Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
1 MICROBIOLOGIA RAUL BICALHO – MEDUFES 103 Feohifomicose INTRODUÇÃO Feohifomicose é um nome que vem do grego, em que phaios (feo) significa escuro ou acastanhado. Esse termo foi introduzido em 1974 por Ajello para designar infecções por fungos filamentosos que tinham na sua parede celular uma concentração de melanina (fungos demáceos). Então, feohifomicose é um termo genérico utilizado tanto para infecções de micoses de implantação (subcutâneas) quanto para algumas infecções sistêmicas causadas por esses fungos filamentosos demáceos. A princípio essa foi a designação feita por Ajello, mas foi visto com o passar do tempo que outros microrganismos, além dos fungos filamentosos, também poderiam causar feohifomicose, que é o caso das leveduras demáceas. A feohifomicose é uma doença mais rara, principalmente na sua forma sistêmica. Ela é causada por esses microrganismos que têm característica de serem saprófitos, ou seja, eles vivem no meio ambiente decompondo matéria orgânica. IMMUNOCOMPROMISED PATIENTS ONCOLOGY SETTINGS Nos últimos anos, nós tivemos um aumento das feohifomicoses. Essa micose também não possui notificação compulsória, então os dados que temos são aqueles publicados na literatura. Esse aumento das feohifomicoses se deve principalmente em virtude do crescimento também da população de imunocomprometidos. No exemplo de um estudo durante 15 anos com pacientes com câncer, é possível observar que durante esse intervalo o número de casos de feohifomicose cresceu muito, passando de 1 caso a cada 100 mil habitantes-dia para 3,1 casos a cada 100 mil habitantes-dia. ASPECTOS MORFOLÓGICOS NO EXAME MICROSCÓPICO DIRETO OU HISTOPATOLÓGICO Como faço para identificar se o fungo demáceo está causando cromoblastomicose ou feohifomicose? Por meio dos achados no tecido e da clínica do paciente. Na cromoblastomicose, é achado como forma patogênica no tecido a célula muriforme, que é aquela célula arredondada, única ou bicelular (septos transversais ou longitudinais). Na feohifomicose, no tecido do hospedeiro são encontradas hifas septadas demáceas toruloides. Essa hifa é inchadinha, parecendo até uma pseudohifa. Além disso, são encontrados elementos leveduriformes, então se forem encontrados blastoconídios leveduriformes em uma micose de implantação ou se for encontrada uma levedura demácea no tecido de um paciente que tem uma micose sistêmica, trata-se de feohifomicose. Essas hifas toruloides e estruturas leveduriformes são formadas justamente por causa da temperatura do hospedeiro (diferente da ambiental, mais alta), do pH mais ácido, da pressão PROFA. SARAH (+ Micetoma) 2 MICROBIOLOGIA RAUL BICALHO – MEDUFES 103 tecidual, da baixa concentração de oxigênio e fatores relacionados com a defesa do hospedeiro. Todos fatores também que influenciam a formação das células muriformes na cromoblastomicose. Então, os aspectos morfológicos que podem ser encontrados no exame microscópico direto e no histopatológico em uma suspeita de feohifomicose são as hifas toruloides, hifas septadas demáceas e leveduras demáceas (blastoconídio). PRINCIPAIS AGENTES Fora o EMD, é necessário fazer a cultura para poder estabelecer um perfil de susceptibilidade, visto que não existem perfis de susceptibilidade traçados para esses microrganismos. Isso porque existem mais de 150 espécies distribuídas em 70 gêneros, sendo difícil traçar um perfil, então é necessário testar agente por agente. Os principais agentes são dos gêneros Alternaria, Bipolaris, Cladosporium, Curvularia e Exserohilum. Cada um desses microrganismo pode ter preferência para locais distintos no organismo. É importante ter um certo cuidado com os fungos neurotrópicos, porque há alguns agentes de feohifomicose que têm uma afinidade pelo sistema nervoso central, é o caso da Cladophialophora bantiana. FONTE DE INFECÇÃO, HABITAT E VIA DE ENTRADA Como estamos falando de feohifomicose e ela pode ser uma micose de implantação, uma micose superficial ou uma micose sistêmica, a via de entrada dela é distinta. Quando se fala de micose superficial ou cutânea a via de entrada é por traumatismo transcutâneo. Já quando se fala de feohifomicose sistêmica a via de entrada é por inalação do microrganismo do meio ambiente. São microrganismos que podem ser encontrados em qualquer lugar na natureza, principalmente na terra e em vegetais. Alguns têm umas predileções, por exemplo Neoscytalidium que causa onicomicose por fungo demáceo (feohifomicose) tem preferência por tubérculos e vinhedos. 3 MICROBIOLOGIA RAUL BICALHO – MEDUFES 103 SUPERFICIAL CUTÂNEA Existe uma micose superficial, também chamada de feohifomicose, que atinge um hospedeiro imunocompetente, causando uma onicomicose. Ela é parecida com dermatofitose, tendo a clínica e patogênese bastante semelhantes, atingindo a borda livre (parte distal), em direção à parte proximal, tendo espessamento da unha também. Uma característica muito interessante nesse caso é que, como é um fungo melanizado, é possível ver uma grande quantidade de melanina na unha do paciente. Além disso, é um fungo muito difícil de tratar e ocorre principalmente em mãos, visto que tem relação com vinhedos e tubérculos. INFECÇÕES SUBCUTÂNEAS (OU MICOSES DE IMPLANTAÇÃO) Essas micoses de implantação são de evolução crônica, visto que os microrganismos estão no meio ambiente e têm baixa virulência, então não é a primeira opção deles invadir as células, o que faz com que eles demorem para se adaptar ao hospedeiro. Sendo assim, a evolução dessa doença acaba sendo bastante lenta. Resumindo, micose de implantação é uma doença de evolução crônica, que vai se desenvolver no local onde o microrganismo foi inoculado. No caso da feohifomicose pode ter formação de cistos principalmente, que podem possuir secreção serosanguinolenta ou seropurulenta. Essas secreções, quando são drenadas, apresentam uma quantidade grande de hifas demáceas. Esse tipo de feohifomicose pode acontecer tanto em paciente imunocompetente quanto em paciente imunocomprometidos. As lesões são do tipo císticas e nodulares. As nodulares são lesões elevadas e sólidas, já as císticas (mais frequentes) são aquelas com encapsularização que dentro da lesão existe um líquido. Atinge membros inferiores, membros superiores e face. FORMAS CLÍNICAS – LESÃO CÍSTICA A lesão cística é uma lesão única, que pode ser papular ou nodular e ainda pode formar um abcesso, ou seja, ela pode começar de forma nodulosa. As lesões císticas têm uma consistência mais mole, se drenada apresenta hifas demáceas e não são aderidas à pele (são flutuantes). Ela é bem definida, encapsulada, tem de 2 a 4 centímetros de diâmetro e frequentemente é assintomática. 4 MICROBIOLOGIA RAUL BICALHO – MEDUFES 103 Lesão nodular disseminada A lesão nodular pode ser disseminada, forma menos frequente que acontece principalmente em paciente imunocomprometido. Nesse caso, nós vemos vários nódulos, uma grande extensão das lesões, que são lesões granulomatosas, podendo ter um aspecto mais verrucoso e podendo apresentar dor e um certo prurido. FEOHIFOMICOSES SISTEMICAS As feohifomicoses sistêmicas são infecções mais incomuns, que ocorrem em pacientes imunocomprometidos, ou seja, tem um fator predisponente, como transplante de órgão sólido, transplante de medula óssea, uso de corticoide, neutropenia, uso crônico de cateter, diálise peritoneal e HIV/AIDS. Elas podem atingir SNC, pulmões, ossos, coração, baço, intestino etc. Lembrando que alguns agentes de feohifomicose têm preferência por determinados sítios, por exemplo: Neoscytalidium geralmente causam micoses superficiais cutâneas; Cladophialophora, Exophiala, Alternaria, Bipolaris eVeranaea são dermotrópicos, ficando mais restritos ao tecido subcutâneo; e temos aqueles que devemos tomar bastante cuidado, que são os neurotrópicos, porque eles têm afinidade ao SNC, é o caso principalmente da Cladophialophora bantiana. A feohifomicose sistêmica ocorre por meio da inalação dos conídios, que atingem os alvéolos pulmonares. Nesse caso, pode ficar assintomática, mas se o paciente tiver algum fator predisponente (paciente imunodeprimido), ela pode disseminar, podendo atingir o SNC e causando abcessos. Então, o paciente pode apresentar perda de memória, entrar em coma, ter parada cardíaca, ter cefaleia e astenia etc. 5 MICROBIOLOGIA RAUL BICALHO – MEDUFES 103 48% dos casos ocorre pela Cladophialophora bantiana. A mortalidade infelizmente é alta, em torno de 70%. Lembrando que é bem difícil tratar fungos demáceos. TRATAMENTO Micoses de implantação (cromoblastomicose, feohifomicose, esporotricose, micetoma etc.) são tratadas geralmente com itraconazol associado a outros procedimentos. Na micose subcutânea pode ocorrer a remoção cirúrgica (sempre associada ao antifúngico). Às vezes, associam o itraconazol com 5-Fluorocitosina ou com outros derivados azólicos (cetoconazol, fluconazol etc.), porém não conseguimos saber a susceptibilidade desses microrganismos, logo podem haver respostas variáveis. O melhor, então, seria traçar o perfil de susceptibilidade depois que o agente fosse isolado. Outro medicamento utilizado no caso das subcutâneas é a terbinafina. No caso de feohifomicose sistêmica, o tratamento seria com voriconazol ou posaconazol dependendo do agente. Lembrando que a Anfotericina B acaba sendo inferior aos azólicos para o tratamento de feohifomicose, em virtude da produção de melanina pelos fungos demáceos, que reduz a susceptibilidade a grande parte dos antifúngicos. No caso de onicomicose por N. dimidiatum há o tratamento tópico com esmalte (amorolfina ou ciclopirox), sendo um tratamento um pouco complicado (bem longo). 6 MICROBIOLOGIA RAUL BICALHO – MEDUFES 103 MICETOMA O micetoma também é uma micose de implantação, podendo ser por fungos ou bactérias, sendo a de fungos chamada de eumicetoma. É uma doença de evolução crônica, que vai acometer o tecido subcutâneo. O microrganismo é implantado no tecido subcutâneo, começa a progredir com uma tumefação, a formação de uma massa, que abre uma fístula, fazendo com que tenha um contato do meio interno com o meio externo. Através dessa fístula são drenados vários grãos, chamados de grãos parasitários, que são nada mais nada menos do que emaranhados de hifas. Então, na cromoblastomicose observamos as células muriformes. Na feohifomicose observamos hifas toruloides demáceas septadas e leveduras demáceas. Já no micetoma observamos a tríade, que é a tumefação, a fístula e a produção de grãos, além da liberação dos grãos parasitários. Como estamos falando de fungos demáceos, os grãos são negros. A população mais acometida é a de trabalhadores rurais em regiões tropicais e subtropicais. No mapa de micetoma até 2013, podemos observar que o Brasil é um país com bastante caso da doença. Na América Latina, o maior número de casos ocorre no México. 7 MICROBIOLOGIA RAUL BICALHO – MEDUFES 103 Eumicetoma O eumicetoma geralmente é podal (70% dos casos ocorrem no pé), porém também pode ocorrer atingir membros superiores, cabeça, pescoço e raramente seios da face, olhos e escroto. Eumcietoma com a triade Biopsia com os grãos 8 MICROBIOLOGIA RAUL BICALHO – MEDUFES 103 Bastante fistulizacao e drenando Fistulizacao e secreção com grãos parasitarios negros 9 MICROBIOLOGIA RAUL BICALHO – MEDUFES 103 Massa formada por eumicetoma noo gluteo Agentes etiológicos de eumicetoma Temos os eumicetomas por fungos demáceos que produzem grãos negros, porém existem eumicetomas por fungos filamentosos hialinos, que produzem grãos brancos e amarelados (Acremonium e Aspergillus). O que interessa para a gente são os eumicetomas de fungos demáceos, que são causados pelos agentes de Madurella spp., Leptosphaeria spp., Curvularia spp., Exophiala spp., Phaeocremonium spp., Phialophora verrucosa, entre outros. 10 MICROBIOLOGIA RAUL BICALHO – MEDUFES 103 Como muitos desses agentes também causam cromoblastomicose e feohifomicose, é necessário ficar atento aos achados do exame microscópico direto para poder dar o diagnóstico corretamente. Lembrando. Célula muriforme = Cromoblastomicose / Hifa toruloide septada demáce = Feohifomicose / Grãos parasitários = Micetoma Tratamento de eumicetoma O tratamento depende do agente e da extensão. Pode ser feito por antifúngicos, sendo o itraconazol o mais utilizado, mas também são usados terbinafina, Anfotericina B e griseofulvina. Muitos casos evoluem, infelizmente, para a amputação do membro.
Compartilhar