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Curso Policiamento Orientado para Resolução de Problemas CRÉDITOS CONTEUDISTA: Cel PM Cícero, atualmente Cmt da 8ª Região de Polícia Militar da PMMG - Governador Valadares. CONTEUDISTA: Cap PM Alexandre Magno de Oliveira Assessor de Polícia Comunitária do Estado-Maior da Polícia Militar– PMMG. REFORMULADOR: Cap. PM Eliéser Antonio Durante Filho (PMPR) Subchefe da Coordenação Estadual dos Conselhos Comunitários de Segurança/SESP. 2 APRESENTAÇÃO Seja bem-vindo(a) ao curso Policiamento Orientado para Resolução de Problemas. Você já parou para pensar, mesmo que por um instante, na forma como os problemas recorrentes da comunidade, que acabam se transformando em ocorrências policiais, são enfrentados pela sua instituição? Este é o momento para que os operadores de segurança pública (OSPs), examinem por antecipação suas políticas públicas e práticas operacionais. E vislumbrem readequá-las às técnicas consagradas no setor privado, a fim de aperfeiçoar o serviço de segurança pública, que é prestado à sociedade brasileira. Conforme aponta o pesquisador Mark Harrison Moore, no livro Policiamento Moderno, o modelo tradicional de policiamento não só tem falhado na sua capacidade de controlar, prevenir e analisar as causas do crime, e de profissionalizar verdadeiramente o policiamento, como tem promovido o distanciamento pouco saudável entre a polícia e as comunidades por ela servidas (MOORE, 2003). Em 2012, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), publicou a 2ª edição do relatório referente ao Sistema de Indicadores de Percepção Social (SIPS) sobre segurança pública, dedicada às percepções da população brasileira em relação a essa área e seus principais órgãos. Quanto ao grau de confiança nas instituições policiais, cerca de 20% dos entrevistados responderam que “não confiam” nas suas polícias estaduais, e aproximadamente 15% afirmaram não confiar nas instituições federais. Observe a tabela abaixo: TABELA 1 – CONFIANÇA NAS INSTITUIÇÕES POLICIAIS (BRASIL) Instituiçõ es Confi a muito Confi a Confi a pouco Não confia NS/N R Polícia Militar 6,2% 31,3 % 40,6 % 21,4 0,5% Polícia Civil 6,0% 32,6 % 39,6 % 20,6 % 1,2% Polícia Federal 10,5 % 40,4 % 31,4 % 14,5 % 3,2% 3 Polícia Rodoviária Federal 8,9% 40,6 % 32,2 % 15,2 % 4,1% FONTE: IPEA, 2012, p. 6. Muito embora o “IBOPE Inteligência” (IBOPE, 2019) tenha demonstrado, mais recentemente, que o índice de confiança nas polícias cresceu 11 pontos nos últimos 10 anos – de 52 para 63 pontos, o patamar de “alguma confiança” (66 pontos) ainda não foi atingido, ficando distante de outras instituições como o Corpo de Bombeiros (88 pontos), as Igrejas (71 pontos) e as Forças Armadas (69 pontos). Neste curso a distância temos o propósito de apresentar outra estratégia de policiamento, “comprovadamente eficiente”, já utilizada em diversas organizações policiais pelo mundo afora. Este curso foi elaborado para potencializar as tarefas do OSP, que devem ser focadas nas causas dos problemas de segurança vividos pela comunidade. Sabe-se que toda sociedade (e a brasileira não é diferente) atravessa por diversos problemas no nível “global”, como desigualdade social, tráfico internacional de drogas e armas, terrorismo, tráfico de crianças, dentre outros, que muitas vezes não têm como ser resolvido pelos cidadãos no curto prazo. Mas é possível melhorar a qualidade de vida “local”, se os problemas diários, que mais incomodam os cidadãos, como pichações, vandalismos, perturbação do sossego, violência doméstica, presenças de pessoas em situação de rua, entre outros, forem identificados e solucionados pelos OSPs, com o apoio das lideranças comunitárias e segmentos específicos da comunidade. O grande desafio é como fazer? Este curso possibilitará a você, que é OSP, utilizar o método IARA: - Identificar os problemas vividos na sua comunidade; - Analisar as suas causas principais; - Responder com ações criativas; e 4 - Avaliar os seus impactos com o apoio da comunidade. Este curso criará condições para que você possa: 1) Ampliar conhecimentos para: - Conceituar policiamento orientado para o problema; - Descrever as eras da polícia moderna; - Descrever o método IARA (identificação, análise, resposta e avaliação); - Compreender o gerenciamento da rotina de trabalho; - Conceituar a teoria da oportunidade; e - Identificar o processo do “triângulo do crime”. 2) Desenvolver e exercitar habilidades para: - Analisar as estratégias do policiamento moderno; - Utilizar o método IARA para resolver os problemas de segurança pública; - Elaborar o diagrama de causa e efeito e o plano de ação (5W2H); - Aplicar o “triângulo do crime” na análise do problema; - Utilizar técnicas de prevenção situacional do crime. 3) Fortalecer atitudes para: - Reconhecer a importância de atuar em grupos de trabalhos orientados para o problema; - Valorizar as opiniões diferentes e convergi-las para solucionar o problema; - Desenvolver atitudes proativas para resolver os problemas em suas causas; e - Reconhecer a importância de atuar como facilitador (protagonista) do processo orientado para o problema. O curso está divido em 4 módulos: Módulo 1 – Fundamentos do policiamento moderno Módulo 2 – As metodologias de planejamento Módulo 3 – O Método IARA Módulo 4 – Prevenção Situacional do Crime 5 Reflexão: Antes de iniciar o módulo 1, leia o texto extraído do livro: “A Síndrome da Rainha Vermelha”, de Marcos Rolim (2006, p. 67). Texto extraído do livro A Síndrome da Rainha Vermelha “Vamos imaginar que você esteja passeando ao longo de um rio e que, subitamente, perceba que uma criança está sendo arrastada pela correnteza. Se você for uma pessoa minimamente solidária, por certo se jogará na água para tentar resgatar a criança. Suponhamos que você tenha sorte e que seu gesto seja resgatar a criança. Assim, como bom nadador, você consegue trazer a criança sã e salva em seus braços e tem razões de sobra para comemorar seu feito. Vamos imaginar agora que toda a vez que você passe por aquele lugar haja uma criança sendo levada pela correnteza, fazendo com que você seja, sempre, obrigado a repetir a mesma façanha. Certamente, as chances de salvar todas as crianças seriam menores e, ao mesmo tempo, o risco de você ser tragado pelas águas aumentaria. Mas, se isso ocorresse, pareceria evidente que algo estava acontecendo com essas crianças em um ponto anterior da correnteza. Portanto, tão logo a repetição das ocorrências fosse comprovada, parece-lhe não apenas o óbvio, mas urgente, descobrir o que estava acontecendo com as crianças antes de elas caírem na água. Então, você provavelmente iria percorrer as margens do rio em direção à sua nascente para tentar descobrir a causa de tão chocante e misteriosa sucessão de tragédias.” Imagine que o papel desempenhado pelas polícias modernas, é superar a “lógica” de agir reativamente, que obriga os policiais a “nadar” o tempo todo, para tentar salvar “crianças que já estão afogadas”. Agora, reflita sobre as questões a seguir: 1. Nós poderíamos aplicar essa metáfora ao serviço de segurança pública? 2. Como tem sido a sua atuação diante dos chamados da comunidade que se repetem no dia a dia do serviço policial? Você geralmente atua de forma reativa 6 ou de maneira proativa? 3. A sua instituição tem o costume de pensar ou planejar ações para “subir o curso do rio” e “identificar as causas dessa tragédia”? Se não, o que impede que isso ocorra? 4. Entre “salvar as crianças afogadas” ou “identificar o que gera os afogamentos”, que tipo de ação dá mais visibilidade na mídia e reconhecimento pela comunidade de sua instituição? Bons estudos! 7 MÓDULO 1 – FUNDAMENTOS DOPOLICIAMENTO MODERNO Neste módulo você terá a oportunidade de estudar as Eras do Policiamento Moderno, aprender sobre suas diferentes características e conhecer o processo de evolução do policiamento em cada momento histórico. Isso será fundamental para que você compreenda os quatro grandes grupos de estratégias de policiamento, que integram as diferentes experiências policiais acumuladas no mundo todo, inclusive pelo universo policial brasileiro. Você também irá aprofundar seus conhecimentos sobre a estratégia do policiamento orientado para o problema e a sua correlação com o policiamento comunitário. O conteúdo deste módulo está dividido em 4 aulas: Aula 1 - As eras do policiamento moderno Aula 2 - As estratégias do policiamento moderno Aula 3 - O histórico do policiamento orientado para o problema Aula 4 - A relação do POP com o policiamento comunitário A partir dos conhecimentos tratados neste módulo, você será capaz de: - Descrever as eras da polícia moderna; - Descrever as estratégias do policiamento moderno; e - Conceituar policiamento orientado para o problema. 8 AULA 1 - AS ERAS DO POLICIAMENTO MODERNO Na apresentação deste curso lhe foi oportunizado refletir sobre como as instituições de segurança agem diante de um problema na comunidade. Nos parece que, preferencialmente de modo reativo, não foi mesmo? Pois bem, nesta aula, você estudará a evolução do policiamento moderno e, especialmente, como surgiu essa lógica reativa do policiamento na sociedade ocidental. Você sabe como são divididas as eras do policiamento moderno? Para iniciar esta aula, lançamos para você um desafio. Assista ao vídeo a seguir (https://www.youtube.com/watch?v=TbGT65lDacM) e responda as seguintes perguntas: 1. O filme apresentado retrata um período do policiamento moderno. Qual período seria esse? 2. Como você acha que ele surgiu? 3. Você acha que as estratégias de policiamento implementadas no Brasil receberam alguma influência externa? Respostas: 1. O filme demonstra uma propaganda direcionada para as organizações policiais brasileiras, nos anos 60, período que está inserido na Era da Reforma. Esta era ficou marcada pelas incorporações de métodos gerenciais e operacionais, típicas da iniciativa privada, na maioria das organizações policiais da sociedade ocidental, inclusive na brasileira. O período temporal da Era da Reforma, apontado pelos estudiosos, inicia-se nos anos 30 e vai até os anos 80. 2. O policiamento moderno (como conhecido atualmente) surgiu na Inglaterra (1829), no instante em que se consolida a própria sociedade urbano- industrial, a partir do século XIX. 3. A sociedade brasileira tem características próprias, mas também é https://www.youtube.com/watch?v=TbGT65lDacM 9 formada baseando-se nas características da sociedade urbano-industrial, por isso é que recebe influência direta na maneira como se executa o serviço policial. O objetivo desta aula é destacar como são divididos os períodos distintos do policiamento e como o policiamento orientado para o problema é fruto da evolução das estratégias de policiamento moderno, através de seus elementos de inovação, nos Estados Unidos. Devido a influência dessa cultura nos países ocidentais, é necessário verificar como essas transformações refletem e embasam, até os dias atuais, as estratégias implementadas nas polícias latino-americanas. Valendo-se dos estudos de Kelling e Moore (1988), Dias Neto (2003) e Ransley e Mazerolle (2009), historicamente o policiamento nos EUA e das principais democracias pelo mundo pode ser dividido em quatro períodos fundamentais. Observe a Figura 1: Figura 1 - Linha temporal das eras do policiamento moderno. Fonte: Adaptado de Kelling e Moore (1988), Dias Neto (2003) e Ransley e Mazerolle (2009). Era da Política (1º período: 1830 - 1930) O período se destacava pelas relações estreitas entre a polícia e autoridades políticas, as quais nomeavam e contratavam os policiais. A polícia era organizada em estilo paramilitar, com foco em servir aos politicamente poderosos. Não havia profissionalização, a polícia era marcada pela corrupção e por desempenhar diversas funções sociais. Era uma época marcada por uma necessidade de ordem social e segurança, em uma sociedade dinâmica e em rápida mudança. Era da Reforma (2º período: 1930 – 1980) Chamada também de Era Profissional, o período foi marcado pela política ERA DA POLÍTICA 1830 - 1930 ERA DA REFORMA 1930 - 1980 ERA DA COMUNIDADE 1980 - 2000 ERA DA INCERTEZA 2000 - Dias atuais 10 de policiamento progressiva, liderada por August Vollmer e O.W. Wilson. Os cidadãos exigiam reformas e a remoção da política do policiamento. Com o movimento da profissionalização da atividade policial, surgiram as primeiras Academias de Polícia. Operacionalmente caracteriza-se pela aplicação da lei com foco no tradicional combate ao crime, na captura de criminosos e na repressão ao crime organizado. Era da Comunidade (3º período: 1980 - 2000) Também chamada de Era da Solução de Problemas com a Comunidade, o período se destaca pelas unidades de polícia trabalhando para identificar e atender às necessidades de suas comunidades. A parceria entre a polícia e a comunidade ganha fundamental importância, a polícia passa a se concentrar nos problemas que afetam a qualidade de vida das pessoas da comunidade. É fortemente influenciada pelas premissas da teoria das janelas quebradas. Surgiu devido à percepção de que parcerias comunitárias eficazes, podem ajudar a prevenir e solucionar crimes. Era da Incerteza (4º período: 2000 – dias atuais) Também chamada por alguns estudiosos de A Nova Era ou Era da Informação, a virada do século é marcada por ameaças extremamente difíceis de serem reconhecidas, como os ataques terroristas de 11 de setembro, exigindo pluralização do policiamento, adaptação constante e respostas de segurança interagências, mudando por completo a natureza dos esforços de policiamento na área de segurança interna. São criadas divisões de contraterrorismo e o desenvolvimento de inteligência acionável. A parceria com a comunidade continua em destaque, especialmente para reunir inteligência. A Era da Política caracterizava-se por um sistema de aplicação da lei, envolvendo um órgão permanente, com funcionários dedicados em tempo integral ao patrulhamento contínuo, visando à prevenção do crime (KELLING; MOORE, 1988). Neste contexto, a polícia desenvolvia um serviço amplo, pois não tinha ainda sua função social muito bem definida. 11 “A polícia conduzia inspeções sanitárias, zelava por crianças perdidas, checava óleo nas iluminações de rua, monitorava pesos e as medidas adotadas pelos comerciantes, concedia licença para pedintes de rua, controlava odores advindos dos curtumes, apreendia animais perdidos, obrigava as pessoas a criar seus porcos nos quintais e preservava o sabbath” (SKOGAN apud DIAS NETO, 2003, p. 7). Você sabia que ... O Sabbat ou Shabat se refere a um dia especial da religião judaica. É um dia da semana na qual os fiéis desta religião devem descansar e este dia, mais especificamente, é o Sábado. A ideia fundamental do Sabbat é não realizar qualquer atividade de trabalho. Esta obrigação imita o comportamento de Deus, que também descansou um dia depois de criar o mundo, como afirma a tradição judaica e cristã na Bíblia (Disponível em:<https://conceitos.com/sabbat/>. Acesso em: 23 out. 2020). A polícia era uma importante instituição responsável pelo bem estar social daquela sociedade, onde o grande objetivo era atender aos cidadãos e aos políticos locais. Certamente suas ações eram muito influenciadas pelas instituições político-partidárias locais, o que gerava uma enorme flexibilidade na atuação do policial. Para Dias Neto (2003), esta postura gerava uma enorme discricionariedadeno exercício das funções e, muitas vezes, hostilidade entre o policial e a própria comunidade, que para ser resolvida abusavam do emprego da força. Toda esta característica gerava, entre a polícia e a comunidade local, um vínculo muito forte. De modo geral, o patrulhamento a pé (pé firme, P.O, Cosme e Damião, a depender da Região do país) e/ou a cavalo integrava os policiais com os bairros, facilitando o fornecimento de serviços úteis para a comunidade. Por outro lado, a forte influência política e a descentralização do policiamento, sem uma supervisão adequada, permitia o agravamento da corrupção policial, caracterizando o policiamento da Era da Política como ineficiente e desorganizado. Segundo Goldstein (1990), as maiores críticas desse período estavam na violência e na corrupção policial, dentre outros desmandos, que foram evidenciados pela National Comminssion on Law Observance and Enforcement ocorrida em 1931, nos Estados Unidos. Outro grave problema era a forma de https://conceitos.com/trabalho/ https://conceitos.com/obrigacao/ https://conceitos.com/comportamento/ https://conceitos.com/sabbat/ 12 ingresso na carreira policial, resumida a uma oportunidade de emprego para protegidos políticos. Você sabia que ... Os únicos requisitos necessários para a indicação de um policial eram influência política e força física? [...] Não havia necessidade de treinamento preliminar, os policiais eram considerados suficientemente preparados para o exercício de suas funções se portassem um revólver, cassetete, algemas e vestissem um uniforme [...] Tratava-se de uma era de incivilidade, ignorância, brutalidade e corrupção (SKOGAN apud DIAS NETO, 2003, p. 7). Baseando-se nessas contradições, várias críticas surgiram, principalmente dentro da própria polícia. Para aprimorar esse serviço “os defensores das reformas lutavam pela incorporação dos métodos gerenciais e operacionais da iniciativa privada” (DIAS NETO, 2003, p. 9). O objetivo era criar um departamento policial “perfeito”, afora comumente chamado de modelo profissional. Portanto, havia um consenso que era preciso “blindar a polícia de interferências da política externa, centralizar as estruturas internas de comando e controle, delimitar a função do policial para prender os infratores da lei e formar o profissional de polícia”. As características dessa era policial estão num serviço profissional distante da comunidade, focado no combate repressivo do crime e que utiliza principalmente o automóvel e o telefone para implementar o radiopatrulhamento. É inegável que surge uma máquina burocrática eficiente e de um corpo profissional treinado, com as melhores tecnologias para o momento. Mas os policiais não conseguem identificar os problemas cotidianos dos cidadãos. Com essa lógica, o policial fica distante e inacessível às demandas políticas próprias do jogo democrático (DIAS NETO, 2003). Com o modelo profissional surge uma obsessão pela eficiência operacional e administrativa, dificultando o contato social sobre as decisões policiais. Uma das maiores críticas contra o modelo profissional, refere-se à ausência de controle sobre a conduta policial. Um movimento que aos poucos permitiu aos próprios cidadãos americanos representar a sociedade civil na apuração e no julgamento das denúncias contra abusos policiais. Esse foi um importante passo para ter algum controle externo sobre a polícia, mas acirrou, ainda mais, os ânimos entre 13 os ofendidos e os policiais. As atuais reformas na área policial, estão fundadas na premissa de que deve haver uma relação sólida e consistente entre a polícia e a sociedade, para que tenha efeito a política de prevenção criminal e a produção de segurança pública (DIAS NETO, 2003). Diante das iniciativas frustradas de relações públicas, ou de reforma na estrutura administrativa policial, surgem alternativas que fortalecem as ideias de partilhar entre a polícia e a comunidade, a tarefa de planejar e implementar as políticas de segurança pública. Iremos perceber que muitos dos aspectos da Era da Comunidade, são bases sólidas para as diferentes estratégias de policiamento da virada do século, mas sem a corrupção, clientelismo e outros problemas que caracterizavam a Era da Política. Os reformadores da Era da Comunidade buscaram o consentimento dos membros da comunidade e amplo apoio dos cidadãos; uma atuação policial completa com ênfase na prestação de serviços; uma estrutura organizacional descentralizada e responsiva; e relações de proximidade com os cidadãos. Um forte vínculo com os cidadãos seria alcançado por meio de patrulhamento a pé, resolução de problemas, preservação da qualidade de vida e uma série de outras táticas. Todas projetadas para garantir a satisfação dos cidadãos, notavelmente semelhantes às práticas que existiam antes do nascimento da Era da Reforma. As eras do policiamento moderno americano, são apresentadas para uma análise temporal (QUADRO 1). Nesta síntese, é possível perceber quais são as principais características de cada período e como ocorreu essa transformação que influenciou as principais estratégias de policiamento. Atenção! Deve-se ter o cuidado para não simplificar a análise de uma era policial somente em algumas características, sob o risco de distorcer todo um contexto histórico-social. Uma característica (total ou parcial) de um período, pode se repetir em outro, por exemplo: o relacionamento íntimo entre a polícia e a comunidade, presente tanto na Era da Política como na Era da Comunidade. Também é importante destacar que essas são características comuns entre a 14 maioria dos órgãos policiais naquele período, portanto, as datas são apenas parâmetros. Quadro 1 - Resumo comparativo das características das eras do policiamento moderno. Fonte: Adaptado de Kelling e Moore (1988), Dias Neto (2003) e Ransley e Mazerolle (2009). ELEMENTOS DAS ESTRATÉGIAS POLICIAIS CARACTERÍSTICAS DAS ERAS DO POLICIAMENTO MODERNO ERA DA POLÍTICA 1830 - 1930 ERA DA REFORMA 1930 – 1980 ERA DA COMUNIDADE 1980 – 2000 ERA DA INCERTEZA 2000 – Dias atuais Fonte de autoridade Políticos locais e a lei Lei e o profissionalismo Comunidade, lei e o profissionalismo Ampla gama de fontes legais, comunidade e parceiros terceirizados Função policial Prevenção e controle do crime, manutenção da ordem e serviços sociais em geral Controle do crime Prevenção e controle do crime e resolução de problemas Prevenção e o controle do crime com terrorismo adicional, responsabilidades regulatórias e políticas sociais Design organizacional Descentralizado e geográfico Centralizado e burocrático Descentralizado com autonomia responsável em nível tático e operacional e emprego de grupos de trabalhos especializados Equipes especializadas, centralizadas (unidades antiterroristas) e destacadas para manutenção da paz ou atuando com agências internacionais Relacionamento externo Estreito e pessoal (íntimo) Profissional (distante) e remoto Consultivo e profissional Consultivo e coercivo Gestão de demanda Ligações entre políticos e líderes policiais locais e interação direta entre a comunidade e a polícia Canalizadas através de uma central de despacho Baseada na análise de problemas subjacentes do crime e da desordem Baseada na análise de problemas subjacentes e de demandas colocadas por agências externas Programas e tecnologia Patrulhamento a pé Patrulhas preventivas e respostas rápidas às chamadas de serviço Patrulhamento a pé e o envolvimento da comunidade na solução de problemas Tecnologias da informação (p. ex., mapeamento do crime), novas tecnologias de vigilância e novas abordagens (p. ex., policiamento orientado pela inteligência, COMPSTAT, policiamento preditivo)que dependem de tecnologias da informação Resultados esperados Satisfação dos cidadãos e dos políticos locais Respostas rápidas para controlar crimes Indicadores de qualidade de vida e satisfação da comunidade Prevenção e controle do crime e do terrorismo, e a conformação com o Estado de Direito 15 Na próxima aula iremos ver um pouco mais sobre as estratégias de policiamento típicas da Era da Reforma e da Era da Comunidade. Mas caso você queira aprofundar seus conhecimentos sobre a Era da Incerteza, sugerimos a leitura dos trabalhos de Peak e Glensor (2007) e Ransley e Mazerolle (2009). 16 AULA 2 - AS ESTRATÉGIAS DO POLICIAMENTO MODERNO Na aula anterior vimos que o policiamento das principais democracias do mundo, podem ser divididos em quatro períodos fundamentais, as chamadas Eras do Policiamento Moderno, o que nos permitiu compreender suas diferentes características e o processo de evolução do policiamento em cada momento histórico. Leia a citação abaixo: “A estrutura hierarquizada, militarizada dos departamentos de polícia, contrapunha-se à essência do verdadeiro profissionalismo. [...] Se tal fato serviu para propiciar certa uniformidade nos departamentos de polícia e eliminar abusos, acabou também, inibindo talentos e ambições entre os policiais (WALKER apud DIAS NETO, 2003, p. 16)”. Baseado na citação do professor americano Walker, para você, essa situação se aplica no contexto de sua organização? Dê um exemplo. Resposta: Conforme podemos perceber, as instituições policiais brasileiras (militar ou civil) também possuem características semelhantes, ou seja, com o objetivo de tornar o policial mais profissional, o seu contato direto com a comunidade ficou limitado e, de alguma forma, podou suas iniciativas para solucionar os problemas locais de forma criativa e audaciosa. A estratégia de policiamento direciona, dentre outros tópicos, os objetivos da polícia, seu foco de atuação, como se relaciona com a comunidade e as principais táticas a serem utilizadas. Uma estratégia que funcionou no passado, necessariamente, não tem que ser eficaz atualmente, principalmente em sociedades heterogêneas e conectadas em rede, pelo processo da globalização, com alto avanço tecnológico e informacional. A área de segurança pública não está fora desse contexto de (pós)modernidade, é 17 possível adotar políticas públicas para solucionar essas questões e almejar metas que atendam as comunidades locais. Importante destacar que a segurança pública acumulou experiências policiais diversas, na tentativa de atingir seus objetivos organizacionais, estabelecer seu profissionalismo e, em alguns locais, alcançar legitimação na própria comunidade. Mas não é um hábito, registrar essas estratégias no meio acadêmico e, principalmente, discuti-las nos órgãos policiais. Para correlacionar as 4 (quatro) principais estratégias do policiamento moderno com as respectivas Era da Reforma e Era da Comunidade, recorremos à evolução histórica apresentada por Moore e Trojanowicz (1988) e Kelling e Moore (1988), conforme a Figura 2, que você verá a seguir: Figura 02 - Estratégias do policiamento moderno. Fonte: Adaptado de Kelling e Moore (1988) e Moore e Trojanowicz (1988). Os quatro grandes grupos de estratégias acima nominadas, posicionadas dentro das respectivas eras do policiamento moderno, integram as diferentes experiências policiais acumuladas pelo universo policial, na tentativa de atingir seus objetivos organizacionais, alcançar uma legitimação e apoio das comunidades policiadas, muito praticado pelas instituições policiais até os dias atuais (OLIVEIRA, 2013). Veja a seguir em que consiste cada uma das estratégias de policiamento. 2.1. POLICIAMENTO TRADICIONAL OU COMBATE PROFISSIONAL DO CRIME (ERA DA REFORMA) A estratégia de policiamento que orientou mundialmente o policiamento moderno, a partir de 1930, e até hoje direciona a maioria das instituições policiais, é o policiamento profissional. É também denominado como policiamento tradicional ERA DA REFORMA 1930 - 1980 • Policiamento Tradicional ou Combate Profissional do Crime • Policiamento Estratégico ERA DA COMUNIDADE 1980 - 2000 • Policiamento Orientado para o Problema • Policiamento Comunitário 18 ou combate profissional do crime. Ela foi concebida num contexto histórico que buscava diminuir os conflitos urbanos que surgiam diante da ausência de estratégias policiais eficientes na Era da Política (1830-1930). O modelo tradicional de policiamento levou a polícia de um mundo de amadorismo, falta de lei e vulnerabilidade política, para um mundo de profissionalismo, integridade e independência política. Os principais motores desta transformação, segundo Moore e Trojanowicz (1988) foram: (1) uma focalização direta sobre o controle do crime como sendo a missão central da polícia (e somente dela); (2) um deslocamento na estrutura organizacional: de unidade geograficamente descentralizada, para uma estrutura centralizada com unidades subordinadas definidas pela função mais do que pela localização; (3) altos investimentos em tecnologia moderna e treinamento dos policiais. O objetivo do policiamento tradicional é criar uma força de combate do tipo militar, disciplinada e tecnicamente sofisticada, focada no controle e na resolução de crimes. As principais tecnologias operacionais dessa estratégia incluem a utilização de patrulhas motorizadas (de preferência automóveis), suplementadas com rádio, atuando de modo a criar uma sensação de onipresença e respondendo rapidamente aos chamados, principalmente aqueles originados pelo telefone 190 ou 911. Contudo, estudos posteriores apontaram alguns pontos fracos dessa estratégia, que nos farão compreender melhor as características das estratégias subsequentes: (1) sua tática essencialmente reativa, deixou lacunas na capacidade da polícia lidar com determinados tipos de delitos e delinquentes envolvendo pessoas sofisticadas e poderosas; (2) a prevenção do crime acabou sendo negligenciada, em favor do caráter reativo da ação policial, que atua após a ocorrência dos fatos; (3) pouca ou nenhuma ênfase é dada à mobilização comunitária e na análise das causas do crime; (4) há um grande distanciamento entre a polícia e a comunidade. 19 2.2. POLICIAMENTO ESTRATÉGICO (ERA DA REFORMA) O policiamento estratégico tenta melhorar o policiamento tradicional, acrescentando reflexão e energia à missão básica do controle e do combate ao crime (MOORE; TROJANOWCZ, 1988). Essa estratégia representou um novo esforço das instituições policiais na definição de um escopo competitivo para as suas ações, direcionando-as para determinados tipos de delitos. Dessa forma, enfatiza uma maior capacidade para lidar com os crimes que não estão bem controlados pelo modelo tradicional. O objetivo básico da polícia permanece o mesmo, que é o controle efetivo do crime. O estilo administrativo continua centralizado. Através de pesquisas e estudos, a patrulha nas ruas é direcionada, melhorando a forma de emprego. O policiamento estratégico reconhece que a comunidade pode ser um importante instrumento de auxílio para a polícia. Recebem ênfase, os crimes praticados por delinquentes individuais sofisticados e associações criminosas, que geram grande repercussão devido ao grau elevado de violência ou ao método intricado, a exemplo dos homicídios em série, narcotráfico, pedofilia, gangues, crimes do colarinho branco e corrupção política. Essa estratégia de policiamento carece de uma alta capacidade investigativa, por isso, incrementou unidades especializadas de investigação. Mas apesar da polícia ter melhorado sua capacidade de lidar com os delitos de rua, a partir do emprego de patrulhas direcionadas, sua capacidade de prevenir o crime ainda é mínima. 2.3. POLICIAMENTOORIENTADO PARA O PROBLEMA (ERA DA COMUNIDADE) O policiamento para (re)solução de problemas, também conhecido como policiamento orientado para o problema (POP), é uma estratégia que tem como objetivo principal melhorar o policiamento profissional, acrescentando reflexão e prevenção criminal. Essa estratégia “desafia a polícia a lidar com a desordem e situações que causem medo, visando um maior controle do crime” (OLIVEIRA, 2013, p. 376). 20 Para diversos autores “[...] o policiamento orientado para a solução de problemas conota mais do que uma orientação e o empenho em uma tarefa particular. Ele implica em um programa, com sugestões sobre o que a polícia precisa fazer” (SKOLNICK; BAYLEY, 2006a, p. 39). O POP pressupõe que os crimes podem estar sendo causados por problemas específicos e talvez contínuos na mesma localidade. Conclui-se que o crime pode ser minimizado (ou até mesmo extinto) através de ações preventivas, para evitar que seja rompida a ordem pública. Essa estratégia exige da polícia um aumento do seu repertório de opções ao reagir contra o crime na sua causa raiz, o que implica em ir muito além do patrulhamento preventivo, investigação e detenções. 2.4. POLICIAMENTO COMUNITÁRIO (ERA DA COMUNIDADE) A estratégia de policiamento comunitário, vai ainda mais longe nos esforços para melhorar a capacidade da polícia. O policiamento comunitário, que é a atividade prática da filosofia de trabalho da polícia comunitária, enfatiza a criação de uma parceria eficaz e eficiente entre a comunidade e a polícia. O policiamento comunitário tem a necessidade de deixar a comunidade nomear seus problemas e buscar solucioná-los em parceria com a polícia. As instituições, como a família, a escola, a igreja, as associações de bairro e os grupos de comerciantes, são considerados parceiros imprescindíveis da polícia para a criação de um grupo coeso de colaboradores. O êxito da polícia está não somente em sua capacidade de combater o crime, mas na habilidade de criar e desenvolver comunidades competentes para solucionar os seus próprios problemas. A polícia comunitária como filosofia, muda os fins, os meios, o estilo administrativo e o relacionamento da polícia com a comunidade. O objetivo finalístico é para além do combate ao crime, pois permite a inclusão da redução do medo do crime, da manutenção da ordem e de alguns tipos de serviços sociais de emergência. Os meios englobam toda a sabedoria acumulada pela resolução de problemas (método IARA), o estilo administrativo muda de concentrado para desconcentrado, de policiais especialistas para generalistas. O papel da comunidade evolui de meramente 21 informar ou alertar a polícia, para participante do controle do crime e na criação de comunidades ordeiras. 22 AULA 3 - O HISTÓRICO DO POLICIAMENTO ORIENTADO PARA O PROBLEMA Na aula anterior vimos um pouco mais sobre as peculiaridades dos quatro grandes grupos de estratégias do policiamento moderno, que integram as diferentes experiências policiais acumuladas no mundo todo, inclusive pelo universo policial brasileiro. Vamos agora aprofundar um pouco os nossos conhecimentos sobre a estratégia do POP. Ainda durante o período da Era da Reforma, nos Estados Unidos, foi sugerido que a produtividade dos policiais, poderia melhorar se o trabalho policial fosse reorganizado com base em fatores motivadores. Tal sugestão resultou em uma forma de organização do trabalho policial que foi chamado de “Team Policing”. Você já tinha ouvido falar sobre o “Team Policing”? Muito popular nos anos 70, o Team Policing ou Policiamento por Equipes foi adotado nos Estados Unidos em resposta aos anseios populares por um policiamento mais sensível às demandas da comunidade e que respondesse melhor ao controle do crime e da desordem. Os policiais eram divididos em pequenos grupos, sob a regência de um líder, e designados, de modo permanente, para lidar com as chamadas e todos os tipos de problemas de uma determinada área ou bairro, agindo como generalistas. O conceito dessa estratégia estava começando a se mover para retornar ao policiamento orientado para comunidade. Mas no final, mesmo com alguns poucos resultados positivos, o experimento falhou por vários motivos: problemas no planejamento e pressa na implementação, o desconhecimento dos oficiais de patrulha sobre como deveriam atuar, dificuldades no processo de avaliação e os boicotes como resultado das resistências naturais ao processo de mudança (SKOLNICK; BAYLEY, 2006b; PEAK; GLENSOR, 2007). Além desse experimento, outros foram implementados durante o final da década de 1970 e início dos anos 80. O patrulhamento a pé tornou-se popular em muitas 23 localidades (Newark, New Jersey, Boston, Flint e Michigan). Foi observado que o patrulhamento a pé, era rapidamente percebido pela comunidade e, adicionalmente, aumentava a satisfação com o trabalho policial, levando a uma significativa redução da percepção dos problemas decorrentes de crimes pela vizinhança. Esses e outros estudos destruíram alguns mitos sobre o trabalho policial. Pesquisas realizadas na década de 70 sugeriram, que as informações poderiam ajudar a polícia a melhorar sua capacidade de lidar com o crime. Todos esses estudos e outros desenvolvidos sobre o policiamento a pé e a redução do medo do crime criou oportunidades para a polícia entender as crescentes preocupações da comunidade com os problemas de desordem, como, por exemplo, gangues e prostituição, etc. Os policiais descobriram que quando a polícia questionava os cidadãos sobre suas prioridades, eles ficavam agradecidos pela preocupação e forneciam informações úteis. PRINCÍPIOS DO NOVO MODELO Ao mesmo tempo, a abordagem do policiamento orientada para o problema, do professor Herman Goldstein, estava sendo testada em Madison/Wisconsin; Baltimore County/Maryland; e Newport News/Virgínia. Nesses estudos comprovou-se a satisfação dos policiais em trabalhar utilizando uma abordagem holística, sendo capazes de utilizar a solução de problemas com sucesso em parceria com outras agências. Da mesma forma, os cidadãos pareciam satisfeitos em trabalhar com a polícia para solucionar problemas locais. Os policiais receberam maior autonomia e foram treinados para analisar as causas subjacentes dos problemas e encontrar soluções criativas. Para Goldstein, o modelo orientado para a solução de problemas, requer não apenas mudança no trabalho policial, mas também, na estrutura organizacional da polícia. Embora o controle do crime permaneça uma função importante, a mesma ênfase é dada para a PREVENÇÃO. Ao utilizar esse modelo, os policiais fazem uma elevada utilização da discricionariedade e escapam da forma rotineira e padronizada de lidar com os incidentes do dia a dia. 24 RAZÕES PARA O SURGIMENTO DO POP Peak e Glensor (2007), resumem os fatores que prepararam o cenário para o surgimento do POP: - A dificuldade do policiamento tradicional para conter a criminalidade; - O crescimento da diversidade cultural e maior preocupação com a violação policial aos direitos das minorias; - A preferência pelo patrulhamento motorizado; - O aumento da violência; - A necessidade de gestões mais eficientes em razão do processo de desaceleração da economia; - Alto nível de dependência de equipamentos de alta tecnologia, ao invés do contato com a comunidade; - A ênfase na mudança organizacional, incluindo a descentralização e o aumento da discricionariedade dos policiais, dentre outros. Todos esses fatores contém um tema em comum: o isolamento da polícia da comunidade. A polícia havia sido pega pela síndrome dos “meios sobre os fins”, que media seu sucesso pelo número de prisões, rapidez das respostas aos chamados de serviço, etc. Ou seja, os fins da atuação policial frequentemente eram negligenciados, o quepor muito tempo sustentou a mentalidade do “nós contra eles”, por parte da polícia e dos cidadãos. 2.5. ELEMENTOS FUNDAMENTAIS DO POLICIAMENTO ORIENTADO PARA O PROBLEMA Em adição a esse grupo de fatores descritos por Peak e Glensor (2007), o estudioso Herman Goldstein (1990) apresentou os elementos fundamentais do POP, que juntos constituem o núcleo de mudanças necessárias para se repensar o trabalho policial. 1. Agrupamento de incidentes como o problema A principal unidade de trabalho policial é o “incidente” ou “ocorrência”, como costumamos chamar. Durante um turno de serviço um profissional de segurança 25 pública, lida com situações de todas as ordens: furtos a residência, roubos à pessoa, perturbação do sossego, violência doméstica, pessoas em atitude suspeita, etc. Quando um policial atende uma ocorrência, ele geralmente está lidando com as manifestações superficiais de um problema mais complexo e não o problema em si. O modelo tradicional de atendimento faz com que os incidentes sejam tratados como um fato isolado. Ao reconhecer esse problema, o POP impulsiona a polícia para duas direções: reconhecer as relações entre os incidentes (semelhanças) e aprofundar as observações sobre as ocorrências, identificando as condições e fatores que estão em sua origem. 2. O foco em problemas como a preocupação central do policiamento Para o POP, o coração do policiamento consiste no tratamento de problemas substanciais da comunidade, que passam a ser a unidade de trabalho policial, transcendendo os limites da mera aplicação da lei. 3. Efetividade como objetivo final Para o POP, a efetividade do trabalho policial está relacionada com a forma de como a polícia lida com os problemas da comunidade. Eck e Spelman (1987) identificaram cinco graus variados de impactos que a polícia poderia ter sobre um problema: eliminação total do problema; redução do número de incidentes; redução da gravidade dos incidentes; desenvolvimento de métodos para melhor atender os incidentes; e a remoção do problema da esfera policial. 4. A necessidade de um processo sistemático de investigação O POP sugere que, identificado um problema por meio de agrupamento de incidentes recorrentes e similares, seja ele resolvido através de um processo de coleta e análise de dados sistemática, que permita compreender e responder de modo inteligente às causas que contribuem para sua ocorrência. 5. Dividindo e rotulando com precisão os problemas Denominar um determinado problema com um rótulo genérico pode dificultar ou 26 limitar o processo de análise do problema pela ausência de informações e levar a adoção de respostas igualmente genéricas que não atenderão às especificidades do problema. O POP chama a atenção para os cuidados de rotulagem, ensinando que quanto mais um problema for detalhado, delimitado, mais adequada serão as respostas para a sua solução. Exemplo: um problema rotulado apenas como “roubo” é genérico demais. Para respostas mais adequadas, poderíamos rotular como “roubo a farmácias, no período das 20h às 23h, especialmente nas sextas-feiras e sábados, na região central de Curitiba). 6. Análise dos múltiplos interesses envolvidos em um problema O POP orienta, que a polícia deve identificar todas as pessoas ou grupos que tenham relação com o problema, bem como os interesses sociais concorrentes. Esse processo de participação, além de ser um exercício saudável para a comunidade, ajuda a polícia a compreender os níveis de preocupação e a definir melhor as estratégias de enfrentamento. 7. Identificar e analisar as respostas atuais Antes de explorar maneiras novas e mais efetivas para lidar com um problema da comunidade, é importante estabelecer como a polícia tem costumeiramente enfrentado os incidentes que formam esse problema. Como muitas vezes as formas de responder a um determinado incidente são pessoais e inerentes a cada policial, torna-se interessante analisar os fracassos e os sucessos de cada iniciativa, tendo isso como um ponto de partida para a construção de alternativas que ataquem o problema em suas origens. 8. Buscando respostas específicas Um problema pode até demandar uma única resposta, mas as experiências com o POP, tem demonstrado a necessidade de um conjunto de alternativas que ataquem integralmente o problema e suas origens, incluindo, muitas vezes, respostas tradicionais tendentes à persecução criminal. Somado a isso, o POP também encoraja a busca de alternativas diversas e criativas, em especial as ações que envolvam a 27 participação da comunidade. 9. Adotando uma postura proativa O POP encoraja um papel proativo da polícia em três dimensões complementares: na identificação dos problemas emergentes na comunidade, por meio de uma análise apurada dos incidentes; assumindo um papel de protagonista, em que não fique apenas aguardando as solicitações da comunidade; e, incorporando um papel de defensor da própria comunidade, buscando a resolução daqueles problemas que realmente preocupam e incomodam a comunidade por ele representada. 10. Potencializando o processo de tomada de decisão e ampliando o controle No POP as decisões são realizadas em sistema corresponsabilidade entre a polícia e a comunidade. Isso torna o processo de decisões por parte da polícia mais robusto e legitimado, pois os riscos e as cobranças acerca da efetividade das ações, são divididas com a comunidade. No mesmo sentido, esse sistema de mútua colaboração para resolução de problemas amplia o controle das pessoas e autoridades sobre a atividade policial. 11. Avaliando os resultados das respostas recém-implementadas O POP tem um compromisso com o processo de avaliação, o que exige o desenvolvimento de habilidades, procedimentos e técnicas de pesquisa para analisar problemas e avaliar a efetividades das respostas implementadas. Lembre-se: A noção de policiamento orientado para solução de problemas, surge neste cenário como um novo paradigma do trabalho policial, fundamentado na ideia de que é possível a aplicação da metodologia no cotidiano do serviço policial, em sistema de parceria com a comunidade, capaz de responder de modo mais efetivo na redução ou eliminação dos problemas. 28 AULA 4 - A RELAÇÃO DO POP COM O POLICIAMENTO COMUNITÁRIO Baseado no texto da aula anterior, como você conceituaria o policiamento orientado para o problema? Resposta: Trata-se de mais um meio de engajamento social. A premissa baseia-se no conceito de que a polícia deixa de reagir ao crime (crime fighting policing) e passa a mobilizar os seus recursos e esforços na busca de respostas preventivas para os problemas locais (problem-oriented policing); ao invés de reagir contra incidentes, isto é, aos sintomas dos problemas, a polícia passa a trabalhar para a solução dos próprios problemas. A noção do que constitui um problema desde uma perspectiva policial expande-se consideravelmente para abranger o incrível leque de distúrbios que levam o cidadão a evocar a presença policial (BRASIL, 2019, p. 29). O POP foi detalhado por Goldstein, em 1979, com a seguinte definição “[...] a resolução de problemas constituía o verdadeiro propósito do policiamento e propugnava por uma polícia que identificasse e buscasse as causas dos problemas subjacentes às repetidas chamadas policiais” (CERQUEIRA, 2001). Dessa forma, Goldstein busca, através de um estudo metodológico, demonstrar que a polícia deve agir nas causas e não apenas nos efeitos. O policiamento orientado para o problema encontra sustentação teórica com a colocação de Clarke e Felson (1998), pois argumentam que o comportamento individual é resultado da interação entre o indivíduo e o ambiente. Essa colocação assegura que a oportunidade pode ser considerada a principal causa do crime. Clarke e Felson Os autores,entretanto, têm preferido utilizar a palavra “abordagem das atividades rotineiras” para se referirem à teoria das oportunidades, uma vez que no sentido estrito da palavra, nenhuma delas pode ser considerada uma teoria. 29 Embora a teoria das oportunidades seja frequentemente utilizada para estudo das causas do crime, sua aplicação tem sido maior nos crimes contra o patrimônio. Por sua versatilidade, ela também pode ser utilizada para o entendimento de todos os tipos de crimes, inclusive os crimes contra a pessoa. Por acreditar que o medo do crime favorece o aumento das taxas de crime e a decadência dos bairros, inúmeros programas de redução do medo foram desenvolvidos, alguns em parceria com a comunidade. A abordagem das atividades rotineiras, teve início a partir das explicações utilizadas para os crimes predatórios em um artigo escrito por Cohen e Felson, em 1979. A teoria pode ser resumida considerando que “para que um crime ocorra deve haver convergência de tempo e espaço em, pelo menos, três elementos: um provável agressor, um alvo adequado, na ausência de um guardião capaz de impedir o crime”. Essa estratégia de policiamento implica em mudanças estruturais da polícia, aumentando a discricionariedade do policial (aumento de sua capacidade de decisão, iniciativa e de resolução de problemas). O POP desafia a polícia a lidar com a desordem e situações que causem medo, visando um maior controle do crime. Os meios utilizados são diferentes dos anteriores e inclui um diagnóstico das causas subjacentes do crime, a mobilização da comunidade e de instituições governamentais e não-governamentais. Encoraja uma descentralização geográfica e a existência de policiais generalistas e capacitados. A solução de problemas pode ser parte da rotina de trabalho policial e seu emprego regular pode contribuir para a redução ou solução dos crimes, melhorar a sensação de segurança e, até mesmo, diminuir a desordem física e moral vivenciada nos bairros. Solucionar problemas no policiamento não é novidade, a diferença é que o policiamento orientado para o problema apresenta um método analítico. O model SARA (modelo IARA) é formado pelo acróstico de cada fase. Ele foi concebido por John Eck e William Spelman, que no de 1987, implantara o POP no departamento de polícia de Newport News, sob supervisão de Herman Goldstein. 30 4.1. CORRELAÇÃO ENTRE O POP E O POLICIAMENTO COMUNITÁRIO Qual é a relação entre a estratégia de policiamento comunitário com o policiamento orientado para o problema? Resposta: Alguns estudos apresentam as diferenças entre policiamento orientado para o problema e policiamento comunitário, e a maioria acredita que o POP é um método a ser utilizado no policiamento comunitário. O policiamento orientado para o problema permite ser implementado de duas formas, com o envolvimento comunitário ou isoladamente, enquanto o comunitário, essencialmente precisa do envolvimento da comunidade. O POP e o policiamento comunitário têm uma relação de complementaridade e os estudiosos divergem ao afirmar “quem nasceu primeiro” e quem é a “ferramenta” de quem. De uma maneira geral, o que tem prevalecido é a ideia de que a solução de problemas é a estratégia que permite praticar a filosofia do policiamento comunitário. Ele (o método de solução de problemas) possibilita o exame das causas subjacentes que provocam a repetição dos crimes e desordens, auxiliando os policiais a identificar problemas, analisá-los, desenvolver respostas e avaliar os resultados. Herman Goldstein é considerado por muitos como o principal arquiteto do policiamento orientado para o problema. Seu livro, “Policing a Free Society” (1977), está entre as mais frequentes obras citadas na literatura policial. Um trabalho posterior, “Problem Oriented Policing” (1990), aborda com mais profundidade e riqueza o assunto. O termo POP foi impresso pelo autor, em 1979, como resultado de sua frustração em constatar a insistência dos policiais em responder aos incidentes apenas com operações. O autor critica a ênfase que é dada à rapidez do atendimento em detrimento da qualidade do resultado. Para Goldstein, o telefone, mais do que qualquer política ou estratégia interna ou externa, ditava as ações da polícia. 31 O POP deve envolver a comunidade para descobrir com maior clareza quais são os problemas que realmente a incomoda. Mas muitas unidades policiais montam grupos temporários, como “força tarefa”, para solucionar os problemas sem, muitas vezes, ouvir a comunidade. Dessa forma, a polícia utiliza a estratégia do POP, mas não realiza o policiamento comunitário. É importante frisar que, nesse caso, não é possível agregar algum juízo de valor certo ou errado, uma visão maniqueísta, pois, em algumas situações é necessário dar uma resposta imediata à comunidade, principalmente, se for a intenção dar sensação de segurança. O certo é que esse tipo de resposta provisória é frágil e geralmente não tem soluções definitivas para um problema. O policiamento comunitário e o POP estimulam a polícia a ser mais imaginativa no que toca aos métodos operacionais. E, principalmente, ampliam a percepção das polícias para metas que vão além dos objetivos de lutar contra o crime e exercer um policiamento tradicional. As estratégias organizacionais sugerem trocar burocracias de comando e controle, extremamente centralizadas, por organizações profissionais descentralizadas. Elas procuram redefinir os objetivos gerais de policiamento, alterar os principais programas operacionais e as tecnologias usadas, encontrar a legitimidade e a popularidade do policiamento. É uma mudança de comportamento de todo o público interno, em todos os níveis organizacionais (estratégico, tático e operacional), bem como da relação com os líderes governamentais e comunitários. Observe agora a Figura 3: Figura 03 - Diagrama de bases filosóficas do policiamento moderno. Fonte: Moreira (2004) apud Oliveira (2013, p. 378). 32 Como você pode perceber, as estratégias de policiamento, apesar de terem características distintas, não são concorrentes, elas têm um sentido de complementaridade ao longo do tempo. Cada estratégia é um trabalho desenvolvido para o seu contexto histórico e busca suprir uma lacuna, que ainda não era abordada ou desenvolvida na tarefa policial, da estratégia anterior. Com a evolução do policiamento, as estratégias institucionais foram ampliando o campo de atuação policial para melhor responder aos desafios do seu tempo. 33 Finalizando: Nesse Módulo você viu... As eras do policiamento moderno: política, da reforma, da comunidade e da incerteza; As estratégias de policiamento: policiamento tradicional, comunitário, orientado para o problema - POP; Relação entre o POP e o policiamento comunitário. 34 MÓDULO 2 – AS METODOLOGIAS DE PLANEJAMENTO No módulo 1 você viu como são estruturadas as Eras do Policiamento Moderno e as principais estratégias de policiamento que decorrem das Eras da Reforma e da Comunidade, com especial ênfase no policiamento orientado para o problema. Neste módulo, você terá a chance de estudar os conceitos de planejamento estratégico e seus desdobramentos, e fazer o link com as estratégias de policiamento estudadas no módulo anterior. Você irá conhecer também um pouco mais sobre “sistema de gestão para atingir metas” e a relação existente entre o POP e o Ciclo PDCA. O conteúdo deste módulo está dividido em 3 aulas: Aula 1 - O que é planejamento estratégico; Aula 2 - Sistema de gestão para atingir metas; Aula 3 - A relação do POP com o ciclo PDCA. A partir dos conhecimentos tratados neste módulo, você será capaz de: - Conceituar planejamento estratégico; - Conceituar metas; - Compreender o gerenciamento da rotina de trabalho; e - Correlacionaro POP com o Ciclo PDCA. 35 AULA 1 - O QUE É PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO Por que planejar? Para iniciar esta unidade, propomos a você um desafio. Leia o texto: “O IRÔNICO SORRISO DO GATO”, de Mário Sergio Cortella e responda as perguntas que seguem após o texto. O IRÔNICO SORRISO DO GATO Mário Sergio Cortella A escolha dos caminhos depende do lugar almejado Há alguns meses, participando de um congresso sobre O professor e a leitura de jornal, pude debater a respeito da "overdose" ferramental que invade cada vez mais o cotidiano social e, sem dúvida, também o mundo da escola. Relembrávamos nesse debate uma das mais contundentes reflexões sobre a vida humana e que não pode ser esquecida, tamanha é a importância que carrega também para o debate pedagógico: Alice no País das Maravilhas, escrita no século XIX pelo matemático inglês, Charles Dodgson (que deu a si mesmo o apelido Lewis Carroll). Nessa obra, Alice cai, ela está atrás de um coelho e cai em um mundo desconhecido (na verdade, a menina cai dentro de si mesma). Entre as inúmeras personagens fantásticas da obra, duas delas estão muito próximas de nós: uma é um coelho que está sempre atrasado, correndo para lá e para cá com o relógio na mão; a outra é um gato do qual somente aparece o sorriso, somente ficam visíveis os dentes e, às vezes, o rabo. Há uma cena que a gente não deve ocultar – principalmente quando se fala em ferramentas para o trabalho pedagógico e, muitas vezes, da percepção equivocada da tecnologia como redentora da educação: o encontro de Alice com o gato, contando resumidamente, na cena - Alice está perdida, andando naquele lugar e, de repente, vê no alto da árvore o gato. Só o rabão do gato e aquele sorriso. Ela olha para ele lá em cima e diz assim: _"Você pode me ajudar?" 36 Ele falou: _"Sim, pois não." Pergunta Alice: _"Para onde vai essa estrada?" O Gato respondeu com outra pergunta (que sempre devemos nos fazer): _"Para onde você quer ir?". _"Eu não sei, estou perdida. Diz Alice O Gato, então, diz assim: _"Para quem não sabe para onde vai, qualquer caminho serve." Para quem não sabe para onde vai, serve de qualquer maneira o jornal, a revista, o livro, a internet, o videocassete, o cinema, etc. E aí, qualquer um de nós, na ansiedade de modernizar o modelo pedagógico, eletrifica sofregamente a sala de aula ou, mais desesperadamente, sonha em fazer isso, imaginando o quanto o trabalho seria espetacular com esses instrumentos. Daí, se possível, o professor enche a sala de aparatos tecnológicos, como se, para fazer algo que interesse às pessoas, precisasse eletrificar continuamente o processo, metendo aparelhos eletrônicos ligados para todo o lado. Muitos dizem que, como os alunos estão habituados com isso, precisamos modernizar o ensino. Será? Depende da finalidade do "para onde se desejar ir". Se você sabe para onde quer ir, vai usar a ferramenta necessária. O que se deve modernizar não é primeiramente a ferramenta, mas sim o tratamento intencional dado aos conteúdos trabalhados na escola. Por isso, é preciso trazer sempre na memória o ditado chinês que diz: "Quando você aponta a lua bela e brilhante, o tolo olha atentamente a ponta do seu dedo." Disponível em:<http://aescolareinoencantado.blogspot.com/2012/07/o- ironico-sorriso-do-gato.html>. Acesso em: 25 nov. 2020. 1. Na sua organização, as atividades de policiamento são planejadas envolvendo o nível de execução (linha de frente)? 2. Existe rotina para gerenciar as atividades diárias do policial militar? http://aescolareinoencantado.blogspot.com/2012/07/o-ironico-sorriso-do-gato.html http://aescolareinoencantado.blogspot.com/2012/07/o-ironico-sorriso-do-gato.html 37 Resposta: 1. Uma das características do policiamento profissional (tradicional) é a centralização do planejamento, geralmente na seção operacional. A estratégia de policiamento orientado para o problema propõe que o planejamento deve envolver todos os níveis organizacionais, principalmente o nível de execução, para evitar que o policial fique perdido, sem saber para onde seguir quando se deparar com um problema. 2. Existem várias rotinas de gerenciamento, que facilitam a execução e o acompanhamento das metas propostas para o policial. Uma organização que almeja executar o policiamento com qualidade tem que focar no objetivo organizacional, para dar um “norte” para as pessoas. Ao responder a essas perguntas, você refletiu sobre a importância do planejamento, envolvendo principalmente o nível operacional (atividade de base ou linha de frente), bem como sobre a necessidade de desenvolver formas de gerenciar diariamente as tarefas, com o estabelecimento de metas para cada setor do sistema de segurança pública e defesa social. Agora pense por um instante sobre o significado da palavra PLANEJAMENTO. Depois observe atentamente a charge abaixo (FIGURA 4) e responda: Figura 4 – Charge sobre gerenciamento de projetos. Fonte: Projeto Diário Consultoria e Treinamento. Disponível em:<https://www.projetodiario.net.br/humor-charge-em-gerenciamento-de- projetos>. Acesso em: 31 out. 2020. https://www.projetodiario.net.br/humor-charge-em-gerenciamento-de-projetos https://www.projetodiario.net.br/humor-charge-em-gerenciamento-de-projetos 38 1. Na FIGURA 4, qual o “assunto” ilustrado: produção, finanças, marketing ou saúde? 2. Quais são os “elementos” necessários para prestar esse serviço? 3. Qual é o “tempo” para sua realização? 4. Quais “unidades organizacionais” precisam ser envolvidas para prestar esse serviço: departamentos, grupos de pessoas ou divisões de serviço? 5. Quais são as “características” que envolvem esse processo: simples ou complexo; ênfase na qualidade ou quantidade; estratégico ou tático; confidencial ou público; formal ou informal; econômico ou oneroso? Respostas: 1. A Figura retrata o planejamento de uma cirurgia médica, ou melhor, a sua ausência. 2. O assunto abordado é saúde. 3. Os elementos necessários para planejar este serviço estão vinculados ao objetivo do hospital, às estratégias utilizadas para prestar o serviço, às políticas internas, aos orçamentos, às normas de conduta médica, aos princípios éticos, dentre outros. 4. O tempo ou período para executar esse serviço é curto. 5. Para que esse serviço seja executado é necessário o envolvimento de outros setores, dentro do hospital: Departamento de Enfermaria, Departamento do CTI, Grupo de anestesistas, serviço “terceirizado” de entrega de materiais (medicamentos, sangue, instrumentos cirúrgicos, etc.). É possível inferir que esse planejamento tem a característica de ser complexo, focado na qualidade, operacional, confidencial (envolve pessoas que devem ter sua identidade preservada), formal e econômico (ou, até mesmo caro, se imaginar que é um procedimento muito difícil de ser realizado). Ao responder às perguntas da página anterior, você estabeleceu as cinco dimensões do planejamento, que podem ser observadas no QUADRO 2: 39 Assunto abordado Elementos Tempo Unidades Organizacionais Características ▪ Marketing ▪ Finanças ▪ Segurança ▪ Saúde ▪ Recursos Humanos ▪ Propósitos ▪ Objetivos ▪ Estratégias ▪ Políticas internas ▪ Programas ▪ Orçamentos ▪ Normas ▪ Códigos de Conduta ▪ Manuais de Procedimentos ▪ Curto ▪ Médio ▪ Longo ▪ Departamento de Negócios ▪ Departamento de Investigação ▪ Seção de Finanças ▪ Divisão de Combate ao Crime Organizado ▪ Seção de Prevenção Criminal ▪ Complexo ou Simples ▪ Prioriza a qualidade ou quantidade ▪ Estratégico, Tático ou Operacional ▪ Confidencial ou Público ▪ Formal ou Informal ▪ Econômico ou Oneroso Quadro 2 – As cinco dimensões do planejamento. Fonte: Adaptado de Steiner (1969). O conceito de planejamento é muito mais abrangentedo que podemos imaginar, pois cada organização possui suas próprias especificidades e o define de acordo com suas perspectivas. Mas Steiner (1969) defende essas cinco dimensões como forma de facilitação para a estruturação de um planejamento. Mas afinal, o que é Planejamento? O planejamento é um processo sistemático e constante de tomada de decisões para se alcançar uma situação futura desejada (objetivos organizacionais), de modo mais eficiente, eficaz e efetivo, com a melhor concentração de esforços humanos e recursos pela empresa. 40 Figura 5 – Planejamento. Fonte: Conteudista. O planejamento deve potencializar os resultados e minimizar as deficiências, procurando proporcionar à organização uma situação de maior efetividade. Os aspectos acima apresentados, interagem entre si, e compõe um dos princípios do planejamento cuja fórmula administrativa para desenvolver o sucesso da estratégia pode ser observado a seguir: Figura 6 – Fórmula administrativa para desenvolver o sucesso da estratégia. Fonte: Conteudista. O objetivo do planejamento é desenvolver processos, técnicas e atitudes administrativas, que proporcionem uma situação viável de avaliar as implicações futuras de decisões presentes. Isto é definido em função do objetivo organizacional, que facilitará a decisão no futuro, de modo mais rápido, coerente, eficiente e eficaz. O exercício sistemático do planejamento, tende a reduzir a incerteza envolvida no processo de tomada de decisão e aumenta a chance de alcançar os objetivos e desafios enfrentados. Neste sentido, recorremos a um outro princípio do planejamento - princípio da maior penetração e abrangência – onde compreendemos que o planejamento pode provocar uma série de modificações nas características e atividades da empresa •É fazer as tarefas de maneira adequada para resolver os problemas, guardar os recursos, cumprir seu dever e reduzir seus custos. Eficiência •É fazer as tarefas certas para produzir alternativas criativas, maximizar a utilização dos recursos, obter resultado e aumentar o lucro. Eficácia •É a capacidade da empresa coordenar de forma constante, no tempo, esforços e energias, tendo em vista o alcance dos resultados globais. Efetividade 41 como: Figura 7 – Princípio da maior penetração e abrangência. Fonte: Conteudista. Baseado nesse diagrama, quais são as modificações que você acha que podem ocorrer numa empresa? Resposta: - As modificações relacionadas às pessoas podem corresponder à necessidade de treinamento, substituições, transferências, avaliações periódicas, premiação, dentre outras. - Na tecnologia, as modificações estão relacionadas com a evolução dos conhecimentos para desempenhar aquela tarefa, uma nova maneira de desenvolver aquele serviço ou produzir o produto, no ajuste do ambiente. - No sistema, as modificações podem ocorrer na divisão das responsabilidades, na desconcentração da empresa, na descentralização dos serviços, na criação de novas instruções, dentre outros. A partir do conceito de Planejamento podemos substituir o termo “situação futura desejada” por “objetivos globais escolhidos pela organização para serem alcançados no longo prazo”. E para concretizar esses objetivos em situações complexas, como a segurança pública, por exemplo, é necessário selecionar o caminho com maior probabilidade de acerto em relação ao futuro. Podemos compreender a Estratégia como sendo esse caminho, aquele que busca alcançar os objetivos organizacionais, que define a ordem de importância e prioridade em uma hierarquia de objetivos. Portanto, a estratégia é um meio, e não um fim em si mesma (CHIAVENATO, 2003). Lembre-se: No Módulo I abordamos as principais estratégias de policiamento da Era da PESSOAS TECNOLOGIAS SISTEMAS 42 Decisões estratégicas Planejamento estratégico Decisões táticas Planejamento tático Decisões operacionais Planejamento operacional Reforma e da Era da Comunidade, onde tivemos a oportunidade de conhecer os objetivos institucionais da polícia em cada um dos períodos, seu foco de atuação, como se relacionavam com a comunidade e as principais táticas empregadas. E assim chegamos a uma definição de Planejamento Estratégico: “maneira pela qual uma organização pretende aplicar uma determinada estratégia para alcançar os objetivos propostos” (CHIAVENATO, 2003, p. 236). Ocorre que o planejamento estratégico pensa a estratégia para um horizonte temporal de longo prazo. Por isso Steiner (1969) afirma que todas as estratégias devem ser divididas em subestratégias para sua implementação. A operacionalização da estratégia provoca um conjunto de hierarquias, em diferentes níveis e com diferentes perspectivas de tempo, o que enseja no desdobramento de planejamentos táticos (médio prazo) e operacionais (curto prazo), conforme podemos observar na pirâmide organizacional a seguir (FIGURA 8): Figura 8 – Pirâmide organizacional. Fonte: Adaptado de Oliveira (2001, p. 45) apud Caetano e Sampaio (2016). Nessa concepção de “pirâmide organizacional”, há uma clara divisão na tomada de decisões, que respeita a escala hierárquica ocupada pelo gestor (CAETANO; SAMPAIO, 2016). Nível estratégico Nível tático Nível operacional 43 Considerando os níveis hierárquicos apresentados na pirâmide organizacional, o planejamento pode ser dividido em três níveis, observe o Quadro 3: Planejamento Estratégico: é o planejamento mais amplo e abrange toda a organização. ▪ É projetado no longo prazo, tendo seus efeitos e consequências estendidos a vários anos pela frente. ▪ Envolve a empresa como uma totalidade, abrange todos os recursos e áreas de atividade, e preocupa-se em atingir os objetivos em nível organizacional. ▪ É definido pela cúpula da organização (no nível institucional) e corresponde ao plano maior ao qual todos os demais estão subordinados. Planejamento Tático: é o planejamento que abrange cada departamento ou unidade da organização. ▪ É projetado para o médio prazo, geralmente para o exercício anual. ▪ Envolve cada departamento, abrange seus recursos específicos e preocupa-se em atingir os objetivos departamentais. ▪ É definido no nível intermediário, em cada departamento da empresa. Planejamento Operacional: é o planejamento que abrange cada tarefa ou atividade específica. ▪ É projetado para o curto prazo, para o imediato. ▪ Envolve cada tarefa ou atividade isoladamente e preocupa-se com o alcance de metas específicas. ▪ É definido no nível operacional, para cada tarefa ou atividade. Quadro 3 – Níveis distintos de planejamento Fonte: Adaptado de Chiavenatto (2003, p. 171). 44 AULA 2 – SISTEMA DE GESTÃO PARA ATINGIR METAS Com base na aula anterior, observamos que é a partir da Estratégia Organizacional que são definidos: - As metas que se quer atingir; - Os produtos ou serviços que a organização pretende oferecer; - Consumidores ou clientes a serem servidos; - Tecnologia a ser utilizada; e - A situação em que o trabalho deve ser desenvolvido. A gestão de metas significa justamente administrar os recursos disponíveis (tempo, dinheiro e pessoas) em direção aos objetivos organizacionais da empresa. Neste tocante, observe a citação abaixo: Não se gerencia o que não se mede... Não se mede o que não se define... Não se define o que não se entende... Não há sucesso no que não se gerencia... William Edwards Deming Baseado na citação do professor americano Deming, para você, o que é meta? Dê um exemplo. Resposta: - Meta é a quantificação dos objetivos. Estamos falando de tarefas específicas (definição de responsabilidades), que precisam ser realizadas de forma regular (em um prazo, um tempo específico) e a um certo custo (valores) para se alcançar os objetivos determinados.Ou seja, é o caminho a ser percorrido para que se possa atingir o objetivo desejado. Querem ver um exemplo simples? - Objetivo: Concluir o curso de inglês, nível intermediário, até o mês de março de 2022. - Metas: Fazer a matrícula do curso até o dia 15 de fevereiro de 2021; Pagar 45 as mensalidades de R$ 250,00 até o 5º dia útil de cada mês, por 12 meses consecutivos; Frequentar no mínimo 90% das aulas presenciais; Atingir nota superior ou igual a 7,0 nas avaliações escritas e orais. A lógica entre objetivos e metas é aquela observada no texto de Mário Sérgio Cortella, da última aula: não é possivel chegar a um lugar se você não souber que lugar é esse e que caminho deve seguir. Neste tocante, vislumbramos os objetivos para serem alcançados no médio e no longo prazo, e as metas no curto prazo. O que não pode ser quantificado não pode ser definido como meta. Observe que a palavra método é formada pela união dos termos meta + hodos = caminho. É a maneira de como fazer; é um sistema de práticas, técnicas e regras usadas pelas pessoas que trabalham em uma disciplina. De forma simples, uma estratégia define as metas que se querem atingir, os principais produtos ou serviços, tecnologias e processos de produção que serão utilizados. Por isso, elaborar metas é quantificar cada objetivo, atribuir valores (custos), estabelecer prazos (tempo) e definir responsabilidades. A partir do estabelecimento das metas que as partes interessadas poderão realizar o monitoramento e avaliação da estratégia, atestando se estão no caminho certo ou não. A estratégia orienta, ainda, a maneira como a instituição irá se relacionar com seus funcionários, seus parceiros e seus clientes. Uma estratégia é definida quando um executivo descobre a melhor maneira de usar sua instituição para enfrentar os desafios ou para explorar as oportunidades. Gerenciar a rotina de tarefas, é garantir meios para que o nível operacional atinja resultados de produtividade e qualidade esperados pelo nível institucional. Geralmente, as empresas modernas utilizam o sistema de gestão para formular, desdobrar e atingir metas. Esse processo de gerência envolve os três níveis hierárquicos. Você sabia que: - As metas não podem ser estabelecidas ao acaso. Elas devem ser definidas a partir de indicadores de desempenho. Uma meta sempre representa uma oportunidade: um valor compreendido entre o resultado atual e o melhor resultado 46 conhecido para este indicador; - Indicadores de Desempenho: possuem como objetivo medir o grau de alcance dos objetivos estratégicos e influenciar o comportamento das pessoas na busca desses objetivos. Junto com as metas, são responsáveis, por determinar se a organização está desempenhando em direção à sua estratégia e na velocidade certa. O nível estratégico é responsável pela formulação estratégica e estabelece metas anuais e a longo prazo para a empresa. O nível tático tem o dever de desdobrar essas metas, através de diretrizes e normas. O nível operacional tem como tarefa cotidiana atingir e gerenciar as rotinas de trabalho para cumprir as metas pactuadas. Perceba como todos os atores envolvidos, em todos os níveis, devem estar voltadas para atingir esse objetivo: Figura 9 – Sistema de gestão para atingir metas. Fonte: Adaptado de Freitas (2003) apud Oliveira (2013). Atenção! O gerenciamento da rotina só pode ser realizado com metas. As metas são os insumos, o início do trabalho do gerenciamento. Não se atinge metas sem que se façam mudanças. Nível Estratégico Estabelecer metas Formulação estratégica METAS DA EMPRESA Desdobrar metas e medidas Desdobramento das diretrizes Nível Tático Atingir metas Gerenciamento da rotina do trabalho Nível Operacional 47 AULA 3 - A RELAÇÃO DO POP COM O CICLO PDCA Conforme foi visto na aula anterior, é no nível operacional que ocorre o gerenciamento da rotina do trabalho para atingir as metas, visando melhorar a qualidade do serviço prestado ou do produto produzido. Foi Walter A. Shewhart, que deu um salto significativo no conceito de qualidade, pois associou as técnicas estatísticas à realidade da empresa de telefonia Bell Telephone Laboratories. Shewarth, desenvolveu os gráficos de controle, que utilizam maciçamente os princípios estatísticos, bem como o próprio ciclo PDCA. Perceba que PDCA é uma sigla formada pelo anagrama das palavras em inglês de cada fase desse ciclo, que direciona as atividades de plan = planejar, do = fazer, check = verificar e action = agir. Observe a FIGURA 10 abaixo: Figura 10 – Ciclo PDCA. Fonte: Adaptado de Oliveira (2013). 48 A Figura 10 detalha a sequência de tarefas que deve ser desencadeada para atingir uma meta e, consequentemente, aperfeiçoar a qualidade de uma empresa. E você? Sabe quais são as principais vantagens de se aplicar o método PDCA em uma instituição? Resposta: Segundo Falconi (2009 apud Caetano e Sampaio, 2016) as principais vantagens são: - A melhoria e estabilização de resultados pela participação coletiva no gerenciamento institucional; - A uniformização da linguagem e a melhoria da comunicação; - A compreensão dos papeis individuais e coletivos no esforço institucional; - O aprendizado continuado; - Obtenção de resultados a partir da utilização das várias áreas da ciência; e, - A melhoria da absorção das melhores práticas do setor privado. Um dos maiores méritos do método PDCA, é exatamente difundir o conhecimento organizacional, ao mesmo tempo que busca os melhores resultados na sua área de atuação. Após observado o Ciclo PDCA, vamos conhecer um pouco mais de cada uma de suas etapas: ▪ Plan (Planejar) – é a primeira etapa do ciclo, que trata justamente do planejamento, cujos pressupostos são a identificação de problemas ou objetivos e o estabelecimento dos respectivos planos de ação. ▪ Do (Fazer) – vencida a etapa anterior, esta é a hora de colocar em curso as medidas planejadas. Deve-se enfatizar a importância das pessoas que integram a organização, já que, sem o envolvimento delas, esse modo gerencial está fadado ao fracasso. A condição essencial para que isso ocorra é o desenvolvimento prévio de sólidos conteúdos de liderança. ▪ Check (Verificar) - a próxima etapa é fazer a checagem dos resultados. Neste momento é que se obterá informações e conhecimento sobre o processo, e a compreensão sobre eventuais necessidades de correção. 49 ▪ Action (Agir) – compreendidas as falhas, o processo deve ser retomado e as mudanças implementadas. A conscientização e o treinamento dos integrantes da organização são essenciais, bem como o reforço do método e a padronização de procedimentos. A partir dos conceitos estudados no Módulo 1, sobre a estratégia do policiamento orientado para o problema, você conseguiria correlacionar suas premissas com o método PDCA? Então observe a Figura 11 abaixo e perceba a semelhança da metodologia, observando o fluxo das atividades entre o ciclo PDCA e o método IARA. Figura 11 – Sara modelo (Método IARA). Fonte: Adaptado de Oliveira (2013). Resposta: Conforme podemos observar, o Ciclo PCDA, que foi uma ferramenta gerencial desenvolvida em 1924, serviu de inspiração aos professores americanos John Eck e William Spelman para o desenvolvimento do SARA Model (modelo IARA), que é uma metodologia utilizada na estratégia de policiamento orientado para o problema. O método IARA é uma técnica voltada para a melhoria da qualidade do serviço policial, conforme veremos no próximo módulo. • Analise suas causas. • Responda com ações. • Identifique os problemas locais. • Avalie todo processo. ASSESSMEN T Avaliar SCANNING Identificaçã o ANALYSIS Análise RESPONSE Resposta 50 Finalizando: Nesse Módulo você
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