Buscar

Politicas de Saúde para os povos indigenas - Subsistema

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 38 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 38 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 38 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

►
	Tema 1 - O Sistema Único de Saúde (SUS) e o Subsistema de Atenção à Saúde Povos Indígenas (SASI-SUS)
Prezado Estudante!
Seja bem-vindo à unidade de política de saúde para os povos indígenas. Para começar, convidamos você a assistir ao vídeo sobre o SASI-SUS e a organização dos serviços de saúde indígena.
 
  
	►
	Tema 2 - Política de Saúde Indígena no Brasil
	
	Autores: Douglas Rodrigues, Fernanda Roder, Lavínia Oliveira e Sofia Mendonça
Prezado Estudante!
Neste texto vamos abordar a história da política de saúde indígena no Brasil nos diferentes tempos históricos, desde a colonização até os dias atuais. Você acompanhará a trajetória de luta dos povos indígenas para a conquista de um sistema de saúde que considere as especificidades dos povos indígenas no Brasil. Outro ponto abordado nesse texto é que o Subsistema de Atenção à Saúde Indígena (SASI-SUS) possui uma organização dos serviços diferenciada que prevê a garantia da assistência integral à saúde dos povos indígenas e suas especificidades.
Vamos lá!
 
Introdução
 
Entender a política de saúde indígena no Brasil requer um breve relato histórico sobre as relações entre os povos originários das Américas, erroneamente denominados sociedades indígenas, e a sociedade nacional, porque é neste contexto que são estabelecidas as políticas públicas direcionadas a estes povos.
 
Desde o início, o encontro entre os europeus e as sociedades originárias foi marcado pelo conflito e a oposição. Em diferentes períodos histórico-econômicos e até os dias atuais, os indígenas sempre foram considerados obstáculos ao modelo de desenvolvimento econômico nacional. A relação que se estabeleceu entre os povos indígenas e os colonizadores, caracterizada pela profunda desigualdade de forças, gerou uma série de fatores que determinaram condições de subordinação e dependência. Entre esses fatores está o acesso à assistência à saúde, que será objeto de nossa reflexão.
A partir da colonização, vários povos indígenas estiveram sob o conflito armado ou sucumbiram em função do trabalho escravo e, principalmente, das inúmeras epidemias de doenças contagiosas, como gripe, varíola, sarampo, doenças sexualmente transmissíveis, malária, entre outras. Muitas etnias foram exterminadas. Alguns autores estimam a população indígena no Brasil, à época da chegada dos colonizadores, entre 1,5 até 7 milhões de pessoas na Amazônia, Brasil Central e costa Nordeste (HEMMING, 2007), o que representaria um contingente populacional semelhante ao da Península Ibérica no século XVI. Atualmente, a população indígena no Brasil é de 817.963 pessoas, das quais 502.783 vivem em terras indígenas e 315.180 em áreas urbanas (IBGE, 2010).
Permanecem, desde o Brasil colonial, situações regionais de conflito entre indígenas e colonizadores, que tem como pano de fundo interesses políticos e econômicos, espelhando as relações de força que permeiam a sociedade nacional e entre esta e as sociedades indígenas. A sobrevivência destes povos depende das políticas públicas eleitas como prioritárias em nível nacional, dos agentes de contato, que atuam como intermediários e interlocutores no processo, e da face da sociedade nacional que é apresentada aos indígenas no nível regional, uma vez que o processo saúde-doença para os povos indígenas tem determinantes específicos, ligados à disponibilidade de uso de seus territórios tradicionais e à relação de contato, além daqueles a que estão sujeitos todos os brasileiros.
 
Da Colônia à Republica
 
No início do Brasil colônia a assistência à saúde dos indígenas era feita pelos missionários. Como a intenção era salvar suas almas e corpos, atendiam também aos interesses da Coroa Portuguesa e dos governantes locais por ela indicados. O governo dava suporte aos missionários que, por sua vez, colaboravam na pacificação dos indígenas e na sua submissão. Os povos indígenas que ficavam no caminho dos colonizadores eram eliminados pela força, epidemias ou recrutados como escravos.
 
Figura 1: Foto da Região do Alto Rio Negro (AM) mostrando os indígenas em um internato religioso. Com a colonização e a cristianização foram impostas mudanças nos modos de vida dos indígenas. Os missionários tiravam as crianças de suas aldeias e as mantinham em internatos, onde eram impedidas de falar a língua materna e de exercer suas práticas culturais.
Fonte: Instituto Socioambiental Povos Indígenas no Brasil
 
 
Nos primeiros anos da República houve uma grande expansão das linhas ferroviárias e telegráficas em direção à região Centro-Oeste do país. Com isso, vários grupos indígenas foram contatados de maneira violenta, muitos deles massacrados. A assistência à saúde, quando existia, era limitada à administração de medicamentos pelos sertanistas e mateiros.
 
Figura 2: Um dos principais personagens do sertanismo é Marechal Cândido Rondon. Sua prática indigenista se originou de sua atuação à frente da Comissão de Linhas Telegráficas Estratégicas do Mato Grosso ao Amazonas (1907-1915), na qual vivenciou experiências de contato e pacificação com os índios. A atuação de Rondon culminou com a criação do Serviço de Proteção ao Índio e Localização de Trabalhadores Nacionais (SPILTN), em 1910.
Fonte: Luiz Leduc/ 1907 - Acervo Museu do Índio do Rio de Janeiro
 
No início do século XX foi criado o Serviço de Proteção ao Índio e Localização de Trabalhadores Nacionais – SPILTN [1] (1910), dando início a uma nova fase da política indigenista. As ideias iluministas e evolucionistas consideravam que a sociedade moderna daquela época teria atingido o auge da civilização, enquanto a sociedade indígena era primitiva, povos "que viviam na idade da pedra". Nessa linha de pensamento, os indígenas, ao entrarem em contato com a sociedade moderna, fatalmente abandonariam suas práticas culturais tradicionais, transformando-se em novos cidadãos brasileiros, trabalhadores nacionais, assimilados pela sociedade majoritária. Para que os indígenas alcançassem esse suposto estágio civilizatório, o SPI construiu escolas onde se ensinava o português e alguns ofícios, especialmente aqueles ligados ao cultivo da terra, como parte do processo que os transformaria em trabalhadores nacionais. As mulheres aprendiam a cozinhar, costurar e outros afazeres típicos de donas de casa, enquanto os homens aprendiam agricultura e pecuária. Por considerar os indígenas despreparados para viver na sociedade moderna, a política indigenista desta época tinha uma postura protecionista, que tinha como estratégia a busca do contato "pacífico". Os povos isolados eram atraídos com presentes e alimentos, colocados em pequenos aldeamentos onde seriam gradualmente assimilados.
 
Figura 3: Escola Indígena Paresi,
Mato Grosso
Fonte: Museu do índio/Funai.
 
Junto com os presentes vinham doenças e remédios, criando assim novas dependências. Essa política, embora tenha assegurado a sobrevivência de alguns povos, os excluiu do acesso à informação e formação, que garantiria o diálogo e interlocução menos desfavorável com a sociedade nacional. Ao contrário, na maioria das vezes a "pacificação" acarretava em desestruturação social, fome e miséria.
A assistência à saúde dos indígenas caracterizava-se por sua desorganização e descontinuidade (COSTA, 1987). Com a criação do SPI o quadro não se alterou. Não foi instituída qualquer forma de oferta sistemática de serviços de saúde.
A primeira tentativa organizada que objetivava levar ações de saúde aos índios e às populações rurais de difícil acesso surge na década de 50, ocasião em que é criado, no Ministério da Saúde, o Serviço de Unidades Sanitárias Aéreas (SUSA), liderado pelo médico sanitarista Noel Nutels.
 
Eu não clinico, não tenho consultório. Fazia malária e agora faço Tuberculose. Minha mania: o índio.
Figura 4: Noel Nutels (1913-1973)
Fonte: COC/Fiocruz
 
 
 
 
 
As atividades do SUSA concentravam-se na vacinação, controle de tuberculose e outras doenças transmissíveis trazidas pelo contato. Desde aquela época Noel Nutels afirmava a importância de estabelecer ações de saúde sistemáticas dirigidas aos povosindígenas e à população regional para controlar os agravos aos quais estavam submetidos (COSTA, 1987).
 
O governo tinha posturas opostas em sua política indigenista: uma, paternalista, que propunha o contato e a pacificação dos índios, intermediando a relação interétnica; e outra, etnocêntrica, que considerava os índios como seres primitivos e selvagens, que deveriam ser integrados a qualquer custo (DAVIS, 1978).
Nesse cenário de posições inflamadas e antagônicas, no final da década de 50, Rondon e muitos de seus aliados, que haviam dirigido o SPI desde sua criação, perderam espaço político e uma nova geração de oficiais do exército e funcionários públicos assumiu o controle do órgão. A política indigenista adquire um caráter nacional, os interesses econômicos prevalecem sobre as questões humanitárias, crescem as denúncias de corrupção dentro do órgão e de violências cometidas contra os indígenas, que culminaram com sua extinção e a criação, em 1967, da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), que passou a ser o órgão indigenista oficial, ligado ao Ministério do Interior.
 
 
· Uma série de livros e declarações públicas falavam de cobertores sendo dados aos índios contaminados por varíola e outras doenças; de incidentes onde napalm[2] era atirado de aviões sobre as aldeias indígenas; eram exibidas fotografias de aldeias que haviam sido dizimadas, onde apareciam restos de mulheres e crianças sobre o solo árido e carbonizado. A sentença unânime da Europa era que o Brasil estava pondo em prática uma política de "genocídio étnico". (DAVIS,1981)
 
 
Figura 5: Foto do início do século XX mostra indígenas da Amazônia escravizados pelos seringalistas durante o ciclo da borracha. Muitas denúncias envolvendo funcionários do SPI foram feitas, sobre sua conivência com a escravização dos índios e a ocupação de suas terras.
Fonte: Foto de Roger Casement, 1911.
 
 
O milagre econômico
Entraremos agora no período do "milagre econômico" durante a ditadura militar (1964-1985). Na década de 1970 os indígenas voltam à cena nacional, destacados como empecilhos ao progresso. Surgem novas denúncias de genocídio. A ocupação do Centro-Oeste e Norte do país teve continuidade por meio da construção de um sistema rodoviário na região amazônica (Rodovias Transamazônica, Cuiabá-Santarém à Perimetral Norte, além de estradas menores, de interligação) e de obras de infraestrutura, como usinas hidrelétricas e parques de exploração mineral, afetando inúmeros povos indígenas que ali habitavam, em total ou relativo isolamento. Cada vez mais os interesses econômicos nacionais e internacionais direcionavam a política indigenista brasileira, como parecem fazê-lo até os dias atuais.
 
Figura 6: A fotografia mostra o povo Panará perambulando pela rodovia Cuiabá-Santarém (BR 163), que cortou seu território tradicional, desestruturou suas aldeias, provocou a ocupação do seu território e mortes por epidemias e fome. Estimados em cerca de 600 pessoas em 1968 (RODRIGUES, 2013), foram reduzidos a 79 pessoas em 1975, quando os sobreviventes foram transferidos compulsoriamente para o Parque Indígena Xingu.
Fonte: Orlando Brito, 1974.
 
 
 
 
 
Esta ambiguidade da política nacional, matar ou proteger, integrar ou isolar, se refletia nas ações do novo órgão indigenista. Sob a gestão da FUNAI foi estabelecido um modelo de prestação de serviços de saúde de caráter campanhista e eventual, por meio de Equipes Volantes de Saúde (EVS), que se deslocavam para as áreas indígenas para executar ações de saúde. No Ministério da Saúde, o SUSA, renomeado como Unidade de Atendimento Especial (UAE), passou a trabalhar apenas com o controle da tuberculose somente em algumas áreas indígenas. Também era de responsabilidade do Ministério da Saúde o controle das principais endemias, com grande destaque para a malária, realizado pela Superintendência de Campanhas de Saúde Pública (SUCAM).
O modelo de atenção baseado nas EVS, de pouca eficácia, caracterizava-se pela grande fragmentação de ações, além de ser predominantemente curativo e medicalizante. Carecia de planejamento e de integralidade das ações, era extremamente deficiente em infraestrutura e recursos e não tinha qualquer articulação com outros níveis de atenção. Não havia um sistema de registro de informações em saúde e os trabalhadores eram despreparados para atuar em situações de interculturalidade. No intuito de complementar as ações das EVS, a FUNAI celebrou vários convênios com entidades governamentais e não governamentais para desenvolverem ações de saúde. A maior parte dos recursos da saúde era gasto na compra de medicamentos, diárias, transporte e remoções de pacientes e pagamento de serviços médicos e ambulatoriais em hospitais que, em sua maioria, eram privados (CONFALONIERI, 1989).
Com o passar do tempo, o modelo de atenção das EVS foi se esvaziando. Os poucos profissionais de saúde da FUNAI foram sendo fixados nos centros urbanos, voltados para a assistência médico-hospitalar. As ações nas aldeias tornaram-se cada vez mais esporádicas. No início dos anos 80, a FUNAI só conseguia manter profissionais de saúde, em sua maioria atendentes ou auxiliares de enfermagem, em algumas áreas indígenas. O quadro geral era de desassistência. Em 1979, a FUNAI constatava que 70% da população indígena no Brasil encontrava-se em precárias condições de saúde (SELAU, 1992).
 
As décadas de 1980 e 1990 – Cronologia da luta pela atenção diferenciada à saúde dos povos indígenas no Brasil
 
Para entender a trajetória da luta pela construção de uma política indigenista de saúde e do subsistema de saúde indígena é preciso entender o contexto mais geral das políticas de saúde no Brasil, que culminaram na criação do Sistema Único de Saúde (SUS).
 
Os sucessivos presidentes militares, impostos pelo golpe de 1964, implantaram reformas institucionais na saúde pública e no sistema médico-previdenciário. A criação do Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), em 1966, centralizou as contribuições previdenciárias e passou a gerir as aposentadorias, pensões e assistência médica a todos os trabalhadores formais, excluindo os trabalhadores rurais e os trabalhadores urbanos informais.
Na década de 1970, embora ocorresse uma grande expansão da assistência médica financiada pela Previdência Social, a priorização da medicina curativa, os custos crescentes do modelo centrado no hospital, aliados à incapacidade do sistema público de saúde em atender a demanda crescente de marginalizados da economia, desempregados em consequência da diminuição do crescimento econômico, e a gestão inadequada, por vezes fraudulenta, dos recursos da saúde pública, levaram a Previdência Social à maior crise já vista até então. O modelo político-econômico implantado pela ditadura militar não garantiu condições adequadas de assistência à saúde da população brasileira, e menos ainda à saúde dos povos indígenas, que se deteriorava rapidamente.
É desse período a primeira afirmação da responsabilidade estatal pela saúde indígena por meio da lei 6001, de dezembro de 1973, também conhecida como Estatuto do Índio : Essa lei assegurava aos índios, ainda que de forma extremamente vaga,"o regime geral da Previdência Social", "os meios de proteção à saúde facultados à comunhão nacional" e "especial assistência dos poderes públicos em estabelecimentos a esse fim destinados" (Art. 54 e 55).
Com o desgaste e enfraquecimento do governo militar, a partir da segunda metade da década de 1970, surge o Movimento pela Reforma Sanitária. Esse movimento ganhou força mobilizando setores importantes da sociedade organizada, profissionais de saúde e intelectuais. Compartilhando ideais e princípios de universalidade, integralidade e equidade, os profissionais de saúde e indigenistas que trabalhavam com os povos indígenas integraram-se ao movimento. O processo de abertura democrática propiciou o surgimento de um movimento indígena, de abrangência nacional, dando início a um longo processo de mobilização e alianças com setores do Movimento pela Reforma Sanitária, que resultou na criaçãode um subsistema de atenção à saúde indígena, em 1999, nove anos após a criação do Sistema Único de Saúde, em 1990.
Vários foram os espaços de discussão para a construção da política de saúde indígena na década de 1980. Entre eles cabe destacar os Encontros de Saúde do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), os encontros anuais de Antropologia Médica na Escola Paulista de Medicina/UNIFESP e encontros promovidos pela FUNAI.
Nos documentos da FUNAI dessa época, analisados por Selau (1992), destacamos as conclusões de um "Encontro de Saúde Indígena" realizado em Brasília, entre 25 e 29 de janeiro de 1985:
·  
Os problemas atualmente constatados são verdadeiramente trágicos, resultantes das deficiências quantitativas e qualitativas de recursos humanos especializados e inadequação dos esquemas terapêuticos, carência de medicamentos, desntrição, poluição ambiental, descontinuidade de programas de imunização, bem como da angústia gerada pela incerteza de um futuro constantemente ameaçado por mineradoras, hidroelétricas e projetos agropecuários.
 
Conclui-se, também, pela necessidade de "um esforço integrado entre a FUNAI, instituições de ensino e pesquisa, entidades de apoio e do movimento indígena visando a construção de um sistema de atenção à saúde indígena realmente eficaz".
Este esforço integrado baseava-se no pensamento sanitário vigente, representado pela estratégia das Ações Integradas de Saúde (AIS). Tal estratégia propunha a confluência de esforços entre os níveis federal, estadual e municipal que, a partir de diretrizes e princípios básicos, criariam condições técnico-administrativas e políticas para a construção de um modelo assistencial que caminhava para a concepção do SUS, concebido no direito à saúde, na descentralização, universalização, regionalização da rede pública de serviços de saúde e na equidade de atendimento para todos os brasileiros.
Em 1986, a VIII Conferência Nacional de Saúde (CNS) referendou a proposta da Reforma Sanitária, com a aprovação da criação de um Sistema Único de Saúde, ligado a um único Ministério (da Saúde), que seria o gestor nacional do sistema, desvinculando a assistência à saúde da previdência. A participação, na VIII CNS, de vários profissionais envolvidos com a saúde indígena e de representantes do movimento indígena possibilitou a articulação necessária para que a plenária final deliberasse pela realização da Primeira Conferência Nacional de Proteção à Saúde Indígena , no mesmo ano.
 
A I CNSPI estabeleceu as bases para a organização dos serviços de atenção à saúde indígena na forma de um subsistema específico para atenção à saúde dos indígenas, parte do Sistema Único de Saúde proposto pela VIII CNS :
· (...) o acesso das nações indígenas às ações e serviços de saúde, bem como sua participação na organização, gestão e controle dos mesmos, respeitadas as especificidades etnoculturais e de localização geográfica, é dever do Estado (...) o gerenciamento das ações e serviços de atenção à saúde para as nações indígenas, deverá ser da responsabilidade de um único órgão, criando-se uma agência específica para tal fim, com representação indígena (...) a vinculação institucional desta agência deve ser com o ministério responsável pela coordenação do sistema único de saúde, de modo a integrar o sistema específico de saúde para os índios ao sistema nacional. (trechos presentes no relatório da I CNSPI).
 
 
A conquista do Subsistema de saúde indígena na década de 1990
 
A criação do SUS, efetivada na Constituição de 1988 , contemplou a reivindicação do movimento da Reforma Sanitária.
 
A "Constituição Cidadã", como ficou conhecida, respondeu também ao movimento indígena e indigenista, reconhecendo aos indígenas sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, determinando um prazo de cinco anos para a demarcação das terras indígenas em todo o país (não cumprido até os dias de hoje) e abrindo espaço para a mobilização em busca da atenção diferenciada à saúde no SUS. As leis orgânicas da saúde publicadas em 1990[3] , entretanto, não fizeram menção à saúde dos povos indígenas, que permaneceu como atribuição da FUNAI.
As leis orgânicas da saúde publicadas em 1990 são:
1) Lei nº 8.080, de 19 de setembro, que dispõe, entre outros, sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes.
2) Lei nº 8.142, de 28 de dezembro, que dispõe, entre outros, sobre a participação da comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde (SUS).
Nessa mesma época, a grave situação sanitária em que se encontravam os Yanomami, em consequência da invasão maciça de suas terras por garimpeiros em anos anteriores, ganhou visibilidade nacional e internacional provocando uma resposta do governo brasileiro que publica, em fevereiro de 1991, o Decreto Presidencial de nº. 23 , transferindo para o Ministério da Saúde a responsabilidade de coordenação das ações de saúde destinadas aos indígenas. Uma das respostas do governo brasileiro às denúncias de genocídio dos Yanomami foi a criação Distrito Sanitário Yanomami (DSY), como parte da recém-criada Fundação Nacional de Saúde (FUNASA). O DSY foi estruturado dentro da Coordenação Regional da FUNASA em Boa Vista (RR). No mesmo ano é criada Coordenação de Saúde do Índio (COSAI), com a atribuição de implementar um modelo de atenção à saúde do índio no âmbito da FUNASA.
A mudança da responsabilidade pela atenção à saúde indígena criou um clima de conflito interinstitucional dentro do governo. De um lado a FUNAI, com orçamento cada vez menor, resistia à perda da gestão da saúde indígena, porém vinha desativando praticamente sua estrutura assistencial que, embora precária, garantia condições mínimas de assistência em algumas áreas indígenas. A recém-criada FUNASA, sem qualquer experiência indigenista, sob o peso de uma estrutura extremamente centralizada, encontrava dificuldade para levar a cabo sua recente missão de prover acesso a serviços de saúde nas áreas indígenas, enquanto denúncias de agravamento do quadro sanitário nestas áreas se acumulavam, com aumento de mortalidade e recrudescimento de várias doenças em praticamente todas as regiões.
 
Figura 7: Líder Yanomami Davi Kopenawa alerta para iminência de novo genocídio. Foto: Vanessa Lima/G1
Fonte: G1 – o portal de notícias da Globo.
 
 
 
 
Em outubro de 1991 foi criada a Comissão Intersetorial de Saúde do Índio (CISI) , com a missão de assessorar o Conselho Nacional de Saúde no acompanhamento da saúde dos povos indígenas, por meio da articulação intersetorial no governo e com a sociedade civil organizada. A CISI trabalhou em duas direções: servindo como uma caixa de ressonância, recebia informações de várias áreas do país, dando-lhes visibilidade, ao mesmo tempo em que elaborava várias recomendações ao Conselho Nacional de Saúde, no sentido de se criar um grupo de trabalho para estabelecer um plano de ações pactuado entre a FUNAI e a FUNASA, que nunca se constituiu.
 
Em 1992 é realizada a IX Conferência Nacional de Saúde, que reafirmou a necessidade de garantir a atenção integral à saúde do índio, em função de suas especificidades socioculturais e de sua situação sanitária, considerando seus sistemas tradicionais de cura, através de uma rede de Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI), diretamente ligados ao Ministério da Saúde, com participação indígena por meio de Conselhos de Saúde Indígena. Aprovou-se também a realização da Segunda Conferência Nacional de Saúde dos Povos Indígenas , que foi realizada em Luziânia/GO, em 1993.
 
A II Conferência Nacional de Saúde dos Povos Indígenas definiu as diretrizes e princípios que deveriam nortear a política indigenista de saúde. Contou-se, pela primeira vez, com a participação paritária de delegados indígenas e não indígenas.
Esta conferência avançou significativamente na concepção do modelo de atenção. Seu relatório final é bastante claro quando justifica a necessidade de uma política setorial específica para lidar com a saúde dos povos indígenas a partir dos princípiosdo próprio SUS. Reafirma que a base do modelo de atenção à saúde indígena seria os DSEI e que o Ministério da Saúde deveria ser o órgão responsável pela saúde indígena, contemplando níveis de gerência federal, regional e distrital, com autonomia de gestão administrativa, orçamentária e financeira.
No interior do governo, entretanto, permanece a disputa institucional. Em maio de 1994 é publicado um novo decreto presidencial (1141/94), que devolve à FUNAI a gestão da saúde indígena .
 
Este decreto constitui uma Comissão Intersetorial (CIS), com a participação de vários ministérios relacionados com a questão indígena. A CIS aprova, por intermédio da resolução nº 2, de outubro de 1994, o "Modelo de Atenção Integral à Saúde do Índio (MAISI)", e divide as atribuições entre as instituições, delegando à FUNAI a responsabilidade pela assistência à saúde desde a aldeia até as referências de maior complexidade e à FUNASA as ações de promoção da saúde como saneamento, imunização, formação de recursos humanos e controle de endemias, ferindo claramente o princípio da integralidade das ações de saúde (BRASIL, 2000).
A incoerente separação entre as ações preventivas e curativas divididas entre a FUNASA e a FUNAI, a insuficiência e má gestão de recursos favoreceu o agravamento do quadro sanitário dos povos indígenas. Em 1996, estes recursos representavam, para execução da assistência à saúde, R$ 20,27 per capita no âmbito da FUNAI, e R$ 57,75 na FUNASA, resultando um total de R$ 78,02 per capita, ainda inferior à baixa média nacional da época, que era de R$ 100,00 per capita (relatórios da CISI/CNS/MS).
Em 1994, o médico sanitarista e deputado Sérgio Arouca, atendendo às demandas do movimento indígena e indigenista, propôs um Projeto de Lei na Câmara dos Deputados, que dispunha sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde e a organização e funcionamento de serviços para as populações indígenas. Este projeto, conhecido como Lei Arouca, foi aprovado e regulamentado pelo presidente Fernando Henrique Cardoso cinco anos depois, em 1999, após 5 anos de tramitação no Congresso Nacional.
 
Figura 8: Sergio Arouca.
Fonte: Arquivo/Fiocruz.
 
Enquanto a Lei Arouca tramitava no Congresso Nacional, o quadro caótico que permanecia na saúde indígena levava a CISI a acionar a Procuradoria Geral da República (PGR), denunciando a gravidade da situação, apontando a distorção da divisão de atribuições que se estabeleceu entre FUNAI e FUNASA e a falta de definição da política indigenista de saúde pelo governo federal. Em junho do mesmo ano, a PGR emite um parecer, expõe a ilegalidade do Decreto nº 1141, reafirma a responsabilidade federal para com a saúde indígena e que o Ministério da Saúde, gestor do SUS, é o responsável por estabelecer a política setorial específica, em articulação com o órgão indigenista.
Finalmente, em setembro de 1999, a chamada Lei Arouca (Lei nº 9.836/99) é aprovada no Congresso Nacional e regulamentada pelo presidente da república da época, conformando o marco legal para a criação do subsistema de saúde indígena.
A gestão do subsistema de saúde indígena (SASI-SUS) coube inicialmente à FUNASA, por meio da criação de um Departamento de Saúde Indígena. Foram criados 34 Distritos Especiais de Saúde Indígena (DSEI) após um processo nacional de territorialização e distritalização sanitária, operacionalizado por meio de oficinas macrorregionais. A saúde indígena passou a ser um campo de atuação no qual o Ministério da Saúde tem a responsabilidade integral pelas ações de atenção primária no nível local, coerente com as disposições da Constituição Federal e da Lei Arouca, que determinam que o financiamento, a gestão e a execução da Política de Saúde Indígena são de responsabilidade do governo federal, uma característica que segue uma orientação contrária à tendência de descentralização e municipalização do Sistema Único de Saúde (PEREIRA; MAQUINÉ, 2013).
Em 2010 foi criada, no âmbito do Ministério da Saúde, a Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI), com a atribuição de realizar a gestão e a execução das ações de atenção primária para os povos indígenas que vivem em terras demarcadas em todo o território nacional. A transição das responsabilidades da FUNASA para a SESAI encerrou-se em dezembro de 2011 .
 
A operacionalização do SASI-SUS é regida pela Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas, que por sua vez integra a Política Nacional de Saúde. O arcabouço legal formado pela Constituição Federal, cujas disposições foram compatibilizadas com a Lei Orgânica da Saúde (Lei 8080/1990), garantem o direito das populações indígenas no Brasil, que vivem em Terras Indígenas regularizadas, a um atendimento diferenciado à saúde, formatado de modo a respeitar suas especificidades culturais pelo Sistema Único de Saúde.
 
Considerações Finais
 
Durante mais de uma década de implantação do Subsistema de atenção à saúde indígena, muitas questões podem ser levantadas. A imensa complexidade deste sistema e de sua operacionalização carece de uma reflexão profunda e de novas estratégias de intervenção para que não se perca a grande chave da política de atenção à saúde dos povos indígenas – a atenção diferenciada – sob o risco de se desconstruir o conceito de Distrito Sanitário Especial Indígena.
A gestão e operacionalização do subsistema de atenção à saúde indígena tem-se mostrado complexa e pouco adequada até o momento. A opção por um modelo terceirizado de contratação da força de trabalho para a saúde indígena não tem respondido adequadamente às necessidades, gerando vínculos trabalhistas precários, alta rotatividade de pessoal e pouco vínculo entre usuários e equipe de saúde. A falta de uma política de educação permanente para os profissionais de saúde indígena tem como consequência a oferta pouco qualificada de serviços no nível local. A melhora inicial dos indicadores de saúde diminuiu de velocidade e estabilizou-se, permanecendo, até hoje, em níveis duas a três vezes piores do que os da população brasileira como um todo, como demonstra o gráfico 1, que compara as taxas de mortalidade infantil entre indígenas e a população brasileira como um todo, no período compreendido entre 2000 e 2011 (após 12 anos de implantação do SASI-SUS).
 
 
Um dos maiores desafios a serem enfrentados pelo SUS para a oferta de serviços adequados aos povos indígenas reside em uma de suas principais características, que é a tendência a priorizar ações de saúde voltadas para áreas urbanas. Da forma como o SUS foi sendo estruturado no Brasil, acumulou-se maior experiência na organização de serviços para grandes aglomerados urbanos, dadas as características de urbanização da população brasileira, da ordem de 84% (IBGE, 2010).
Em consequência, a organização e oferta de serviços de saúde para populações rurais e culturalmente diferenciadas encontra maiores dificuldades. Como vimos anteriormente, a forma original de concepção do SUS não levava em conta a população indígena como uma de suas prioridades, já que essa atribuição permaneceu na FUNAI. O Ministério da Saúde, portanto, só começa a acumular alguma experiência no desenvolvimento de políticas para os grupos etnicamente diferenciados a partir do início deste século.
Os 14 anos de criação do SASI-SUS ainda não se mostraram suficientes para a produção de tecnologias e modelos de atenção adequados às necessidades da população indígena. A relação entre o SUS e o Subsistema é permeada por conflitos e contradições, dos quais a municipalização dos serviços de saúde é um dos que mais impactam o direito dos indígenas à atenção diferenciada. A internalização das necessidades de saúde dos povos indígenas nas políticas e rotinas do Ministério da Saúde, somada a um relativo desconhecimento da questão indígena pelas autoridades sanitárias do país, gera uma tendência a reproduzir práticas sanitárias pouco eficazes quando aplicadas à realidade dos povos indígenas.
Nos seus anos de existência, o SASI-SUS não logrou, até o presente, desenvolver um modelo de atenção voltado paraa prevenção de doenças e promoção da saúde. A assistência oferecida pelos DSEI não superou de forma eficiente o modelo médico-centrado, curativo e individual, que tem como uma das principais características a remoção, quase sempre emergencial, de doentes para centros urbanos. Ainda que os dados epidemiológicos sobre a saúde indígena sejam precários, podemos perceber que persistem altas taxas de adoecimento e morte por doenças evitáveis por boas práticas de atenção primária em saúde. A pouca efetividade do sistema de informações em saúde indígena dificulta o planejamento adequado das ações de saúde e o monitoramento de sua eficácia.
Entretanto, não seria justo deixar de citar os avanços e resultados obtidos ao longo da existência do SASI-SUS, particularmente o reconhecimento pelo poder público da necessidade de uma política de saúde específica para os povos indígenas, corrigindo assim uma iniquidade histórica. É necessário registrar que o Subsistema não é capaz, por si só, de equacionar as graves ameaças aos direitos indígenas e à sobrevivência desses povos. Seguramente, representa uma importante contribuição para a redução, embora incipiente, nos indicadores de morbimortalidade indígena que permanecem, entretanto, muito piores do que os da população brasileira como um todo.
A SASI-SUS, apesar das dificuldades apresentadas anteriormente, efetivou a extensão da cobertura das ações de saúde, a instalação de uma rede de cuidados, anteriormente inexistente em vários locais, um incremento numérico significativo na força de trabalho na saúde indígena e a implantação de instâncias de controle social (Conselhos Distritais e Locais de Saúde Indígena).
O desafio atual passa por constituir uma gestão diferenciada para o Subsistema com efetiva participação indígena, incluindo aí a articulação com as práticas tradicionais de cuidado e cura, além da qualificação dos profissionais que atuam diretamente junto aos povos indígenas, no interior de seus territórios.
Reflita sobre os desafios do SASI-SUS, e em qual seria seu papel enquanto agente transformador, trabalhando nesse contexto.
Agora que você já percorreu a trilha de aprendizagem pensada para essa unidade, convidamos você a responder a um questionário de múltipla escolha para sedimentar o conhecimento construído nesse percurso.
	
Referências
 
BRASIL. Fundação Nacional de Saúde. Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas. Brasília: [s.n.], 2002.
CONFALONIERI, U. O Sistema Único de Saúde e as populações indígenas: por uma integração diferenciada. Cad. Saúde Pública. Rio de Janeiro, v.5 (4), out-dez, 1989.
COSTA, D. C. Política indigenista e assistência à saúde: Noel Nutels e o serviço de unidades sanitárias aéreas. Cad. Saúde Pública. Rio de Janeiro, v.3 (4), out-dez., 1987. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-311X1987000400003&script=sci_arttext . Acesso em: 22 mai. 2014.
DAVIS, H. S.; MENGET, P. Povos Primitivos e Ideologias Civilizadas no Brasil. In: JUNQUEIRA, C.; CARVALHO, E. A. (Org.). Antropologia e Indigenismo na América Latina. São Paulo: Cortez, 1981.
DAVIS, S. H. As vítimas do Milagre: O desenvolvimento e os índios no Brasil. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1978.
GARNELO, L; PONTES, A. L. (orgs.). Saúde Indígena: uma introdução ao tema. [S.I.]: MEC-SECADI, 2012. p. 19-58. (Coleção Educação para todos).
HEMMING, J. Ouro vermelho: A conquista dos índios brasileiros. São Paulo: EDUSP, 2007.
IBGE. Censo 2010. [S.I.: s.n.], [2010].
____. Censo indígena. [S.I.: s.n.], 2010.
PAIVA, C. H. A. A saúde pública em tempos de burocratização: o caso do médico Noel Nutels. História, Ciências, Saúde: Manguinhos. Rio de Janeiro, v. 10(3), p. 827-51, set-dez, 2003.
PEREIRA, M. L. G.; MAQUINÉ, A. L. Financiamento do Subsistema de Saúde Indígena nos Planos Plurianuais (PPA) no Brasil. Manaus, 2013. Disponível em: www.politicaemsaude.com.br/anais/orais_painel/029.pdf . Acesso em: 22 mai. 2014.
RODRIGUES, D. Saúde e Doença entre os Panará, povo indígena amazônico de recente contato 1975 – 2007. Tese de Doutorado. UNIFESP, 2013.
SAPPER, K; KROEBER, A; HEMMING, J. Handbook of American Indians. Washington DC: Smithsonian Institute, 1946.
SELAU, M. G. A Política Indigenista Governamental: aspectos políticos e administrativos da ação médico-sanitária entre as populações indígenas brasileiras. Brasília: MIMEO. Relatório de pesquisa para o CNPq, 1992.
 
 
	►
	Tema 3 - O controle Social na Saúde indígena: pontos para reflexão
	
	Autor: Douglas Rodrigues
 
Prezado Estudante,
Nesse texto propomos inicialmente que conheça as instâncias do controle social na saúde indígena e suas bases legais. Posteriormente faremos uma reflexão sobre a participação dos indígenas nos órgãos colegiados de controle social do SUS e a relação com a organização social e o exercício do poder nas sociedades indígenas.
Observe que nossa proposta é dialogar exclusivamente sobre o Controle Social na Saúde Indígena, no entanto, se desejar conhecer o controle social na saúde (SUS), você poderá consultar os materiais disponíveis no site http://conselho.saude.gov.br/
Para aprofundar seu conhecimento, não deixe de acessar os materiais complementares e a legislação sobre os povos indígenas.
Vamos começar?
 
1) Bases legais do Controle Social na Saúde Indígena
 
A criação do subsistema de saúde indígena dentro do SUS foi consolidada pela Lei 9836, de 1999. A referência ao controle social, nessa lei, é genérica, como podemos constatar nos artigos abaixo:
 
· Art. 19-B. É instituído um Subsistema de Atenção à Saúde Indígena, componente do Sistema Único de Saúde – SUS, criado e definido por esta Lei, e pela Lei no 8.142, de 28 de dezembro de 1990, com o qual funcionará em perfeita integração. (BRASIL, 1999)
Art. 19-H. As populações indígenas terão direito a participar dos organismos colegiados de formulação, acompanhamento e avaliação das políticas de saúde, tais como o Conselho Nacional de Saúde e os Conselhos Estaduais e Municipais de Saúde, quando for o caso. (BRASIL, 1999)
 
A redação da Lei, no que diz respeito ao controle social, não avança para a especificidade do subsistema, apenas remete a participação indígena aos órgãos colegiados de controle social do SUS (Conselho Nacional de Saúde e Conselhos Estaduais e Municipais de Saúde), sem referência específica a ele. Além disso, essa participação é condicionada pela expressão "quando for o caso", como vimos acima.
 
Encontramos a primeira referência aos Conselhos Locais e Distritais de Saúde indígena na Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas, aprovada mediante portaria ministerial de 2002:
· A participação indígena deverá ocorrer em todas as etapas do planejamento, implantação e funcionamento dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas, contemplando expressões formais e informais.
Essa participação dar-se-á especialmente por intermédio da constituição de Conselhos Locais e Distritais de Saúde Indígena; por Reuniões Macrorregionais; pelas Conferências Nacionais de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas e Fórum Nacional sobre a Política de Saúde Indígena e pela presença de representantes indígenas nos Conselhos Nacional, Estaduais e Municipais de Saúde. (BRASIL, 2002)
E ainda:
· Os Conselhos Locais de Saúde serão constituídos pelos representantes das comunidades indígenas da área de abrangência dos Polos Base, incluindo lideranças tradicionais, professores indígenas, agentes indígenas de saúde, especialistas tradicionais, parteiras e outros. (BRASIL, 2002)
Os Conselhos Distritais de Saúde são instâncias permanentes de Controle Social, de caráter deliberativo e constituídos de acordo com a Lei nº 8.142/90, observando, em sua composição, a paridade de 50% de usuários e 50% de organizações governamentais, prestadores de serviços e trabalhadores do setor de saúde dos respectivos distritos. (BRASIL, 2002)
 
O mesmo documento busca marcar a especificidade ao afirmar que:
· Todos os povos que habitam o território distrital deverão estar representados entre os usuários. Aos conselheiros que não dominam o portuguêsdeve ser facultado o acompanhamento de intérprete. (BRASIL, 2002)
Refere-se à participação indígena nos conselhos municipais, estaduais e nacional de saúde:
· [...] Como forma de promover a articulação da população indígena com a população regional na solução de problemas de saúde pública, deve ser favorecida a participação de seus representantes nos Conselhos Municipais de Saúde.
Deve ser ainda estimulada a criação de Comissões Temáticas ou Câmaras Técnicas, de caráter consultivo, junto aos Conselhos Estaduais de Saúde, com a finalidade de discutir formas de atuação na condução da Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas.
O Controle Social, no âmbito nacional, será exercido pelo Conselho Nacional de Saúde, assessorado pela Comissão Intersetorial de Saúde Indígena – CISI, já existente e em funcionamento. (BRASIL, 2002)
E finaliza referindo-se às conferências nacionais de saúde:
· As Conferências Nacionais de Saúde dos Povos Indígenas deverão fazer parte das Conferências Nacionais de Saúde e obedecerão à mesma periodicidade. (BRASIL, 2002)
Em 2012, a portaria ministerial 755/2012, dispõe sobre a organização do controle social no Subsistema de Saúde Indígena, criando três instâncias permanentes, a saber:
· . Conselhos Locais de Saúde Indígena – somente com indígenas, de caráter consultivo;
· . Conselhos Distritais de Saúde Indígena – paritário entre indígenas (50%), gestores (25%), e trabalhadores (25%), de caráter deliberativo;
· . Fórum Nacional de Presidentes de Conselhos Distritais de Saúde Indígena – formado pelos 34 presidentes dos Conselhos Distritais de Saúde Indígena, de caráter consultivo.
 
 
2) A participação indígena nas instâncias institucionais do controle social na saúde
Ao abordarmos a questão dos usuários indígenas nas instâncias de controle social do SUS, é importante que observemos alguns aspectos que consideramos chave para que essa participação seja mais efetiva e democrática. Várias são as definições de controle social. Uma bastante ampla e interessante é a que encontramos na REBIDIA[8]:
· Controle social é a capacidade que tem a sociedade organizada de intervir nas políticas públicas, interagindo com o Estado na definição de prioridades e na elaboração dos planos de ação dos municípios, estado ou governo federal. (REBIDIA, s/d)
Os requisitos mínimos para a existência do controle social seriam, portanto, o exercício pleno da cidadania, a organização da sociedade e a existência de organismos de representação. Entretanto, em nossa sociedade, as assimetrias existentes nas relações sociais dificultam a efetiva participação social (GUIZARDI; PINHEIRO, 2006).
· (...) as leis tornam-se instrumentos privados incapazes de forjar uma arena pública, marcada pela afirmação igualitária, mesmo que apenas em sua apropriação formal. (GUIZARDI; PINHEIRO, 2006)
Segundo Mercio Meira (2008), "a política diz respeito ao poder e sua distribuição entre os homens" e este poder é exercido de formas diferentes em sociedades igualitárias (como são as sociedades indígenas, sociedades sem Estado) e em sociedades não igualitárias (o caso da nossa sociedade, sociedades com Estado).
Alguns antropólogos, entre eles Pierre Clastres, utilizam os termos poder coercitivo, para aquele que seria exercido pelo Estado, que pressiona os indivíduos para a obediência, e poder não coercitivo, persuasório, como o exercido nas sociedades sem Estado, tendo como exemplo as sociedades indígenas.
Ainda segundo Clastres, o poder não coercitivo teria três características principais: as relações de parentesco; a generosidade e distribuição de bens; e a oratória, o dom da palavra.
Outro aspecto importante: as mudanças no exercício do poder nas sociedades indígenas, provocadas pelo contato interétnico resultante da colonização. Desde as missões, passando pelo SPILTN (Serviço de Proteção aos Índios e Localização de Trabalhadores Nacionais) e FUNAI, alguns índios, normalmente jovens e homens, passaram a exercer um novo tipo de poder, resultante de sua capacidade de conseguir (e distribuir) bens dos não índios. Mais recentemente novos atores surgem. A formação de professores, agentes de saúde e outras tantas "especializações" assalariadas conformam um novo ator "representante indígena" que, entretanto, para se legitimar junto aos seus, tem de obedecer aos princípios tradicionais que regulam o exercício do poder local. Devem, por outro lado, ater-se às regras e regimentos do controle social "oficial" da saúde, levando uma prática "mista" de representação para dentro dos conselhos.
 
Procure conhecer como se dá a distribuição de poder nas comunidades indígenas que você conhece.
Garnelo e Sampaio (2003) estudaram o conteúdo de reuniões dos conselhos distritais de saúde da região norte do Brasil, reuniões da Comissão Intersetorial de Saúde Indígena do Conselho Nacional de Saúde, de associações indígenas e encontros preparatórios para a III Conferência Nacional de Saúde Indígena e concluíram que as características da organização das sociedades indígenas têm reflexos significativos no controle social da saúde por parte dos representantes indígenas, com as seguintes observações (GARNELO; SAMPAIO, 2003):
a) São diferentes as representações do segmento de usuários indígenas e dos demais segmentos dos conselhos de saúde indígena, tendo em vista que os primeiros têm como referência os mecanismos de exercício do poder não coercitivo, característico das sociedades sem Estado, e os últimos do poder coercitivo, advindo da organização social com base no Estado democrático;
b) As representações indígenas, coerentes com sua organização social, priorizam seu grupo de parentesco, pois são pressionadas a distribuir os bens que vêm do sistema de saúde: remédios, postos de saúde, barcos, carros, motores, combustível, salários; isso conflita com os parâmetros do planejamento da saúde, calcados nas necessidades epidemiológicas, regionalização e hierarquização dos serviços de saúde, territorialização, entre outros;
c) A questão da autossuficiência de cada aldeia, de cada grupo familiar, característica valorizada nas sociedades indígenas, faz com que cada uma delas queira controlar todos os meios necessários à sua reprodução social, o que pode conflitar com parâmetros de hierarquização e de níveis crescentes de complexidade que norteiam o SUS.
Queremos nosso posto de saúde, nosso hospital, nossos profissionais brancos
...
d) As representações socioculturais das doenças no mundo indígena extrapolam o campo da saúde, e as experiências vividas pelos índios, que diferem das formas com que a biomedicina e a saúde pública assistem à doença e às comunidades, (campanhistas, curativas, médico-centradas, medicalizantes, tecnologizantes), seguramente interferem nos posicionamentos dos representantes indígenas nos conselhos.
Para concluir, precisamos refletir sobre a adequação dos espaços institucionais do controle social na saúde no que se refere à participação indígena. Sem diminuir a importância dos marcos legais do controle social, queremos chamar a atenção para o fato de que se a Lei garante o espaço de participação e suas regras (paridade, poder deliberativo), ela não pode prejudicar ou restringir a forma de representação tradicional dos povos indígenas. Ao contrário, sua operacionalização deve adequar-se a ela. Para isso, devemos entender como se estabelecem as relações de poder nas sociedades indígenas.
 
Figura 8: Índio Kayapó lendo um dos projetos de Constituição elaborado pelos parlamentares constituintes.
Fonte: foto de Guilherme Rangel/ADIRP.
 
 
 Reflita sobre como um profissional de saúde indígena pode contribuir no controle social da saúde em nível local/distrital.
Agora que você já percorreu a trilha de aprendizagem pensada para essa unidade, convidamos você a responder a um questionário de múltipla escolha para sedimentar o conhecimento construído nesse percurso.
	 
  
 
Referências
 
BRASIL. Fundação Nacional de Saúde. Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas, Brasília: [s.n.], 2002.
BRASIL. Lei nº 9.836, de 23 desetembro de 1999. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Legislativo, Brasília, DF, 24 set. 1999. p. 1.
CLASTRES P. A sociedade contra o estado: pesquisas de antropologia política. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1978.
GARNELO, L.; SAMPAIO, S. Bases socioculturais do controle social em saúde indígena: problemas e questões da região norte do Brasil. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, n. 19 (1), p.311-317, jan-fev. 2003.
GOMES, M. P. Antropologia. São Paulo: Editora Contexto, 2008. p. 115.
GUIZARDI, F. L.; PINHEIRO, R. Dilemas culturais, sociais e políticos da participação dos movimentos sociais nos Conselhos de Saúde. Ciênc. saúde coletiva, [S.l.], v.11, n.3, p.797-805, set. 2006.
REBIDIA. Rede Brasileira de informação e documentação sobre a infância e adolescência. Disponível em: www.rebidia.org.br. Acesso em: 21 mai. 2014.
 
© 2013 - 2017 Universidade Federal de São Paulo - Unifesp
Rua Sena Madureira, 1500 - São Paulo - SP  CEP: 04021-001

Continue navegando