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Fisiologia Geral e Humana Material Teórico Responsável pelo Conteúdo: Profa. Dr. Martina Navarro Revisão Textual: Profa. Ms. Luciene Santos Fisiologia do Sistema Renal • Introdução ao Sistema Renal • Organização do sistema urinário • Líquidos corporais • Fluxo Sanguíneo Renal • Filtração Glomerular • Reabsorção pelos tubos glomerulares • Osmolaridade e a sede • Regulação renal do equilíbrio ácido-básico • Sistema renal e exercício físico · Este mó dulo tem por objetivo que o aluno compreenda o funcionamento fisiológico básico do sistema renal. Além disso, o aluno deve ser capaz de entender as principais respostas do sistema urinário diante das exigências físicas. OBJETIVO DE APRENDIZADO Olá, aluno (a)! Nesta unidade, daremos início aos estudos do sistema renal, um dos sis- temas fisiológicos do corpo humano. A fisiologia humana é a ciência que estuda as funções de cada parte do corpo humano, sendo a fisiologia uriná- ria a ciência que explica o funcionamento dos rins, e sua principal função, a filtração do sangue. Então, procure ler, com atenção, o conteúdo disponibilizado e o material complementar. Não esqueça! A leitura é um momento oportuno para registrar suas dúvidas; por isso não deixe de registrá-las e transmiti-las ao professor-tutor. Além disso, para que a sua aprendizagem ocorra num ambiente mais interativo possível, na pasta de atividades, você também encontrará avaliação, atividade reflexiva e videoaula. Cada material disponibilizado é mais um elemento para seu aprendizado. Por favor, estude todos com atenção! ORIENTAÇÕES Fisiologia do Sistema Renal UNIDADE Fisiologia do Sistema Renal Contextualização A Fisiologia do Sistema Renal, tópico abordado nesta unidade, dedica-se a estudar como o corpo humano mantém a homeostase dos líquidos corporais, absorvendo as substâncias necessárias e excretando as desnecessárias. O entendimento desse sistema em repouso, e principalmente sob situação de exercício físico, é relevante, pois durante a prática sofremos um processo de desidratação que, se não observado, poderá causar danos ao nosso organismo. Um exemplo dos efeitos da atividade atividade física pode ser visto na final da maratona olímpica de 1984. A maratonista Gabriela Andersen-Schiess claramente apresenta problemas para terminar a prova. Desorientada e com problemas musculares, a atleta sofreu grande desidratação devido à longa duração da prova, aliada ao consumo de água e não isotônicos para reposição hidroelétrica. No final desta unidade, entenderemos porque isso ocorreu e como os rins trabalham para tentar evitar eventos como esse. Gabriela Andersen Los Angeles 1984 https://goo.gl/K1kjPmEx pl or 6 7 Introdução ao Sistema Renal Imagine que você foi fazer uma trilha e acabou se perdendo do seu grupo, ficando sozinho no meio da mata e sem nenhum suprimento de água ou qualquer outro líquido. Quanto tempo você acha sobreviveria nessas condições? Se estiver frio, no máximo 7 dias, em dias mais quentes, no máximo 4. O corpo perde em média de 2 a 2,5% de água por dia, essa água é liberada por meio de suor, urina e fezes. Se você estivesse no cenário descrito anteriormente, o seu organismo iria reabsorver o máximo de água possível para tentar manter a homeostase do organismo, diminuindo essas secreções. A homeostasia é a propriedade que o corpo humano tem de regular/adaptar seu ambiente interno diante de mudanças tanto internas quanto externas para mantê-lo estável.Ex pl or Agora imagine que você acabou de almoçar. Dentro de alguns minutos, você provavelmente sentirá sede, principalmente se a sua alimentação conteve grande quantidade de sódio. A sensação de sede acontece porque há um desequilíbrio na concentração de sódio no sangue, esse desequilíbrio é então percebido pelo sistema renal que irá então trabalhar para que isso seja revertido. Esses dois exemplos ilustram a importância do sistema renal na manutenção da homeostase corporal, que tem como principal função o equilíbrio hidroeletrolítico dos líquidos corporais. Ou seja, sua principal função é regular a concentração de água e íons presentes no sangue. Organização do sistema urinário De forma geral, o sistema renal é composto: 1. pelos rins, que têm como principal função a filtração do sangue; 2. o ureter, responsável por carregar a urina do rim até a bexiga; 3. a bexiga que irá armazenar a urina, enquanto que o ureter irá conduzir essa urina até sua excreção (Fig. 1). Esses órgãos trabalham em harmonia para manter a homeostase dos líquidos corpóreos por meio da regulação da osmolaridade e do volume extracelular do fluído e, também, pela manutenção do equilíbrio iônico (balanço entre as concentrações de elementos químicos eletricamente carregados presentes nos líquidos corpóreos). Para tal, o sistema renal filtra o sangue, reabsorve o que é necessário e excreta o que não é. Osmolaridade é defi nida pela quantidade de partículas em um determinado solvente.Exp lo r 7 UNIDADE Fisiologia do Sistema Renal Figura 1 – Visão geral do sistema urinário Fonte: Guyton, 2011 Rins e néfrons Os rins estão localizados na parede posterior do abdômen e pesam aproximadamente 150 gramas. Este órgão possui duas regiões principais, a medula interna e o córtex externo (Fig. 2a). Na medula interna estão localizadas de 8 a 10 tecidos denominados pirâmides renais que ancoram os néfrons. Os néfrons são as unidades funcionais do rim, acredita-se que há entre 800.000 a 1 milhão de néfrons em cada rim (Fig. 2b). As pirâmides estão ancoradas em estruturas chamadas cálice menor, que se tornam cálice maior. Essas estruturas estão, por sua vez, ancoradas na pelve renal, uma estrutura em formato de funil que tem como continuação a parte superior do ureter. A pelve renal também serve de ancoragem para o hilio renal, estrutura que recebe a circulação arterial, venosa e linfática. (a) (b) Figura 2 – a) Estrutura interna do rim. b) Estrutura da unidade funcional do rim, o néfron Fonte: Guyton, 2011 8 9 Bexiga A bexiga está localizada na região pélvica. Em homens ela está diretamente em frente ao reto e nas mulheres logo abaixo do útero, em frente à vagina (Fig. 3). A bexiga pode ser subdividida em duas partes principais: o corpo, local onde a urina é armazenada; e o colo, extensão afunilada que se conecta com a uretra. O tecido muscular da bexiga é denominado músculo destrusor. Suas fibras musculares estão presentes em toda a extensão da bexiga, e são as responsáveis pela contração da bexiga, etapa inicial para a excreção da urina. Os ureteres entram na bexiga pela área denominada trígono e lá depositam o material a ser excretado. A inervação da bexiga, importante para o controle muscular desse órgão e no reflexo de micção (vontade de urinar), é controlada principalmente pelo sistema nervoso neurovegetativo (porções simpática e parassimpática). A porção simpática inerva a musculatura lisa da bexiga e do esfíncter uretral interno lhe conferindo poder de contração. A porção parassimpática inerva a parede da bexiga lhe conferindo poder de relaxamento. Os ureteres medem de 25 a 35 centímetros, sua musculatura é lisa, com inervação de fibras simpáticas e parassimpáticas e penetram na bexiga pelo músculo destrusor. A urina é transportada da pélvis renal para bexiga pelo ureter por meio de movimentos chamados de peristálticos. Figura 3 – Anatomia da bexiga, ureter e uretra e suas diferenças entre homens e mulheres Fonte: Guyton, 2011 9 UNIDADE Fisiologia do Sistema Renal Líquidos corporais O líquido corporal total pode ser dividido em dois tipos, o líquido extracelular e o líquido intracelular. O líquido extracelular pode ser ainda subdivido em líquido intersticial e plasma sanguíneo. Líquido intersticial: líquido presente no interstício, espaço existente entre as células ou entre as estruturas dos órgãos.Ex pl or Cada tipo de líquido está em quantidades diferentes no organismo (Fig. 4). Essa quantidade pode ser alterada de acordocom a idade, o sexo e o total de gordura. Ainda há o ganho de líquido corporal por meio da ingestão de bebidas e alimentos, e a perda desses líquidos na urina, fezes, suor, pulmões e pele. Os líquidos intracelulares, presentes no interior das cé- lulas, variam de acordo com o tipo celular e o metabolismo de cada célula. Os líquidos extrace- lulares são constantemente tro- cados por meio dos poros pre- sentes nos capilares sanguíneos e por isso, exceto pelas prote- ínas, apresentam praticamente os mesmo componentes. Nes- ses tipos de líquido corporal, estão presentes grandes quan- tidades de íons de sódio e clo- reto, razoáveis quantidades de bicarbonato e pouca quantidade de potássio, cálcio e magnésio, fosfatos e ácidos orgânicos. Figura 4 – Quantidade de cada tipo de líquido corporal e suas trocas Fonte: Guyton, 2011 Importante! Uma das principais funções do sistema renal é justamente manter o equilíbrio da quantidade de diferentes substâncias presentes nos líquidos corporais, levando em condições as distintas situações fisiológicas e fisiopatológicas do organismo. Importante! 10 11 Fluxo Sanguíneo Renal Para que o rim possa realizar o seu trabalho de filtração sanguínea é necessário que haja um grande fluxo de sangue nestes órgãos. Esse fluxo sanguíneo representa cerca de 22% do total de sangue bombeado pelo coração. Estima-se que o rim receba cerca de 1.100 mL de sangue por minuto. Ex pl or O sangue entra no tecido renal pela artéria renal que irá então se subdividir em artérias interlobares, artérias arqueadas, artérias interlobulares e artérias aferentes, que se tornam os capilares glomerulares onde, de fato, a filtração glomerular acontece. Além dos capilares glomerulares, há os capilares peritubu- lares, localizados entre os túbulos do néfron. Os capilares glomerulares são res- ponsáveis pela filtração do sangue, enquanto os peritubulares são responsáveis pela reabsorção das substâncias filtradas. Os capilares peritubulares se esvaziam no sistema venoso que é formado pela veia interlobular, a veia arqueada, veia interlobar e veia renal. Importante! Ou seja, o sangue chega ao rim através da circulação arterial, é fi ltrado e, então, sai pela circulação venosa (Fig. 5). Importante! (a) (b) Figura 5 – a) Macro Circulação arterial e venosa renal b) Micro circulação dos néfrons Fonte: Guyton, 2011 11 UNIDADE Fisiologia do Sistema Renal Filtração Glomerular Para que a urina seja formada é necessário que ocorram três diferentes processos renais (i) filtração glomerular, (ii) reabsorção de substâncias dos tubos renais para o sangue e (iii) secreção de substâncias do sangue para os túbulos renais (Fig. 6). Esses processos acontecem nos néfrons e são regulados de acordo com as necessidades corporais, podendo variar de acordo com a situação fisiológica do organismo. Por exemplo, se a ingestão de sódio foi maior do que o necessário, essa substância será secretada em maior quantidade. Importante! A filtração glomerular (FG) é o primeiro processo fisiológico e consiste na filtração dos líquidos que chegam aos rins por meio das artérias renais que, após várias ramificações, chegam aos capilares glomerulares. Importante! Os capilares glomerulares são, como a maioria dos capilares presentes no corpo, impermeáveis a proteínas. Consequentemente, o filtrado que sai dos glomérulos e é depositado na cápsula de Bowman (Fig. 2b) é praticamente livre de proteínas e de substâncias que estão ligadas a ela, como o cálcio e os ácidos graxos. No organismo humano adulto, a FG é cerca de 125mL por minuto (180L/por dia). Essa grande quanti- dade de FG permite com que os rins removam do organismo substâncias indesejáveis, assim como o contro- le, preciso e rápido, do volume e composição dos líquidos corpóreos. Importante! Como o sistema renal não fil- tra proteínas, a ingestão exa- gerada desse nutriente, como, por exemplo, por meio de suplementos protéicos, pode levar a uma sobrecarga renal e eventualmente a cálculos renais (“pedras nos rins”). Você Sabia? Figura 6 – Ordem cronológica dos processos que ocorrem durante a filtração sanguínea e consequente formação da urina Fonte: Guyton, 2011 Na microcirculação dos capilares, existem diferentes forças que promovem a passagem de líquidos dos vasos para o interstício e do interstício para o vaso. Uma dessas forças é chamada de pressão hidrostática, força que consiste na presença de 12 13 líquido no vaso. Outra força é a pressão coloidosmótica, que é a força de atração de água exercida pela proteína. A FG é determinada pelo coeficiente de filtração glomerular (Kf, quantidade de líquido que o glomérulo consegue filtrar) x pressão líquida de filtração (soma das pressões hidrostáticas e coloidosmóticas). Essas duas pressões, se combinadas, podem criar forças que são favoráveis ou que se opõe a filtração, sendo assim um determinante para a FG. Essas pressões podem ser alteradas em determinadas situações fisiológicas e fisiopatológicas. Outro ponto determinante para a FG é o tamanho das moléculas e suas cargas elétricas. Nos capilares glomerulares, as moléculas são filtradas de acordo com o seu tamanho e sua carga elétrica, gerando diferentes filtrabilidades. A filtrabilidade pode ser classificada utilizando a filtrabilidade da água como referência, ou seja, se a molécula for filtrada tão facilmente quanto a água, sua molaridade é igual ou próximo a 1.0. Se a filtrabilidade de uma molécula for, por exemplo, 0.75 isso significa que a molécula é filtrada apenas 75% tão rapidamente quanto a água. Por outro lado, quanto mais o peso molecular se aproxima do da albumina, a filtrabilidade chega próximo a 0 e é mais dificilmente absorvida. Regulação da FG Quando a pressão hidrostática na cápsula de Bowman aumenta, a FG reduz. Ou seja, quando há grande quantidade de filtrado na cápsula, os capilares reduzem a filtração dos líquidos. Por outro lado, se a pressão hidrostática diminui, a FG aumenta. Em certas patologias associadas à obstrução do trato urinário, a pressão hidrostática pode aumentar acentuadamente (devido ao acúmulo de filtrado na cápsula de Bowman), causando grave queda da FG, resultando na distenção e dilatação da pelve e cálices renais e, consequentemente, grave lesão renal. Por outro lado, se a pressão hidrostática aumentar nos glomérulos, a FG também será aumentada. A pressão hidrostática glomerular e a pressão coloidosmótica capilar glomerular podem ser influenciadas por hormônios e pelo sistema nervoso simpático. Uma dessas substâncias vasoativas é a angiotensina II, que pode ser classifica como um hormônio circulante. A angiotensina II é um importante vasoconstritor renal, seu aumento no organismo pode levar ao aumento da pressão hidrostática glomerular (consequentemente, previne a redução de FG) e a redução do fluxo sanguíneo renal. Em conjunto, essas duas situações levam ao aumento da reabsorção de sódio e água, o que ajuda a levar a pressão arterial sanguínea ao nível ideal ao mesmo tempo em que mantém a excreção de produtos indesejáveis do metabolismo, como ureia e creatinina. O aumento da angiotensina II ocorre geralmente quando a pressão arterial está mais baixa que o normal ou quando há grande redução do volume. Importante! A angiotensina II é uma das principais substâncias que atuam em quadros hemorrágicos. Trocando ideias... 13 UNIDADE Fisiologia do Sistema Renal O óxido nítrico, por outro lado, é um vasotilatador e é liberado pelo endotélio vascular de todos os capilares do corpo. Em situações de homeostase, essa substância é importante pois leva a vasodilatação e, consequentemente, ao funcionamento correto dos rins, excretando as quantidades corretas de água e sódio. Consequentemente, se esse vasodilatador não pode ser produzido, secretado ou tem sua ação bloqueada, a pressão vascular renal é aumentada, prejudicando a FG e a excreção de sódio, levando ao aumento da pressão sanguínea. Isso pode acontecer, por exemplo,em pacientes com aterosclerose (condição vascular patológica causada pelo depósito de gordura ou outros elementos na parede do endotélio), o que causa problemas na produção de óxido nítrico, aumentando a concentração de sódio na pressão arterial. Outros vasodilatores importantes na regulação da FG são os hormônios prostaglandinas e bradicinina, em situações de homeostase eles atuam amenizando os efeitos de vasoconstrição da angiotensina II e dos nervos simpáticos. Além de substâncias que promovem a vasodilatação e a vasoconstrição, há também a autorregulação como mecanismo de regulação da homeostase renal. A autorregulação compreende mecanismos intrínsecos aos rins, ou seja, independem de influências do sistema como um todo, e levam a manutenção do fluxo sanguíneo e da FG relativamente constantes, mantendo a excreção de substâncias indesejáveis, água e solutos. Reabsorção pelos tubos glomerulares Após ser depositado na cápsula de Bowman, o filtrado glomerular entra nos túbulos renais. Primeiro, no túbulo proximal, seguindo para a alça de Henle, túbulo distal, túbulo coletor e, por fim, ducto coletor. Durante esse percurso, determinadas substâncias são reabsorvidas pelos túbulos e voltam para a circulação sanguínea, enquanto outras são secretadas do sangue para dentro dos túbulos dos néfrons. A maioria das substâncias são reabsorvidas, porém, as substâncias que serão secretadas contribuem significantemente para a concentração de íons de potássio e de hidrogênio na urina. Ou seja, a FG e a reabsorção são mais significativas que as excreções, uma pequena alteração na secreção de substâncias pode causar uma grande alteração na formação final da urina. Por exemplo, se a reabsorção diminuir em 10%, de 178,5 L por dia para 160,7 L por dia, há um aumento de 1,5 L de urina (chegando a uma total de 19,3 L diário), se a FG não for alterada. Alteração na quantidade de excreção de uma substância pode indicar alguma patologia, como a diabetes, por exemplo. Importante! Em situações fisiológicas normais, a glicose é reabsorvida 100%. Se há glicose na urina, isso pode ser um indicativo de que há maior quantidade de glicose na corrente sanguínea, indicando talvez uma diminuição na produção de insulina. Importante! 14 15 A tabela 1 mostra a reabsorção e excreção normal de diferentes substâncias presentes nos líquidos corporais. Tabela 1 – Principais substâncias fi ltradas e correspondente quantidade que é reabsorvida e excretada. Quantidade Filtrada Quantidade Reabsorvida Quantidade Excretada % da Carga Filtrada Reabsorvida Glicose (g/dia) 180 180 0 100 Bicarbonato (mEq/dia) 4.320 4.318 2 > 99,9 Sódio (mEq/dia) 25.560 25.410 150 99,4 Cloreto (mEq/dia) 19.440 19.260 180 99,1 Potássio (mEq/dia) 756 664 92 87,8 Ureia (g/dia) 46,8 23,4 23,4 50 Creatinina (g/dia) 1,8 0 1,8 0 Fonte: Guyton, 2011 Para que a reabsorção das substâncias ocorra, são necessários dois processos, (i) a substância precisa ultrapassar a membrana do epitélio dos túbulos e se juntar ao líquido intersticial e, (ii) através das membranas peritubulares, retornar ao sangue (Fig. 7). Para ultrapassar a membrana epitelial tubular, é necessário que ocorra o transporte (que pode ser ativo, ou seja, com gasto energético, ou passivo, sem gasto energético). O tipo de transporte será determinado de acordo com o tipo de substância a ser reabsorvida. A água e os solutos, por exemplo, podem ser transportados via transcelular (através das próprias membranas celulares) ou via osmose. Após ultrapassar o epitélio tubular e se juntar ao líquido intersticial, a água e os solutos são transportados através das paredes dos capilares peritubulares, e daí para o sangue por ultrafiltração, que é, assim como a FG, medida pela força hidrostática e coloidosmótica. Figura 7 – Esquema prático do mecanismo de reabsorção de substâncias que acontece nos túbulos renais Fonte: Guyton, 2011 15 UNIDADE Fisiologia do Sistema Renal O túbulo proximal é a primeira parte da aparelhagem tubular do néfron (Fig. 8). Nesta parte do túbulo, ocorrem cerca de 65% da reabsorção de água e sódio e, em ligeira diminuição percentual, de cloreto presentes no filtrado glomerular. Isso acontece devido às características celulares do epitélio do túbulo proximal. Essas células têm um elevado número de mitocôndrias que irá fornecer a energia necessária para o transporte ativo, além de terem uma maior superfície de membrana para o transporte de substâncias como íons. Essa membrana diferenciada também possui moléculas proteicas carregadoras que realizam o transporte de frações de íons de sódio. Nesta parte tubular, ocorre não só a reabsorção, mas, também, a secreção de substâncias formadas pelo metabolismo, que devem ser rapidamente eliminadas do organismo como, por exemplo, sais biliares, oxalato, urato e catecolaminas. É nessa parte também que ocorre a secreção de diferentes fármacos ou toxinas. A alça de Henle, próxima parte que o filtrado glomerular passa, pode ser divida em três segmentos: segmento descente fino, segmento ascendente fino e segmento ascendente espesso (Fig. 9). Os dois primeiros segmentos, diferentemente do túbulo proximal, possuem células com poucas mitocôndrias e pouquíssimo nível de atividade metabólica e membrana epitelial simples. O segmento descendente fino tem como principal função a difusão simples de água e solutos, aproximadamente 20% da água filtrada é reabsorvida nesse segmento da alça de Henle. De outra forma, o segmento ascendente fino e o segmento ascendente espesso são impermeáveis à água, sendo importante para a concentração de urina. No segmento ascendente espesso, há também a reabsorção de sódio, cloreto e potássio e, em menor quantidade, de cálcio, bicarbonato e magnésio. A reabsorção de sódio nessa área da alça de Henle é devida à grande quantidade de bombas sódio-potássio ATPase, que mantém baixas concentrações de sódio no interior das células, favorecendo o transporte de sódio para dentro das células do epitélio tubular. (a) (b) Figura 9 – Localização da alça de Henle no néfron. a) Parte descendente fina b) Parte ascendente grossa Fonte: Guyton, 2011 Figura 8 – Localização do túbulo proximal no néfron Fonte: Guyton, 2011 16 17 A quantidade de líquido restante é então depositada na parte distal tubular (Fig. 10). A primeira parte tubular distal forma a mácula densa, um grupo de células que estão organizadas de forma compactadas e fazem parte do complexo justaglomerular. Essas células são denominadas células granulares ou células justaglomerulares, e apresentam citoplasma rico em grânulos que contêm renina. Renina é importante porque quebra o angiotensinogênio, gerando a angiotensina I que será, posteriormente, convertido para a enzima peptídeo ativo angiotensina II. A produção de Renina é principalmente produzida por três mecanismos distintos: (i) pelos barorreceptores (receptores de pressão) das células justaglomerulares quando há queda na pressão arterial, (ii) pelas células da mácula densa quando for detectada queda na concentração de íons e (iii) pelas células justaglomerulares quando há estímulo adrenérgico pela noradrenalina. Como já descrito anteriormente, a angiotensina II é importante para a regulação da FG e, consequentemente, para o balanço de sódio e água. A porção seguinte do túbulo distal é praticamente igual ao último segmento da alça de Henle, sendo impermeável à água e à ureia, e comumente chamado de tubo diluidor, pois também dilui o líquido tubular. A seguir, na parte tubular distal inicial, há a absorção de cloreto de sódio por meio do cotransportador de sódio-cloreto que retira o cloreto de dentro do tubo e passa para a célula. Para passar da célula para o interstício, o cloreto é transportado pela bomba de sódio-potássio ATPase. (a) (b) Figura 10 – a) Localização do túbulo distal inicial e b) do túbulo distal fi nal e túbulo coletor no néfron Fonte: Guyton, 2011 A parte final do túbulo distal e a do túbulo coletorse assemelham quanto às características celulares. Ambas possuem dois tipos celulares, as células principais e as células intercaladas. As células principais são responsáveis pela reabsorção de íons de bicarbonato e potássio presentes no tubo e excretam íons de hidrogênio nesse tubo. Já as células principais são responsáveis pela reabsorção de sódio e água e pela secreção de íons de potássio. As células principais podem ser estimuladas pela aldosterona, hormônio produzido pelas células da zona glomerulosa. A aldosterona irá estimular a produção de bombas de sódio-potássio ATPase na superfície das células principais, levando à devolução de sódio para o sangue. Esse mecanismo possibilita a devolução de praticamente 100% do sódio para o sangue 17 UNIDADE Fisiologia do Sistema Renal e é importantíssimo durante um processo hemorrágico, onde há grande quantidade de perda volumétrica de sangue. O principal papel da aldosterona é tentar manter a pressão arterial por meio do transporte de sódio dos túbulos para o sangue. O túbulo distal final é também importante para a reabsorção de água. Já reparou que, quando a ingestão de álcool ocorre em grande quantidade, a vontade de ir ao banheiro aumenta? Isso acontece porque a cada 1,3 mL de álcool ingerido há um aumento na urina de 10 mL. Ex pl or O álcool inibe a produção de vasopressina (também chamado de hormônio diurético ou ADH), hormônio que atua na permeabilidade do túbulo distal final. Na ausência de vasopressina, esses túbulos se tornam impermeáveis à água e toda a água é excretada em forma de urina ao invés de ser reabsorvida como acontece normalmente. É por isso também que, no dia seguinte, um dos principais sintomas da ressaca é a sede. Por prejudicar a reabsorção de água, o álcool também pode causar a desidratação. O ducto coletor medular é responsável pelo processamento da urina, tendo pouca importância para a reabsorção de água e íons (Fig. 11). A permeabilidade dessa parte tubular pode, assim como no túbulo distal, ser controlada pela vasopressina. Se a vasopressina estiver elevada, a água será absorvida e a urina será mais concentrada. Assim como a FG, a reabsorção tubular pode ser controlada de acordo com a necessidade e condições fisiológicas do organismo. Como já posto acima, a reabsorção pode ser regulada pelo hormônio aldosterona, porém, este não é único hormônio que tem essa capacidade. A angiotensina II, o hormônio antidiurético, o hormônio da paratireoide e o peptídeo natriurético atrial, também funcionam como importantes reguladores da reabsorção, cada um atua em uma área tubular diferente e exerce uma função diferente. A tabela abaixo sumariza essas diferenças. Figura 11 – Localização do ducto coletor no néfron Fonte: Guyton, 2011 Tabela 2 – Regulação da reabsorção tubular por diferentes hormônios Hormônio Local de Ação Efeitos Aldosterona Túbulo e ducto coletores ↑ reabsorção de NaCl e H2O, ↑ secreção de K + Angiotensina II Túbulo proximal, porção ascendente espessa da alça de Henle/túbulo distal, túbulo coletor ↑ reabsorção de NaCl e H2O, ↑ secreção de H + Hormônio antidiurético Túbulo distal/túbulo e ducto coletores ↑ reabsorção de H2O Hormônio da paratireoide Túbulo proximal, porção ascendente espessa da alça de Henle/túbulo distal ↓ reabsorção de PO4 ≡, ↑ reabsorção de Ca++ Peptídeo natriurético atrial Túbulo distal/túbulo e ducto coletores ↓ reabsorção de NaCl 18 19 Osmolaridade e a sede Osmolaridade é definida pela quantidade de partículas em um determinado solvente. Os íons de sódio correspondem a 94% dos osmóis de líquidos extracelulares e por isso a sua osmolaridade é importante para o controle da excreção de sódio, ou seja, a quantidade de íons presente nos líquidos extracelulares (osmolaridade sódica) pode aumentar ou diminuir a reabsorção e excreção desses íons. Os principais reguladores desse mecanismo é o sistema de osmoreceptor-ADH e o mecanismo de sede. O déficit na quantidade de água no organismo altera diretamente a osmolaridade sódica. Como há menor quantidade de água, os íons estão mais concentrados nos líquidos extracelulares. Esse aumento na osmolaridade é sentido por neurônios específicos chamados células osmoreceptoras, que estão localizados no hipotálamo anterior, que irão então murchar. Esse murcharmento vai estimular as células a enviar sinais para outros neurônios até o sinal chegar à hipófise. A hipófise irá então estimular a secreção de vasopressina que, através da corrente sanguínea, chegará ao tecido renal e exercerá seu papel no aumento da permeabilidade à água no epitélio da porção final dos túbulos renais e dos ductos coletores (Fig. 12). Com o aumento da permeabilidade, a água será reabsorvida em maior quantidade, aumentando a concentração da água nos líquidos extracelulares e corrigindo a osmolaridade. Figura 12 – Interação do sistema nervoso no controle da osmolaridade sódica através da vasopressina (ADH) Fonte: Guyton, 2011 19 UNIDADE Fisiologia do Sistema Renal Também encontra-se no hipotálamo o centro da sede. Acredita-se que neurônios dessa área atuam como osmoreceptores, ativando o mecanismo da sede, assim como os osmoreceptores estimulam a produção de vasopressina. A osmolaridade elevada nos líquidos extracelulares leva à desidratação dos neurônios dessa área, causando o desejo de sede. Esse centro também pode ser ativado quando há diminuição na pressão arterial e na quantidade de líquido extracelular, o que acontece na hemorragia por exemplo. A sensação de sede também pode ser causada pelo ressecamento da mucosa da boca e do esôfago. Se, por um lado, a hiperosmolaridade (aumento da osmolaridade) desregula a homeostase dos líquidos extracelulares, a hiposmolaridade (redução da osmolaridade) também desregula essa homeostase. Se a sensação de sede não fosse rapidamente controlada, a ingestão de água seria muito maior do que se é devidamente necessário, isso poderia levar a uma hiperdiluição dos íons presentes nos líquidos extracelulares. Os dois principais sistemas de regulação osmótica trabalham em conjunto para manter com precisão a osmolaridade dos líquidos extracelulares, evitando assim quadro patológicos agudos como a desidratação. Esses mecanismos controlam não só a hiperosmolaridade causada pela diminuição de água no organismo, como também controlam a hiperosmolariade causada pela grande ingestão de sódio por meio da dieta. Se esses dois mecanismos estiverem funcionando normalmente, um aumento de até 6x na ingestão de sódio causaria pouca ou nenhuma alteração na osmolaridade sódica. Se um dos mecanismos falhar, o outro consegue manter a regulação da osmolaridade, desde que a ingestão de água seja mantida em níveis normais. Entretanto, se ambos falharem, a regulação da osmolaridade sódica será terrivelmente comprometida. Regulação renal do equilíbrio ácido-básico Outro importante íon presente no organismo é o hidrogênio (H+). Praticamente todos os sistemas de enzima dependem da homeostase de H+ para funcionar adequadamente. A homeostasia deste íon não depende apenas do balanço entre a ingestão/produção de H+ e a sua secreção. Outro mecanismo importante para isto é a manutenção do equilíbrio ácido-básico dos líquidos corporais, e o sistema renal é responsável também por esse equilíbrio. Os íons de hidrogênio são um único próton livre que foi liberado pelo átomo de hidrogênio. Esses íons podem ser liberados por moléculas que contenham H+ na sua composição. Essas moléculas são conhecidas como ácidos, como o ácido clorídrico (HCl), importante para a correta digestão de alimentos. Por outro lado, substâncias básicas são aquelas capazes de receber esse íon de hidrogênio liberado pelas substâncias ácidas. Proteínas também podem ser classificadas como substâncias básicas porque seus aminoácidos com cargas negativas prontamente recebem os íons de H+. Os ácidos podem ser classificados como básicos ou fortes, dependendo da sua 20 21 capacidade de dissociação e liberaçãode íons. Do mesmo modo, as bases também podem ser classificadas em fortes ou fracas, dependendo da sua capacidade de reagir e integrar o H+ liberado pelo ácido. Para medir a concentração de H+ em uma determinada substância utiliza-se o pH, essa medida é inversamente proporcional à quantidade de íons e H+ presentes na substância, ou seja, quanto mais H+ menor será o pH. O pH pode ser alcaloide, ou básico, e ácido. O termo alcalose compreende a remoção excessiva de H+ dos líquidos corporais, enquanto o termo acidose se refere a adição excessiva de H+ aos líquidos corporais. Para regular o pH dos líquidos corpóreos, o organismo possui três diferentes mecanismos: (i) sistema tampão, onde substâncias ácidas se ligam rapidamente a substâncias básicas para evitar alterações bruscas no pH, (ii) respiração, que elimina H2CO3 do líquido extracelular e, (iii) filtração renal, que atua excretando urina ácida ou alcalina, reajustando assim a quantidade de H+ presentes nos líquidos extracelulares. Os dois primeiros mecanismos agem rapidamente para evitar alterações muito bruscas na quantidade de H+, enquanto o último mecanismo é mais demorado, mas, o melhor regulador do sistema ácido-base. Os rins regulam o pH dos líquidos corporais por meio da filtração de enormes quantidade de HCO3 – (bicarbonato). Essas moléculas são continuamente filtradas para os túbulos e quando excretadas pela urina retiram dos líquidos corpóreos as substâncias básicas. As células epiteliais tubulares secretam dentro do tubo o H+, removendo, assim, ácidos do sangue. Para a manutenção do primeiro mecanismo de regulação de pH, o tamponamento ácido-básico, é necessário que os rins reabsorvam a maior quantidade possível de bicarbonato (substância básica que se liga a substâncias ácidas). Esse mecanismo é prejudicado quando ocorre redução de concentração de H+ no líquido extracelular (alcalose). A alcalose impede que o rim reabsorva bicarbonato, ou seja, mais H+ estarão liberados no líquido extracelular, aumentando, assim, a concentração de H+. Por outro lado, quando os líquidos extracelulares estão ácidos, os rins não excretam HCO3 – e sim os reabsorvem. Os rins também podem produzir uma nova molécula de bicarbonato que será, então, devolvida para os líquidos corporais. Importante! Em resumo, o rim regulariza a concentração de H+ por meio de três mecanismos diferentes (i) secreção de H+ da célula para dentro do tubo e posterior excreção pela urina (ii) reabsorção de bicarbonato e (iii) síntese de novo bicarbonato. Em Síntese A secreção de H+ e reabsorção de bicarbonato ocorrem praticamente em toda a extensão do túbulo renal, exceto pelas porções fina descendente e fina ascendente da alça de Henle. Para cada HCO3 – reabsorvido um H+ precisa ser secretado das células para o tubo. Cerca de 85% da reabsorção de HCO3 – e de H+ acontece na porção tubular proximal. 21 UNIDADE Fisiologia do Sistema Renal Sistema renal e exercício físico Durante a prática de exercício físico, o metabolismo pode aumentar de 5 a 20 vezes, e a energia gerada por esse metabolismo é também convertida em calor. Esse calor precisa ser dissipado de alguma forma, a fim de evitar a hipertermia (aumento excessivo de temperatura). A principal forma de eliminar o calor é por meio da sudorese, que requer água para acontecer. Com o aumento da sudorese e, consequentemente, na excreção de água, há alteração na homeostase dos líquidos corporais. Importante! Estima-se que, a cada hora de exercício físico, a perda de água possa chegar a 2 litros, podendo causar hipo-hidratação e hiperosmolaridade. Por isso é importante que o atleta mantenha sempre a ingestão de água durante as atividades físicas. Você Sabia? A hiponatremia (baixa quantidade de sódio nos líquidos corporais) pode ser causada pela ingestão de grande quantidade de água e é o distúrbio eletrolítico mais comum em atletas que participam de atividades físicas de longa duração como, por exemplo, maratonas. Durante a maratona, o atleta perde grande quantidade de sódio por meio da sudorese e também por meio da diluição do sódio pela ingestão de água. A diminuição de sódio no líquido corpóreo pode acarretar a entrada de maior quantidade de água nas células, podendo causar disfunções fisiológicas e causar sintomas como tontura e náuseas. Para evitar que isso ocorra, é necessário que o atleta se hidrate durante a prática do exercício, isto é, mantenha a quantidade de água normal no organismo e se reidrate após a prática, por meio da alimentação e ingestão de bebidas isotônicas (que contenham não só água, mas também íons). Para manter a homeostase do organismo durante a atividade física, o sistema renal dispõe de diferentes mecanismos. Já foi descrito na literatura que durante a atividade física, as concentrações de vasopressina aumentam, aumentando assim a reabsorção da água. Atividade física também pode alterar a angiotensina II, aumentando a conversão da angiotensina I em II, importante vasodilatador que atua na regulação da FG. 22 23 Material Complementar Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Sites Efeitos da hiponatremia https://goo.gl/puDEVo Cruzar a linha de chegada de joelhos é desumano e perigoso, não heroico http://goo.gl/oJnJd9 Vídeos Chegada de Gabriela Andersen-Schiess Jogos Olímpicos de 1984 https://goo.gl/WF140W O Incrível Mundo dos Rins! https://goo.gl/fXOiqO O rim e o néfron | Biologia Humana | Khan Academy https://goo.gl/i4AQ0W 23 UNIDADE Fisiologia do Sistema Renal Referências PITHON-CURI, T. C. Fisiologia do Exercício. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2013. GUYTON, A. C.; HALL, J. E. Tratado de Fisiologia Médica. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011. 24
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