Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
1 Especificidades do Marketing Cultural: contexto e ponderações Cleisemery Campos da Costa Em 1986, instala-se no Brasil o mecanismo de incentivo a cultura, com a implementação da Lei Sarney. A partir dela, empresas puderam financiar ações culturais através da renúncia fiscal, desde que tais ações fossem levadas a cabo por produtores artístico-culturais – tanto públicos quanto privados. Na sequencia, a Lei Sarney é substituída pela Lei Rouanet, em 1991, ampliado com a Lei do Audiovisual por Itamar, em 1993, sendo replicado por municípios e estados, via dedução no ISS, IPTU e ICMS. As leis de incentivo passam a injetar milhões por ano na área cultural. Recursos públicos transformam-se em filmes, espetáculos, shows e livros, mantendo museus, bibliotecas e centros de arte, recuperando patrimônios artísticos e históricos e manifestações culturais diversas. Um novo cenário foi aberto a partir deste contexto, fazendo surgir no Brasil o Marketing Cultural. A questão do uso do recurso público, através da renúncia fiscal, tem sido motivo de acalorado debate (onde, por quem, como, qual linguagem artística recebe mais investimento, com contrapartida ou não, montante liberado, etc...), considerando que as políticas culturais devem prever planejamento e avaliação pertinente quanto esta ou aquela prática, numa ação prioritária que compete ao Estado, sendo a cultura uma questão de interesse público, como a saúde e a educação. Além do cenário provocado pelas leis de incentivo nas últimas décadas do século XX, a própria atuação do Ministério da Cultura, a partir do Governo Lula, ampliando todo cadeia produtiva da cultura, alimenta ainda mais a necessidade de multiplicidade de fontes e novas estratégias de ajustes da produção cultural, junto ao mercado e a sociedade como um todo. O Marketing Cultural é uma das inovações “adotadas” pelo setor cultural, junto com as prioridades nos processos de pesquisa, criação, produção, circulação, intercâmbio, trocas, fruição, e preservação para os diversos segmentos artísticos. Refletir sobre Marketing Cultural, significa estabelecer pontos de contato entre formas de saber muitas vezes antagônicas. Isso porque a essência do Marketing é o desenvolvimento e inserção de produtos no mercado de consumo, e cultura, está localizada no subjetivo, naquilo que não se pode ser vendido, ou tratado como um “produto”, feito um sapato. O desafio posto é atravessar os ruídos, considerando que os objetivos de quem atua na cultura ( gestores, agentes, artistas, produtores), é ver a ação cultural “bombando”. Se as técnicas de marketing se aplicam a trocas de valores, as trocas culturais também podem ser objetos dessas mesmas ferramentas, considerando que o termo marketing tem forte ligação com comunicação, onde “fazer marketing”, também quer dizer um conjunto de esforços de apresentação de um produto, proposta, serviço ou ideia, quase sempre relacionada à persuasão, à venda e à promoção, e cultura e comunicação, caminham juntas. No setor cultural as técnicas de marketing são tão importantes como no mercado de consumo. Aqueles que ainda resistem em rejeitar as técnicas de marketing como estranhas ao campo da cultura, considerando que a arte é uma área de conhecimento essencialmente humanista, estão fora do contexto, uma vez que os bens e serviços culturais, também são bens de consumo. O profissional de marketing é realista, e o artista é idealista? Ambos são idealistas: um alimenta o estímulo ao consumo e à roda que gira o capital, o outro, para o estímulo ao espírito e à roda que gira o pensamento, mantendo suas especificidades chaves: marketing tem vocação para o mercado, e a cultura, tem vocação para o sentido. 2 O patrocínio às artes por parte das organizações/empresas/instituições, concorre efetivamente para a viabilização de manifestações culturais (que de outra forma não sairiam do papel), permitindo acesso a bens e serviços incentivados pelo Estado, via renúncia fiscal ou não, complementam a própria política cultural. Na soma das vertentes do marketing cultural, uma focada no projeto cultural propriamente, e na sua necessidade de financiamento, e a outra na empresa em busca de uma maior comunicação com seu mercado, o resultado observado das últimas décadas, no Brasil, tem sido positivo. Como enfatiza Marcondes Neto, “ O que não se deve perder de vista é que, em se tratando de marketing cultural, se está lidando com arte e fruição – uma dimensão muito especial de consumo. Mas é certo afirmar que museus, galerias, centros de cultura e teatros precisam analisar o mercado em que se inserem e pesquisar as razões (e emoções) de seus públicos. É preciso ver-se em concorrência permanente com outras iniciativas. As organizações culturais, ou seja, aquelas que tem como fim a produção e a difusão da cultura – sejam públicas, privadas ou do Terceiro Setor , não mais podem prescindir de uma visão mercadológica.” Quais as melhores maneiras de promover a comercialização ou circulação de bens e serviços de cultura? Como gestores e produtores se qualificam para melhor aproveitar as técnicas de marketing sem deixar de adaptá-las ao contexto do mundo artístico? Como ajustar as regras frias do mercado, e a burocracia do sistema com suas peças de convênio e formatação de projetos, planilhas e prazos estabelecidos, no abstrato da arte? As perguntas formuladas, mais que chegar as exatidão das respostas, valem pelo processo percorrido para chegar até elas, considerando o ineditismo do setor cultural no Brasil, bem como seus instrumentos e ferramentas de ação, como recente o é, o Marketing Cultural. Em “Marketing Cultural – das práticas à teoria”, o professor Marcondes Neto segue na investigação e na a articulação entre os conceitos de Marketing e Cultura. Sua conclusão gira em torno da distinção de quatro tipos de Marketing Cultural em função do agente, e do contexto onde suas técnicas são aplicadas, onde o Marketing Cultural, é toda atividade deliberada de viabilização físico-financeira de produtos e serviços culturais, comercializados ou franqueados, que venham a atender às demandas de fruição e enriquecimento cultural da sociedade. As quatro modalidades sãos: 1) Marketing cultural de fim: que se dá quando o patrocínio é exercido por organizações cuja atividade-fim é a produção/difusão da cultura, a partir de recursos próprios ou de terceiros, sendo executado por instituições cuja missão é a difusão cultural Exemplo: Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM) 2) Marketing cultural de meio: que é, de fato, uma estratégia de comunicação institucional de empresas cuja atividade-fim, ou missão, não é a produção/difusão da cultura, feita com recursos próprios ou decorrentes de renúncia fiscal; Exemplo: PETROBRAS 3) Marketing cultural misto: que é a atividade que reúne elementos das duas modalidades anteriores. Ou seja, é uma prática que alia empresas cuja atividade-fim não é a produção/difusão da cultura a organizações com tais atividades-fim; Exemplo: Centro Cultural Banco do Brasil 4) Marketing cultural de agente: que caracteriza a atividade auto-sustentável e de risco, exercida por empreendedores artístico-culturais, independentes em relação à fonte de financiamento, feita a partir de recursos próprios ou de terceiros (com ou sem incentivos fiscais). Exemplo: Teatro de Bonecos Trio de Três Luiza_2 Realce 3 Para que a prática do Marketing Cultural mantenha uma profícua linha de êxito, alguns fatores atualmente se mostram essenciais: as iniciativas culturais mais duradouras. O patrocínio avulso, sem política ou estratégia, aqui e ali, não gera retorno. É tempo de programas. Coisas que durem. Neste sentido, a elaboração dos Sistemas de Cultura(nacional, estaduais e municipais), tendem a favorecer este aspecto, uma vez que a efetivação de uma linha cultural de médio e longo prazo, como estabelecem os planos de cultura, estará garantindo a instalação mais contínua de programas culturais, mantendo o fator risco, em menor escala quanto as mudanças e descontinuidade das ações culturais. Outro fator a ser destacado é a necessidade de artistas e produtores culturais estarem mais integrados ao mercado com criatividade. Um mercado de arte, de cultura, de entretenimento e de trabalho. Como destaca Marcondes Neto, “mercado este altamente competitivo, onde o amadorismo é punido com o pior dos esquecimentos – a morte. Uma visão de negócios, no puro sentido do termo (de não-ócio) e de empreendedorismo precisa ser posta em prática por profissionais que se estabeleçam no entorno do artista.” A função de produtor cultural, profissional que venha cumprir o papel de “tradutor”, na referência de Ana Carla Fonseca Reis, com perfil que atenda os dois víeis da ação ( cultura e mercado), se apresenta como um dos principais fatores necessários ao fomento da prática em si. O desenvolvimento desse profissional híbrido (como a própria produção cultural, novidade que é), que se movimenta e gira em torno da produção artístico-cultural, e do ambiente e das forças de mercado (concepção de produto/serviço/bem cultural); sua distribuição, circulação e logística; estratégia de divulgação e promoção, ou seja, a própria condição de viabilização econômico-financeira da ação-projeto cultural, e ainda no assessoramento de pessoas físicas individuais (artistas, diretores, produtores, acadêmicos, pesquisadores), é o desafio que está posto. Percebe-se que o ensino da produção cultural é muito recente no país. Marketing cultural, mais ainda, é disciplina para muito poucos, com raras pesquisas e literaturas sobre o assunto. Tal realidade é retrato do cenário geral das políticas culturais no Brasil, onde a figura-presença do gestor/agente cultural, é de igual forma recente, com similar condição de não-profissionalização e formação. Conquista premente que se apresenta, é que o marketing cultural cresça em instituições de ensino, efetivando quadros capacitados para atuação nos variados setores. A produção artístico-cultural brasileira, certamente uma das mais ricas do planeta, tem nítido campo de atuação para o Marketing Cultural, onde uma parcela mínima de seus artistas consegue fazer circular suas obras. As ofertas variadas, entre um espetáculo de música erudita ou pop, uma exposição de arte, uma peça teatral ou um espetáculo folclórico, tendem a emocionar quem assisti-participa, passando a enxergar com boa vontade a empresa que lhes proporcionou aquela emoção. Não se trata de oferecer apenas aquilo que se conheça, muitas vezes é até o contrário. Adequação, inovação, estratégia e profissionalização são as palavras- chaves para o desenvolvimento de projetos de Marketing Cultural que gerem retorno efetivo. O aumento da produção cultural, do consumo de bens e serviços culturais, mais tempo livre e maior aquisição financeira do brasileiro, imenso público a “ser conquistado” (pesquisa nacional sobre hábitos culturais concluiu que no ano passado, os brasileiros se dedicaram menos a atividades culturais. Segundo o levantamento, em 2011, 45% da população desfrutaram, pelo menos uma vez ao longo do ano, de alguma atividade cultural enquanto, em 2010, esta proporção havia sido de 53%. A principal razão apresentada pelos brasileiros para não frequentarem atividades culturais continua sendo “falta de hábito”. O preço não é o principal motivo. O levantamento mostrou que 53% dos que não leram sequer um livro não o fizeram por este motivo, razão citada também por 40% dos que não foram a alguma peça ou espetáculo de dança, 39% dos que não visitaram alguma exposição de arte e 38% daqueles que não frequentaram algum show de música. A falta de hábitos culturais da população segue como um 4 desafio ao país. FONTE: JB Online 14 FEV/2012 ), bem como a constatação da cultura, como atividade econômica que movimenta cerca de 1% do PIB no Brasil, decreta quase que uma emergência do Marketing Cultural como estratégia de viabilização da produção de bens e serviços culturais na sociedade, trazendo um desafio para gestores e produtores culturais: se, de acordo com Yúdice, o gerenciamento é o nome do jogo no campo da cultura hoje, como articular as técnicas corporativas mais avançadas, inclusive as de marketing, sem perder de vista o conteúdo crítico que a arte precisa oferecer ao público? Artistas, agentes e gestores culturais, e trabalhadores de cultura sendo capacitados para abraçar este novo e recente campo de atuação, investindo na garantia da liberdade de expressão dos artistas que se utilizam das facilidades e técnicas do marketing cultural, e no retorno às empresas e instituições, no jogo que esta dado das trocas. É processo em andamento, em construção, recente que é a prática do Marketing Cultural, a implementação de políticas culturais: estamos trocando o pneu, com o carro em movimento. Cacá Rosset, no início dos anos 1990: “a porta de entrada do Brasil no primeiro mundo, é a porta da cultura”. Referências Bibliográficas BOTELHO, Isaura. Romance de formação: FUNARTE e Política cultural, 1976-1990.Rio de Janeiro: Ed. Casa de Rui Barbosa, 2000. CALABRE, Lia (Org): Políticas culturais: diálogo indispensável.Rio de Janeiro:Edições Casa de Rui Barbosa, 2005. REIS, Ana C. Fonseca. Marketing Cultural e Financiamento da cultura Pioneira Thompson Learning, SP,2003. MACHADO NETO, Manoel M.. Marketing Cultural: das práticas à teoria. Rio de Janeiro: Ciência Moderna, 2002. _________________. Marketing Cultural: características, modalidades e seu uso como política de comunicação institucional.(Tese de doutorado). São Paulo, ECA/USP. 2000. _______________.Relações Públicas e Marketing: convergências entre comunicação e administração.Rio de Janeiro, Conceito Editorial. 2007 RUBIM, Linda (Org.). Organização e produção da Cultura. Salvador: UFBA, 2005. TEIXEIRA COELHO (Org). A cultura pela cidade. São Paulo: Iluminuras, 2008. KLEIN, Naomi. Sem logo: a tirania das marcas em um planeta vendido. Rio de Janeiro: Record, 2009. FEATHERSTONE, Mike.O desmanche da cultura — globalização, pós-modernismo e identidade. São Paulo: Studio Nobel/SESC, 1997. _______________.Cultura global — nacionalismo, globalização e modernidade.Petrópolis: Vozes, 1998. FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir. Petrópolis: Vozes, 1987. FREITAS, Ricardo Ferreira e NACIF, Rafael (org.). Redes urbanas - comunicação, arte e tecnologia. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2007. __________________. Destinos da cidade - comunicação, arte e cultura. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2005. MAFFESOLI, Michel. No fundo das aparências. Petrópolis: Vozes, 1996. YÚDICE, George. A conveniência da cultura: usos da cultura na era global. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2004.
Compartilhar