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1 FARMACOLOGIA I RAUL BICALHO – MEDUFES 103 Transmissão Ionotrópica INTRODUÇÃO Existem 8 receptores ionotrópicos (6 e alguns subtipos), é importante saber porque temos milhares de receptores, então a maioria é metabotrópico, já que apenas 8 são ionotrópicos e outros são receptores tirosina-cinase. RECEPTOR COLINÉRGICO NICOTÍNICO O receptor colinérgico nicotínico é ativado pela nicotina e pela acetilcolina (ACh). A acetilcolina também ativa outros receptores (metabotrópicos), já a nicotina ativa unicamente esse tipo de receptor. Esse tipo de receptor está presente na junção neuromuscular, nos gânglios e no SNC. RECEPTORES GLUTAMATÉRGICOS Os receptores glutamatérgicos ionotrópicos possuem 3 tipos, caínicos, AMPA e NMDA, todos ativados pelo Ác. Glutâmico (Ajinomoto = Glutamato de Sódio), que é o principal neurotransmissor excitatório do SNC. Muitos sistemas importantes, a exemplo do trato piramidal, outros feixes motores descendentes, tratos tálamo-corticais e corticotalâmicos são glutamatérgicos. Esse receptor tem 3 subtipos, o Ác. Glutâmico é um neurotransmissor endógeno que ativa todos eles, mas cada tipo possui uma substância exógena (que não existe naturalmente no nosso organismo) que especificamente o ativa, produzindo a mesma resposta fisiológica, e por isso dá o nome a ele. Os 3 subtipos são os ativados pelo Ác. Caínico, os ativados pelo AMPA e os ativados pelo NMDA. RECEPTOR GABAÉRGICO-A O receptor Gabaérgico-A é ativado pelo Ácido Gama-Aminobutírico, (GABA), que é um aminoácido inibitório. Esse aminoácido não faz parte dos 21 que formam proteína, ele é produzido pela descarboxilação do Ácido Glutâmico e só existe no SNC, então é uma molécula exclusivamente sinalizadora. RECEPTOR GLICINÉRGICO-A O receptor Glicinérgico-A é ativado pela glicina (GLY) e é bloqueado pela estricnina (veneno de rato). É inibitório, então o seu bloqueio leva à despolarização dos neurônios e, no caso do veneno do rato, leva à morte do animal por convulsão (ataque epilético prolongado). RECEPTOR SEROTONÉRGICO 5-HT3 Existem 11 receptores de serotonina conhecidos e só o Serotonérgico 5-HT3 é ionotrópico, todos outros são metabotrópicos. RECEPTOR PURINÉRGICO P2X O receptor Purinérgico P2X é ativado pelo trifosfato de adenosina (ATP), ou seja, o ATP também funciona como molécula sinalizadora, isto é, é sintetizado pelo neurônio, é armazenado em vesículas de neurotransmissor, é liberado na fenda sináptica sobre ação da chegada do potencial de ação, liga-se a receptores pós-sinápticos específicos e produz um efeito biológico. SÍNTESE DE ACETILCOLINA A síntese de acetilcolina é feita com Acetilcoenzima A + Colina através da colina acetiltransferase (CAT). É uma síntese de um único passo e depois, sobre ação da colinesterase, a acetilcolina vai liberar a colina, que vai ser totalmente reciclada pelo neurônio pré-sináptico, ou seja, ela é recapturada e reutilizada para síntese de novas moléculas de acetilcolina. Esses 2 processos são muito rápidos e a degradação da acetilcolina também, então mesmo se injetar muita ACh no sangue de um indivíduo não abaixará a pressão e nem terá outro grande efeito, visto que ela vai ser imediatamente PROF. SCHENBERG 2 FARMACOLOGIA I RAUL BICALHO – MEDUFES 103 hidrolisada pela colinesterase. Agora, se você injeta uma substância similar à acetilcolina que não é hidrolisada pela colinesterase, como a metacolina, tem-se a queda brutal da pressão arterial, já que essa substância não é metabolizada e vai agir nesses receptores colinérgicos que irão relaxar os vasos e promover a queda da pressão arterial. RECEPTOR COLINÉRGICO NICOTÍNICO O receptor nicotínico tem uma estrutura básica, que é essa subunidade que tem 4 α-hélices que atravessam a membrana de lado a lado (transfixam a membrana), que são chamadas de M1, M2, M3 e M4 (não confundir com os receptores muscarínicos M1, M2, M3, M4 e M5). Aqui são α-hélices de uma subunidade dentre as 5 subunidades que vão compor o receptor colinérgico nicotínico. Então, quando essas 5 subunidades estão dispostas lado a lado, elas vão formar um canal iônico central. Esse tipo de organização é a organização para a maioria dos receptores ionotrópicos, o que vai fazer que ele seja excitatório (como é o caso do nicotínico) ou inibitório (como é o caso do Gabaérgico-A) são essas α-hélices que compõem a parede do poro. Se as α-hélices M2 compõem a parede do poro, como é o caso do nicotínico, então tem-se um canal que é permeável a cátions e o receptor é excitatório. Agora, se, por exemplo, a parede do poro for formada pelas α-hélices M4, o receptor pode se converter a um receptor inibitório permeável ao cloro. Isso mostra que existe um plano básico de construção desses receptores ionotrópicos e pequenas alterações nele fazem com que eles sejam receptores excitatórios ou receptores inibitórios. Como o receptor nicotínico foi o primeiro a ter sua estrutura desvendada, ele é a base de compreensão de todos os outros receptores ionotrópicos, é o modelo/paradigma que se usa. O órgão elétrico que alguns peixes possuem foi muito importante para a ilustração dessa estrutura. É necessário que 2 moléculas de acetilcolina se liguem em 2 subunidades do tipo α para que haja a abertura do canal de sódio e potássio, entrando 1,8x mais sódio do que potássio. Então, a condutância desse receptor para o sódio é quase 2x maior do que a condutância para o potássio, por isso que ele consegue gerar a despolarização. Além disso, por esse receptor também entra o cálcio, o que ajuda no seu funcionamento. Sendo assim, ele é um receptor triônico, entra sódio e cálcio e sai potássio. Seu balanço final é que entra muito mais cátion do que sai cátion, havendo a despolarização da membrana. 3 FARMACOLOGIA I RAUL BICALHO – MEDUFES 103 Resumindo, o receptor nicotínico tem 275 mil daltons aproximadamente, ou seja, é uma glicoproteína muito grande. É um pentâmero, com as subunidades α, α, β, γ e δ. Cada subunidade é formada por 4 α-hélices (M1-M4). O receptor é formado pelo acoplamento das 5 subunidades. O ionóforo é formado pela justaposição de 5 α-hélices M2 (fazem as paredes do poro iônico). A abertura do canal requer a ligação de 2 moléculas de acetilcolina, que se ligam a 2 resíduos de cisteína na região hidrofílica externa das subunidades α (então, esse receptor faz parte da família dos receptores de alça de cisteína). O receptor nicotínico é excitatório e é permeável ao sódio, ao potássio e ao cálcio. RECEPTORES GLUTAMATÉRGICOS Há 3 tipos principais de receptores glutamatérgicos ionotrópicos, até existe um quarto tipo (receptor δ), mas não é ativado por nenhum agonista conhecido. O Caínico é ativado pelo Ác. Caínico. É um receptor parecido com o colinérgico, sendo mais permeável à entrada do sódio do que à saída do potássio. Como é um receptor glutamatérgico, ele e é ativado pelo Ác. Glutâmico (GLU). O Quisquálico-A (AMPA) é ativado pelo AMPA. Também é permeável ao sódio e ao potássio, também sendo mais permeável ao sódio, por isso despolariza o neurônio. É ativado pelo Ác. Glutâmico e também possui um sítio de ligação para o Zinco. O NMDA é o receptor glutamatérgico mais complexo, é ativado pelo Ácido N-metil-D-aspártico (NMDA). Como é um receptor glutamatérgico, ele também é ativado pelo Ác. Glutâmico, mas ele precisa de uma molécula de glicina que se liga a um receptor específico (Receptor Glicinérgico-B, que não é antagonizado pela estricnina, diferente do Glicinérgico-A). Esse sítio de ligação para a glicina é fundamental para que o Ác. Glutâmico opere nesse receptor, ou seja, a glicina é um cotransmissor (ela sozinha não despolariza o receptor, mas sem ela o Ác. Glutâmico não consegue agir). Acredita-se que a glicina que se encontra no SNC (no líquor) já é suficiente para saturar esses receptores. O NMDA também é um receptor triônico, permitindo a entradade sódio e cálcio, além da saída de potássio. Há outros sítios importantes nesse receptor NMDA, como para o Zinco, para o PCP (feniciclidina) e para o Magnésio. Este fica no meio do canal, então o magnésio acaba funcionando como uma "rolha" quando se liga ali, impedindo a passagem dos íons pelo canal. Durante o repouso da membrana, o magnésio se encontra nesse sítio, então é preciso que a membrana seja levemente despolarizada (cerca de 20 mV) para que o magnésio seja "expulso/liberado" do 4 FARMACOLOGIA I RAUL BICALHO – MEDUFES 103 receptor para que o Ác. Glutâmico (junto da glicina) possa fazer efeito. Logo, é necessária uma despolarização "vizinha" para liberar o magnésio e o Ác. Glutâmico fazer efeito. Devido a essa propriedade, o receptor NMDA tem sido considerado um dos principais receptores envolvidos na memória (causa-efeito / potenciação pós-sináptica com um determinado intervalo de tempo / detector de coincidência). Os receptores glutamatérgicos são compostos de 4 subunidades, não 5, isto é, são tetrâmeros. Cada subunidade com 3 regiões transmembrânicas (M1, M3 e M4), 1 alça reentrante ("M2") que não atravessa de lado a lado a membrana, 1 alça extracelular aminoterminal e 1 alça intracelular carboxi-terminal. RECEPTORES GLUTAMATÉRGICOS CAÍNICO E QUISQUÁLICO-A (AMPA) Os receptores Caínico e Quisquálico-A são seletivamente ativados pelos aminoácidos que os nomeiam. O Quisquálico- A é seletivamente ativado pelo Ácido α-amino-1,hidroxi-5,metoxi-4,isoxazol propiônico (AMPA). Estes receptores têm ionóforos de baixa condutância (20 pS) permeáveis ao sódio e ao potássio, então possuem uma alta resistência, visto que são canais iônicos estreitos (por isso o cálcio não passa). O receptor Quisquálico-A também tem um sítio de ligação para o Zinco. Quando o transmissor se acopla no sítio de ligação, as mudanças conformacionais que ocorrem nos canais são muito pequenas, mas são suficientes para abri-los e permitir a passagem dos íons para produzir os efeitos. Além disso, mesmo com as moléculas transmissoras ainda ligadas ao receptor, o canal pode se fechar, pois entra num estado inativo/dessensibilizado. Todos estes eventos ocorrem em microssegundos. RECEPTOR GLUTAMATÉRGICO NMDA O receptor NMDA é seletivamente ativado pelo aminoácido N-metil-d-aspártico (NMDA). No repouso, o canal iônico está bloqueado pelo magnésio. O ionóforo tem alta condutância (50 pS = 150% maior que a dos outros glutamatérgicos), sendo permeável ao sódio, ao cálcio e ao potássio. O receptor tem sítio de ligação para glicina, que é um cotransmissor, porque acredita-se que o Ácido Glutâmico só funcione nesse receptor se o sítio de glicina estiver ocupado. Estudos recentes descobriram que, na verdade, é a D- serina (serina dextrógira) que se liga a esse sítio no nosso organismo. Possui sítios de ligação também para o sódio, o potássio e o zinco, além de sítios inibitórios para a feniciclidina (PCP) e para o MK801 (antagonista de receptor NMDA). Mesmo que possua 4 subunidades, todos os sítios de ligação situam-se na subunidade NR2. As correntes de cálcio do receptor NMDA promovem a síntese de óxido nítrico (NO) e segundos mensageiros (GMPC). Então, o Ác. Glutâmico agindo em receptores NMDA é o principal sinal do SNC para promover a síntese de óxido nítrico. O receptor NMDA está envolvido na potenciação pós-sináptica prolongada (LTP, long-term potentiation), que é o aumento da eficácia sináptica depois de um pareamento, em um intervalo de tempo apropriado, de duas aferências sobre esse receptor (memória/causa-efeito). Está envolvido também na excitotoxicidade (neurotoxicidade), quando muita liberação de Ác. Glutâmico produz muita entrada de cálcio pós-sináptico (o que pode matar neurônios), no status epillepticus e na Coreia de Huntington, bem como na perda neuronal (morte celular) por traumatismos cranianos e acidentes vasculares cerebrais. RECEPTOR SEROTONÉRGICO 5HT-3 É o único receptor da serotonina que é ionotrópico, sendo que ela possui mais outros 10 metabotrópicos. 5 FARMACOLOGIA I RAUL BICALHO – MEDUFES 103 O receptor serotonérgico 5HT-3 é seletivamente ativado pela fenilbiguanida. É permeável aos íons sódio, cálcio e potássio (triônico). Está presente em alta densidade no núcleo do trato solitário (que recebe as principais aferências viscerais, principalmente respiratórias e vasomotoras) e núcleo dorsal do vago (controle neurovegetativo); na substância gelatinosa (medula espinhal) e no núcleo do trigêmeo (estruturas fundamentais no processamento da dor) e em densidades menores no córtex (cognição/atenção/consciência), hipocampo (memória) e amígdala (respostas emocionais, principalmente medo). RECEPTOR GABAÉRGICO-A O receptor Gabaérgico-A funcional requer apenas 3 subunidades (α, β, γ), embora ele tenha as 5 subunidades. Os resíduos básicos de lisina e cisteína das α-hélices que compõem o poro tornam ele impermeável aos cátions, então ele é apenas permeável ao cloro (cloreto = Cl-), portanto é um receptor inibitório. Embora todas as subunidades tenham sítios de ligação para o GABA, os sítios da subunidade α têm maior afinidade. Os barbitúricos ligam-se às subunidades α e β e os benzodiazepínicos à subunidade γ (o sítio de ligação dos benzodiazepínicos é chamado também de sítio ω). Cerca de 40% dos receptores do SNC são gabaérgicos, principalmente no cérebro. Então, o GABA é o principal transmissor inibitório nesse órgão. Possui, assim, uma grande importância clínica. Os benzodiazepínicos (drogas como diazepam, nitrazepam, clonazepam, alprazolam etc.), por exemplo, estão entre as drogas mais vendidas do mundo. Os barbitúricos também ainda são utilizados com importância clínica como anestésicos intravenosos. Esses receptores são ativados pelo GABA, que é derivado do Ácido Glutâmico (GABA é sintetizado pela descarboxilação do Ác. Glutâmico). O GABA não é aminoácido de proteína estrutural, nem de proteína funcional, sua única função conhecida no organismo é a de fazer sinalização entre células do Sistema Nervoso Central. O Gabaérgico-A é um receptor clássico, com 5 domínios transmembrânicos, possui as alças de cisteína do lado externo etc. Então, ele é muito parecido com o receptor nicotínico, só que as subunidades do poro são de tal ordem que o poro se torna impermeável a cátions e permeável ao cloreto. RECEPTOR GLICINÉRGICO-A São receptores seletivamente antagonizados pela estricnina. Têm um canal permeável ao cloro, hiperpolarizando a membrana pós-sináptica. Cerca de 25% dos receptores do SNC são glicinérgicos, principalmente na medula espinhal. E como foi dito anteriormente, outros 40% são gabaérgicos. Isso significa que pelo menos 65% dos receptores do SNC são inibitórios, o que mostra que o cérebro possui muitas áreas que estão inibidas, funcionando muito mais por inibição seletiva do que por ativação seletiva. Então, há muito mais neurotransmissor inibitório inibindo áreas que não são necessárias em determinado momento do que ativando cada uma das áreas necessárias. Quando se reduz essa inibição, há o funcionamento de uma área. Além disso, uma área pode funcionar com o aumento da liberação de Ác. Glutâmico, daí você supera a inibição tônica que possa estar presente no momento de repouso. OBS.: GAD = Descarboxilase do Ác. Glutâmico. 6 FARMACOLOGIA I RAUL BICALHO – MEDUFES 103 RECEPTOR PURINÉRGICO P2X O Purinérgico P2X é ionotrópico, sendo que existe também o Purinérgico P2Y, que é metabotrópico. O P2X é ativado pelo ATP. Então, o ATP não é apenas uma molécula energética, mas também sinalizadora (armazenada em vesículas, tem receptores pós-sinápticos, seus efeitos podem ser antagonizados por drogas que se ligam a esses receptores e não têm efeitos biológicos etc.). O poro receptor é permeável ao cálcio, ao sódio e ao potássio. Descobriu-se, inclusive, que o ATP deve ser o principal neurotransmissornas terminações livres dos quimiorreceptores no seio carotídeo. Então, as células quimiorreceptoras, por ação da hipóxia ou da hipercapnia, liberam o ATP, que se liga a receptores pós-sinápticos dos terminais sensoriais do nervo sinusal, fazendo com que aumente a ventilação para poder reequilibrar os gases sanguíneos. Isso é interessante, porque o ATP é formado por um mecanismo oxidativo e essa mesma molécula é o neurotransmissor da célula quimiorreceptora (que faz o controle central cardiovascular respiratório). Além disso, parece que o ATP também é o neurotransmissor dos quimiorreceptores centrais (mais importantes nas situações normais do dia a dia/que respondem à hipercapnia), o que mostra que existe todo um sistema neuroquímico envolvido.
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