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Libras O que são as línguas de sinais? Línguas de sinais são sistemas linguísticos complexos em modalidade visual-espacial utilizados pelas comunidades surdas. Modalidade é o meio pelo qual a língua é articulada. No caso das línguas orais, como português e inglês, a modalidade linguística é oral-auditiva. Ou seja: enquanto as línguas orais são produzidas através do aparelho fonador e acessada pelos ouvidos, as línguas de sinais são produzidas pelas mãos e (expressões faciais e corporais) e acessadas através da visão. De quantas línguas você já ouviu falar? Pois bem, assim como as línguas orais possuem uma diversidade imensa, variando geograficamente e até mesmo dentro do mesmo espaço linguístico de acordo com questões culturais, sociais e individuais, as línguas de sinais também não são universais. Cada país utiliza uma língua de sinais diferente, pois são constituídas, como qualquer sistema linguístico, conforme a necessidade de cada sociedade a que pertencem. Às vezes ouvimos falar: “ah, mas seria bem mais fácil se as línguas de sinais fossem todas iguais” Ok, mas, isso seria possível? Você consegue imaginar todas as pessoas do mundo falando a mesma língua oral? Não, certo? Da mesma forma, as línguas de sinais também não poderiam ser universais. Uma língua, seja de sinais ou oral, é construída naturalmente a partir do convívio social, em que são convencionados signos linguísticos para representação lexical de significados e significantes. Essas representações são constituídas de fortes influências culturais de cada sociedade e são modificadas através dos tempos conforme adaptações ocorridas nesses meios. Se as culturas e contextos são diferentes, nada mais natural do que falar de modo diferente, não é mesmo? Por exemplo, em países que nevam muito, como a Escócia, existem diversas palavras diferentes para se falar da NEVE. Aqui no Brasil não temos neve, então esta única palavra é suficiente para representar aqueles “flocos de gelo”. Aqui no Brasil, a língua de sinais que falamos é a Libras. Sinal de Libras: https://www.youtube.com/watch?v=Sao2Co2iwTw https://www.youtube.com/watch?v=WBOTcPi-C1k Representação do sinal “Libras” em desenho (retirado do dicionário ilustrado trilíngue Capovilla) “Libras” em escrita de sinais (Sign Writing) https://www.youtube.com/watch?v=Sao2Co2iwTw https://www.youtube.com/watch?v=WBOTcPi-C1k Libras é o nome dado à Língua Brasileira de Sinais. - Ah, mas eu posso falar “linguagem de sinais”? - Não. A Libras teve seu status linguístico legalmente reconhecido em 2002 por meio da Lei 10.436, depois de décadas de lutas da comunidade surda para que sua língua fosse oficializada como uma forma de garantir direitos de acessibilidade aos surdos. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10436.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10436.htm “Linguagem” pode significar duas coisas: a capacidade cognitiva inerente aos seres de desenvolver uma forma de comunicação (para nós, uma língua) ou também podemos utilizar esse termo para tratar de “modos de falar”, como a linguagem infantil, linguagem técnica, linguagem informal ou formal, entre outras variáveis, as quais não possuem uma “regra” específica e sim adaptações realizadas conforme o falante. Ao utilizar o termo “linguagem” para se referir à Libras, é reforçada uma ideia passada de que as línguas das comunidades surdas são conjuntos de gestos arbitrários combinados com mímica. E não é nada disso. Esse termo se torna pejorativo e desrespeitoso no contexto que estamos abordado quando utilizados conscientemente. A Libras é constituída por sinais e expressões não manuais (faciais e corporais), regidos por uma gramática consistente com diversos parâmetros sintáticos, morfológicos e fonéticos e fonológicos (como qualquer outra língua!), reconhecidos e utilizados por todos os seus falantes. Para não esquecer: Libras é língua. Línguas de sinais são as línguas das comunidades surdas. Outro termo importante que deve ser abolido do vocabulário: “surdo-mudo” (mudinho, surdinho, entre outros termos depreciativos) As pessoas que não ouvem são SURDAS. Não há ofensa nem é “feio” ou “pesado” se referir assim. São surdos e surdas que têm orgulho de sua cultura, de sua língua, que fazem parte de uma comunidade linguística e cultural. Também não utilizamos “deficiente auditivo” para “amenizar” o termo. A comunidade surda estabelece que o termo Surdo é utilizado para denominar pessoas de uma condição auditiva diferente dos ouvintes. Os deficientes auditivos são pessoas que possuem outra condição auditiva, nem sempre fazem parte da comunidade surda ou utilizam a língua de sinais. (Esses tópicos serão abordados mais adiante.) Por ser de modalidade visual-espacial, a Libras e outras línguas muitas vezes dão ideia a quem não as conhece de que só é possível de abordar coisas “concretas”, que possuem “forma”, pois os sinais são representações de forma e semelhança. Porém, isso não é verdade. As línguas de sinais podem ser utilizadas para abordar qualquer assunto, como Filosofia, Economia, Arte e Astronomia. A ideia de que a língua de sinais é “artificial” corrobora com a ideia de que se trata apenas de uma “linguagem” e, por isso, a importância de se desconstruir as impressões generalizadas sobre essas línguas e compreender que são construtos sociais desenvolvidos naturalmente no decorrer dos tempos. A Libras é uma versão sinalizada do português? Não. As línguas de sinais não são derivadas das línguas orais, foram desenvolvidas a partir das experiências culturais e visuais das comunidades surdas, são ilimitadas, abrangentes e complexas como todo sistema linguístico. Ou seja, a Libras não é constituída a partir de um “português simplificado”, é preciso desvincular uma língua da outra – são duas línguas diferentes e estruturadas de forma diferente. Existem, sim, relações entre português e Libras - assim como outras línguas conversam entre si - principalmente pelo fato de estarem dentro do mesmo ambiente social e geográfico e serem utilizadas por pessoas bilíngues. Em geral, os surdos são pessoas bilíngues por estarem imersos em uma sociedade majoritariamente ouvinte, experienciando vivências biculturais no cotidiano. A língua de sinais é adquirida desde a infância, como primeira língua, mas sempre que o surdo ingressa na escola, inicia também o processo de ensino- aprendizagem de português como segunda língua. A maioria das pessoas que utilizam a língua de sinais são bilíngues. Os surdos, porque desenvolvem essas línguas naturalmente (aqui será abordada a situação ideal e natural de desenvolvimento linguístico, embora existam diversos casos de surdos que aprendem primeiro a língua oral, principalmente sobre questões familiares como pais ouvintes que não aceitam a surdez dos filhos surdos e os obrigam a aprender a língua oral e os submetem a processos de “correção” ou quando a surdez é descoberta mais tarde, depois do período crítico de desenvolvimento da linguagem (por vota dos 4 anos) e acabam não desenvolvendo nenhuma língua até a descoberta, entre outros casos, comuns, mas específicos) e depois aprendem a língua oral do país em modalidade escrita e os ouvintes porque naturalmente já utilizam sua língua quando buscam aprender a língua de sinais, sendo esta uma língua adicional. Além disso, muitos ouvintes são filhos de pais surdos e acabam desenvolvendo as duas línguas paralelamente - são os chamados CODAs (children of deaf adults). A forma como os falantes das línguas de sinais transitam entre as duas línguas faz com que seja comum manter os dois sistemas ativos no cérebro enquanto se fala, ou seja, é muito fácil e rápido “acessar” (mentalmente) o léxico do vocabulário de cada uma das línguas mesmo que não seja aquela que está sendo utilizada no momento. Em Libras, quando ainda não há um sinal convencionalizado sobre determinado conceito ou não se conhece o sinal específico de algum termo, utiliza-se o recurso datilológico para “soletrar” a palavracom o alfabeto manual entre falantes das duas línguas. Por exemplo: se a palavra “arpejo” ainda não possui sinal ou eu não conheço e preciso falar especificamente desse conceito, utilizo as letras do alfabeto manual em Libras A-R-P-E-J-O. Esse recurso de soletração chama-se datilologia. - Então, se souber o alfabeto manual posso soletrar as palavras e me comunicar em língua de sinais? - Não.* Imagina em português: O-ENE-DÊ-Ê-VÊ-O-CÊ-EME-O-ERRE-A? (Onde você mora?) A datilologia é utilizada apenas como recurso para mencionar coisas que não possuem sinal ou nomes próprios e por extenso. No momento em que se compartilha um sinal sobre determinado termo, a datilologia passa a não ser utilizada até que haja outra necessidade. Exemplos: Nomes de ruas, de pessoas, de bairros, de cidades, de instituições, livros e outras mídias (isso tudo em casos específicos de ainda não haver um sinais conhecido entre os interlocutores). *Obs.: É claro que aqui estamos falando de situações comunicativas de modo geral, caracterizando a língua de sinais, porém, recomendo a todo ouvinte que queira interagir com surdos e tiver oportunidade mesmo conhecendo apenas o alfabeto manual que o faça. Será gratificante. Cada palavra soletrada com dedicação será substituída por um sinal e esse aprendizado com certeza será de grande significado. Vá em frente! Não esquecer: A Libras é a LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS e não linguagem As línguas de sinais são naturais. Possuem estrutura gramatical e sintática. São capazes de expressar qualquer conceito. Não se resumem ao alfabeto manual. Não são constituídas apenas por representações de forma. Não são “versão simplificada ou inferior” da língua oficial do país. Não são universais e possuem variação linguística. Assista ao primeiro artigo acadêmico publicado em Libras, produzido por duas das maiores autoras pesquisadoras da língua de sinais do país: Ronice Müller e Mariane Stumpf https://www.youtube.com/watch?v=Q6B- 6nm9VnE https://www.youtube.com/watch?v=Q6B-6nm9VnE Como os sinais são constituídos? Os sinais podem ser icônicos (que possuem semelhança à forma do conceito que representa) ou arbitrários (que não possuem relação com a imagem daquilo a que se refere). Esta é a representação do sinal CASA. É um exemplo de sinal icônico, ou seja, conseguimos relacionar a imagem de uma casa com o sinal executado. A figura a seguir apresenta o sinal de COMUNICAÇÃO. Não se pode dizer que seja puramente icônico, pois se trata de um conceito abstrato que não possui uma representação imagética. Porém, conseguimos relacionar o sinal com o conceito quando percebemos que as mãos fazer o movimento de ir e vir em direção à boca alternadamente, fazendo alusão à interação verbal entre interlocutores e tornando possível “visualizar” o conceito. Além disso, o sinal é convencionado com o sistema de inicialização, isto é, a configuração de mão que constitui o sinal representa a letra C (de Comunicação) no alfabeto manual. O sinal abaixo refere-se ao adjetivo LEGAL, BACANA. É um exemplo de sinal arbitrário, não possui relação de forma com o conceito que representa. Realiza-se com o movimento da mão à frente, com a lateral do dedo indicador passando pela bochecha de leve, “raspando” duas vezes. Uma observação essencial: em português temos o adjetivo “legal” para caracterizar algo de que gostamos ou para falar de algo que esteja em conformidade com a Lei. Em Libras, os sinais referentes às palavras que são homônimas em português não seguem a mesma regra. Existem sinais idênticos com significados diferentes assim como existe a mesma condição para palavras, mas não são equivalentes aos mesmos conceitos, isto é, as palavras LEGAL (bacana) e LEGAL (legalizado) possuem sinais sem nenhuma semelhança em Libras. O mesmo acontece com MANGA (de roupa ou fruta), COLHER (usada para comer ou verbo referente a plantações) e outros exemplos: em Libras, são sinais diferentes que não se confundem jamais. A comunicação em Libras se constitui a partir da combinação dos seguintes parâmetros: • Configuração de mãos, • Movimento, • Ponto de Articulação, • Direcionalidade/Orientação • Expressão não manual. O movimento de um sinal refere-se a como ele se move: pode ser ondulatório, circular, alternado, simultâneo, entre outros, ou pode não haver movimentação, no caso dos sinais que são parados. O ponto de articulação (também chamado de localização) é o local onde o sinal é realizado, podendo ser no espaço neutro à frente do falante ou em pontos do corpo, como testa, nariz, ombro, braço, bochecha, queixo, peito etc. A direcionalidade ou orientação refere-se à direção para a qual nossa palma da mão aponta durante a realização de um sinal, para cima, para baixo, para esquerda, direita, para trás ou para frente. As expressões não manuais dão entonação à sinalização, referem-se às expressões faciais e corporais que indicam surpresa, dúvida, negação, afirmação, alegria, tristeza, perplexidade e qualquer outro sentimento, além de expressarem os níveis de intensidade da fala. As configurações de mão (CM) são ilustradas na imagem ao lado. São os “formatos” como nossas mãos são articuladas para realizar os sinais. Cada sinal é composto com uma das configurações de mãos ao lado ou por uma combinação delas. A partir dessa informação, é importante deixar esclarecido que os sinais são formados a partir das configurações de mão e não pelo alfabeto manual. Pelo contrário, as letras do alfabeto manual também constituem sinais que são realizadas a partir de CM específicas. Por exemplo: a configuração nº 50 é utilizada para realizar os sinais das letras P, K, H e também os sinais de FALAR, ERRAR, PESSOA... Desvincular a ideia de que os sinais são compostos por “letras” é essencial. Da mesma forma, é necessário que façamos associações durante a aprendizagem, como fazemos para assimilação de outros tipos de conhecimento, de maneira que seja possível lembrar dos sinais e evitar depender de recursos da língua portuguesa para aprender a língua de sinais. Os cinco parâmetros apresentados são combinados de inúmeras formas durante a sinalização, para cada sinal realizamos uma combinação específica e é assim que a comunicação acontece em Libras. Como exemplo, observe o sinal abaixo, que significa TCHAU (assim mesmo, como como mundo faz no dia a dia) Configuração de mão: nº 61 Movimento: de pulso, balançando a mão para direita e esquerda várias vezes Ponto de articulação: espaço neutro em frente ao corpo Orientação: palma da mão virada para a frente Expressão não manual: neutra ou de acordo com o tom que se deseja dar ao cumprimento (exemplo: expressão sorridente se estiver sendo simpática). Para falar de algumas questões particulares das pessoas surdas, como perspectivas e espaço na sociedade, deixo alguns vídeos feitos com considerações feitas por eles mesmos: https://www.youtube.com/watch?v=efudeZSsMs8 https://www.youtube.com/watch?v=ARnqw9U1TDc https://www.youtube.com/watch?v=qZMu6RG-EDM https://www.youtube.com/watch?v=Bcq6GPyMfPo https://www.youtube.com/watch?v=JNxknzW4gh4 https://www.youtube.com/watch?v=JNxknzW4gh4 https://www.youtube.com/watch?v=efudeZSsMs8 https://www.youtube.com/watch?v=ARnqw9U1TDc https://www.youtube.com/watch?v=qZMu6RG-EDM https://www.youtube.com/watch?v=Bcq6GPyMfPo https://www.youtube.com/watch?v=JNxknzW4gh4 https://www.youtube.com/watch?v=JNxknzW4gh4
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