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7/10/2019 MEMÓRIAS E REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE PRÁTICAS RELIGIOSAS DE MATRIZ AFRICANA
http://slidepdf.com/reader/full/memorias-e-representacoes-sociais-de-praticas-religiosas-de-matriz-africana 1/139
UERJ
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
INSTITUTO DE PSICOLOGIA CURSO DE MESTRADO EM PSICOLOGIA SOCIAL
MEMÓRIAS E REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE PRÁTICAS RELIGIOSAS DE
MATRIZ AFRICANA
POR
GILMARA SANTOS MARIOSA
PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA
MESTRADO
PROCESSOS SOCIOCOGNITIVOS E PSICOSSOCIAIS
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7/10/2019 MEMÓRIAS E REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE PRÁTICAS RELIGIOSAS DE MATRIZ AFRICANA
http://slidepdf.com/reader/full/memorias-e-representacoes-sociais-de-praticas-religiosas-de-matriz-africana 2/139
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
INSTITUTO DE PSICOLOGIA
MESTRADO
PROCESSOS SOCIOCOGNITIVOS E PSICOSSOCIAIS
MEMÓRIAS E REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE PRÁTICAS RELIGIOSAS DE
MATRIZ AFRICANA
GILMARA SANTOS MARIOSA
ORIENTADOR: RICARDO VIEIRALVES DE CASTRO
Dissertação submetida como
requisito parcial para obtenção de grau de
Mestre em Psicologia
Rio de janeiro, 2007
2
7/10/2019 MEMÓRIAS E REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE PRÁTICAS RELIGIOSAS DE MATRIZ AFRICANA
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CATALOGAÇÃO NA FONTE
UERJ / REDE SIRIUS / BIBLIOTECA CEH/A
Autorizo, apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta
tese.
M341 Mariosa, Gilmara Santos
Memória e representações sociais de práticas religiosas de
matriz africana / Gilmara Santos Mariosa- 2007.
135 f.
Orientador: Ricardo Vieiralves de Castro.
Dissertação (mestrado) – Universidade do Estado do Rio de
Janeiro. Instituto de Psicologia.
1. Cultos afro-brasileiros - Teses. 2. Negros – Brasil – 
Religião - Teses. 3. Representações sociais – Teses. I. Castro,
Ricardo Vieiralves de. II. Universidade do Estado do Rio de
Janeiro. Instituto de Psicologia. III. Título.
CDU 299.6(81)
3
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  ___________________________________________ _______________ 
Assinatura Data
4
7/10/2019 MEMÓRIAS E REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE PRÁTICAS RELIGIOSAS DE MATRIZ AFRICANA
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MARIOSA, Gilmara Santos. Memória e Representações Sociais de
Práticas Religiosas De Matriz Africana. Rio de Janeiro, 20 de junho de
2007. Dissertação de Mestrado (137p.) apresentada ao Instituto de
Psicologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
Esta dissertação de mestrado realizou um estudo sobre a identificação de memórias
e representações sociais das práticas religiosas de matriz africana na população
negra do bairro Dom Bosco situado no município de Juiz de Fora - MG. Foram
entrevistados 60 sujeitos, de ambos os sexos, que se auto identificavam como
negros, pardos, mulatos e outras denominações que caracterizam a ascendência
negra. Através dos dados levantados na pesquisa concluímos que as
representações sociais que esta população possui, são de que as práticas de matriz
africana são demoníacas, feitiçarias para o mal e ações que causam prejuízo para
as pessoas. As lembranças se mesclam com esquecimento, e as representações e
memórias dos sujeitos da pesquisa estão associados com as práticas de sincretismo
religioso existentes no Brasil. Os entrevistados não possuem lembrança dos líderes
religiosos negros e nem dos locais de memória do bairro. Os participantes da
pesquisa não se associam com estas práticas religiosas e têm em relação a elas
uma visão de distanciamento e desinteresse. Constatamos que isto ocorre devido à
dificuldade de aceitação pela sociedade em geral que as desvaloriza e discrimina,
sempre atribuindo negatividade a elas e aos praticantes. Estas práticas são
estereotipadas, folclorizadas e menosprezadas socialmente. O que faz com que a
população afro-descendente não queira ser identificada com as tradições históricas,
culturais e religiosos dos seus ancestrais
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ABSTRACT
This dissertation is a study that aimed at identifying memories and social
representations of African religious practices among the population of the
neighborhood called Dom Bosco in the city of Juiz de Fora – MG. 60 black subjects ,
both male and female, were interviewed. Through the data collected during this
research, we concluded that subjects identified African religious practices with either 
witchcraft or satanic rites. Subjects’ recollections were not quite clear and memories
and representations were associated with the existing religious syncretism in Brazil.
Subjects were unaware of the black religious leaders and of the places that were
important to African culture in the neighborhood. Subjects don’t associate with these
religious practices and show no interest in them. We verified that this occurs due to
society’s non-acceptance of these practices, and because people despise them and
attribute a negative value to them and to the followers of these religions. These
practices are stereotyped, socially despised and associated with folklore. All that
keeps Afro-Brazilians from identifying with the historical, cultural and religious
traditions of their ancestors.
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Sumário
Resumo
 Abstract 
Introdução.................................................................................................................01
1 – As práticas religiosas de matriz africana no Brasil e em Minas Gerais......05
1.1 – Breve Relato sobre os Africanos no Brasil..................................................05
1.2 – Religiões e práticas religiosas dos negros africanos.................................07
1.3 – A tradição africana em Minas Gerais e em Juiz de Fora.............................17
1.4 – Os cultos afro-brasileiros em Minas Gerais e em Juiz de Fora..................21
2 – A teoria das representações sociais e a memória social...............................34
2.1 – Sobre o conceito de representações sociais...............................................34
2.2 – O fenômeno das representações sociais.....................................................40
2.3 – Representações e práticas sociais................................................................41
2.4 – Sobre memória social.....................................................................................45
2.5 – Memória e psicologia sócia............................................................................45
2.6 – O esquecimento como memória....................................................................50
2.7 – Memória social e religiões de matriz africana..............................................52
3 – Metodologia........................................................................................................55
3.1 – Considerações metodológicas......................................................................55
3.2 – Análise e descrição dos dados......................................................................61
3.2.1 –Sobre os sujeitos da pesquisa....................................................................61
3.2.2 – Sobre a identificação de práticas religiosas de matriz africana..............62
3.2.3 – As práticas religiosas de matriz africana em Juiz de Fora......................64
3.2.4 – Tipologia das práticas religiosas................................................................65
3.2.5 – Memória e valores........................................................................................72
3.2.6 – Sincretismo.................................................................................................101
3.2.7 – Lideranças negras em Juiz de Fora.........................................................106
3.2.8 – Os lugares de memória..............................................................................109
3.2.9 – Relatos e histórias sobre práticas religiosas de matriz africana..........110
4 – Considerações finais e conclusão.................................................................113
Referências bibliográficas.....................................................................................119
Anexo......................................................................................................................123I
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ntrodução
Esta dissertação realizou um estudo sobre a memória social e as
representações sociais das práticas religiosas de matriz africana entre os negros da
cidade de Juiz de Fora, especificamente do bairro Dom Bosco que possui grande
concentração de população negra na cidade. Este bairro, no passado, foi localização
de um quilombo e próximo a ele se encontraria um cemitério de escravos.
Sabe-se que os primeiros negros chegaram em terras brasileiras, como
escravos, por volta do século XVI. Entre eles existiam nobres, reis, rainhas,
caçadores, sacerdotes. Não trouxeram nenhuma riqueza material, mas muita
riqueza cultural. Dentre estas destaco o culto aos Orixás, divindades africanas que
representam as forças da natureza. Em Minas Gerais encontramos uma diversidade
de cultos. Destacamos: candomblé, umbanda, benzeções, folias de reis, irmandades
e congados. Eles consistiram o nosso universo de pesquisa, com exceção dos
congados, dos quais não encontramos registros na cidade.
Consideramos como práticas religiosas de matriz africana aqueles ritos que,
mesmo sendo identificados pelos seus praticantes como cristãos, têm características
da tradição africana, tais como os reisados, as danças, os toques de tambor, banhos
de ervas e oferendas.
O objetivo desta pesquisa foi identificar memórias e representações sociais
na população do bairro Dom Bosco. Investigar as lembranças, esquecimentos e o
que foi perdido desta tradição. Quais as representações que eles possuem, como
vêem estas religiões e que tipo de atribuição de valor dão a elas.
Dentre os principais fatores que me motivaram a realizar esta pesquisa está a
necessidade que  senti, desde muito cedo, de saber quem sou, de onde vim.
Participando do movimento negro, percebi que o desejo por busca de raízes não era
só meu, não era individual. Notei a grande importância social e psicológica do que
representava aquilo que buscava. No caminho, me deparei com o universo religioso
e descobri que ali estava a chave. O universo africano era permeado pelos ritos e
cultos, que foram deixados de herança. Esta se perdeu no tempo, se misturou com
outras crenças, outras práticas, diferentes tribos foram fundidas. Meus antepassados
tiveram que não somente unir suas crenças, entre as diferentes etnias, como recriar 
esta crença dentro do espaço brasileiro, para sua sobrevivência. Os cultos foram
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reprimidos, mas, mesmo recriados, sobreviveram, sob o manto do sincretismo
religioso. A população negra brasileira é órfã de suas raízes. Não tem a devida
participação na história e cultura do país assumida pelos órgãos oficiais, inclusive os
acadêmicos.
Dentro do meu interesse por psicologia social descobri o quanto este tema é
essencial para a população negra. O quanto é vital para o desenvolvimento
psicossocial deste grupo, ter sua memória mais valorizada e estudada de uma forma
que seus integrantes sejam tratados enquanto agentes atuantes na construção da
sua história, sua cultura e do povo brasileiro.
A grande ausência de acesso a uma história, não contada pelos meios
oficiais, provoca nos negros sentimentos de baixa auto-estima, além de falta de
identidade, de referências sociais e históricas.
Outro ponto que justifica a realização deste estudo é a grande lacuna dentro
dos estudos de psicologia. Poucos psicólogos se interessam por este tema, mais
explorado por antropólogos e sociólogos. Acredito que há ainda muito por se
explorar dentro do fenômeno da religiosidade afro-brasileira sob o ponto de vista da
psicologia social.
Também relevante é o fato de quase inexistirem estudos sobre estes
aspectos em Juiz de Fora. A maior parte dos autores que investiga o tema relata que
a tradição afro na cidade é dispersa e pouco conhecida. A importância deste estudo
é demonstrada nos censos demográficos do município, que revelou 60% de sua
população de negros, no passado. Na época de sua fundação, o município
concentrava a maioria dos escravos da província de Minas Gerais que, por sua vez,
foi, no período cafeeiro, considerada a maior província escravista do país. Chama a
atenção a aglutinação tamanha de afrodescendentes em uma mesma região e,
concomitantemente, a ausência de memória dos mesmos.
Um último, porém não menos importante fator, que aponto para a relevância
social do trabalho, é o inovador fato da história do negro ser contada pelo próprio
negro. Poucos estudos são realizados onde se dá voz aos verdadeiros autores da
história, da memória e da representação construída. A história dos negros em nosso
país é pouco contada do seu ponto de vista e, em se tratando de Juiz de Fora, a
maioria dos estudos ressalta a importância da grande contribuição dos imigrantes
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portugueses, alemães, italianos e sírio-libaneses. Dos negros se sabe que foram
escravos, que sofreram, que apanharam, que fugiram, que foram exploradas. Mas o
que construíram, o que realizaram de concreto para a construção da memória da
cidade, pouco se sabe, pouco se fala, pouco se ouve. Como eles se vêem, do que
sabem, do que lembram, do que esquecem. Disso constituirá, basicamente, este
trabalho, na tentativa de lançar luz sobre uma memória rica e pouco conhecida pelos
descendentes daqueles que a fizeram, que acabam por não ter histórias para contar 
sobre si mesmos e nem se dão conta do que esta ausência representa.
No capítulo um apresentaremos um relato histórico sobre os africanos no
Brasil e as tradições afro-brasileiras no país até chegar a Juiz de Fora.
Explanaremos a forma como os africanos aqui chegaram, as principais etnias
localizadas em Minas Gerais, como se processou a recriação cultural e religiosa
desta população, no que se transformou para que conseguisse sobreviver. Quais os
principais cultos de origem africana que existiram em Minas no passado, como
calundus e canjerês, até os existentes nos dias atuais, tais como candomblé,
umbanda, congados, irmandades, folias de reis, benzeções.
No capítulo dois abordaremos a teoria das representações sociais e a
memória social. Trataremos o conceito de representações sociais, como ela se
apresenta enquanto fenômeno, quaisas relações entre representações e práticas
sociais. Apresentaremos, também, o conceito de memória social, a relação da
psicologia social com a memória e algumas terminologias de memória social
relacionadas ao nosso objeto de pesquisa tais como: memória pessoal, memórias
comuns, memórias coletivas, memórias históricas, históricas documentais e
históricas orais, memórias práticas e memórias públicas. Analisamos o conceito de
esquecimento social e a importância de seu estudo para a compreensão da
construção da memória social, definindo esquecimento não como vazio, mas como
espaço cheio de conteúdos representacionais, assim como as representações
sociais, construído no cotidiano de forma dinâmica, sempre em transformação.
Terminamos o capítulo relacionando as memórias e as religiões de matriz africana,
abordando a reconstrução sócio-cultural dos africanos no Brasil e a contínua
dinâmica destas religiões com um processo de memória social.
No capítulo três encontra-se a metodologia utilizada na pesquisa. Os
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métodos e as técnicas com as quais trabalhamos, o campo e os participantes.
Demonstramos como procede a metodologia de pesquisa em representações
sociais, a forma de coleta de dados, os procedimentos utilizados, a forma de análise
e a apresentação dos dados coletados na pesquisa empírica. A seguir 
apresentamos como os dados foram interpretados e o perfil dos participantes, as
análises quantitativas feitas por frequência simples e análise de conteúdo das
questões qualitativas. Além disso, são anunciados os resultados aos quais
chegamos após as análises e interpretações.
No capítulo final estão as conclusões a que chegamos com base nos
resultados obtidos. Identificamos quais as memórias e representações existem nesta
população oriunda de uma comunidade de descendentes de escravos.
Apresentamos questionamentos e perspectivas futuras a respeito da importância do
tema à luz da psicologia social.
Esperamos que estudos como estes possam contribuir para uma melhor 
compreensão das religiões afro-brasileiras dentro da psicologia social. Também para
que possamos compreender melhor qual visão a população negra possui sobre seus
referenciais de ancestralidade, como vê as tradições religiosas trazidas por seus
antepassados, recriadas em solo brasileiro e qual a influência que estas memórias e
representações têm na vida cotidiana. Acreditamos estar abrindo perspectivas para
que novos estudos sejam realizados posteriormente sobre esta temática.
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1 - As práticas religiosas de matriz africana no Brasil em Minas Gerais
Neste capítulo trataremos do corpo teórico do trabalho, referente a
fundamentação teórica específica sobre práticas religiosas de matriz africana.
Faremos uma breve trajetória da história destas práticas considerando as bases de
sua reconstrução cultural em solo brasileiro, através das influências católicas e
ameríndias, dentre outras.
O breve histórico em Minas Gerais e Juiz de Fora torna-se necessário.
Através dele poderemos compreender como estas práticas chegaram e se
desenvolveram e de que forma se transformaram até o que encontramos hoje. É
importante considerar que, de acordo com as condições de cada região, estas
práticas tiveram uma trajetória diferenciada, especialmente em Minas Gerais, devido
principalmente a três fatores: ter sido a maior província escravista do país, ter sido
vigiada pela coroa portuguesa, por conta da mineração do ouro e diamantes, e,
também, por sua riqueza acompanhada da forte presença da Igreja Católica. Estes
fatores promoveram uma transformação religiosa muito característica e marcada
pela mistura com o catolicismo popular, representado principalmente pelas
irmandades do Rosário e dos santos pretos, os congados, as folias de reis e as
benzedeiras, práticas que são ainda hoje difundidas, apesar de não mais
acontecerem com intensidade. As práticas religiosas de matriz africana como
umbanda e candomblé, são pouco conhecidas, apesar de praticadas. Elas são muito
marcadas por representações negativas, como poderemos observar melhor no
capítulo da análise e interpretação dos dados da pesquisa.
1.1-Breve relato sobre os africanos no Brasil
Os africanos chegaram ao Brasil no século XVI. Foram trazidos como
mercadoria escrava nos navios negreiros e pertenciam a várias etnias, mas as
principais são os bantos - das regiões de Angola, Moçambique e Congo - e os
iorubás ou nagôs - das regiões de Nigéria, Benin e Togo. Segundo Lody (1987), o
continente africano tornou-se alvo de uma série de investidas por parte dos
portugueses, para a escravização de homens e mulheres, que vão desde a metade
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do século XVI até a metade do século XIX. De acordo com Lody (op. cit.), o
comércio escravagista pode ser compreendido por quatro grandes ciclos: ciclo da
Guiné, segunda metade do século XVI; ciclo de Angola-Congo, por todo o século
XVII; ciclo da Costa Mina, até o início da segunda metade do século XVIII; ciclo de
Benin, até a metade do século XIX. Lody (op. cit.) informa ainda que o total de
escravos africanos no Brasil chegou à cifra de quatro milhões. A escravidão era
  justificada pela inferioridade dos negros em relação aos brancos como podemos
constatar na declaração de Nina Rodrigues (2004), na qual afirmava a inferioridade
até mesmo por características físicas e culturais. O autor acreditava que os negros
  jamais alcançariam o estágio de evolução dos brancos europeus, pois além de
estarem muito atrasados, evoluíam de forma muito lenta. O autor ressalta ainda
que os negros trazidos pelo tráfico possuíam diferenças culturais e étnicas, que
tornavam a influência destes na formação dos povos americanos mais nociva quanto
mais inferior fosse o elemento africano introduzido. Isso devido ao fato de haver 
diferenças entre os negros, que se encontravam em graus distintos de cultura e de
capacidade. Nina Rodrigues (2004) entendia que alguns povos introduzidos no
Brasil eram mais degradados, brutais e selvagens que outros.
Augras (1983) relata que a primeira leva de africanos escravizados, que se
tem notícia, desembarcou em 1538 e era de origem de São Tomé, marcando o início
do tráfico das chamadas “peças da Guiné”. Esta definição da Guiné era considerada
geograficamente imprecisa, pois o próprio vice-rei Conde dos Arcos dizia não saber 
ao certo de que país se tratava. Os primeiros negros que aqui chegaram eram
Peules e Mandigas, parcialmente islamizados. Segundo Carneiro (1991), os bantos
eram originários do sul da África e foram distribuídos no Maranhão, Pernambuco e
Rio de Janeiro. Dali migraram para Alagoas, litoral do Pará, Minas Gerais, Rio de
Janeiro e São Paulo. Os iorubás eram originários da zona do Niger, África Ocidental
e foram introduzidos, conforme este autor, principalmente na Bahia. Silva (1994)
conta ainda que no Brasil houve uma grande mistura de etnias. Grupos familiares
foram separados, clãs, linhagens se perderam, inimigos e aliados se misturaram nas
senzalas.
A partir disto, não restava muita alternativa aos negros, já que muito do que
conheciam e viviam lhes foi tirado. Era necessário reconstruir. Os africanos
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necessitavam recriar todo um universo cultural e religioso.Devemos considerar 
como foi reconstruída essa realidade no Brasil, o que o negro produziu de história,
de memória cultural e religiosa.
1.2 - Religiões e práticas religiosas dos negros africanos
Em se tratando do negro africano, é difícil separar a cultura da religiosidade.
Os dois fatores andavam juntos em seu universo primário e a reconstrução desse
universo cultural e religioso na realidade brasileira também se iniciou permeada por 
esta unidade. Silva (op. cit.) constatou que o desamparo social em que se
encontraram os negros no país criou a necessidade de reconstruírem sua identidade
no espaço brasileiro, nas condições adversas da escravidão, tendo como referência
as matrizes religiosas de origem africana que traziam dentro de si.
Segundo mesmo autor, o branco europeu tentava, à princípio, catequizar o
negro. A coroa portuguesa determinava que os escravos deviam ser batizados,
adotar um nome cristão, e a Igreja Católica oficiava tais práticas religiosas e não
combatia os maus tratos que sofriam os negros escravos no Brasil.
As relações entre a Igreja e as práticas negras eram ambíguas, já que os
padres toleravam os batuques realizados nas senzalas. Verger (2002) ressalta que
o Governo encorajava os negros africanos a se encontrar aos domingos para
realizar “batuques”, organizados por suas nações de origem. Assim aquelas nações
inimigas na África manteriam sua rivalidade. Os senhores de escravos tinham
interesse político na manutenção das práticas religiosas dos negros, porque
acreditavam que se os escravos mantivessem suas tradições, também
permaneceriam as rivalidades entre os grupos. Tratava-se de uma estratégia para
dificultar a formação de rebeliões e impedir a criação de laços entre os grupos rivais.
Porém, os cultos unificaram Orixás e Voduns, divindades dos povos nagôs e do
Daomé. Silva (1994) assinala que os cânticos e rezas, realizados nos terreiros das
fazendas, eram justificados pelos negros como homenagens aos santos católicos,
feitas em sua língua natal, com danças de sua terra.
Havia, por outro lado, certas práticas de magia africana combatidas. Rituais
como de sacrifício de animais, manipulação de objetos, pedras e ervas,
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transformação do destino das pessoas, eram vistos como diabólicos. Os transes de
incorporação de deuses eram tidos como demonstração de possessão demoníaca.
As adivinhações, matança de animais, dentre outras práticas consideradas como
bruxarias e magia negra, vinculadas ao mal.
Dentro deste contexto, o negro praticava sua fé nos deuses africanos e
disfarçava cultuando os santos católicos, como ordenava o senhor. Assim foi
recriado todo o seu universo religioso, o que hoje denominamos religiosidade afro-
brasileira.
As práticas católicas dos negros, de acordo com Silva (op. cit.), eram
procissões, folguedos, cavalhadas. Eles cultuavam irmandades de santos pretos e
de outros santos com os quais identificavam semelhanças. Augras (1983) relata que
nas cidades, a Igreja Católica organizava Confrarias de Pretos, que possuíam suas
capelas e seus folguedos. Essas confrarias permitiam, às vezes, a reconstituição de
grupos africanos da mesma origem. As festas eram: congo, congada, ticumbi,
moçambique, coroação do rei de Congo, todas com predomínio do elemento banto,
o que permitiu que, em muitos casos, estes africanos e seus descendentes
celebrassem seus ritos sob o manto de Nossa Senhora do Rosário. Assim se
originou o sincretismo. Por não lhes ser permitido cultuar seus deuses, eles tinham
que se submeter ao modelo católico de religião. Dançavam, por exemplo, para São
Benedito ao ritmo do toque de Oxumaré, conclui Augras (op. cit.). Nas regiões norte
e nordeste, de predomínio indígena, os cultos aos espíritos dos caboclos e aos seus
deuses também se misturou à crença dos africanos, dando origem ao candomblé de
Caboclo, uma síntese de elementos bantos, católicos e indígenas. Conforme a
autora, no sudeste, onde o elemento banto predominou, foi registrada a origem de
dois tipos de cultos: o candomblé de Angola ou candomblé de Congo, que recebeu
também certa influência posterior dos nagôs; e a macumba, que integra modelos de
origem variada e posteriormente originou a umbanda. Esta última congrega
elementos africanos, indígenas, católicos, espíritas, ocultistas.
Silva (1994) fala dos negros participando de procissões nas ruas das cidades,
nos louvores a Corpus Christi, Cinzas, São Francisco, dentre outros. Porém sempre
participavam dos desfiles afastados, de maneira a não se misturarem com os
brancos. Os negros acrescentaram às cerimônias a música, a dança e a utilização
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de instrumentos de percussão. Alguns narradores, como o viajante Saint-Hilaire, que
esteve no Brasil por volta de 1816, relata como a procissão das cinzas em Minas
Gerais tornava-se irreverente com “ridículas palhaçadas”. Os alemães Spix e
Martius, em Salvador neste período, revelaram que, por conta dos negros reunidos
nos festejos do Bonfim, a festa tomava feição estranha e excêntrica. Segundo Silva
(op. cit.), nos autos de ventos bíblicos e histórias do cristianismo, os negros sempre
participavam, porém representando os inimigos da fé. Nas cavalhadas,
representavam os mouros (os islamizados considerados do mal), e os brancos, os
cristãos (que expulsaram os mouros, considerados do bem). Os negros eram
impedidos de participar das irmandades dos brancos, por isso se organizavam em
irmandades próprias, separadas segundo a cor da pele e condição de escravo ou
liberto. A mais conhecida e difundida pelo Brasil foi a de Nossa Senhora do Rosário.
Os escravos tinham estas organizações como importantes associações de apoio
mútuo. Através das contribuições dos filiados, tentava-se formar um pecúlio
suficiente para comprar alforria dos seus membros e assegurar um enterro cristão
aos filiados, geralmente feitos misturando as ladainhas católicas aos ritos funerários
da nação africana do morto. As irmandades também tinham como objetivo a
construção de igrejas próprias, o que era considerado sinal de prestígio. Verger 
(2002) relata que as mais conhecidas em Salvador eram a “Venerável Ordem
Terceira do Rosário de Nossa Senhora das Portas do Carmo”, fundada na Igreja de
Nossa Senhora do Rosário do Pelourinho, frequentada por angolanos. Os
daomeanos jejes reuniram-se na igreja do Corpo Santo, na Cidade Baixa. Lá
fundaram a confraria de “Senhor Bom Jesus das Necessidades e Redenção dos
Homens Pretos”. As mulheres nagôs-iorubás encontravam-se na Igreja da
Barroquinha, fundando a confraria de “Nossa Senhora da Boa Morte”, mais tarde
elas fundariam a primeira casa de Candomblé “Ilê Axé Iyá Nassô”.
Nas regiões onde os nagôs predominavam, segundo Augras (1983)
particularmente em Salvador, é mais difícil falar em sincretismo, pois se trata de
 justaposição mais do que fusão. Houve sincretismo do ponto de vista das religiões
originárias da Costa dos Escravos. Deuses daomeanos foram assimilados às
divindades iorubás. As divindades das diversas cidades iorubás misturam-se. O
mesmo mito é encontrado, com nomes diversos.
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De acordo com Silva (1994), as religiões de origem africana eram nomeadas
durante o século XVIII como calundu, termo de origem banto. Juntamente com
batuque ou batucajé, reuniam uma diversidade de ritos, cultos, danças coletivas,
cantos e músicas acompanhadas por toques de atabaques e tambores, invocação
de espíritos,sessões de possessão, práticas divinatórias e cura mágica. O autor 
afirma que, até o século XVIII, os calundus foram uma forma urbana de culto
africano relativamente organizado, antecedendo às casas de candomblé do século
XIX e aos atuais terreiros. Silva (op. cit.) afirma que os primeiros calundus eram
restritos aos espaços das fazendas. Devido às contingências da escravidão, os
rituais eram realizados secretamente nas matas ou nas senzalas. Contudo, o
crescimento dos centros urbanos, juntamente com o número de libertos e escravos
circulando pelas cidades com maior liberdade, favoreceu o desenvolvimento das
manifestações religiosas dos negros. Moradias localizadas em velhos casebres
coletivos eram ponto de encontro para a prática dos cultos. Era comum, naquele
período, o uso do mesmo espaço para moradia e para culto dos deuses,
característica que destacou o início da tradição religiosa afro-brasileira, preservada
até os dias atuais pela maioria dos templos de candomblé.
Santos (2001) esclarece que, no século XIX houve implantação, reformulação
e transporte de elementos de um complexo africano, que se expressa atualmente
através de associações bem organizadas, nas quais são mantidos e renovados os
cultos de adoração aos orixás e aos ancestrais, os eguns. As associações religiosas
se instalaram em roças que ocupam um determinado terreno, o “terreiro”, termo que
acabou tornando-se sinônimo de lugar onde se pratica a religião afro-brasileira
tradicional e onde se constituem comunidades que apresentam características
especiais. Uma parte dos membros habita o “terreiro”, formando, às vezes, um
bairro, um arraial ou um povoado. Outra parte mora distante, mas freqüenta o
terreiro com certa regularidade, passando até períodos prolongados dispondo,
muitas vezes, da própria casa. O terreiro ultrapassa os limites materiais dos
praticantes. Seus membros têm vínculos com a sociedade global, mas constituem
uma comunidade “flutuante” que se concentra e expressa sua própria estrutura
nesses locais. Segundo Santos (2001), “Na diáspora, o espaço geográfico da África
genitora e seus conteúdos culturais foram transferidos e restituídos no terreiro”.
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(p.33)
As primeiras famílias de santo que se tem notícia, como relata Silva (1994),
foram formas de organização que estruturaram os terreiros de candomblé. Negros e
mestiços se reuniam destituídos de seus grupos de referência pela escravidão e
reconstruíam seus vínculos baseados em laços de parentesco religioso. Pelas
narrativas dos antigos, parecem ter sido africanos de uma mesma etnia que se
reuniram e fundaram os primeiros terreiros, onde receberam e iniciaram negros de
outras etnias. Com o passar do tempo, com a entrada inclusive de brancos, a
característica étnica das famílias foi se perdendo, todos passando a ser ligados por 
vínculos religiosos.
Augras (1983), assinala que a primeira casa de candomblé, que se tem
notícia foi fundada na primeira metade do século XIX. A autora ressalta que elas
nasceram em solo urbano. O primeiro grande templo foi fundado no centro de
Salvador, ao lado da Igreja da Barroquinha. Silva (op. cit.) faz um relato sobre as
mulheres originárias da cidade de Keto, antigas escravas libertas, pertencentes à
Irmandade de Nossa Senhora da Boa Morte, da Igreja da Barroquinha,
exclusivamente de mulheres de origem nagô, que teriam fundado o terreiro de
Candomblé chamado “Iyá Omí Asé Aira Intilé”. Este, logo depois, tomaria o nome de
“Ilê Axé Iyá Nassô” e seria transferido para o subúrbio do Engenho Velho, passando
a ser conhecido como Casa Branca. As fundadoras eram Iyá Detá, Iyá Kalá e Iyá
Nassô. Esse terreiro foi berço de todas as casas mais tradicionais de candomblé
Keto, formando uma imensa família de santo. A proliferação da religião se deu
mesmo por volta do final do século XIX e no século XX se expandiu pelo país. De
acordo com Bastide (2001), os candomblés possuem “nações” diversas e, através
delas, buscam manter as diferentes tradições: angola, congo, jeje, nagô. As
distinções entre estas nações, conforme este autor, se dão tanto pela maneira de
tocar os tambores, com as mãos ou com varetas, como pelas vestimentas típicas,
pelo tipo das músicas, cânticos, e até mesmo pelos nomes das divindades.
No Rio de Janeiro não há registro de candomblé antes do século XIX, afirma
Augras (1983). Os bairros da zona portuária eram pontos de atração para os
africanos recém chegados e também para os escravos libertos. O grande número de
negros oriundos da Bahia contribuíram decisivamente para a expansão do
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candomblé e do samba na região chamada “Pedra do Sal”. O local fica no Morro da
Conceição, bem no centro da cidade, importante núcleo de famílias baianas. Augras
(op. cit.) ainda indica um movimento de ida e volta para a África de sacerdotes e
sacerdotisas, aprofundando conhecimentos religiosos e trazendo objetos
necessários aos cultos, também neste período.
De acordo com Lody (1987), na relação memória milenar e grandes
transformações, os modelos africanos encontram sustentação na história oral, forte
e predominante em que regras e papéis de homens e mulheres são geralmente
determinados pelos cargos e funções, que vão do ser agricultor, artesão ou
sacerdote a ser um alafim (rei), por exemplo. A produção cultural realiza uma eficaz
aliança entre os planos sagrado e humano. Conforme este autor, o candomblé é
“uma congregação de sobrevivências étnicas da África” (p. 8). A palavra candomblé
é originária do termo Kandombile, que significa culto e oração. A religiosidade tem
uma centralidade na vida do africano tanto no aspecto material como nos seus
múltiplos microssistemas de poder, tanto temporais como religiosos. Uma força vital
é transmitida de maneira permanente denominada de axé, seja na cultura material,
na música, na dança, no canto, no gesto, na preparação de alimentos. A energia da
natureza e os reis e heróis divinizados são os aspectos mais importantes do plano
do sagrado, cotidiano na vida dos africanos. A presença destes aspectos está em
todos os espaços da vida destes homens e mulheres, tanto na natureza quanto na
matéria construída, nas atividades lúdicas, nos relacionamentos familiares e
amorosos, constituindo cultural e religiosamente a essência destes seres. Os
terreiros de candomblé tiveram importância como focos de resistência cultural, com
ativa participação até mesmo como resistência armada, nas rebeliões e nos
quilombos, assinala Augras (1983).
Carneiro (1991) informa que os negros maometanos, também chamados de
malês, tiveram importante participação na história dos africanos no Brasil, pois
participavam ativamente das revoltas, levantando armas contra a opressão dos
senhores. O autor relata o desaparecimento quase total dos aussás, ou malês,
devido à reação governamental à insurreição dos escravos, liderada por eles na
Bahia. Seu culto islamizado não era puro, mas diferenciava-se dos demais
existentes na época. Carneiro (op. cit.) afirma que se caracterizavam por serem
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negros orgulhosos e de poucas palavras.
Os candomblés se dividiram posteriormente por “nações”. De acordo com
Carneiro (op. cit.), os negros bantos da Bahia parecem ter esquecido os seus
próprios orixás, tendo absorvido os do povo nagô, criando os candomblés de
caboclo. Só restaram alguns como Zambi e outros poucos originários de Congo e
Angola e a designação calunga.Não tendo orixás próprios a adorar, conforme
Carneiro (op. cit.), os africanos de origem banto adaptaram às suas práticas
religiosas os orixás dos cultos jêjes-nagôs. O autor fala sobre os candomblés de
caboclo, na Bahia, como resultado da fusão da mitologia dos negros bantos, já sobre
influência forte dos jeje-nagôs e malês, com a mitologia dos índios da América
portuguesa. Segundo ele, existem diferenças marcantes entre os candomblés
puramente bantos e os mesclados por influências ameríndias. Lody (1987) alerta
sobre a exclusão dos bantos, em geral, da própria literatura, o que é inexplicável
dada à sua contribuição para a constituição da civilização brasileira. Além disso, as
poucas referências são feitas com alguma inferioridade.
De acordo com Pereira (2005), a inter-relação de tradições bantos e iorubás
gerou um quadro múltiplo para a realidade sócio-cultural dos afro-brasileiros, uma
vez que através do intercâmbio de elementos sagrados foram organizadas maneiras
próprias de vida e percepção do mundo. Ainda segundo o autor, o modelo iorubá
sofreu influência da herança banto na construção de um universo afro-brasileiro, na
medida em que se modifica e também é modificado por ele, expressando a
reelaboração de um modelo religioso. Isso pode ser constatado em várias casas de
candomblé da região fluminense, formando as linhas dos candomblés Angola.
Referindo-se a Pernambuco, Augras (1983) fala sobre inúmeras casas de
santo denominados de Xangôs. Em Recife, o primeiro templo teria surgido no centro
da cidade, em meados do século XIX, no Pátio do Terço, sendo alvo de
perseguições constantes. Augras (op. cit) revela o encontro de uma solução
“conciliatória”. Para receberem licença da Secretaria de Segurança Pública os
templos foram inscritos no Serviço de Higiene Mental da Assistência aos Psicopatas.
Ser enquadrado com psicopata era melhor que ser tratado como marginal.
Por volta da segunda década do século XX, surge a umbanda, período este
favorável devido aos modernistas apregoarem o retorno às raízes, expressão da
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cultura nacional, e ressaltarem os índios, os negros e mestiços. Neste contexto,
Silva (1994) explica que as religiões afro tornaram-se conteúdo indispensável para a
compreensão do processo de construção da cultura popular. Conforme este autor,
kardecistas de classe média, no Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Sul,
passaram a mesclar suas práticas com elementos das tradições religiosas afro-
brasileiras, passando a defender publicamente esta mistura, com intuito de que se
tornasse reconhecida e aceita com status de nova religião. As origens afro-
brasileiras da umbanda, portanto, remontam ao culto às entidades africanas, aos
cultos de caboclos, santos do catolicismo popular e influências do kardecismo
europeu. O kardecismo, aponta Silva (op. cit.), é uma religião que chegou ao Brasil
em meados do século XIX. Criado na França por Allan Kardec, doutrina filosófica e
religiosa, teve pouco sucesso em seu local de origem, mas obteve grande
repercussão no Brasil, principalmente entre as famílias da classe média. O
kardecismo estabelece a presença de um Deus criador e crença na reencarnação.
Caracteriza-se ainda por buscar métodos e explicações científicas no entendimento
dos fenômenos espirituais.
Silva (op. cit.) relata que não se consegue precisar em que momento as
entidades dos cultos afro começaram a “baixar” nas sessões do espiritismo
kardecista. Mas ao que tudo indica, praticantes do espiritismo, insatisfeitos com o
kardecismo, consideravam os ritos estáticos e insípidos e passaram a preferir 
espíritos que encontraram em centros de “macumba”, considerados por eles mais
eficazes na cura e tratamento de doenças. Entretanto, certos aspectos da macumba
os incomodavam, tais como sacrifício de animais, presença de espíritos “diabólicos”
(exus) e exploração econômica de clientes. Portanto, de acordo com Silva (1994), as
características mais marcantes da umbanda, inicialmente, foram a depuração
estabelecida sobre os cultos afro, pois acredita-se que na sua origem, possuíam
práticas bárbaras. As principais entidades da umbanda são: os caboclos, que
representam os índios brasileiros, e os pretos-velhos que representam os negros.
Estes revelavam a missão de irmanar todas as raças e classes sociais que
formavam o povo brasileiro.
Augras (1983) ressalta que, por volta dos anos 30, a umbanda chega o Rio de
Janeiro. Na maioria dos casos se tratava de sacerdotes e sacerdotisas que se
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refugiavam de perseguições e fundavam casas nos subúrbios da então capital da
república. A década de 40 é marcada pelo aumento significativo de nordestinos na
capital, povoando então a Baixada Fluminense, multiplicando os templos, na sua
maioria de umbanda.
De acordo com Silva (1994), a umbanda mesclava elementos da cabula, no
qual o chefe era chamado de embanda. A cabula também possuía o cargo de
cambone, auxiliar do culto assim como na umbanda. O emba ou pemba, pó sagrado
utilizado para os rituais na macumba, também era encontrado na umbanda. A cabula
era culto de forte influência banto, praticado na região do Espírito Santo,
basicamente por negros, realizado nas florestas secretamente à noite. Da macumba,
de origem banto e jejê nagô, herdou orixás, caboclos e santos católicos.
No Rio de Janeiro, os cultos eram divididos em linhas, muito aproximado das
práticas da cabula, também com culto dos espíritos ameríndios, os caboclos. Os
kardecistas misturaram suas práticas a estas denominadas, na época, de primitivas.
Houve então um processo de “embranquecimento” das práticas afro-brasileiras e um
“enegrecimento” das práticas espíritas kardecistas. O culto tornou-se mais
facilmente aceito por pessoas de classe mais elevada. A umbanda então, Silva (op.
cit.) relata, era tratada como culto religioso intermediário entre os populares que já
existiam. Por um lado, aceitava a concepção do karma dos espíritas, da evolução
espiritual, por outro praticava os ritos africanos, porém tornando-os mais aceitáveis.
Algumas práticas, consideradas bárbaras, como sacrifício de animais, fumo, pólvora
foram retiradas ou então explicadas cientificamente, conforme o racionalismo
kardecista.
A umbanda, de acordo com Silva (op. cit.), embranqueceu os valores
religiosos da macumba, os quais eram considerados pelos kardecistas como
atrasados e primitivos e, por outro lado, empretecia os valores do kardecismo,
considerados europeus demais para a realidade brasileira. Através da identificação
com os cultos afro os umbandistas tinham como proposta uma religião brasileira,
que reconhecesse os anseios das populações marginalizadas (negros, índios,
estivadores, prostitutas, pobres). A organização dos terreiros de umbanda se
inspiraram nas associações civis, como ordem sócio-religiosa. Os terreiros possuíam
estatutos que regiam seu funcionamento, definindo cargos e funções. Inspirada nas
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federações kardecistas, a umbanda também criou suas próprias federações, a
primeira foi fundada no Rio de Janeiro em 1939. Trata-se da União Espírita da
Umbanda do Brasil, principal articuladora do “Primeiro Congresso do Espiritismo de
Umbanda”, ocorrido em 1941, quando as principais diretrizes da religião foram
traçadas. Os principais objetivos das federações eram fornecer assistência jurídica
contra a perseguição policial, patrocinar cerimônias religiosas, organizareventos
religiosos, regulamentar as práticas religiosas, através de cursos e fiscalizações.
Com o tempo, alguns seguimentos reivindicaram uma maior aproximação
com os valores africanos, criticando a umbanda por tornar-se branca demais. Esses
dissidentes pertenciam às classes mais baixas. Eram negros e mestiços, retomando
algumas das práticas consideradas, pelos pioneiros, como primitivas e brutais.
Castro (2005 a) explica uma das razões da umbanda ter se expandido mais no Rio
de Janeiro do que o candomblé. O fato se deu pela umbanda ser considerada uma
religião menos trabalhosa, com menos rigores e restrições, permitindo aos adeptos
uma vida religiosa mais individualizada, com menos interdições. Castro (2005 a)
aponta que:
“ A Umbanda não se tornou branca, fez-se mestiça. Os pretosvelhos lembram o sofrimento da escravidão, mas aconselham
complacência, tolerância e piedade para com os brancos e
negros. Os caboclos mostram a força da natureza indígena
brasileira e recuperam o mito da força e exuberância do país. São
Cosme e São Damião, brancos, crianças, renasceram sem
crueldade, dominância e usura. A umbanda veio para ser uma
religião de conciliação e, assim, mestiça como o Rio de Janeiro e
o Brasil, traduzir o próprio país.” (p.73)
A umbanda, de acordo com Castro (2005 a), deixa de cumprir seu papel de
conciliadora e integradora entre as raças quando surgem os exus e pomba-giras.
Por se caracterizarem como seres amorais, chamados de “povo da rua”, têm, em
suas histórias, marcas de tragédias humanas nas ruas das cidades, sendo
marginais, prostitutas, ladrões, assassinos. É a incorporação ao rito dos menos
desvalidos da população, os pobres e marginalizados.
Augras (1983) ressalta que a umbanda é uma religião marcada
essencialmente pelo sincretismo, pois as divindades e ritos não somente se
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 justapõem, como no candomblé, mas fundem-se, transformando e reconstruindo um
culto no qual santos católicos, espíritos do kardecismo, caboclos, pretos velhos,
crianças brancas e figuras marginais, como exus e pomba-giras, convivem e
reconstroem todo um universo religioso novo, mais parecido com o que seus
adeptos atribuem à realidade brasileira.
1.3 - A tradição africana em Minas Gerais e Juiz de Fora
Minas Gerais foi, no período do século XIX, a maior província escravista do
país. De acordo com Oliveira (1994), o período de maior desenvolvimento do Estado
foi referente à mineração aurífera, que marcou grande crescimento das cidades no
início do século XVIII. Por volta de 1703, conforme Oliveira (1994), foi construída a
estrada do Caminho Novo que permitia o escoamento da mineração para o Rio de
Janeiro. A estrada passava pela Zona da Mata Mineira, aumentando a circulação de
pessoas pela região. Segundo Guimarães e Guimarães (2001), por volta de 1709
houve obras de melhoramento na estrada, que passou a permitir o trânsito regular 
de tropas de animais. As margens do Caminho Novo surge o povoado de Santo
Antônio do Paraibuna, em função das hospedarias e armazéns que abrigam
tropeiros. Em 1850, surge o município de Juiz de Fora. Por volta da segunda metade
do século XVIII, conforme Guimarães e Guimarães (op. cit.), a economia mineradora
entrou em decadência transformando a região de mineradora em agrícola.
O Governo do Império passou a distribuir terras na região para pessoas de
origem nobre (sesmarias), facilitando o povoamento e a formação de fazendas,
como relata Oliveira (1994). A produção de café, inicialmente de subsistência,
tornou-se economia mercantil, gerando recursos aplicados na expansão cafeeira da
Zona da Mata Mineira, entre 1850 a 1870. Com a expansão cafeeira, a área de Juiz
de Fora passou a concentrar, de acordo com Guimarães e Guimarães (2001), a
maioria dos escravos da província. Juiz de Fora foi o único município a concentrar,
em uma mesma ocasião, 20.000 escravos usados, em sua maioria, em lavouras de
café. Oliveira (1994) afirma ter sido Juiz de Fora a maior cidade escravista de Minas
e a maior província escravista do país. Oliveira (1994) informa ainda que em 1860
cerca de 60% da população da cidade era composta por escravos. Guimarães e
Guimarães (op. cit.) acrescentam que um grande contingente se originou do tráfico
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interno, já que o tráfico de escravos africanos foi proibido em 1850. Os escravos do
município vinham em quase sua totalidade das regiões mineradoras e do nordeste,
onde as lavouras tradicionais entraram em decadência.
Rodeada por fazendas de café, Juiz de Fora era o escoadouro natural de toda
a produção da região, servindo de grande entreposto comercial, devido,
principalmente, às facilidades de comunicação com o Rio de Janeiro. Considerando
as dificuldades no escoamento da produção cafeeira e as vantagens da concessão
para a construção de uma estrada de rodagem, como as da Europa e dos Estados
Unidos, Mariano Procópio Ferreira Lage propôs ao Imperador D. Pedro II a
construção de uma moderna via ligando Minas Gerais ao Rio de Janeiro. Assim, por 
volta de 1856 chegaram os primeiros alemães. Mão-de-obra especializada, que veio
trabalhar na obra, com contrato de dois anos. Eram especialistas em pontes de
ferro, mecânicos, carpinteiros, ferreiros, construtores.
Embora o governo imperial proibisse a utilização de escravos em serviços
públicos de maior importância, Guimarães e Guimarães (op. cit.) relatam que eles
trabalharam na Cia. União Indústria, juntamente com imigrantes alemães e outros
trabalhadores livres. Os escravos eram empregados nos mais diversos tipos de
trabalho, de acordo com Guimarães e Guimarães (op. cit.), tanto nas lavouras como
outras atividades tais como: ferreiro, pedreiro, marceneiro, parteiras e também
serviços domésticos. Existiam também os escravos de ganho que serviam de galés
(serviços públicos prestados por escravos criminosos ou prisioneiros). De acordo
com Oliveira (2000), Santo Antônio do Paraibuna possuía em 1833/35 uma
população de 1.532 pessoas, das quais 583 eram livres e 949 cativas. Já em 1855,
com a população de 6.466 habitantes, a cidade possuía 2.441 habitantes livres e
4.025 escravos cativos. Em 1872, tinha 18.775 habitantes, dos quais 11.604 livres e
7.171 escravos. No último período, houve uma elevação da população livre devido
ao crescimento das funções urbanas e, também, ao surgimento da colônia de
imigrantes alemães, destinada a construção da rodovia União Indústria, que
acrescentou 20% à população original da cidade.
Falando sobre o período, Oliveira (2000) esclarece que os negros se
afirmavam através de oposição aos senhores, muitas vezes em fugas individuais,
formação de quilombos e resistência cultural. A sua condição de despossuídos era
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amenizada pela preservação de valores e recriação de tradições. Estas aconteciam
tanto nos momentos de lazer, com os batuques e capoeiras, como nas práticas
religiosas. Porém, na cidade de Juiz de Fora, durante o período escravagista,
existem verdadeiras lacunas na compreensão das formas de resistência cultural dos
negros. Oliveira (2000) se refere aos muitos cativos com posse de pedaços de terra
de seus senhores para o cultivo de roça particular e, também, faz observação sobre
os que não residiam em senzalas coletivas. Existem registros de que alguns
possuíam suas moradias individuais, quando casados. Estes fatores demonstram
uma elaboração mais estruturada de famílias escravas, marcada também porum
aumento gradativo de casamentos entre os escravos no período do século XIX. Com
o reflexo do fim do tráfico, observa-se uma tendência, conforme Oliveira (2000), para
casamentos endogâmicos, ou seja, nativos africanos preferiam se unir a nativos
africanos e nascidos no Brasil com nascidos no Brasil. Havia poucos casamentos
entre libertos e cativos. O casamento e a formação de uma família estável
significava uma moradia individual, acesso a economia própria em terra cedida
dentro da própria fazenda, venda dos excedentes da produção e recebimento de
salários por tarefas extras. A união estável também possibilitava a consolidação de
laços de parentesco, não necessariamente consangüíneos, mas estabelecidos por 
compadrio, partindo das experiências compartilhadas, memórias e valores.
Minas Gerais não sofreu grande impacto com a abolição, afirma Oliveira
(2000), pois já contava com um grande contingente de ex-escravos, somados aos
trabalhadores livres e pobres. A produção agro-exportadora se recuperou
rapidamente e houve uma tímida política imigratória de 52 mil trabalhadores
italianos, em sua maioria. Os fazendeiros davam preferência para os ex-escravos no
plantio das lavouras, o espaço para os imigrantes não era grande. A grande maioria
dos imigrantes se concentrou, então, na zona urbana da cidade. Os ex-cativos,
porém, sofriam com a repressão ao trabalho livre, tendo sua capacidade sempre
questionada. Também, segundo Oliveira (2000), são encontrados registros de
conflitos entre negros e imigrantes. Nos registros criminais, os negros são
associados à desonestidade e violência, os imigrantes são tidos como honestos e
leais. Como no caso de Juiz de Fora, o impacto da abolição não levou os negros aos
centros urbanos, estes ficaram a cargo dos imigrantes. Somente com a decadência
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das lavouras de café, no período de 1920, é que começam a fluir em direção a
cidade em busca de emprego e moradia. No entanto, como este movimento ocorreu
tardiamente, os centros urbanos já estavam ocupados pelos imigrantes e não
ofereciam mais espaço para a mão-de-obra e moradia dos negros. Eles partiram
então em direção às periferias, o que levou a formação de bairros inteiramente de
pessoas negras, como o São Benedito (antigo arado) e Dom Bosco (antiga
serrinha). Estas regiões não possuíam a mínima infra-estrutura, como acesso a rede
de água, esgoto, iluminação pública, etc. Este fator proporcionou uma segmentação
racial marcante na cidade. Segundo Oliveira (2000), a identidade étnica constituía as
bases para a coesão interna das comunidades negras no período do pós-abolição.
Na zona rural, o viver em comunidade promovia costumes solidários de
sobrevivência, tais como a divisão dos alimentos, dos primeiros socorros aos recém-
chegados, ajuda aos menos favorecidos. Uma família negra se apoiava na outra
para que pudesse sobreviver. A marginalização das famílias negras nas periferias e
na zona rural viabilizava sua organização a partir de certas instâncias de cultura,
como a religião e lazer. Na cidade existia uma espécie de apartheid . A Rua Halfeld,
entre a Avenida Rio Branco e a Batista de Oliveira (trecho mais central e comercial
até os dias atuais), só era freqüentada por brancos. Entre a Batista de Oliveira e a
Avenida Getúlio Vargas (trecho mais marginal), a passagem era para negros.
No que diz respeito especificamente à religião, segundo Oliveira (2000), esta
apresentava uma outra instância de legitimação de uma identidade negra e de
convivência social. As diferentes crenças e práticas mágico-religiosas
representavam verdadeiros ingredientes da formação comunitária. Os cultos formais,
as missas, a adoração aos santos, articulando conteúdos culturais diversos,
sustentavam a vida religiosa dos negros, principalmente nas festas de Santo
Antônio, São Pedro e São João, quando as comunidade se reuniam e atualizavam
seus laços de reciprocidade. As rezas, curas e benzeduras eram entranhadas no
universo cultural das populações. Conforme Oliveira (2000), a fé católica, construída
com novos significados, apresenta-se como única entre os negros naquele período,
fato que leva ao questionamento de uma presença das religiões africanas. Ainda
assim as práticas católicas representavam, conforme a autora, fatores de coesão
dos grupos sociais negros, nos quais encontravam sua igualdade e praticavam sua
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liberdade, permitindo o exercício da sua criatividade, possibilidade de auto-afirmação
e de se auto-reconhecerem como sujeitos, construindo sua identidade negra própria.
1.4 - Os cultos afro-brasileiros em Minas Gerais e Juiz de Fora
Uma das presenças religiosas mais marcantes e tradicionalmente
reconhecidas no estado de Minas Gerais são os congados. As manifestações
misturam religiosidade católica com práticas afro-brasileiras e irmandades do
Rosário e santos pretos. Segundo Pereira (2005), trabalhos realizados por lingüistas
historiadores e folcloristas identificam forte influência da etnia banto na região de
Minas Gerais, apesar de alguns pesquisadores darem notícia da presença de
iorubás.
De acordo com Silva (1994), em Minas Gerais, os primeiros cultos africanos
identificados foram os calundus. Estes cultos tinham origem étnica banto. Em
período posterior, as práticas identificadas são associações destes cultos ao
catolicismo, fato marcado pelos congados e moçambiques. O sincretismo foi a forma
que o negro encontrou de manter viva sua tradição no espaço dominado pelo
cristianismo. Sem alternativa, o negro reinventou suas práticas em conjunto com as
práticas católicas. Herança africana e cristã foram reelaboradas, novos modelos
construídos.
Segundo Martins (1982), a congada é um ritual de devoção sagrado, embora
com aspectos profanos. Os registros mais antigos são de 1705 e 1706, do costume
de negros e negras de criarem reis e rainhas, juízes e juízas, por ocasião das festas
de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito. A devoção por Nossa Senhora do
Rosário é muito antiga. Desde os tempos de 1552, já se tem notícia de negros
organizados em confrarias do Rosário, de acordo com Martins (op. cit). Missionários
franciscanos na África, antes mesmo do descobrimento do Brasil, confundiram,
propositadamente, o oráculo de Ifá, com o rosário, tendo por fim a catequese. A
fraternidade de Nossa Senhora do Rosário e dos santos pretos, entre os quais São
Benedito e Santa Efigênia, é constituída em Minas por oito guardas: candombe,
moçambique, congo, vilão, marujos, catopês, cavaleiros de São Jorge e caboclinhos.
Conforme a tradição, partiram do candombe todas as guardas, sendo este o pai de
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todas. O congo é a irmã mais velha, depois vindo moçambique, marujos e as
demais. O candombe é uma guarda fechada, esotérica. Não sai, exceto para tocar e
cantar em casa de reis congos, durante grandes ocasiões. Ligado a tais guardas, o
reinado se sobressai pelo colorido e ostentação. Lembra passagens históricas de
Chico Rei e da Rainha Ginga e comunicações de guerra e paz. Todas as guardas
formam a Congada, denominação genérica da grande família coreográfica em torno
de Nossa Senhora do Rosário e dos santos pretos. O ritual das festas começa com
o levantamento do mastro, por vezes dois: um no adro da Igreja e outro na casa do
festeiro. De manhã, a escolta conduz a coroa (reinado) da residência dos reis ao
altar. No trajeto, os versais cantam e dançam.
Tavares (2003)afirma que a história da tradição afro-brasileira da Zona da
Mata mineira e, particularmente, de Juiz de Fora ainda está por ser contada, pois
existem muitas lacunas sobre a verdadeira participação da religiosidade africana na
história e na memória regionais. As poucas informações registradas em estudos
atuais foram obtidas através de depoimentos de informantes, colhidos por 
pesquisadores.
Pereira (2005) assinala que a herança religiosa dos bantos encontrou em
Minas Gerais solo fértil e entre os afro-descendentes um universo de simbolismos
formados pelos valores do catolicismo. Mesmo com a evidente predominância banto
no  congado, referências dos elementos lingüísticos e simbólicos da cultura iorubá
também são encontrados no espaço mítico deste seguimento cultural/religioso.
Xangô e Nanã são citados em repertórios e cantos que realizam uma ligação étnica
e religiosa com a Bahia, por exemplo. A importação dos bantos e a sua fixação em
Minas Gerais refletem sobre as recentes memórias africanas na população local. De
acordo com Pereira (2005), a ordem familiar entre os bantos se estrutura segundo a
lógica de um grupo de parentesco que traça a origem partindo de ancestrais
comuns, o que pode ser observado em grupos de candombe, tais como os Arturos
(que têm como marco ancestral Artur Camilo Silvério), Mato do Tição (que tem como
ancestral Constantina Augusta dos Santos), dentre outros. Por conta do
deslocamento dos bantos de uma região para outra, criou-se um roteiro segundo o
qual seus ancestrais acompanhavam seus descendentes. Como a noção de terra
sagrada acompanhava estes ancestrais, terra sagrada era aquela na qual se
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instalavam. Desta maneira, as raízes familiares dos bantos não se prendiam a um
determinado lugar, mas no grupo de parentesco, nos ancestrais.
Pereira (2005) aponta que a necessidade de criar mecanismos de mediação
entre Deus e os homens fez com que os grupos, através da vivência religiosa,
manifestassem sua consideração pelos antepassados. Para chegar à casa de Deus
era preciso manter os vínculos de pertencimento entre os vivos e os mortos, uma
vez que sem esses vínculos os homens estariam privados da comunicação com
Deus e com os seus semelhantes. O monoteísmo e a mediação dos ancestrais
forneceram aos bantos dados para realizarem leitura da realidade que o tráfico
escravista os obrigou a conhecer. Por conta disso, estreitavam-se os vínculos entre
a experiência histórica e a vivência religiosa dos que desembarcaram no Brasil. No
novo contexto, os bantos tiveram que desvendar um campo religioso no qual se
destacavam o catolicismo ibérico, as tradições indígenas e, sobretudo, as tensões
resultantes desse contato. Nesse campo religioso, as negociações entre as
diferentes vivências do sagrado abriram espaço para o surgimento de novas
configurações das práticas e dos valores que permitiram ao devoto relacionar-se
com as forças divinas. O candombe exemplifica uma dessas configurações, pois
reverencia, simultaneamente, os ancestrais negros e os santos do catolicismo. Além
disso, durante as rodas do candombe canta-se para Calunga e para Nossa Senhora
do Rosário. A invocação de Zambi e Calunga nos cantos registrados em Minas
Gerais demonstra o contínuo cultural que espelha as heranças de procedência
banto. Pereira (2005) relata que o universo cultural e religioso relacionado às
heranças no estado permitiu que os afrodescendentes mantivessem a percepção de
Zambi como força maior e deus protetor. Segundo Pereira (2005), o congado
atualmente constitui uma prática importante na trajetória histórica dos afro-
brasileiros, vinculando-as às experiências da diáspora protagonizadas pelos
ancestrais e aos esforços de construção de uma sociedade mais democrática.
Apesar da marcante e incontestável presença dos congados em Minas Gerais, na
cidade de Juiz de Fora não existem nem se tem registros de grupos e rituais, apenas
da existência de uma Irmandade de Nossa Senhora do Rosário.
Do período escravista, a manifestação religiosa negra típica registrada na
cidade é a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário. De acordo com Pereira (2003),
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o fato do catolicismo, no início da fundação do município, ser de origem leiga tem
como conseqüência sua base em manifestações populares, não se diferindo das
demais cidades brasileiras. A presença das Irmandades, associações religiosas nas
quais os leigos se reuniam em torno de um santo, era comum. A Irmandade de
Nossa Senhora do Rosário era somente de negros, libertos e escravos. Seu registro
de compromisso data de 22 de abril de 1888, 21 dias antes da abolição. O fator que
a diferenciava era a coroação de um rei e de uma rainha, que marcavam o traço
africano do movimento. Esta tradição remonta à figura de Francisco Natividade, o
famoso Chico Rei, de Vila Rica. Além do compromisso com a Nossa Senhora do
Rosário, os irmãos festejavam também São Benedito, São Eslebão e Santa Efigênia.
Esta representou a fase inicial da construção da Igreja de Nossa Senhora do
Rosário, hoje localizada no bairro Granbery, com ativa participação dos membros da
irmandade. Após o processo de romanização da igreja católica no pós-abolição,
Pereira (2003) revela o desaparecimento da Irmandade do Rosário e não se
encontram mais registros do que teria ocorrido, em seguida, com os seus membros.
Aparentemente a centralização do vaticano a teria enfraquecido por afastar as
práticas da religiosidade popular. Fato marcado também pelo falecimento do Padre
Tiago, (Primeiro padre da cidade, negro, e que defendia as tradições do catolicismo
popular) que representa uma ruptura com o catolicismo tradicional. Após o
falecimento do pároco, a ação reformadora de Dom Viçoso consegue penetrar na
cidade, reformando o clero, conforme era o desejo da diocese de Mariana.
As Irmandades de Nossa Senhora do Rosário e dos santos pretos religavam
os negros às suas origens de uma forma simbólica, diz Pereira (2005). Tinhorão
(2000) acrescenta que os negros, no período colonial, cultuavam santos com os
quais se sentiam semelhantes pela cor tais como São Benedito, São Gonçalo,
Virgem de Guadalupe, Santa Efigênia. A única exceção era Nossa Senhora do
Rosário. Neste caso a identificação, segundo este autor, reside no fato de o rosário
lembrar o oráculo africano de Ifá feito de sementes.
Pereira (2005) assinala a coroação de reis e rainhas como identificação de
uma ligação histórica dos africanos com as suas regiões de origem. Por isso,
adquiriu um peso político dentro da sociedade escravista brasileira. Os ritos de
coroação foram vistos como forma de acirrar rivalidades entre grupos africanos aqui
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instalados. Aos olhos da sociedade escravista, valores ambivalentes aos batuques e
coroações de reis e rainhas desuniam os grupos mantendo vivos seus conflitos. Por 
outro lado permitiam uma perigosa aproximação de pessoas igualadas pelo
sofrimento. O aspecto sagrado da coroação ampliou a sua significação no cenário
social, já que, por sua conta, eram articulados diferentes interesses dos senhores,
escravos e devotos. O caráter sagrado que cercava a coroação justificava o respeito
que os seus súditos lhes dedicavam. Para os negros, que retomavam a linha
histórica de sua ancestralidade, a coroação era mais do que uma encenação
permitida pelos senhores. A confirmação disso estava no fato de que o ato
representou, em diversas localidades,caminho para a obtenção da alforria. Em
Minas Gerais, essa cerimônia passou a ter um aval das Irmandades de negros,
muitas das quais regulamentavam em seus compromissos a eleição e as funções
dos reis. Além disso, o costume de se alforriar o rei eleito anualmente deu grande
prestígio à instituição do Reinado. De acordo com Pereira (2005), a coroação
possuía um caráter político forte, na medida em que ela relembrava esquemas de
poder de sociedades africanas dentro do escravismo brasileiro. Para os negros,
essa cerimônia possuía uma função simbólica, pois reis e rainhas representavam o
estabelecimento do grupo familiar ampliado, que se tornava responsável pela
sustentação da memória dos ancestrais. A função política da coroação se revelava
quando os negros respondiam à ordem social escravista com atitudes que permitiam
dialogar com os seus valores sociais, os seus padrões estéticos e suas experiências
afetivas. Estabelecia-se assim, de maneira explícita ou velada, a confrontação entre
ordens sociais diferentes, que se exprimiam a partir dos relacionamentos entre
brancos e negros, senhores e escravos, dominantes e dominados. Segundo Pereira
(2005), as ações dos escravos atribuíam expressividade particular às idéias liberais,
pois as expressavam através das heranças culturais de origem africana
reelaboradas no Brasil. A coroação de reis e rainhas tinha, na África, o sentido de
preservação de determinada linhagem, possuindo caráter conservador, ainda que na
aparência indicasse a dinâmica de substituição de um soberano pelo seu sucessor,
no contexto do escravismo brasileiro. Pereira (2005) aponta que o aspecto
conservador é a religação com o mundo dos antepassados, permitindo que os
negros mantivessem sua memória política, social e afetiva, apesar do processo de
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coisificação estabelecido pelo modelo escravista. O aspecto liberal se exprimiu na
forma de escolha dos reis, pois passou a privilegiar pessoas diferentes em diferentes
épocas. O tráfico havia dispersado famílias inteiras, impossibilitando a manutenção
da linhagem nas cerimônias. Os negros tiveram na coroação dos reis e rainhas das
Irmandades fonte de formação de uma ideologia, na medida em que o rito
sustentava o vínculo afetivo entre as gerações e estabelecia, no sagrado, uma
organização social dos negros no Brasil.
Tavares e Floriano (2003),  em pesquisa realizada sobre a tradição afro-
brasileira em Juiz de Fora, mostram que a memória da tradição afro-brasileira na
cidade é bastante difusa e pouco conhecida. De acordo com depoimento de
informantes, esta tradição é acentuada pela antiguidade da umbanda. Alguns a
associam a uma continuação de tradições anteriores, como cabula ou canjerê.
Existem, no entanto, algumas contradições. Para alguns, o canjerê seria uma prática
religiosa distinta da umbanda, para outros as raízes da Umbanda da cidade estão no
canjerê. Este seria um nome antigo que a designaria. Tavares e Floriano (op. cit)
indicam ter sido sob o nome de canjerê, que as práticas denominadas de “baixo
espiritismo” eram identificadas pela elite local. Há ainda o fato do nome “canjerê” ter 
sido utilizado pelo clero católico e pela polícia da época, para designar os
praticantes da umbanda de forma pejorativa. Tavares e Floriano (2003) ressaltam
que o canjerê seria a prática mais antiga, atribuindo à Dona Mindoca, sua fundação
na cidade. Há, contudo, aqueles que dizem que a prática no centro de Dona
Mindoca era umbanda. O canjerê teria um altar, como os do culto da jurema, com
mesa branca, um jarro com água, flores brancas, para invocar os espíritos. Mesmo
não havendo consenso entre o que se praticava no centro, Tavares e Floriano (op.
cit.) concordam sobre o caráter precursor da mesma. A falecida Amerinda, mais
conhecida como Dona Mindoca, era uma mulher branca, nascida em cidade
próxima, falecida na década de 40. Teria fundado, de acordo com os informantes de
Tavares e Floriano (op. cit.), a casa mais antiga de Juiz de Fora , no início do século
XX. O seu centro ainda existe e está em funcionamento.
Chama a atenção o fato destes informantes identificarem uma mulher branca
como precursora das tradições afro-brasileiras num espaço, que chegou a abrigar o
maior contingente de negros do país. Porém, como os próprios pesquisadores
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definem, esta questão constitui verdadeira lacuna nos estudos sobre religiosidade do
município e pauta para estudos futuros.
Por volta da década de 60, houve uma tentativa de politização do movimento
umbandista na cidade, inspirada no fenômeno identificado no Rio de Janeiro e São
Paulo. Este fato ficou marcado com a entrada de líderes umbandistas para a política
partidária. O movimento foi liderado por Hélio Zanini que, entre 1972 e 1984,
elegeu-se vereador por diversas vezes, chegando à Presidência da Câmara
Municipal em 1981. Tavares e Floriano (op. cit.) relatam que Zanini realizava
reuniões no Legislativo com os praticantes do culto interessados na organização do
movimento, o que deu visibilidade a umbanda local. O vereador fornecia alvarás de
funcionamento para os terreiros até que conseguissem registro definitivo no cartório
de registro civil. Apesar disso, a Federação Umbandista de Juiz de Fora passou a
adquirir personalidade jurídica somente em 1979. Atualmente a entidade encontra-
se desativada.
Tavares e Floriano (2003) registram a chegada do candomblé a Juiz de Fora
no final dos anos 80, através da feitura de sacerdotes de umbanda em terreiros da
baixada fluminense e em Niterói. Os autores declaram ter sido um processo
conturbado. Em primeiro lugar, devido à reorientação pessoal de suas trajetórias
religiosas e, consequentemente, do perfil estabelecido para os terreiros. Em
segundo lugar, pelo fato de a cidade ter pouquíssima familiaridade com o
candomblé, já que os recém iniciados eram de terreiros de umbanda. Todos
tentavam estabelecer-se dentro da nova iniciação sem abandonar a antigas práticas
umbandistas. Na verdade ainda há uma tentativa de conciliar as duas práticas,
inclusive adaptando o seu tempo de feitura no candomblé ao seu tempo de iniciação
na umbanda. Uma característica ressaltada pelas autoras é que os neo-
candomblecistas não deixaram de ser umbandistas e declaram a umbanda como
raiz da sua tradição em Juiz de Fora.
Manifestação religiosa do catolicismo popular, alguns autores consideram a
folia de reis como uma prática religiosa de matriz africana. Porto (1982) cita as folias
como união da nostalgia do africano ao apego do português às tradições da mãe-
pátria. Uniu-se o folclore português às tradições de origem africana. Segundo o
autor, as folias de reis são os cortejos de caráter religioso popular que se realizam
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em vários estados do Brasil entre o Natal e a Festa de Reis, no dia 6 de janeiro,
reproduzindo a viagem dos Magos de Belém, para adorar o Menino Jesus. De
acordo com a tradição cristã, os Magos seriam Gaspar, Belchior e Baltazar, que
vieram por inspiração divina, conforme o evangelho de São Mateus, do Oriente até a
gruta onde se achava o Menino Jesus, para adorá-lo como Rei dos Judeus e
oferecer-lhe, como presentes, ouro, incenso e mirra. A partir das confusas noções
dos fatos bíblicos, os foliões compõem versos e cantigas e utilizam músicas
tradicionais, unindo criatividade e tradição.
Porto (op. cit.) indica que a origem da folia de reis não é muito especificada e
certamente

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