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ACOLHIMENTO A CRIANÇAS E ADOLESCENTES VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA SEXUAL EM CONTEXTO PERICIAL Igor Vieira¹; Taiane Alves²; Laize Oliveira 3 ; Janaína Barletta 4 ; Marlizete Maldonado Vargas 5 ¹ Mestrando em Saúde e Ambiente, Universidade Tiradentes, SE/Brasil. ² Doutoranda em Psicologia, Università Degli Studi di Pavia, Italia. ³ Mestrado em Psicologia Social, Universidade Federal de Sergipe, SE/Brasil 4 Doutoranda em Ciências da Saúde, Universidade Federal de Sergipe, SE/Brasil 5 Prof. Mestrado em Saúde e Ambiente, Universidade Tiradentes, pesquisadora do Instituto de Tecnologia e Pesquisa/LPPS, SE/Brasil E-mail do autor responsável: igosv@hotmail.com; Telf. +351 939 245 972 Endereço para correspondência: Laboratório de Planejamento e Promoção da Saúde/ITP Avenida Murilo Dantas, 300, Bloco F sala 2. Bairro Farolandia. CEP 49032-490, Aracaju/Sergipe mailto:igosv@hotmail.com EXPERIENCIA DE ACOLHIMENTO A CRIANÇAS E ADOLESCENTES VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA SEXUAL EM CONTEXTO PERICIAL Resumo Este trabalho apresenta problematizações sobre as contribuições da psicologia no serviço de acolhimento do Instituto Médico Legal - IML da cidade de Aracaju, Sergipe. O objetivo foi fazer uma reflexão teórico-prática sobre a produção de um espaço de trabalho que privilegia a escuta no espaço público. O método utilizado foi o levantamento de relatos de vítimas/acompanhantes e discussões fundamentadas em referenciais teóricos atuais de bases de dados internacionalmente reconhecidas. Para o registro dos atendimentos realizados pelos estagiários, foram utilizados diários de bordo. Através da analise da experiência de estagio, foi possível, identificar o efeito positivo que a escuta diferenciada trouxe à criança ou adolescente vítima de violência sexual, pois submeter-se ao exame sexológico pode ser outro momento de revitimização já que este também era feito por um profissional (médico legista) do sexo masculino. Através de discussões sobre as adversidades e peculiaridades de trabalhar em um ambiente que confronta os sujeitos de forma permanente com a violência e a morte, o presente trabalho mostra que a situação psicológica, pedagógica, jurídica e de saúde podem ser trabalhadas de forma mais humanizada nas instituições onde o trabalho legista é o foco principal. Deste modo pôde-se transmitir maior segurança aos usuários para se submeterem aos exames de corpo de delito e a importância do atendimento psicológico mais duradouro. Assim, considera-se que este trabalho possa contribuir para novos estudos sobre a inserção da Psicologia em contextos institucionais como esse. Palavras-chave: Acolhimento, IML, Violência sexual, Formação do Psicólogo. EXPERIENCE OF A HOST TEENS VICTIM OF SEXUAL VIOLENCE IN FORENSIC CONTEXT Abstract This work presents questions over the contribution of psychology in the host service of the Forensic Institute – IML from Aracaju. The goal was to make a theoretical and practical analysis over the implementation of a workspace that focuses on listening in the public space. The method used was a survey of reported victims / accompanying persons and discussions based on theoretical references from current internationally recognized databases. Logbooks were used to record the trainees’ visits. By analysis of stage experience, it was possible to identify the positive effect that differentiated listening brought the child or adolescent victim of sexual violence, as the submitting to the sexological examination may be another moment of victimization, as this was also done by a professional (medical examiner) male. Through discussions over adversity and peculiarities of working in an environment that confronts the subject permanently with violence and death, this work shows that the psychological, pedagogical, legal and health situations can be worked out in a more humanized way where coroner work is the main focus. Then, it was possible to transmit greater safety for users to undergo the expert examination and the importance of psychotherapy. This work will contribute to further studies on the integration of psychology in institutional contexts such as this. Key words: Host, Sexual violence, Psychologist formation Introdução A violência, desde sua esfera doméstica até os grandes conflitos armados, é tema recorrente na vida do indivíduo, sendo largamente enfocada nos meios de comunicação internacionais (WHO, 2003). E hoje, a violência sexual é um profundo problema social e de saúde pública por sua alta prevalência na população e prejuízos para o desenvolvimento biopsicossocial da vítima e de seus familiares (Habigzang & Caminha, 2004). A Organização Mundial de Saúde (2003) define a violência sexual como: Qualquer ato sexual ou tentativa de atos para traficar a sexualidade de uma pessoa utilizando coerção, ameaças ou força física, praticados por qualquer pessoa, independentemente de suas relações com a vítima, em qualquer cenário, incluindo o lar ou trabalho”. Para Jewkes, Sen, & Garcia-Moreno (2002), a violência sexual é mais provável de ocorrer em sociedades com rígidos e tradicionais papéis de gênero, e onde há ideologia da superioridade masculina. Entretanto violência contra crianças e adolescentes, ocorre em todas as partes do mundo, em todas as culturas e extratos sociais. Tjaden & Thoennes (2000) levantaram que entre as vítimas de estupro do sexo feminino, mais da metade (54 por cento) das pesquisadas tinham menos de 18 anos de idade. Dados apresentados por Gaytos-Rosaldo (2012) sugerem que até um terço dos adolescentes tiveram sua primeira experiência sexual de modo forçado. Por serem indefesas e permanecerem por longo tempo na dependência de outros, as crianças se tornam vítimas constantes dos diversos tipos de violência, na grande maioria das vezes, por pessoas de convívio muito próximo e/ou responsáveis por garantir-lhes segurança e desenvolvimento saudável (Faria, Araujo & Baptista, 2008). O impacto da violência sexual está associado com o risco aumentado de uma série de problemas de saúde sexual e reprodutiva, com consequências imediatas e de longo prazo. Seu impacto sobre a saúde mental pode ser tão grave quanto o seu impacto físico, e pode ser igualmente duradoura. A morte após a violência sexual pode ser resultado de suicídio, infecção pelo HIV ou assassinato. Esta ultima pode ocorrer tanto durante um assalto sexual ou posteriormente, como um assassinato de 'honra' (Gaytos-Rosaldo, 2012). A violência e abuso sexual na infância estão entre as causas mais comuns de transtorno de estresse pós-traumático. Algumas crianças podem apresentar alterações comportamentais, cognitivas e afetivas, tais como sentimentos de culpa, diferença em relação aos pares, desconfiança, conduta hipersexualizada, baixo rendimento escolar abuso de substâncias psicoativas, fugas do lar, isolamento social, irritabilidade, ideações suicidadas ou tentativas de suicídio (Jonzon & Lindblad, 2004). Além disso, o peso destas agressões e sua desesperança parecem tão intoleráveis para algumas crianças e adolescentes que podem levá-las a apresentar problemas psiquiátricos posteriormente, tais como depressão maior, transtornos de personalidade múltipla, transtornos de personalidade borderline, abuso de substâncias psicoativas e comportamento antissocial (Peres, 2008). Proteção Legal de Crianças e Adolescentes contra Violência Sexual A Constituição Brasileira de 1988, o Código Penal, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA, 1989) e registraram de forma marcante a importância da participação da sociedade para proteção da criança e do adolescente contra qualquer forma de abuso sexual. A Lei 8.069 de 13 de julho de 1990 estabeleceu penalidades, não somente para os que praticam o ato, mas também, para aqueles que sabem e omitem qualquer informação (BRASIL, 2003).No ano 2000, foi lançado pelo Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), o Plano Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes, como instrumento de defesa e garantia de direitos da criança e do adolescente. Propõe a criação, fortalecimento e implementação de um conjunto articulado de ações e metas locais, fundamentais para assegurar a proteção integral da criança e do adolescente em situação ou risco de violência sexual. Já a lei 12015, de 07 de agosto de 2009, que se refere aos crimes contra a dignidade sexual e apresenta artigos relacionados às crianças e adolescentes vítimas, aumentou a pena para todos os tipos de violência que envolva crianças e adolescentes. Incluiu o estupro para ambos os sexos. Já a prática sexual mediante presença de alguém menor de 14 anos, ou induzi-lo a presenciar conjunção carnal ou outro ato libidinoso a fim de satisfazer lascívia própria ou de outrem, prevê a reclusão de 2 a 4 anos. Em Aracaju/Brasil, o Comitê Estadual de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes monitora e avalia o Plano Estadual e desenvolve ações de enfrentamento e prevenção da violência e abuso sexual infanto-juvenil assim como tem sido responsável por inciativas de mobilização em massa para a luta contra esse tipo de violência tão desumana. O campo jurídico/legal, em conjunto com o campo das ciências humanas e da saúde procura não só garantir as condições essenciais da criança e dos adolescentes e protegê-los da violação dos seus direitos, como também prezar pela recuperação de crianças que sofrem ou sofreram algum tipo de maus tratos e danos. Nesses casos, portanto, a adequada avaliação e o eficiente atendimento psicológico das vítimas tem grande importância. Um importante recurso utilizado na avaliação psicológica da criança nos casos de abuso infantil é a testagem projetiva. Através dos testes, a criança pode reproduzir seu mundo interno sem tantas resistências já que os estímulos apresentados descaracterizam uma semelhança exata e objetiva com a sua realidade, permitindo que o testando expresse seus conflitos e possa ser ajudado (Tardivo, Pinto Junior & Santos, 2005). Ao considerar-se a alta incidência e impactos negativos do abuso sexual nas suas dimensões sociais, jurídicas e psicológicas envolvidas neste complexo fenômeno (Habigzang &Caminha, 2004), para que sejam efetivas, as intervenções devem ser planejadas a partir de ações coordenadas por instituições atuem de forma harmônica por meio de diferentes olhares técnicos especializados. Atendimento Psicológico às vitimas de Violência Sexual Por se tratar de um fenômeno multifacetado, com múltiplas variáveis, é essencial que os profissionais que atuam na área tenham formação contínua e específica, bem como apoio e supervisões frequentes, pois atuar nesta área é geralmente fonte de estresse para os profissionais (Habigzang & Caminha, 2004). Os órgãos de proteção à criança e ao adolescente, tais como os Conselhos de Direito, Conselhos Tutelares, Promotoria e Juizado da Infância e Adolescência, e demais instituições como escolas, postos de saúde, hospitais, abrigos, entre outras, compõem a rede de apoio social para as vítimas. A ação desta rede inicia, na maioria dos casos, com o acolhimento da denúncia de abuso sexual e por esta razão a revelação da criança é um momento crucial que pode, por si só, apresentar um risco de revitimização quando os profissionais não adotam as medidas de proteção previstas. Esse estudo apresenta e discute um projeto de intervenção realizado com vítimas de violência sexual encaminhadas no IML para a realização de laudos periciais. Examinaram-se também quais os encaminhamentos que o IML/SE oferece a essas vítimas, sobretudo no que se refere à proteção à saúde. O interesse em apresentar e discutir este projeto de intervenção dirigido a crianças e adolescentes vítimas de violência sexual está relacionado à relevância em compartilhar a experiência, ao estimulo a outras produções na mesma linha que possam provocar um debate em torno do tema. Neste sentido, também se tem como objetivo ampliar as discussões sobre este tipo de trabalho, contribuir para o desenvolvimento do conhecimento na área e para a formação e o aprimoramento dos profissionais que trabalham no campo. A experiência de Estagiários de Psicologia no Serviço de Acolhimento do IML O serviço de acolhimento do IML/SE contava na época da experiência com uma assistente social e um psicólogo e dois supervisores/docentes da Universidade Tiradentes. A rotina de atendimento no IML se dá conforme segue: após o registro, a vítima e encaminhada ao setor acolhimento onde era realizada uma entrevista com o serviço social e, em seguida ou concomitantemente, são ouvidos pelo psicólogo e/ou dois estagiários da psicologia, que poderiam acompanhar o entrevistado e sua família até o setor de pericias. Quando o atendimento era de crianças, o responsável era atendido paralelamente pelo serviço e social ou estagiário de psicologia enquanto psicólogo ou outro estagiário de psicologia atendia a vítima. Em relação aos encaminhamentos que os médicos legistas dão às vítimas de violência, a maior parte costuma ir para a Maternidade Nossa Senhora de Lourdes – MNSL, para realização da profilaxia, ou seja, para medidas de prevenção de doenças sexualmente transmissíveis (DSTs), a exemplo da HIV e gravidez. Esse encaminhamento é de extrema importância porque possibilita à vítima restabelecimento da sua saúde física. Através do acompanhamento da equipe de acolhimento e Serviço de Psicologia, buscava-se identificar a situação social, pedagógica, jurídica e de saúde dos usuários do referido serviço para assim produzir um encaminhamento mais adequado para cada caso, de maneira a transmitir para a vítima maior segurança no que deveria ou iria ser feito durante o exame pericial e os procedimentos ou encaminhamentos posteriores, orientando para a importância da psicoterapia e informando sobre os serviços disponíveis na Rede de Atenção. Dentre os vários casos atendidos no serviço de Psicologia do IML, pode-se observar o desespero de muitas mães ou responsáveis que chegavam ao serviço. Para Deblinger et al. (1996), muitas vezes, as reações dos pais diante o abuso sexual influencia a forma de enfrentar da situação, por parte da criança. Logo, o profissional de psicologia deve estimular os pais a ficarem calmos e serem apoiadores, na medida do possível. O suporte aos pais ajuda-os a estarem receptivos, caso @ filh@ inicie uma conversa sobre o abuso. Estas atitudes reduzem a possibilidade de reações exageradas, que aumentem a ansiedade da criança possam piorar ainda mais a situação de estresse mediante o trauma vivido. Após a investigação da violência, a criança necessita de um auxílio para enfrentar a experiência. É importante, então, inicie uma psicoterapia, que pode lhe oferecer estratégias eficazes para o enfrentamento e aprendizagem de como lidar com o fato de ter sido violado (a), e chegue a um bom processo de ajustamento (Fisher& Heflin, 2004). A escuta psicológica No primeiro momento, de escuta da criança ou adolescente, o objetivo era acolher e buscar dos mesmos uma resposta ao que ocorrera através do desenho ou expressões gráficas, já que essa técnica faz com que diminua a resistência na expressão do mundo interno do sujeito. No acolhimento das crianças, também eram utilizados métodos lúdicos a fim de observar o que estaria acontecendo com a elas naquele momento. Quando a violência sexual é revelada inicialmente ao psicólogo, o mesmo deve transmitir à criança, tranquilidade e apoio, sem precisar obter detalhes específicos do fato. Porém, isto não quer dizer que ele não deva encorajar a criança no compartilhamento de informações sobre o abuso. O relato da criança sobre a experiência abusivatem que transcorrer com uma narrativa livre. Para isto ocorrer, o profissional ou estagiário de psicologia pode fazer perguntas formuladas de modo geral para não influenciar no relato. Tem mais credibilidade e significado, a revelação feita com as próprias palavras e nível de compreensão da criança (Deblinger, Fisher & Heflin, 1996). Por esta razão, fundamentados nos referidos autores, ressalta-se a importância da atitude do psicólogo ou estagiário ao transmitir à criança ou adolescente a segurança de que ela pode falar sobre qualquer pensamento, fazer perguntas e/ou demonstrar preocupação relacionada ao abuso sem se sentir mais fragilizada, humilhada, ou envergonhada por isso. A entrevista, portanto, deve ser cuidadosa para não, reforçar o sentimento de culpa, medo e desamparo que costuma acompanhar a experiência de violência sexual. E, mesmo que se dê abertura e disposição para se falar do abuso sexual, não é recomendável induzir a criança fazer um discurso da experiência. Perfil dos usuários Foram atendidos no IML ao longo do triênio 2009-2011, 322 crianças e adolescentes com queixas de estupro, ato libidinoso, atentado ao pudor e lesão corporal. Com faixa etária 1 a 18 anos, os estupros se concentraram entre as idades de 12 a 15 anos (56%), sendo que mais de 85% eram do sexo feminino. Os agressores eram conhecidos, mas na maioria dos laudos periciais não constava o tipo de vinculo com o agressor. Uma das configurações que favorecem uma relação de abuso é a assimetria de poder entre as pessoas envolvidas. Dessa forma, através de uma ameaça ou chantagem, a pessoa mais ‘forte’ da relação consegue estabelecer condutas a serem tomadas pela pessoa mais ‘fraca’, que obedece contra sua vontade para não sofrer uma perda considerada maior. Como a vítima sente-se incapaz de ir contra o agressor, com baixo senso de autoeficácia para enfrentar a situação coercitiva, apresenta-se completamente vulnerável e sem reação (Faiman, 2004). No atendimento com a mãe de Joana (nome fictício), 6 anos, que chegou ao IML diretamente por denúncia de violência sexual cometida pelo genitor foi esclarecido o contexto no qual o abuso ocorria. Quando a mãe ia trabalhar, seu ex-marido ficava em casa, colocava DVD para a irmã mais nova assistir na sala e chamava Joana para o quarto, onde a obrigava fazer sexo oral e atos libidinosos. Ao relatar essa história, pode-se confirmar o sofrimento e impacto negativo causado pela violência, não apenas na vítima, como também em pessoas próximas. A mãe chorou o tempo todo, descrevia a situação aversiva como um pesadelo, culpava-se por não ter conseguido evitar e relatava muita raiva ao decidir buscar justiça. Os estagiários não ficavam isentos do turbilhão de emoções causadas pela situação de abuso: muitas vezes em supervisão, também demonstravam raiva do agressor, compaixão pela criança, sentimentos de frustração e incompetência por não poder resolver todas as questões. Lidar com os próprios sentimentos e as emoções negativas dos familiares e vítimas foi um grande desafio para os estagiários. Equilibrar-se entre a vontade pessoal e postura profissional foi um importante manejo alcançado nesse processo de construção do papel do psicólogo. Foi a partir das reflexões sobre o impacto emocional da violência que os estagiários puderam se posicionar enquanto suporte e apoio para a vítima, estabelecendo relações terapêuticas, assertivas e afetivas. Verificou-se a importância do suporte social, desde um profissional até um familiar, para que a vítima possa sentir-se segura e apoiada, assim como possa desenvolver estratégias de enfrentamento adequadas. No caso de Joana ficou claro a aliança de apoio estabelecida entre mãe e filha a partir da fala da criança: “Mãe, eu estou tão aliviada porque contei para a senhora”. Outro momento considerado delicado pelos estagiários era o exame de corpo de delito. Joana foi acompanhada durante esse procedimento e observou-se que, inicialmente, a criança resistiu em relatar ao médico o que havia ocorrido, indicando a mãe como fonte de informação. Com ajuda dos estagiários, Joana conseguiu contar sua história finalizando com a expressão, que também lhe era bastante dolorosa: “Meu pai vai ser preso!”. Considerações finais Observou-se que os dados do perfil das crianças e adolescentes atendidos no IML/SE não diferem do que já foi levantado no país sobre essa temática. As vítimas de violência sexual tem por perfil serem adolescentes conhecidas de seus agressores, e essas agressões são cometidas em um local de fácil acesso tanto pelas vítimas quanto por seus agressores. Durante o estágio no Instituto Medico Legal, foi notado que existiam demandas para serem trabalhadas tanto com as vítimas como com os funcionários que faziam parte daquela instituição. Em relação à intervenção com as vitimas, muita das vezes pôde-se notar a necessidade que estas tinham em obter vários esclarecimentos sobre os procedimentos a serem feitos e até mesmo a necessidade de poder compartilhar sentimentos relacionados ao acontecido. Uma das dificuldades encontradas na rotina de atendimento do setor era que, em algumas vezes, em função da demanda, a vítima ia primeiramente ao médico legista. Quando isso acontecia, nem sempre era possível fazer o acolhimento psicossocial, uma vez que a evasão do local era imediata. Porém, de modo geral, notou-se a relevância da escuta diferenciada feita pela equipe de psicologia, até mesmo quando muitos casos mostravam a necessidade de um encaminhamento emergencial para uma continuidade do acompanhamento psicológico, muito importante dado os aspectos traumáticos resultantes da violência sofrida. Essa atividade implicou na consolidação da função do psicólogo como mediador das relações interpessoais na instituição e na sua importância na facilitação da comunicação entre outros profissionais e vítimas de forma mais humanizada, uma vez que a equipe era muito reduzida e não tinha condições de atender a demanda de forma mais individualizada e com espaço privilegiado de escuta e tempo de atenção que muitas das vítimas requeriam. Referências Brasil (1997). Estatuto da Criança e do Adolescente. Ministério da Justiça, Brasília, 110pp. Brasil (2002). Secretaria de Estado dos Direitos Humanos, Ministério da Justiça. 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