Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
GOVERNO FEDERAL MINISTÉRIO DA JUSTIÇA E SEGURANÇA PÚBLICA SECRETARIA NACIONAL DE POLÍTICAS SOBRE DROGAS SECRETÁRIO NACIONAL Luiz Roberto Beggiora DIRETOR DE POLÍTICAS PÚBLICAS E ARTICULAÇÃO INSTITUCIONAL Gustavo Camilo Baptista DIRETOR DE GESTÃO DE ATIVOS Giovanni Magliano Junior CONTEUDISTAS Carlos Timo Brito Anselmo Milhomem Franco Juliana Rattes Cardoso Queiroz Joao Batista Abranches da Silva José do Nascimento Rêgo Martins REVISÃO DE CONTEÚDO Fernando de Almeida Lopes Denise de Carvalho Pires Diego da Silva Rodrigues Eurides Branquinho da Silva Fernanda Flavia Rios dos Santos José do Nascimento Rêgo Martins APOIO Ana Carolina Pastorino Magalhães Cassia Rosa da Silva Daphne Sarah Gomes Jacob EXPEDIENTE Baixe o aplicativo Zappar no seu celular ou tablet REALIDADE AUMENTADA (RA) Nas páginas deste material encontram-se códigos como este ao lado que dão acesso a conteúdos extras. Para visualizá-los, baixe o aplicativo Zappar no seu celular ou tablet e enquadre os códigos no aplicativo (você precisa ter conexão à internet). Todo o conteúdo da Capacitação em Política Nacional sobre Drogas está licenciado sob a Licença Pública Creative Commons Atribuição- Não Comercial- Sem Derivações 4.0 Internacional. Para visualizar uma cópia desta licença, acesse: https://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0/deed.pt_BR BY NC ND UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA SECRETARIA DE EDUCAÇÃO À DISTÂNCIA (SEAD) SECRETÁRIO DE EDUCAÇÃO À DISTÂNCIA Luciano Patrício Souza de Castro labSEAD COORDENAÇÃO GERAL Luciano Patrício Souza de Castro FINANCEIRO Fernando Machado Wolf CONSULTORIA TÉCNICA EAD Giovana Schuelter COORDENAÇÃO DE PRODUÇÃO Francielli Schuelter COORDENAÇÃO DE AVEA Andreia Mara Fiala SECRETARIA Caroline da Rosa Gabriela Cassiano Abdalla SUPORTE TÉCNICO Dalmo Tsuyoshi Venturieri Wilton Jose Pimentel Filho DESIGN INSTRUCIONAL Supervisão: Milene Silva de Castro Danrley Mauricio Vieira Márcia Melo Bortolato Marielly Agatha Machado DESIGN GRÁFICO Supervisão: Fabrício Sawczen Heliziane Barbosa Juliana Jacinto Teixeira Luana Pillmann de Barros Vinicius Alves Jacob Simões REVISÃO TEXTUAL Supervisão: Cleusa Iracema Pereira Raimundo Isadora da Silveira Calônicow PROGRAMAÇÃO Supervisão: Luiz Fernando Schiestl Alexandre Cleberton de Souza Oliveira Thiago Assi AUDIOVISUAL Supervisão: Rafael Poletto Dutra Fabíola de Andrade Luiz Felipe Moreira Silva Oliveira Renata Gordo Corrêa Rodrigo Humaita Witte SUMÁRIO Unidade 1 | INTRODUÇÃO AO ESTUDO DA POLÍTICA NACIONAL SOBRE DROGAS 1.1 Principais noções e conceitos 1.2 Aspectos históricos, sociais, econômicos e culturais das drogas 15 15 APRESENTAÇÃO REFERÊNCIAS 13 75 1.3 As drogas no Brasil e no mundo Unidade 2 | O REGIME INTERNACIONAL DE CONTROLE DE DROGAS 2.1 Principais organizações intergovernamentais de controle de drogas 2.2 Principais normas internacionais de controle de drogas 41 43 Unidade 3 | LEGISLAÇÃO NACIONAL 3.1 Histórico 3.2 Normativos essenciais: leis e decretos 61 61 20 31 49 67 MÓDULO 1 11 Unidade 1 | O SISTEMA DE POLÍTICAS PÚBLICAS Unidade 2 | SISNAD: ASPECTO NORMATIVO E ANÁLISE ESPECÍFICA DAS SEÇÕES NA LEI Nº 11.343/2006 1.1 As políticas públicas – contexto geral 2.1 O Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (SISNAD): estrutura e nível de atuação 1.2 A pactuação como forma de articulação interfederativa 2.2 O propósito do SISNAD de articular, integrar, organizar e coordenar as atividades relacionadas com a prevenção do uso indevido 2.3 A proposta de atenção e de reinserção social de usuários e dependentes químicos 85 85 99 99 1.3 A proposta de formulação de políticas públicas sobre drogas APRESENTAÇÃO 83 87 93 107 103 MÓDULO 2 81 Unidade 3 | A REGULAMENTAÇÃO DO SISNAD E O FUNCIONAMENTO DO CONAD E DOS CONENS 113 Unidade 4 | O SISNAD NA PRÁTICA E A PARTICIPAÇÃO CIDADÃ E DA SEGURANÇA PÚBLICA NO SISTEMA 3.1 A regulamentação do SISNAD 3.2 O Conselho Nacional de Política sobre Drogas (CONAD) de acordo com o Decreto nº 9.926/2019 4.1 O SISNAD na prática 4.2 A participação cidadã no SISNAD 3.3 A estrutura e atuação dos Conselhos de Políticas sobre Drogas Estaduais incluindo o Distrital Federal 4.3 O SISNAD e a segurança pública 137 113 128 120 137 138 140 REFERÊNCIAS 147 MÓDULO 3 Unidade 1 | INTRODUÇÃO À GESTÃO DE ATIVOS Unidade 2 | LEGISLAÇÃO E NORMAS COMPLEMENTARES 1.1 Principais conceitos 2.1 Análise da Lei n° 11.343/2006 1.2 Atores estratégicos: policiais, juízes, SENAD, gestores estaduais, leiloeiros, entre outros 2.2 Análise da Lei n° 7.560/1986 2.3 Decreto n° 9.662/2019 155 155 177 177 165 2.4 Análise da Lei n° 13.886/2019 2.5 Análise do manual SENAD e das normas internas que regulam o repasse de valores às polícias apreensoras 2.6 Doação e a incorporação de bens em favor de atores externos APRESENTAÇÃO 153 181 185 188 193 193 151 Unidade 3 | A SENAD E A GESTÃO DE ATIVOS Unidade 4 | COMPETÊNCIAS DOS ATORES ENVOLVIDOS NA GESTÃO DE ATIVOS 3.1 Da apreensão à destinação 4.1 Juízes 3.2 Visão completa e detalhada do processo necessário à adequada destinação de um bem apreendido 197 198 227 227 199 4.2 Gestores estaduais 4.3 Policiais 4.4 Leiloeiros 232 235 236 REFERÊNCIAS 239 3.3 Ações de comunicação, trânsito de dados, documentação necessária 3.4 Gerência e cadastro de ativos 3.5 Avaliação e logística de recolhimento de bens para cada tipo de destinação 3.6 Separação de lotes para venda, laudo de avaliação, elaboração de editais e publicidade 3.7 Recolhimento de valores arrecadados, repasses financeiros, entre outras tarefas inerentes ao processo 206 207 213 216 217 Unidade 1 | TECNOLOGIAS DE IDENTIFICAÇÃO DE USO DE DROGAS Unidade 2 | DESENVOLVIMENTO ALTERNATIVO 1.1 Uso do etilômetro, conhecido também como bafômetro 2.1 Desenvolvimento alternativo integral e sustentável 1.2 O drogômetro, aparelho que detecta o uso de drogas em condutores 2.2 Desenvolvimento alternativo urbano 245 245 262 261 APRESENTAÇÃO 243 249 269 Unidade 3 | SISTEMA DE ALERTA RÁPIDO SOBRE DROGAS 3.1 Os sistemas de alerta rápido sobre drogas no âmbito das Américas 3.2 A PNAD e a criação do Sistema Brasileiro de Alerta sobre Drogas 274 273 278 MÓDULO 4 241 Unidade 4 | LÓGICA INTERSISTÊMICA Unidade 5 | ORGANIZAÇÕES DE REPRESSÃO AO TRÁFICO DE DROGAS 4.1 O SISNAD em lógica intersistêmica com o SUSP e o SISBIN 5.1 Orgãos nacionais e internacionais que atuam no Brasil 4.2 O SISNAD em lógica intersistêmica com o SUS, o SUAS e o SINASE 5.2 As corporações ligadas à segurança pública e suas competências 287 290 307 307 REFERÊNCIAS 332 299 314 Unidade 6 | ESTRATÉGIAS DE CONTROLE, REDUÇÃO DA OFERTA E REPRESSÃO À PRODUÇÃO NÃO AUTORIZADA E AO TRÁFICO ILÍCITO DE DROGAS 6.1 Normas internacionais como fonte de estratégia para o controle e redução da oferta 6.2 Exemplos de ações integradas de repressão 319 319 323 Módulo 1 ELEMENTOS CONCEITUAIS, CONTEXTUAIS E NORMATIVOS Curso CaPtaNDo MÓDULO 1 - ELEMENTOS CONCEITUAIS, CONTEXTUAIS E NORMATIVOS 13 APRESENTAÇÃO RA Olá, cursista! Seja bem-vindo ao nosso primeiro módulo de estudos. Nós projetamos este módulo para tratar, em linhas gerais, da pro- blemática das drogas sob os aspectos conceituais, históricos, so- ciais, econômicos e culturais, buscando respostas para perguntas essenciais, como: O que são drogas? Por que as pessoas consomem drogas? Por que a comunidade internacional começou a controlar as drogas? Por que algumas drogas são lícitas e outras são ilícitas? Quais são as principais normas que regulam as drogas no Brasil? Por fi m, vamos apresentar também elementos normativos que fundamentam a Política Nacional sobre Drogas e apresentar os marcos normativos de controle de drogas que compõem as estruturas nacional, regional (interamericana) e internacional de controle de drogas, refl etindo sobre o que isso signifi ca para o Brasil. Oque você aprenderá neste primeiro módulo do curso será fundamental para o entendimento dos conteúdos dos módulos seguintes. Enquadre no seu celular ou tablet o código de REALIDADE AUMENTADA do aplicativo Zappar para assistir ao vídeo de Gustavo Camilo Baptista, Diretor de Políticas Públicas e Articulação Institucional da SENAD. Objetivos do módulo } Descrever as noções e conceitos mais essenciais relacionados à Política Nacional sobre Drogas. } Examinar os aspectos históricos, sociais, econômicos e culturais da problemática das drogas. } Identifi car o regime internacional de controle de drogas. } Identifi car a legislação nacional, regional e internacional que fundamentam a Política Nacional sobre Drogas (PNAD). Curso CaPtaNDo MÓDULO 1 - ELEMENTOS CONCEITUAIS, CONTEXTUAIS E NORMATIVOS 15 Unidade 1 INTRODUÇÃO AO ESTUDO DA POLÍTICA NACIONAL SOBRE DROGAS Nesta unidade, a proposta é apresentar as principais noções e conceitos relacionados às drogas; examinar e discutir os aspectos históricos, sociais, econômicos e culturais da problemática das drogas; e, por fim, conhecer as principais normas internacionais e nacionais que fundamentam a Política Nacional sobre Drogas. 1.1 Principais noções e conceitos A análise etimológica do termo “droga” indica que ele vem da palavra holandesa droog, utilizada durante a Idade Média, tornando-se mais popular quando foi incorporada pelo idioma francês, antigo drogue, e, mais recentemente, pelo inglês drug. Do francês e inglês, foi incor- porado por outros idiomas vizinhos e, quando o inglês se tornou uma língua franca, esse termo tornou-se reconhecido internacionalmente. Conforme o dicionário Oxford Acadêmico (2020), os termos droog, drogue e drug referiam-se, originalmente, a “produtos secos”, em especial às folhas secas de plantas empregadas como fármacos (remédios) consumidos desde os primórdios das sociedades modernas. O termo “droga” é, portanto, genérico e comumente empregado para definir um vasto conjunto de substâncias naturais (de origem animal, vegetal ou mineral) ou sintéticas que podem gerar alterações fisiológicas ao serem introduzidas no organismo. Diversos termos têm sido utilizados como sinônimos de droga, tais como: narcótico, psicotrópico e tóxico, entre outros. Porém, existe grande grau de imprecisão na utilização desses termos. Veja a seguir: Refere-se à toxicidade de alguma substância, porém, uma mesma substância psicoativa pode ser considerada um medicamento quando utilizada em baixa dosagem. Tóxico Curso CaPtaNDo MÓDULO 1 - ELEMENTOS CONCEITUAIS, CONTEXTUAIS E NORMATIVOS16 Psicotrópico Trata-se de uma terminologia excessivamente genérica, pois diz respeito somente às substâncias que exercem ação no cérebro. Todos estes termos fazem alusão a substâncias que podem provocar alterações físicas, psíquicas e/ou comportamentais. Por conta disso, dizemos que a palavra “droga” é polissêmica, isso significa que ela possui muitos significados e reúne várias definições, empregos e conotações. Em sentido amplo, uma droga é qualquer substância que tenha efeitos bioquímicos na mente ou no corpo. No entanto, em sentido restrito coloquial, o termo droga adquiriu um significado negativo ao referir-se a substâncias que atuam no sistema nervoso (substâncias psicoativas), incluindo sedativos, psicodélicos, hipnóticos ou alucinógenos, que podem causar dependência química e estão vinculadas, em regra, a determinadas subculturas e estilos de vida. É um termo mais comum no idioma inglês, relaciona-se a alguns subtipos de substâncias psicoativas, mas pode também fazer alusão tanto a medicamentos quanto a drogas de abuso. Veja que ainda podemos tratar o termo “droga” no sentido restrito farmacológico: a cafeína, a nicotina e o álcool são drogas, assim como a cocaína e a heroína. Como você entende as semelhanças e as diferenças entre essas substâncias? Para Pensar No uso popular, diversas drogas ganharam significados particulares, relacionando-se a uma variedade de contextos socioculturais, religiosos e profissionais. Temos como exemplo o chá de Ayahuasca, também conhecido como Santo Daime, que consiste na infusão do Cipó Ba- nisteriopsis e as folhas do arbusto Psycotria viridis, e está diretamente relacionado, ainda nos dias de hoje, como parte do ritual religioso de diferentes povos indígenas, mas foi incorporado por outras civilizações. Narcótico Curso CaPtaNDo MÓDULO 1 - ELEMENTOS CONCEITUAIS, CONTEXTUAIS E NORMATIVOS 17 Bebida de Ayahuasca. Foto: © [Eskymaks] / Adobe Stock. Segundo Callaway et al. (1999), Callaway et al. (1994) e Sternbach (1991), citados por Costa, Figueiredo e Cazenave (2005), esse chá pode causar efeitos nocivos ao organismo, tais vômito, diarreia e desidratação, além de síndrome serotoninérgica, que é a consequência mais grave dessa utilização. Saiba Mais Você viu como a utilização de substâncias depende diretamente da relação histórica e social que determinados grupos desenvolvem? Para conhecer mais detalhes da história da Ayahuasca, leia o artigo “Ayahuasca: uma abordagem toxicológica do uso ritualístico” (disponível em: http://lab.sead.ufsc.br/ captM10). Assim, muitas substâncias podem ser consideradas drogas ilícitas em alguns lugares, mas lícitas em outros; podem ter sido utilizadas em rituais em determinadas épocas, mas perdido a tradição ao longo do tempo, ou até mesmo serem consideradas drogas de acordo com a quantidade ou função, como o caso da morfina e a cocaína. É importante reiterar que o termo droga passou a fazer alusão a substâncias psicoativas ilícitas somente a partir do século passado. Nesse sentido, atualmente, a heroína é uma droga ilegal, ao passo que a morfina é um medicamento amplamente usado no mundo, de forma legal. Ambas as substâncias são produtos da síntese da mesma substância, o ópio, extraído da papoula (papaver somniferum). Curso CaPtaNDo MÓDULO 1 - ELEMENTOS CONCEITUAIS, CONTEXTUAIS E NORMATIVOS18 Assim, podemos dizer que a palavra droga adquire um significado ambíguo, podendo aludir tanto a medicamentos essenciais e benéficos quanto a substâncias potencialmente viciantes, perigosas e prejudiciais. No entanto, as drogas são mais aceitas socialmente quando são for- necidas como medicamentos, para fins terapêuticos e dissociadas de práticas culturais, religiosas ou recreativas. De maneira generalizada, as drogas consideradas substâncias psicoativas são aquelas utilizadas para produzir alterações nas sensações, no grau de consciência ou no estado emocional, de forma intencional ou não. As alterações causadas por essas substâncias variam de acordo com as características da pessoa que as usa, de qual droga é utilizada, em que quantidade, do efeito que se espera e das circunstâncias em que ela é consumida. Na sociedade brasileira, coloquialmente, o termo droga refere-se a algumas substâncias extremamente perigosas do ponto de vista da saúde física e mental individual. No sentido amplo, drogas referem-se a produtos ilegais, como a maconha, a cocaína e o crack. Porém, do ponto de vista da saúde individual e coletiva, substâncias legalizadas são igualmente perigosas, como o álcool, que pode desestruturar familias e até mesmo causar acidentes de trânsito. Como você reflete acerca da legalização de certas substâncias em detrimento de outras, considerando os possíveis efeitos nocivos? Para Pensar Com efeito, esse numeroso e complexo conjunto de drogas pode ser classificado de várias maneiras, confira: Propósito Medicinais Recreativas } } Curso CaPtaNDo MÓDULO 1 - ELEMENTOS CONCEITUAIS, CONTEXTUAIS E NORMATIVOS 19 Efeito no organismo (sistema nervoso central) Depressoras (álcool, solventes, barbitúricos, benzodiazepínicos, ansiolíticos e opiáceos) Estimulantes (anfetaminas, cocaína e cafeína) Perturbadoras (LSD, mescalina a anticolinérgicos) } } } Fonte Vegetal Animal Mineral Semissintética Sintética } } } } } Situação normativaLegal Ilícita Controlada } } } As drogas podem, ainda, ser classificadas conforme o potencial de dano. Nesse contexto, há drogas extremamente maléficas ao organismo, mas lícitas e culturalmente aceitáveis na maioria dos países, como o álcool. Há drogas que não se enquadram perfeitamente em nenhuma classificação, é o caso da maconha: a depender do organismo, ela pode ser depressora ou perturbadora, em termos de efeitos no organismo; ou o ecstasy, que pode ser estimulante ou perturbador, dependendo do usuário. Há também o cloridrato de sertralina, um medicamento antidepressivo que pode gerar tanto efeitos psicoativos estimulantes quanto perturbadores. Curso CaPtaNDo MÓDULO 1 - ELEMENTOS CONCEITUAIS, CONTEXTUAIS E NORMATIVOS20 Todas essas três substâncias podem produzir alucinações, notadamente em casos de uso intenso ou por usuários inexperientes. As várias classifi- cações mencionadas acima têm influenciado a configuração dos sistemas nacionais e internacional de controle de drogas no decorrer do tempo. Você deve ter percebido que a temática da droga é extremamente complexa, tal como o é qualquer assunto que dispõe de ambiguidades intrínsecas, a exemplo da energia nuclear, que pode ser uma excelente fonte de energia, mas também pode ser a mais destruidora das armas. Drogas podem ser medicamentos indispensáveis para tratamentos variados, mas também podem ser substâncias que causam impactos extremamente prejudiciais sobre indivíduos, famílias, comunidades e sociedades. Como você reflete acerca dessa ambiguidade tão recorrente nesse tema? Para Pensar Por causa desse potencial nocivo, as drogas imprescindem de uma governança atenciosa em vários níveis, sob pena de resultarem em graves danos se deixadas sem controles. Uma forma tradicional de os países lidarem com isso é por meio da implantação de políticas públicas, no caso, políticas públicas sobre drogas. Nesse contexto inicial, este curso buscará explorar exatamente os aspectos mais importantes das políticas públicas brasileiras sobre drogas, com ênfase na Política Nacional sobre Drogas (PNAD), com destaque na gestão de ativos oriundos do narcotráfico e em temas emergentes no domínio da redução da oferta de drogas. Antes, porém, é importante conhecer diversos aspectos – históricos, sociais, econômicos e culturais – das drogas enquanto tema de interesse público. Continue seus estudos e acompanhe as discussões a seguir! Políticas públicas: Política pública é um conjunto de decisões, iniciativas e ações governamentais realizadas pela administração pública para oferta de serviços e soluções de problemas de interesse público. Glossário 1.2 Aspectos históricos, sociais, econômicos e culturais das drogas O uso e abuso de drogas é tão antigo quanto a própria humanidade. Há evidências de que os seres humanos fazem uso de substâncias psicoativas desde a Pré-História, normalmente para alterarem o estado mental diante da dor, do desconhecido e das tensões e medos diante de conflitos. Curso CaPtaNDo MÓDULO 1 - ELEMENTOS CONCEITUAIS, CONTEXTUAIS E NORMATIVOS 21 As matérias-primas de duas das mais conhecidas drogas ilícitas con- temporâneas, maconha e a heroína, provavelmente tiveram origem e começaram a ser extraídas e consumidas por humanos na extensa área que vai da Ásia Central à África Setentrional no Paleolítico, ou Idade da Pedra Lascada, que começou há aproximadamente 2,5 mi- lhões de anos e seguiu até 10.000 a.C. A matéria-prima da cocaína originou-se no próprio subcontinente sul-americano em tempos imemoriais e há indícios de uso de suas folhas por comunidades andinas desde 8.000 a.C. Diferentes tipos de Cannabis já eram empregados por comunidades asiáticas há pelo menos 10 mil anos para fins variados, seja para fabricação de uten- sílios a partir das fibras da planta, seja como matéria-prima para unguentos, chás e fumo. Já o cultivo dessas plantas provavelmente iniciou-se entre 5.000 e 1.500 a.C. Saiba Mais Caso se interesse por leituras sobre a história das drogas, há diversos artigos de excelente qualidade disponíveis em repositórios on-line de acesso livre. Sugerimos a leitura dos textos: “Cocaína: lendas, história e abuso” (disponível em: http://lab.sead.ufsc.br/captM11), “Uma breve história do ópio e dos opióides” (disponível em: http://lab.sead.ufsc.br/captM12 ) e “História da cannabis como medicamento: uma revisão” (disponível em: http://lab.sead.ufsc.br/captM13). As drogas eram também amplamente utilizadas em rituais religiosos, sendo importante elemento da cultura social. Veja, a seguir, os de- talhes da história do ópio. Registro histórico de uso de drogas. Matéria-prima da maconha Origem: Ásia Central à África Setentrional no Paleolítico Registro: consumidas desde o período Paleolítico Matéria-prima da heroína Origem: Ásia Central à África Setentrional no Paleolítico Registro: consumidas desde o período Paleolítico Matéria-prima da cocaína Origem: subcontinente sul-americano Registro: consumidas por comunidades andinas desde 8.000 a.C. Matéria-prima da maconha Origem: fabricação de utensílios a partir das fibras da planta e matéria-prima para unguentos, chás e fumo Registro: 10 mil anos Cannabis Sativa CannabisPapaver Somniferum Erythroxylum Coca Curso CaPtaNDo MÓDULO 1 - ELEMENTOS CONCEITUAIS, CONTEXTUAIS E NORMATIVOS22 1.2.1 O ópio e opioides O ópio é uma substância extraída da papoula cujo efeito é analgé- sico, narcótico e hipnótico, chamamos de opiáceos as substâncias naturais presentes na papoula (Papaver Somniferum). Os opioides levam esse nome por terem sido produzidos a partir do ópio, uma substância extraída da papoula cujo efeito é analgésico, narcótico e hipnótico, mas que hoje são produzidos de forma sintética, com efeitos similares aos dos opiáceos. Duarte (2005), ao explorar a história do ópio e dos opioides, identifica a forte relação entre o consumo de drogas e algumas das principais religiões monoteístas, como o judaísmo, o cristianismo e o isla- mismo. Na origem da palavra, ópio é uma denominação grega que significa suco. Daí deriva a denominação hebraica ophion, que aparece no Talmude. Na Bíblia, segundo alguns estudiosos do assunto, há referências ao ópio com a denominação de rôsh. Contudo, pelo menos em uma das traduções portuguesas da Bíblia, há menção à água de fel (Jer VIII-14 e Jer IX-15), descrita como produto de uma planta conhecida como dormideira (BUCKLAND; WILLIAMS, 1929), um nome popular dado à papoula. É importante assinalar que essa substância foi utilizada sem nenhuma conotação prazerosa. Ao contrário, foi dada pelo Senhor como um castigo pela apostasia do povo de Israel. Lê-se em Jeremias (Jer IX-15): “Isto diz o Senhor dos Exércitos, o Deus de Israel: alimentarei este povo com absinto e dar-lhe-ei a beber água de fel’. (...) O ópio, que era denominado pelos árabes af-yun, era para Avicena, um expoente da Medicina Islâmica, o mais poderoso dos analgésicos [...]” (DUARTE, 2005, p. 135-146) O consumo de drogas diversas, principalmente para fins medicinais, religiosos e recreativos, foi amplamente observado nas principais civilizações ocidentais e orientais: sumérios, harappans, yangshaos, hongshans, egípcios, chineses, gregos, romanos, incas e muitas outras civilizações antigas consumiam produtos (com efeitos psicoativos) derivados da papoula, da Cannabis e da coca. Com o passar do tempo, à medida que as comunidades e sociedades desenvolviam-se e migravam, elas tinham acesso a outros povos, bem como às substâncias que estes consumiam. Iniciou-se, portanto, intensa troca de substâncias entre diferentes povos e comunidades, normalmente próximas umas das outras e, com o desenvolvimento dos meios de transporte, entre povos e comunidades bem distantes. Conforme Poiares (1999), com o advento do dinheiro, as drogas tor- naram-se uma mercadoria, transformando-se em objeto de relações produtivas, jurídico-econômicas e fiscais, além dos já apontadosCurso CaPtaNDo MÓDULO 1 - ELEMENTOS CONCEITUAIS, CONTEXTUAIS E NORMATIVOS 23 elementos religioso, lúdico e terapêutico, que fomentavam o convívio social, ou como tratamento médico. Ressalte-se, ainda, que há evidências de que as drogas têm sido um elemento recorrente de consumo por guerreiros e soldados desde épocas remotas. Funari (2006 apud ALVES FILHO, 2006, p. 11) re- corda, oportunamente, que “a história da humanidade é a história das guerras. O mundo sempre esteve em luta”. Podcast transcrito Você sabia que os guerreiros mais famosos da história utilizaram alguma substância psicoativa? Sim, isso acontecia para suportar e superar a dor, a tensão, o medo, a ansiedade e o sofrimento causados pelos confl itos e tensões do dia a dia. O jornalista Anton, na matéria “O grande barato da guerra” apresentou alguns exemplos de grupos que usaram substâncias durante suas provações. Por exemplo, os guerreiros gregos hoplitas faziam uso do ópio e vinho; os guerreiros vikings utilizavam fungos alucinógenos; os zulus, povo africano, consumiam extratos de diversas plantas. Pensando nos tempos atuais, podemos citar os kamikazes japoneses, que usavam uma substância chamada tokkou-jo, conhecida por nós como metanfetaminas, e também os pilotos de caça norte- americanos com uso da anfetaminas. Essas drogas psicoativas acabavam melhorando o rendimento, além de ajudarem os guerreiros a vencer o medo de lutar contra inimigos ou armas mortíferas, e também os ajudava a passar pelo trauma de matar ou morrer, que signifi ca um verdadeiro desafi o para a natureza humana. Você já imaginou passar por uma situação dessa? O período compreendido entre os séculos XVII e XX é rico em de- senvolvimentos que resultaram na chamada “construção social das drogas” e infl uenciaram sobremaneira como a sociedade contem- porânea lida com as questões relacionadas às drogas. Nesse período, substâncias de origem vegetal, animal e mineral passaram a ser mais cultivadas, produzidas, processadas, sintetizadas, comercializadas e consumidas, seja para fi ns medicinais, seja para fi ns recreativos. Curso CaPtaNDo MÓDULO 1 - ELEMENTOS CONCEITUAIS, CONTEXTUAIS E NORMATIVOS24 Foi também no começo do século XIX que os efeitos nocivos (individuais e coletivos) das drogas, principalmente a alta mortalidade e a depen- dência química, começaram a ser amplamente percebidos e debatidos. Segundo alguns estudos, a internacionalização da problemática das drogas foi estimulada pela crise epidemiológica da dependência ao ópio na China, no fim do século XIX, e início do século XX. Ainda que o comércio de ópio já fosse uma prática corrente na China desde a Dinastia Tang (século VII), apenas mil anos depois o consumo abu- sivo foi identificado como um flagelo do povo chinês, já no fim do século XVII. Confira, a seguir, como o consumo de ópio tornou-se uma epidemia na China e as decisões que foram tomadas para o enfrentamento desse problema. O ópio era considerado apenas um passatempo, principalmente para as elites chinesas. Com a voracidade dessas elites pelo ópio, o valor da substância chegou a rivalizar com o ouro e uso era bastante diversificado: poderia ser empregado como remédio, como afrodisíaco ou meramente como produto recreativo. Não foi o caso de que as propriedades “venenosas” do ópio fossem desconhecidas anteriormente. Os efeitos maléficos do consumo de ópio já eram amplamente notados, mas, durante muito tempo, isso não foi considerado como um “problema” que demandava solução. O comércio do ópio era dominado pelos países mercantilistas europeus da época, principalmente Inglaterra, Portugal e Holanda, e era extrema- mente lucrativo: no caso da Inglaterra, chegou a um quarto das rendas auferidas com todo o comércio internacional no fim do século XIX. Nesse período, crises políticas e socioeconômicas favoreceram a ex- pansão do consumo do ópio, atingindo todos os estratos sociais da China. O que era um problema restrito às elites, com consequências Curso CaPtaNDo MÓDULO 1 - ELEMENTOS CONCEITUAIS, CONTEXTUAIS E NORMATIVOS 25 limitadas, tornou-se um problema social generalizado, com graves impactos sobre a saúde pública, produtividade e harmonia comunitária. Ilustração de fumantes de ópio no século XIX. Foto: © [Erica Guilane-Nachez] / Adobe Stock. A primeira carga de ópio comercializado pelos ingleses a chegar na China, chamada pelo próprio diretor da Companhia Britânica das Índias Orientais como “mercadoria perniciosa”, deu-se em 1781. Devido ao deficit comercial inglês gerado pela importação de chá e de porcelana chineses, produtos que caíram no gosto da sociedade inglesa, os britânicos decidiram compensar esse desequilíbrio ven- dendo-lhes ópio em troca. O produto era extraído das plantações de papoula existentes no Bengal e nas planícies do Rio Ganges, na Índia, regiões então controladas pela Companhia desde a batalha de Plassey, em 1757 (JANIN, 1999). Uma sucessão de imperadores chineses, alguns dos quais contumazes usuários, enfrentariam o recrudescimento do uso do ópio no país. Sob a Dinastia Qing, já no fim do século XIX, a China se tornou uma das primeiras nações a instituir regulamentos sobre o comércio e consumo de ópio. No início, tais regulamentos tratavam de métodos de tratamento e proibições – um debate que, curiosamente, ainda encontra ressonância hoje. Na Inglaterra, uma normativa de 1729, proposta por Joshua Rowntree, previa uma série de punições para os comerciantes de ópio, mas não para os usuários. Em 1839, uma carta enviada pelo vice-rei chinês à rainha Victoria, da Grã-Bretanha, refletiu uma mudança na punição de comerciantes e usuários de ópio. Na carta, Lin Zexu, da corte imperial chinesa, informa à rainha que, na China, “Quem vende ópio recebe a pena de morte e quem fuma também recebe a pena de morte”. Curso CaPtaNDo MÓDULO 1 - ELEMENTOS CONCEITUAIS, CONTEXTUAIS E NORMATIVOS26 Saiba Mais Você pode ler a carta original em inglês “He who sells opium shall receive the death penalty and he who smokes it also the death penalty”, acessando sua versão on-line (disponível em: http://lab.sead.ufsc.br/ captM14 ). No início do século XX, essa visão sofreria mais uma mudança na China. Usuários contumazes passaram a poder comprar ópio legal- mente com uma licença, desde que se comprometessem a observar um plano de desintoxicação. Funcionários do governo, por exemplo, tinham apenas seis meses para “ficarem limpos”. Naquela época, a China já havia perdido as duas “Guerras do Ópio” contra os britânicos, e sua corte celeste (como era conhecida interna- mente a monarquia chinesa) estava muito enfraquecida. Nessa época, os efeitos do consumo abusivo do ópio sobre a sociedade chinesa já eram muito claros e extremamente negativos, confira: Aproximadamente 13,5 milhões de chineses, de uma população es- timada em 400 milhões, eram dependentes de ópio, com uma esti- mativa que atingia entre 13% e 27% da população masculina adulta, a maior epidemia de abuso de drogas já enfrentada por um país em toda a história (UNODC, 2010). Segundo Hong Lu, co-autor do livro “China Drug Practices and Policies”, quando o Partido Comunista chegou ao poder, em 1949, o contingente de usuários dependentes de ópio era de aproxima- 35.000 ton cultivadas no país 4.000 ton adicionais importadas da Índia Ápice do consumo de ópio na China (1906) Curso CaPtaNDo MÓDULO 1 - ELEMENTOS CONCEITUAIS, CONTEXTUAIS E NORMATIVOS 27 damente 22 milhões de chineses, equivalente a mais do que cinco por cento da população do país na época. Chineses fazendo uso de ópio. Foto: © [Pixaterra] / Adobe Stock. Esse comércio indiscriminado de ópio, bem como a epidemia de- corrente disso, resultou tanto nas medidas internas adotadas pelos dirigentes chineses (mencionadas acima) quanto em uma razoável mobilização internacional. Um grupo de treze países convocados pelos Estados Unidos da América reuniu-se em Xangai, em 1909, para discutir o crescente problema dasdrogas, conhecida como a Conferência da Comissão do Ópio de Xangai. Essa reunião pode ser considerada a primeira tomada de decisão multilateral em direção a controles internacionais de drogas mais severos e ao entendimento de que o consumo de drogas causava graves problemas individuais e sociais. Os Estados Unidos da América foram a força motriz que impulsionou esse sistema regional estabelecido em Xangai no começo do século XX, em parte por razões morais. Os missionários americanos que trabalham na própria China, nas Filipinas e na Indonésia estavam preocupados com os efeitos do ópio nas comunidades que estavam tentando converter; mas havia também motivos pragmáticos por parte dos americanos, que já buscavam obter vantagens políticas e estratégicas na Ásia. Vamos relembrar os pontos principais? Veja uma síntese de alguns acontecimentos importantes relacionados ao uso de ópio na China. Curso CaPtaNDo MÓDULO 1 - ELEMENTOS CONCEITUAIS, CONTEXTUAIS E NORMATIVOS28 Curso CaPtaNDo MÓDULO 1 - ELEMENTOS CONCEITUAIS, CONTEXTUAIS E NORMATIVOS 29 Curso CaPtaNDo MÓDULO 1 - ELEMENTOS CONCEITUAIS, CONTEXTUAIS E NORMATIVOS30 As duas Grandes Guerras tiveram um impacto decisivo no controle internacional de drogas. 1914-1918 1919-1920 1939-1945 No decorrer da Primeira Grande Guerra, a Inglaterra, que era contra o estabelecimento de controles rígidos de drogas porque lucrava com o comércio alguns anos antes, mudou de posição, ao perceber que os seus próprios soldados e cidadãos estavam se tornando dependentes de ópio e heroína, com possíveis consequências negativas para o “esforço de guerra”. Depois da Primeira Guerra, por pressão dos Estados Unidos da América, o controle do ópio fez parte das provisões do Tratado de Versalhes, assinado na Conferência de Paris, que pôs fim às hostilidades. Após o fim da Segunda Grande Guerra, com o advento das Nações Unidas, o controle de drogas tornou-se um tema relevante na agenda internacional. Na contemporaneidade, o uso e abuso de drogas é um grave problema de saúde pública que gera grande preocupação social. O tráfico de drogas é, por sua vez, um severo problema de segurança pública, por causa da violência que lhe é associada. Podemos considerar como fatores desse problema: A alta demanda e oferta de drogas em muitos setores da população. O declínio na idade de início do uso. A gravidade das consequências individuais e comunitárias do fenômeno (físico/biológico, psicológico e social). $ Curso CaPtaNDo MÓDULO 1 - ELEMENTOS CONCEITUAIS, CONTEXTUAIS E NORMATIVOS 31 Por serem um grave problema social, a dependência química, a vio- lência e o comércio ilícito associados às drogas tornam-se, conse- quentemente, objeto de decisões, iniciativas e ações governamentais. Nesse sentido, a Política Nacional sobre Drogas pode ser compreen- dida também como uma resposta da sociedade brasileira aos desafios impostos pelas drogas, as quais dispõem de complexos elementos históricos, culturais, socioeconômicos, normativos e contextuais, tal como apresentado acima de forma introdutória. Confira, a seguir, o panorama sobre as drogas no Brasil e no mundo nos dias atuais. 1.3 As drogas no Brasil e no mundo O mais recente “Levantamento Nacional de Álcool e Drogas” (LENAD), realizado pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) em 2012, indicou que 1,8 milhão de pessoas já haviam experimentado crack no Brasil, enquanto a cocaína havia sido usada por 5,6 milhões. Já a “Pesquisa Nacional sobre o Crack”, realizada pela Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ) em 2013, revelou que havia cerca de 370 mil usuários regulares de crack somente nas capitais do país. Ainda que não haja pesquisas nacionais atualizadas sobre uso e abuso de drogas, a violência associada ao consumo e venda de drogas, o alto número de encarcerados por tráfico de drogas e a crescente quantidade de drogas apreendidas no país sugerem fortemente que o uso e abuso de drogas são um gravíssimo problema individual, familiar, coletivo e social no Brasil. Em vários outros países e regiões, a situação é igualmente preo- cupante. Veja: os Estados Unidos da América é o país que detém o posto de maior consumidor de drogas ilícitas do mundo e tem passado por profundas epidemias de opioides e metanfetamina nas últimas décadas, com consequências particularmente devastadoras nos últimos cinco anos (BEBINGER, 2019). Veja os dados da “Pesquisa sobre Uso de Drogas e Saúde” dos EUA de 2017 (National Survey on Drug Use and Health – NSDUH): Curso CaPtaNDo MÓDULO 1 - ELEMENTOS CONCEITUAIS, CONTEXTUAIS E NORMATIVOS32 Pesquisa sobre Uso de Drogas e Saúde (EUA, 2017) mais mortes por sobredose de metanfetaminas em dez anos, entre 2007 - 2017. x 1,6(0,6% da população estadunidense) declarou ter usado metanfetamina em 2016. 142% Foi o aumento no número de apreensões de metanfetamina entre 2017 - 2018. milhão 964 pessoas com mais de doze anos tiveram algum tipo de problema de saúde causado por uso da droga em 2017. mil774 indivíduos (0,3% da população) declararam ter feito uso da droga no mês anterior à pesquisa (2017). mil 684 pessoas que declararam ter tido problema semelhante no ano anterior (2016). mil 23 É a idade média de novos usuários de metanfetamina em 2016. anos 7 Outra pesquisa, intitulada “Monitorando o Futuro” (2018) (Mo- nitoring the Future – MTF), indicou que 0,5% dos adolescentes de nível médio norte-americanos tinham usado metanfetamina em 2017, após sucessivos levantamentos apontarem que esse percentual decrescia desde 1999. Cerca de 15% de todas as mortes por sobredose de drogas nos Estados Unidos em 2017 envolveram o uso de metanfetamina. Metade dessas mortes contaram também com uso de opioides. Mais recentemente, nos Estados Unidos e no Canadá, a epidemia de opiáceos tem sido alimentada pelo consumo de opiáceos sintéticos, em particular os derivados do fentanil. Na Europa, o problema das drogas foi, por muito tempo, definido em função do consumo de heroína injetada. Curiosamente, o número de pedidos de tratamento para a dependência da heroína decresceu para níveis historicamente baixos, as taxas de consumo de drogas injetáveis diminuíram e o número de novos casos anuais de HIV com origem no consumo de drogas injetáveis caiu cerca de 40% durante a última década (EMCDDA, 2019). Fentanil é um opioide utilizado como medicação para a dor e também pode ser usado juntamente com outros medicamentos para a anestesia. Glossário Curso CaPtaNDo MÓDULO 1 - ELEMENTOS CONCEITUAIS, CONTEXTUAIS E NORMATIVOS 33 Contudo, aproximadamente 50 novos opiáceos sintéticos foram notifi- cados por meio do mecanismo de alerta rápido da União Europeia para as novas substâncias psicoativas em 2019. Muitas dessas substâncias foram associadas a intoxicações graves e óbitos. Algumas, como o carfentanil, são extremamente potentes, podendo ser traficadas em quantidades muito pequenas, que são difíceis de detectar, mas podem resultar em milhares de doses individuais. Além disso, os opiáceos sintéticos que são habitualmente utilizados como medicamentos parecem desempenhar um papel crescente no problema das drogas em muitas regiões da Europa, entre estes medicamentos, há várias substâncias utilizadas em tratamentos médicos, em especial analgésicos. Uma em cada cinco pessoas que iniciam tratamento da toxicode- pendência por problemas relacionados com opiáceos aponta um produto sintético, e não a heroína, como a sua droga problemática dominante. Além disso, essas drogas são cada vez mais identificadas em casos de sobredose. O quadro a seguir apresenta estimativas de consumo de drogas na Europa: Cannabis Adultos (15 a 64) 7,4% 27,4% Consumo no último ano 24,7 milhões Consumo ao longo da vida 91,2 milhões 3,6% mais baixo mais alto21,8% Estimativas nacionais do consumo no último ano Jovens Adultos (15 a 34) 14,4% Consumo no último ano 17,5 milhões Estimativas do consumo de droga na União Europeia CursoCaPtaNDo MÓDULO 1 - ELEMENTOS CONCEITUAIS, CONTEXTUAIS E NORMATIVOS34 Fonte: Relatório Europeu sobre Drogas (2019), adaptado por LabSEAD (2020). Para além da América do Norte e da Europa, os dois principais mer- cados consumidores de drogas ilícitas do mundo, a problemática da droga nos dias atuais reside no uso não médico de opioides sintéticos (principalmente o tramadol), que alimenta crises de saúde pública na África Ocidental, Central e do Norte. Na Ásia, principalmente no Leste e Sudeste Asiático, a cena estimulante é dominada pelo uso da cocaína e da metanfetamina. Anfetamina Opiáceos MDMA Adultos (15 a 64) 0,8% 4,1% Consumo no último ano 2,6 milhões Consumo ao longo da vida 13,7 milhões 0,2% mais baixo mais alto7,1% Estimativas nacionais do consumo no último ano Jovens Adultos (15 a 34) 1,7% Consumo no último ano 2,1 milhões Adultos (15 a 64) 1,2% 5,4% Consumo no último ano 3,9 milhões Consumo ao longo da vida 18 milhões 0,2% mais baixo mais alto4,7% Estimativas nacionais do consumo no último ano Jovens Adultos (15 a 34) 2,1% Consumo no último ano 2,6 milhões Cocaína Adultos (15 a 64) Consumo no último ano 1,3 milhões, sendo 654 000 consumidores de opiáceos receberam tratamento de substituição em 2017 Droga principal em cerca de 35% do total de pedidos de tratamento da toxicodependência na União Europeia Os opiáceos estão presentes em 85% das overdoses fatais Adultos (15 a 64) 0,5% 3,7% 35% 85% Consumo no último ano 1,7 milhões Consumo ao longo da vida 12,4 milhões 0% mais baixo mais alto3,9% Estimativas nacionais do consumo no último ano Jovens Adultos (15 a 34) 1% Consumo no último ano 1,2 milhões Pedidos de tratamento da toxicodependência Overdoses fatais Curso CaPtaNDo MÓDULO 1 - ELEMENTOS CONCEITUAIS, CONTEXTUAIS E NORMATIVOS 35 Dados sobre o mercado de drogas ilícitas na Ásia. Conforme o recente relatório do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), essas são as principais tendências relacio- nadas à problemática das drogas na região: } Desde os anos 2000, houve uma forte mudança no mercado de drogas no Leste e Sudeste Asiático. Antes, tal mercado era dominado por opiáceos e, atualmente, é pela metanfetamina. } As apreensões de metanfetamina na região em 2017 totalizaram mais de 82 toneladas, sendo de longe a maior quantidade já registrada na região. Dados disponíveis mais recentes (2018) mostram um aumento substancial adicional, atingindo 116 toneladas. } O aumento da quantidade de apreensões de metanfetamina (bem como a diminuição dos preços da droga no varejo) no Leste e Sudeste Asiático sugere que a oferta da droga se expandiu bastante nos tempos recentes. } As admissões para tratamento médico relacionadas com o uso de metanfetamina representam a grande maioria de todos os tratamentos médicos relacionados a drogas na região. } Os grupos transnacionais de crime organizado que operam na região têm se envolvido cada vez mais na fabricação e no tráfico de metanfetaminas e outras drogas no Triângulo Dourado nos últimos anos. Ásia Central e Rússia Na Ásia Central e na Rússia, as drogas sintéticas têm substituído os opiáceos. Leste e Sudeste Asiático Cerca de 19 milhões de pessoas usaram cocaína e 27 milhões de pessoas usaram anfetaminas na região do Leste e Sudeste Asiático em 2018. Iraque e Afeganistão O uso de metanfetamina tem crescido consideravelmente no Afeganistão e no Iraque. Curso CaPtaNDo MÓDULO 1 - ELEMENTOS CONCEITUAIS, CONTEXTUAIS E NORMATIVOS36 } Quantidades substanciais de produtos químicos precursores da metanfetamina foram continuamente desviadas e traficadas na região. } O conteúdo de metanfetamina em pílulas de ecstasy encontrado na região variam de país para país, houve grande aumento no conteúdo médio de metanfetamina nos comprimidos de ecstasy encontrados na região em anos recentes. } Comprimidos vendidos como ecstasy, mas contendo outras substâncias além do MDMA, incluindo novos substâncias psicoativas, continuaram sendo encontrados na região. } Opioides sintéticos potentes (fentanil, por exemplo), envolvidos em fatalidades em outras partes do mundo, têm sido identificados na Ásia também recentemente. } As apreensões anuais de cetamina vêm diminuindo desde 2015, o que foi causado por reduções nas quantidades da droga apreendida na China. No entanto, as apreensões dessa droga têm aumentado rapidamente em vários países do Sudeste Asiático. Ainda com relação ao continente asiático, é digno de nota o “Plano de Trabalho da ASEAN para Proteger as Comunidades Contra Drogas Ilícitas 2016-2025”. O plano adotado pela 5ª Reunião Ministerial da Associação em Ma- téria de Drogas, realizada na Cingapura em outubro de 2016, detalha componentes e atividades propostas para controle de atividades relacionadas a drogas ilícitas e para a mitigação das consequências negativas das drogas para as sociedades dos países do bloco. O Plano de Trabalho conta, ainda, com uma série de mecanismos colaborativos com outros importante países da região, a exemplo da China (via Programa ACCORD), do Japão (via Fundo de Integração entre o Japão e a ASEAN – JAIF) e Coreia do Sul (via Fundo Especial de Cooperação entre a República da Coréia e a ASEAN – SCF). Estima-se que o mercado global de drogas movimenta, anualmente, um montante avaliado entre US$ 426 bilhões e US$ 652 bilhões, tornando-o o segundo mercado ilícito mais lucrativo, perdendo apenas para o de produtos falsificados e pirateados, cuja estimativa de rendas é da ordem de US$ 1,13 trilhão por ano (MAVRELLIS, 2020). ASEAN é o acrônimo em inglês para a Associação de Nações do Sudeste Asiático, uma organização intergovernamental formada por Brunei, Camboja, Cingapura, Filipinas, Indonésia, Laos, Malásia, Mianmar, Tailândia e Vietnã. ACCORD é o acrônimo em inglês para China Cooperative Operations in Response to Dangerous Drugs. Glossário 1.3.1 Relatório Mundial das Drogas (2020) Adicionalmente, em termos globais, o mais recente “Relatório Mun- dial das Drogas” (2020) descreve que o uso de drogas em todo o mundo tem aumentado, tanto em termos gerais quanto na proporção da população mundial que usa drogas. Curso CaPtaNDo MÓDULO 1 - ELEMENTOS CONCEITUAIS, CONTEXTUAIS E NORMATIVOS 37 Relatório Mundial das Drogas (2009) (2018) O aumento da riqueza está associado ao aumento do uso de drogas, mas os mais pobres sofrem as maiores consequências relacionadas com a dependência química. O uso de drogas é maior nas áreas urbanas do que nas rurais, tanto nos países desenvolvidos quanto nos países em desenvolvimento. Mais da metade da população do mundo agora vive em áreas urbanas (em 1960 era apenas 34%), o que explica parcialmente o aumento geral do uso de drogas. Uso de drogas em áreas urbanas Riqueza e pobreza associada às drogas Usuários no mundo 210 milhões 269 milhões de usuários no mundo, 4,8% da população mundial entre 15 e 64 anos. de usuários no mundo, 5,3% da população mundial. Ainda segundo o referido relatório, o uso de drogas é mais difundido nos países desenvolvidos do que nos países em desenvolvimento. Drogas como a cocaína estão ainda mais firmemente associadas às partes mais ricas do mundo. O surgimento de substâncias que não estão sob controle interna- cional tem se estabilizado nos anos recentes, mas novos opioides potencialmente prejudiciais estão surgindo e sendo consumidos mais frequentemente. Drogas injetáveis 11 milhões de pessoas injetavam drogras Opioides 58 milhões de pessoas usaram opioides Maconha 192 milhões de pessoas usavam maconha | Valores referentes ao ano de 2018 Foto: © [Jcomp] / Freepik (2020). Curso CaPtaNDo MÓDULO 1 - ELEMENTOS CONCEITUAIS, CONTEXTUAIS E NORMATIVOS38 Cerca de 35,6 milhões de pessoas sofreram com transtornos relacionados ao uso de drogas em 2018. O número de pessoas que usaram opioides representa 66% das 167.000 mortes estimadas relacionadas com trans-tornos decorrentes do uso de drogas em 2017. Com relação às drogas injetáveis, 1,4 milhão de usuários está vivendo com HIV, 5,5 milhões com hepatite C e 1,2 milhão com hepatite C e HIV ao mesmo tempo. Veja a seguir informações sobre Cannabis, opioides e ofertas de drogas que estão disponibilizadas no Relatório Mundial das Drogas (2020). z Cannabis O uso de Cannabis está aumentando na maioria das jurisdições em que o uso não médico é legalizado. Canadá, Uruguai e 11 jurisdições nos Estados Unidos permitem a fabricação e venda de produtos de maconha para uso não médico. Na maioria dessas jurisdições, o consumo de maconha aumentou desde a sua legalização. A Cannabis é a substância psicoativa ilegal mais consumida no mundo, e os opioides são as mais prejudiciais. Os mercados de drogas estão se tornando cada vez mais complexos. Às substâncias de origem vegetal, como Cannabis, cocaína e heroína, somam-se agora centenas de drogas sintéticas, muitas delas sem controle internacional. Também houve um rápido aumento no uso não médico de drogas. z Opioides Os opioides farmacêuticos para tratamento da dor e cuidados palia- tivos estão disponíveis principalmente em países de alta renda e são disponíveis de maneira desigual entre as regiões: mais de 90% de todos os opioides farmacêuticos disponíveis para consumo médico estavam em países de alta renda em 2018. A oferta de drogas à base de plantas ainda é alta, apesar de algumas reduções. A área cultivada da papoula (240.800 hectares) encolheu pelo segundo ano consecutivo em 2019, liderada por quedas nas áreas cultivadas no Afeganistão e em Mianmar. As quantidades de opiáceos apreendidos (704 toneladas) em 2018 também caíram acentuadamente em relação ao ano anterior. Curso CaPtaNDo MÓDULO 1 - ELEMENTOS CONCEITUAIS, CONTEXTUAIS E NORMATIVOS 39 z Informações gerais sobre oferta de drogas O cultivo da coca continua em um nível historicamente muito alto (244.200 hectares). A área sob cultivo de coca permaneceu estável de 2017 a 2018. No entanto, a produção global estimada de cocaína atingiu mais uma vez o nível mais alto de todos os tempos (1723 toneladas) e as apreensões globais aumentaram marginalmente (1.131 toneladas). As quantidades de metanfetamina apreendida alcançaram 228 to- neladas equivalentes em 2018, um novo recorde. Os trafi cantes de heroína, cocaína e metanfetamina têm adotado rotas variadas e continuam a desenvolver novos padrões de comércio. A pobreza, a educação limitada e a marginalização social podem au- mentar o risco de transtornos relacionados ao uso de drogas e agravar as consequências. A relação entre drogas e violência é complexa. É difícil defi nir todas as relações causais entre o uso de substâncias psicoativas e a violência. Os limitados dados em nível global mostram que a intoxicação pode ser um fator signifi cativo em homicídios. Os seis livros que compõem o Relatório Mundial das Drogas. Fonte: UNODC (2020). O referido relatório apresenta, ainda, importantes refl exões sobre os impactos da pandemia de covid-19 sobre os mercados globais de drogas: RA Enquadre no seu celular ou tablet o código de REALIDADE AUMENTADA do aplicativo Zappar para assistir ao vídeo e saber mais informações sobre Cannabis, opioides e ofertas de drogas que estão disponibilizadas no Relatório Mundial das Drogas (2020). Curso CaPtaNDo MÓDULO 1 - ELEMENTOS CONCEITUAIS, CONTEXTUAIS E NORMATIVOS40 Fonte: UNODC (2020). Após a crise econômica de 2008, alguns usuários começaram a procurar substâncias sintéticas mais baratas, e os padrões de uso mudaram para a injeção de drogas. Enquanto isso, os governos reduziram os orçamentos relacionados às drogas. Tal fenômeno pode se repetir em função da atual pandemia. O maior impacto imediato no tráfi co de drogas pode ser esperado em países onde grandes quantidades são contrabandeadas em voos de aviões comerciais. No longo prazo, a crise econômica e os bloqueios associados à pandemia têm o potencial de atrapalhar os mercados de drogas. O aumento do desemprego e a falta de oportunidades aumentarão a probabilidade de que pessoas pobres e desfavorecidas se envolvam com o uso de drogas, sofram de transtornos causados pelo uso e abuso de drogas, e se voltem para atividades ilícitas ligadas a drogas (principalmente produção, venda ou transporte). O regime internacional de controle de drogas e a adesão do Brasil a esse regime serão objeto da próxima unidade deste curso. O efeito da pandemia nos mercados de drogas é desconhecido e difícil de prever, mas pode ser de grande alcance. Alguns produtores podem ser forçados a procurar novas maneiras de fabricar drogas, já que as restrições ao movimento restringem o acesso a precursores e produtos químicos essenciais. Curso CaPtaNDo MÓDULO 1 - ELEMENTOS CONCEITUAIS, CONTEXTUAIS E NORMATIVOS 41 Unidade 2 O REGIME INTERNACIONAL DE CONTROLE DE DROGAS O regime internacional pode ser entendido como o amplo agrupamento de crenças, atitudes, prescrições específicas e práticas predominantes que orientam o comportamento de indivíduos, grupos, organizações, governos e países em determinada área temática internacional. Uma função básica desse regime internacional é coordenar o com- portamento da comunidade internacional no sentido de alcançar os resultados desejados na área das drogas. REGRAS PRINCÍPIOSNORMAS ARRANJOS DE GOVERNANÇA (implícitas e explícitas) PROCEDIMENTOS DECISIONAIS NA ÁREA DE DROGAS Funcionamento do regime internacional de controle de drogas. Dessa forma, o regime internacional de controle de drogas é uma expressão que pode ser utilizada para designar o conjunto mutua- mente coerente de princípios, arranjos de governança, normas, regras (implícitas ou explícitas) e procedimentos de tomada de decisões internacionais na área de drogas, em torno dos quais convergem as expectativas dos diversos atores internacionais. “É a mistura de comportamentos com princípios e normas que distingue as ações estatais governadas por regimes da atividade mais convencional guiada exclusivamente pela estreita avaliação de interesses.” (KRASNER, 2012, p. 95) Curso CaPtaNDo MÓDULO 1 - ELEMENTOS CONCEITUAIS, CONTEXTUAIS E NORMATIVOS42 Como vimos anteriormente, o século XX foi um período histórico chave na conformação do regime internacional de controle de drogas, principalmente com o advento da Organização das Nações Unidas (ONU) após a Segunda Grande Guerra. O conflito alterou toda a configuração do sistema internacional vigente até então: as potências coloniais perderam influência e os Estados Unidos da América emergiram como superpotência. Como aquele país já defendia a proibição a determinadas drogas, o sistema internacional acabou se conformando à luz dos ditames americanos. Nos anos seguintes, os Estados Unidos da América trabalharam ati- vamente para acabar com os monopólios de ópio em diversos países e criaram barreiras para o consumo da substância, o que resultou na criminalização do comércio de várias drogas, não apenas do ópio. Como resultado de todos esses esforços internacionais, a produção global de ópio reduziu-se em 70% no século compreendido, ao passo que a população global no mesmo período quadruplicou. Para você entender a importância desse controle, se o aumento do consumo do ópio apenas acompanhasse o crescimento natural da população, o consumo atual poderia ser treze vezes maior do que o verificado nos índices atuais. O álcool observou uma trajetória diferente. Um controle regional preliminar foi desenvolvido na África no final do século XIX, mas o processo não conseguiu se expandir para outras partes do mundo e não conseguiu se fortalecer na própria região com o passar do tempo, por diferentes razões: Foto: © [Pressmaster] [Widetape/ADDICTIVE STOCK] [Wideonet] / Adobe Stock. O álcool não detinha certas correlações políticas e estratégicas, ao contrário do ópio. A indústria do álcool não queria mais controles, o que nãose observou com a indústria farmacêutica ligada ao ópio. O álcool era um importante símbolo religioso nos países de orientação cristã, por causa do papel do vinho na Eucaristia. Curso CaPtaNDo MÓDULO 1 - ELEMENTOS CONCEITUAIS, CONTEXTUAIS E NORMATIVOS 43 No caso da indústria farmacêutica ligada ao ópio, defendia-se o controle como forma de acabar com a concorrência apresentada pelo uso informal (não terapêutico) da substância. Algo parecido ocorreu com o tabaco, o qual ainda não era visto como um problema de saúde pública. Entretanto, de um modo geral, a maioria das substâncias psicoativas passaram a ser controladas após a Segunda Grande Guerra e com o advento da ONU, em 1945. Saiba Mais O consumo em massa e a dependência química do tabaco só começaram a ser vistos como um problema de saúde pública no início do século XXI, quando foi promulgada a Convenção-Quadro sobre Controle do Tabaco (disponível em: http://lab.sead.ufsc.br/ captM15). Na próxima seção, apresentaremos as organizações internacionais e comissões especializadas na temática das drogas que surgiram a partir da década de 1940. Veja os detalhes a seguir! 2.1 Principais organizações intergovernamentais de controle de drogas Com o advento da Comissão das Nações Unidas sobre Drogas Narcóticas (CND) em 1946, o regime internacional de controle de drogas passou a dispor de uma instância multilateral intergovernamental relevante para avançar na governança de políticas sobre drogas. Nos anos subse- quentes, várias organizações multilaterais regionais também criaram fóruns específicos para a discussão e tomada de decisão sobre drogas, como a Organização dos Estados Americanos (OEA), na qual se institui a Comissão Interamericana para o Controle de Drogas (CICAD). 2.1.1 A Comissão das Nações Unidas sobre Drogas Narcóticas (CND) A Comissão sobre Drogas Narcóticas (CND) foi fundada em 1946 como uma comissão funcional do Conselho Econômico e Social (ECOSOC), e é o principal órgão de controle de drogas no sistema de controle de drogas da ONU. Curso CaPtaNDo MÓDULO 1 - ELEMENTOS CONCEITUAIS, CONTEXTUAIS E NORMATIVOS44 Comissão sobre drogas narcóticas. Fonte: Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (2020). A comissão pode atuar em todas as áreas cobertas pelas três conven- ções, incluindo na adição de substâncias às listas internacionais de controle, mas sua principal função é analisar a situação global das drogas e as medidas legais cabíveis. A CND permite que os Estados-membros analisem a situação global das drogas, considerando a redução da oferta e demanda, bem como adotem as decisões tomadas no âmbito da Assembleia Geral das Nações Unidas (sobre questões relacionadas às drogas) e realizem medidas globais dentro desse escopo específico de ação. A resolução ECOSOC 1999/30 determinou à CND que estruturasse uma agenda com dois segmentos distintos: Uma das atribuições centrais do UNODC é prestar assistência aos Estados-membros na ratificação e implementação dos tratados de controle de drogas. No âmbito do UNODC, operam o CPICP, veja: Segmentos normativos da CND Um segmento normativo para o desempenho de funções normativas e baseadas em tratados. Um segmento operacional para exercer o papel de órgão dirigente do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC). Curso CaPtaNDo MÓDULO 1 - ELEMENTOS CONCEITUAIS, CONTEXTUAIS E NORMATIVOS 45 Programa Internacional de Controle de Drogas da ONU (UNDCP) Executa programas contra o tráfico de pessoas, a corrupção e o crime organizado, entre eles o Programa Internacional de Controle de Drogas da ONU (UNDCP). Órgão responsável pela coordenação das atividades internacionais de controle de drogas. Centro de Prevenção Internacional do Crime Outra entidade central de controle de drogas vinculada à ONU, mas com relativa autonomia, é a Junta Internacional de Controle de Nar- cóticos (JIFE), estabelecida em 1968. A JIFE é responsável por super- visionar a implementação das três Convenções da ONU sobre controle de drogas que estudaremos na próxima seção. Embora seja verdade que esse órgão quase-judicial seja tecnicamente independente e seus treze membros atuem autonomamente, a JIFE possui considerável influência dentro do sistema de controle de drogas da ONU. A CND realiza uma reunião anualmente, em Viena ou na Áustria (cidade que hospeda a sede do UNODC), na qual se adota uma série de decisões e resoluções. Reuniões intersecionais da CND são regu- larmente convocadas para fornecer orientação política ao UNODC. No final de cada ano, a CND se reúne em uma sessão convocada para considerar as questões orçamentárias e administrativas como o órgão governante do programa de drogas das Nações Unidas. A CND possui cinco órgãos subsidiários: } Chefes das Agências Nacionais de Repressão às Drogas na Europa, América Latina e Caribe, Ásia e Pacífico e África. } Subcomissão no Oriente Próximo e Oriente Médio. } Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS (UNAIDS). } Organização Mundial da Saúde (OMS). } Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Os três últimos órgãos operam de maneira subsidiária, mas ainda muito dentro da esfera do sistema de controle de drogas da ONU. A Comissão também monitora a implementação das três convenções internacionais sobre controle de drogas, que veremos a seguir. Curso CaPtaNDo MÓDULO 1 - ELEMENTOS CONCEITUAIS, CONTEXTUAIS E NORMATIVOS46 2.1.2 A Comissão Interamericana para o Controle do Abuso de Drogas (CICAD) A Comissão Interamericana para o Controle do Abuso de Drogas (CICAD) é a agência de controle de drogas da Organização dos Estados Americanos (OEA) e teve a sua criação motivada pela epidemia de cocaína entre a década 1970 e 1980. A cocaína foi uma epidemia no final do século XX. Foto: © [Shintartanya] / Adobe Stock. Foi no contexto da explosão da cocaína fumada (conhecida como crack) e do surgimento de poderosos cartéis de drogas na América Latina que a Assembleia Geral da OEA convocou os ministros da Justiça do continente americano para a Conferência Especializada Interame- ricana sobre Tráfico de Drogas, no Rio de Janeiro, em abril de 1986. Na conferência, os ministros concordaram que o aumento dramático do tráfico e abuso de drogas ilícitas desde o final da década de 1970 não apenas havia se tornado uma grande ameaça à saúde e ao bem-estar de cada cidadão, mas havia passado a representar um problema de segurança para o hemisfério. Nessa mesma ocasião, os governantes do continente aprovaram o Programa Interamericano de Ação do Rio de Janeiro contra o Consumo, a Produção e o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Subs- tâncias Psicotrópicas. Foi nessa conferência também que houve a recomendação para que a Assembleia Geral da OEA criasse um foro específico de governança, dando origem à Comissão Interamericana para o Controle do Abuso de Drogas (CICAD). Em novembro do mesmo ano (1986), a Assembleia Geral da OEA estabeleceu a CICAD como uma agência da OEA e ratificou a estru- tura e os princípios orientadores contidos no Programa do Rio, que estabeleceu o controle de drogas ilícitas firmemente amparado em: Curso CaPtaNDo MÓDULO 1 - ELEMENTOS CONCEITUAIS, CONTEXTUAIS E NORMATIVOS 47 Princípios norteadores da CICAD. Fonte: OEA (2020). Desenvolvimento socioeconômico Respeito pelas tradições e costumes dos grupos nacionais e regionais Proteção ambiental Direitos humanos Inicialmente, a CICAD compreendeu somente onze Estados-membros eleitos pela Assembleia Geral a cada três anos por voto secreto. No entanto, com o tempo, à medida que o problema mundial das drogas ilícitas se tornou cada vez mais grave em todo o hemisfério, outros países da OEA pediram para ingressar na comissão. Em 1998, todos os 34 países da OEA tornaram-se membros da CICAD. Os representantes dos países na comissão reúnem-se duas vezes por ano em sessão ordinária e podem se reunir em sessão extraordinária, se necessário, conformeo Estatuto e Regulamentos da CICAD. Em 1990, a Assembleia Geral da OEA, composta por ministros das Relações Exteriores de todos os Estados-membros da OEA, adotou a Declaração e o Programa de Ação de Ixtapa, que definiram as priori- dades da CICAD para a década de 1990 e, no ano seguinte, endossaram o Programa Interamericano de Quito: Educação Abrangente para Prevenir o Abuso de Drogas, um programa de longo prazo em todo o hemisfério de prevenção de abuso de substâncias. Em 1997, a Assembleia Geral adotou a Estratégia Antidrogas no Hemisfério como uma plataforma para maiores esforços no con- trole de drogas no século XXI. Essa estratégia refletiu as mudanças significativas ocorridas na década anterior, desde o advento do Programa do Rio, tais como: } O aumento da produção e abuso de drogas sintéticas, como metanfetaminas e ecstasy. } O uso da rede mundial de computadores (internet) para compra e venda de substâncias controladas e cigarros, bem como para transferir receitas de drogas ilegais eletronicamente para qualquer lugar do mundo. Curso CaPtaNDo MÓDULO 1 - ELEMENTOS CONCEITUAIS, CONTEXTUAIS E NORMATIVOS48 Pode-se dizer que a estratégia mostrou uma clara compreensão por parte dos governos das Américas de que crimes e violência relacio- nados às drogas e as consequências sociais e de saúde significativas do uso e abuso de drogas são problemas que todos os países têm em comum, e portanto deve haver uma responsabilidade compartilhada e uma solução colaborativa. Em 1998, a CICAD passou a conduzir um processo multilateral de avaliação do desempenho de cada Estado-membro e do hemisfério em sua totalidade na abordagem dos vários aspectos do problema das drogas chamado de Mecanismo de Avaliação Multilateral (MAM). Saiba Mais Você pode fazer a leitura na íntegra do Mecanismo de Avaliação Multilateral acessando o material completo (disponível em: http://lab.sead.ufsc.br/captM16) Agora, em sua oitava rodada de avaliação, o processo exige que todos os Estados-membros da CICAD respondam detalhadamente um conjunto de perguntas padronizadas e forneçam estatísticas sobre assuntos como: } Prisões e condenações por crimes relacionados a drogas. } Nível de uso de drogas por diferentes populações e grupos. } Assinatura e ratificação de tratados internacionais relacionados ao controle de drogas. } Existência de leis nacionais para controlar o contrabando de armas e o transporte de produtos químicos usados para processar drogas ilícitas. Os questionários preenchidos são revisados por um grupo de espe- cialistas dos Estados-membros, que elabora relatórios e recomen- dações para cada país e para o continente. Uma vez aprovados pelos representantes dos Estados-membros na comissão, os relatórios do MEM são submetidos à Assembléia Geral da OEA e tornados públicos. Em resumo, o programa de combate às drogas da CICAD é dividido em sete áreas de ação: redução da demanda; desenvolvimento educacional e pesquisa; redução da oferta e desenvolvimento alternativo; combate à lavagem de dinheiro; fortalecimento institucional; mecanismo de avaliação multilateral (MAM) e observatório interamericano de drogas. Curso CaPtaNDo MÓDULO 1 - ELEMENTOS CONCEITUAIS, CONTEXTUAIS E NORMATIVOS 49 2.2 Principais normas internacionais de controle de drogas Neste tópico, vamos estudar as principais convenções internacio- nais, vinculadas prinipalmente à Organização das Nações Unidas, e falar também do Plano Hemisférico, composto principalmente pelos Estados-membros da Organização dos Estados Americanos. Continue seus estudos e confira! 2.2.1 Convenções Internacionais no âmbito da Organização das Nações Unidas (ONU) As três principais convenções internacionais e estabelecidas sob os auspícios da ONU que amparam o regime internacional de controle de drogas são: Convenção Única sobre Entorpecentes de 1961 Tem o objetivo de combater o abuso de drogas por meio de ações internacionais coordenadas. Existem duas formas de intervenção e controle que trabalham juntas: a primeira é a limitação da posse, do uso, da troca, da distribuição, da importação, da exportação, da manufatura e da produção de drogas exclusivas para uso médico e científico; a segunda é o combate ao tráfico de drogas por meio da cooperação internacional para deter e desencorajar os traficantes. Convenção sobre Substâncias Psicotrópicas de 1971 Estabelece um sistema de controle internacional para substâncias psicotrópicas e é uma reação à expansão e diversificação do espectro do abuso de drogas. A convenção criou ainda formas de controle sobre diversas drogas sintéticas conforme, por um lado, o potencial de dependência e, por outro, o poder terapêutico. Convenção contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas de 1988 Fornece medidas abrangentes contra o tráfico de drogas, inclusive métodos contra a lavagem de dinheiro e o fortalecimento do controle de precursores químicos. Ela também fornece informações para uma cooperação internacional por meio, por exemplo, da extradição de tra- ficantes de drogas, seu transporte e procedimentos de transferência. Curso CaPtaNDo MÓDULO 1 - ELEMENTOS CONCEITUAIS, CONTEXTUAIS E NORMATIVOS50 Saiba Mais Você pode ver detalhes dessas convenções realizando a leitura do documento em espanhol “Los tratados de fiscalización internacional de drogas” (disponível em http://lab.sead.ufsc.br/captM17) e na versão em inglês “The International Drug Control Conventions” (disponível em: http://lab.sead.ufsc.br/captM18). Essas três convenções desenvolveram-se de um conjunto de nove atos internacionais anteriores que resultaram da mobilização inter- nacional que emergiu inicialmente em Pequim em 1909: Títulos do Atos Internacionais Local e data de assinatura Data de entrada em vigor Convenção Internacional do Ópio Haia, Holanda janeiro de 1912 Junho de 1919 Acordo de Genebra sobre o Ópio Genebra, Suíça fevereiro de 1925 Julho de 1926 Convenção Internacional do Ópio (nova) Genebra, Suíça fevereiro de 1925 Setembro de 1928 Convenção para Limitar a Produção e Regular a Distribuição de Drogas Narcóticas Genebra, Suíça julho de 1931 Julho de 1933 Acordo para o Controle do Fumo de Ópio no Extremo Oriente Bangcoc, Tailândia, novembro de 1931 Abril de 1937 Convenção para a Repressão do Tráfico Ilícito das Drogas Nocivas Genebra, Suíça, junho de 1936 Outubro de 1939 Curso CaPtaNDo MÓDULO 1 - ELEMENTOS CONCEITUAIS, CONTEXTUAIS E NORMATIVOS 51 Protocolo Modificativo das Convenções Internacionais sobre Entorpecentes Nova Iorque, EUA dezembro de 1946 Outubro de 1948 Protocolo destinado a colocar sob controle internacional as drogas não incluídas na Convenção de 13 de julho de 1931, para limitar a fabricação e regulamentar a distribuição dos estupefacientes Paris, França, novembro de 1948 Dezembro de 1949 Protocolo para Regulamentar o Cultivo de Papoula e o Comércio de Ópio Nova Iorque, EUA, dezembro de 1946 Outubro de 1948 Mobilizações que norteiam as três principais convenções da ONU. A Convenção Única de 1961 expandiu as medidas de controle estabe- lecidas pelo desenvolvimento dessas normas para abranger o cultivo de plantas das quais os narcóticos derivam. Essas medidas de controle impuseram um fardo especialmente pesado aos países produtores tradicionais da Ásia, América Latina e África, onde o cultivo e o uso tradicional generalizado de papoula, folha de coca e maconha já eram concentrados na época. A Convenção Única entrou em vigor em 1964 e estabeleceu a metas para abolir gradualmente os usos tradicionais das substâncias, in- cluindo o uso religioso e o amplo uso “quase médico”, veja: 25 anos25 anos Ópio Coca Cannabis (maconha) 15 anos Prazo para eliminar o uso de ópio terminou em 1979. Prazo para eliminar o uso de coca terminou em 1989. Prazo para eliminar o uso de Cannabis terminou em 1989. Convenção ÚnicaCurso CaPtaNDo MÓDULO 1 - ELEMENTOS CONCEITUAIS, CONTEXTUAIS E NORMATIVOS52 A Convenção Única criou quatro listas (ou cronogramas) de subs- tâncias controladas e estabeleceu um processo para incluir novas substâncias em tais cronogramas, sem a necessidade de modificar o texto dos artigos do tratado. As quatro tabelas da Convenção contêm mais de cem substâncias, classificadas de acordo com os diferentes graus de controle aos quais devem ser submetidas. O tratado de 1971 estabeleceu uma estrutura de controle menos rígida do que a estabelecida pela Convenção Única de 1961, exceto no que tange à Lista I, a qual inclui substâncias que representam um sério risco à saúde pública, que atualmente não são reconhecidas pela Comissão de Estupefacientes (CND) como tendo qualquer valor terapêutico, incluindo psicodélicos sintéticos como LSD e MDMA, comumente conhecido como ecstasy. Veja a seguir as substâncias que representam risco à saúde, apresentadas principlamente nos anexos II, III e IV da Lista I. Anexo IV Inclui alguns barbitúricos mais fracos, como fenobarbital, outros hipnóticos, ansiolíticos hipnóticos, benzodiazepínicos e alguns estimulantes mais fracos. Anexo III Inclui produtos barbitúricos com efeitos rápidos ou médios, que foram objeto de abuso grave, apesar de serem terapeuticamente úteis, bem como flunitrazepam e alguns analgésicos. Inclui estimulantes do tipo anfetamina, considerados com valor terapêutico limitado, além de alguns analgésicos e tetra-hidrocanabinol (THC), um ingrediente importante da Cannabis. Anexo II Substâncias que representam risco à saúde pública segundo a Convenção de 1971. Você pode perceber que a ideia que amparou a negociação desse novo tratado foi o estabelecimento de uma resposta à diversificação do uso de drogas, com o objetivo de controlar uma nova gama de substân- cias psicoativas (que entraram em moda na década de 1960), como anfetaminas, barbitúricos, benzodiazepínicos e drogas psicodélicas. Cabe ressaltar que, durante as negociações da Convenção de 1971, tornou-se evidente que as grandes indústrias farmacêuticas da Europa e Estados Unidos exerciam pressão sobre os governos e a ONU, pois temiam que seus produtos fossem submetidos aos mesmos controles rigorosos estabelecidos pela Convenção Única. A Convenção de 1988 emerge no contexto político, histórico e socio- lógico das décadas de 1970 e 1980, levando à adoção de medidas ainda mais repressivas do que as estabelecidas nas convenções anteriores. Curso CaPtaNDo MÓDULO 1 - ELEMENTOS CONCEITUAIS, CONTEXTUAIS E NORMATIVOS 53 O aumento da demanda por Cannabis, cocaína e heroína para fins não médicos, principalmente no mundo desenvolvido, estimulou uma produção ilícita em larga escala nos países onde essas plantas eram tradicionalmente cultivadas, a fim de abastecer o vibrante mercado consumidor. O tráfico internacional de drogas rapidamente tornou-se um negócio de bilhões de dólares controlado por grupos criminosos, principalmente os chamados cartéis de drogas. Essa rápida expansão do comércio de drogas ilícitas justificou a intensificação do combate às drogas. Nos Estados Unidos da América, que já era o mercado consumidor mais promissor à época, a resposta política foi declarar guerra à oferta de drogas oriunda do exterior, em vez de analisar e abordar as causas da crescente demanda doméstica. Isso pode ter contribuído para a epidemia de crack no país na década de 1980, bem como para a introdução de sentenças mínimas obrigatórias e para o consequente encarceramento em massa. O termo “guerra às drogas” foi cunhado em 1971 pelo presidente Richard Nixon, tornando as drogas (incluindo seu uso) “inimigo público número um” para os EUA. O primeiro alvo nessa guerra foi o México, um país que havia fornecido à revolução contracultural da década de 1960 enormes quantidades de maconha produzida ilegal- mente e, na década seguinte, também havia se tornado a principal fonte de heroína para o mercado dos EUA. Mas as primeiras opera- ções antinarcóticos militares nesta guerra ocorreram nos Andes, com o envio de forças especiais do exército dos EUA para fornecer treinamento sobre como destruir plantações de coca, laboratórios de cocaína e redes de tráfico de drogas. O enfraquecimento da luta contra o bloco soviético e o fim da chamada Guerra Fria no final da década de 1980 liberou grandes quantidades de ativos militares que foram então transferidos para a guerra às drogas. Foi nesse complexo contexto que a comunidade internacional, sob pressão significativa dos Estados Unidos da América e sob os aus- pícios da ONU, convocou outra conferência para negociar o que se O tráfico de drogas e o mercado consumidor. Foto: © [Couperfield] / Adobe Stock. Curso CaPtaNDo MÓDULO 1 - ELEMENTOS CONCEITUAIS, CONTEXTUAIS E NORMATIVOS54 Ordem dos eixos estratégicos que balizam o Plano Hemisférico. tornaria a Convenção Contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas de 1988. A convenção de 1988 obrigava os países a impor sanções criminais para combater todos os aspectos da produção, posse e tráfico ilícitos de drogas. Estabeleceu medidas especiais contra o cultivo, produção, posse e tráfico ilícitos de substâncias psicoativas e o desvio de pro- dutos químicos precursores, bem como um acordo sobre assistência jurídica mútua, incluindo extradição. Há duas tabelas anexadas à Convenção de 1988 que listam produtos químicos precursores, reagentes e solventes que são frequente- mente usados na fabricação ilícita de entorpecentes e substâncias psicotrópicas. Agora, vamos analisar o Plano Hemisférico (OEA), sua elaboração, ações e os cinco eixos estratégicos que baseiam o documento. Veja os detalhes a seguir! 2.2.2 Plano Hemisférico da Organização dos Estados Americanos (OEA) Você já ouviu falar no Plano Hemisférico? Esse plano identifica objetivos e ações prioritárias a serem desenvol- vidas até 2020 em cada um dos 34 Estados-membros que compõem a Organização dos Estados Americanos e é dividido em cinco eixos estratégicos. O documento é uma referência para o desenho de polí- ticas, programas e projetos nacionais sobre drogas, a fim de tornar possível o alinhamento e a sinergia entre as agendas nacionais e a agenda hemisférica desenvolvida pela Comissão Interamericana para o Controle do Abuso de Drogas (CICAD). Fortalecimento Institucional 1 Eixoº Redução da Demanda 2 Eixoº Redução da Oferta 3 Eixoº Medidas de Controle 4 Eixoº Cooperação Internacional 5 Eixoº O plano foi elaborado à luz da realidade, da legislação interna e do nível de desenvolvimento da abordagem do problema das drogas em cada Estado. O Plano de Ação também incorpora uma pers- pectiva transversal de direitos humanos, o enfoque de gênero e o desenvolvimento com inclusão social, levando em conta critérios de pertinência de cultura e grupo etário. Veja a seguir os objetivos e as ações prioritárias empreendidas em cada eixo do Plano Hemisférico. Curso CaPtaNDo MÓDULO 1 - ELEMENTOS CONCEITUAIS, CONTEXTUAIS E NORMATIVOS 55 Em síntese, o primeiro eixo tem ações voltadas para estabelecer as autoridades nacionais responsáveis pela implementação, formulação e avaliação das políticas sobre drogas, promovendo os recursos necessários para promover o funcionamento efetivo de medidas, sempre em concordância com os direitos humanos e também com estudos de pesquisa e avaliações que ajudam na compreensão do problema das drogas na população em geral. } Estabelecer e fortalecer autoridades nacionais sobre drogas, situando-as num alto nível político e capacitando-as para coordenar as políticas nacionais sobre drogas, em suas etapas de formulação, implementação, monitoramento e avaliação. } Formular, implementar, avaliar e atualizar políticas e estratégias nacionais sobre drogas, que sejam integrais e equilibradas, baseadas em evidências, que incorporem uma perspectiva transversal de direitos humanos, coerente com as obrigações das
Compartilhar