de Prestação de Serviços à Comunidade. 
Todos os casos nos remetem às questões de relações de gênero e 
sexualidade.
 A Lei no 12.594/2012, Art. 1o, § 2o, entende como objetivos 
das medidas socioeducativas:
I – a responsabilização do adolescente quanto às 
consequências lesivas do ato infracional, sempre que 
possível incentivando a sua reparação;
II – a integração social do adolescente e a garantia 
de seus direitos individuais e sociais, por meio do 
cumprimento de seu plano individual; e
III – a desaprovação da conduta infracional, efetivando 
as disposições da sentença como parâmetro máximo de 
privação de liberdade ou restrição de direitos, observados 
os limites previstos em lei.
 À primeira vista, poderíamos pensar que os objetivos das 
medidas socioeducativas nada têm a nos dizer sobre as questões de 
gênero e sexualidade. No entanto, um olhar mais atento sobre os 
casos – tão necessário para a construção de intervenções psicossociais 
– pode nos mostrar novas nuances.
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA190
 O convite que o texto que se segue nos faz é de construirmos 
juntos(as) um olhar de gênero e sexualidade sobre os casos de 
adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa, na 
perspectiva de perceber novos contornos acerca do cometimento 
do ato infracional e, consequentemente, possibilitar a construção de 
intervenções que respeitem a diversidade de orientação sexual, de 
identidade de gênero e que enfrentem o sexismo.
 Para alcançarmos os objetivos do debate que propomos, 
organizamos o texto em quatro partes. A primeira se propõe a 
apresentar brevemente a adolescência como fenômeno histórico e 
socialmente determinado, a Doutrina de Proteção Integral instituída 
pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e as repercussões 
desse paradigma nas medidas socioeducativas a partir da instituição 
do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE). 
Buscamos apresentar como as questões de gênero e sexualidade 
estão contempladas nessas normativas legais, bem como os impasses, 
lacunas e silenciamentos presentes nesses documentos.
 A segunda parte insere a discussão das relações de gênero à luz 
da cena infracional, buscando problematizar as distintas motivações 
e maneiras de se perceber o envolvimento na criminalidade diante de 
práticas consideradas masculinas e femininas. Poderemos observar 
adiante que, na literatura sobre o assunto, se reconhece a criminalidade 
como uma atividade primordialmente masculina, principalmente o 
tráfico de drogas e, portanto, a forma de entrada e permanência das 
adolescentes mulheres na criminalidade são consideradas distintas 
das práticas masculinas. O argumento que defendemos é que o olhar 
sobre a criminalidade [re]produz a perspectiva da desigualdade de 
gênero.
 A terceira parte busca discutir os conceitos de homofobia, 
heterossexismo e heteronormatividade, a partir de uma perspectiva 
histórica e psicossocial, no intuito de oferecer algumas ferramentas 
analíticas para construção dos casos em atendimento no Serviço de 
Medidas Socioeducativas e na produção de intervenções que sejam 
propiciadoras do enfrentamento ao preconceito e discriminação por 
orientação sexual e identidade de gênero. Por fim, a quarta parte 
discute como as relações de gênero revelam-se como uma construção 
histórica que perpassa as relações intrafamiliares atravessadas pela 
violência como forma de afirmação do masculino.
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA 191
O PARADIGMA DA DOUTRINA DE PROTEçÃO 
INTEGRAL E AS REPERCUSSÕES SOBRE O 
ATENDIMENTO SOCIOEDUCATIVO A PARTIR DE 
UMA PERSPECTIVA DE GêNERO E SEXUALIDADE
 A adolescência em nossa sociedade é considerada a fase crucial 
de desenvolvimento humano, de construção de subjetividades e 
constituição do sujeito em seu meio social e, para tanto, as relações 
sociais, históricas, culturais e econômicas da sociedade, estabelecidas 
dentro de um determinado contexto, são decisivas na constituição 
dessa fase. Conforme Bock (2001), o conceito de adolescência 
surgiu no século XX e é compreendido como uma etapa natural do 
desenvolvimento humano, marcada por conflitos e rebeldia. Nessa 
fase apresentam-se características de busca de identidade, tendências 
grupais, necessidades de fantasiar, crises religiosas, deslocação 
temporal, evolução sexual, atitudes sociais reivindicatórias, 
contradições em manifestações de conduta, separação progressiva 
dos pais, constantes flutuações do humor e ânimo, entre outros. É 
um período marcado pelo crescimento e pelas mudanças, o que pode 
sempre causar medos e ansiedades a um ser humano que se depara 
com uma nova etapa da sua vida (PAULILO & GONçALVES, 2002).
 Considerando-se que os/as adolescentes são sujeitos de 
direitos em fase de desenvolvimento e que são destinatários/as da 
proteção integral da família, dasociedade e do Estado, é fundamental 
que se forneça as condições sociais adequadas para que esse 
desenvolvimento seja pleno, a fim de garantir o gozo dos direitos 
atribuídos a eles. É com base nessa Doutrina da Proteção Integral que 
o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), instituído pela Lei no 
8.069/1990, fundamenta os direitos e deveres a esses sujeitos, aos 
pais e responsáveis, mediante políticas públicas e sociais que deverão 
atuar na promoção e defesa desses direitos e deveres. Essa mudança 
de paradigma, trazida com o ECA, (considerando-se todo um histórico 
passado da situação irregular do menor) traz reflexos na questão 
infracional, que passa a ser tratada sob a ótica da inclusão social 
do adolescente em conflito com a lei com base na socioeducação, 
ou seja, intervenção pedagógica a fim de incluí-lo socialmente e 
responsabilizá- lo pelas suas ações.
 
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA192
Após anos de articulação dos diversos atores do Sistema de Garantia 
de Direitos (SDG), em 2004 lançou-se uma primeira proposta de 
criação do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo – SINASE. 
Posteriormente, em 2006 é lançado o documento oficial e, em 2012, 
é sancionada a Lei 12.594/12 que institui o SINASE, regulamenta a 
execução das medidas socioeducativas destinadas a adolescentes 
que pratiquem ato infracional e altera a Lei no 8.069/1990 (ECA).
 A implementação do SINASE objetiva, primordialmente, o 
desenvolvimento de uma ação socioeducativa aos adolescentes em 
conflito com a lei sustentada nos princípios dos direitos humanos. 
Para tanto, se faz necessária a articulação da rede de políticas 
públicas, tais como de saúde, educação, assistência social, justiça e 
segurança pública, nos níveis federal, distrital, estaduais e municipais, 
em que todos são corresponsáveis pela reconstrução de projetos de 
vida desses/as adolescentes, com vistas ao rompimento da trajetória 
infracional e a garantia do acesso a oportunidades de exercício da 
cidadania.
 Dessa forma, assim como se faz essencial que o sistema 
socioeducativo funcione como um sistema composto por 
diversos outros subsistemas, também é fundamental se tratar das 
transversalidades de gênero e sexualidade nessas políticas. Nesse 
sentido, consideramos importante a orientação do SINASE de que as 
entidades de atendimento e/ou programas que executam a internação 
provisória e as medidas socioeducativas de PSC, LA, semiliberdade e 
internação deverão fundamentar a prática pedagógica nas seguintes 
diretrizes:
 Diversidade étnico racial, de gênero e de orientação 
sexual norteadora da prática pedagógica. questões da 
diversidade cultural, da igualdade étnico racial, de gênero, 
de orientação sexual deverão compor os fundamentos 
teórico metodológicos do projeto pedagógico dos 
programas de atendimento socioeducativo; sendo 
necessário discutir, conceituar e desenvolver metodologias 
que promovam a inclusão desses temas, interligando 
os às ações de promoção de saúde, educação, cultura, 
profissionalização e cidadania na execução das medidas 
socioeducativas, possibilitando práticas mais tolerantes e 
inclusivas (BRASIL, 2006, p. 49).
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA 193
 Além disso, as dimensões de gênero e sexualidade também 
são apresentadas na Lei do SINASE (Lei no 12.594/2012). Essa lei 
estabelece que:
 
Art. 35 – A execução das medidas socioeducativas reger-
se-á pelos seguintes princípios:
VIII – não discriminação do adolescente, notadamente 
em razão de etnia, gênero, nacionalidade, classe social, 
orientação religiosa, política ou sexual, ou associação ou 
pertencimento a qualquer minoria ou status
 Assim, podemos observar que as perspectivas de gênero e 
sexualidade estão presentes nos documentos oficiais do SINASE, 
porém na prática cotidiana evidenciamos que esse tema ainda é 
pouco discutido. Conforme ECOS (2012,p.12), a questão em torno 
da garantia de direitos de adolescentes nos campos de gênero e 
sexualidade “é mais uma questão no campo da gestão”. Ainda sobre 
a lacuna entre o prescrito legalmente e aquilo que é realizado no 
cotidiano de trabalho quanto às questões de gênero e sexualidade, 
Oliveira (2011) afirma que “com relação ao segmento populacional 
de adolescentes, os direitos à informação, autonomia e confiabilidade 
são alvo de constante violação nas esferas de execução dos serviços” 
(OLIVEIRA, 2011: p. 229). 
 Existe uma eminente necessidade de qualificar os profissionais 
que atuam nesse sistema com vistas a ampliar o debate nesta política 
e capacitar cada vez mais as equipes para o atendimento aos usuários. 
Considera-se que, ao ampliar a discussão acerca das categorias 
gênero e sexualidade no Serviço de Medidas Socioeducativas, criam-
se maiores possibilidades de se entender o que é o fenômeno da 
criminalidade na adolescência, e desvendar as especificidades sobre 
a criminalidade feminina e a masculina.
 Diante dessa constatação, tomamos por base o eixo de 
formação continuada dos atores sociais preconizado nas diretrizes 
pedagógicas do atendimento socioeducativo do SINASE,
A formação continuada dos atores sociais envolvidos 
no atendimento socioeducativo é fundamental para 
a evolução e aperfeiçoamento de práticas sociais 
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA194
ainda muito marcadas por condutas assistencialistas e 
repressoras. Ademais, a periódica discussão, elaboração 
interna e coletiva dos vários aspectos que cercam a 
vida dos adolescentes, bem como o estabelecimento de 
formas de superação dos entraves que se colocam na 
prática socioeducativa exigem capacitação técnica e 
humana permanente e contínua considerando, sobretudo 
o conteúdo relacionado aos direitos humanos. A 
capacitação e a atualização continuada sobre a temática 
“Criança e Adolescente” devem ser fomentadas em todas 
as esferas de governo e pelos três Poderes, em especial às 
equipes dos programas de atendimento socioeducativo, 
de órgãos responsáveis pelas políticas públicas e sociais 
que tenham interface com o SINASE, especialmente a 
política de saúde, de educação, esporte, cultura e lazer, e 
de segurança pública (BRASIL, 2006, p. 49).
 
 Observando a perspectiva de educação permanente, presente 
nas diretrizes das políticas socioeducativas e socioassistenciais, 
consideramos que o Circuito de Gestão Compartilhada “Gênero e 
Diversidade Sexual”, bem como esse artigo tornam-se relevantes 
na perspectiva de possibilitar aos técnicos produzir e difundir 
conhecimentos que devem ser direcionados ao desenvolvimento de 
habilidades e capacidades técnicas, ao aprimoramento da política 
pública de Assistência Social e das demais políticas que fazem parte 
da rede do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo e ao 
norteamento de construção de estratégias de enfrentamento às 
desigualdades de gênero, ao preconceito por conta de orientação 
sexual e identidade de gênero.
A CRIMINALIDADE JUVENIL E AS REPRODUçÕES 
DAS DESIGUALDADES DE GêNERO
 Para que tenhamos condições de refletir a problemática das 
relações de gênero diante da criminalidade juvenil, necessitamos 
analisar, ainda que brevemente, a questão da criminalidade e suas 
causas. Estatísticas e estudiosos/as apontam que a complexa questão 
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA 195
da criminalidade está vinculada, principalmente, às expressões da 
questão social, mas não é a única causa responsável pelo aumento da 
criminalidade no Brasil. Conforme ressalta Salmasso (2004):
A criminalidade é um fenômeno que perpassa por toda a 
sociedade, seus segmentos, classes, faixas etárias, etc. Para 
comprovar essa constatação, podemos citar como exemplos 
o uso e o tráfico de drogas por indivíduos de classe média 
e alta. Homicídios, suicídios, violência doméstica também 
estão presentes no seio dos lares mais abastados. Podemos 
destacar os crimes de estelionato, mais conhecidos como 
“crimes do colarinho branco”, geralmente praticados porpolíticos e empresários, cuja gama de vítimas foge à nossa 
imaginação (SALMASSO, 2004, p. 17).
 Segundo a autora, a criminalidade também pode ser associada 
a questões como integração social e grupal, comportamentos e 
condutas, reproduções violentas e processos culturais e sociais. É 
nesse cenário que as criminalidades feminina e masculina tomam 
formas diferenciadas, considerando-se o decorrer da história e dos 
papéis sociais que foram atribuídos a homens e mulheres.
 Sobre o conceito de gênero, Scott (1995) afirma:
Minha definição de gênero tem duas partes e diversos 
subconjuntos, que estão interrelacionados, mas devem 
ser analiticamente diferenciados. O núcleo dadefinição 
repousa numa conexão integral entre duas proposições: 
(1) o gênero é um elemento constitutivo de relações 
sociais baseadas nas diferenças percebidas entre os sexos 
e (2) o gênero é uma forma primária de dar significado 
às relações de poder. As mudanças na organização das 
relações sociais correspondem sempre a mudanças 
nas representações do poder, mas a mudança não 
é unidirecional. Como um elemento constitutivo das 
relações sociais baseadas nas diferenças percebidas, o 
gênero implica quatro elementos interrelacionados: em 
primeiro lugar, os símbolos culturalmente disponíveis que 
evocam representações simbólicas (e com frequência 
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA196
contraditórias) – Eva e Maria como símbolos da mulher, 
por exemplo, na tradição cristã ocidental – mas também 
mitos de luz e escuridão, purificação e poluição, inocência 
e corrupção. [...] Em segundo lugar, conceitos normativos 
que expressão interpretações dos significados dos 
símbolos, que tentam limitar e conter suas possibilidades 
metafóricas. Esses conceitos estão expressos nas doutrinas 
religiosas, educativas, científicas, políticas ou jurídicas e 
tomam a forma típica de uma oposição binária fixa, que 
afirma de maneira categórica e inequívoca o significado 
do homem e da mulher, do masculino e do feminino. 
de fato, essas afirmações normativas dependem da 
rejeição ou da repressão de possibilidades alternativas e, 
algumas vezes, elas são abertamente contestadas [...]. A 
posição que emerge como posição dominante é, contudo, 
declarada a única possível. A história posterior é escrita 
como se essas posições normativas fossem o produto 
do consenso social e não do conflito. [...] O desafio da 
nova pesquisa histórica consiste em fazer explodir essa 
noção de fixidez, em descobrir a natureza do debate ou 
da repressão que leva à aparência de uma permanência 
intemporal na representação binária do gênero. Esse tipo 
de análise deve incluir uma concepção de política bem 
como uma referência às instituições e à organização 
social – este é o terceiro aspecto das relações de gênero. 
[...] O quarto aspecto do gênero é a identidade subjetiva 
(SCOTT, 1995, p. 86-87).
 Na construção social e cultural dos sexos e das relações 
de gênero, a mulher foi historicamente associada a imagens de 
passividade, fragilidade, sensibilidade, imperfeição, e à reprodução, 
enquanto o homem sempre esteve em posição ativa, considerado 
forte e viril. Não de forma diferente, quando essa imagem é 
associada ao mundo do crime, ela é reproduzida, e as práticas ilícitas 
são fortemente vinculadas aos homens, pois estes são associados 
à violência e transgressão por serem habilidades e características 
masculinas (RIDÃO et al, 2010).
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA 197
 Contudo, não é raro visualizarmos o envolvimento de mulheres 
na prática de crimes, ou de adolescentes meninas em atos infracionais 
e violências, porém a quantidade é absolutamente inferior em relação 
aos homens adultos e adolescentes. Segundo Ridão et al (2010, 
apud Faria, 2008), a maioria dos estudos, pesquisas e estatísticas 
associam o envolvimento das mulheres na criminalidade a vínculos 
afetivo-conjugais, sendo então, na maioria das vezes, os homens 
os maiores motivadores para a entrada das mulheres no mundo do 
crime. Majoritariamente são os parceiros que cometem e lideram 
os crimes, e as mulheres assumem um papel inferior, a exemplo do 
tráfico de drogas em que ficam na invisibilidade e, na maioria das 
vezes, são as “mulas” ou “aviõezinhos”. Segundo Pimentel (2007), a 
mulher age em nome do afeto e não tem os mesmos fundamentos 
das práticas masculinas, pois os homens agem para se afirmarem em 
determinados grupos sociais em busca de visibilidade e supremacia, 
muitas vezes representadas pelo uso de armas de fogo.
 Usualmente, o envolvimento das mulheres começa 
pelo amor por um bandido ou pelo vício. Começam a furtar 
para ajudar o namorado ou para pagar a droga. São elas 
também que escondem as drogas e as armas em casa 
e que passam a roubar nas lojas para dar roupa bonita 
e dinheiro aos namorados. Frequentar a boca e estar 
metida entre bandidos, no entanto, pode ser entendido 
como possibilidade de estupro pelos rapazes. A lógica, 
segundo a fala de bandidos de algumas quadrilhas, é 
perversa: “deu para o meu Irmão”, “deu para um”, “tem 
que dar para os outros”, “tem que dar para todos”. Na 
“marra” (ZALUAR,1993, p. 137).
 Se por um lado muitas mulheres se envolvem no crime para 
conquistar o seu parceiro amoroso, os homens, na maioria das vezes, 
também utilizam do crime como forma de conquista e sedução, mas as 
expectativas e concepções acerca das relações afetivas e sexuais são 
diferentes, e refletem a cultura de uma sociedade ainda condicionada 
pelo machismo. Conforme a autora zaluar (1993) ressalta no seu 
texto, as mulheres no contexto do crime estão expostas a sofrer 
violências sexuais, físicas e psicológicas, por serem consideradas 
inferiores, submissas e posse dos considerados “bandidos”. Assim, é 
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA198
muito mais comum nos depararmos com as “mulheres de bandidos” 
do que com as “bandidas” propriamente ditas. A forma de tratar o 
corpo feminino como objeto sexual, além de submeter a mulher às 
inúmeras violações, também condiciona as mulheres à cultura da 
beleza, que, para a manutenção, é necessário dinheiro e a busca por 
esse dinheiro pode motivar a entrada na criminalidade.
 Ainda, na obra “Falcão: Mulheres e o Tráfico”, Mv Bill e Celso 
Athayde (2007) relataram que, durante sua pesquisa, entrevistaram 
muitas mulheres envolvidas com o tráfico de drogas nas favelas 
brasileiras, e perceberam que muitas das que se tornaram grandes 
criminosas ou “bandidas” também sofriam muito preconceito nas 
“bocas” pela dúvida da capacidade e habilidade destas em gerenciar 
atividades ilícitas.
 Segundo Ridão et al (2010), essa posição de inferioridade que 
as mulheres possuem na criminalidade vem se modificando com 
o passar dos anos. Verifica-se o aumento das mulheres envolvidas 
em diferentes tipos de crimes como assaltos, furtos, uso e tráfico de 
drogas, porte de arma, agressões violentas, homicídios, sequestros, 
entre outros, fazendo-nos deparar com uma questão diversificada e 
complexa. Pode-se dizer que existe um certo estranhamento social 
quando nos remetemos à ideia da mulher criminosa, pois a imagem 
da mulher é estigmatizada e marcada pela fragilidade, docilidade, 
mãe, dona de casa, esposa e cuidadora, e o crescimento da inserção 
das mulheres na criminalidade demonstra também as mudanças de 
paradigmas que a sociedade vem sofrendo em um universo que era 
considerado prioritariamente masculino.
Embora personagens coadjuvantes nesta tragédia 
moderna, algumas mulheres pobres conseguem superar 
os novos papéis sociais que este sistema econômico do 
tráfico de droga e do crime organizado lhes impõem. 
Neste mundo violento, junto com as crianças, estão na 
posição de uma de suas vítimas contumazes. Algumas 
reafirmam-se como sujeitos ao transformar a si próprias 
e a suas vidas escolhendo os papéis convencionais 
do feminino - donas de casa, esposas, mães pacatas. 
Outras, muito mais raras, tentam escapar da violência 
enfrentando-a com as suaspróprias armas. No processo 
perdem o feminino e incorporam os atributos do 
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA 199
masculino desenvolvidos em tempos de cólera (ZALUAR, 
1993, p. 142).
 Conforme menciona a autora, os tempos de cólera podem ser 
compreendidos por essa sociedade atual ser violenta, em que o tráfico 
de drogas se tornou a principal representação de crime organizado e 
também o maior percentual dos crimes responsáveis pelo inchaço dos 
presídios femininos. Conforme dados do Departamento Penitenciário 
Nacional - DEPEN, 2010, cerca de 60% dos crimes cometidos por 
mulheres estão vinculados ao tráfico de drogas. Segundo Bianchini 
(2011) o aumento das apreensões de mulheres em virtude do crime 
de tráfico drogas está vinculado ao maior cerco dos agentes do 
Estado ao tráfico. Por outro lado, observamos que a ampliação das 
mulheres nessa atividade também está condicionada à reprodução 
dos marcadores de gênero da sociedade, pois a participação feminina 
no crime é menos suspeita, e, de uma forma “às avessas”, abre um 
espaço para maior inserção feminina.
 Nesse contexto, em que está evidente a subordinação feminina 
e a reprodução do machismo, pode-se observar também a crescente 
participação da mulher na cena criminal com intuitos de buscar 
autonomia financeira, e principalmente disputar o poder com os 
homens. É nesse campo de relações de poder no mundo do crime em 
que as mulheres estão mais expostas e vulneráveis à prisionização, 
pois, ainda sem detê-lo, é mais fácil uma mulher ser presa do que um 
homem (BIANCHINI, 2011).
 É importante observarmos que a hierarquização de gênero 
se reproduz na cena infracional com os/as adolescentes e por isso 
o serviço de medida socioeducativa de LA e PSC, enquanto política 
pública deve contemplar essa questão como forma de combate às 
desigualdades culturais e sociais historicamente construídas em 
torno das relações de gênero. Sabemos que a criminalidade é uma 
questão complexa, e pode ter inúmeras motivações, mas a questão 
econômica pode-se apresentar como a principal delas. Se a cena 
criminal contemporânea abre um espaço para as mulheres e meninas 
buscarem formas de ganhar a vida, é dever das políticas públicas 
se voltarem para formas de combater essa entrada no mundo do 
crime, ofertando oportunidades, acesso à cidadania, autonomia e 
emancipação.
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA200
ADOLESCêNCIA, IDENTIDADE DE GêNERO 
E ORIENTAçÃO SEXUAL: O DESAFIO DO 
ENFRENTAMENTO AO PRECONCEITO 
E À DISCRIMINAçÃO NAS MEDIDAS 
SOCIOEDUCATIVAS EM MEIO ABERTO
 Os casos atendidos pelo Serviço de Medidas Socioeducativas 
em Meio Aberto, que envolvem as questões de identidade de gênero 
e orientação não hegemônica, tornam-se outro embaraço para os/as 
técnicos/as. Uma vez que o objetivo do trabalho nas Medidas de Meio 
Aberto é o processo de responsabilização do/a adolescente em torno 
do ato infracional cometido, geralmente, as tensões produzidas pelas 
homossexualidades, travestilidades e transexualidades são silenciadas 
e deixam de ser objeto de reflexão no processo socioeducativo. O 
silêncio eloquente por parte dos/as operadores/as socioeducativos/
as, sejam eles representados pelo poder executivo ou pelo judiciário, 
consentem com a produção do fenômeno da homofobia.
 É mister compreender os fenômenos de produção do 
preconceito e da discriminação2 devido à orientação sexual e 
identidade de gênero para que o processo socioeducativo não seja 
[re]produtor de hierarquias de subordinação e inferiorização das 
expressões não- heterossexuais da sexualidade. A aposta que fazemos 
é de que, a partir dessa compreensão, sejamos capazes de localizar 
e intervir nos modos como a gestão, equipamentos e operadores/as 
do sistema socioeducativo possuem um modo próprio de lidar com 
as questões da sexualidade adolescente e que possamos pensar na 
construção de intervenções psicossociais mais qualificadas do ponto 
de vista do enfrentamento ao preconceito e à discriminação.
2 Os Princípios de Yogyakarta – Princípios sobre a aplicação da legislação internacional de 
direitos humanos em relação à orientação sexual e identidade de gênero (Yogyakarta, 2007) 
afirmam que “a orientação sexual e a identidade de gênero são essenciais para a dignidade 
e humanidade de cada pessoa e não devem ser motivo de discriminação ou abuso” (p. 06). 
Por orientação sexual, os Princípios de Yogyakarta (2007) compreendem “como uma referência 
à capacidade de cada pessoa de ter uma profunda atração emocional, afetiva ou sexual por 
indivíduos de gênero diferente, do mesmo gênero ou de mais de um gênero, assim como ter 
relações intimas e sexuais com essas pessoas (p. 06)”. E por identidade de gênero, compreendem 
“a profundamente sentida experiência interna e individual do gênero de cada pessoa, que pode 
ou não corresponder ao sexo atribuído no nascimento, incluindo o senso pessoal do corpo 
(que pode envolver, por livre escolha, modificação da aparência ou função corporal por meios 
médicos, cirúrgicos ou outros) e outras expressões de gênero, inclusive vestimenta, modo de 
falar e maneirismos (YOGYAKARTA, 2007, p. 06). Para acesso ao texto completo dos Princípios 
de Yogyakarta, acessar: Link: http://www.yogyakartaprinciples.org
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA 201
 Partindo-se dos estudos de Daniel Borrillo (2010), vemos que 
o termo homofobia foi cunhado em 1971 por K. T. Smith, a partir da 
análise dos traços da personalidade homofóbica. No ano seguinte, G. 
Weinberg definiu homofobia a partir da ideia de uma manifestação 
emotiva do tipo fóbico, que se caracteriza pelo sentimento de medo, de 
aversão e/ou repulsa, “o receio de estar com um homossexual em um 
espaço fechado e, relativamente aos próprios homossexuais, o ódio por 
si mesmo” (WEINBERG, 1992 citado por BORRILLO, 2010: p. 21).
 Apesar de parecer, à primeira vista, uma boa explicação para 
aqueles casos extremos de violência letal contra homossexuais, 
essa definição, com o tempo, apresentou-se bastante limitada, 
seja pela complexidade do ato homofóbico ou mesmo pela maior 
compreensão psicossociológica do próprio conceito. Estão excluídos 
dessa definição de homofobia: o tratamento jurídico desigual; 
a hostilidade diante da expressão pública de afeto; as inúmeras 
dificuldades a que são submetidos/as travestis e transexuais quanto 
à inserção no mercado de trabalho, ao acesso às políticas públicas de 
educação, saúde e assistência social; a ineficiência e até indiferença 
do Estado e suas instituições diante da questão; a lógica reiterada da 
heteronormatividade nas instituições; e, para radicalizar, a condenação 
à morte decorrente da orientação sexual não-heterossexual, como 
ocorre em Países do Oriente Médio3.
 Nesses exemplos, não se trata apenas da apreensão psicológica 
de um indivíduo frente a um sujeito homossexual. Segundo Borrillo 
(2010), parece-nos mais apropriado dizer, nesses casos, de um 
conjunto de atitudes cognitivas de cunho negativo, incidindo sobre 
as não - heterossexualidades nos planos social, moral, jurídico e/ou 
antropológico.
 Na concepção de Borrillo (2010), pode-se perceber a passagem 
de uma abordagem mais individual e psicologizante à outra, que leve 
em consideração questões sociais acerca da homofobia. Sobre essa 
virada epistemológica em torno do conceito da homofobia, Junqueira 
(2007) afirma que:
o que é mais marcante neste caso é a tentativa de se 
conferir outra espessura ao conceito, na medida em que 
ele é associado, sobretudo, a situações e mecanismos 
3 Ver Mapa Mundial Legal sobre Legislações LGBTQI, disponível em http://ilga.org/ilga/pt/
article/118
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA202
sociais relacionados a preconceitos, discriminações e 
violências contra homossexuais, bissexuais e transgêneros, 
seus comportamentos, aparências e estilos de vida... A 
homofobia passa a ser vista como fator de restrição de 
direitos de cidadania, como impeditivo à educação,à saúde, 
ao trabalho, à segurança, aos direitos humanos e, por isso, 
chega-se a propor a criminalização da homofobia. Abrem-se 
aí novas frentes de batalhas, fogos cruzados, possibilidades 
e paradoxos políticos (JUNqUEIRA, 2007, p. 151).
 Essa mudança de foco converge-se na reflexão e crítica de 
que a homofobia deveria ser abordada em outros campos: cultural, 
educacional, político, jurídico, sociológico e antropológico (para 
enumerar alguns).
 Borrillo (2010) sugere, para fins de análise do fenômeno 
da homofobia, a distinção entre duas dimensões: uma pessoal e 
outra cultural. A dimensão pessoal refere-se à natureza afetiva do 
fenômeno da homofobia; essa forma de manifestação consiste 
na rejeição e aversão aos homossexuais. A segunda dimensão é a 
cultural, “de natureza cognitiva, em que o objeto de rejeição não é 
o homossexual enquanto indivíduo, mas a homossexualidade como 
fenômeno psicológico e cultural” (BORRILLO, 2010, p. 22).
 Uma vez que a abordagem psicológica é insuficiente para a 
problematização do conceito de homofobia, Borrillo (2010) sugere 
aproximações e analogias com outros fenômenos sociais de violência 
e discriminação (como por exemplo, racismo, xenofobia, classismo e 
antissemitismo) como um caminho mais profícuo para pensarmos o 
fenômeno social da homofobia.
 Vários autores/as têm insistido e enfatizado que as relações 
sociais são organizadas a partir das lógicas do sexismo e do 
heterossexismo (BUTLER, 2006; JUNQUEIRA, 2007, 2009, 2011; 
PRADO & MACHADO, 2008; BORRILLO, 2010; PRADO & JUNQUEIRA, 
2011; NARDI, 2010). Por sexismo, Borrillo (2010) entende como 
“ideologia organizadora das relações entre os sexos, no âmago da 
qual o masculino caracteriza-se por sua vinculação ao universo 
exterior e político, enquanto o feminino reenvia à intimidade e 
a tudo o que se refere à vida” (p. 30). Enquanto heterossexismo 
refere-se aos dispositivos intelectuais e políticos de discriminação, 
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA 203
baseados no sistema pelo qual uma sociedade organiza tratamentos 
segregacionistas segundo a orientação sexual, a partir de uma ordem 
hierárquica que toma a heterossexualidade como forma legítima e 
padrão de expressão sexual (BORRILLO, 2010).
 É a partir dessa relação com o sexismo, que Borrillo (2010) 
afirma que a homofobia não atinge somente aos/às homossexuais. 
A homofobia, de forma geral, funciona como uma espécie de 
vigilância de gênero (BLUMENFELD, 1992), uma vez que pode 
manifestar-se também como hostilidade contra atitudes opostas aos 
papéis sócio-sexuais pré-estabelecidos4. Orientado pelos estudos 
de masculinidade, Borrillo (2010) afirma que a construção da 
masculinidade e da virilidade partem da negação da feminilidade 
e da homossexualidade.
 A pesquisa Diversidade Sexual e Homofobia no Brasil (VENTURY 
& BOKANY, 2011), desenvolvida pela Fundação Perseu Abramo 
em parceria com a fundação alemã Rosa Luxemburgo Stiffung 
contextualiza essa questão na realidade brasileira. A pesquisa teve 
como objetivo investigar o preconceito e a discriminação (familiar, 
social e institucional) contra o grupo LGBT, com o intuito de subsidiar 
a discussão em torno de políticas públicas e da implementação de 
ações com vistas a enfrentar as violações de direitos dessa parcela 
da população. Nessa pesquisa, 70% dos/as entrevistados/as, quando 
perguntados/as se “os governos deveriam ter a obrigação de combater 
a discriminação contra homossexuais”, responderam que “isso é um 
problema que as pessoas têm que resolver entre elas” (VENTURY & 
BOKANY, 2011, p. 225).
 Prado e Junqueira (2011) afirmam que “o que emerge nesse 
ponto é um nítido não-reconhecimento da homofobia como um 
problema público” (p. 58). Pode-se perceber como o heterossexismo, 
apresenta a heterossexualidade como expressão legitimada no 
campo das experiências sexuais e enseja modos de organização 
social hierárquicos no que diz respeito ao acesso; ao reconhecimento 
público; à formulação e implementação de políticas públicas e à 
própria possibilidade de existência. A partir dessa compreensão, o 
fenômeno da homofobia pode ser então definido como uma forma 
específica de sexismo e como uma ideologia heterossexista, pois 
4 Cf. Almeida, 1995; Connel, 1995, 1997, 1998; Kimmel, 1997, 1998; Welzer-Lang, 2001, 2004. 
Para conferir levantamento de dados sobre assassinatos decorrentes de crimes de ódio contra 
LGBT no Brasil, ver Mott, 2000 e o site do Grupo Gay da Bahia (GGB): www.ggb.org.br
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA204
organiza e hierarquiza as expressões da sexualidade e, dessa maneira, 
extrai consequências políticas importantes.
 Além disso, semelhantemente às outras discriminações 
correlatas, a homofobia consiste em práticas de desumanização 
do outro, tornando-os inevitavelmente diferentes. Essas práticas 
articulam-se em torno de emoções, de condutas e de um dispositivo 
ideológico. São lógicas de dominação, que se mantém a partir da 
fabricação das diferenças, naturalizando o próprio modo como se 
produzem, com a finalidade de justificar a exclusão de uns/umas e os 
privilégios de outros/as.
 Para Rios (2006, 2009), racismo, sexismo, xenofobia, classismo, 
antissemitismo e homofobia são as expressões mais elucidativas 
do preconceito e da discriminação nos debates públicos e nas lutas 
sociais e políticas desde meados do século XX. Esse autor ressalta 
ainda que a homofobia tem sido, quando comparada a essas outras 
formas de preconceito e discriminação, a menos discutida e a mais 
controversa: com parca bibliografia, inexistência de políticas públicas 
de enfrentamento e a indiferença cruel com que são tratadas as 
manifestações homofóbicas. Rios (2009) apresenta a definição de 
homofobia como “discriminação experimentada por homossexuais e 
por todos aqueles que desafiam a heterossexualidade como parâmetro 
de normalidade em nossas sociedades” (RIOS, 2009: p. 60).
 Prado e Machado (2008) tornam esse debate mais complexo 
ao definirem a homofobia como um fenômeno psicossocial que se 
estabelece nas tensões entre o público e o privado. A homofobia 
constitui-se a partir de um processo de subordinação das experiências 
não heterossexuais que tem como fundamento básico o preconceito 
social. A própria produção do conceito de homossexualidade parte 
de estratégias de legitimação de diferentes formas de desigualdade 
e exclusão social. É nesse ponto que encontramos as tensões entre 
os âmbitos público e privado do debate político em torno das 
sexualidades. Ora, se a experiência homossexual, assim como a 
heterossexual, pode ser considerada particular, individual, ou pode ser 
pensada como uma questão da vida privada; ela é, ao mesmo tempo, 
uma experiência complexa que interpenetra na experiência social, 
constituindo possibilidades identitárias determinantes de vários 
outros aspectos da vida pública (SEDGWICK, 2007). Particularmente 
para as experiências não-heterossexuais, essas determinações são 
baseadas na subordinação e inferiorização da homossexualidade.
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA 205
 Prado e Machado (2008) afirmam que “a lógica de 
superiorização e da inferiorização dos grupos sociais se traduz em um 
conjunto de práticas sociais capaz de inserir pública e socialmente 
determinadas categorias sociais de formas subalternas em nossas 
sociedades” (p.11). Os dados assustadores sobre os crimes de ódio 
cometidos contra LGBT5 no Brasil e a indiferença do poder público6 
podem exemplificar o limite letal dessa subalternização.
 No que diz respeito à sexualidade, a distinção entre as 
orientações homo e heterossexuais, bem como a distinção entre as 
identidades de gênero constroem formas de subordinação. As nuances 
simbólicas que regulam as possibilidades sexuais delimitaram para 
as práticas homossexuais posições sociais determinadas ao longo da 
história nas hierarquias sexuais (Rubin, 1984).
 O discurso hegemônico,constituído por um misto de discurso 
religioso e médico- científico, reservou às não heterossexualidades 
lugar de condenação, sob a acusação de crime, pecado ou doença. 
Esse discurso hegemônico, segundo Prado e Machado (2008), pode 
ser entendido como aquele 
capaz de criar formas e práticas de consentimento, 
de modo a transformar uma experiência particular 
(neste caso, a experiência heterossexual burguesa) em 
pretensamente universal, inferiorizando ou invisibilizando 
quaisquer outras possibilidades da experiência (PRADO 
& MACHADO, 2008, p. 13).
 Nesse sentido, a homossexualidade figura nesses processos 
hegemônicos a partir de um mecanismo de subalternização. Não 
se trata de afirmar que os não heterossexuais estão excluídos 
socialmente, mas que o modo como são incluídos na trama social é 
perverso e baseado numa lógica de subordinação. Essa subalternidade 
está marcada pela categoria de subcidadania e se caracteriza pelo 
menor acesso aos direitos e menos novos direitos políticos.
 O processo de hierarquização sexual tem o preconceito 
social como o elemento que se incumbe de invisibilizar as formas 
subalternas de existência e, com isso sustentar, dando coerência ao 
5Para conferir levantamento de dados sobre assassinatos decorrentes de crimes de ódio contra 
LGBT no Brasil, ver Mott, 2000 e o site do Grupo Gay da Bahia (GGB): www.ggb.org.br
6Cf. Carrara e Vianna, 2006.
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA206
consenso hegemônico, uma posição hierarquicamente superior da 
heterossexualidade.
 Mas qual a dinâmica de funcionamento do preconceito? Como 
o preconceito social estrutura-se na naturalização e legitimação da 
inferiorização social? Como são produzidas as hierarquias sociais e 
sexuais baseadas em relações de subordinação? Essas questões são 
fundamentais para pensarmos as possibilidades de enfrentamento à 
homofobia.
 O preconceito social pode ser considerado como um 
mecanismo fundamental da inferiorização social. Ele “sustenta e 
produz concepções ideológicas e cognitivas sobre a legitimidade ou 
ilegitimidade de uma gama de direitos e da própria possibilidade de 
interpelação política no mundo público” (PRADO & MACHADO, 2008, 
p. 68). Além disso, o preconceito oculta as razões que justificam as 
inferiorizações históricas. 
 Prado e Machado (2008) defendem que hierarquização 
e inferiorização constituem-se por processos distintos e são 
mecanismos complementares na manutenção de desigualdades e no 
acirramento de processos de exclusão social, que podem assumir as 
formas de aniquilamento, violência social ou inclusão subalterna.
 A hierarquização funciona sob uma lógica da subordinação, que 
estabelece uma funcionalidade entre os atores sociais, instituindo-
se como o próprio funcionamento de algumas organizações sociais. 
As lógicas de subordinação “aparecem como sendo naturais da 
organização social, pois se mostram como hierarquias absolutamente 
necessárias para a reprodução da sociedade e instituem uma 
complementariedade da relação entre diferentes posições 
identitárias” (PRADO & MACHADO, 2008, p. 69). Assim, nas relações 
de subordinação, a ordem social não é tomada como uma ordem 
historicamente construída e regida pela contingência da ação 
humana. Pelo contrário, é entendida como natural e não reconhece 
as injustiças empreendidas nas hierarquias da ordem social.
 É nessa complementaridade entre hierarquização e 
inferiorização que os preconceitos sociais atuam, explicitando seu 
caráter conservador, para não permitir que relações de subordinação 
sejam politizadas. Dessa forma, os preconceitos sociais se estabelecem 
na manutenção das lógicas da dominação social. Prado e Machado 
(2008) afirmam que a função dos preconceitos sociais é de
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA 207
não permitir que a discriminação e a inferiorização 
sejam interpretadas como mecanismos da injustiça entre 
diferentes posições identitárias, mantendo, assim – e aí 
está o seu conservadorismo – uma relação de opressão 
invisibilizada como naturalização das relações de 
subordinação social (PRADO & MACHADO, 2008, p. 70).
 A legitimação dessa inferiorização, no caso da não 
heterossexualidade, ocorre a partir de atribuições negativas 
produzidas a partir dos discursos religiosos, da produção científica 
e de moralismos sociais. Tais atribuições se baseiam num princípio 
normativo das possibilidades e constituições subjetivas e das relações 
sociais: a heteronormatividade.
 A heteronormatividade relaciona-se à instituição da 
heterossexualidade como única possibilidade legítima e natural de 
vivência e expressão identitária e sexual. Diz respeito a “um conjunto 
de eixos que atuam na construção, legitimação e hierarquização de 
corpos, identidades, expressões, comportamentos, estilos de vida 
e relações de poder” (JUNQUEIRA, 2007, p. 155). Dessa maneira, a 
partir desse princípio normativo das relações humanas, restam às 
homossexualidades, os contornos do desvio, do crime, da aberração, 
da doença, da perversão, da imoralidade, enfim, da abjeção.
 Portanto, podemos afirmar que a heteronormatividade, que 
tem a homofobia como instrumento de ação, é um mecanismo 
organizador e delimitador dos critérios de distribuição de títulos de 
cidadania, definindo quais direitos esses/as cidadãos/cidadãs terão 
acesso e como o Estado vai se relacionar com esses sujeitos. Tendo 
papel fundamental, inclusive, na formulação e implementação de 
políticas públicas de redistribuição e reconhecimento (PRADO & 
MACHADO, 2009; JUNQUEIRA, 2009; BUTLER, 2006).
 Outro aspecto do preconceito social é de que ele funciona 
na perspectiva de simplificação dos dilemas sociais, “informando-
nos sobre orientações valorativas que procuram dar e atribuir uma 
pretensa coerência às ações sociais” (PRADO & MACHADO, 2008, 
p. 71). A operação que se vê nesse processo é a de transformação 
das diferenças em desigualdades a partir da lógica da hierarquização 
social, estabelecendo inclusive uma relação interna de reciprocidade 
na própria hierarquia, na qual aqueles/as que desfrutam dos 
privilégios somente se mantém pela construção da inferioridade 
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA208
daqueles/as que não são superiores: “quanto mais uma orientação 
sexual não heterossexual assume o status de doença, perversão, 
pecado, degeneração ou anomalia, maior será a legitimidade da 
heterossexualidade compulsória” (PRADO & MACHADO, 2008, p. 72).
 Os discursos científicos e religiosos proporcionaram preciosas 
contribuições a essa categorização hierárquica e na manutenção 
dessa relação interna. Os argumentos que traduziram diferenças 
em desigualdades, também transformaram valores e experiências 
particulares em um universal da cultura. É essa simplificação que 
impede a visibilidade das hierarquias sexuais e, consequentemente, 
que a homofobia configure-se como um problema público.
 Ao se levar em consideração a pesquisa da Fundação Perseu 
Abramo (VENTURI & BOKANY, 2011), apresentadas acima, podemos 
perceber que a lógica que orienta as respostas são complementares. 
Uma vez estabelecida a regulação sobre a legitimidade das experiências 
sexuais, hierarquizando-as, a partir da heterossexualidade 
compulsória, o que resta é o não reconhecimento de que as 
consequências das desigualdades que as hierarquias ensejam são um 
problema público. A disputa gira em torno mesmo da constituição 
da visibilidade dos sujeitos merecedores da atenção do Estado, da 
própria noção de cidadania, de quem pode ser considerado como 
cidadão/cidadã e, mais radicalmente, da afirmação da igualdade.
 Assim, no que se refere à homofobia, a distinção binária 
homossexualidade/ heterossexualidade e a norma reguladora do 
gênero, como delimitadora de inteligibilidade social, tornam-se os 
critérios distintivos para o reconhecimento da dignidade dos sujeitos 
e para a distribuição dos benefícios sociais, políticos e econômicos, 
quando nos referimos às questões degênero e sexualidade.
FAMíLIAS, RELAçÕES DE GêNERO E VIOLêNCIA
 Segundo a Política Nacional de Assistência Social (BRASIL, 
2004), família é um grupo de pessoas unidas por laços consanguíneos, 
afetivos e, ou de solidariedade. Lemos ainda no documento que 
é o “núcleo social básico de convivência, acolhida, autonomia, 
sustentabilidade e protagonismo social”. A Constituição Federal 
Brasileira de 1988 preconiza em seu artigo 5º que homens e mulheres 
são iguais em direito e deveres, sendo este um fato novo nesta carta 
maior. No artigo 203, na seção IV, que trata da Assistência Social, 
a família é lembrada juntamente com a maternidade, infância, 
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA 209
adolescência e velhice como objetivo de proteção dessa política. Mas 
quando falamos da realidade brasileira, falamos de qual família?
 Podemos destacar que houve uma evolução no conceito de 
família na legislação brasileira, mas principalmente houve ganhos num 
contexto sócio/cultural da concepção de família. Costa (1983) já dizia 
que as lutas sociais no país favoreceram também a constituição de 
um novo modelo de família. A medida que os cidadãos, isoladamente 
ou por meio de grupos, conquistavam direitos, já se desenhava uma 
nova configuração para cada família. Aqueles antes constituídos 
“anormais” passam a ser percebidos como integrantes das famílias, 
na perspectiva dessa ser um lugar de proteção e construção da 
identidade.
A nova definição constitucional de família, tornando-a 
mais inclusiva e sem preconceitos; a igualdade de direitos 
e deveres entre homens e mulheres na sociedade conjugal; 
a consagração do divórcio; a afirmação do planejamento 
familiar como livre decisão do casal, e a previsão da 
criação de mecanismo para coibir a violência no interior 
da família são os resultados das lutas feministas junto aos 
legisladores constituintes (KALOUSTIAN, 1984, p. 21).
 Diante desse aspecto, as famílias se tornaram alvo das políticas 
públicas. A consolidação do ECA trouxe um novo olhar sobre a família, 
onde o seu seio deveria ser um local harmonioso, de felicidade e 
compreensão para o bom desenvolvimento dos filhos.
... viver em família continua sendo um componente básico 
da vida social, com a diferença significativa de que não exista 
mais, no interior de uma mesma sociedade, um modelo de 
família considerado o único válido e aceitável para todos. 
Como disse Michelle Perrot (1993), os indivíduos querem 
libertar-se das amarras e dos controles tradicionalmente 
característicos da família, mas pretendem, ao mesmo 
tempo, perpetuá-la como espaço de afetividade, de 
segurança emocional e de compartilhamento de projetos e 
de expectativas, o que a caracteriza como uma instituição-
ninho (MELO, 2009, p. 159-176).
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA210
 Com a luta dos movimentos diversos, a efetivação de uma 
legislação avançada e consolidação das políticas públicas nos últimos 
anos poderíamos dizer que as famílias já estão vendo ultrapassadas 
suas questões com a sexualidade e as relações de gênero?
 Observamos que apesar dos avanços, a realidade das famílias 
é complexa. Nossa sociedade está sustentada, culturalmente, em um 
discurso que a família deveria proteger a vida de crianças e adultos. 
Para tal, adotamos um modelo higienista importado: o modelo 
burguês, judaico-cristão ocidental. Vivemos os ditames de uma classe 
burguesa que copiamos do modo de vida americano e que nada tem 
a ver com aquilo que era a nossa realidade, desde o século passado.
Ficamos escravos de um modelo que nada se adapta à nossa cultura. 
Costa (1983) já assinalava tal posição:
... a vida privada dos indivíduos foi atrelada ao destino 
político de uma determinada classe social, a burguesia, 
de duas maneiras historicamente inéditas. Por um lado, 
o corpo, o sexo e os sentimentos conjugais parentais 
e filiais passaram a ser programadamente usados 
como instrumentos de dominação política e sinais de 
diferenciação social daquela classe. Por outro lado, a 
ética que ordena o convívio social burguês modelou o 
convívio familiar, reproduzindo, no interior das casas, os 
conflitos e antagonismos de classe existente na sociedade. 
As relações intrafamiliares se tornaram uma réplica das 
relações entre classes sociais (COSTA, 1993, p. 13).
 O autor ressalta que, a partir dessa lógica, todas famílias que 
fugiam de um certo padrão construído culturalmente viviam em 
anormalidade – os caipiras, crioulos, paraíbas, etc. Para lidar com 
toda essa pluralidade que ainda persiste nos dias de hoje, criou-se a 
busca de um indivíduo que seja o “bem educado”, culto, polido, que 
fosse um exemplo a ser seguido.
 Conforme preconizado, à família sempre foi facultado o espaço 
de proteção e cuidado, e, para tanto, deve produzir filhos, cidadãos 
bem comportados. O problema se origina quando não é possível 
seguir esses padrões estabelecidos historicamente.
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA 211
 Costa (1983) destaca justamente a dificuldade que o indivíduo 
tem em viver essa dualidade, visto que a complexidade da sua vida o 
impossibilita de responder a esse ideal. Daí, em nome de uma busca 
por esse padrão, admite-se certos comportamentos:
 A sanidade física da família de elite aumentou, 
na medida em que as condutas sexuais masculinas 
e femininas foram sendo respectivamente reduzidas 
às funções sociosentimentais do ‘pai’ e da ‘mãe’, em 
contrapartida, esta mesma educação desencadeou 
uma epidemia de repressão sexual intrafamiliar que, 
até bem pouco tempo, transformou a casa burguesa 
numa verdadeira filial da “polícia médica”. Instigados 
pela higiene, homens passaram a oprimir mulheres 
com o machismo, mulheres, a tiranizar homens com 
o <nervosismo>;, adultos, a brutalizar crianças que se 
masturbavam; casados, a humilhar solteiros que não 
casavam; heterossexuais, a reprimir homossexuais, etc. 
o sexo tornou-se emblema de respeito e poder sociais. 
Os indivíduos passaram a usá-lo como arma de prestígio, 
vingança e punição (COSTA, 1983, p. 15). 
 
 O que se percebe, de toda essa reflexão, que a dominação 
masculina nas relações sociais está sempre presente, sobretudo 
no interior das famílias. Quando o jovem Roberto se depara com 
a relação violenta entre seus pais, o mesmo tende a reproduzir 
justamente esse comportamento, negando ao mesmo tempo. Quer 
ele apontar que ao mesmo tempo em que sabe que seu pai ocupa um 
lugar de “pai” socialmente construído, também reconhece que é por 
meio da violência é que o homem tem estabelecido relações sociais 
de gênero.
 Welzer-Lang (2001) destaca em seu texto “A construção do 
masculino: dominação das mulheres e homofobia” que os homens 
aprendem a ser homem desde a mais tenra idade. Esse aprendizado 
perpassa inclusive a suportar o sofrimento para ser reconhecido como 
homem. As brincadeiras, os espaços coletivos masculinos reforçam a 
ideia de uma virilidade que se é conquistada e deve ser defendida 
a qualquer custo. Se nessa relação “masculino versus feminino”, a 
criança e/ou o adolescente aprende justamente a não ser o fraco da 
JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA212
história, por mais que ele reconheça que as relações não devem ser 
violentas, é dessa forma que ele compreendeu a posição da virilidade 
masculina. Mesmo que se dê pela via do sofrimento:
 
... aprender a respeitar os códigos, os ritos que se 
tornam então operadores hierárquicos. integrar códigos 
e ritos, que no esporte são as regras, obriga a integrar 
corporalmente (incorporar) os não-ditos. Um desses não 
ditos, que alguns anos mais tarde relatam os rapazes 
já tomados homens é que essa aprendizagem se faz 
no sofrimento. Sofrimento psíquico de não conseguir 
jogar bem quanto os outros. Sofrimento dos corpos que 
devem endurecer para poder jogar corretamente. Os 
pés, as mãos, os músculos… se formam, se modelam, se 
rigidificam por uma espécie de jogo sádicomazoquista 
com a dor. O pequeno homem deve aprender

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